� �� � �� � � � � � �� � �� �� � �� � �� �� ��� ���� ���� ��� IFT Instituto de Física Teórica Universidade Estadual Paulista DISSERTAÇÃO DE MESTRADO IFT–D.003/12 Femtoscopia em colisões próton-próton no Detector CMS do Large Hadron Collider Caio Laganá Fernandes Orientadora Prof. Dr. Sandra S. Padula Agosto de 2012 “Fall in love with some activity, and do it! Nobody ever figures out what life is all about, and it doesn’t matter. Explore the world. Nearly everything is really interesting if you go into it deeply enough. Work as hard and as much as you want to on the things you like to do the best. Don’t think about what you want to be, but what you want to do. Keep up some kind of a minimum with other things so that society doesn’t stop you from doing anything at all” Richard P. Feynman ii Agradecimentos Gostaria de agradecer a todo pessoal do SPRACE, aos professores pelos ensinamentos e oportunidades, aos colegas de trabalho pelo apoio, ao pessoal da computação pela ajuda. Agradeço também, ao CNPq pelo apoio financeiro, to Padova group for the kind attention. iii Resumo Este trabalho apresenta um estudo de femtoscopia em colisões próton-próton (pp) a √ s = 7 TeV realizado com o detector Compact Muon Solenoid no Large Hadron Collider. O estudo consiste na utilização do efeito Hanbury-Brown–Twiss (HBT) para a determinação das dimensões aparentes do estado final do sistema formado em colisões pp. Três análises são feitas, onde tais dimensões são determi- nadas (i) em termos de um parâmetro invariante Rinv; (ii) nas direções transversal e longitudinal ao feixe, RT e RL, respectivamente; (iii) nas direções ao longo do feixe, parametrizada por Rlong, e em duas direções transversais a ele, correspon- dentes a Rout, e Rside. Obseva-se que as dimensões aparentes do sistema formado em tais colisões dependem da multiplicidade de partículas carregadas no evento e do momento médio do par de partículas utilizadas na implementação do efeito HBT. Palavras-chave: Correlações de Bose-Einstein; Efeito Habury-Brown–Twiss; Fem- toscopia; Colisores Hadrônicos. iv Abstract This work presents a femtoscopic study performed in proton-proton (pp) col- lisions at √ s = 7 TeV with the Compact Muon Solenoid at the Large Hadron Col- lider. The study uses the Hanbury-Brown–Twiss (HBT) effect to estimate the ap- parent dimensions of the final-state sistem formed at pp collisions. Three analysis are presented, where such an apparent dimensions are determined (i) in tems of an invariant radius parameter, Rinv; (ii) in the transversal and longitudinal direc- tions with respect to the beam, RT and RL and (iii) along three directions Rout, Rlong and Rside. It is observed that the apparent dimensions of the sistem for- med in pp collisions depends on the charged multiplicity of the events and on the average momentum of the pair of particles used to implement HBT effect. Keywords: Bose-Einstein Correlations; Habury-Brown–Twiss effect; Femtoscopy; Hadronic Colliders. v Índice 1 Introdução 2 2 Correlação de partículas idênticas 5 2.1 Introdução à função de correlação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 2.2 Generalização covariante do efeito HBT . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2.3 Um olhar experimental sobre o efeito HBT . . . . . . . . . . . . . . 13 3 LHC e o experimento CMS 16 3.1 O LHC no cenário da Física de Altas Energias . . . . . . . . . . . . . 16 3.2 Visão básica do detector CMS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 3.3 Variáveis de interesse à análise HBT no CMS . . . . . . . . . . . . . 23 3.3.1 Campo magnético e geometria do detector . . . . . . . . . . 23 3.3.2 Sistema de detecção de traços . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 3.3.3 Identificação de partículas utilizando dE/dx . . . . . . . . . 25 4 Análise do efeito HBT no detector CMS 28 4.1 Procedimento geral de análise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 4.2 Seleção de eventos e traços . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 4.3 Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 4.3.1 Análise HBT em qinv . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 4.3.2 Análise HBT em qT e qL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 4.3.3 Análise HBT em qout, qlong e qside . . . . . . . . . . . . . . . 56 5 Conclusão 60 A Considerações gerais 62 A.1 Sobre a distribuição de referência B . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 A.2 Fator de Gamow e correção Coulombiana . . . . . . . . . . . . . . . 65 A.3 Incertezas sistemáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 A.4 Sobre parametrizações da função de correlação . . . . . . . . . . . . 70 1 Capítulo 1 Introdução Na década de 1950, o astrônomo Robert Hanbury Brown, em parceria com o matemático e engenheiro Richard Quentin Twiss, desenvolveram uma técnica [1, 2, 3] capaz de determinar dimensões angulares de estrelas a partir da medida em coincidência de fótons emitidos por elas. A técnica foi denominada “interfe- rometria de intensidade”, mas ficou conhecida por efeito Hanbury-Brown–Twiss (HBT). O método utilizado por eles (que desenvolveram, além do arcabouço teórico, o protótipo e montagem do experimento) consistia em coletar a luz de uma es- trela utilizando dois espelhos parabólicos, focando-a em tubos fotomultiplicado- res (ver Fig. 1.1). Estrela Coincid. Filtro Filtro ContadordFotomult. Figura 1.1: Esquema do efeito HBT para determinação de raios estelares. Os sinais fotoelétricos gerados nos tubos fotomultiplicadores passavam por um filtro de ruído, e eram encaminhados a um circuito de coincidência (deno- minado correlator). Caso os fótons tivessem sido detectados simultaneamente, o sinal em coincidência era armazenado em um circuito contador. A distância d entre os espelhos podia ser variada, de forma a ser possível comparar a contagem de coincidências em função de d. O gráfico original apresentado por Hanbury- 2 Capítulo 1. Introdução 3 Brown e Twiss [3] do número de coincidências em função da distância entre os espelhos, coletados para a estrela Sirius, pode ser visto na Fig. 1.2. Figura 1.2: Gráfico extraído do artigo original [3] de Hanbury-Brown e Twiss. A contagem de fótons em coincidência, Γ2(d), diminui com a separação entre os espelhos, d. Tal efeito permite a determinação das dimensões angulares da estrela. Obseva-se que o número de contagens é maior quando a separação entre os espelhos é menor. Como será discutido adiante, tal comportamento reflete o fato de fótons respeitarem a estatística de bósons, e terem a tendência de serem emiti- dos com momento próximo. A relação entre a probabilidade de emissão simultâ- nea de dois fótons, Γ2(d), em função da separação entre os espelhos, d, pode ser introduzida1 como, Γ2(d) = [2J1(x)/x]2, (1.1) onde x = πθd/λ, sendo θ a dimensão angular da estrela e λ o comprimento de onda do fóton detectado. J1(x) é uma função de Bessel. Dessa forma, através de um ajuste sobre os pontos experimentais, é possível determinar θ. Hanbury- Brown e Twiss estimaram que o diâmetro angular de Sirius era 6.3 ± 0.5 mili arcosegundos (mas). O valor atualmente aceito é de 5.936 ± 0.016 mas. 1O formalismo matemático que relaciona a correlação dos fótons às dimensões da fonte emis- sora é desenvolvido na Sec. 2.1. Por hora, basta dizer que Γ2(d) está relacionada à transformada de Fourier da fonte emissora. Neste caso, a estrela foi suposta um disco luminoso. Capítulo 1. Introdução 4 Em 1960, sem ter conhecimento do efeito HBT, Goldhaber, Goldhaber, Lee e Pais (GGLP) observaram [4] que pares de píons idênticos emitidos em colisões pp̄ apresentavam uma correlação em seus momentos. A correlação entre píons observada por Goldhaber et. al tinha a mesma natureza que aquela entre fótons que Hanbury-Brown e Twiss utilizavam para determinar raios estelares: ambas vinham do fato de píons e fótons respeitarem a estatística de Bose-Einstein. O mais surpreendente é que, no caso de GGLP, ao invés de raios estelares, tornou- se possível estimar dimensões subatômicas. Nascia aí a Femtoscopia: utilização do efeito HBT para determinação de dimensões aparentes de sistemas formados em colisões de altas energias. Desde a observação de Goldhaber et. al. em 1960, a femtoscopia passou a ser amplamente utilizada em colisores de partículas, tendo sido aplicada a diversos sistemas, como e+e−, pp, pp̄, πN, νμN e Íons Pesados. Este trabalho apresenta um estudo femtoscópico realizado em colisões próton-próton a √ s = 7 TeV com o detector Compact Muon Solenoid no Large Hadron Collider. A dissertação tem início com o desenvolvimento do formalismo matemático básico para entendimento do efeito HBT, feito no Capítulo 2. Em seguida, no Capítulo 3, uma breve descrição do LHC e do CMS é feita, onde são ressaltados os aspectos do detector mais relevantes à presente análise. Por fim, ao longo do Capítulo 4, os resultados do estudo HBT no detector CMS são apresentados. As conclusões são feitas no Capítulo 5, e, ao final, um apêndice é dedicado a algumas discussões extras. Capítulo 2 Correlação de partículas idênticas Este capítulo introduz o efeito Hanbury-Brown–Twiss (HBT), mostrando como a correlação estatística entre bósons idênticos produzidos em colisões próton- próton permite o estudo das dimensões do sistema formado em tais colisões. 2.1 Introdução à função de correlação Considere a situação apresentada na Fig. 2.1: dois prótons colidem, formando um sistema extenso que emite diversas partículas, dentre elas dois píons de mesmo sinal. Tais píons são emitidos dos pontos x1 e x2 e detectados em xA e xB com momentos kA e kB. x1 x2 xBxA π+ π+ p p Figura 2.1: Esquema do efeito Hanbury-Brown–Twiss em colisões próton-próton. Píons detectados em xA e xB emitidos dos pontos x1 e x2 do sistema formado na colisão. Ilustração fora de escala. 5 Capítulo 2. Correlação de partículas idênticas 6 Supondo por simplicidade que não haja interação entre os píons emitidos, a natureza estatística de bósons idênticos, aliada à hipótese de a fonte emissora ser completamente caótica, fará com que a probabilidade de observação conjunta dos dois píons seja maior quando seus momentos forem próximos. Tal correlação entre os momentos dos píons permite o estudo das dimensões do sistema for- mado na colisão próton-próton. A função que relaciona a correlação estatística entre bósons idênticos (emitidos caoticamente) às dimensões da fonte emissora é chamada função de correlação. O objetivo desta seção é construir a função de cor- relação, introduzindo o formalismo básico que descreve a situação experimental apresentada na Fig. 2.1. O tratamento foi baseado na Ref. [5]. Suponha que a região emissora de píons sejam os pontos x1 e x2 ilustrados na Fig. 2.1. A função de onda1 que descreve o píon detectado em xA deve considerar a possibilidade de ele ter vindo tanto de x1 como de x2, ψ(xA) = ( e−ikA·(xA−x1)eiα + e−ikA·(xA−x2) ) / √ 2, (2.1) sendo eiα uma fase relativa devido à emissão ser não-coerente. A parte tempo- ral eiωAt foi suprimida por simplicidade. Amplitude análoga vale para o píon detectado em xB, ψ(xB) = ( e−ikB·(xB−x1)eiβ + e−ikB·(xB−x2) ) / √ 2. (2.2) No caso em que a interação entre os píons é ignorada, a probabilidade de detecção simultânea dos dois píons é dada simplesmente pelo módulo quadrado da amplitude M(A|B) = ψ(xA)ψ(xB), P(A|B) = |M(A|B)|2 = |ψ(xA)ψ(xB)|2 = [1 + cos(kA · r + α)] [1 + cos(kB · r + β)] . (2.3) sendo |r| = |x2 − x1| a distância entre os pontos de emissão. Supondo uma fonte emissora caótica, as fases α e β devem ser completamente aleatórias, de forma que é preciso realizar uma média sobre elas2. Definindo a diferença de momento 1Por terem spin 0, píons podem ser descritos por ondas planas que respeitam a relação de dispersão da equação de Klein-Gordon. 