1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL IDENTIFICAÇÃO DE Plasmodium spp. EM PRIMATAS NEOTROPICAIS E EM ANOFELINOS EM MUNICÍPIOS DA ILHA DE SÃO LUÍS, ESTADO DO MARANHÃO, BRASIL Mayra Araguaia Pereira Figueiredo Médica Veterinária 2015 2 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL IDENTIFICAÇÃO DE Plasmodium spp. EM PRIMATAS NEOTROPICAIS E EM ANOFELINOS EM MUNICÍPIOS DA ILHA DE SÃO LUÍS, ESTADO DO MARANHÃO, BRASIL Mayra Araguaia Pereira Figueiredo Orientadora: Profa. Dra. Rosangela Zacarias Machado Tese apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Unesp, Câmpus Jaboticabal, como parte das exigências para obtenção do título de Doutor em Medicina Veterinária, área: Patologia Animal. 2015 3 Figueiredo, Mayra Araguaia Pereira F475i Identificação de Plasmodium spp. em primatas neotropicais e em anofelinos em municípios da Ilha de São Luís, Estado do Maranhão, Brasil. / Mayra Araguaia Pereira Figueiredo. – – Jaboticabal, 2015 x, 138 p. il. ; 28 cm Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, 2015 Orientador: Rosangela Zacarias Machado Banca examinadora: Rosely dos Santos Malafronte, Tiago Wilson Patriarca Mineo, Marcos Rogério André, Ana Patrícia Yatsuda Natsui Bibliografia 1. Diagnóstico molecular. 2. Anopheles spp. 3. Malária. I. Título. II. Jaboticabal-Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. CDU 616.936..636.97 Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação – Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação - UNESP, Câmpus de Jaboticabal. 4 5 DADOS CURRICULARES DO AUTOR MAYRA ARAGUAIA PEREIRA FIGUEIREDO – nasceu na cidade de Imperatriz, Maranhão, no dia 25 de agosto de 1983. É médica veterinária, formada pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Câmpus de São Luís-MA, em 2009. Durante o curso de graduação, foi bolsista de iniciação científica do PIBIC-CNPq. Prestou serviços para o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – Escritório Maranhão (IICA-MA) nos anos de 2008 e 2009, como coordenadora de cursos para trabalhadores rurais e profissionais do campo (Técnicos Agrícolas, Agrônomos, Zootecnistas e Médicos Veterinários). Em agosto de 2009, ingressou no Curso de Pós- Graduação em Medicina Veterinária, área de concentração Patologia Animal, na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias- FCAV-Unesp, câmpus de Jaboticabal- SP, sob orientação da Profa. Dra. Rosangela Zacarias Machado e coorientação da Dra. Silvia Maria Fátima Di Santi, com bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, (FAPESP, Processo 10/01598-9). Mestre em Medicina Veterinária em 2012. Iniciou curso de doutorado em Medicina Veterinária (área de concenração Patologia Animal) em março de 2012, sob orientação da Profa. Dra. Rosangela Zacarias Machado e coorientação da Dra. Silvia Maria Fátima Di Santi, com bolsa concedida pela FAPESP (Processo 12/03961-9). Entre agosto e dezembro de 2012 ministrou a disciplina de Parasitologia no curso de Ciências Biológicas da FCAV-Unesp, com bolsa didática da instituição, e nesse período orientou estágio docência de doutoranda da FCAV-Unesp. 6 “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.” Karl Marx “Só erra quem produz. Mas só produz quem não tem medo de errar.” Autor Desconhecido 7 Ao meu filho, Olivier Nolan, em especial, por me ensinar o que há de mais importante na vida, ser um cidadão consciente dotado de compaixão. Aos meus pais, Valter Cezar e Tereza, pelo amor e carinho incondicional e pelos exemplos de vida. Á minha irmã, pelo carinho, zelo e pelos momentos compartilhados. Ao meu marido, Wilson, pelos incentivos, pela compreensão e parceria no trabalho e por todo o amor. Dedico. 8 AGRADECIMENTOS À profa. Dra. Rosangela Zacarias Machado por ter me orientado, pelos ensinamentos e desafios. À profa. Dra. Silvia Maria Fátima Di Santi pelos ensinamentos, dedicação, respeito e acima de tudo, pelo carinho com que sempre tratou a mim e a este trabalho. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, pela concessão da bolsa de doutorado (Processo 12/03961-9) e auxílio à pesquisa (Processo 10/12820-4), viabilizando a realização deste trabalho. Aos funcionários do Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) de São Luís, em especial, Valmir e Claudenir, que sempre me receberam com respeito, carinho e alegria. Ao amigo Roberto Veloso, que sempre contribuiu com minha vida acadêmica desde a graduação, no qual me orientou no meu primeiro estágio, no CETAS de São Luís. E desde então, sempre auxiliou em tudo que precisei para realizar meus trabalhos. Aos funcionários do Sítio Aguahy, em especial Dona Maria e seu João, pela ajuda e carinho com que sempre me recebem. Aos amigos e professores da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) que sempre disponibilizaram os laboratórios. Aos funcionários da FUNASA de São Luís pelo apoio técnico na captura e identificação dos anofelinos. Em especial a Orzinete Rodrigues Soares Chefe do Departamento de Endemias da Secretaria de Estado da Saúde (SES-MA) e Elizaldo Costa. Aos biólogos Agostinho Pereira e Joudellys Andrade pela disposição em auxiliar nas capturas e pela identificação de anofelinos. Aos amigos do Laboratório de Imunoparasitologia, Márcia, Carla, Aline, Paulo, Otávio, Jenevaldo, Carlos, Luís, e Marquinhos (prof. Marcos), por compartilhar seus conhecimentos, pela colaboração e claro, pelas boas risadas. Aos queridos colegas doadores de sangue para a cultura de Plasmodium falciparum, Jean, João, Renan, Adoni e Simone. Que deram “o sangue” para essa pesquisa. À Rafa pelas boas conversas, colaboração e algumas vezes terapia. Às amigas do Laboratório de Malária da SUCEN, Gisele, Juliana, Angélica, e Dida, que sempre me receberam com novidades e carinho. 9 Aos meus pais pelo apoio dado sempre que solicitado e principalmente nos períodos de trabalho de campo. Ao meu esposo pela fundamental participação na captura dos primatas e anofelinos. Que não literalmente deu seu sague para me ajudar A todos os funcionários do Departamento de Patologia Veterinária. Ao Arvelino pelo seu trabalho. A todos os animais do CETAS de São Luís, no qual devo meu aprendizado, minhas indagações e meu amor por trabalhar com o desconhecido. Sem os quais, este trabalho e os outros que o precederam, não teriam existido. A todos, MUITO OBRIGADA! viii SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS ...................................................................................................... xi LISTA DE TABELAS .................................................................................................... xv RESUMO ...................................................................................................................... xvi ABSTRACT ................................................................................................................. xvii 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1 2. REVISÃO DE LITERATURA ...................................................................................... 2 2.1 Malária: aspectos gerais ....................................................................................... 2 2.2 Malária no Mundo e no Brasil ................................................................................ 5 2.3 Malária no Estado do Maranhão ........................................................................... 9 2.4 Malária em primatas não humanos ..................................................................... 11 2.5 Anofelinos: mosquitos vetores ........................................................................... 14 2.6 Anofelinos e malária simiana .............................................................................. 17 2.7 Métodos de diagnóstico da malária .................................................................... 21 2.7.1 Diagnóstico morfológico .................................................................................. 21 2.7.2 Teste imunocromatográfico de diagnóstico rápido (TDR) ........................... 22 2.7.3 Diagnóstico sorológico ..................................................................................... 23 2.7.4 Diagnóstico molecular ...................................................................................... 24 3. OBJETIVOS .............................................................................................................. 27 3.1 Geral ....................................................................................................................... 27 3.2 Específicos ............................................................................................................ 27 4. MATERIAL E MÉTODOS ......................................................................................... 28 4.1 Aspectos éticos ..................................................................................................... 28 4.2 Áreas de estudo .................................................................................................... 28 4.2.1 Centro de Triagem de Animais Silvestres de São Luís ................................. 29 4.2.2 Reserva Particular Sítio Aguahy, São José de Ribamar ............................... 30 4.2.3 Sítio Mangalho, Área de Proteção Ambiental do Maracanã (APA), São Luís ....................................................................................................................................... 31 4.3 Espécies amostradas ........................................................................................... 32 4.4 Captura de primatas ............................................................................................. 32 4.5 Contenção física e química ................................................................................. 33 4.6 Colheita de amostra biológica de sangue ......................................................... 33 4.7 Captura e identificação de anofelinos ................................................................ 36 4.8 Processamento das amostras ............................................................................. 43 4.8.1 Confecção de lâminas de esfregaço sanguíneo e gota espessa ................. 43 4.8.2 Diagnóstico imunocromatográfico – Teste de Diagnóstico Rápido (TDR). 43 4.8.3 Diagnóstico molecular ...................................................................................... 45 4.8.3.1 Extração de DNA de amostras de sangue de primatas neotropicais ....... 45 4.8.3.2 Extração de DNA de “pool” de anofelinos .................................................. 46 4.8.3.3 Reação em Cadeia da Polimerase – PCR convencional ............................ 46 4.8.3.4 Eletroforese de DNA em gel de agarose ...................................................... 51 4.8.3.5 Sequenciamento ............................................................................................. 52 4.8.3.6 Análise das sequências ................................................................................. 52 4.8.3.7 PCR em tempo real para identificação do gênero Plasmodium baseada no gene 18S em amostras de sangue de primatas neotropicais e em “pools” de anofelinos .................................................................................................................... 53 4.8.3.7.1 Amplificação de fragmento do gene 18S de DNA para construção de plasmídeos ................................................................................................................... 53 4.8.4.7.2 Preparo de plasmídeo para uso em PCR em tempo real ........................ 53 4.8.3.7.3 Descrição da reação da PCR em tempo real para Plasmodium ............ 56 ix 4.8.3.8 Amplificação Mediada por Circuito Isotérmico – Loop-Mediated Isothermal Amplification (LAMP) para identificação de Plasmodium em amostras de sangue de primatas neotropicais e em ‘pollos’ de anofelinos ...... 56 4.8.4 Testes sorológicos ............................................................................................ 