Diversidade de Cladocera (Crustacea, Anomopoda e Ctenopoda) em reservatórios e trechos lóticos da bacia do Rio da Prata (Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai) Danilo Augusto de Oliveira Naliato Tese apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista – Campus de Botucatu, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Ciências Biológicas, Área de concentração: Zoologia. Orientador: Prof. Dr. Marcos Gomes Nogueira Co-Orientadora: Prof.(a) Dr.(a) Lourdes Maria Abdu El-moor Loureiro Botucatu – SP 2013 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO DE AQUIS. E TRAT. DA INFORMAÇÃO DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSANGELA APARECIDA LOBO Naliato, Danilo Augusto de Oliveira. Diversidade de Cladocera (Crustacea, Anomopoda e Ctenopoda) em reservatórios e trechos lóticos da bacia do Rio da Prata (Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai) / Danilo Augusto de Oliveira Naliato. – Botucatu : [s.n.], 2013 Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Botucatu Orientador: Marcos Gomes Nogueira Co-orientadora: Lourdes Maria Abdu El-moor Loureiro Capes: 20400004 1. Ecologia aquática. 2. Limnologia. 3. Eutrofização. 4. Zooplâncton. 5. Cladocera. Palavras-chave: Ecologia; Eutrofização; Latitudinal; Limnologia; Variáveis físico-químicas; Zooplâncton. Dedico este trabalho à Clivia e aos meus queridos pais e avó Agradecimentos À fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela minha bolsa de Doutorado (2009/06149-0) e pelo suporte financeiro através do Auxílio à Pesquisa (2009/00014-6) sob coordenação do Prof. Dr. Marcos Gomes Nogueira. Ao meu orientador, Marcos Gomes Nogueira, pela confiança e amizade durante os mais de 8 anos que faço parte de seu laboratório. Sem dúvida, o convívio e uma ida ao campo com ele é sempre repleto de muitos ensinamentos. Sua dedicação a tudo que faz é um exemplo a ser seguido. Obrigado pelas inúmeras oportunidades que me proporcionou. À minha co-orientadora, Lourdes Maria Abdu Elmoor Loureiro, pela ajuda nas identificações de vários de cladóceros, e pelos conselhos durante a tese. A todos os amigos do laboratório, como são muitos e fiquei com medo de esquecer alguém, não vou citar nomes, mas meu muito obrigado a todos vocês. Aos funcionários do Departamento de Zoologia e da seção de Pós-graduação pela disponibilidade em ajudar sempre que necessário. Aos companheiros que foram na expedição de coleta na Bacia do Prata, convivendo por mais de dois meses dentro de uma camionete, sempre com muita vontade para tudo dar certo, apesar do grande esforço físico, ondas, encalhamentos, etc.. Obrigado Marcos Gilmar, José, Silvia e Jorge. À minha família por todo o apoio e amor, obrigado Mãe, Pai, Vó, Ju e família (Gabriel, Giulia e Carina). Amo muito vocês! À minha querida esposa, Clivia, por estar sempre ao meu lado, sendo sempre muito carinhosa, amorosa e divertida. Sem você nada teria graça e muito das coisas que realizei e melhorei na minha vida não teriam acontecido. Obrigado e TE AMO!! À família de minha esposa (Fiorilo-Possobom) e em especial a minha sogra, Terezinha, obrigado. Enfim, a todos que me ajudaram de alguma forma a vencer mais esta etapa da vida!! Obrigado!!! SUMÁRIO Apresentação 6 Resumo Geral 8 Abstract 9 Capítulo I: Diversidade de Cladocera (Crustacea: Anomopoda e Ctenopoda) na bacia hidrográfica do rio da Prata (América do Sul) 10 Resumo 11 Introdução 12 Material e Métodos 15 Resultados 20 Discussão 34 Conclusões 39 Referências Bibliográficas 42 Capítulo II: Correlações entre as condições ambientais e as populações de Cladocera em grandes rios e reservatórios da Bacia do Prata (América do Sul): uma análise macro ecológica 49 Resumo 50 Introdução 51 Material e Métodos 53 Resultados 58 Discussão 73 Conclusões 79 Referências Bibliográficas 80 Anexos 87 Mapa e imagens dos locais de coleta 88 Imagens da metodologia utilizada em campo 95 Imagens da metodologia utilizada em campo e procedimentos laboratoriais 96 6 APRESENTAÇÃO O presente estudo foi realizado na bacia hidrográfica do rio da Prata, segunda do continente americano em magnitude, excedida apenas pela bacia amazônica, e a quarta maior do planeta, com uma área de 3,17 106 km2. Esta bacia drena parte dos territórios da Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai e os rios Paraná, Uruguai e Paraguai são os três principais formadores. Esta bacia apresenta a maior taxa demográfica do continente sul-americano, que gera uma enorme carga de poluição urbana e agroindustrial, além de possuir um dos maiores parques hidroelétricos do mundo, com uma série de reservatórios construídos em cascata e ainda com novas usinas hidrelétricas inventariadas para serem construídas nos próximos anos, principalmente em território brasileiro. Esta tese está integrada a um projeto mais amplo, com foco na Bacia do rio Prata, intitulado “Estudo limnológico dos grandes reservatórios da bacia hidrográfica do rio da Prata (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai): uma abordagem espacial geográfica e a influência de processos atuais e históricos” (processo Fapesp 2009/00014-6). O projeto envolve uma série de outros temas relacionados à ecologia de rios e reservatórios da Bacia do Prata, abordando diferentes grupos zoológicos (Copepoda, cladóceros litorâneos, mexilhão dourado – Limnoperna fortunei), fitoplâncton, uso e ocupação do solo na bacia (GIS - Sistema de Informações Geográficas), análise dos sedimentos (granulometria, nutrientes, pesticidas e concentração de metais) e testes toxicológicos. Esta tese foi planejada para investigar a fauna de cladóceros planctônicos em reservatórios e trechos lóticos da bacia do rio Prata, com uma visão pioneira, em macro- escala, já que a maioria dos estudos realizados tem um caráter mais pontual, não sendo possível identificar padrões de distribuição espacial e temporal ao longo de toda a bacia. 7 Para atingir os objetivos propostos foi empreendido um considerável esforço para realização das coletas, sendo percorridos aproximadamente 27 mil quilômetros por vias rodoviárias, totalizando 76 dias de permanência em campo, empregando protocolos padronizados de amostragem e análise. Foram realizadas amostragens em 44 locais, abrangendo as sub-bacias do rio Paraná, Uruguai e Paraguai, em quatro diferentes países, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Foram amostradas as regiões de montante (semi-lêntica) e barragem (lêntica) de 15 reservatórios de hidrelétricas e 14 pontos em trechos de rios livres de represamento (lótico). Em termos de estruturação da tese optou-se pela redação em forma de capítulos, sendo o primeiro denominado “Diversidade de Cladocera (Crustacea: Anomopoda e Ctenopoda) na bacia hidrográfica do rio da Prata (América do Sul)” com os resultados da distribuição espacial e temporal dos cladóceros ao longo dos 44 pontos de amostragem e os principais atributos ecológicos - riqueza, abundância e diversidade. O segundo capítulo, intitulado, “Correlações entre as condições ambientais e as populações de Cladocera em grandes rios e reservatórios da Bacia do Prata (América do Sul): uma análise macro ecológica”, considera as principais variáveis ambientais e limnológicas que podem influenciar a atual distribuição, riqueza e abundância de Cladocera na bacia hidrográfica do rio da Prata. 8 RESUMO GERAL Através de um estudo em macro-escala realizado na bacia hidrográfica do rio da Prata (quarta maior do planeta) foi estudada a distribuição espacial e temporal dos cladóceros planctônicos, com ênfase na composição, riqueza, abundância e diversidade dos organismos e principais fatores ambientais e variáveis limnológicas correlacionados. As coletas ocorreram em 44 locais, incluindo 15 reservatórios de hidrelétricas (regiões lêntica e semi-lêntica) e 14 trechos lóticos livres de represamento, distribuídos por quatro diferentes países da América do Sul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). As expedições ocorreram no período de verão (janeiro/fevereiro) e inverno (junho/julho) do ano de 2010 e a coleta dos cladóceros foi realizada através de arrastos verticais com uma rede de plâncton cônica de 68 μm de abertura de malha. Para as variáveis ambientais e limnológicas (15 no total) foram seguidos protocolos usuais e padronizados de amostragem. A tese foi elaborada com base nos seguintes capítulos: 1º “Diversidade de Cladocera (Crustacea: Anomopoda e Ctenopoda) na bacia hidrográfica do rio da Prata (América do Sul)”, com uma abordagem descritiva das principias tendências e padrões de distribuição espacial dos cladóceros ao longo da bacia. Procurou-se destacar as diferenças quanto à composição, riqueza, abundância e diversidade, entre os tipos de ambiente (reservatório e rio), sub-bacias (Paraná, Uruguai e Paraguai) e trechos (alto, médio e baixo); um 2º capitulo intitulado “Correlações entre as condições ambientais e as populações de Cladocera em grandes rios e reservatórios da Bacia do Prata (América do Sul): uma análise macro ecológica” aborda os principais fatores ambientais e variáveis limnológicas que podem influenciar na distribuição e nos atributos ecológicos básicos (riqueza e abundância) dos cladóceros ao longo da bacia do Prata. 