2A média sobre as fases aleatórias exerce papel fundamental no formalismo HBT. Uma discus- são mais detalhada sobre este ponto será feita adiante nesta seção. Capítulo 2. Correlação de partículas idênticas 7 q = kA − kB e realizando a média sobre as fases α e β, a Eq. (2.3) fica, 〈P(A|B)〉 = 1 2π ∫ 2π 0 1 2π ∫ 2π 0 [1 + cos(kA · r + α)] [1 + cos(kB · r + β)] dαdβ = 1 + 1 2 cos(q · r) ≡ PAB(q, r). (2.4) A afirmação heurística feita no inicio desta seção, de que píons tendem a ser emitidos com momento próximo, pode agora ser posta de forma mais precisa: a probabilidade dos dois píons serem emitidos dos pontos x1 e x2 com diferença de momento q = kA − kB é dada por PAB(q, r) = 1 + 1 2 cos(q · r), que é má- xima quando q = 0. Contudo, o fato mais interessante segue da dependência de PAB(q, r) com r: obtendo experimentalmente a distribuição do número de pares de píons com diferença de momento q, EAEB d6N d3kAd3kB ∼ PAB(q, r) = 1 + 1 2 cos(q · r), (2.5) é possível determinar r, grandeza relacionada às dimensões do sistema formado na colisão próton-próton. A determinação de r através da correlação entre píons apresentada no método acima constitui a idéia central do efeito HBT. “[Tal efeito] é utilizado para investigar a evolução espaço- temporal de colisões nucleares e entre partículas elementares. O método envolve a construção da função de correlação de duas partículas a partir da distribuição de partículas irradiadas da fonte emissora (...) Em aplicações envolvendo a colisão de nucleons ou partículas, a fonte emissora é a região de interação.” [6] Apesar de ilustrar muito bem o efeito HBT, a abordagem desenvolvida até o momento fez uso de um modelo simplificado, no qual foi suposto que os píons são emitidos de apenas dois pontos no sistema formado na colisão (representados por x1 e x2 na Fig. 2.1). Numa situação real, os píons são emitidos não de dois pontos, mas de uma região extensa do espaço. Além disso, as amplitudes de emissão ψ devem conter a informação acerca do espectro de momento dos píons. Um tratamento mais realista, que estende as duas hipóteses mencionadas acima, será desenvolvido a seguir. Analogamente à função de onda da Eq. (2.1), Capítulo 2. Correlação de partículas idênticas 8 que descreve um píon de momento kA sendo emitido dos pontos x1 e x2, um píon emitido de N pontos é descrito pela função de onda, ψ(xA) = ∑ j,l alcjeiαj e−ikl ·(xA−xj), (2.6) onde cj é o coeficiente tal que |cj|2 é a probabilidade do píon ser emitido do j- ésimo ponto e eiαj a fase associada a este ponto. O coeficiente3 al é tal que |al|2 é a probabilidade de que o píon seja emitido com momento kl. No limite em que a região de emissão e o espectro de momentos se tornam contínuos, a função de onda pode ser escrita como, ψ(xA) = ∫ ∫ a(k)c(x)eiα(x)e−ik·(xA−x)dxdk. (2.7) Se este píon foi emitido com momento bem determinado kA, o coeficiente a(k) pode ser aproximado por uma função delta, e a integral em dk pode ser substituida pelo coeficiente constante a(kA), ψ(xA) = a(kA) ∫ c(x)eiα(x)e−ikA·(xA−x)dx. (2.8) Amplitude análoga vale para o píon detectado em B, ψ(xB) = a(kB) ∫ c(y)eiα(y)e−ikB·(xB−y)dy. (2.9) A probabilidade de detecção simultânea dos dois píons, agora emitidos da fonte extensa, é dada pelo módulo quadrado da amplitude M(A|B) = ψ(xA)ψ(xB), P(A|B) = |M(A|B)|2 = |ψ(xA)ψ(xB)|2 = |a(kA)|2|a(kB)|2 ∫ c(x)c(y)c∗(x′)c∗(y′)ei[α(x)+α(y)−α(x′)−α(y′)]× × e−ikA·(xA−x)e−ikB·(xB−y)eikA·(xA−x′)eikB·(xB−y′)dxdydx′dy′ = |a(kA)|2|a(kB)|2 ∫ c(x)c(y)c∗(x′)c∗(y′)ei[α(x)+α(y)−α(x′)−α(y′)]× × e−ikA(x ′−x)e−ikB(y ′−y)dxdydx′dy′. (2.10) Neste momento, o tratamento das fases não-coerentes α(x) se torna ingredi- ente fundamental do formalismo. Os píons são irradiado de uma região extensa 3Nota-se aqui a hipótese de que al não depende de x e cj não depende de k. Capítulo 2. Correlação de partículas idênticas 9 do espaço, tendo uma fase eiα(x) associada a cada ponto de emissão. No ato de sua detecção, entretanto, a fase associada ao píon é uma só. Como α(x) varia ale- atoriamente de ponto a ponto, é natural pensar numa fase final que seja a média sobre todas as fases no momento da emissão. Faz-se necessário, portanto, realizar uma média sobre α(x). Vê-se, da Eq. (2.10), que a média sobre as fases não-coerentes α(x), dada por, 〈P(A|B)〉 = 1 2π ∫ 2π 0 P(A|B)dα ∝ ∫ 2π 0 exp ( i [ α(x) + α(y)− α(x′)− α(y′) ]) dα, (2.11) só será diferente de zero quando o argumento da exponencial for nulo, ou seja, quando α(x) + α(y)− α(x′)− α(y′) = 0 . Ao longo da integração dxdydx′dy′, tal condição é satisfeita nos seguintes dois casos. 1. Quando x = x′ e y = y′, situação em que 〈P(A|B)〉 = |a(kA)|2|a(kB)|2 ∫ |c(x)|2|c(y)|2dxdy ≡ 1, e; 2. Quando x = y′ e y = x′, situação em que 〈P(A|B)〉 = |a(kA)|2|a(kB)|2 ∫ |c(x)|2|c(y)|2e−i(kA−kB)·(y−x)dxdy. Interpretando ρ(x) = |c(x)|2 como a probabilidade do píon ser emitido do ponto x da fonte emissora, P(kA) = |a(kA)|2 como a probabilidade do píon ser emitido com momento kA e definindo a diferença dos momentos q = kA − kB , a forma final para 〈P(A|B)〉, após integração em dx′dy′dα, é dada por 〈P(A|B)〉 = P(kA)P(kB) [ 1 + ∫ |c(x)|2|c(y)|2e−i(kA−kB)·(y−x)dxdy ] = P(kA)P(kB) [ 1 + ∫ ρ(x)ρ(y)e−iq·(y−x)dxdy ] = P(kA)P(kB) [ 1 + (∫ ρ(x)e−iq·xdx )∗ (∫ ρ(y)e−iq·ydy )] = P(kA)P(kB) [ 1 + ∣∣Fq[ρ(x)] ∣∣2] . (2.12) Deve ser notado que cada termo do produto P(kA)P(kB) representa a proba- bilidade de emissão não-correlacionada dos píons, i.e., o espectro de momento de cada um deles, 〈P(A)〉〈P(B)〉 = P(kA)P(kB). (2.13) Capítulo 2. Correlação de partículas idênticas 10 A função de correlação, C(q), pode finalmente ser introduzida como a razão entre a probabilidade de detecção simultânea de dois píons com diferença de momento q = kA − kB pela probabilidade de detecção de cada um desses píons separadamente, C(q) ≡ 〈P(A|B)〉 〈P(A)〉〈P(B)〉 = 1 + ∣∣Fq[ρ(x)] ∣∣2 . (2.14) Definida dessa forma, C(q) reflete a correlação estatística entre os píons, de- pendência esta realizada na transformada de Fourier da distribuição de fonte, |Fq [ρ(x)] |2. Lembrando sempre que C(q) é uma distribuição de probabilidade (que é máxima para q = 0, ilustrando o fato de bósons terem a tendência de se- rem emitidos com momento próximo), obtém-se novamente, agora de forma mais completa, a conclusão já assertada algumas páginas antes: a determinação expe- rimental da forma de C(q) permite inferir propriedades de ρ(x). Uma ilustração de como tal afirmativa permite o estudo da fonte emissora será dada através do exemplo a seguir. Suponha que o sistema formado em uma colisão pp tenha sua distribuição de matéria dada por uma gaussiana (a normalização de ρ(x) foi suprimida por simplicidade), isto é, ρ(x) ∝ e−x2/2R2 . (2.15) A função de correlação associada a tal sistema, de acordo com a Eq. (2.14), é dada por, C(q) = 1 + e−q2R2 . (2.16) Este é o exemplo mais simples de como determinada distribuição de fonte dá origem a uma função de correlação. Diferentes distribuições de fonte dão origem a diferentes funções de correlação. Aquelas mais utilizadas na literatura são listadas a seguir. Capítulo 2. Correlação de partículas idênticas 11 1. Fator λ de caoticidade A observação empírica [7] de que a função de cor- relação em |q| = 0 não assume seu valor máximo, isto é, C(|q| = 0) < 2, motivou a introdução do fator-λ como, C(|q|) = 1 + λe−q2R2 . (2.17) Do ponto de vista experimental, λ será sempre menor que 1, de forma que C(|q| = 0) < 2. O fator-λ é conhecido por refletir a intensidade da correla- ção. 2. Lorentziana O comportamento gaussiano da função de correlação nem sempre descreve bem os dados experimentais (ver Sec. A.4). Uma alter- nativa é a utilização da parametrização exponencial, C(q) = 1 + λe−|q|R, (2.18) onde está implícita a hipótese de distribuição Lorentziana para ρ(x). 3. Fator ε Como será discutido na seção 2.3, existem diversos métodos expe- rimentais de se obter pares de píons não correlacionados para construção da função de correlação. Todas as alternativas introduzem desvios no com- portamento da distribuição final. Alguns destes comportamentos podem ser parametrizados através do fator ε|q|, C(q) = (1 + λe−|q|R)(1 + ε|q|). (2.19) Vale lembrar que, do ponto de vista experimental, primeiro obtém-se a função de correlação com os dados reais, identificada com a distribuição, C(q) = EAEB d6N(kA, kB) d3kAd3kB / EA d3N(kA) d3kA · EB d3N(kB) d3kB . (2.20) Em seguida, alguma das parametrizações para C(q) é ajustada sobre a distri- buição C(q), e os parâmetros associados a ρ são determinados. Entretanto, não é possível saber, a priori, qual forma para C(q) deve ser utilizada no ajuste de C(q). Uma discussão a respeito desta questão é feita na Sec. A.4. Capítulo 2. Correlação de partículas idênticas 12 2.2 Generalização covariante do efeito HBT O tempo foi suprimido por simplicidade no formalismo desenvolvido até o mo- mento, mas pode ser introduzido através da inclusão da dependência temporal nas funções de onda ψ(xA) e ψ(xB) (com t representando o tempo associado à emissão de kA e u de kB), ψ(xA) = a(kA) ∫ c(x, t)eiα(x,t)e−i[kA·(xA−x)−ωAt]dxdt, ψ(xB) = a(kB) ∫ c(y, u)eiα(y,u)e−i[kB·(xB−y)−ωBu]dydu. (2.21) Seguindo os mesmos passos da Sec. 2.1, a probabilidade de detecção simul- tânea dos dois píons, após média sobre as fases α e integração em dx′dy′dt′du′, é dada, de forma análoga à Eq. (2.12), por, 〈P(A|B)〉 = = P(kA)P(kB) [ 1 + ∫ |c(x, t)|2|c(y, u)|2e−i[(kA−kB)·(y−x)−(ωA−ωB)(u−t)]dxdydudt ] = P(kA)P(kB) [ 1 + ∫ ρ(x, t)ρ(y, u)e−i[q·(y−x)−Δω(u−t)]dxdydudt ] = P(kA)P(kB) [ 1 + (∫ ρ(x, t)ei[q·x−Δω·t]dxdt )∗ (∫ ρ(y, u)ei[q·y−Δω·u]dydu )] = P(kA)P(kB) [ 1 + ∣∣Fq[ρ(x)] ∣∣2] (2.22) onde agora a diferença de momento é o quadrivetor qμ = (q0, q) e as dimensões características do sistema incluem a parte temporal xμ = (x0, x). A função de correlação, agora com parte temporal inclusa, é obtida de forma analoga àquela apresentada na Sec. 2.1, sendo dada por, C(q) = 1 + ∣∣Fq[ρ(x)] ∣∣2 . (2.23) As diferentes parametrizações para C(q) seguem a generalização covariante das Eq. 2.17, 2.18 e 2.19, C(q) = 1 + λe−q2R2 , (2.24) C(q) = 1 + λe−qR, (2.25) C(q) = (1 + λe−qR)(1 + εq). (2.26) Capítulo 2. Correlação de partículas idênticas 13 2.3 Um olhar experimental sobre o efeito HBT Muito embora repleto de inúmeros insights, o terreno abstrato da física teórica pode muitas vezes ocultar a forma pragmática de se observar determinado fenô- meno que oferece o olhar experimental. Nesse sentido, um balanço entre as duas visões é fundamental para que haja ampla compreensão da física envolvida. Pen- sando nisso, esta breve seção se dedica ao desenvolvimento dos métodos e con- ceitos experimentais sobre o efeito HBT utilizados ao longo deste trabalho. Considere a situação apresentada na Fig. 2.2: novamente tem-se a colisão de dois prótons, com formação de uma região extensa e posterior hadronização e emissão de partículas. p p q kA kB |q| |q| C (q ) A B C = A/B Figura 2.2: Ilustração do efeito Hanbury-Brown–Twiss sob a óptica experimental. Grande parte das partículas emitidas na colisão são píons, aproximadamente metade deles têm a mesma carga e, dentre eles, alguns pares estão correlaciona- dos. A correlação entre pares de píons idênticos é refletida na tendência de tal par ser emitido com baixa diferença de momento. Assim sendo, a distribuição do número de pares com diferença de momento q = kA − kB deve apresentar maior Capítulo 2. Correlação de partículas idênticas 14 contagem em torno de |q| ∼ 0, como representado pela distribuição C na Fig. 2.2. Ao menos isso é o que se esperaria caso o espectro de momento dos píons fosse ausente, e que o único fator que determinasse a distribuição de seus mo- mentos fosse a natureza estatística de bósons idênticos. Evidentemente isso não é verdade. De fato, observa-se experimentalmente que a distribuição dN/d|q| do número de pares com diferença de momento q segue comportamento semelhante àquele representado pela curva A na Fig. 2.2. Tal distribuição corresponde à Eq. (2.12). Não obstante, a natureza bosônica de píons, que faz com que pares de píons idênticos sejam emitidos com baixa diferença de momento, ainda está presente na distribuição A da Fig. 2.2. Caso os píons fossem emitidos de fontes não corre- lacionadas, como dado pela Eq. (2.13), sua distribuição dN/d|q| seria semelhante à curva B, isto é, o número de contagens para |q| ∼ 0 seria menor em relação à curva A. De forma pictórica, portanto, a distribuição C, que contém apenas o termo 1 + ∣∣Fq[ρ(x)] ∣∣2, é fruto da razão C = A/B, ou seja, a própria função de correlação introduzida na Eq. (2.14). Neste momento, um questionamento natural seria: “como obter experimen- talmente a distribuição B do número de pares de píons oriundos de fontes emis- soras não correlacionadas?”