57 4.8.4.1 Manutenção de cultura de Plasmodium falciparum ................................... 57 4.8.4.1.1 Obtenção de antígenos de Plasmodium falciparum para confecção de lâminas de Imunofluorescência Indireta .................................................................. 58 4.8.4.1.2 Preparação do antígeno solúvel de proteínas de roptrias de P. falciparum para ELISA-teste ...................................................................................... 59 4.8.4.2 Infecção de camundongos BALB/c com cepa de Plasmodium berghei .. 60 4.8.4.2.1 Obtenção de antígenos de Plasmodium berghei para confecção de lâminas de imunofluorescência indireta .................................................................. 60 4.8.4.2.2 Preparação do antígeno solúvel de proteínas de roptrias de Plasmodium berghei para ELISA-teste .................................................................... 61 4.8.4.3 Visibilização das proteínas solúveis de roptrias de P. falciparum e P. berghei em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE) ....................................................... 61 4.8.4.4 Reatividade das proteínas solúveis de roptrias de P. falciparum e P. berghei pelo Western blotting ................................................................................... 62 4.8.4.5 Análise da reação das proteínas solúveis de roptrias de P. falciparum e P. berghei pelo Dot-ELISA ......................................................................................... 63 4.8.4.6 Reação de imunofluorescência indireta (RIFI) ............................................ 64 4.8.4.6.1 Descrição da RIFI para Plasmodium falciparum e P. berghei ................ 64 4.8.4.6.2 Descrição da RIFI para Plasmodium malariae ......................................... 65 4.8.4.7 Descrição da reação do ELISA-teste usando antígeno solúvel de proteínas de roptrias de P. falciparum e de P. berghei .......................................... 65 4.8.5 Identificação molecular da fonte alimentar de anofelinos ............................ 66 5. RESULTADOS ......................................................................................................... 69 5.1 Espécies de primatas não humanos amostradas ............................................. 69 5.2 Diagnóstico morfológico: gota espessa e esfregaço sanguíneo ................... 69 5.3 Diagnóstico imunocromatográfico – Teste de Diagnóstico Rápido (TDR) .... 70 5.4 Diagnóstico molecular ......................................................................................... 70 5.4.1 PCR convencional para pesquisa de Plasmodium spp. em amostras de sangue de primatas neotropicais .............................................................................. 70 5.4.1.1 Análise das sequências de Plasmodium de amostras de primatas neotropicais ................................................................................................................. 73 5.4.1.2 Pesquisa de DNA de Plasmodium pela PCR em tempo real (qPCR) ........ 74 5.4.1.3 Pesquisa de DNA de Plasmodium pela técnica de LAMP ......................... 74 5.5 Diagnóstico sorológico ........................................................................................ 76 5.5.1 Pesquisa de anticorpos anti-Plasmodium spp. em amostras de soro de primatas neotropicais pela RIFI, utiliando antígenos de P. falciparum e P. malariae ........................................................................................................................ 76 5.5.2 Confirmação da separação das proteínas solúveis de roptrias de P. falciparum e P. berghei pelo SDS-PAGE e Western blotting ................................. 77 5.5.3 Pesquisa de reatividade anti-Plasmodium spp. pelo ELISA-teste indireto em soro de humanos (controles positivos e negativos), usando antígenos de proteínas de roptrias de P. falciparum e de P. berghei .......................................... 79 5.6 Pesquisa de Plasmodium spp. em “pools” de anofelinos ............................. 81 5.6.1 Espécies de anofelinos e pontos de captura ................................................. 81 5.6.2 Diagnóstico molecular em amostras de DNA de “pool” de anofelinos ...... 83 5.6.2.1 PCR convencional e sequenciamento ......................................................... 83 5.7 Identificação molecular de fonte alimentar de anofelino ................................ 84 6. DISCUSSÃO ............................................................................................................. 85 7. CONCLUSÃO ........................................................................................................... 96 x 8. REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 97 APÊNDICE A .............................................................................................................. 115 APÊNDICE B .............................................................................................................. 119 xi LISTA DE FIGURAS Figura 1. Ciclo de vida do Plasmodium no vetor e no hospedeiro vertebrado. ilustrando as fases pré-eritrocítica e eritrocítica. Fonte: adaptado de Suh, Kain e Keystone (2004). ...................................................................................................................... 5 Figura 2. Áreas de transmissão da malária no mundo: em vermelho, área de transmissão de malária; amarelo, área onde a doença ocorre em algumas partes; em verde, área onde não se conhece casos de malária autóctone. Fonte: adaptado de CDC (2015). .............................................................................................................................. 7 Figura 3. Fases do ciclo biológico de Anopheles: ovo, larva, pupa e adulto. Fonte: Carmo (2006). ........................................................................................................................ 15 Figura 4. Interações entre mosquitos-hospedeiros e a possível resposta de mosquitos antropofílicos aos odores voláteis de hospedeiros humanos e primatas não humanos. Adaptado de Verhulst, Smallegange e Takken, 2012. .......................... 18 Figura 5. Vista aérea das instalações do CETAS de São Luís-MA (à esquerda) e imagem da entrada do centro (à direita). Fonte: Digital Globe. ...................................... 29 Figura 6. Imagem de satélite da Reserva Particular Sítio Aguahy mostrando a delimitação da reserva. Fonte: Google Maps. ................................................................... 30 Figura 7. Imagem de satélite da Ilha de São Luís do Maranhão identificando a localização do Sítio Mangalho na APA do Maracanã, município de São Luís. ........... 31 Figura 8. Colheita de sangue em primata neotropical sob efeito de contenção química: A – venopunção da veia jugular de Sapajus sp.; B – venopunção da veia femoral de Saimiri sciureus. ................................................................................................. 34 Figura 9. Espécime de Sapajus sp., macho, capturado no Sítio Aguahy, município de São José de Ribamar-MA, marcado com tinta vermelha após colheita de sangue. ... 35 Figura 10. Punção digital em exemplar de Saimiri sciureus para o preparo das lâminas de esfregaço sanguíneo e gota espessa. ........................................................... 35 Figura 11. Fluxograma com o número de amostras de sangue colhidas e os respectivos exames realizados no período 2009 a 2015. ............................................... 36 Figura 12. Armadilha tipo CDC montada no Sítio Aguahy, São José de Ribamar-MA: A – armadilha sendo colocada na copa das árvores; B- ponto de captura de anofelinos próximo à coleção de água. .............................................................................. 37 Figura 13. Demonstração do uso do capturador de sucção tipo Castro (seta grossa) e transferência do mosquito diretamente para gaiola telada de armazenamento (seta fina). ......................................................................................................................................... 38 Figura 14. Armadilha Shannon montada em trilha do Sítio Aguahy, São José de Ribamar, Estado do Maranhão. ........................................................................................... 38 xii Figura 15. Pesquisa de criadouros de anofelinos em área de mangue no Sítio Aguahy, São Jose de Ribamar, Maranhão: A – área de mangue no período seco (janeiro de 2013); B – mangue bem próximo da área de praia. ..................................... 39 Figura 16. Imagem dos pontos de capturas de anofelinos no período de junho a julho de 2013 no Sítio Aguahy, São José de Ribamar-MA: A – imagem de satélite dos pontos de capturas; B - Laguinho artificial (área de mata aberta), primeiro ponto de captura no Sítio Aguahy. Nesse ponto foi utilizada atração humana protegida; C – armadilha luminosa tipo CDC colocada a dois metros do solo, na parte do córrego que leva água ao laguinho artificial; URA de 86% e temperatura de 26,7ºC; Coordenadas 02.644.35’S, 04.413.955’O. ......................................................................... 40 Figura 17. Captura de anofelino no Sítio Mangalho, localizada na APA do Maracanã, São Luís, Maranhão, no mês de julho de 2013. Armadilha Shanonn com uso de isca luminosa e iscas humanas protegidas. .............................................................................. 41 Figura 18. Fluxograma dos trabalhos realizados com os anofelinos, desde a captura até o processamento das amostras de DNA. .................................................................... 42 Figura 19. Características do kit imunocromatográfico “First response Malaria Ag. pLDH/HRP2 Combo P.f. and PAN Detection Card Test” mostrando teste válido e negativo para as quatro espécies P. vivax, P. falciparum, P. malariae e P. ovale: setas – indicação na membrana onde ocorre a reação antígeno-anticorpo; poço para depósito da amostra; e poço para depósito do tampão................................................... 45 Figura 20. Mapa do vetor de clonagem pGEM-T Easy (Promega®, Madison, Wisconsin,Estados Unidos).................................................................................................. 54 Figura 21. Imagem de gel de agarose 2% do protocolo gênero-específico de Gama et al. (2007) que resulta em um fragmento de 84 pb. Usou-se na primeira canaleta o marcador molecular de 50 pb (Life Technologies); Canaleta 2 e 3: controles positivos usados como DNA molde de P. falciparum e P. malariae, respectivamente. Canaletas 4 a 10: clones de P. falciparum (PF1, PF2, PF3 e PF4) e P. malariae (PM1, PM2 e PM3), respectivamente. ........................................................................................................ 55 Figura 22. Fotomicrografia dos parasitas visualizados por microscopia de luz em lâminas de esfregaço sanguíneo de primatas neotropicais amostrados no CETAS- São Luís: A – trofozoítas em forma de anel de amostra de Sapajus sp. (macho); B – trofozoíta de amostra de Callithrix jacchus (macho). Coloração de Giemsa, objetiva 100x. ........................................................................................................................................ 70 Figura 23. Fotografia de eletroforese em gel de agarose 1% corado com brometo de etídeo. Os produtos amplificados são relativos a primeira reação da PCR descrita por Rubio et al. (1999) para identificação de Plasmodium, na qual podem ser visualizados um fragmento de 231pb referente ao gene endógeno (fragmento 18S de DNA conservado entre as espécies de mamíferos); e outro fragmento maior, gênero- específico de 783 a 821 pb, que identifica positividade para Plasmodium (o tamanho varia de acordo com a espécie). Foi usado marcado de peso molecular de 100 pb (primeira canaleta), seguido do controle negativo (água ultrapura), dos controles xiii positivos para P. vivax (PV), para P. malariae (PM) e para P. falciparum (PF), respectivamente, e amostras-teste. .................................................................................... 