9 ABSTRACT In the “La Plata” River Basin (fourth largest in the world) we studied the spatial and temporal distribution of planktonic cladocerans, with emphasis on composition, richness, abundance and diversity, as well as the main environmental factors and limnological variables correlated. Samples were obtained in 44 locations, 15 hydroelectric reservoirs (lentic and semi-lentic regions) and 14 lotic stretches, distributed in four different countries, Argentina, Brazil, Paraguay and Uruguay. The expeditions occurred during the summer (January / February) and winter (June / July) of 2010. Samplings of the organisms were performed through vertical hauls along the water column with a plankton net of 68 µm of mesh size. The environmental and limnological variables (15 in total) were simultaneously measured following standard protocols. The thesis was elaborated in the following chapters: 1º "Diversity of Cladocera (Crustacea: Anomopoda and Ctenopoda) in the “La Plata” River Basin (South America)", with a descriptive approach of the main trends and patterns of spatial distribution of cladocerans to along the basin, with emphasis on the differences of composition, richness, abundance and diversity among the types of environment (reservoir and river), sub-basins (Paraná, Paraguay and Uruguay) and stretches (high, medium and low). A second chapter is entitled "Correlations between environmental conditions and the populations of Cladocera in large rivers and reservoirs of the La Plata River Basin (South America): macro-ecological analysis ", and discusses the main environmental factors that can influence the distribution and ecological attributes (richness and abundance) of cladocerans along the La Plata basin. 10 Capítulo I 11 Diversidade de Cladocera (Crustacea: Anomopoda e Ctenopoda) na bacia hidrográfica do rio da Prata (América do Sul) RESUMO Através de um estudo em macro-escala realizado na bacia hidrográfica do rio da Prata (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia), a segunda do continente americano em magnitude (área 3,17 x 106 km2, vazão 22.000 m3 s-1) e a quarta maior do planeta, analisou-se a composição e os atributos ecológicos (riqueza de espécies, diversidade e abundância) da fauna de Cladocera amostrada em 15 reservatórios (regiões lêntica e semi-lêntica) e 14 trechos lóticos livres de represamento. As expedições ocorreram no período de verão (janeiro/fevereiro) e inverno (junho/julho) do ano de 2010 e a coleta de amostras foi feita através de arrastos verticais com uma rede de plâncton cônica de 68 μm de abertura de malha. No total foram encontradas 58 espécies, pertencentes às famílias Sididae, Daphniidae, Bosminidae, Moinidae, Macrothricidae, Ilyocryptidae e Chydoridae. As espécies mais frequentes na bacia foram Bosmina hagmanni, Bosmina freyi, Bosminopsis deitersi, Ceriodaphnia cornuta, Diaphanosoma birgei, Diaphanosoma brevirreme, Diaphanosoma fluviatile e Moina minuta, principalmente nos trechos com influência de reservatórios. Contudo espécies das famílias Chydoridae, Macrothricidae e Ilyocryptidae foram mais representativas nos trechos lóticos. Em relação às espécies consideradas planctônicas, a maioria apresentou ampla distribuição espacial, já as espécies típicas de ambientes litorâneos e bentônicos foram mais restritas a determinados trechos lóticos. Não foi possível discriminar espécies ou grupo de espécies com ocorrência restrita a determinadas sub-bacias ou intervalos de latitude. No sentido latitudinal/longitudinal, para as três principais sub-bacias (Paraná, Uruguai e Paraguai), não houve uma clara diferença em relação à riqueza de espécies e diversidade, rejeitando-se a hipótese de elevação destes atributos ecológicos em direção à foz do rio da Prata – gradiente montante-jusante. As descontinuidades dos valores de riqueza e diversidade ocorreram devido a ampla heterogeneidade dos ambientes amostrados (reservatórios e rios) e grande distância entre os pontos de coleta (em média 250 km). Provavelmente, as características intrínsecas de cada local prevaleçam sobre processos que determinam os padrões de diversidade. Em relação abundância total de organismos, houve uma nítida diferença entre locais com reservatórios e rios sem represamento. Em geral, os ambientes lênticos apresentaram valores de abundância superiores aos lóticos, devido principalmente à maior contribuição de espécies pelágicas. Nos ambientes lóticos, fatores físicos, como a alta velocidade da correnteza e o baixo tempo de residência da água, certamente limitam o desenvolvimento de grandes populações de espécies planctônicas, sendo encontradas nestes locais maiores abundâncias de espécies típicas de ambientes litorâneos e bentônicos (Chydoridae, Macrothricidae e Ilyocryptidae). Na escala temporal, os valores de abundância foram superiores no período de verão na maioria dos pontos. Nas maiores latitudes, porção média e baixa da bacia, os valores da abundância no inverno foram extremamente baixos (menor que 50 ind. m-3), mostrando que as baixas temperaturas limitam o 12 desenvolvimento das populações de Cladocera. Apesar da baixa frequência temporal empregada, o fato de ter sido considerada uma ampla escala espacial, bem como protocolos padronizados de amostragem e resolução taxonômica, conferem ao estudo um caráter pioneiro, que possibilitou obter-se um panorama atual da distribuição da fauna de Cladocera em rios e reservatórios da bacia do rio da Prata. Palavras-chave: reservatórios, rios, Paraná, Uruguai, Paraguai, ecologia, latitudinal. INTRODUÇÃO Cladocera é considerado um grupo monofilético, provavelmente derivado de grandes branquiópodes ancestrais (Waard et al., 2006). Em termos históricos, sua origem é antiga, data da era Paleozóica (Dumont & Negrea, 2002), embora seus fósseis sejam conhecidos somente a partir do Mesozóico (Kotov & Korovchinsky, 2006). Diferentemente de outros grupos de invertebrados aquáticos, melhor representados no ambiente marinho (e.g. Copepoda), a maioria dos cladóceros ocorre em águas continentais, sendo encontrados nas zonas pelágicas, litorâneas e bentônicas (Margalef, 1983; Fernando, 2002). A irradiação dos táxons em Cladocera difere na escala geológica. Estudos de filogenética, a partir de análise molecular, indicam que as subfamílias de Chydoridae foram separadas no Médio Paleozóico (400 milhões de anos atrás) (Sacherová & Hebert, 2003), enquanto que representantes do gênero Daphnia se diferenciaram há 200 milhões de anos atrás (Colbourne & Hebert, 1996). Para alguns táxons, apesar da antiguidade geral dos Cladocera, a diferenciação é mais recente, por exemplo, para os Bosminidae (Taylor et al., 2002). Segundo Korovchinsky (2006), os cladóceros deveriam apresentar uma ampla distribuição geográfica no passado, mas mudanças climáticas no Cenozóico/Terciário teriam determinado à extinção em massa de táxons nas atuais zonas tropical e boreal, enquanto nas zonas temperada e subtropical a fauna permaneceu comparativamente inalterada. Demais processos como vicariância e especiação alopátrica, tanto em nível intercontinental como regional, certamente também influenciaram a alta complexidade e diversidade dos cladóceros nas diferentes regiões geográficas (Lynch, 1985; Forró, 2008). 