. Este é uma das tarefas mais delicadas do estudo experimental do efeito HBT, e dispõe de algumas alternativas: 1. Mistura de eventos A forma mais tradicional de se obter pares de píons não correlacionados é através da mistura de eventos. Nessa técnica, utiliza-se píons de eventos distintos para construção dos pares com diferença de mo- mento q = kA − kB, isto é, o píon de momento kA é oriundo de um evento distinto daquele de momento kB. Do ponto de vista técnico, o método con- siste em escolher dois eventos semelhantes e combinar todos os píons de um evento com os píons do outro, formando assim a distribuição B. Apesar da eficiência do método em eliminar correlações entre os píons, essa técnica possui duas características: (i) nos pares de píons combinados dessa forma não há conservação de momento e (ii) há grande margem para ambiguida- des no critério de combinação dos eventos, ou, em outras palavras, o que define dois eventos semelhantes? Ambas deficiências (i) e (ii) podem ser contornadas. A primeira através da razão dupla a ser introduzida na Sec. 4.1 e a segunda adotando como critério de semelhança de dois eventos o fato de ambos terem multiplicidade similar na mesma região de η (ver Sec. 3.3.1 para η). Capítulo 2. Correlação de partículas idênticas 15 2. Pares de cargas opostas Píons de cargas opostas são emitidos de fontes não correlacionadas no sistema pp, e poderiam servir para construção da distri- buição B. Entretanto, os pares assim formados podem vir de uma mesma ressonância (por exemplo ρ → π+π−). Tais ressonâncias introduzem dis- torções na função de correlação (ver Sec. A.1). Além do mais, pares de car- gas opostas podem carregar correlações semelhantes àquelas presentes em pares de mesma carga (de origem distinta de Bose-Einstein), e e eliminar comportamentos desejáveis em C. 3. Razão dados/Monte Carlo Os geradores de Monte Carlo (como é o caso do Pythia6 [8]) não simulam correlações de Bose-Einstein, e portanto pode- riam ser utilizados para construção da função de correlação através da razão C = ( d6N(kA,kB) d3kAd3kB ) dados /( d6N(kA,kB) d3kAd3kB ) MC . Entretanto, em algumas situações, a descrição dos dados por parte do Monte Carlo não é plenamente satisfató- ria, particularmente no que diz respeito à distribuição de multiplicidade de partículas por evento. Por este motivo, é relevante que se investigue a simu- lação que melhor descreva o conjunto de dados. Ainda assim, a construção da função de correlação através desse método não é totalmente eficaz. Todas as técnicas descritas acima foram estudadas nesse trabalho, e são apre- sentadas na Sec. A.1. O método escolhido para obtenção dos resultados finais foi a mistura de eventos. Os outros métodos foram utilizados na estimativa de incer- tezas sistemáticas. O capítulo 2 resume os conceitos básicos necessários para o entendimento da análise HBT apresentada adiante neste trabalho. Evidentemente, o conteúdo nele presente corresponde a um tênue vislumbre de todo desenvolvimento teórico e experimental que há neste rico campo de pesquisa. Um artigo de revisões com diversas referências sobre o tema pode ser encontrado na Ref. [9]. Capítulo 3 LHC e o experimento CMS Este seção faz uma breve apresentação das condições experimentais do LHC e do detector CMS sobre a qual o estudo HBT pôde ser implementado. 3.1 O LHC no cenário da Física de Altas Energias As pioneiras investigações conduzidas por Rutherford em 1911 utilizavam partículas- α oriundas de uma fonte de rádio para investigação da estrutura da matéria. Os poucos MeV de energia das partículas-α utilizadas por Rutherford evoluiram, hoje, para a escala TeV atingida em aceleradores de partículas. Não obstante, a finalidade das investigações permanece essencialmente a mesma: entender a estrutura da matéria e suas interações. Os tópicos listados a seguir resumem al- gumas das principais motivações de se explorar a escala TeV em anéis de colisão nos dias de hoje. • O enorme sucesso da teoria eletrofraca de Glashow-Weinberg-Salam é sus- tentada pelas mais de quatro décadas de finos acordos experimentais com predições teóricas [10]. Quando escrita como teoria de gauge para o grupo SU(2)L ⊗ U(1)Y sem quebra de simetria, entretanto, o modelo apresenta problemas com os termos de massa para férmions (ψ̄ψ) e bósons vetoriais massivos (ZμZμ e W+ μ Wμ −), violando invariância de gauge no primeiro caso e quebrando a renormalizibilidade no segundo. Além disso, alguns pro- cessos violam a unitariedade [11], como é o caso de ν + ν → W+ + W−. Uma solução para dar massa às partículas de forma invariante de gauge, preservar a renormalizibilidade e ainda garantir a unitariedade de todos os processos é através do mecanismo de Higgs. Tal mecanismo, contudo, pressupõe a existência de ao menos um bóson escalar neutro massivo, cuja existência foi confirmada quando da conclusão deste trabalho. • A descrição das interações fortes é feita através da teoria de gauge para o grupo SU(3)C, e leva o nome de cromodinâmica quântica. Juntamente com 16 Capítulo 3. LHC e o experimento CMS 17 as interações eletrofracas, essas duas teorias compõe o que se conhece por Modelo Padrão. Embora exaustivamente corroborado por medidas experi- mentais, o Modelo Padrão carece de respostas a certas questões [12], como por exemplo (i) a falta de um candidato à matéria escura; (ii) a falta de uma descrição quântica da gravitação e (iii) a falta de uma descrição dinâmica para conservação do número bariônico e consequente estabilidade do pró- ton. Essas e outras questões motivam a especulação de teorias que vão além do Modelo Padrão. Algumas das mais populares alternativas são os mode- los superssimétricos, aqueles que propõe dimensões espaciais extras e as teorias de grande unificação. • O Plasma de Quarks e Glúons é um estado da matéria que emerge da cro- modinâmica quântica quando quarks e glúons são submetidos a altíssimas densidades e temperaturas. A compreensão da matéria e suas interações em tais condições extremas, que se acredita ter existido logo após a criação do Universo, podem ser a chave para o entendimento da evolução da matéria do universo primordial até os dias de hoje. Tanto a busca pelo bóson de Higgs quanto a procura por física além do Mo- delo Padrão e o estudo do Plasma de Quarks e Glúons têm como grande expoente de sua investigação os aceleradores de partículas. No decorrer das próximas dé- cadas, o Large Hadron Collider (LHC) será o principal experimento de Física de Al- tas Energias em atividade no mundo. Localizado a 100 metros de profundidade na fronteira entre França e Suíça, no Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (CERN), os 27 km de túnel abrigam o anel de colisão que choca prótons e núcleos de chumbo (pp, PbPb e futuramente pPb) a energias na escala TeV. Detectores lo- calizados em quatro pontos ao longo do túnel subterrâneo (ALICE, ATLAS, CMS e LHCb) coletam dados originados das colisões. A Fig. 3.1 ilustra o complexo envolvendo os experimentos. Capítulo 3. LHC e o experimento CMS 18 Octant 1 Octant 2 Octant 3 Octant 4 Octant 5 Octant 6 Octant 7 Octant 8 Injectio Injec tio ATLAS ALICE CMS LHC-B Low β (pp) High Luminosity Low β (ions) Low β (pp) High Luminosity Low β (B physics) Figura 3.1: Visão geral do LHC e seus experimentos [15]. Feixes de prótons pre- viamente acelerados a 450 GeV são injetados em sentidos opostos e acelerados a energias na escala TeV. Lentes magnéticas localizadas nos octantes 1, 2, 5 e 8 colimam os feixes e produzem as colisões. Nos experimentos ATLAS e CMS, o número de interações próton-próton por segundo é da ordem de 109. O Compact Muon Solenoid (CMS), um dos quatro experimentos do LHC, é um detector de propósito geral capaz de investigar desde a física além do Modelo Padrão, passando por medidas eletrofracas de precisão até o estudo da matéria nuclear quente. Os dados alí produzidos são distribuidos para análise ao redor do mundo através de uma estrutura de grid de computadores. O presente trabalho fez uso dos dados coletados pelo CMS e da estrutura de grid do Sao Paulo Research and Analysis Center (SPRACE) para investigação do sistema formado em colisões pp através do efeito Hanbury-Brown–Twiss (HBT). A próxima seção é dedicada a uma breve descrição do experimento. Capítulo 3. LHC e o experimento CMS 19 3.2 Visão básica do detector CMS Diversos subsistemas compõe o detector CMS, cada um explorando um tipo dife- rente de interação das partículas com a matéria. O funcionamento em conjunto de todos esses subsistemas provê grandezas físicas como momento, energia, carga e massa das partículas que atravessam o detector. Um desenho esquemático do ex- perimento pode ser visto na figura da página 20. O CMS é composto por quatro principais subdetectores, dispostos em camadas cilíndricas na seguinte ordem: 1. Sistema de detecção de traços (tracker), detectores de silício localizados na parte mais interna do experimento. Opera através de junções p-n sensíveis à passagem de partículas carregadas. É responsável pela reconstrução das trajetórias das partículas próximo ao ponto de colisão. 2. Calorímetro eletromagnético (ECAL), cristais de tungstato de chumbo (PbWO4) onde fótons e elétrons depositam sua energia através de cascatas eletromagnéticas. O sinal luminoso gerado nos cristais é coletado e amplifi- cado por fotomultiplicadoras de silício. 3. Calorímetro hadrônico (HCAL), absorvedores de bronze intercalados a cin- tiladores plásticos. A fração eletromagnética do chuveiro hadrônico indu- zido pelos absorvedores é detectada nos cintiladores. O sinal luminoso ali produzido é coletado por fibras ópticas e amplificado por fotodiodos. 4. Câmara de múons, detectores gasosos localizados na parte mais externa do CMS responsáveis pela detecção de múons. Opera através da captura de íons gerados pelos múons ao passarem pelo meio gasoso. A escolha e disposição desses detectores na composição do CMS foi feita de tal maneira que toda partícula conhecida até hoje (com exceção do neutrino) que passe pelo detector antes de decair deixará sinal em pelo menos um desses siste- mas. A cobertura em ângulo sólido do experimento é de 98% de 4π. Apesar da enorme proliferação de novas partículas descobertas nas últimas décadas, apenas algumas delas têm vida média grande o suficiente para alcançar o detector. A forma como tais partículas interagem com a matéria é extremamente bem conhecida, e os experimentos de altas energias são projetados com o objetivo de detectá-las. Tais partículas são listadas a seguir, juntamente com uma breve descrição do tipo de interação associada à detecção de cada uma delas [13]. Capítulo 3. LHC e o experimento CMS 20 Capítulo 3. LHC e o experimento CMS 21 Figura 3.2: Corte transversal do detector CMS e ilustração dos mecanismos de detecção das principais partículas que atravessam o experimento [14]. 1. Múons, deixam sinal no sistema de traços, passam pelos calorímetros ele- tromagnético e hadrônico e deixam sinal nas câmaras de múons. Como o múon é a única partícula carregada capaz de chegar às camadas mais ex- ternas do detector, um traço com tais características é um forte candidato a múon. É a partícula que apresenta melhor eficiência de identificação no CMS. 2. Elétrons, passam pelo sistema de traços irradiando Bremsstrahlung e dei- xando sinal nas junções p-n dos detectores de silício. Em seguida, depo- sitam toda sua energia no calorímetro eletromagnético através de casca- tas eletromagnéticas. Das partículas que alcançam o detector, o elétron é a única que emite Bremsstrahlung ao deixar sinal no sistema de traços e para completamente no calorímetro eletromagnético. Todo traço com essa característica é um forte candidato a elétron. 