71 Figura 24. Fotografia de eletroforese em gel de agarose 2% corado com brometo de etídeo. Os produtos mostrados são relativos à primeira reação da PCR padronizada por Kimura et al. (1997) para o gênero Plasmodium. Foi usado marcado de peso molecular de 50 pb (primeira canaleta), seguido do controle positivo de P. falciparum (PF), controle negativo (água ultrapura) e as amostras-teste de Callithrix jacchus (107 a 109) e de Saimiri sciureus (110 a 113). As amostras positivas amplificaram na altura de 110pb (106 a 113). ................................................................................................ 72 Figura 25. Fotografia de eletroforese em gel de agarose 1% corado com brometo de etídeo. Os produtos mostrados são relativos à primeira reação da PCR padronizada por Snounou et al. (1993) para identificação do gênero Plasmodium. Foi usado marcado molecular de 100 pb (primeira canaleta), seguido do controle positivo de P. falciparum (PF), controle negativo (água ultrapura) e as amostras-teste de Sapajus sp. do CETAS-São Luís. As amostras positivas amplificaram na altura de 1200pb (127, 128, 129, 131 e 65). .................................................................................................... 73 Figura 26. Fotografia de eletroforese em gel de agarose 2% corado com brometo de etídeo. O produto amplificado é da reação espécie-específica para P. malariae, que gera fragmento de 144pb (SNOUNOU et al. 1993). Primeira canaleta: marcador molecular de 100pb, seguido de controles positivos para P. malariae, da água ultrapura (controle negativo) e das amostras-teste (120 a 130). A amostra 123 é de exemplar de Sapajus sp. do CETAS-São Luís. ................................................................ 73 Figura 27. Curva de amplificação do DNA de Plasmodium spp. pela técnica de LAMP usando controles positivos para P. vivax (Pv), P. malariae (Pm) e P. falciparum (Pf) e plasmídeo construído a partir de fragmento de DNA de P. falciparum diluídos na base 10. ................................................................................................................................... 75 Figura 28. Curvas de dissociação de produtos amplificados pelo LAMP de Plasmodium spp. Controles positivos para P. vivax (Pv), P. malariae (Pm) e P. falciparum (Pf) e plasmídeo construído a partir de fragmento 18S de DNA de P. falciparum diluídos na base 10. .......................................................................................... 76 Figura 29. Fotomicrografia da reação de imunofluorescência indireta para pesquisa de anticorpos contra P. malariae: A – soro humano controle positivo, objetiva de 100x; B – soro controle humano negativo, objetiva de 40x; C – amostra sororreagente na diluição 1:20 de exemplar de Sapajus (macho) do CETAS-São Luís, objetiva de 40x. ............................................................................................................ 77 Figura 30. Eletroforese em gel de poliacrilamida 12% (SDS-PAGE), corado com Comassie Briliant Blue R-250, de amostras protéicas de roptrias de cultura de P. falciparum e de inoculação em camundongos BALB/c com cepa de P. berghei. Foi usado na linha 1 marcador de peso molecular Unstained Protein (Thermo Scientific), seguido (2 a 5) de fração de proteínas de roptrias de P.falciparum e P. berghei (6 a 9). ............................................................................................................................................. 78 xiv Figura 31. Visibilização da fração de proteínas de roptrias de P. berghei em membrana de nitrocelulose pelo Western blotting após incubação da membrana com amostras de soros humanos, controle positivo e negativo para P. falciparum. Foi usado marcador de peso molecular (linha 1) Prestained Protein (Thermo Scientific), seguido de soro humano positivo para P. falciparum nas diluições de 1:20 (linha 2), 1:50 (linha 4) e 1:100 (linha 6); soro humano negativo para Plasmodium spp. nas diluições de 1:20 (linha 3); 1:50 (linha 5) e 1:100 (linha 7). ............................................ 79 Figura 32. Fotografia da reatividade dos antígenos solúveis de proteínas de roptrias com amostras de soros humanos e de camundongos em membranas de nitrocelulose pela técnica de Dot-ELISA na diluição 1:100: A – reatividade entre o antígeno de proteínas de roptrias de P. falciparum e as amostras de soros humanos positivos para P. falciparum (PF), P. vivax (PV), P. malariae (PM) e soro de paciente curado de P. vivax há um ano (PC), 1, 2, 3 e 4 são soros humanos negativos para Plasmodium spp.; B – reatividade entre o antígeno de roptrias de P. berghei e o soro de camundongo infectado com P. berghei (PB) e soros humanos positivos para PF, PV e PM, respectivamente, e soro de camundongo negativo (C), seguido de soros humanos negativos (1, 2 e 3). ............................................................................................. 80 xv LISTA DE TABELAS Tabela 1. Espécies de primatas neotropicais amostradas no período de 2009-2014, nome comum, local de captura e sexo. .............................................................................. 32 Tabela 2. Dosagens anestésicas da associação de Cloridrato de Tiletamina e Cloridrato de Zolazepam (Zoletil®) aplicadas via intramuscular para a imobilização química de diferentes espécies de primatas neotropicais............................................... 33 Tabela 3. Descrição dos oligonucleotídeos iniciadores, e descrição das sequências térmicas utilizadas para detecção molecular das espécies de Plasmodium segundo protocolo de Kimura et al. (1997). ....................................................................................... 47 Tabela 4. Descrição dos oligonucleotídeos iniciadores, sequências térmicas e tamanho de fragmento de DNA gerados pelas reações de PCR descrito por Rubio et al. (1999) utilizados na detecção molecular de Plasmodium spp. e do controle endógeno (gene 18S rRNA). ................................................................................................ 48 Tabela 5. Descrição dos oligonucleotídeos iniciadores e das sequências térmicas de dois protocolos, Santos et al. (2009) e Singh et al. (1999), realizados em associação para detecção molecular do gênero Plasmodium (18s rRNA). ...................................... 50 Tabela 6. Descrição da reação gênero-específica (SNOUNOU et al., 1993) para detecção molecular do gênero Plasmodium e sequências térmicas. ............................ 51 Tabela 7. Oligonucleotídeos iniciadores usados na amplificação do gene 18S rRNA pela reação de LAMP. ........................................................................................................... 57 Tabela 8. Sequência de oligonucleotídeos iniciadores, baseados no gene citocromo B (Cit B) usados na identificação da fonte alimentar de mosquitos anofelinos (CHANG et al. 2008). ............................................................................................................................. 68 Tabela 9. Sequência de oligonucleotídeos iniciadores baseado na região intron 2 do gene β2-microglobulina de primatas neotropicais (CANAVEZ et al., 1999), usados na identificação da fonte alimentar de mosquitos anofelinos. .............................................. 68 Tabela 10. Número de exemplares de Anopheles sp. por subgênero, espécie de anofelino e o local de captura na Ilha de São Luís, Maranhão, no ano de 2013. ....... 83 xvi IDENTIFICAÇÃO DE Plasmodium spp. EM PRIMATAS NEOTROPICAIS E EM ANOFELINOS EM MUNICÍPIOS DA ILHA DE SÃO LUÍS, ESTADO DO MARANHÃO, BRASIL RESUMO – A malária é a endemia de maior impacto na Saúde Pública de países tropicais, devido à alta morbidade e mortalidade. Considerando a malária como uma zoonose, nos quais primatas podem funcionar como reservatórios de espécies de Plasmodium que podem infectar seres humanos nos levam a realizar estudos de malária em primatas com inquestionável relevância. Sabendo-se que geralmente a distribuição da malária humana e de primatas segue a mesma distribuição dos anofelinos, mosquitos vetores, neste trabalho investigaram-se a presença de Plasmodium spp. em primatas neotropicais e em anofelinos na Ilha de São Luís, Estado do Maranhão, Brasil. Colheram-se amostras de sangue de primatas neotropicais do CETAS-São Luís (n=141) e de vida livre (n=20) da Reserva Particular Sítio Aguahy, município de São José de Ribamar. Mosquitos anofelinos foram capturados nesta mesma reserva (n=380) e no Sítio Mangalho (n=36), localizado na Área de Proteção Ambiental do Maracanã, município de São Luís, totalizando em 54 “pools”. As amostras de sangue de primatas foram submetidas a testes morfológicos, sorológicos (RIFI e ELISA-teste) e moleculares (qPCR e PCR convencional) para identificação de Plasmodium. Os “pools” de mosquitos foram ensaiados por testes moleculares para identificação de Plasmodium. Cinco primatas tiveram lâminas positivas (3,10%) com observação de formas trofozoíticas. Na RIFI quatro amostras de soro de primatas sororreagiram frente ao antígeno de P. malariae. Amplificaram para Plasmodium sp. na qPCR 34,16% (55/161) das amostras de primatas. Na PCR convencional 30,43% (49/161) foram positivas, sendo 47 (47/49) para P. brasilianum/P. malariae e 2 (2/49) para P. simium/P. vivax. Foram sequenciadas quatro amostras de DNA de primatas, que apresentaram identidade com P. malariae (n=2),com Plasmodium ZOOBH (n=1) e com P. falciparum (n=1). Três “pools” de anofelinos foram positivos para Plasmodium na qPCR (3/54) e na PCR convencional. No sequenciamento as amostras apresentaram identidade com P. falciparum (n=1), P. vivax (n=1) e com Plasmodium ZOOBH (EF090276). Devido à contínua e crescente invasão do ambiente silvestre pelas populações humanas, o potencial zoonótico sempre deve ser considerado. Assim como, o comportamento e a capacidade de adaptação de parasitas e vetores de populações silvestres para a população humana. Dessa forma, estratégias com base em mais pesquisas precisam ser desenvolvidas para a prevenção e o diagnóstico da malária zoonótica. Palavras-chave: diagnóstico molecular, Anopheles spp., malária, ciclo zoonótico, sorologia. xvii IDENTIFICATION of Plasmodium spp. IN NEOTROPICAL PRIMATE AND ANOPHELINES IN MUNICIPALITIES OF SÃO LUÍS ISLAND, STATE MARANHÃO, BRAZIL ABRSTACT: Malaria is a disease of greater impact on Public Health in tropical countries because of the high morbidity and mortality. Considering malaria as a zoonosis in which primates can act as reservoirs of species of Plasmodium that can infect humans lead us to conduct malaria studies in primates with unquestionable relevance. It is generally know that the distribution of human and primate malaria following the same distribution of Anopheles mosquitoes vectors, in this study we investigated the presence of Plasmodium spp. in neotropical primates and Anopheles in São Luís Island, Maranhão State, Brazil. Samples were blood neotropical primates CETAS-São Luís (n = 141) and wild life (n = 20) Private Reserve Sítio Aguahy, São José de Ribamar. Anopheles mosquitoes were captured in the same reserve (n = 380) and Mangalho site (n = 36), located in the Environmental Protection Area of the Maracanã, São Luís, totaling 54 pools. The primate blood samples were subjected to morphological, serological (IFA and ELISA-test) and molecular (qPCR and conventional PCR) to identify Plasmodium. The "pools" of mosquitoes were assayed by testing for molecular identification of Plasmodium. Five primates had positive slides (3.10%) with observation trofozoíticas forms. In IFA four primate serum samples sororreagiram against the antigen of P. malariae. Amplified Plasmodium sp. qPCR at 34.16% (55/161) of samples of primates. In conventional PCR 30.43% (49/161) were positive, 47 (47/49) for P. brasilianum/P. malariae and 2 (2/49) to P.simium/P. vivax. Were sequenced DNA samples from four primates which showed identity with P. malariae (n = 2), Plasmodium ZOOBH (n = 1) and P. falciparum (n = 1). Three pools of Anopheles were positive for Plasmodium in qPCR (3/54) and conventional PCR. The sequencing samples showed identity to P. falciparum (n = 1), P. vivax (n = 1) and Plasmodium ZOOBH (EF090276). Due to the continued and increasing encroachment to forests by human populations, the zoonotic potential should always be considered. As well as the behavior and the adaptability of parasites and vectors of wild populations to human population. Thus, strategies based on further research must be developed for the diagnosis and prevention of zoonotic malaria. Keywords: molecular diagnosis, Anopheles spp, malaria, zoonotic cycle, serology. 