13 Outros fatores relacionados à biologia dos cladóceros, como elevada taxa de reprodução assexuada, que proporciona rápida colonização de novos ambientes, formação de ovos de resistência em períodos desfavoráveis, dispersão passiva através de diferentes vetores (animais, vento), dispersão através da deriva em corpos d’água conectados, além das atuais ações antrópicas (eutrofização acelerada, construção de barragens, aquecimento global, introdução de espécies), contribuem para o complexo cenário da distribuição histórica e atual do grupo (Havel & Shurin, 2004; Louette & Meester, 2005; Havel & Medley, 2006). No início do século passado prevalecia o conceito de distribuição cosmopolita para a maioria dos Cladocera. Os estudos taxonômicos restringiam-se a fauna da Europa, sendo que o aprofundamento taxonômico no restante do mundo era incipiente, frequentemente designando o mesmo nome de espécies encontradas na Europa (Frey, 1986) aos táxons morfologicamente similares de outras regiões do planeta. A partir de estudos mais detalhados da taxonomia e filogenia, principalmente de Chydoridae (Frey, 1982; 1986; 1987; Sinev, 2001; Van Damme et al., 2011), e posteriormente o uso de análises moleculares (Schwenk et al., 2000; Taylor et al., 2002; Eliaz-Gutiérrez & Valdez-Moreno, 2008; Kotov e Taylor, 2010), o conceito do não cosmopolitismo em Cladocera vem sendo reforçado, causando um forte impacto sobre a compreensão da diversidade, filogenia e biogeografia do grupo. Assim, o estudo dos cladóceros envolve a análise de uma série de variáveis e hipóteses necessárias ao entendimento da complexa distribuição geográfica deste grupo. O cosmopolitismo de algumas espécies, a presença de restrita faixa de distribuição para outras e espécies endêmicas em ambos os hemisférios são fatores intimamente relacionados à origem antiga do grupo e à série de mudanças geomorfológicas e climáticas do planeta (tectônica de placas, glaciações, etc.) e que levam a diferentes interpretações sobre sua distribuição (Forró et al., 2008). Atualmente, existe a descrição de aproximadamente 620 espécies de Cladocera consideradas como válidas (Forró et al., 2008). No entanto, diversos autores acreditam que a diversidade dos cladóceros seja até quatro vezes maior que a atualmente conhecida. Análises que combinam técnicas morfológicas e moleculares são promissoras para delimitar novas espécies com relativa uniformidade morfológica (Schwenk et al., 1998, 2001; Hobaek et al., 2004; Forró et al., 2008). 14 Na região Neotropical foram descritas 186 espécies de cladóceros, distribuídas em 50 gêneros, dentro das ordens Anomopoda e Ctenopoda, e 98 destas são consideradas endêmicas (Forró et al., 2008). Alguns autores (Rocha et. al., 2011; Elmoor-Loureiro et al., 2004; Elmoor-Loureiro 2000, 2007) ressaltam a necessidade de aprofundar os estudos taxonômicos para esses organismos na região neotropical, pois se acredita que espécies atualmente consideradas de ampla distribuição, possam se tratar de inúmeros complexos, e ainda, a maioria dos trabalhos se concentra em corpos d’água próximos de grandes centros de pesquisa. Uma rede amostral mais ampla e a resolução de problemas taxonômicos possivelmente levariam ao aumento da lista de espécies conhecidas. Na bacia do rio da Prata, segunda do continente em magnitude, que drena parte dos territórios da Bolívia, Paraguai, Brasil, Argentina e Uruguai, há atualmente uma forte pressão antrópica com cargas significativas de poluição urbana e agroindustrial. Adicionalmente, há a construção de grandes reservatórios para produção de energia elétrica, que transformam sistemas lóticos em lênticos, gerando consideráveis mudanças na composição e estrutura das comunidades aquáticas (Agostinho et al., 2007). Nesta bacia hidrográfica do rio da Prata, embora haja diversos estudos sobre a composição e ecologia dos cladóceros, a maioria é realizada de forma pontual, em pequenos trechos ou reservatórios. Com exceção de alguns trabalhos que consideram escalas mais amplas (Güntzel, 2000; Sampaio et al., 2002, Zanata, 2005; Frutos et al., 2006; José de Paggi & Paggi, 2007; Nogueira et al., 2008; Lansac-Tôha et al., 2009; Rocha et al., 2011), não há uma abordagem holística para esta grande bacia hidrográfica. Assim, o presente estudo, pretende fornecer informações valiosas sobre a distribuição em macro-escala dos Cladocera da bacia do rio da Prata. Através de uma amostragem simultânea, durante dois períodos de 2010 (verão e inverno), foram analisados 44 pontos de amostragem composto por locais com reservatórios e trechos lóticos, gerando as seguintes hipóteses em relação a alguns atributos ecológicos e de distribuição dos Cladocera: i: há diferenças em relação aos atributos ecológicos (riqueza, abundância e diversidade) entre os trechos (alto, médio e baixo) dos grandes rios da bacia do Prata 15 (Paraná, Uruguai e Paraguai), esperando maiores valores para riqueza e diversidade nas altas latitudes, no sentido da foz do Prata; ii: há uma clara distinção na composição e nos atributos ecológicos dos cladóceros entre os tipos de ambiente amostrados: lêntico (barragem dos reservatórios); semi-lêntico (montante dos reservatórios) e sistemas lóticos (rios sem influência de represamento); iii: existe uma distribuição geográfica de algumas espécies, ou grupo de espécies, restrita a determinadas sub-bacias ou a trechos latitudinais ou longitudinais da bacia do rio Prata. MATERIAL & MÉTODOS A bacia do rio da Prata é a segunda do continente americano em magnitude, excedida apenas pela bacia amazônica, e a quarta maior do planeta. Os rios Paraná, Uruguai e Paraguai são os três principais afluentes. A bacia hidrográfica tem uma área de 3,17 x 106 km2, drenando parte dos territórios da Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai e com vazão média no trecho final de 22.000 m3 s-1 (Bazán & Arraga, 1993). As amostras para o presente estudo foram obtidas em 44 diferentes locais georreferenciados, distribuídos ao longo da bacia do rio da Prata. Foram selecionados 15 reservatórios (amostrando-se as zonas de barragem e montante) e 14 trechos lóticos (Tabela 1 e Figura 1). Todos os reservatórios amostrados possuem tempo de residência superior a 15 dias, considerando-se que uma retenção hidráulica inferior provavelmente seja limitante para o desenvolvimento de populações estáveis de microcrustáceos planctônicos. Entre os reservatórios, foram amostrados aqueles construídos nas cabeceiras (localizados nas regiões altas e/ou médias) e próximo às desembocaduras (regiões baixas) dos grandes rios da bacia do Prata, ou seja, o primeiro e último grande reservatório de cada rio. Para a sub-bacia do rio Paraná, além dos reservatórios no eixo latitudinal, também foram amostrados reservatórios de seus maiores tributários: rios Paranaíba, Grande, Tietê, Paranapanema e Iguaçu. Após o último reservatório no trecho médio do rio Paraná (Yacyretá, Argentina) foram amostrados 6 pontos lóticos, 16 equidistantes em aproximadamente 250km, até a desembocadura no Rio da Prata. Na sub-bacia do rio Uruguai, além do primeiro e último reservatório, também foram incluídos três pontos lóticos, dois no trecho médio (260 km eqüidistantes) e um no baixo (Tabela 1 e Figura 1). No rio Paraguai foram amostrados apenas trechos lóticos, nas porções alta, média (distância de 250 km entre si) e baixa (cerca de 650 km após o ponto médio), além de um grande afluente da margem direita, rio Bermejo. No eixo latitudinal (NorteSul), a maior amplitude de variação, em relação a coordenadas geográficas, ocorreu entre os pontos EMB-M (18º22’40’’S) e RPLA (34º26’49’’S). No sentido longitudinal (LesteOeste), a maior variação foi entre os pontos FUR-M (45º31’24’’O) e RPAR-B1 (60º43’23”O) (Figura 1). Para contemplar esta ampla escala amostral foram percorridos aproximadamente 27 mil quilômetros por vias rodoviárias, totalizando 76 dias de permanência em campo para realização das coletas, considerando-se os dois períodos sazonais. As amostragens foram realizadas no verão (em janeiro e fevereiro 2010) e no inverno (em junho e julho/2010), nos canais centrais dos reservatórios (zonas de montante/intermediárias e de barragem/lênticas) e dos rios. A coleta de zooplâncton foi feita com arrastos verticais na coluna de água (próximo ao fundo até a superfície) de cada ponto selecionado, obtendo-se três amostras quantitativas e uma para análise qualitativa, todas fixadas com formol 4%. Nos locais mais profundos os arrastos tiveram uma extensão padronizada de 40m. Foi utilizada uma rede de plâncton cônica de 68 μm de abertura de malha, modificada com a presença de anteparo anti-refluxo. Através do cálculo da área do cilindro (área da boca da rede e profundidade do arrasto) foi estimado o volume de água filtrada. Nos pontos lóticos, foram realizados arrastos verticais com o barco em deriva, evitando que o arrasto fosse oblíquo. Em laboratório, o material biológico foi identificado sob lupas (Zeiss Stemi SV6) e microscópios (Zeiss Standard 20). A identificação dos cladóceros foi realizada com auxílio de bibliografia especializada e consulta a especialistas de outros grupos de pesquisa, quando necessário. Através de sub-amostragens, foram contados no mínimo 200 organismos por amostra e, sempre que possível, ao menor nível taxonômico. A abundância total foi expressa em indivíduos por metro cúbico (ind. m-3). A partir dos espécimes de Cladocera identificados e quantificados, foi calculado o índice de 17 diversidade (Shannon-Wiener log2) no software Past 6.0. Para a determinação da riqueza específica foi considerado o conjunto de amostras obtido por ponto. Para comparar os trechos alto, médio e baixo das sub-bacias do Paraná, Uruguai e Paraguai, em base à composição e abundância de Cladocera, foram realizadas análises de agrupamento por similaridade com o método “complete linkage” (Distância Euclidiana), no software Statistic v. 6.0 (Statsoft, 2002). Tabela 1. Lista dos pontos de coleta na Bacia do Rio da Prata, abreviações, localização (unidades federativas do Brasil - UF ou países estrangeiros*) e coordenadas geográficas. Legendas: M=região de montante (transição rio/reservatório); B=região próxima a barragem. Os pontos de coleta foram agrupados nos seguintes trechos (Alto, Médio e Baixo) e sub-bacias (Paraná, Uruguai e Paraguai). 