3. Píons, káons e prótons, são os hádrons carregados com vida média sufici- entemente grande que deixam sinal no sistema de traços, interagem pouco com o calorímetro eletromagnético e depositam toda sua energia no calorí- metro hadrônico. A distinção entre essas partículas pode ser feita, no CMS, Capítulo 3. LHC e o experimento CMS 22 através da taxa de deposição de energia nos detectores de silício1, o dE/dx. 4. Neutrons, interagem apenas com o calorímetro hadrônico, onde depositam toda sua energia. 5. Fótons, interagem predominantemente com o calorímetro eletromagnético, depositando toda sua energia através de cascatas eletromagnéticas. A iden- tificação de fótons é uma tarefa bastante complexa por depender do sinal isolado em apenas um subsistema, porém de enorme relevância para inves- tigações físicas por ser um canal “limpo”. 6. Jatos, apesar de serem compostos por diversas partículas originadas da ha- dronização de um quark ou glúon, são geralmente tratados, no CMS, como um único objeto físico. Sua identificação se dá predominantemente através da deposição de energia nos calorímetros eletromagnético e hadrônico. Das partículas listadas acima, píons são as de maior abundância em colisões próton-próton, e as de maior interesse na análise HBT a ser discutida neste tra- balho. Sua detecção se dá substancialmente através do sistema de detecção de traços, subdetector descrito em detalhes na seção 3.3.2. A descrição completa do CMS pode ser encontrada na Ref. [14]. Como bibliografia em português, reco- mendo a Ref. [15]. 1No CMS, a separação π/K/p é possível apenas para momentos inferiores a ≈ 1 GeV. Capítulo 3. LHC e o experimento CMS 23 3.3 Variáveis de interesse à análise HBT no CMS Na seção 3.2 foi apresentada a visão geral de como opera o detector CMS. Agora, especial ênfase será dada ao campo magnético presente no interior do experi- mento e ao sistema de detecção de traços. Juntos, tais sistemas são responsáveis por determinar, entre outras quantidades, o momento p de cada partícula, gran- deza de especial interesse para a presente análise. 3.3.1 Campo magnético e geometria do detector O elemento que dá estrutura ao CMS é o solenóide supercondutor de 14 m de diâmetro e 21.6 m de comprimento. Com uma estrutura de ferro pesando 12.000 toneladas, o solenóide fornece, além de um campo magnético constante de 3.8 Tesla em seu interior, o suporte para a montagem de todos os outros subdetecto- res do CMS. A variável geométrica conveniente para definir regiões de cobertura do de- tector é a pseudorapidez η, que relaciona grandezas cinemáticas das partículas emergentes ao ângulo polar θ (ver Fig. 3.3) através da expressão, η = 1 2 ln ( |p|+ pL |p| − pL ) = − ln [ tan ( θ 2 )] . (3.1) O sistema de detecção de traços encontra-se em um volume cilíndrico de 2.6 m de diâmetro e 5.8 m de comprimento no interior do solenóide, tendo cobertura em pseudorapidez de |η| < 2.4. . x (em direção ao centro do LHC) y (verticalmente para cima) z (ao longo do feixe)Interaction Point η = − ln [ tan ( θ 2 )] θ φ Figura 3.3: Variáveis geométricas e sistema de coordenadas do CMS. Capítulo 3. LHC e o experimento CMS 24 3.3.2 Sistema de detecção de traços O sistema de detecção de traços (tracker) é composto por detectores de silício – junções p-n sensíveis à passagem de partículas carregadas. Ao passar por uma dessas junções, a partícula gera íons que são coletados pela eletrônica do sistema. Tais íons dão origem a um sinal. O conjunto de diversos sinais, deixados ao longo de todo o tracker, são então filtrados e interpolados, dando origem à trajetória da partícula (Fig. 3.4-(b)). O momento de cada partícula é obtido a partir da curva- tura dessa trajetória sob o campo magnético presente no interior do experimento. A grande precisão na reconstrução da trajetória da partícula fornecida pelo sis- tema de traços garante boa precisão na determinação de seu momento, da ordem de σ(δpT/pT) ≈ 2%. Figura 3.4: (a) Detector CMS. (b) Trajetórias reconstruídas no sistema de traços (imagem obtida através do software EventDisplay do CMS para colisões pp a√ s = 7 TeV). (c) Pixels do sistema de traços. O tracker está dividido entre pixels e strips. Na região mais interna, próxima ao ponto de colisão, está presente o sistema de pixels, onde cada junção p-n é um pixel de ≈ 100×150 μm2 com eletrônica independente (Fig. 3.4-(c)). São três Capítulo 3. LHC e o experimento CMS 25 camadas de pixels localizadas em r = 4.4, 7.3 e 10.2 cm, totalizando 66 milhões de pixels. Tal quantidade de pixels é necessária devido à grande densidade de partículas nessa região. Na região pouco mais externa ao sistema de pixels (20 < r < 110 cm) a den- sidade de partículas diminui, permitindo o uso de microstrips: junções p-n em forma de faixas. Entre 20 < r < 55 cm as microstrips têm 10 cm × 80 μm, e en- tre 55 > r > 110 cm suas dimensões são de 25 cm × 180 μm. Ao total, são 10 camadas de microstrips. Como última componente, o sistema de traços conta com as endcaps, conjunto de 2 camadas de pixels e 9 camadas de microstrips que atua como uma “tampa”, fechando o barril do sistema de traços. As trajetórias das partículas são obtidas através da interpolação dos sinais deixados nos pixels e strips. Grosso modo, o algoritmo responsável por tal in- terpolação parte de um segmento de traço no sistema de pixel (conhecido como semente, ou seed) e, utilizando um algoritmo de reconhecimento de padrão ba- seado no filtro de Kalman [16], busca por sinais nas camadas mais externas do sistema de traços que coincidam com o segmento original [17]. O processo segue iterativamente e, para cada nova busca em uma camada mais externa, faz uso da informação adquirida na etapa anterior, além das equações de movimento da partícula no campo magnético e interação com o detector. Apesar da alta eficiência do método, tal algorítmo está sujeito a certas limita- ções. A primeira das limitações são os traços falsos (fake tracks), onde há a recons- trução de um traço que, na realidade, não existe. A segunda das limitações são os traços divididos (split tracks), onde são reconstruídos dois traços muito próximos um do outro por onde, na realidade, passou apenas uma partícula. Alguns cortes podem ser adotados a fim de eliminar tanto traços falsos quanto traços divididos. Os cortes adotados na seleção de traços deste trabalho que visam a eliminação de traços falsos e divididos estão descritos na seção 4.2. 3.3.3 Identificação de partículas utilizando dE/dx Partículas podem ser identificadas através da quantidade de energia que deposi- tam ao passar pela matéria, dE/dx (MeV/cm). Tal identificação é relevante para a análise HBT desenvolvida neste trabalho, uma vez que o efeito Hanbury-Brown– Twiss envolve apenas píons de mesma carga. O sistema de traços é capaz de medir a taxa de deposição de energia das partículas que o atravessam, permi- Capítulo 3. LHC e o experimento CMS 26 tindo assim identificá-las dentro de certa precisão. Esta seção mostra como tal identificação é feita. O principal mecanismo pelo qual uma partícula perde energia ao passar pelo silício é através da ionização do meio (outros mecanismos como Bremsstrahlung ou aniquilação de par têm contribuição muito pequena nessas condições). A quantidade de íons gerados pela partícula carregada ao atravessar uma junção p-n é proporcional à energia depositada por essa partícula na junção, i.e., o dE. Mais precisamente, no silício, um íon é gerado a cada 3.62 eV de energia deposi- tada. Dessa forma, o sinal deixado por uma partícula em um pixel não é somente “0” ou “1”, mas varia em intensidade. Partículas de mesma carga mas diferentes massas depositam diferentes quan- tidades de energia ao passarem pela matéria. A expressão que relaciona a quan- tidade de energia depositada por um partícula de momento p e massa m ao atra- vessar um pixel de espessura dx é dada pela equação de Bethe (ver Ref. [18], Sec. 27), que, para partículas moderadamente relativísticas, pode ser parametrizada por, dE dx = K m2 p2 + C (3.2) sendo K e C parâmetros universais a todas as partículas. A dependência em m torna possível a separação entre píons (mπ = 139.57 MeV), kaons (mK = 493.68 MeV) e prótons (mp = 938.27 MeV) em um histograma de dE/dx vs. |p|, como mostra a Fig. 3.5. (ali K = 2.341 e C = 2.397). Definindo regiões no histograma dE/dx vs. |p| é possível separar píons, ka- ons, prótons e núcleos α para momentos inferiores a ≈ 1.5 GeV. É interessante no- tar, contudo, que a quantidade de píons é muito maior que das outras partículas. A razão π/K/p estimada a partir do histograma da Fig. 3.5 para 0.2 ≤ |p| ≤ 1.5 GeV/c é 100/4.15/3.73. A abundância de píons em colisões pp torna possível o estudo HBT sem que se faça a identificação de partículas, tal como feito nas duas análises publicadas anteriormente pela colaboração CMS sobre o efeito HBT [19, 20]. Capítulo 3. LHC e o experimento CMS 27 Figura 3.5: Identificação de partículas a partir de sua taxa de deposição de energia ao passar pelas junções p-n dos detectores de silício do CMS. Capítulo 4 Análise do efeito HBT no detector CMS As variáveis de interesse associadas às partículas produzidas nas colisões do LHC (i.e. p, η, dE/dx, ...) estão disponíveis, no CMS, através de um software da co- laboração chamado CMSSW (CMS SoftWare). Uma série de algorítmos desen- volvidos pela colaboração transformam os sinais “crus” deixados no detector em grandezas físicas de interesse. Os algorítmos relevantes para o presente trabalho foram descritos na Sec. 3.3. Esta seção mostra como os resultados da análise HBT foram obtidos a partir das grandezas físicas disponíveis no CMSSW. 4.1 Procedimento geral de análise O escopo da análise HBT consiste na construção e estudo da função de correlação. O procedimento geral de construção da função de correlação pode ser resumido nos seguintes passos: 1. Filtragem de eventos e traços. Parte dos eventos coletados pelo CMS não contém física relevante ao estudo do efeito HBT. Apenas eventos que pas- sam por um critério específico de seleção, visando a presença de traços pri- mários oriundos diretamente da colisão, são submetidos à análise. Tais eventos são selecionados através de um trigger. Os traços das partículas armazenados em cada um dos eventos passam também por um filtro de qualidade. Somente após eventos e traços serem filtrados é que a análise HBT pode ser implementada. A descrição dos filtros é feita na Sec. 4.2. 2. Obtenção do histograma de sinal. O histograma de sinal corresponde à distribuição do espectro de duas partículas correlacionadas, 〈P(A)P(B)〉, sendo dada por, A = EAEB d6N(kA, kB) d3kAd3kB . (4.1) 28 Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 29 Experimentalmente, tal distribuição é obtida a partir da combinação de pa- res de traços com momentos kA e kB provenientes do mesmo evento. São consideradas para análise todas as combinações de pares dentro de um mesmo evento, sem repetições. Uma correção devido à interação coulombi- ana entre partículas de mesma carga é aplicada, tanto na análise unidimen- sional quanto nos resultados em duas e três dimensões (ver Sec. A.2). 3. Obtenção do histograma de referência. O histograma de referência corres- ponde à distribuição do espectro de duas partículas não correlacionadas, 〈P(A)〉〈P(B)〉, sendo dada por, B = EA d3N(kA) d3kA · EB d3N(kB) d3kB . (4.2) Experimentalmente, tal distribuição é obtida a partir da combinação de pa- res de traços com momentos kA e kB provenientes de eventos distintos (ver Sec. 2.3). 4. Obtenção da função de correlação. A função de correlação, C, é obtida a partir da razão entre os histogramas de sinal e referência, C = A B = EAEB d6N(kA, kB) d3kAd3kB / EA d3N(kA) d3kA · EB d3N(kB) d3kB (4.3) A normalização das distribuições A e B é feita a posteriori, de forma que o número de entradas da distribuição de sinal seja o mesmo que da distri- buição de referência. Para tanto, a distribuição A é multiplicada pelo fator∫ B/ ∫ A. 5. Obtenção da razão dupla. No primeiro artigo sobre a análise do efeito HBT publicado pelo CMS [19], diversos métodos para construção da distribui- ção de referência B foram utilizados, cada um deles visando a obtenção de uma distribuição experimental que melhor descreva o espectro de duas par- tículas não correlacionadas, 〈P(A)〉〈P(B)〉. Entretanto, do ponto de vista experimental, a obtenção de tal distribuição não é uma tarefa trivial, e a identificação de B com 〈P(A)〉〈P(B)〉 não é totalmente equivalente. Não obstante, existe um procedimento capaz de reduzir a sensibilidade dos re- sultados à escolha de uma particular forma para construção de B, além de reduzir efeitos de ineficiência de reconstrução de traços. Tal procedimento é conhecido por razão dupla. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 30 Repetindo os passos de 1 a 4 para dados gerados com Pythia6 [8] e simula- ção da passagem pelo detector feita com Geant4 [21], constrói-se a função de correlação de Monte Carlo, CMC, que não simula correlações entre bósons idênticos. A razão (Dupla) é então obtida, D = Cdados CMC = (A B ) dados /(A B ) MC . (4.4) Pelo fato de o Monte Carlo não simular correlações entre bósons idênti- cos, a distribuição dada pela razão D = Cdados/CMC deveria eliminar todo comportamento introduzido em Cdados devido ao método experimental de construção do espectro de duas partículas não correlacionadas. Uma breve discussão sobre a eficiência desse procedimento é feita na Sec. A.1. 6. Extração dos parâmetros. Os parâmetros associados ao sistema formado nas colisões pp podem finalmente ser obtidos através do ajuste de uma pa- rametrização para D(q) sobre a distribuição D. O estudo de diferentes ajus- tes sobre a função de correlação é apresentado na Sec. A.4. Quando dei início ao estudo do efeito HBT em colisões pp no CMS, escrevi o programa que faz toda análise descrita nas etapas acima, baseando-me forte- mente nos passos seguidos por um grupo de Padova (Italia) que já havia reali- zado tal análise dentro da colaboração [19]. A idéia inicial do estudo era utilizar o programa escrito por mim para estender o trabalho anterior a cenários ainda não explorados dentro do CMS. Contudo, como o trabalho de Padova já havia pas- sado por todo crivo da colaboração, foi decidido que todos os novos resultados (referentes à análise HBT multidimensional apresentada neste trabalho) seriam implementados, por mim, no código já existente. Não obstante, a compatibili- dade de meu primeiro trabalho com a análise desenvolvida anteriormente pode ser vista nas Figs. 4.1 e 4.2, onde são apresentadas as funções de correlação de dado e Monte Carlo obtidas a partir dos passos descritos acima, em função de q = qinv = √−qμqμ. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 31 CMS pp √ s = 7 TeV 1 1.25 1.5 C( q) / 0 .0 1 G eV 0 0.5 1 1.5 2 q (GeV/c) C(q)dados (Padova) C(q)MC (Padova) C(q)dados (Reproduzido) C(q)MC (Reproduzido) Figura 4.1: Função de correlação, C(q), para dados reais e de Monte Carlo. Os pontos cheios correspondem aos resultados obtidos com o programa desenvol- vido pelo grupo de Padova, e os pontos vazios àqueles reproduzidos com pro- grama escrito por mim. A tendência de bósons idênticos serem emitidos com momentos próximos é refletida no aumento de contagem para q � 0.5 nos dados reais. Por não simular correlações de Bose-Einstein, o Monte Carlo não apresenta tal comportamento. O raio-HBT é obtido através do ajuste de D(q) sobre a distri- buição D(q) = C(q)dado/C(q)MC. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 32 CMS pp √ s = 7 TeV 1 1.2 1.4 1.6 1.8 D( q) / 0 .0 1 G eV 0 0.5 1 1.5 2 qinv (GeV/c) D(q) = C(q)data /C(q)MC (Padova) D(q) = C(q)data /C(q)MC (Reproduzido) Figura 4.2: Razão (dupla) D(q) = C(q)dado/C(q)MC das funções de correlação da Fig. 4.1. As incertezas experimentais são estatísticas apenas. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 33 4.2 Seleção de eventos e traços Ao longo de 2011, o LHC acumulou luminosidade integrada de L = 5.0 fb−1 co- lidindo prótons a energia de √ s = 7 TeV no centro de massa. Tamanha lumino- sidade é necessária para busca de física além do Modelo Padrão, como discutido na seção 3.1. A chamada “física mole”, ou de baixos pT, na qual se enquadra o estudo do efeito HBT, requer luminosidade muito menor. O presente trabalho utilizou 2.7 milhões de eventos armazenados ao longo do início de 2010, o que corresponde a uma luminosidade de 25 μb−1 (supondo σ(pp) = 110 mb). Para Monte Carlo, foram utilizados 1.5 milhões de eventos gerados com Pythia6 [8], cuja simulação da passagem pelo detector foi feita através do Geant4 [21]. Existem alguns requisitos que um evento deve cumprir para que seja aceito para análise. Tais requisitos visam selecionar apenas eventos que contenham fí- sica relevante ao efeito HBT, mantendo, contudo, uma coleção minimum bias (viés mínimo). As condições exigidas para que um evento fosse aceito para análise no presente trabalho são as seguintes: 1. O evento não deve conter traços divididos (split tracks; veja seção 3.3.2); 2. O evento deve conter ao menos um traço satisfazendo as seguintes condi- ções: (a) Não ser um traço falso (fake track; veja seção 3.3.2); (b) Ter parâmetro de impacto no eixo-z a menos de 15 cm do ponto de colisão; (c) Ter parâmetro de impacto no plano-xy a menos de 2 cm do ponto de colisão; (d) Ter mais do que 4 graus de liberdade no ajuste; Tais condições garantem que o evento seja de fato fruto de uma colisão, uma vez que o traço emerge de uma região muito próxima ao ponto de interação. Uma vez que o evento satisfaça as condições especificadas acima, cada traço dentro desse evento é também submetido a um filtro de qualidade. Os cortes sobre os traços utilizados neste trabalho seguiram as mesmas exigências que nas análises do efeito HBT realizadas anteriormente pelo grupo de Padova [19, 20]. Apenas traços satisfazendo os cortes abaixo foram utilizados para análise. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 34 1. pT > 0.2 GeV Tal condição garante que a partícula tenha momento trans- versal suficientemente grande para atingir as três camadas de pixels do sis- tema de traços do detector, conferindo assim boa reconstrução de sua traje- tória. 2. |η| < 2.4 A cobertura em pseudorapidez do barril do sistema de traços é de |η| < 2.4. Tal condição garante, portanto, que a partícula esteja dentro do barril. 3. χ2 red < 5 e Ndof > 5 Estes cortes requerem que o ajuste sobre os traços tenha bom χ2 reduzido e alto número de graus de liberdade, visando assim traços bem reconstruídos. 4. dxy < 0.15 cm A distância de maior aproximação do ajuste de um traço ao ponto de colisão é chamada de dxy. A condição dxy < 0.15 cm visa se- lecionar traços primários, i.e., oriundos diretamente da colisão, e não de decaimentos secundários. 5. Rxy < 20 cm A primeira camada de pixels do CMS está a 4.4 cm de distân- cia do feixe no plano-xy. Dessa forma, o primeiro sinal físico deixado por uma partícula ao atravessar o detector está, no máximo, a alguns centíme- tros do ponto de colisão. A condição Rxy < 20 cm requer que o primeiro sinal físico da partícula esteja a menos de 20 cm de distância do feixe no plano-xy. Este corte opera conjuntamente com o corte em dxy, e visa elimi- nar traços falsos. Os cortes descritos acima visam a obtenção de uma coleção de traços pri- mários com boa qualidade de reconstrução, sem entretanto exigir demasiada qualidade sobre eles e introduzir algum tipo de viés (bias). O balanço entre corte/qualidade/bias é uma das tarefas mais delicadas e laboriosas nas análises do gênero. Felizmente, o presente trabalho contou com estudo prévio dos cor- tes feito pelo grupo de Padova, e apenas o resumo dos resultados é apresentado aqui, na forma dos itens acima e das distribuições da Fig. 4.3, obtidas após todos os cortes serem implementados. Uma vez obtidos eventos e traços de boa qualidade, a análise do efeito HBT pode finalmente ser implementada. As próximas seções dedicam-se à descrição detalhada da análise HBT no detector do CMS. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 35 Figura 4.3: Distribuições de controle dos traços utilizados na análise do efeito HBT no CMS: η (pseudorapidez); pT (momento transversal), dz (parâmetro de impacto no eixo-z); dxy (parâmetro de impacto no plano-xy); χ2 red (Chi-quadrado do ajuste do traço); Nch (multiplicidade de partículas carregadas); (vx, vy) (po- sição do vértice do traço); dE/dx (perda de energia); Nhits (número de hits no traço). As distribuições foram obtidas após todos os cortes serem aplicados sobre os traços. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 36 4.3 Resultados 4.3.1 Análise HBT em qinv A função de correlação em função de qinv = √−qμqμ obtida a partir dos seis passos descritos na Sec. 4.1 e utilizando a seleção de eventos e traços descritas na Sec. 4.2 é apresentada na Fig. 4.4. O raio-HBT do sistema próton-próton estimado dessa forma é R = 1.863 ± 0.015 fm, utilizando o ajuste da Eq. (2.26). ε = 0.0041± 0.0003 λ = 0.617± 0.007 R = 1.863± 0.015 CMS pp √ s = 7 TeV 1 1.2 1.4 1.6 1.8 D( q) / 0 .0 1 G eV 0 0.5 1 1.5 2 qinv (GeV/c) D(q) = C(q)data /C(q)MC D(q) = (1 + λe−qR)(1 + εq) Figura 4.4: Função de correlação em termos de qinv. As incertezas experimentais são estatísticas apenas. Além da sensibilidade à geometria da fonte emissora, o efeito HBT pode tam- bém refletir a dinâmica subjacente ao sistema formado nas colisões pp. Este pode ser o caso da região de anti-correlação presente entre 0.4 ≤ qinv ≤ 1.0 GeV/c na Fig. 4.4, onde a função de correlação assume valores abaixo de 1 (fato que não pode ser explicado através do formalismo desenvolvido neste trabalho). Tal com- portamento foi primeiramente observado em colisões e+e− no LEP [22], e mais recentemente em colisões pp no LHC [20]. O fenômeno parece ser característico de sistemas pequenos, e é corroborado por um modelo teórico denominado τ- model [23], que considera forte correlação entre as coordenadas espaço-temporais da distribuição de partículas emitidas e suas componentes de momento. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 37 A formulação do efeito HBT feita na Sec. 2.1 considera que as distribuições espaço-temporal e de momento-energia estejam desacopladas, ou seja, os coefi- cientes c(x) e a(k) podem ser separados. Em consequência disso, a função de correlação depende apenas do momento relativo do par, qinv = kA − kB. No en- tando, quando há movimento coletivo da fonte emissora, como ocorre no caso em que há expansão hidrodinâmica do sistema, a função de correlação pode de- pender do momento médio do par [24]. Tal dependência vem sendo constatada por diversos experimentos. O que se observa é que tamanho aparente sondado pelo efeito HBT diminui com o aumento do momento médio do par. Outro fator sobre o qual o efeito HBT é sensível é o número de partículas pro- duzidas na colisão. Quanto maior o número de partículas, maior as dimensões aparentes do sistema. Os dois aspectos citados acima foram investigados neste trabalhos, e são apresentados a seguir. 1. Multiplicidade de partículas no evento. O tamanho aparente do sistema formado em colisões próton-próton cresce com o número de partículas emi- tidas na colisão. A dependência do raio-HBT com a multiplicidade de par- tículas no evento é apresentado na Fig. 4.5. Ali, os eventos foram sepa- rados em três regiões de multiplicidade, 2 ≤ Nch < 10 , 10 ≤ Nch < 25 e 25 ≤ Nch < 80 . O raio-HBT foi extraído para cada uma dessas regiões utilizando-se a parametrização da Eq. (2.26). Os resultados do ajuste foram (1.046 ± 0.024) fm , (1.674 ± 0.023) fm e (2.023 ± 0.022) fm , respectiva- mente. Detalhes encontram-se na Tab. 4.1. Nota-se que a profundidade da anti-correlação diminui com o aumento da multiplicidade. 2. Momento médio do par. Devido à dinâmica coletiva de expansão da fonte emissora, é esperado [24] que o raio-HBT diminua com o aumento do mo- mento médio do par sujeito à correlação, kT = (kA + kB)/2. A depen- dência do raio-HBT com kT é apresentado na Fig. 4.5 (abaixo). Ali, os pa- res de partículas foram separados em três regiões de kT, 0.1 ≤ |kT| < 0.3 , 0.3 ≤ |kT| < 0.5 e 0.5 ≤ |kT| < 1.0 . O raio-HBT obtido com a parametri- zação da Eq. (2.26) correspondente a cada uma das regiões de momento mé- dio foi (2.062 ± 0.032) fm , (1.817 ± 0.023) fm e (1.502 ± 0.024) fm , res- pectivamente. A Tab. 4.1 apresenta os resultados completos referentes ao ajuste. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 38 Figura 4.5: Dependência com Nch (acima) e kT (abaixo) do tamanho médio do sistema pp. O resultado completo dos ajustes pode ser visto na Tab. 4.1. Vínculo fator-λ R (fm) χ2/ndf (1 + λe−qR)(1 + εq) 2 ≤ Nch < 10 0.830 ± 0.016 1.046 ± 0.024 360/196 10 ≤ Nch < 25 0.691 ± 0.012 1.674 ± 0.023 642/196 25 ≤ Nch < 80 0.603 ± 0.009 2.023 ± 0.022 1071/196 0.1 ≤ |kT| < 0.3 0.835 ± 0.016 2.062 ± 0.032 717/196 0.3 ≤ |kT| < 0.5 0.601 ± 0.009 1.817 ± 0.023 744/196 0.5 ≤ |kT| < 1.0 0.459 ± 0.008 1.502 ± 0.024 694/196 Tabela 4.1: Resultado do ajuste da Eq. (2.26) sobre a função de correlação em qinv em diferentes intervalos de multiplicidade (Nch) e kT. Os resultados acima resumem as principais conclusões que podem ser extraí- dos da análise HBT em termos de qinv. Algumas variações no que diz respeito à escolha da distribuição de referência e nas parametrizações utilizadas para extraír os parâmetros são discutidas nas seçoes A.1 e A.4, respectivamente. Tais varia- ções não alteram dramaticamente nenhuma das conclusões físicas citadas nesta seção. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 39 4.3.2 Análise HBT em qT e qL A análise HBT unidimensional discutida nas Sec. 4.3.1 fornece as dimensões aparentes do sistema formado em colisões pp. O raio-HBT obtido através dessa análise depende da multiplicidade de partículas em cada evento e do momento médio do par sujeito à correlação, coerentemente com o tradicionalmente obser- vado. Tal análise limita-se, contudo, a uma visão simplificada da fonte emissora, não discriminando diferentes direções de observação. Um estudo mais detalhado, que investiga as dimensões da fonte em diferentes direções, pode ser realizado através da análise HBT multidimensional. Tal análise consiste em decompor a diferença de momento q = kA − kB e extrair o raio-HBT correspondente a cada componente. O uso do trimomento torna a escolha do sistema de referência relevante, diferentemente do caso invariante. O sistema escolhido para obteção de q foi o referencial do laboratório, que, no caso do LHC, coincide com o centro de massa da colisão. Figura 4.6: Função de correlação para dados e Monte Carlo nas variáveis |qT| e |qL|. A função de correlação medida em função das componentes da diferença de momento transversal e longitudinal ao feixe (qT e qL, respectivamente) pode ser vista na Fig. 4.6. Tais gráficos são o análogo bidimensional das funções de cor- relação em uma dimensão estudadas nas seções precedentes. Nota-se o pico na função de correlação de dados a 7 TeV quando (|qT|, |qL|) → (0, 0). A ausência Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 40 do pico no gráfico de Monte Carlo mostra consistência com o esperado, uma vez que o Pythia 6 não simula correlações de Bose-Einstein. As incertezas estatísticas do histograma da Fig. 4.6 podem ser vistas na Fig. 4.7. Figura 4.7: Incertezas estatísticas do histograma da Fig. 4.6. Em linhas gerais, assim como no caso unidimensional, o Monte Carlo descreve bem a correlação de duas partículas, exceto, naturalmente, pelo pico caracterís- tico da correlação entre bósons idênticos. Assim como no caso unidimensional, a razão Cdados/CMC será adotada para eliminar possíveis tendências originadas, por exemplo, no procedimento da mistura de eventos utilizado para construção da distribuição de referência, B. O resultado da razão Cdados/CMC pode ser visto na Fig. 4.8. O histograma com os correspondentes erros estatísticos da Fig. 4.8 é apresentado na Fig. 4.9. A função de correlação nas variáveis |qT| e |qL| é geralmente parametrizada através da expressão, D(qT, qL) = 1 + λe−|qT|2R2 T−|qL|2R2 L, (4.5) que é a generalização bidimensional da Eq. (2.17). Os valores de RT e RL obidos no ajuste da Eq. (4.5) sobre a distribuição da Fig. 4.8 são RT = 0.646 ± 0.006 fm e RL = 1.001 ± 0.007 fm , e indicam que o sistema seja mais extenso na direção longitudinal ao feixe em relação à transversal. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 41 Figura 4.8: Razão D(qT, qL) = C(qT, qL)dado/C(qT, qL)MC entre as funções de correlação obtidas com dados e Monte Carlo mostradas na Fig. 4.6. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 42 Figura 4.9: Incertezas estatísticas correspondentes ao histograma da Fig. 4.8. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 43 A utilização da parametrização gaussiana, dada pela Eq. (4.5), embora am- plamente utilizada na literatura de íons pesados, parece não descrever tão bem os dados experimentais obtidos com colisões pp como a parametrização expo- nencial, cuja generalização bidimensional é dada por, D(qT, qL) = 1 + λe−|qT|RT−|qL|RL. (4.6) Uma discussão sobre a diferença entre as duas parametrizações é dado na Sec. A.4. Por hora, limitamo-nos aos resultados do ajuste, que são RT = 0.912 ± 0.010 fm e RL = 1.707 ± 0.013 fm . Novamente, o parâmetro de raio longitudinal é apro- ximadamente duas vezes maior que o transversal. Os resultados do ajuste das parametrizações gaussiana e exponencial sobre a função de correlação da Fig. 4.8 são resumidos na Tab. 4.2. fator-λ RT (fm) RL (fm) χ2/ndf 1 + λe−|qT|2R2 T−|qL|2R2 L 0.369 ± 0.005 0.646 ± 0.006 1.001 ± 0.007 6543/1596 1 + λe−|qT|RT−|qL|RL 0.862 ± 0.010 0.912 ± 0.010 1.707 ± 0.013 6163/1596 Tabela 4.2: Resultado do ajuste das parametrizações gaussiana e exponencial so- bre a função de correlação em |qT| e |qL|. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 44 O gráfico da Fig. 4.10 apresenta as projeções unidimensionais da função de correlação da Fig. 4.8 nos bins onde a correlação é mais intensa, i.e., primeiro bin em |qT| em função de |qL| e vice-versa. Tais projeções sugerem a presença de uma estrutura de anti-correlação em |qL| (com |qT| ≤ 0.05 GeV/c). A projeção em |qT| (com |qL| ≤ 0.05 GeV/c) não permite concluir a presença de uma região de anti-correlação nesta variável1. CMS pp √ s = 7 TeV 1 1.5 D( q L ) / 0 .0 5 G eV 0 1 2 qL (GeV/c) 1 1.5 D( q T ) / 0 .0 5 G eV 0 1 2 qT (GeV/c) Figura 4.10: Projeções em qT e qL da função de correlação da Fig. 4.8. 1Tal fato poderá ser investigado usando-se bins menores, de tamanho 0.01 GeV/c, como no caso unidimensional, mas a atual estatística não permite que se investigue com tal acuidade. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 45 Analogamente ao caso unidimensional, o tamanho aparente do sistema pp também cresce com a multiplicidade de partículas carregadas no evento no caso bidimensional. Para este estudo, os eventos foram separados nos intervalos de multiplicidade 2 ≤ Nch < 10 , 10 ≤ Nch < 25 e 25 ≤ Nch < 80 (ver Fig. 4.11 e 4.12) e os parâmetros obtidos com ajuste das Eq. (4.5) e (4.6). Os resultados podem ser vistos na Tab. 4.3. Figura 4.11: Dependência da função de correlação em |qT| e |qL| com Nch. Os resultados do ajuste das Eq. (4.5) e (4.6) sobre cada uma das funções de correlação é apresentado na Tab. 4.3. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 46 Figura 4.12: Incertezas estatísticas correspondentes ao histograma da Fig. 4.11. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 47 Multiplicidade fator-λ RT (fm) RL (fm) χ2/ndf 1 + λe−|qT|2R2 T−|qL|2R2 L 2 ≤ Nch < 10 0.506 ± 0.012 0.528 ± 0.012 0.687 ± 0.010 3661/1596 10 ≤ Nch < 25 0.417 ± 0.007 0.628 ± 0.010 0.950 ± 0.010 4940/1596 25 ≤ Nch < 80 0.359 ± 0.005 0.674 ± 0.009 1.074 ± 0.010 4665/1596 1 + λe−|qT|RT−|qL|RL 2 ≤ Nch < 10 1.132 ± 0.032 0.732 ± 0.020 1.149 ± 0.022 3754/1596 10 ≤ Nch < 25 0.983 ± 0.021 0.899 ± 0.018 1.651 ± 0.022 5081/1596 25 ≤ Nch < 80 0.833 ± 0.013 0.951 ± 0.014 1.809 ± 0.019 4306/1596 Tabela 4.3: Resultado do ajuste das parametrizações gaussiana e exponencial so- bre a função de correlação em diferentes intervalos de multiplicidade (Nch). A partir da Tab. 4.3, observa-se que os raios transversal e longitudinal au- mentam sistematicamente com o crescimento das três regiões de multiplicidade, independente da parametrização utilizada. Tal resultado está de acordo com ob- servações feitas pelo STAR no RHIC em colisões Au+Au [25, 26] e pelo ALICE no LHC em colisões Pb+Pb [27], onde o tamanho do sistema (ali analisado em três direções, Rout, Rlong e Rside) cresce com a centralidade2 dos eventos. 2A centralidade de um evento está relacionada com a região de superposição dos núcleos no plano-xy no momento da colisão. Quanto maior a centralidade, maior a multiplicidade do evento. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 48 O gráfico da Fig. 4.13 apresenta os valores de RT e RL obtidos com a forma exponencial da função de correlação em função do número médio de partícu- las carregadas, 〈Nch〉, calculado para cada um dos intervalos de multiplicidade considerados na Tab. 4.3. Observa-se que o ajuste da expressão [28], R = a〈Nch〉1/3, (4.7) apresenta uma descrição qualitativamente satisfatória dos dados, com já obser- vado em outros experimentos. RL: a = 0.57± 0.03 RT : a = 0.31± 0.04 Parâmetros ajustados CMS pp √ s = 7 TeV 1 1.5 2 ra io –H B T (f m ) 6.62 16.4 38.7 〈Nch〉 RL RT a〈Nch〉1/3 Figura 4.13: Parâmetros RT e RL obtidos com o ajuste da Eq. (4.6) sobre as funções de correlação da Fig. 4.11. A barra de incerteza menor é estatística, e a maior sistemática. Observa-se que os parâmetros de raios transversal e longitudinal aumentam com a multiplicidade média dos eventos, 〈Nch〉, aproximadamente de acordo com R ∝ 〈Nch〉1/3. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 49 As projeções em qT e qL das funções de correlação nos três intervalos de multi- plicidade pode ser vista na Fig. 4.14. Tais projeções possibilitam uma análise mais direta do comportamento da função de correlação em cada uma das variáveis que os histogramas em duas dimensões. CMS pp √ s = 7 TeV D(qT ) (qL ≤ 0.05) D(qL) (qT ≤ 0.05) 1 1.5 D( q) / 0 .0 5 G eV 0 1 2 q (GeV/c) 2 ≤ Nch < 10 1 1.5 D( q) / 0 .0 5 G eV 0 1 2 q (GeV/c) 10 ≤ Nch < 25 1 1.5 D( q) / 0 .0 5 G eV 0 1 2 q (GeV/c) 25 ≤ Nch < 80 Figura 4.14: Projeções em |qT| e |qL| das funções de correlação da Fig. 4.11. Observa-se uma estrutura de anti-correlação em D(qL) e não em D(qT). A pro- fundidade da anti-correlação diminui com o aumento da multiplicidade. A Fig. 4.14 sugere que a estrutura de anti-correlação em |qL| (com |qT| ≤ 0.05 GeV/c) diminui com o aumento da multiplicidade, indicando que tal comporta- mento, se de fato associado a algum efeito físico, está relacionado a sistemas com menor número de partículas carregadas produzidas. O mesmo efeito foi obser- vado na análise unidimensional. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 50 Um instigante resultado decorrente da análise em qT e qL é a dependência de RT e RL com o momento médio do par, kT. Neste estudo, os pares de partícu- las foram divididos nos mesmos intervalos de kT que na análise unidimensional, 0.1 ≤ |kT| < 0.3 , 0.3 ≤ |kT| < 0.5 e 0.5 ≤ |kT| < 1.0 , e os parâmetros obtidos com o ajuste das Eq. (4.5) e (4.6) sobre as distribuições da Fig. 4.15. Os resultados podem ser vistos na Tab. 4.4. Figura 4.15: Funções de correlação em |qT| e |qL| nos três intervalos de momento médio, kT. Os resultados do ajuste das Eq. (4.5) e (4.6) sobre cada uma das fun- ções de correlação é apresentado na Tab. 4.4. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 51 Figura 4.16: Incertezas estatísticas correspondentes aos histogramas da Fig. 4.15. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 52 Momento médio fator-λ RT (fm) RL (fm) χ2/ndf 1 + λe−|qT|2R2 T−|qL|2R2 L 0.1 ≤ |kT| < 0.3 0.399 ± 0.008 0.625 ± 0.011 1.058 ± 0.015 4052/1596 0.3 ≤ |kT| < 0.5 0.356 ± 0.005 0.657 ± 0.009 1.015 ± 0.010 4013/1596 0.5 ≤ |kT| < 1.0 0.358 ± 0.008 0.670 ± 0.013 0.903 ± 0.012 3766/1596 1 + λe−|qT|RT−|qL|RL 0.1 ≤ |kT| < 0.3 0.956 ± 0.022 0.923 ± 0.020 1.831 ± 0.028 3879/1596 0.3 ≤ |kT| < 0.5 0.802 ± 0.014 0.906 ± 0.015 1.659 ± 0.020 3774/1596 0.5 ≤ |kT| < 1.0 0.852 ± 0.022 0.947 ± 0.022 1.578 ± 0.025 3833/1596 Tabela 4.4: Resultado do ajuste das parametrizações gaussiana e exponencial so- bre a função de correlação experimental, D(qT, qL), em três intervalos de kT. A partir da Tab. 4.4, observa-se que o parâmetro de raio longitudinal RL dimi- nui com o aumento de kT nas três regiões estudadas, para ambas parametrizações gaussiana e exponencial. Como já mencionado, tal comportamento é compatível com a ocorrência da expansão do sistema [24]. Entretanto, o raio transversal não diminui com kT, como geralmente se observa experimentalmente. Estudos realizados em colisões Au+Au a √ sNN = 130 e 200 GeV no RHIC pe- las colaborações STAR e PHENIX [25, 26, 29, 30] e em colisões Pb+Pb a √ sNN = 2.76 TeV no LHC pelo ALICE [27] mostram que os raios Rout, Rlong e Rside di- minuem sistematicamente com kT. Entretanto, em um recente [31] estudo feito pelo ALICE em colisões pp a √ s = 0.9 e 7 TeV, foi observado que os raios Rout e Rside (que são decomposições de RT) apresentam comportamento variável em sua dependência com kT. Na tentativa de entender se esses resultados poderiam estar associados a al- gum viés introduzido na construção da distribuição de referência, um estudo semelhante àquele apresentado na Tab. 4.4 foi repetido utilizando-se, agora, para construção do histograma de referência, traços com cargas de sinal oposto oriun- dos do mesmo evento. O resultado encontra-se na Tab. 4.5, e corroboram o fato de que RT não diminui com kT, além de apresentar consistência no comportamento decrescente de RL com kT. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 53 Momento médio fator-λ RT (fm) RL (fm) χ2/ndf 1 + λe−|qT|2R2 T−|qL|2R2 L 0.1 ≤ |kT| < 0.3 0.401 ± 0.007 0.557 ± 0.009 0.989 ± 0.012 4418/1596 0.3 ≤ |kT| < 0.5 0.329 ± 0.005 0.586 ± 0.009 0.944 ± 0.009 4656/1596 0.5 ≤ |kT| < 1.0 0.321 ± 0.008 0.655 ± 0.014 0.876 ± 0.013 3863/1596 1 + λe−|qT|RT−|qL|RL 0.1 ≤ |kT| < 0.3 0.899 ± 0.020 0.778 ± 0.016 1.644 ± 0.025 4229/1596 0.3 ≤ |kT| < 0.5 0.707 ± 0.013 0.759 ± 0.013 1.497 ± 0.018 3993/1596 0.5 ≤ |kT| < 1.0 0.684 ± 0.020 0.833 ± 0.022 1.424 ± 0.027 3729/1596 Tabela 4.5: Resultado do ajuste das parametrizações gaussiana e exponencial so- bre a função de correlação em diferentes intervalos de kT construídas utilizando- se pares de carga oposta na distribuição B. Os parâmetros RT e RL obtidos com a forma exponencial da função de correla- ção são apresentados no gráfico da Fig. 4.17 em função da média de kT para cada um dos três intervalos estudados, 〈|kT|〉. Neste gráfico são incluídas as incertezas sistemáticas discutidas na Sec. A.3. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 54 Cargas opostas Mistura de eventos CMS pp √ s = 7 TeV 0.6 1 1.4 1.8 ra io –H B T (f m ) 0.6 1 1.4 1.8 ra io –H B T (f m ) 0.218 0.402 0.695 〈|kT |〉 RL RT Figura 4.17: Parâmetros RT e RL obtidos com ajuste exponencial da Eq. (4.6) sobre as funções de correlação em três intervalos de kT construidas através da mistura de eventos (acima) e pares de cargas opostas (abaixo). São apresenta- das incertezas estatísticas e sistemáticas. Observa-se que, em todos os casos, o raio longitudinal diminui com o momento médio do par, conforme esperado. O mesmo não ocorre com o raio transversal. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 55 As projeções em |qT| e |qL| das funções de correlação nos três intervalos de kT pode ser vista na Fig. 4.18. CMS pp √ s = 7 TeV D(qT ) (qL ≤ 0.05) D(qL) (qT ≤ 0.05) 1 1.5 D( q) / 0 .0 5 G eV 0 1 2 q (GeV/c) 0.1 ≤ |kT | < 0.3 1 1.5 D( q) / 0 .0 5 G eV 0 1 2 q (GeV/c) 0.3 ≤ |kT | < 0.5 1 1.5 D( q) / 0 .0 5 G eV 0 1 2 q (GeV/c) 0.5 ≤ |kT | < 1.0 Figura 4.18: Projeções em |qT| e |qL| das funções de correlação da Fig. 4.15. A Fig. 4.18 sugere que a região de anti-correlação está presente em D(qL) nos três intervalos de kT. Não é possível observar comportamento semelhante de anti-correlação em D(qT). Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 56 4.3.3 Análise HBT em qout, qlong e qside A componente transversal da diferença de momento, qT, pode ser decomposta em duas componentes no plano transversal ao feixe. Isso permite a construção de uma função de correlação em três variáveis. A combinação tradicionalmente utilizada é a seguinte: qout = (qT · k̂T)k̂T, (“out”) (4.8) qlong = qz, (“long”) (4.9) qside = qT − qout. (“side”) (4.10) sendo qlong a componente longitudinal ao feixe, qout a projeção de qT na direção do momento médio do par, kT, e qside a componente ortogonal às outras duas. É fácil ver que q = qout + qlong + qside. As projeções bidimensionais da função de correlação nas variáveis |qout|, |qlong| e |qside| podem ser vistas nas Fig. 4.19. Suas correspondentes incertezas estatísti- cas são exibidas na Fig. 4.20. As projeções unidimensionais da mesma função de correlação são mostradas na Fig. 4.21. Em todos os casos, as variáveis não proje- tadas são fixadas no primeiro bin do histograma tridimensional (≤ 0.05 GeV/c). As parametrizações utilizadas para extração dos parâmetros na função de cor- relação em três dimensões seguem a generalização natural das Eqs. (4.5) e (4.6), D(qout, qlong, qside) = 1 + λe−|qout|Rout−|qlong|Rlong−|qside|Rside , (4.11) D(qout, qlong, qside) = 1 + λe−q2 outR 2 out−q2 longR2 long−q2 sideR2 side . (4.12) Os resultados do ajuste das Eqs. (4.11) e (4.12) sobre a função de correlação nas variáveis |qout|, |qlong| e |qside| podem ser vistos na Tab. 4.6. fator-λ Rout (fm) Rlong (fm) Rside (fm) χ2/ndf 1 + λe−q2 outR 2 out−q2 sideR2 side−q2 longR2 long 0.360(4) 1.008 ± 0.008 0.625 ± 0.006 0.923 ± 0.010 1026/640 1 + λe−|qout|Rout−|qside|Rside−|qlong|Rlong 0.862(11) 1.477 ± 0.014 0.863 ± 0.010 1.189 ± 0.017 1023/640 Tabela 4.6: Resultado do ajuste das parametrizações gaussiana e exponencial so- bre a função de correlação nas variáveis |qout|, |qlong| e |qside|. Nenhum estudo da dependência de Rout, Rlong e Rside com Nch e |kT| será Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 57 Figura 4.19: Projeções bidimensionais da função de correlação em três dimensões, D(|qout|, |qlong|, |qside|). apresentado devido a baixa estatística de eventos analisados até o momento da conclusão deste trabalho. Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 58 Figura 4.20: Incertezas estatísticas correspondentes aos histogramas da Fig. 4.19 . Capítulo 4. Análise do efeito HBT no detector CMS 59 CMS pp √ s = 7 TeV D(qout) (qlong, qside ≤ 0.05 GeV/c) D(qlong) (qout, qside ≤ 0.05 GeV/c) D(qside) (qlong, qout ≤ 0.05 GeV/c) 1 1.5 D( q o u t) / 0 .0 5 G eV 0 0.5 1 1.5 qout (GeV/c) 1 1.5 D( q l o n g ) / 0 .0 5 G eV 0 0.5 1 1.5 qlong (GeV/c) 1 1.5 D( q s id e ) / 0 .0 5 G eV 0 0.5 1 1.5 qside (GeV/c) 1 1.5 D( q) / 0 .0 5 G eV 0 0.5 1 1.5 q (GeV/c) Figura 4.21: Projeções unidimensionais da função de correlação em três variáveis, D(|qout|, |qlong|, |qside|). Capítulo 5 Conclusão Este trabalho apresentou um estudo de femtoscopia em colisões próton-próton (pp) realizado com o detector CMS no LHC. Três análises foram feitas, onde mediu-se as dimensões aparentes do sistema pp (i) em termos de um raio in- variante, Rinv (ii) nas direções transversal e longidutinal ao feixe, RT e RL e (iii) em três direções independentes, Rout, Rlong e Rside, definidas no centro de massa da colisão. Observa-se que o sistema formado em colisões pp aparenta ser mais extenso na direção longitudinal em relação à transversal. Vale dizer, contudo, que os valores de R não podem ser interpretados de forma puramente geométrica, uma vez que o efeito HBT reflete também aspectos dinâmicos da fonte emissora. Nesse sentido, observou-se que a suposta região de anti-correlação observada na análise unidimensional está presente na variável longitudinal da função de correlação, quando decomposta em qT e qL. Um estudo da dependência de Rinv com a multiplicidade de partículas carre- gadas no evento (Nch) e com o momento médio do par de partículas utilizadas na implementação do efeito HBT (kT) foi apresentado. Observou-se que o raio-HBT invariante cresce com a multiplicidade de partículas no evento e diminui com o aumento do momento médio do par. Ambos comportamentos são observados em estudos do gênero feitos pelo CMS e outras colaborações às mesmas energias e a energias mais baixas. Os mesmos estudos em Nch e |kT| realizado com Rinv foram estendidos para RT e RL. Observou-se que RT e RL crescem com a multiplicidade de partícu- las no evento, aproximadamente de acordo com R ∝ 〈Nch〉1/3. A dependência do raio longitudinal, RL, mostrou-se decrescente com o aumento de |kT|, como observado em outros experimentos. O raio transversal, RT, entretanto, apresen- tou comportamento distinto com |kT|. Um comportamento semelhante ao de RT (porém nas decomposições transversais Rout e Rside) foi recentemente observado pela colaboração ALICE no LHC [31] em colisões próton-próton. 60 Capítulo 5. Conclusão 61 Alguns dos resultados apresentados neste trabalho poderiam ser aprimorados analisando-se uma amostra de dados maior, como por exemplo o comportamento com Nch e |kT| dos parâmetros de raio das análises em duas e três dimensões. Além disso, a mesma estrutura de análise poderia ser facilmente estendida para, por exemplo, (i) investigar o comportamento da função de correlação em outros sistemas de referência que não o do centro de massa, (ii) realizar uma análise do τ-model em duas e três dimensões, (iii) realizar uma análise utilizando o imaging method, (iv) estudar a correlação de káons utilizando identificação de partículas baseada em dE/dx, entre outros. Apêndice A Considerações gerais A.1 Sobre a distribuição de referência B Como discutido na Sec. 2.3, existem diversas formas de construir a distribuição de referência B, dada pela Eq. (4.2). Foram três os métodos citados neste trabalho: (i) mistura de eventos, (ii) partículas de cargas opostas e (iii) Monte Carlo. A abordagem adotada para obtenção dos resultados finais foi a mistura de eventos, por ser o método que menos apresenta contaminações inerentes às limitações experimentais. A comparação entre os três métodos pode ser vista na Fig. A.1. A discussão de cada um dos gráficos (a) ... (e) da Fig. A.1 é feita a seguir. (a) Este gráfico mostra as funções de correlação para dado e Monte Carlo onde foram utilizados pares de cargas opostas (+−) oriundos do mesmo evento para construção da distribuição de referência B, C(q) = ( d6N(kA, kB) d3kAd3kB ) (++,−−) /( d6N(kA, kB) d3kAd3kB ) +− (A.1) Fortes correlações podem ser vistas, tanto para dados como Monte Carlo, na região 0 < q < 1.0 GeV/c, e refletem o fato de haver ressonâncias asso- ciadas à produção de pares π+π−. (b) Este gráfico mostra a razão D(q) = C(q)dado/C(q)MC das funções de corre- lação em (a). Apesar de eliminar quase por completo os comportamentos distorcidos presentes nas funções de correlação do item (a), a razão D(q) ainda apresenta uma saliência em q ∼ 0.7 GeV/c. A região da saliência poderia ser excluida de um eventual ajuste sobre D(q). (c) Este gráfico mostra as funções de correlação de dados e Monte Carlo utilizando- se pares de eventos distintos para construção da distribuição de referência, 62 Capítulo A. Considerações gerais 63 Figura A.1: Três diferentes formas de construir a distribuição de referência. Capítulo A. Considerações gerais 64 C(q) = ( d6N(kA, kB) d3kAd3kB ) (++,−−) /( d3N(kA) d3kA · d3N(kB) d3kB )eventos distintos (++,−−,+−) (A.2) Nenhum requisito quanto à carga dos traços é feito na construção de B. Observa-se comportamento mais suave que das distribuições em (a), pelo fato de agora não haver nenhuma ressonância entre os pares de eventos dis- tintos. A função de correlação assim construída, contudo, ainda apresenta desvios de 1 para q � 0.4 GeV/c, em particular o crescimento monotônico para q � 1.0 GeV/c, característico da não-conservação do momento na mis- tura de eventos. Tais desvios podem ser eliminados dos dados tomando-se a razão D(q) = C(q)dado/C(q)MC. (d) Este gráfico mostra a razão D(q) = C(q)dado/C(q)MC das funções de cor- relação em (c). Obseva-se que, agora, os desvios de 1 para q � 1.0 GeV/c foram eliminados. Não obstante, é notório o surgimento de uma região de anti-correlação (D(q) < 1) entre 0.4 � q � 1.0 GeV/c. Tal anti-correlação foi observada em razões duplas utilizando-se distribuições de referência, B, que utilizam diversos critérios para mistura de eventos [20]. (e) Este gráfico mostra a função de correlação obtida através da razão, C(q) = ( d6N(kA, kB) d3kAd3kB )dados (++,−−) /( d6N(kA, kB) d3kAd3kB )MC (++,−−) (A.3) Este método foi utilizado em várias experiências no passado como uma al- ternativa para