1 1. INTRODUÇÃO O conhecimento e o controle das zoonoses são importantes para o presente e para as gerações futuras, visto que cerca de 75% das doenças humanas emergentes, nos últimos 10 anos, foram causadas por agentes patogênicos provenientes de animais (WHO, 2014a). Consequência do crescimento sócioeconômico que aproxima o ser humano do ambiente silvestre e vice-versa, implicando em mudanças ecoepidemiológicas que representam um risco para a Saúde Pública (DHIMAN et al., 2014). Recentemente, pode ser observada a mudança na ecoepidemiologia do Plasmodium knowlesi, espécie de protozoário que originalmente acomete primatas do gênero Macaca. Com a aproximação dos humanos do ambiente silvestre, no qual a cadeia epidemiológica estava em equilíbrio, surtos da doença em humanos na Ásia passaram a ser notificados nos últimos 15 anos. Hoje, essa espécie é responsável pelo maior número de casos de malária humana na Malásia (68%) (HANSEN et al., 2013). Essa possibilidade de adaptação dos patógenos de hospedeiros primatas não humanos para hospedeiros humanos se dá pela estreita relação filogenética. Fato já observado em doenças como a febre amarela, o vírus Chikungunia, a Giardia lamblia e, claro, espécies de Plasmodium (VERHULST; SMALLEGANGE; TAKKEN, 2012). Tal fato reforça o retorno das pesquisas de malária em primatas neotropicais no Brasil, iniciadas na década de 70. Essas pesquisas produziram uma vasta literatura de identificação de plasmódios em primatas neotropicais (DEANE et al., 1971; DEANE, 1976). Um estudo soroepidemiológico revelou que humanos e primatas neotropicais, coexistindo em áreas de mata, possuíam anticorpos frente às mesmas espécies de plasmódios. Esse estudo corrobora a hipótese de que em áreas de florestas no Brasil (Floresta Amazônica e Mata Atlântica) possa ocorrer malária zoonótica (ARRUDA et al., 1989; ALVARENGA et al., 2015). O Estado do Maranhão possui área de Floresta Amazônica, a qual concentra o maior número de casos humanos de malária (OLIVEIRA- PEREIRA; REBÊLO, 2000). No entanto, nos últimos dez anos, o Estado tem registrado menor número de notificações da enfermidade. Contudo, nenhum 2 monitoramento foi realizado por parte das autoridades em saúde deste Estado sobre plasmódios em primatas neotropicais desde a década de 70, quando foram diagnosticados com P. malariae sete bugios (Alouatta belzebul belzebul) (FERREIRA-NETO; DEANE; CARNEIRO, 1970). Dessa forma, dando continuidade aos trabalhos iniciados no ano de 2009 sobre pesquisa de malária em primatas neotropicais na Ilha de São Luís (FIGUEIREDO, 2012; FIGUEIREDO et al., 2015) e com indagações intrigantes sobre como os primatas se mantêm infectados com plasmódios nesta localidade, objetivou-se pesquisar a presença de plasmódios em primatas neotropicais de cativeiro e de vida livre e em anofelinos em municípios da Ilha de São Luís, Maranhão. 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Malária: aspectos gerais O gênero Plasmodium é o único da Família Plasmodiidae, a qual inclui mais de 125 espécies de parasitos que infectam répteis, aves e mamíferos. Quatro espécies são consideradas parasitos do homem: P. ovale, P. falciparum, P. vivax e P. malariae. No Brasil, ocorrem apenas as três últimas espécies. Todos os vetores do Plasmodium são dípteros, culicídeos do gênero Anopheles, destacando-se as espécies A. gambiae (África) e A. darlingi (América). Este último é a espécie de maior importância epidemiológica pela sua abundância, ampla distribuição no território brasileiro, alto grau de antropofilia e endofilia e capacidade de transmitir diversas espécies de Plasmodium. A classificação taxonômica do Plasmodium utilizada neste trabalho é de Levine et al. (1980), a qual faz parte do Filo Apicomplexa, que inclui parasitos de importância veterinária e humana. São parasitos intracelulares obrigatórios (na maioria dos casos), apresentam ciclo de vida complexo e geralmente tem dois hospedeiros (um invertebrado e outro vertebrado); Classe Sporozoeba, subordem Haemosporina e o único gênero da família Plasmodiidae. O modo de transmissão é bem sucedido, graças à presença do 3 complexo apical dotado de organelas com enzimas especializadas na lise de membranas das células alvo de invasão (PREISER et al., 2002; COWMAN;CRABB, 2006). Plasmodium se desenvolve de forma diferente em cada hospedeiro. Nos hospedeiros invertebrados (definitivos), ou seja, mosquitos do gênero Anopheles, o desenvolvimento é sexuado, iniciando-se quando a fêmea do mosquito pica um hospedeiro vertebrado infectado para se alimentar, ingerindo cerca de cinco picolitros de sangue e, com ele, macro e microgametócitos. No estômago do mosquito, devido aos movimentos de contração e expansão, os gametócitos rompem as hemácias e ficam livres. Durante esse processo, o núcleo do microgametócito se divide em diversas partículas de cromatina, em forma de flagelo, que aderem à superfície do citoplasma agitando-se continuamente. Pelo processo de “exflagelação”, os microgametas se desprendem do corpo residual e movimentam-se à procura do macrogametócito. Quando o encontra, penetram no vértice de uma pequena elevação do seu citoplasma. Com o encontro dos núcleos dá-se a fertilização, formando o zigoto, o qual se movimenta (o oocineto), penetrando no epitélio da parede do estômago do mosquito (ANTINORI et al., 2012). Então transforma-se em oocisto dentro do epitélio, onde se dá a esporogonia. Quando estão maduros, os oocistos rompem-se liberando os esporozoítas na hemocele (período de maturação do oocisto que, em condições ótimas de temperatura, se dá por volta de quatro a 15 dias, período considerado como incubação extrínseca). Os esporozoítas movimentam-se atingindo praticamente todo o corpo do mosquito e, principalmente, as glândulas salivares, de onde são liberados durante o repasto sanguíneo. Os hospedeiros vertebrados (intermediários) são infectados quando picados por fêmeas do mosquito contendo esporozoítas nas glândulas salivares. Estes inoculam os esporozoítas na corrente sanguínea, que migram para o fígado, em até trinta minutos. Por meio das células de Kupffer chegam aos hepatócitos. As moléculas de adesão da proteína circunsporozoíta (CSP), uma das principais proteínas de superfície do esporozoíta, reconhecem as moléculas sulfatadas das membranas dos hepatócitos. Os parasitos então se aderem e penetram na célula, passando pela primeira esquizogonia, dando origem aos esquizontes, que evoluem para estágios invasivos, os merozoítas 4 (COWMAN; CRABB, 2006). Ao final do ciclo tecidual, os esquizontes rompem os hepatócitos, liberando milhares de merozoítas na corrente sanguínea. Cada hepatócito rompido libera cerca de 2.000 merozoítas quando a infecção é devida ao P. malariae, 10.000 pelo P. vivax e 40.000, quando devida ao P. falciparum (ANTINORI et al., 2012). Esses eventos caracterizam o período exoeritrocítico (período pré- patente), que dura entre oito a 15 dias. Os milhares de merozoítas que são lançados na corrente sanguínea e vão invadir os eritrócitos jovens, maduros ou velhos dependem da espécie. A partir daí, inicia-se o segundo ciclo de reprodução assexuada dos plasmódios: o ciclo sanguíneo ou eritrocítico. A espécie P. malariae somente invadem hemácias velhas (0,1% do total); P. vivax e P. ovale, por sua vez, invade preferencialmente as hemácias jovens; e o P. falciparum, hemácias em qualquer fase do desenvolvimento (ANTINORI et al., 2012). Em P. vivax e P. ovale, uma parte dos parasitas mantém-se dormente no fígado (os hipnozoítas) e são responsáveis pelas recaídas tardias (SUH et al., 2004). Na fase eritrocítica, os merozoítas sofrem esquizogonia, originando trofozoítas e esquizontes, os quais se rompem e liberam merozoítas que vão invadir novos eritrócitos. Após um período de reprodução assexuada, alguns parasitas evoluem para gametócitos (macro e microgametócitos), os quais são ingeridos pelo mosquito vetor, reiniciando o ciclo. A Figura 1 ilustra de maneira simplificada o ciclo de vida do Plasmodium. 5 Figura 1. Ciclo de vida do Plasmodium no vetor e no hospedeiro vertebrado, ilustrando as fases pré-eritrocítica e eritrocítica. Fonte: adaptado de Suh, Kain e Keystone (2004). 2.2 Malária no Mundo e no Brasil A malária é a doença parasitária humana responsável pelo maior número de óbitos e encontra-se entre as três mais importantes doenças infecciosas do mundo (COWMAN; CRABB, 2006), com estimativas, no ano de 2013, de 198 milhões de casos anuais em todo o mundo (WHO, 2014b), sendo que 90% desses casos ocorreram na África Sub-Saariana. Globalmente acarreta em 584.000 mortes todos os anos, das quais 90% são na África e, dessas, 78% em crianças menores de cinco anos (WHO, 2014b). Mesmo com investimentos de vários órgãos internacionais para pesquisas em vacinas, medicamentos e controle, a malária ainda faz parte da lista das doenças negligenciadas, devido ao contexto em que, se encontra a população em área de risco de transmissão da doença. Merozoitas Fase pré- eritrocítica Fase eritrocítica Gametócitos Mosquito ingerindo gametócitos Fígado Fase sexual (esporogonia) Mosquito Anopheles infectado 6 Estima-se que 3,3 bilhões de pessoas em mais de 97 países e territórios (Figura 2) estejam em risco de se infectar com Plasmodium spp. (WHO, 2014b). Tanto a distribuição de casos quanto a população exposta à malária é bastante heterogênea, sendo P. falciparum e P. vivax as espécies mais prevalentes no mundo em comparação com as demais espécies que acometem o homem (P. malariae, P. ovale). Na África, a espécie mais prevalente é P. falciparum; no Oriente Médio, Ásia Central e Américas Central e do Sul predomina P. vivax. Plasmodium malariae é pouco frequente nas Américas, Ásia e Oriente Médio, mas é de comum ocorrência na África. Por outro lado, P. ovale é somente encontrado em áreas da África e Sudeste Asiático (Indonésia, Nova Guiné, Oriente Médio, Filipinas e Índia) (MUELLER et al., 2007). Nos últimos anos, a doença reapareceu em áreas onde estava erradicada, como na República da Coreia, República Democrática da Coreia e Tajiquistão, e em áreas com controle da doença, como Turquia, norte do Iraque e Azerbaijão (WHO, 2003). Devido à migração de populações, viajantes, refugiados e tropas militares, o número de casos importados da malária tem aumentado em áreas onde a doença não era endêmica. Um estudo realizado por Jelinek et al. (2002) nos países da União Europeia, no período de 1999 a 2000, mostrou a incidência de casos importados de P. falciparum (1.659 casos), dos quais 27 apresentavam infecções mistas. Nos Estados Unidos, estima-se que 1.300 casos são importados por ano. Outro problema é a malária transfusional. No período de 1963 a 1999, registraram-se 93 casos, dos quais 10 pessoas morreram (MUNGAI et al., 2001). 