1-24: Alto Paraná; 25-29: Médio Paraná; 30-33: Baixo Paraná; 34-35: Alto Uruguai; 36-37: Médio Uruguai; 38-40: Baixo Uruguai; 41: Alto Paraguai; 42: Médio Paraguai; 43-44: Baixo Paraguai. N Rio / Reservatório (UHE) Abrev. Localização UF - País Coordenadas geográficas 1 UHE Emborcação (Rio Paranaíba) EMB-M MG/GO 18°22'40.47"S 47°44'03.58"O 2 UHE Emborcação (Rio Paranaíba) EMB-B MG/GO 18°29'33.09"S 47°58'17.22"O 3 UHE São Simão (Rio Paranaíba) SSIM-M MG/GO 18°40'22.54"S 50°04'17.76"O 4 UHE São Simão (Rio Paranaíba) SSIM-B MG/GO 18°59'15.59"S 50°30'18.93"O 5 UHE Furnas (Rio Grande) FUR-M MG 20°58'35.58"S 45°31'24.18"O 6 UHE Furnas (Rio Grande) FUR-B MG 20°39'36.51"S 46°18'12.16"O 7 UHE Água Vermelha (Rio Grande) AVER-M MG/SP 19°55'42.17"S 49°45'05.31"O 8 UHE Água Vermelha (Rio Grande) AVER-B MG/SP 19°52'03.73"S 50°19'28.77"O 9 UHE Barra Bonita (Rio Tietê) BBON-M SP 22°40'06.24''S 48°21'06.42"O 10 UHE Barra Bonita (Rio Tietê) BBON-B SP 22°31'45.12"S 48°31'27.90"O 11 UHE Três Irmãos (Rio Tietê) TIRM-M SP 20°57'21.57"S 50°36'34.83"O 12 UHE Três Irmãos (Rio Tietê) TIRM-B SP 20°41'57.09"S 51°05'58.43"O 13 UHE Jurumirim (Rio Paranapanema) JUR-M SP 23°19'25.07"S 48°42'11.07"O 14 UHE Jurumirim (Rio Paranapanema) JUR-B SP 23°13'41.07"S 49°13'28.03"O 15 UHE Rosana (Rio Paranapanema) ROS-M SP/PR 22°36'28.27"S 52°09'43.75"O 16 UHE Rosana (Rio Paranapanema) ROS-B SP/PR 22°36'04.71"S 52°49'48.15"O 17 UHE Foz do Areia (Rio Iguaçu) FARE-M PR 26°03'41.64"S 51°24'02.25"O 18 18 UHE Foz do Areia (Rio Iguaçu) FARE-B PR 25°59'57.06"S 51°38'52.27"O 19 UHE Salto Caxias (Rio Iguaçu) SCAX-M PR 25°30'32.11"S 53°18'24.26"O 20 UHE Salto Caxias (Rio Iguaçu) SCAX-B PR 25°31'50.96"S 53°28'45.76"O 21 UHE Ilha Solteira (Ato Rio Paraná) ISOL-M SP/MS 20°10'29.60"S 51°02'07.06"O 22 UHE Ilha Solteira (Ato Rio Paraná) ISOL-B SP/MS 20°22'10.87"S 51°20'37.65"O 23 UHE Itaipu (Ato Rio Paraná) ITA-M PAR* / PR 24°29'10.77"S 54°19'42.38"O 24 UHE Itaipu (Ato Rio Paraná) ITA-B PAR / PR 25°25'09.67"S 54°32'14.47"O 25 UHE Yaciretá (Médio Rio Paraná) YACI-M ARG* 27°24'24.13"S 56°15'19.86"O 26 UHE Yaciretá (Médio Rio Paraná) YACI-B ARG 27°30'09.12"S 56°31'56.69"O 27 Rio Paraná – trecho médio RPAR-M1 ARG 28°30'10.12"S 59°03'03.24"O 28 Rio Paraná – trecho médio RPAR-M2 ARG 30°01'07.73"S 59°33'50.86"O 29 Rio Paraná – trecho médio RPAR-M3 ARG 31°38'29.94"S 60°23'21.53"O 30 Rio Paraná – trecho baixo RPAR-B1 ARG 32°44'02.61"S 60°43'23.95"O 31 Rio Paraná – trecho baixo RPAR-B2 ARG 33°41'19.94"S 59°37'30.79"O 32 Rio Paraná – trecho baixo RPAR-B3 ARG 33°56'31.07"S 58°27'46.80"O 33 Rio de la Plata - RPLA URU / ARG 34°26'49.57"S 57°36'27.99"O 34 UHE Machadinho (Alto Rio Uruguai) MAC-M SC / RS 27°32'26.71"S 51°37'52.31"O 35 UHE Machadinho (Alto Rio Uruguai) MAC-B SC / RS 27°29'27.77"S 51°46'26.50"O 36 Rio Uruguai – trecho médio RURU-M1 ARG / RS 27°17'15.23"S 54°11'31.66"O 37 Rio Uruguai – trecho médio RURU-M2 ARG / RS 28°32'38.40"S 56°01'24.69"O 38 UHE Salto Grande (Baixo Rio Uruguai) SGRA-M ARG 30°46'27.52"S 57°47'55.53"O 39 UHE Salto Grande (Baixo Rio Uruguai) SGRA-B URU*/ ARG 31°15'31.41"S 57°55'33.66"O 40 Rio Uruguai – trecho baixo RURU-B URU / ARG 33°48'07.39"S 58°26'07.48"O 41 Rio Paraguai – trecho alto RPAG-A MS 18°58'07.73"S 57°38'55.75"O 42 Rio Paraguai – trecho médio RPAG-M PAR / MS 21°41'09.18"S 57°52'59.85"O 43 Rio Paraguai – trecho baixo RPAG-B ARG / PAR 26°51'15.42"S 58°19'21.45"O 44 Rio Bermejo – trecho baixo (afluente Rio Paraguai) RBER ARG 26°51'58.70"S 58°22'59.80"O *(ARG=Argentina; PAR=Paraguai; URU=Uruguai). 19 Figura 1. Localização dos pontos de amostragem na bacia do rio da Prata. Para os reservatórios, os códigos referem-se às três primeiras letras do nome de cada reservatório e, após o hífen, a letra “M” = montante; letra “B” = barragem. Para os trechos lóticos, indicados pela letra “R”, a denominação PAR refere-se ao rio Paraná, PAG=Paraguai e URU=Uruguai e as letras após o hífen referem-se a A=trecho alto, M=trecho médio e B=trecho baixo. 20 RESULTADOS Composição e Riqueza- Cladocera No total foram encontradas 58 espécies de cladóceros ao longo da bacia do Prata (Tabela 2), 5 pertencentes à família Bosminidae, 13 à família Daphniidae, 8 à família Sididae, 3 à família Moinidae, 23 à família Chydoridae, 4 à família Macrothricidae e 2 à família Ilyocryptidae. No ponto RBER (rio Bermejo), afluente do baixo Paraguai, não foram encontrados espécimes de Cladocera em nenhuma das amostragens, portanto, esse ponto não será incluído nas Tabelas e Figuras a seguir. Em relação à distribuição das espécies ao longo da bacia do Prata, não houve nenhuma espécie encontrada em todos os locais de coleta, no entanto, as mais frequentes, com presença nas sub-bacias do Paraná, Uruguai e Paraguai, foram Bosmina hagmanni, Bosmina freyi, Bosminopsis deitersi, Ceriodaphnia cornuta, Diaphanosoma birgei, Diaphanosoma brevirreme, Diaphanosoma fluviatile e Moina minuta (Tabela 2). Na maioria das vezes, as espécies com habitat tipicamente planctônico apresentaram ampla distribuição na bacia do Prata, portanto, não foram encontradas espécies que tenham distribuição restrita a determinada sub-bacia ou faixa latitudinal, somente variações na abundância entre os pontos de um mesmo período e sazonais foram notadas. Já em relação às espécies com habitat litorâneo ou bentônico, algumas foram exclusivas de determinados locais, no entanto, isto pode estar relacionado à baixa frequência de amostragem, à raridade de presença nas amostras, bem como limitação da metodologia empregada para estudar este tipo de organismo (Tabela 2). Conforme mostrado na Tabela 2, a distribuição das espécies de Cladocera ao longo da bacia do Prata apresentou uma clara distinção entre pontos de reservatórios e de rios sem represamento (lóticos). O grupo de espécies com hábitos tipicamente planctônicos, principalmente das famílias Bosminidae, Daphniidae, Sididae e Moinidae, ocorreu com maior frequência nos locais formados por reservatórios (ambientes lênticos e semi/lênticos). As espécies típicas de ambientes litorâneos ou bentônicos (Chydoridae, Macrothricidae e Ilyocryptidae) ocorreram principalmente em trechos de rios sem represamento e em baixa frequência e densidade (Tabela 2). 21 A presença de espécimes considerados litorâneos e bentônicos ocorreu, ainda que em menor frequência, em alguns reservatórios (ITA, YACI, SGRA), principalmente nas regiões semi-lênticas (montante dos reservatórios) (Tabela 2). Dentre os períodos sazonais amostrados, 13 espécies foram exclusivas do verão e 18 do inverno, tratando-se principalmente de indivíduos de habitat litorâneo e bentônico, já para grande parte das espécies planctônicas, houve registro nos dois períodos do ano. Em relação aos cladóceros planctônicos mais frequentes, ocorreram espécies cogenéricas de Bosmina, Ceriodaphnia, Diaphanosoma e Moina ao longo dos pontos e períodos. No entanto, para o gênero Daphnia geralmente foi registrada apenas uma única espécie (Daphnia gessneri). A ocorrência de outras espécies de Daphnia (Daphnia ambigua, Daphnia laevis e Daphnia parvula) se deu apenas no inverno e em baixa frequência (Tabela 2). No reservatório de SGRA-B, no baixo rio Uruguai, foi encontrado apenas um espécime do gênero Monospilus sp, até então com registro apenas nas regiões zoogeográficas Neártica, Paleártica e Afrotropical, sendo que o espécime encontrado apresenta ligeiras diferenças com a descrição da única espécie conhecida (Monospilus dispar Sars, 1862), possivelmente se tratando de uma nova espécie, que será descrita posteriormente, já que há necessidade de encontrar mais indivíduos dentre as amostras (Tabela 2). Quanto à riqueza de Cladocera, a sub-bacia do rio Paraná registrou um total de 47 espécies, seguida pela sub-bacia do rio Paraguai com 35 espécies e Uruguai com 23 espécies (Tabela 2). Comparativamente a riqueza variou de uma única espécie, em diversos pontos lóticos, principalmente durante o inverno (RPAR-M2, RPAR-M3, RPAR-B1, RPLA, RURU-M1), até 20 espécies encontradas em RPAG-A durante o período de inverno (Figuras 2 e 3). Na sub-bacia do Paraná, a riqueza oscilou amplamente entre trechos lênticos, semi-lênticos e lóticos. No geral, durante o período de verão foram encontrados valores semelhantes entre os trechos alto, médio e baixo. No inverno, o trecho alto da bacia do Paraná, formado apenas por reservatórios, registrou valores mais elevados de riqueza, juntamente com alguns pontos do trecho baixo (RPAR-B2 e RPAR-B3) (Figuras 2 e 3). 