construção da distribuição de referência. Aqui ele é incluído por completeza, pois as análises são feitas com base na razão dupla. Capítulo A. Considerações gerais 65 A.2 Fator de Gamow e correção Coulombiana Pares de partículas de mesma carga irão sofrer repulsão coulombiana após desa- coplamento do sistema formado nas colisões pp. Tal repulsão é refletida na ten- dência do par em ser emitido com maior diferença de momento1. Este fato altera a distribuição de sinal, d6N(kA, kB)/d3kAd3kB, e portanto influencia o efeito HBT. A forma de corrigir a interação coulombiana entre pares de partículas carregadas adotada neste trabalho é através do fator de Gamow [32], descrita a seguir. A interação Coulombiana entre dois píons é descrita pela equação de Schrö- dinger com potencial V(r) = αh̄c/r, cuja autofunção ψC (calculada no centro de massa das duas partículas e assumindo separação espacial zero entre os píons) é dada por [32], ψC(r = 0) = ( 2παmπ/|q| e2παmπ/|q| − 1 )1/2 (A.4) sendo mπ a massa de cada um dos dois píons e |q| a diferença de momento entre eles. Dessa forma, devido à interação coulombiana, a probabilidade de emissão simultânea de dois píons idênticos com diferença de momento |q| será modifi- cada por um fator G = |ψC(r = 0)|2, conhecido por fator de Gamow. A ma- neira de corrigir o efeito da interação coulombiana no histograma da distribui- ção d6N(kA, kB)/d3kAd3kB para pares de píons idênticos é, portanto, atribuindo o peso, w = 1/G = e2παmπ/|q| − 1 2παmπ/|q| (A.5) a cada entrada do histograma. A fim de mostrar que o efeito da correção coulombiana através do fator de Gamow é consistente, pode-se utilizar o fato de que o Pythia6 não inclui simula- ção de efeitos coulombianos e comparar seu comportamento com dados reais. A Fig. A.2 mostra a distribuição, D′(q) = [( d6N(kA,kB) d3kAd3kB ) (+−) /( d3N(kA) d3kA · d3N(kB) d3kB )] dados[( d6N(kA,kB) d3kAd3kB ) (+−) /( d3N(kA) d3kA · d3N(kB) d3kB )] MC (A.6) 1Naturalmente, pares de carga oposta também estão sujeitos a interação coulombiana. A ten- dência, neste caso, é que o par seja emitido com menor diferença de momento. Capítulo A. Considerações gerais 66 para dados foram corrigidos com fator de Gamow de cargas opostas, w+− = 1/G+− = 1 − e−2παmπ/|q| 2παmπ/|q| , (A.7) e sem a devida correção. CMS pp √ s = 7 TeV 0.9 1 1.1 1.2 D′ (q ) / 0 .0 1 G eV 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 q (GeV/c) Pico coulombiano D′(q) com correcão coulombiana D′(q) sem correcão coulombiana Figura A.2: Efeito da correção coulombiana através do fator de Gamow. Observa-se que, quando os dados são corrigidos multiplicando-se cada bin pelo inverso do fator de Gamow correspondente, a razão (dados)/(Monte Carlo) para 0 < q < 0.2 é aproximadamente constante e igual a 1, indicando que, após a correção, os dados reais não apresentam mais efeitos coulombianos – assim como o Monte Carlo. Os dados que não foram corrigidos dão origem a um pico cou- lombiano, refletindo o fato de que pares de carga oposta tendem a ser emitidos com momento próximo. Capítulo A. Considerações gerais 67 A.3 Incertezas sistemáticas O procedimento experimental para construção da função de correlação pode con- ter distorções intrínscecas que afetam a medida da função de correlação D(q), ou seja, em geral, o resultado da medida é diferente de seu “real” valor, com discre- pância mensuráveis através de incertezas sistemáticas. Tais incertezas sistemáti- cas devem ser estimadas analisando-se tanto as condições do aparato experimen- tal quanto as técnicas empregadas na medida. As principais fontes de incertezas sistemáticas da análise HBT são apresentadas a seguir. 1. Escolha da distribuição de referência B O fato de não ser possível saber, a priori, qual a forma mais apropriada de se construir a distribuição B leva à necessidade de se introduzir incertezas sistemáticas na medida da função de correlação obtido através de uma particular escolha de B. Considerando as duas formas de construir a função de correlação experi- mental apresentadas neste trabalho que fazem uso da razão dupla, D(q) = C(q)dado/C(q)MC, a incerteza sistemática de Rinv pode ser estimada, de forma semelhante à das analises anteriores do efeito HBT publicadas pelo CMS, como, σsist(Rinv) = √ (R1 − R̄)2 + (R2 − R̄)2 2 (A.8) sendo R1 e R2 o valor do parâmetro obtido com cada uma das formas de construir B e R̄ a média entre eles. Procedimento análogo vale para λ (ver Tab. A.1). Construção de B λ Rinv (fm) λ RT RL Mistura de ev. 0.617 ± 0.007 1.863 ± 0.015 0.862 ± 0.011 0.912 ± 0.010 1.707 ± 0.013 Cargas opostas 0.643 ± 0.007 2.088 ± 0.017 0.692 ± 0.008 0.688 ± 0.008 1.376 ± 0.012 Tabela A.1: Parâmetros obtidos com diferentes formas de se construir B. De acordo com a Eq. (A.8), a incerteza sistemática associada aos parâme- tros λ e R devido à construção do histograma de referência são, respectiva- mente, σsist(λ) = 0.013 e σsist(R) = 0.11 . De forma análoga, as incertezas sistemática na análise em qT e qL são σsist(λ) = 0.088 , σsist(RT) = 0.117 e σsist(RL) = 0.173 . Capítulo A. Considerações gerais 68 2. Escolha do Monte Carlo O gerador de Monte Carlo utilizado para obten- ção da razão dupla D(q) = C(q)dado/C(q)MC foi o Pythia 6, tune Z2. A escolha deste particular tune foi feita pelo grupo de Padova pois, dos 4 ge- radores analisados (Pythia6 tunes Z2, D6T, P0 e Pythia8), o Z2 é aquele que melhor descreve a distribuição de multiplicidade de partículas carregadas dos dados reais. Não se pode, entretanto, simplesmente descartar os outros tunes. Eles devem entrar, portanto, como forma de estimar as incertezas sistemáticas devido à escolha do Monte Carlo. No estudo realizado pelo grupo de Padova, observou-se que a incerteza sistemática devido à escolha do gerador de Monte Carlo é ±8.5% para R e ±5.2% para λ. A presente análise assume o mesmo valor de incerteza sistemática devido à escolha do Monte Carlo. 3. Correção coulombiana Pelo fato de alterar a função de correlação em uma região de baixo-q, a correção coulombiana discutida na Sec. A.2 pode in- troduzir incertezas sistemáticas. A estimativa feita por Padova acerca das incertezas sistemáticas introduzidas através da correção coulombiana foi ±2.8% para λ e ±0.8% para R. Este trabalho assume os mesmos valores, já que a correção coulombiana aqui aplicada é idêntica à análise unidimensio- nal. 4. Intervalo do ajuste A escolha do intervalo utilizado no ajuste das para- metrização da função de correlação sobre os dados experimentais pode ser uma fonte de incertezas sistemáticas. Este estudo foi realizado pelo grupo de Padova, onde estimou-se que a incerteza sistemática devido ao intervalo de ajuste é de ±4.2%. O presente trabalho assume os mesmos valores para esta incerteza sistemática. 5. Cortes sobre os traços A seleção de traços descrita na Sec. 4.2 pode intro- duzir algum tipo de viés (ou bias) nos resultados finais. Um estudo reali- zado pelo grupo de Padova mostrou que esses erros são menores que os erros estatísticos, e portanto podem ser descartados. Tal estudo fez uso das informações a nível de gerador do Monte Carlo. Capítulo A. Considerações gerais 69 A Tab. A.2 apresenta os valores percentuais de cada uma das incertezas siste- máticas citadas acima, e o valor da incerteza sistemática total, obtido como soma quadrática de todos eles. Origem R λ Escolha da distribuição de referência 2.1% 5.7% Escolha do Monte Carlo 8.5% 5.2% Correção coulombiana 0.8% 2.8% Intervalo do ajuste 1.8% 4.2% Total 8.9% 9.2% Tabela A.2: Incertezas sistemáticas. Capítulo A. Considerações gerais 70 A.4 Sobre parametrizações da função de correlação Diferentes hipóteses acerca da distribuição de fonte ρ(x) dão origem a diferentes funções de correlação (ver Sec 2.1). A real forma de ρ(x) não pode ser, contudo, conhecida a priori. O que se faz, portanto, é supor alguma forma para ρ(x) e, a partir dela, tentar obter uma função de correlação que decreva bem os dados. Quando um bom ajuste é conseguido, as dimensões associadas a ρ(x) podem en- tão ser inferidas. A parametrização mais simples para ρ(x) é a forma gaussiana, que leva à função de correlação C(q) = 1 + λ exp(−q2R2), sendo R o parâmetro que reflete o raio aparente da fonte emissora. Chama-se o raio aparente obtido dessa forma de raio-HBT. É preciso sempre lembrar, contudo, que R é um pa- râmetro efetivo, e que a fonte emissora é na realidade um objeto extenso com distribuição de densidade dada por ρ(x). A parametrização gaussiana foi sempre extensivamente utilizada na femtos- copia de íons pesados por descrever bem a situação experimental alí observada. O cenário de colisões pp, contudo, apresenta algumas diferenças substanciais em relação ao de Íons Pesados, e estudos [20, 31] sugerem que a forma gaussiana não é uma boa opção para descrever a geometria do sistema formado em tais colisões. A alternativa que tem se mostrado mais adequada à descrição de sistemas pp é a forma exponencial para função de correlação C(q) = 1 + λ exp(−qR), que su- põe distribuição Lorentziana para ρ(x). A comparação entre as parametrizações gaussiana e exponencial no ajuste da função de correlação de colisões pp pode ser vista na Fig. A.3. As informações sobre os ajustes estão na Tab. A.3. O gráfico da Fig. A.3 ilustra o melhor acordo dos dados experimentais com a parametrização exponencial para função de correlação. Não obstante, a forma exponencial ainda não descreve os pontos experimentais de forma plenamente satisfatória. A dificuldade em encontrar a forma “ideal” para ρ(x) apresenta- se como questão central no estudo do efeito HBT. Uma alternativa para contor- nar este problema é a utilização do imaging method [33]. Tal método faz uma análise independente de modelo, e tenta inverter diretamente a relação C(q) = 1 + λ|Fq[ρ(x)]|2 através da determinação do núcleo da transformada de Fourier. Nesse sentido, o método de imaging é, do ponto de vista estatístico, a forma mais correta de se tratar os dados. Entretanto, enormes dificuldades se apresentam do ponto de vista técnico, pois a inversa de Fourier depende de todos os pontos da função original, o que torna a estabilidade do método altamente dependente do intervalo de integração escolhido. A situação agrava-se ainda mais em sistemas Capítulo A. Considerações gerais 71 CMS pp √ s = 7 TeV 1 1.5 D( q) / 0 .0 1 G eV 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 q (GeV/c) D(q) = C(q)data /C(q)MC D(q) = (1 + λe−qR)(1 + εq) D(q) = (1 + λe−q2R2 )(1 + εq) Figura A.3: Comparação entre as formas gaussiana (azul) e exponencial (verme- lha) no ajuste da função de correlação de colisões pp. Informações sobre os ajustes podem ser vistos na Tab. A.3 . pequenos como pp, onde a função de correlação apresenta comportamentos as- sociados à dinâmica do sistema, refletidos nas regiões de q � 0.5 GeV/c em que C(q) ≤ 1. Parametrização fator-λ Raio-HBT (fm) χ2/ndf 1 + λe−(q·r)2 0.316(3) 1.216(8) 7923/197 (1 + λe−(q·r)2 )(1 + εq) 0.290(3) 1.022(7) 3868/196 1 + λe−q·r 0.727(8) 2.416(17) 6724/197 (1 + λe−q·r)(1 + εq) 0.616(6) 1.863(15) 1429/196 Tabela A.3: Diferentes parametrizações sobre a função de correlação experimen- tal. A utilização conjunta de todos os métodos – ajustes, imaging e a observação da própria função de correlação – seria uma forma mais completa para uma melhor descrição da forma e dimensões da fonte emissora. Referências [1] R. Hanbury-Brown and R. Q. Twiss, “A New Type of Interferometer for use in Radio Astronomy”, Phil. Mag. 45, 663 (1954). [2] R. Hanbury-Brown and R. Q. Twiss, “Correlation Between Photons in Two Coherent Beams of Light”, Nature 177, 27 (1956). [3] R. Hanbury-Brown and R. Q. Twiss, “A Test of a New Type of Stellar Interfe- rometer on Sirius”, Nature 178, 1046 (1956). [4] Goldhaber, Goldhaber, Lee and Pais, “Influence of Bose-Einstein Statistics on the Antiproton-Proton Annihilation Process”, Phys. Rev. 120, 300 (1960). [5] M. G. Bowler, “Bose Einstein Symmetrisation, Coherence and Chaos; with Particular Application to e+e− Annihilation” Z. Phys. C 29 617-629 (1985). [6] David H. Boal, “Intensity Interferometry in Subatomic Physics” Rev. Mod. Phys 62, 3 (1990). 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