7 Figura 2. Áreas de transmissão da malária no mundo: em vermelho, área de transmissão de malária; amarelo, área onde a doença ocorre em algumas partes; em verde, área onde não se conhece casos de malária autóctone. Fonte: adaptado de CDC (2015). No Continente Americano, o Brasil é o país que apresenta o maior número de casos de malária (42%) e uma situação epidemiológica complexa, com regiões sem transmissão, de baixa transmissão e de alta transmissão de malária. Contudo, a constante migração de pessoas de áreas endêmicas para áreas não endêmicas levanta mais outro problema, que é o risco de malária transfusional. Visto que nem todos os hemocentros de regiões não endêmicas fazem a triagem para malária, eles podem receber sangue de doadores assintomáticos que realizaram viagem ou viviam em área endêmica (SAÉZ- ALQUÉZAR et al., 1998; WHO, 2014b). Até o final do século XIX, a malária estava presente em todo o território nacional, com exceção de algumas áreas da Região Sul (BARCELAR, 1963). Após esse período, o país adotou estratégias estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para erradicação da malária. A doença foi eliminada em diversos Estados e passou a ter seus menores índices no início da década de 1970, quando cerca de 52.000 casos foram registrados (LOIOLA et al., 2002). Ocorre transmissão de malária em algumas partes Ocorre transmissão de malária em toda a área Transmissão de malária não é conhecida 8 No entanto, na Região Amazônica, ocorreu ascensão da incidência da malária no referido período, devido ao aumento populacional repentino e aos incentivos governamentais à colonização. Consequentemente, as mudanças na fitogeografia da região, criaram uma nova conjuntura epidemiológica, proporcionada pela construção de rodovias, pelas usinas hidrelétricas, pela pecuária e pelo garimpo (MCGREEVY et al., 1989; MARQUES; GUTIERREZ, 1994). Essa ocupação destruiu o hábitat dos vetores da malária e suas fontes de alimentação natural, fazendo com que esses vetores se deslocassem para regiões peridomiciliares e urbanas (DEANE, 1986). Em 1999, ocorreu um surto de casos de malária no país, situação na qual a incidência da malária voltou a apresentar um aumento progressivo, atingindo aproximadamente 610.000 casos (BRASIL, 2009). No entanto, devido às intensas campanhas para o controle da malária nos últimos anos na Amazônia Legal, os casos diminuíram de 546.095 em 1990 para 305.639 em 2008. As mudanças mais significativas foram observadas nos Estados do Maranhão, Tocantins, Roraima e Pará, com uma queda de 37,6% entre os anos de 1999 e 2004. Porém, os casos de malária causados por P. falciparum, forma mais grave que pode levar ao óbito, vêm aumentando seu percentual nos Estados do Maranhão, Amapá, Rondônia, Amazonas e Pará (PORTAL SAÚDE, 2009). Hoje, a concentração dos casos de malária está na Região Norte, e nos Estados que compõem a Amazônia Legal (Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima, Amapá, Pará, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins), que respondem por 99% dos casos (WHO, 2005). Na Região Extra-Amazônica, têm sido registrados casos de malária cada vez mais frequentes, tanto em decorrência dos casos autóctones quanto pela introdução da doença por migrantes infectados oriundos das áreas de transmissão (BRASIL, 2008), com maior representatividade de casos em Goiás, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Esses Estados receberam a maior proporção de casos “exportados” pela Região Norte do país (MARQUES; PINHEIRO, 1982). Traça-se, dessa forma, um cenário desafiador para o Ministério da Saúde, a fim de evitar a reintrodução da doença em áreas onde ela já foi erradicada e eliminar casos autóctones 9 esporádicos que ocorrem em áreas focais restritas dessas áreas (BRASIL, 2003). Somada a esse fato, a persistência dos vetores e carência de estrutura adequada para enfrentar o problema dos serviços de vigilância em saúde de alguns municípios, representa um risco contínuo de reintrodução da transmissão natural (BRASIL, 2008). No Brasil, estima-se que a população em risco de infectar-se pelo plasmódio é de pelo menos 30%. No entanto, sabe-se que os dados oficiais não representam a totalidade dos casos, visto que nos locais mais remotos do país os infectados morrem antes mesmos de chegar ao hospital. Nos últimos dez anos, a maior porcentagem de população em risco foi durante os anos de 2003 a 2005 (PAHO, 2011). Isso porque, no ano de 2003, ocorreu um novo aumento da malária no país, tendo sido registrados 403.000 casos, e a ascensão se manteve em 2004 e 2005. Comparando-se o período de janeiro a junho de 2003 com o mesmo período de 2004, verificou-se uma elevação de 21,3% no número de casos, bem como uma maior participação do P. falciparum como agente causal (PAHO, 2011). A incidência de malária no Brasil aumentou nas décadas de 70 e 80, devido, principalmente, aos projetos de colonização, expansão da fronteira agrícola, construção de estradas e hidrelétricas, projetos agropecuários, extração de madeira e mineração. Esses implementos de desenvolvimento foram implantados principalmente nos Estados que compõem a Amazônia Legal, causando um desequilíbrio ambiental e mantendo a malária como endemia de grande importância (SECRETARIA DE VIGILÂNCIA À SAÚDE, 2013), favorecida, principalmente, pelas condições ambientais e socioeconômicas da população local. 2.3 Malária no Estado do Maranhão O Estado do Maranhão é um dos que compõem a Amazônia Legal, pertence à Região Nordeste e seu bioma é característico de zona de transição. A classificação de transmissão da malária é diferente de acordo com o bioma analisado, sendo de alto risco a região da Pré-Amazônia Maranhense; médio risco nas áreas próximas da Pré-Amazônia Maranhense; 10 e áreas de baixo risco, as quais atualmente compreendem a maior parte do Estado e cujo bioma preponderante é o Cerrado; e, por fim, as pequenas áreas sem transmissão da doença: Lençóis Maranhenses e Região Centro- Sul (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009). Antes da entrada do Maranhão no Plano de Intensificação das Ações de Controle da Malária (PIACM), o Estado representava 10% de todos os casos registrados no país. Atualmente, o Maranhão apresenta uma tendência de redução nos níveis de transmissão de malária, sendo um dos Estados da Amazônia Legal com maior redução de casos dos últimos anos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009; MESQUITA et al., 2013). No entanto, ainda ocorrem focos da doença, principalmente relacionados à ocupação desordenada em áreas da periferia da cidade de São Luís. Pode ser exemplificado o foco ocorrido nos anos de 1999 a 2000, em um bairro recém-formado na época, a oeste do município de São Luís, em que foram notificados 129 casos. Constatou-se que a localidade era vulnerável, devido à migração de pessoas de outros bairros e de outros municípios do interior do Estado. O P. vivax foi o agente responsável pelas infecções e o Anopheles aquasalis, o vetor (XAVIER; REBÊLO, 1999). Na Ilha de São Luís (composta pelos municípios de São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa), no ano de 1996, foram confirmados 450 casos de malária. No ano seguinte, foram registrados 1.283 casos, sendo 17 casos somente no pequeno município de Raposa (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1997; XAVIER; REBÊLO, 1999). Em 2014, foram registrados 1.400 casos de malária no Estado do Maranhão, sendo 129 casos de P. falciparum, 1.234 de P. vivax, três de P. malariae e 33 de co-infecção de P. falciparum com P. vivax. Do total de casos, 22 foram registrados em São Luís, como sendo P. vivax. Em São José de Ribamar não teve registro de casos (SIVEP-Malária, 2014). No presente ano (2015), até o mês de junho, foram registrados 208 casos de malária no Estado, sendo 189 casos importados. A espécie com maior número de casos registrados foi P. vivax; e a com menor número foi P. malariae, com um caso. No mesmo ano, São Luís registrou dois casos da espécie P. vivax, no entanto, eram importados de outro Estado. Já, em São José de Ribamar, nesse período não houve registro de casos (SIVEP-Malária, 2015). 11 2.4 Malária em primatas não humanos A dinâmica da transmissão da malária envolve a tríade: mosquitos vetores (espécies de Anopheles), protozoários parasitas (espécies de Plasmodium) e hospedeiros vertebrados. São conhecidas mais de 150 espécies de Plasmodium acometendo répteis, aves e mamíferos. Dessas, 29 parasitam primatas, humanos e não humanos (COATNEY; COLLINS; CONTACOS, 1971; GYSIN, 1998; LECLERC et al., 2004). Dentre os hospedeiros vertebrados temos as aves, os répteis e diversos mamíferos, que são considerados hospedeiros finais de espécies de Plasmodium que infectam humanos, excetuando-se os primatas não humanos. Ou seja, quando um anofelino infectado com plasmódio de humanos faz repasto sanguíneo e inocula os esporozoítos em uma ave ou em um roedor, essas formas evolutivas não sobrevivem no hospedeiro para infectar outro mosquito (BRUCE-CHWATT, 1965). Os mecanismos de mudança e adaptação dos plasmódios de primatas não humanos para humanos ainda não são bem conhecidos, assim como seus hospedeiros e a enfermidade desenvolvida. O primeiro relato de malária simiana foi feita por Daniels, em 1908, em um macaco malaio. E, desde então, assumiu-se que não seria possível a transmissão entre primatas não humanos e humanos (VYTHILINGAM; HII, 2013). Essa afirmação começou a ser desacreditada quando ocorreu um acidente de laboratório em Atlanta, Estados Unidos da América (EUA), em um experimento com P. cynolmogi (COATNEY, 1961). Em 1965, foi descrita infecção natural em um trabalhador (agrimensor) americano na selva da Malásia. Na época, o primeiro diagnóstico realizado nos EUA identificou P. malariae, porém mais tarde identificaram como P. knowlesi (CHIN et al., 1965). Ao longo dos anos, já se comprovou que diversas espécies de Plasmodium de primatas não humanos podem infectar experimental (P. schwetzi, P. rodhaini, P. inui, P. cynomolgy, P. brasilianum e P. simium) ou naturalmente o ser humano (P. cynomolgy, P. simium e P. knowlesi) (COATNEY; COLLINS; CONTACOS, 1971). 12 Pela semelhança morfológica e genética entre as espécies que infectam humanos e primatas não humanos o diagnóstico é confuso, e pessoas que frequentam áreas com malária simiana podem se infectar cm espécies de plasmódios simianos e obter um diagnóstico para espécies que ocorrem em humanos. Como exemplo, podem-se citar os casos que ocorreram na Ásia com P. knowlesi, nos quais o diagnóstico inicial era P. falciparum, ou com maior frequência, P. malariae (SINGH et al., 2004). Relatos de casos de P. knowlesi demonstram que esse parasito emergente pode ser ainda mais abrangente pela Ásia, não sendo restrito a Malásia (COX-SINGH et al., 2008), mas ocorrendo também nas Filipinas (LUCHAVEZ et al., 2008), na Tailândia (JONGWUTIWES et al., 2004) e em Cingapura (NG et al., 2008). O perigo de um diagnóstico equivocado está na severidade de cada espécie, porque, enquanto o P. malariae mostra baixa parasitemia (por parasitar hemácias velhas) e ser quartã (ciclo assexual de 72 horas), o P. knowlesi apresenta alta parasitemia (por parasitar todos os tipos de hemácias) e multiplicação diária, podendo causar a morte do hospedeiro (HELLEMOND et al., 2009). Com o crescente número de casos de P. knowlesi, inquestionavelmente, é considerado como quinta espécie de Plasmodium que infecta os humanos. O parasito tem como hospedeiro natural Macaca fasciculares. No Brasil, Deane et al. (1992) relataram infecção natural de um de seus colaboradores por P. simium em um trabalho de campo, sendo o primeiro caso dessa natureza no Continente Americano. Nas Américas, diversos trabalhos com amostras de sangue de primatas neotropicais e de humanos coexistindo em áreas de floresta têm questionado a importância dos primatas neotropicais como reservatórios de malária humana (ARRUDA et al., 1989; CURADO et al., 1997; VOLNEY et al., 2002). Nesse continente, duas espécies causadoras de malária simiana são conhecidas, P. brasilianum e P. simium, semelhantes molecular e morfologicamente ao P. malariae e ao P. vivax, respectivamente. O primeiro, com vasta distribuição pelas Américas, Central e Sul (DEANE, 1964; FAUNDER et al., 2000; CHINCHILLA et al., 2006) e identificados em várias 13 espécies de primatas neotropicais (Família Cebidae, exceto Aotus e raramente exemplares de Saguinus midas niger – Callithricinae, classificação taxonômica de Perelman et al., 2011). O segundo, por sua vez, encontra-se restrito à Mata Atlântica na Região