22 Na sub-bacia do Uruguai, representada por reservatórios e trechos sem represamentos, o trecho médio (RURU-M1 e RURU-M2) apresentou baixa riqueza em ambos os períodos. Nos demais pontos foram registrados valores mais elevados, com algumas oscilações entre os períodos sazonais (Figuras 2 e 3). Na sub-bacia do Paraguai, os valores encontrados no inverno foram superiores para os pontos RPAG-A e RPAG-B, principalmente para o trecho alto, que passou de 6 para 20 espécies no inverno. No trecho médio (RPAG-M), o número de espécies no verão foi maior, 17, comparado ao inverno, 13 (Figuras 2 e 3). Ao longo da bacia do rio Prata não foi identificado um padrão claro de variação espacial (latitudinal) e temporal (sazonal) da riqueza de espécies. Em geral, os pontos formados por reservatórios apresentaram riqueza mais elevada, porém, em alguns pontos lóticos (RPAG-M verão, RPAR-B1 verão, RPAG-A inverno) foram registrados altos valores, devido à presença concomitante de espécies com características planctônicas, litorâneas e bentônicas (Tabela 2 e Figuras 2 e 3). Tabela 2. Lista de táxons de Cladocera e sua ocorrência nos distintos locais de amostragem. V: verão; I: inverno; V/I: ambos os períodos. PAR=bacia do Paraná; URU=bacia Uruguai; PAG=bacia do Paraguai. Alto PAR Médio PAR Baixo PAR Alto URU Médio URU Baixo URU Paraguai Táxon E M B -M E M B -B S SI M -M S SI M -B FU R -M FU R -B A VE R -M A VE R -B B B O N -M B B O N -B TI R M -M TI R M -B JU R -M JU R -B R O S -M R O S -B FA R E -M FA R E -B S C A X -M S C A X -B IS O L- M IS O L- B IT A -M IT A -B YA C I-M YA C I-B R PA R -M 1 R PA R -M 2 R PA R -M 3 R P A R -B 1 R P A R -B 2 R P A R -B 3 R P LA M A C -M M A C -B R U R U -M 1 R U R U -M 2 SG R A -M SG R A -B R U R U -B R P A G -A R P A G -M R P A G -B Bosminidae Bosmina freyi De Melo and Hebert, 1994 I V/I V/I I V/I V/I I I I I I V/I I V/I V/I I I V V/I I V V/I V/I V V/I I Bosmina hagmanni Stingelin, 1904 V/I V/I I V/I V/I I I V I I V/I V/I V/I I I V V I V/I V/I I V V V I V/I V V/I V/I V V/I Bosmina cf. huaronensis Delachaux, 1918 I I I Bosmina tubicen Brehm, 1953 I Bosminopsis deitersi Richard, 1895 I I I V/I V V/I I I V/I V/I I V V/I I V V/I V/I V/I I V/I V V/I V/I Daphniidae Ceriodaphnia cornuta forma paradoxa I V/I V/I V/I I V V/I V/I V/I V/I V/I V/I V/I V V V/I V/I V/I I V V V V Ceriodaphnia cornuta forma rigaudi V V V/I V/I V/I V V V/I I I I V/I I I V V V V/I V V V/I V/I Ceriodaphnia cornuta Sars, 1886 cornuta V/I V/I V V/I V V/I V/I V/I V/I V/I I V/I V/I I V/I V/I V/I V/I V/I V/I V V V V I V/I V V V V Ceriodaphnia cf. dubia Richard, 1894 V/I Ceriodaphnia silvestrii Daday, 1902 V/I V/I V/I V/I I I I V/I V/I I V/I V/I V/I V/I V/I V/I I I V V/I I I I Daphnia ambigua Scourfield, 1947 I I Daphnia gessneri Herbst, 1967 V/I V/I V/I I V/I V/I V/I V/I V/I V/I V/I V/I V/I I I V/I V/I V/I V/I V/I I V/I V/I V I I I I I I I Daphnia laevis Birge, 1879 I I I I I Daphnia parvula Fordyce, 1901 I I I I I Simocephalus latirostris (Stingelin 1906) V Simocephalus mixtus Sars, 1903 I I I Simocephalus semiserratus Sars, 1901 V V Simocephalus serrulatus (Koch, 1841) I I V/I V V/I V V Sididae Diaphanosoma birgei Korinech, 1981 V/I V/I V/I V V V/I V/I V V/I I V V V V V I V/I V V/I V V V/I V/I I V I V V/I I V/I V/I V Diaphanosoma brevireme Sars, 1901 I I V/I V/I I V/I I V I V V I V V V V V V V V V V V V I V/I V/I Tabela 2. Continuação Alto PAR Médio PAR Baixo PAR Alto URU Médio URU Baixo URU PAG Táxon E M B -M E M B -B S SI M -M S SI M -B FU R -M FU R -B A VE R -M A VE R -B B B O N -M B B O N -B TI R M -M TI R M -B JU R -M JU R -B R O S -M R O S -B FA R E -M FA R E -B S C A X -M S C A X -B IS O L- M IS O L- B IT A -M IT A -B YA C I-M YA C I-B R PA R -M 1 R PA R -M 2 R PA R -M 3 R P A R -B 1 R P A R -B 2 R P A R -B 3 R P LA M A C -M M A C -B R U R U -M 1 R U R U -M 2 SG R A -M SG R A -B R U R U -B R P A G -A R P A G -M R P A G -B Diaphanosoma fluviatile Hansen 1899 V/I V/I I V/I V V/I V/I I V/I V V V V/I V V/I V/I V/I V/I V/I V V/I I V V V/I V/I V I V/I I V/I Diaphanosoma spinulosum Herbst, 1976 V/I V/I I I V/I V/I V/I V/I V/I V/I V/I V/I V/I V V/I V V/I V/I V/I V V V V V V Latonopsis australis Sars, 1888 V V I Pseudosida ramosa (Daday, 1904) I Sarsilatona behningi Korovchinsky, 1985 I Sarsilatona serricauda (Sars, 1901) V V Moinidae Moina micrura Kurz 1874 V I V Moina minuta Hansen, 1899 V/I V/I V/I V/I V I V V/I V I I V V V V/I I I V V/I V V/I V V/I V V V V V V V V/I I V/I Moina reticulata (Daday, 1905) V V Chydoridae Alona dentifera (Sars, 1901) V Alona ossiani Sinev, 1998 V Alona yara Sinev & Elmoor-Loureiro, 2010 I I I I I Alonella dadayi Birge, 1910 I I Alonella lineolata Sars, 1901 I Anthalona cf. simplex Van Damme, 2011 I I V Camptocercus australis Sars, 1896 V I Monospilus sp Sars, 1861 I Chydorus eurynotus Sars, 1901 I I V I I I Chydorus nitidulus (Sars, 1901) V Chydorus pubescens Sars, 1901 V I I I Tabela 2. Continuação. Alto PAR Médio PAR Baixo PAR Alto URU Médio URU Baixo URU PAG Táxon E M B -M E M B -B S SI M -M S SI M -B FU R -M FU R -B A VE R -M A VE R -B B B O N -M B B O N -B TI R M -M TI R M -B JU R -M JU R -B R O S -M R O S -B FA R E -M FA R E -B S C A X -M S C A X -B IS O L- M IS O L- B IT A -M IT A -B YA C I-M YA C I-B R PA R -M 1 R PA R -M 2 R PA R -M 3 R P A R -B 1 R P A R -B 2 R P A R -B B R P LA M A C -M M A C -B R U R U -M 1 R U R U -M 2 SG R A -M SG R A -B R U R U -B R P A G -A R P A G -M R P A G -B Chydoridae I Euryalona orientalis (Daday, 1898) V V Graptoleberis occidentalis Sars, 1901 V karualona muelleri (Richard, 1897) V Kurzia longirostris (Daday, 1898) I Kurzia polyspina Hudec, 2000 V V V V I I V/I Leberis davidi (Richard, 1895) V Leydigia striata Berabén, 1939 I V V V V V I I I Leydigiopsis ornata Daday, 1905 V I V Nicsmirnovius fitzpatricki Chien, 1970 V V V I V Notoalona sculpta (Sars, 1901) V Oxyurella longicaudis (Birge, 1910) V Picripleuroxus quasidenticulatus Smirnov, 1996 I Macrothricidae Grimaldina brazzai Richard, 1892 V/I Macrothrix elegans Sars 1901 I V I V I Macrothrix squamosa Sars, 1901 I V V Onchobunops tuberculatus Fryer & Paggi, 1972 V V I Ilyocryptidae Ilyocryptus cuneatus brasiliensis Kotov and Elmoor-Loureiro, 2008 I Ilyocryptus spinifer Herrick, 1882 I V V V V V V/I V/I V V I V/I V/I V 26 Figura 2. Valores de riqueza dos Cladocera entre os pontos e períodos de amostragem na bacia do Prata. PAR=bacia do Paraná; URU=bacia Uruguai; PAG=bacia do Paraguai. Figura 3. Visão geral da distribuição da riqueza dos Cladocera entre os pontos e períodos de amostragem na bacia do Prata. EM B- M EM B- B SS IM -M SS IM -B FU R -M FU R -B AV ER -M AV ER -B BB O N -M BB O N -B TI R M -M TI R M -B JU R -M JU R -B R O S- M R O S- B FA R E- M FA R E- B SC AX -M SC AX -B IS O L- M IS O L- B IT A- M IT A- B YA C I-M YA C I-B R PA R -M 1 R PA R -M 2 R PA R -M 3 R PA R -B 1 R PA R -B 2 R PA R -B 3 R PL A M AC -M M AC -B R U R U -M 1 R U R U -M 2 SG R A- M SG R A- B R U R U -B R PA G -A R PA G -M R PA G -B R iq ue za (S ) 0 3 6 9 12 15 18 21 Verão Inverno PAR PAGURU 27 Abundância total e relativa Em relação à abundância total dos Cladocera, houve diferenças consideráveis entre os períodos sazonais (verão e inverno) e entre os locais com reservatórios e rios sem represamento (Figuras 4 e 5). Em geral, a abundância total foi maior no período de verão para todos os pontos de coleta. Para alguns pontos a amplitude de variação foi extremamente elevada, como no caso de SCAX-M, com valor de 7.898 ind. m-3 