Sudeste e Sul do Brasil, tendo sido relatado nos Estados do Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (DEANE, 1969) e somente nas espécies Alouatta fusca, Brachyteles arachnoides (DEANE, 1992) e Alouatta caraya (DUARTE et al., 2008). A identificação desses dois parasitas foi realizada por Deane e seus colaboradores em várias espécies de primatas neotropicais em diversos Estados brasileiros (DEANE; FERREIRA-NETO, 1973; DEANE, 1992). No entanto, a restrita distribuição de P. simium é questionada por alguns pesquisadores, levando-se em consideração que as descrições foram baseadas apenas em análises de microscopia de sangue periférico, método de sensibilidade limitada (DUARTE et al., 2008). Entretanto, mesmo com as atuais técnicas de biologia molecular, somente uma espécie de primata neotropical, Alouatta caraya, foi diagnosticada com P. simium (DUARTE et al., 2008). Devido às semelhanças entre as duas espécies de plasmódio do Novo Mundo com as espécies de Plasmodium do Velho Mundo, levantam hipóteses sobre a origem da malária nas Américas. A hipótese mais defendida afirma que o gênero Plasmodium é recente no Continente Americano, tendo chegado com os primeiros colonizadores europeus que, por transferência lateral, passaram para os primatas neotropicais (CARTER; MENDIS, 2002). Outra hipótese, mas menos aceita, é a de que a malária já existia nas Américas, pelo fato de que nativos peruanos conheciam os efeitos da Cinchona (planta da qual se retira a quinina, antimalárico) e curavam as febres maláricas, transferindo o conhecimento para os jesuítas e colonizadores espanhóis. Com os conhecimentos atuais, sabe-se que essa hipótese não é conclusiva (CARTER; MENDIS, 2002). Por outro lado, na África e Ásia não se questiona o sentido da transferência lateral de plasmódios primatas não humanos para humanos, mas o continente de origem do parasita. Uma hipótese considera, provavelmente, o surgimento de Plasmodium em primatas não humanos no Sudeste da Ásia, em virtude de uma maior variedade de espécies na região e 14 de lá teria se dispersado para a África e sofrido mutações para se adaptar aos novos hospedeiros, inclusive humanos (COATNEY, 1971). A outra hipótese é que a África seria a origem das espécies de Plasmodium e que teria se irradiado inicialmente para a Ásia e depois para a Europa, através da migração de primatas (BRUCE-CHWATT, 1965). 2.5 Anofelinos: mosquitos vetores Pesquisas paleontológicas indicam que os Culicídeos existiam desde o Eoceno (40 a 60 milhões de anos atrás), mas particularmente se diferenciaram no Oligoceno (40 a 30 milhões de anos atrás). O ancestral do Anopheles teve um grupo isolado na separação intercontinental e diferenciação genética entre as espécies ocorreram. Devido a esse fato, acredita-se que os mosquitos anofelinos sejam os hospedeiros originais dos plasmódios, fato corroborado pela fase mais importante (a sexuada) que ocorre nesses invertebrados (BRUCE-CHWATT, 1965). Existem catalogadas quase 500 espécies de anofelinos, mas apenas 70 são vetores do Plasmodium e 20 são importantes transmissores da malária ao homem. No Brasil, foram catalogadas 55 espécies de Anopheles spp. (REBÊLO et al., 2007). Os vetores da malária pertencem ao Reino Animal, Filo Arthropoda, Classe Insecta, Subclasse Pterygota, Ordem Diptera, Subordem Nematocera, Família Culicidae, Subfamília Anophelinae, gênero Anopheles (CONSOLI; LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, 1994). A classificação tradicional da subfamília Anophelinae inclui três gêneros: Anopheles (cosmopolita), Bironella (apenas na Austrália) e Chagasia (restrito a Região Neotropical). A maioria das espécies de anofelinos pertence ao gênero Anopheles, que é subdividido em seis subgêneros: Anopheles Meigen, 1818, Kerteszia Theobald, 1905, Nyssorhynchus Blanchard, 1902, Cellia Theobald, 1903, Stethomya Theobald, 1902, Lophopodomyia Antunes, 1937 (HARBACH, 2004). Os anofelinos têm ampla distribuição geográfica, podendo ser encontrados em ambientes como os desertos e as florestas tropicais 15 (KISZEWSKI et al., 2004). Os criadouros de anofelinos geralmente possuem águas límpidas, com certa profundidade, sombreadas, com vegetação flutuante e com pouco teor de sais e matéria orgânica (CONSOLI; LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, 1994; FORATTINI, 2002). Os anofelinos são insetos com metamorfose completa (holometábolos Figura 3), passando pelas fases de ovo, larva (quatro estádios larvais), pupa até adulto (FORATTINI, 2002). Figura 3. Fases do ciclo biológico de Anopheles: ovo, larva, pupa e adulto. Fonte: Carmo (2006). No Brasil, os subgêneros de mosquitos anofelinos de importância na transmissão de malária são Nyssorhynchus e Kerteszia, sendo que, no primeiro, encontram-se as espécies consideradas vetores primários: Anopheles (Nyssorhynchus) darlingi; Anopheles (Nyssorhynchus) aquasalis; e espécies do complexo albitarsis; como Anopheles (Nyssorhynchus) marajoara, Anopheles (Nyssorhynchus) deaneorum; já, no segundo, destacam-se vetores primários e secundários, Anopheles (Kerteszia) cruzii; Anopheles (Kerteszia) bellator e Anopheles (Kerteszia) homunculus. Existem outras espécies, a citar, Anopheles (Nyssorhynchus) braziliensis, Anopheles (Nyssorhynchus) nuneztovari e Anopheles (Nyssorhynchus) triannulatus 16 importantes quando em grande densidade e em ambiente silvestre (FORATTINI, 2002). A intensidade da transmissão da malária parece estar diretamente relacionada à competência e à capacidade vetorial da espécie anofelina local. Dessa forma, no Brasil, Anopheles darlingi é vetor primário, altamente susceptível aos plasmódios e capaz de transmitir malária dentro e fora das casas, mesmo quando sua densidade está baixa; caracteriza-se por ter maior sobrevida que as outras espécies de anofelinos e pela sua antropofilia e endofilia, ou seja, as fêmeas preferem sugar sangue humano e dentro das habitações, o que favorece a transmissão. Invade os domicílios durante toda a noite e continua entrando nas residências, muitas vezes, até às dez horas da manhã (GALVÃO et al., 1942; DEANE, 1986). Na Amazônia, onde ocorrem 99% dos casos de malária registrados no Brasil, a transmissão é devida somente às espécies de mosquitos do subgênero Nyssorhynchus, sendo atribuída ao A. darlingi a transmissão da maioria dos casos. A espécie supracitada é o único anofelino no Brasil no qual foram detectadas infecções naturais pelos três plasmódios que causam malária humana nas Américas – P. vivax, P. falciparum e P. malariae (RACHOU, 1958; DEANE, 1986; 1989; ARRUDA et al., 1989; KLEIN et al., 1991). A entomofauna de mosquitos na Região Amazônica vem avançando, paulatinamente, já que o último trabalho sistemático sobre a distribuição dos mosquitos, compreendendo toda a essa região foi realizado em 1961 por Cerqueira (CONSOLI; LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, 1994). Mais escassas são as pesquisas com mosquitos com hábitos acrodendrofílicos (encontrados em copa de árvores) (LOPES et al., 1983; SOUTO, 1994), que desempenham importante função na malária simiana. Todavia, trabalhos contemporâneos têm fornecido valiosas informações a respeito desse grupo de mosquitos (SEGURA; CASTRO, 2007). No Maranhão, diversas são as espécies vetoras de plasmódio. Na Ilha de São Luís, o vetor principal é o A. aquasalis, que utiliza água salobra (com teores significativos de cloretos) para se procriar. Sua importância como vetor está ligada à sua densidade, sendo um transmissor potencial quando numeroso. Na Baixada Ocidental, no município de Pinheiro, que apresenta 17 uma das maiores casuísticas de malária do Estado, já foram identificados A. argyritarsis, A. darlingi, A. albitarsis, A. galvaoi, A. triannulatus, A. evansae A. strodei, A. braziliensis, A. nuneztovari, A. rondoni. Em todas as áreas endêmicas do Estado, não houve muita variação do número e das espécies encontradas, mesmo em áreas litorâneas (OLIVEIRA-PEREIRA; REBÊLO, 2000). O A. aquasalis é transmissor menos importante que o A. darlingi, porém, é considerado vetor primário da malária nas zonas áridas do Nordeste, em Belém e Amapá, além de ter sido várias vezes detectado com infecção natural nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo (GALVÃO et al., 1942; DEANE et al., 1986; RACHOU, 1958). Suas larvas desenvolvem-se em criadouros terrestres com algum teor de cloreto de sódio, advindo daí seu nome específico. De modo geral, é um anofelino exofílico, e as fêmeas costumam ser mais zoófilas que antropófilas, procurando o sangue humano quando há escassez de outros animais que lhes sirvam para repasto sanguíneo; no entanto, no Nordeste, comporta-se como antropofílico. Em determinadas épocas e locais, esse mosquito pode se apresentar em elevadas densidades, o que favorece seu papel como vetor da malária (CONSOLI; LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, 1994). Anopheles mediopunctatus e A. shannoni são na maioria das vezes encontrados alimentando-se em dossel (copa das árvores). A. mediopunctatus exibe predominante comportamento acrodendrófilo em regiões da Amazônia, com 85,5% das fêmeas capturadas na copa das árvores. São considerados vetores secundários e transmissores de P. vivax (LOURENÇO-DE-OLIVEIRA; LUZ, 1996). 2.6 Anofelinos e malária simiana Pouco se sabe a respeito da suscetibilidade natural das espécies de anofelinos aos plasmódios de primatas não humanos (VERHULST, SMALLEGANGE; TAKKEN, 2012). Alguns estudos vêm sendo realizados com intuito de se conhecer essa suscetibilidade e assim analisar a importância em Saúde Pública. 18 A identificação desses vetores nas florestas é importante quando se tenta o controle ou a erradicação de malária humana, porque, possivelmente, pode se transferir Plasmodium de primatas não humanos para humanos e vice-versa. Para encontrar o seu hospedeiro vertebrado para repasto sanguíneo, mosquitos usam sinais físicos como calor, umidade e a visão, além de sinais químicos como dióxido de carbono e odor corporal (TAKKEN; KNOLS, 1999). Os mosquitos usam principalmente odor para distinguir os diversos hospedeiros (Figura 4). Esses odores voláteis de humanos têm sido bastante estudados, sendo conhecidos 350 componentes (BERNIER et al., 1999; 2000; CURRAN et al., 2005; PENN et al., 2007; GALLAGHER et al., 2008). Por outro lado, menos conhecidos são aos odores de primatas não humanos, suas glândulas corporais e bactérias da pele associadas ao odores voláteis de atração dos mosquitos (SMALLEGANGE et al., 2011). Figura 4. Interações entre mosquitos-hospedeiros e a possível resposta de mosquitos antropofílicos aos odores voláteis de hospedeiros humanos e primatas não humanos. Adaptado de Verhulst, Smallegange e Takken, 2012. 19 Pesquisas com infecções experimentais mostram as particularidades dos anofelinos aos plasmódios. Por exemplo, um chimpanzé infectado com P. reichenowi e exposto a picadas de anofelinos mostrou que as espécies de mosquitos A. quadrimaculatus, A. stephensi, A. maculatus, A. dirus, e A. culicifacies podem se infectar com esse parasita. Entretanto A. gambiae e A. albimanus foram refratários à infecção (BLACKLOCK; ADLER, 1922; COLLINS et al., 1986), o que sugere que nem todos os vetores de P. falciparum podem igualmente transmitir plasmódio de primatas não humanos. Espécies acrodendrófilas são importantes na avaliação da manutenção da malária simiana e na transmissão para o homem. Algumas espécies são particularmente estudadas pela sua inserção na ecoepidemiologia da malária humana e da sua presença em áreas de primatas neotropicais positivos para malária. Anofelinos do gênero Chagasia são abundantes em dadas localidades com primatas neotropicais positivos para malária, no entanto, não se conhece bem a importância epidemiológica desse grupo (FERREIRA-NETO; DEANE; CARNEIRO, 1970; CONSOLI; LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, 1994). São mosquitos essencialmente silvestres, associados à existência de pequenos córregos, especialmente aqueles que descem das encostas das montanhas. Suas larvas criam-se protegidas da correnteza, entre as raízes e detritos vegetais existentes nas margens de riachos de fundo arenoso e águas límpidas. Os adultos são geralmente encontrados em áreas silvestres, preferindo ficar junto à copa das árvores (DEANE; FERREIRA-NETO; SITÔNIO, 1968; 1971; FERREIRA-NETO et al., 1970). No Maranhão, nas áreas de pesquisa de plasmódio em primatas neotropicais capturou-se Chagasia bonneae, no solo e em plataformas junto à copa das árvores. Nestas últimas, a espécie foi mais numerosa e com primatas neotropicais positivos para malária. Porém, pelo fato da pesquisa vetorial ter sido realizada por curto período, os autores não puderam incriminar esses mosquitos como vetores da malária simiana local (FERREIRA-NETO; DEANE; CARNEIRO, 1970). Características biológicas importantes dos vetores conhecidos da malária simiana são mostradas no trabalho de Vythilingam e Hii (2013) para vetores do Sul e Sudeste da Ásia. Espécies de A. hackeri são conhecidas por 20 picar apenas primatas não humanos e raramente atacar humanos. Também A. latens, vetor de malária humana no Leste da Malásia, têm se mostrado mais atraído por primatas não humanos em comparação com os seres humanos. Por outro lado, A. cracens é atraído para ambos os primatas e seres humanos (VYTHILINGAM; HII, 2013). Na ilha de Palawan, Filipinas, A. balabacensis foi mais atraído por armadilha, usando-se primatas não humanos como atração em comparação com carabao (búfalo) e uso de iscas humanas (MIYAGI, 1973; TSUKAMOTO; MIYATA; MIYAGI, 1978). Também nessa espécie foram encontrados oocistos e esporozoítos, mas não pôde ser confirmado se era de Plasmodium de primatas não humanos. No entanto, estudos de infecção realizados pelos mesmos autores revelaram que A. balabacensis é o vetor da malária símia em Palawan, Filipinas (TSUKAMOTO, MIYATA; MIYAGI, 1978). Na Região extra-Amazônica, a espécie mais estudada é o A. cruzii, encontrado principalmente em regiões de Mata Atlântica, devido à presença de bromélias, as quais os mosquitos usam como hábitat (OLIVEIRA- FERREIRA et al., 2010). Anopheles cruzii e A. bellator são considerados vetores da malária, sendo o primeiro, o principal vetor da malária humana e simiana nessa região (DEANE et al.,1964; DEANE, DEANE; FERREIRA- NETO, 1966; DUARTE et al., 2008). A malária nessa área é chamada de "malária das bromélias", que pode ser considerada como uma zoonose, para a qual os primatas neotropicais possivelmente atuam como reservatórios (DEANE, FERREIRA-NETO; LIMA, 1984). Esses estudos têm mostrado que as fêmeas podem voar para ambiente antrópico, alimentar-se de sangue nas áreas internas do domicílio e peridomicílio, principalmente (KIRCHGATTER et al., 2014), e depois voltar para o ambiente natural (GUIMARÃES et al., 2000). Além disso, uma alta mobilidade vertical, com a distribuição do nível do solo para partes superiores da árvore, tem sido demonstrada (UENO, FORATTINI; KAKITANI, 2007). Anopheles cruzii, tal como os demais Kerteszia, é muito oportunista e eclético. A presença de uma fonte sanguínea torna-o imediatamente excitado, independentemente do horário ou do tipo de hospedeiro. Esse anofelino ataca, indiscriminadamente, o homem, outros mamíferos e aves. É considerado um mosquito exófilo, porém, em muitas localidades do Sul do 21 Brasil e em épocas do ano de elevada densidade, invade as casas facilmente e com alta incidência, especialmente, aquelas situadas próximo às matas onde ele se cria. Em certas áreas de Santa Catarina, por exemplo, mais de 90% dos anofelinos capturados dentro das casas correspondem ao A. cruzii, mantendo uma média de mais de 20 exemplares picando um homem a cada hora (RACHOU, 1958; CONSOLI; LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, 1994). 2.7 Métodos de diagnóstico da malária 2.7.1 Diagnóstico morfológico Métodos mais sensíveis de diagnóstico sempre foram uma das mais importantes preocupações dos pesquisadores e de profissionais que trabalham com malária. Tradicionalmente, o diagnóstico morfológico é considerado padrão-ouro, pelo custo da técnica, que é baixo, e pela localidade das populações em risco, que geralmente não é assistida pelo poder público, como a africana e do Norte do Brasil (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). A visibilização do parasita é feita usando-se microscópio de luz e lâmina corada pelo método de Giemsa ou Walker. No entanto, o diagnóstico requer microscopistas treinados e experientes, os quais vêm se tornando cada vez mais difícil nos dias atuais, uma vez que os profissionais saem experientes em técnicas moleculares, sem conhecer de fato as características do parasito em lâmina. A técnica é realizada de maneira fácil, rápida e o diagnóstico é dado ainda em presença do paciente (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). O exame objetiva a detecção e diferenciação das espécies de plasmódios. O exame microscópico do sangue pode ser feito em esfregaço delgado (distendido) ou na gota espessa, corados, consistindo na observação direta do parasita em sangue periférico ao microscópio de luz (BRAGA; FONTES, 2005). Por ser de baixo custo, permitir identificar as espécies de plasmódios e quantificar a parasitemia em amostras de sangue de humanos, a técnica morfológica ainda é o padrão-ouro, segundo a Organização Mundial de Saúde 22 (OMS) e o Ministério da Saúde do Brasil (BRASIL, 2005). Em condições de campo, o que ocorre normalmente na maior parte das áreas malarígenas do mundo, a capacidade de detecção é de até 100 parasitas por cada microlitro de sangue (MYJAK et al., 2002). Quando realizada em condições de laboratório e por microscopista experiente, pode-se detectar de 10 a 40 parasitas por microlitro de sangue. No entanto, a leitura das lâminas é demorada e frequentemente difícil de identificar acuradamente infecções mistas (RUBIO et al., 2002). Lâminas de gota espessa fornecem aumento de sensibilidade à microscopia e são mais sensíveis que o esfregaço sanguíneo para a detecção de baixos níveis de parasitemia (MOODY, 2002), além de serem usadas na quantificação do parasita. 2.7.2 Teste imunocromatográfico de diagnóstico rápido (TDR) A imunocromatografia ocorre a partir da migração da fase líquida do sangue por uma membrana de nitrocelulose. Testes rápidos de diagnóstico da malária, por vezes chamado de "dipsticks" ou teste de diagnóstico rápido de malária (TDR), baseiam-se na detecção de antígenos específicos (proteínas) produzidas por parasitas da malária. Esses antígenos estão presentes no sangue de pessoas infectadas ou recém-infectados pelo plasmódio. O TDR identifica a presença do parasita (antígeno) ou anticorpos contra o parasita por uma mudança de cor em uma tira de nitrocelulose absorvente. Alguns TDR podem detectar apenas Plasmodium falciparum, geralmente através da detecção da proteína rica em histidina-2 (HRP2, sigla em inglês) específico da espécie, ou a proteína lactato desidrogenase (pLDH) específica do gênero Plasmodium (WHO, 2004). A enzima pLDH é expressa em altos níveis nos estágios de trofozoítos e esquizontes do ciclo eritrocítico do parasita (CHATTOPADHYAY, 2003). No diagnóstico inicial, podem-se detectar os níveis de pLDH correspondente à densidade do parasita (MAKLER; HINRICHS, 1993). No entanto, há decréscimo dos níveis dessa enzima no sangue do hospedeiro 23 com o início do tratamento, consequência de redução da parasitemia. Dessa forma, pode-se também utilizar a pLDH para monitoramento da parasitemia durante o tratamento (CHATOPADHYAY, 2003). Outros testes podem detectar uma ou mais das outras espécies de malária humana, por meio da detecção de vários outros antígenos. Os TDR geralmente vêm em três formatos diferentes. A forma mais simples é um “dispstick”, onde o sangue e o tampão são colocados em poços e migram pela fita de nitrocelulose. Cassetes e cartões tendem a ser mais caros, mas mais simples de usar. Alguns produtos podem ter sensibilidade semelhante àquela comumente conseguida por microscopia (~100 parasitas/μL). A sensibilidade dos testes recomendáveis pela OMS é de 95% ou de 100 parasitas/μL para P. falciparum (WHO, 2004). A padronização de um teste imunocromatográfico é importante, porque pode ser utilizado como um dos exames de quarentena de primatas. Para tal, apenas uma gota de sangue do primata será colocada para ser testada, podendo ser realizado por qualquer profissional, não necessitando de laboratorista experiente para avaliação de rotina. O teste também pode ser usado para a diferenciação de P. falciparum e outras espécies de plasmódios e para o acompanhamento da terapia contra a malária. 2.7.3 Diagnóstico sorológico Testes sorológicos são usados desde a década de 60 para diagnóstico de malária. Na época, significaram um grande avanço para a pesquisa diagnóstica (BRUCE-CHWATT, 1985). O teste sorológico usado como padrão para detecção de anticorpos é a Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI). Também o ELISA-teste é aplicado em triagem em hemocentros e em estudos epidemiológicos (DODERER et al., 2007). Na prática clínica, a sorologia não se aplica ao diagnóstico da malária aguda (DRAPER; SIRR, 1980). Essa limitação se deve ao tempo de produção de anticorpos, que pode ocorrer em uma ou duas semanas após infecção inicial e persistir somente por três a seis meses (BRUCE-CHWATT, 1985; DODERER et al., 2007). 24 Para a realização da RIFI não há padronização de reagentes e de produção de antígeno em laboratórios de referência, tornando muito complicada a harmonização de resultados entre laboratórios (DODERER et al., 2007). O ELISA-teste é baseado na ligação de antígeno-anticorpo. Anticorpos anti-Plasmodium spp. presentes em amostra de soro são ligados a antígenos fixados em placas. Os antígenos podem ser preparados a partir da extração total de cultura (das espécies cultiváveis in vitro) ou a partir das formas assexuadas das diversas espécies de plasmódio (OH et al., 2008), ou de uma fração do parasita, como proteínas de roptrias. No entanto, a maioria dos kits comerciais são para diagnóstico de P. falciparum. Essa limitação é compreensível, visto que essa é a única espécie de plasmódio que infecta humanos que pode ser mantida em cultura. As outras espécies dependem de infecções em primatas de laboratório. 2.7.4 Diagnóstico molecular As técnicas moleculares vêm se popularizando em diversos ramos de pesquisas, em virtude da sua sensibilidade e especificidade. No diagnóstico para malária, podem ser usadas como métodos auxiliares na microscopia e para avaliar o desempenho de novos testes diagnósticos (CICERON et al., 1999). A técnica é muito útil quando há necessidade de examinar com precisão um grande número de amostras, por exemplo, em diversos estudos epidemiológicos; em experiências clínicas, terapêuticas e de imunização; na triagem de doadores de sangue e na detecção de vetores em áreas endêmicas para diversos patógenos e da fonte alimentar dos mesmos. É, principalmente, útil no diagnóstico de infecções mistas de plasmódios e no monitoramento da resposta do paciente às drogas antimaláricas (MAKLER et al.,1998). A maior vantagem das técnicas moleculares é a capacidade de detectar infecção com baixas parasitemias e linhagens associadas com diferentes surtos de malária (MAKLER et al.,1998). Em alguns protocolos da 25 PCR, a sensibilidade para detectar DNA de Plasmodium é menor que dois parasitas por microlitro de sangue (MYJAK et al., 2002). A PCR em tempo real tem demonstrado alta sensibilidade na detecção de plasmódio, identificando de um a cinco parasitas/μL, além de trazer a vantagem da quantificação e dos resultados demonstrados em gráficos (HAN et al., 2007). A PCR em tempo real apresenta como vantagem a não manipulação do seu produto para gerar resultados, visto que esse passo, depois da amplificação, pode gerar contaminações. Porém, o diagnóstico de malária por esse método ainda está centralizado em instituições de pesquisa. Essa técnica é de grande interesse em centros especializados em receber viajantes, que retornam de áreas endêmicas infectados com baixa parasitemia, em doadores de sangue ou em órgãos destinados a transplantes (DE MONBRISON et al., 2003 No entanto, essa técnica ainda apresenta a desvantagem de ser de alto custo e precisar de infraestrutura para manuseio, não devendo substituir as ferramentas diagnósticas de baixo custo utilizadas nas rotinas laboratoriais (DE MONBRISON et al., 2003). Outra técnica molecular moderna é a reação de amplificação isotérmica do DNA, conhecida pela sigla em inglês LAMP (“Loop-imediated isothermal amplification of DNA”). Trata-se de uma técnica de biologia molecular de nova geração que identifica seis regiões alvos do gene trabalhado, usando quatro distintos oligonucleotídeos e, para acelerar a reação, pode ser utilizado ainda mais um par de oligonucleotídeos. Utiliza também uma enzima capaz de deslocar a cadeia de DNA, sem a necessidade de mudanças de temperatura (desnaturação, anelamento e extensão). Por isso, o processo é chamado de isotérmico, ou seja, a reação ocorre a uma temperatura constante em todos os ciclos (ZHANG, LOWE; GOODING, 2014). O LAMP foi criado para aperfeiçoar os resultados de diagnósticos clínicos e para ser usado em campo, podendo inclusive descartar a extração inicial de DNA das amostras e o uso de termocicladores. Vem sendo usado na triagem de amostras-teste devido a sua alta sensibilidade e especificidade, maior que a PCR convencional e em tempo real (PARIDA, 2008), podendo detectar um fentograma de DNA na amostra-teste, enquanto a PCR detecta um nanograma (DHARMA et al. 2014). 