no verão e de 14 ind. m-3 durante o período de inverno. As únicas exceções ocorreram em ISOL-M e BBON-B, sendo a maior variação encontrada em BBON-B, no qual o valor do inverno (27.110 ind. m-3) ultrapassou amplamente o valor encontrado no verão (5.445 ind. m-3). No eixo latitudinal da bacia, locais de coleta com latitude acima de 27º 50’ S (trechos baixos da bacia do Prata), apresentaram abundâncias baixíssimas no inverno, não ultrapassando 50 ind. m-3. No entanto, em locais de baixas latitudes (trecho alto da bacia) a variação da abundância entre os períodos foi menos acentuada (Figuras 4 e 5). O reservatório de Rosana (ROS) no rio Paranapanema, apresentou baixas abundâncias em ambos os períodos sazonais, provavelmente em razão da forte influência de um tributário com altas cargas de material inorgânico, a qual dificulta a filtração de partículas orgânicas que servem de alimento aos cladóceros. Em relação ao tipo de ambiente amostrado, na maioria das vezes as zonas de barragem (ambientes lênticos) e de montante (ambientes semi-lênticos) apresentaram valores de abundância total superiores aos encontrados nos trechos lóticos. No trecho alto da bacia do Paraná e do Uruguai, região que concentra a maioria dos reservatórios, os valores de abundância foram bastante superiores aos encontrados nos demais pontos de coleta na bacia do Prata. Comparando somente os trechos lóticos das três sub-bacias, a do Paraguai foi a que registrou os maiores valores de abundância total (Figuras 4 e 5). Destaca-se ainda, a grande abundância encontrada em reservatórios eutróficos do rio Tietê (BBON e TIRM), com dominância de indivíduos de pequeno tamanho corporal, como Bosmina freyi, Ceriodaphnia cornuta e Ceriodaphnia silvestrii. 28 Figura 4. Valores de abundância total dos Cladocera entre os pontos e períodos de amostragem na bacia do Prata. PAR=bacia do Paraná; URU=bacia Uruguai; PAG=bacia do Paraguai. Figura 5. Visão geral da distribuição de abundância total dos Cladocera entre os pontos e períodos de amostragem na bacia do Prata. EM B- M EM B- B SS IM -M SS IM -B FU R -M FU R -B AV ER -M AV ER -B BB O N -M BB O N -B TI R M -M TI R M -B JU R -M JU R -B R O S- M R O S- B FA R E- M FA R E- B SC AX -M SC AX -B IS O L- M IS O L- B IT A- M IT A- B YA C I-M YA C I-B R PA R -M 1 R PA R -M 2 R PA R -M 3 R PA R -B 1 R PA R -B 2 R PA R -B 3 R PL A M AC -M M AC -B R U R U -M 1 R U R U -M 2 SG R A- M SG R A- B R U R U -B R PA G -A R PA G -M R PA G -B Ab un dâ nc ia (i nd . m -3 ) 0 80 160 240 320 400 480 560 2000 4000 6000 8000 Verão Inverno PAR PAGURU 8. 30 8 10 .6 98 14 .4 44 18 .8 93 27 .1 10 29 Nos pontos formados por reservatórios a análise da abundância relativa entre as famílias de Cladocera mostrou que há uma tendência à dominância de Sididae no verão, representado principalmente por espécimes de Diaphanosoma birgei e Diaphanosoma spinulosum, alterando-se para Daphniidae (Ceriodaphnia cornuta) e Bosminidae (Bosmina freyi) no inverno (Figura 6). Em alguns reservatórios considerados meso/eutróficos (BBON, TIRM e FARE), e também nos pontos da sub-bacia do rio Uruguai (MAC e SGRA), as famílias Moinidade e Bosminidae ocorreram em grandes proporções em ambos os períodos sazonais (Figura 6). Nos trechos lóticos as famílias Chydoridae, Macrothricidae e Ilyocryptidae apresentaram maior representatividade independente do período sazonal (Figura 6). Em vários pontos de coleta (RPAR-M2, RPAR-M3, RURU-M1), principalmente no inverno, foi registrado apenas uma espécie (Figura 6). 30 Figura 6. Valores de abundância relativa das famílias de Cladocera entre os pontos e períodos de amostragem na bacia do Prata. PAR=Paraná; URU=Uruguai e PAG=Paraguai. E M B -M E M B -B S SI M -M S SI M -B FU R -M FU R -B A VE R -M A VE R -B B BO N -M B BO N -B TI R M -M TI R M -B JU R -M JU R -B R O S -M R O S -B FA R E -M FA R E -B S C AX -M S C AX -B IS O L- M IS O L- B IT A -M IT A -B YA C I-M YA C I-B R P AR -M 1 R P AR -M 2 R P AR -M 3 R P AR -B 1 R P AR -B 2 R P AR -B 3 R P LA M A C -M M A C -B R U R U -M 1 R U R U -M 2 S G R A- M S G R A- B R U R U -B R P AG -A R P AG -M R P AG -B % 0 20 40 60 80 100 Sididae Daphniidae Moinidae Bosminidae Chydoridae Macrothricidae Ilyocryptidae Verão Inverno E M B -M E M B -B S SI M -M S SI M -B FU R -M FU R -B A VE R -M A VE R -B B BO N -M B BO N -B TI R M -M TI R M -B JU R -M JU R -B R O S -M R O S -B FA R E -M FA R E -B S C AX -M S C AX -B IS O L- M IS O L- B IT A -M IT A -B YA C I-M YA C I-B R P AR -M 1 R P AR -M 2 R P AR -M 3 R P AR -B 1 R P AR -B 2 R P AR -B 3 R P LA M A C -M M A C -B R U R U -M 1 R U R U -M 2 S G R A- M S G R A- B R U R U -B R P AG -A R P AG -M R P AG -B % 0 20 40 60 80 100 PAR URU PAG 31 Diversidade A diversidade de Shannon-Wiener variou de 0 a 2,77 bits indiv.-1 ao longo da bacia do Prata (Figura 7 e 8). Os valores com diversidade zero ocorreram, na maioria das vezes, em trechos lóticos e no inverno, onde havia a presença de uma única espécie na amostra. Somente em três pontos de reservatório (ROS-M, YACI e SGRA) foi encontrada diversidade igual a zero, devido provavelmente a grande quantidade de sólidos inorgânicos em suspensão na água oriundos de afluentes, limitando o desenvolvimento dos cladóceros (Tabela 2). A diversidade nos reservatórios apresentou valores intermediários (Figuras 7 e 8), embora estes locais tenham apresentado as maiores abundâncias e riquezas, a ocorrência da dominância de poucas espécies diminuiu os valores da diversidade em muitos casos, como em Barra Bonita (BBON) no rio Tietê, que registrou elevadas abundâncias da espécie Bosmina freyi durante o inverno. Em relação aos trechos lóticos, ocorreram grandes oscilações. No geral, valores mais elevados da diversidade foram encontrados ao longo da sub-bacia do Paraguai, baixo rio Paraná e baixo rio Uruguai (Figura 7 e 8), devido à alta equitabilidade e presença de grande número de espécies litorâneas nas amostras. Em síntese, ao longo da bacia do Prata não foi encontrado um padrão claro de variação da diversidade no sentido latitudinal ou entre as sub-bacias consideradas. Provavelmente prevaleceram características intrínsecas de cada ambiente, certamente com grande relevância para variáveis físicas, como a variação do tempo de residência da água entre ambientes lênticos (reservatórios) e lóticos (rios sem represamento). 32 Figura 7. Valores de diversidade (Shannon-Wiener H’) dos Cladocera entre os pontos e períodos de amostragem na bacia do Prata. PAR=bacia do Paraná; URU=bacia Uruguai; PAG=bacia do Paraguai. Figura 8. Visão geral da distribuição da diversidade (Shannon-Wiener H’) dos Cladocera entre os pontos e períodos de amostragem na bacia do Prata. EM B- M EM B- B SS IM -M SS IM -B FU R -M FU R -B AV ER -M AV ER -B BB O N -M BB O N -B TI R M -M TI R M -B JU R -M JU R -B R O S- M R O S- B FA R E- M FA R E- B SC AX -M SC AX -B IS O L- M IS O L- B IT A- M IT A- B YA C I-M YA C I-B R PA R -M 1 R PA R -M 2 R PA R -M 3 R PA R -B 1 R PA R -B 2 R PA R -B 3 R PL A M AC -M M AC -B R U R U -M 1 R U R U -M 2 SG R A- M SG R A- B R U R U -B R PA G -A R PA G -M R PA G -B D iv er si da de (b its in di v. -1 ) 0,0 0,4 0,8 1,2 1,6 2,0 2,4 2,8 Verão Inverno PAR PAGURU 33 Similaridade Os resultados da análise de similaridade, em base a estrutura da comunidade de Cladocera, demonstraram uma distinção entre trechos compostos por reservatórios e rios livres de represamento. O trecho representado pela bacia do alto Paraná, onde todas as amostragens foram feitas em reservatórios, foi o mais diferenciado dos demais em ambos os períodos. Destaca-se também um agrupamento, em ambos os períodos sazonais, formado por trechos predominantemente lóticos (médio e baixo Paraná e Uruguai), separados dos trechos altos da bacia do Paraná e Uruguai (sistemas lênticos). Os pontos da sub-bacia do Paraguai formaram agrupamentos isolados, ou se aproximaram dos trechos baixo e médio do Paraná e Uruguai ou com o alto Uruguai (Figura 9). Figura 9. Resultado gráfico da análise de similaridade realizada entre os trechos alto, médio e baixo dos rios Paraná (PAR), Uruguai (URU) e Paraguai (PAR), com base na composição e abundância de Cladocera. A: período de verão; B: período de inverno. Euclidean distances Complete linkage 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 Alto URU Baixo PAG Médio PAG Baixo URU Alto PAG Baixo PAR Médio URU Médio PAR Alto PAR A 0 300 600 900 1200 1500 1800 Linkage Distance Alto PAG Alto URU Baixo PAG Médio PAG Baixo URU Baixo PAR Médio URU Médio PAR Alto PAR B 34 DISCUSSÃO O número total de 58 espécies de