26 A técnica foi criada em 2000 por pesquisadores japoneses, e baseia-se no uso de oligonucleotídeos: externos (n=2), chamados de B3 e F3 (do inglês, backward outer e forward outer, respectivamente); internos (n=2), chamados de BIF e FIP (do inglês, backward inner primer e forward inner primer, respectivamente); e os aceleradores da reação, chamados de LFP e LBP (do inglês, loop forward primer e loop backward primer, respectivamente). Utiliza ainda enzimas que têm a capacidade de separar a dupla fita de DNA, podendo ser a Bst polimerase (isolada de Bacillus stearothermophylus) ou a Bsm (Bacillus smithii). No entanto, essas enzimas não têm atividade de exonuclease (5’ – 3’) como a DNA polimerase e tem atividade catalítica. A enzima mais usada é a Bst polimerase (DHAMA et al. 2014). Também são necessárias na reação as dNTP’s, fosfato de magnésio (que forma pirofosfato de magnésio durante a reação e possibilita a visualização dos resultados pela turbidez dos produtos (DHAMA et al., 2014). A amplificação do DNA ocorre em duas etapas, uma não cíclica e outra cíclica. Inicia-se na fase não cíclica com produção de DNA com alças (“stem-loops”) que se torna linear com o anelamento de BIP. Depois ocorre a formação de moldes de DNAs que servem de molde inicial para a fase seguinte (cíclica). A padronização de um protocolo pela técnica de LAMP, voltada para amostras de primatas não humanos, seria um grande avanço, visto que poderia ser utilizada em pesquisas de campo, uma vez que o uso da técnica não necessariamente precisa de extração de DNA inicial, podendo ser realizada em um único passo (extração e amplificação) e em um único aparelho. 27 3. OBJETIVOS 3.1 Geral Identificar Plasmodium spp. em primatas neotropicais e em anofelinos nos municípios de São Luís e São José de Ribamar, Ilha de São Luís, Estado do Maranhão. 3.2 Específicos - Identificar as espécies de Plasmodium spp. por meio de técnicas moleculares (LAMP, PCR convencional e PCR em tempo real) e microscópicas (gota espessa e esfregaço sanguíneo) em amostras de sangue de primatas neotropicais; - Avaliar a frequência de anticorpos anti-Plasmodium spp. em primatas neotropicais de vida livre e de cativeiro da Ilha de São Luís; - Padronizar um ELISA-teste usando antígenos solúveis de roptrias de P. falciparum e P. berghei; - Identificar as espécies de anofelinos presentes no domicílio, peridomicílio e área de mata dos locais de colheita de sangue de primatas neotropicais; - Analisar por técnicas moleculares a presença de Plasmodium spp. em anofelinos; - Identificar as fontes alimentares de anofelinos amostrados pela PCR convencional. 28 4. MATERIAL E MÉTODOS 4.1 Aspectos éticos Os protocolos de pesquisa usados nesta tese foram aprovados pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da UNESP, Câmpus de Jaboticabal, sob o Protocolo nº011.480/12, e tiveram autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade para a realização das atividades, licença nº 34.282-2. 4.2 Áreas de estudo O Estado do Maranhão situa-se na porção ocidental da Região Nordeste, tendo como limites: ao Norte, o Oceano Atlântico, ao Sul, o Estado do Tocantins; a Leste, o Estado do Piauí; e a Oeste, os Estados do Pará e Tocantins. É caracterizado fitogeograficamente como uma zona de transição entre a Floresta Amazônica, o Cerrado e a Caatinga. O clima é tropical, com umidade relativa do ar geralmente acima de 80% e temperaturas elevadas, em torno de 26 graus, durante todo o ano. É cortado por 12 bacias hidrográficas e faz parte dos nove Estados que compõem a Amazônia Legal. Possui área de 331.936.948 km², população de 6.574.789 habitantes e densidade demográfica de 19,81 habitantes por km² (IBGE, 2010). É um Estado coberto por uma vegetação composta por Mata de Cocais, campos inundáveis, mangues, Cerrado e Floresta Amazônica (SILVA et al. 2009), características que favorecem a proliferação do mosquito vetor da malária (COX, 2002), perpetuando essa doença como endemia de maior impacto no Estado. A maioria dos casos de malária ocorre na região chamada de Amazônia Maranhense, composta pela Ilha de São Luís e Baixada Ocidental (OLIVEIRA-PEREIRA; REBÊLO, 2000). As colheitas das amostras de sangue de primatas neotropicais e as capturas de anofelinos foram realizadas em dois municípios da Ilha de São Luís, São José de Ribamar e São Luís. Em São Luís, as colheitas de sangue de primatas neotropicais ocorreram no Centro de Triagem de Animais 29 Silvestres do IBAMA (CETAS/São Luís-MA), e as capturas de anofelinos no Sítio Mangalho, localizado na Área de Proteção Ambiental (APA) do Maracanã. Em São José de Ribamar, as capturas e colheitas de sangue de primatas neotropicais e capturas de anofelinos ocorreram na reserva Particular Sítio Aguahy. Todos os pontos foram localizados por um dispositivo com o sistema de posicionamento global (GPS) Garmim eTrex Vista®. 4.2.1 Centro de Triagem de Animais Silvestres de São Luís O CETAS de São Luís (2º56’ S e 44º21’, Figura 5) é ligado ao Núcleo de Fauna da Superintendência do IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) no Estado do Maranhão. Tem função de receber, identificar, triar, recuperar, reabilitar e destinar animais silvestres apreendidos pela fiscalização, provenientes de resgates e de entrega voluntária. Durante os anos de 2009 a 2014 realizaram-se colheitas de sangue de primatas neotropicais recebidos pelo CETAS-São Luís. Figura 5. Vista aérea das instalações do CETAS de São Luís-MA (à esquerda) e imagem da entrada do centro (à direita). Fonte: Digital Globe. 30 4.2.2 Reserva Particular Sítio Aguahy, São José de Ribamar Os primatas de vida livre foram capturados na Reserva Particular do Sítio Aguahy (2º38’76”S, 44º08’22”W), no município de São José de Ribamar, Estado do Maranhão, Brasil. A área possui 600 hectares (Figura 6), composta de manguezais (120 ha), restinga (50 ha) e fragmentos de Floresta Amazônica. Apesar de ser uma das áreas mais preservadas da Ilha de São Luís, sofre intensa pressão humana de seis comunidades existentes no entorno da reserva e estas frequentam a área para atividades de lazer e pesca. É usada para estudos entomológicos e etológicos de diversas espécies de animais, especialmente de aves e de primatas. As espécies de primatas que são nativas da área são Saimiri sciureus e Sapajus spp. Essa área é utilizada pelo IBAMA-MA desde 2005 para soltura de animais, dentre eles, grupos de Saimiri sciureus e Sapajus spp. Nessa reserva, foram realizadas as atividades de capturas de primatas (2011-2014) e de anofelinos (janeiro, junho e julho de 2013). Figura 6. Imagem de satélite da Reserva Particular Sítio Aguahy mostrando a delimitação da reserva. Fonte: Google Maps. 31 4.2.3 Sítio Mangalho, Área de Proteção Ambiental do Maracanã (APA), São Luís O Sítio Mangalho fica localizado na Área de Proteção Ambiental (APA) do Maracanã (Figura 7), zona rural do município de São Luís. É uma propriedade particular (2º36’11.31”S e 44º17’50.82”O), que possui aproximadamente 11ha (PEREIRA, 2013). Como em toda a Ilha de São Luís, a temperatura média da APA é de 26°C (FARIAS FILHO, 2010). O Sítio Mangalho faz parte da rota diária de grupos de Sapajus sp. e Saimiri sciureus, espécies comuns na APA do Maracanã, que estão sempre sendo avistados pelos moradores. Também possui coleção artificial de água, que pode favorecer a proliferação do mosquito vetor da malária. Figura 7. Imagem de satélite da Ilha de São Luís do Maranhão identificando a localização do Sítio Mangalho na APA do Maracanã, município de São Luís. A 32 4.3 Espécies amostradas Foram amostrados 161 primatas neotropicais no CETAS de São Luís e no Sítio Aguahy (São José de Ribamar) (Tabela 1). Tabela 1. Espécies de primatas neotropicais amostradas no período de 2009- 2014, nome comum, local de captura e sexo. Espécies Nome comum Local de captura* Sexo Total Aotus infulatus Macaco-da-noite CETAS 1F 01 Chiropotes satanas Cuxiú CETAS 1M 01 Sapajus spp. Macaco-prego CETAS (89) e Sítio Aguahy (17) 61 M/45F 106 Callithrix jacchus Sagüi CETAS 12M/7F 19 Saimiri sciureus Capijuba CETAS (21) e Sítio Aguahy (3) 17M/7F 24 Saguinus midas niger Soim CETAS 5M/5F 10 Total 96M/65F 161 *O número entre parênteses indica a quantidade de primatas neotropicais amostrada em cada local de captura. M-macho, F-fêmea. 4.4 Captura de primatas A captura dos primatas neotropicais mantidos em cativeiro (ex situ) foi realizada de duas formas: a) Para Callithrichinae, a contenção física foi realizada com puçá seguida decontenção química; b) Para Cebinae e Aotinae, a contenção física foi realizada com gaiola de parede móvel e, em seguida procedeu-se a contenção química. Os animais de vida livre (in situ) do Sítio Aguahy foram capturados por armadilhas tipo “Tomahawk”, que possuem sistema de trampa, que fecha a porta da armadilha quando acionada pela peso do animal, em uma pequena plataforma localizada no meio desta. Os animais foram atraídos por iscas como frutas (manga, banana e mamão) e milho verde colocadas no fundo da gaiola. 33 Antes de montar as armadilhas, informações foram obtidas com funcionários da reserva referentes aos locais de avistamento e uso das trilhas pelos primatas neotropicais. Os animais eram observados com o uso de binóculos e, assim capturados pela armadilha tipo “Tomahawk”, foram transferidos para gaiola de parede móvel para proceder à anestesia. 4.5 Contenção física e química Após contenção física, foi aplicada injeção intramuscular da associação de Cloridrato de Zolazepam e Cloridrato de Tiletamina (Zoletil®) na dose de acordo com a espécie, como descrito na Tabela 2. Tabela 2. Dosagens anestésicas da associação de Cloridrato de Tiletamina e Cloridrato de Zolazepam (Zoletil®) aplicadas via intramuscular para a imobilização química de diferentes espécies de primatas neotropicais. Subfamílias* Espécies Dose (mg/kg) Cebinae Sapajus spp. Saimiri sciureus 4,4 Callithrichinae Callithrix jacchus Saguinus midas niger 2,2 Aotinae Aotus infulatus 4,0 Pitheciinae Chiropotes satanas 4,4 *Classificação taxonômica de primatas de acordo com Perelman et al. (2011). 4.6 Colheita de amostra biológica de sangue A colheita de sangue de primatas neotropicais foi realizada por meio de venopunção da veia jugular (Figura 8) ou femoral, após a assepsia do local, usando-se agulhas (13 x 4,5 mm a 25 x 7 mm) e seringas de 1mL ou 34 5mL, sendo respeitado o volume de sangue a ser colhido de acordo com o peso do animal. Figura 8. Colheita de sangue em prim