Cladocera encontrado neste estudo é inferior ao encontrado em alguns trabalhos que englobaram uma ampla escala amostral no interior da Bacia do rio da Prata. Na bacia do rio Paraná, trecho médio (Argentina), José de Paggi & Paggi (2007), em um trabalho de síntese, encontraram um total de 125 espécies. Lansac-Tôha et al. (2009) encontraram 74 espécies para a região do alto Paraná (Brasil). Embora estes trabalhos tenham considerado um menor escala geográfica, foram realizados com uma maior periodicidade e incluíram amostragens espaciais detalhadas (diferentes habitats por ecossistema). Desta forma, pode-se considerar que o menor número de registros no presente estudo, possivelmente tenha sido influenciado pelo caráter pontual das coletas e a baixa frequência temporal, dada a dificuldade logística de acesso aos 44 pontos de coleta. Na sub-bacia do rio Paraguai, onde foram amostrados apenas três pontos lóticos, foram encontradas 35 espécies de cladóceros. Este valor é superior ao relatado por Frutos et al. (2006), que registraram 21 espécies a partir de uma amostragem intensiva, em 59 pontos de coleta, ao longo de toda a extensão do rio Paraguai. Para a sub-bacia do rio Uruguai não existem trabalhos que englobem uma ampla escala amostral, apenas estudos escassos e pontuais (e.g. Chalar et al., 2002 sobre a limnologia do reservatório de Salto Grande), mas sem dados sobre assembleias de cladóceros. Na sub-bacia do Paraná existem alguns estudos em maiores escalas, Nogueira et al. (2008) e Sampaio et al. (2002) registraram 56 e 26 espécies respectivamente ao longo da cascata de reservatórios do rio Paranapanema (alto Paraná, Brasil), Zanata (2005) encontrou 37 espécies nos reservatórios do médio e baixo rio Tietê (alto Paraná, Brasil), entre outros. Valores de riqueza de espécies de Cladocera similares ao encontrado em nosso estudo foram relatados para outras bacias e sub-bacias hidrográficas da América do Sul. Vásquez & Rey (1989), em um estudo de macro-escala na bacia do rio Orinoco (Venezuela e Colômbia) que contemplou 21 estações de coleta (zonas centrais e litorâneas do rio), encontraram 48 espécies de Cladocera. Quanto à diferença no número de espécies de Cladocera encontrado em cada grande sub-bacia da bacia do Prata, 47 no Paraná, 35 no Paraguai e 23 no Uruguai, esta pode ser explicada, a princípio, em base à complexidade dos ambientes amostrados em cada região. Isto é, presença de trechos lóticos livres de barramento, de grandes 35 reservatórios e planícies de inundação e ecossistemas laterais associados (e.g. várzeas, lagoas, etc.). Na bacia do rio Paraná foram amostrados 26 pontos de coleta correspondentes a regiões de montante e barragem de reservatórios, com diferentes características morfométricas e hidrológicas (tempo de residência da água, trofia do sistema, formato, profundidade), e ainda 7 pontos em trechos lóticos. Na bacia do Paraguai foram amostrados apenas 3 pontos lóticos, os quais eram caracterizados por uma vasta zona litorânea, com diferentes espécies de macrófitas, além de formação de pequenas lagoas marginais associadas ao canal central do rio. No rio Uruguai houve coleta do zooplâncton em 4 pontos de reservatórios e 3 em trechos lóticos. Destaca-se que nos trechos de rios, com exceção do ponto localizado no baixo Uruguai (RURU-B), não havia desenvolvimento de zonas litorâneas com vegetação e o canal apresentava uma alta velocidade de correnteza. Assim, devido às diferenças entre a quantidade de ambientes amostrados e diversidade de habitats em cada sub-bacia ocorreu, como esperado, um número maior de espécies na sub-bacia do rio Paraná. Nesta sub-bacia houve a presença de indivíduos tipicamente de ambientes pelágicos nos reservatórios e de ambiente litorâneo e bentônico nos trechos de rio. Na sub-bacia do rio Paraguai, embora composto apenas por trechos lóticos, a presença de lagoas marginais e macrófitas, propiciou o registro de um grande número de espécies de hábitos de vida distintos. No rio Uruguai, o menor número de espécies deve-se principalmente à pequena contribuição de espécies típicas de habitats litorâneos e bentônicos. No sentido latitudinal da bacia, em direção foz do Prata, não foi possível identificar um padrão de aumento na riqueza de espécies. Outros estudos que consideraram extensos gradientes longitudinais nas bacias do Paraguai e Paraná, também não encontraram um padrão de aumento de espécies no sentido montante - jusante (Nogueira et al., 2008; Sampaio et al., 2002; Frutos et al., 2006; Frutos, 2004; José de Paggi & Paggi, 2007). Portanto, a heterogeneidade ambiental entre os trechos alto, médio e baixo da bacia do Prata, composta por reservatórios com diferentes graus de trofia, profundidade, forma, redes de tributários associados, etc., e, dos pontos formados por rios com diferenças quanto à velocidade da correnteza no canal central, presença de áreas 36 litorâneas com vegetação e lagoas marginais associadas, dificultam o estabelecimento de um padrão latitudinal de riqueza de espécies ao longo da bacia. Desta forma, provavelmente, características intrínsecas de cada ponto de amostragem, possam ter maior relevância para a riqueza e diversidade do que o processo de incorporação gradual de espécies oriundas das mudanças naturais na dimensão longitudinal dos rios (Vannote et al., 1980), desta forma, refutando-se a hipótese de aumento de riqueza e diversidade no sentido a jusante – foz do rio da Prata. Em relação à composição das assembleias de cladóceros, foram encontradas diversas espécies exclusivas, sobretudo da família Chydoridae, em determinadas faixas latitudinais ou sub-bacias. No entanto, este resultado pode estar relacionado à baixa frequência de amostragem e uso de metodologia não direcionada à coleta deste tipo de organismo (Nogueira et al., 2003). Esta limitação é indicada pelo fato de que algumas espécies com ocorrência já registrada anteriormente nos pontos/regiões amostrados (Elmoor-Loureiro, 2000; Frutos, 2004; José de Paggi & Paggi 2007; Serafim Jr et al., 2003; Zanata et al., 2003) não foram encontradas no presente estudo. Como exemplo podem ser citadas as espécies, Moinodaphnia macleayi e Ilyocryptus paranaensis, além de inúmeras espécies da família Chydoridae. Apesar da grande contribuição de espécies da família Chydoridae nos trechos de rios, poucas alcançaram altas abundâncias, como mencionado em outros estudos realizados em rios da América do Sul (José de Paggi, 1980; Paggi & José de Paggi, 1990; José de Paggi 1981; Bonetto & Corrales, 1985; Vásquez & Rey 1989). A espécie mais frequente e abundante nos trechos lóticos da bacia do Prata foi Bosminopsis deitersi, assim como encontrado por José de Paggi (1990) no trecho médio do rio Paraná e Frutos et al. (2006) no rio Paraguai. As espécies mais frequentes nos ambientes pelágicos, Bosmina hagmanni, Bosmina freyi, Bosminopsis deitersi, Ceriodaphnia cornuta, Diaphanosoma birgei, Diaphanosoma brevirreme, Diaphanosoma fluviatile e Moina minuta, estiveram amplamente distribuídas ao longo da bacia. Diversos estudos de caráter local e regional na bacia do Prata também reportam estas espécies como sendo as mais frequentes (Nogueira et al., 2008; Frutos et al. 2003; José de Paggi & Paggi, 2007; Lansac-Tôha et al., 2009; Serafim Jr et al., 2003; Nogueira, 2001; Sartori et al., 2009; Sampaio et al., 2002). 37 Desta forma, considerando que algumas espécies litorâneas/bentônicas exclusivas no presente estudo, possam estar relacionadas à baixa frequência e a metodologia não adequada de amostragem e que as espécies planctônicas distribuíram- se por toda a extensão da bacia, não há suporte suficiente para sustentar a hipótese inicial de que ocorram espécies de distribuição geográfica restrita em determinadas sub- bacias ou nos diferentes trechos no sentido latitudinal ou longitudinal. Portanto, seria necessário um maior esforço amostral, principalmente na escala temporal, além de um detalhamento na amostragem de ambientes, com inclusão de zonas litorâneas e planícies de inundação, para determinar a ocorrência de espécies raras ou endêmicas de determinados locais. Adicionalmente, fatores relacionados à rápida colonização de novos ambientes, em função de eficientes estratégias reprodutivas (partenogênese, ovos de resistência), dispersão através da deriva em corpos d’água conectados, mecanismos passivos de dispersão e a origem antiga dos Cladocera (Havel & Shurin, 2004; Louette & Meester, 2005; Havel & Medley, 2006) podem favorecer a ampla distribuição geográfica da maioria das espécies ao longo da Bacia do Prata. Ainda, dentre as três grandes bacias da América do Sul, Amazônica, Orinoco e Prata, que formam uma única área zoogeográfica (Neotropical), não existem muitas espécies consideradas endêmicas de Cladocera (José de Paggi & Paggi 2007), possivelmente devido aos fatores relacionados anteriormente. Em relação à abundância dos cladóceros na bacia do Prata, um padrão distinto foi identificado entre pontos de reservatório e os trechos lóticos. Os maiores valores geralmente estiveram associados aos reservatórios, com contribuição principalmente de espécies das famílias Sididae, Daphniidae, Moinidae e Bosminidae. Nos reservatórios, a prevalência de características lênticas, devido ao maior tempo de residência da água, permite o completo desenvolvimento e reprodução dos espécimes de Cladocera (Nogueira, 2001; Nogueira et al., 2008). Já nos sistemas lóticos, a velocidade da correnteza e o baixo tempo de residência da água, são os principais fatores que limitam o desenvolvimento das populações de cladóceros. Nesse caso é usual a presença de representantes das famílias Chydoridae, Macrothricidade e Ilyocriptidae. Desta forma, a hipótese de distinção nos atributos ecológicos dos cladóceros entre os tipos de ambientes amostrados (reservatório e rio) é corroborada em parte, principalmente em relação à abundância total e relativa. 38 Como mencionado por vários autores (Hynes, 1970; Hart, 1992; Brigante e Espíndola, 2003), a alta velocidade da correnteza, baixo tempo de residência da água e turbidez excessiva limitam o desenvolvimento do zooplâncton em sistemas lóticos. Nestes sistemas, a presença de compartimentos laterais com maior tempo de retenção da água e diversidade de habitats são fundamentais para o desenvolvimento da biota em geral (Henry, 2003) e especificamente para o zooplâncton, como demonstrado por Schiemer et al. (2001) na teoria de "Inshore Retention Concept" para grandes rios. No entanto, a disponibilidade de zonas litorâneas que funcionam como áreas de retenção da água dependem da morfologia das margens dos rios e também está relacionada à variação do nível da água (Reckendorfer et al., 1999). Nos pontos de coleta do rio Paraguai, estas características foram encontradas ao longo das margens, o que provavelmente foi responsável por uma maior abundância de cladóceros em relação aos demais pontos lóticos da bacia do Prata. Nos trechos lóticos do Paraná, valores um pouco superiores de abundância foram encontrados somente no verão, como consequência provável do aumento no nível da água, gerando maior conectividade com lagoas marginais. No rio Uruguai, os trechos lóticos apresentavam margens com morfometria retilínea, sem presença de áreas laterais que pudessem aumentar o tempo de retenção local da água de forma a favorecer a diversidade de habitats. Em relação à abundância relativa nos reservatórios, ocorreram grandes oscilações, com dominância de Sididae no verão, representado principalmente por espécimes de Diaphanosoma birgei e Diaphanosoma spinulosum, sendo substituída por Daphniidae (Ceriodaphnia cornuta) e Bosminidae (Bosmina freyi) no inverno. Esta alternância na dominância das famílias de Cladocera entre os períodos de amostragem pode estar relacionada às condições ambientais, como a temperatura da água e ao aparecimento de como de algas filamentosas (cianofíceas) durante as amostragens no período de inverno. Mecanismos de filtração dos grandes espécimes que podem ser danificados como consequência do bloqueio do aparato de filtração por algas filamentosas (Lampert, 1987), possibilitando desta forma, a dominância de pequenos indivíduos. Os maiores valores de abundância total de cladóceros foram encontrados em locais eutróficos dos reservatórios do rio Tietê (BBON e TIRM), com dominância de indivíduos de pequeno tamanho corporal, como Bosmina freyi, Ceriodaphnia cornuta e 39 Ceriodaphnia silvestrii. Algumas espécies, como Bosmina freyi, exibem grande tolerância a “blooms” de cianofíceas, passando a serem numerosas e dominantes em locais considerados eutróficos (Matsumura-Tundisi, 1999; Sendacz & Kubo, 1999; Bonecker et al., 2007; Gueller & Muller, 1991). Entre os trechos alto, médio e baixo das três grandes bacias do Prata não foi encontrado um padrão de variação quanto a abundância, somente foi detectada uma grande variação entre os dois tipos predominantes de ambiente (reservatório e rio). Estudos de grande escala no rio Danúbio, segundo maior da Europa, também não encontraram diferenças significativas em gradientes longitudinais (Baranyi et al., 2002; Vadadi-Fülöp, 2012). Da mesma forma, em trabalhos realizados nos rios Paraná e Paraguai, não se verificou um padrão claro de variação ao longo das bacias (Frutos et al. 2006; José de Paggi & Paggi, 2007), sendo os maiores valores encontrados em planícies de inundação associadas ao canal central do rio. Outros fatores biológicos, como a invasão biológica do Limnoperna fortunei (mexilhão dourado) na bacia do rio Prata, iniciada na década de 90 (Pastorino et al., 2003), podem estar afetando o desenvolvimento e abundância dos Cladocera, embora não tenha sido investigado esta hipótese e não haja trabalhos correlacionados nesta bacia hidrográfica. Um estudo focado em larvas de Limnoperna fortunei (Pessotto, 2012), realizado simultaneamente ao presente estudo, encontrou abundâncias elevadíssimas (até 100.000 ind. m-3), superiores a abundância dos cladóceros, em todos os trechos da bacia do Paraguai e na maioria dos pontos do rio Paraná e Uruguai. CONCLUSÕES Quanto à composição de Cladocera no rio Prata não foi possível identificar padrões claros de distribuição geográfica, latitudinalmente ou entre as três grandes sub-bacias - Paraná, Uruguai e Paraguai. Notou-se ampla distribuição de diversas espécies de hábitos pelágicos por toda a bacia e as espécies litorâneas e bentônicas mais restritas a determinadas localidades, especialmente trechos lóticos. Porém esta limitada distribuição de espécies litorâneas e bentônicas deve-se à baixa frequência de amostragem, à ocorrência de caráter raro, bem como, ao fato de não ter sido empregada uma metodologia adequada para estudar especificamente estes organismos. 40 Em relação à riqueza e diversidade, ocorreram grandes oscilações dentre os trechos alto, médio e baixo das três grandes sub-bacias (Paraná, Uruguai e Paraguai), não sendo possível estabelecer um padrão de aumento em direção as maiores latitudes, no sentido da foz. Tal descontinuidade em relação à variação da riqueza e diversidade, possivelmente seja devido a grande heterogeneidade dos ambientes amostrados (reservatórios e rios), bem como, às longas distâncias entre os pontos de trechos lóticos amostrados (em média 250 Km). Deve-se considerar que há um baixo desenvolvimento local de populações de Cladocera em grandes rios, devido principalmente a alta velocidade da correnteza e grande quantidade de material em suspensão, não promovendo uma efetiva incorporação de riqueza e diversidade no sentido de jusante. Assim, estruturas e processos intrínsecos de cada ambiente, como presença de áreas laterais com maior tempo de residência da água, planícies de inundação associadas ao canal do rio e vegetação litorânea, prevaleçam sobre o transporte advectivo da diversidade oriunda das regiões a montante. Na escala temporal, notaram-se valores levemente superiores para riqueza e diversidade no período de verão. Nos trechos compostos por reservatórios prevaleceram espécies das famílias Sididae, Daphniidae, Bosminidae e Moinidae, já nos trechos lóticos, as famílias Chydoridae, Macrothricidae e Ilyocryptidae apresentaram maior contribuição para a riqueza e diversidade local. Em relação à abundância total de cladóceros na bacia do Prata, houve uma nítida diferença entre locais com reservatórios e rios sem represamento, sendo este fator, determinante para a grande amplitude de variação dos dados. Em geral, os ambientes lênticos apresentaram valores de abundância superiores aos lóticos, devido principalmente à contribuição de espécies pelágicas das famílias Sididae, Daphniidae, Bosminidae e Moinidae. Nos ambientes lóticos, fatores físicos, como a alta velocidade da correnteza e baixo tempo de residência da água, certamente limitaram o desenvolvimento de grandes populações de espécies pelágicas de Cladocera. Nestes locais foram encontradas maiores abundâncias de espécies típicas de ambientes litorâneos (Chydoridae, Macrothricidae e Ilyocryptidae). Temporalmente os valores de abundância foram superiores no período de verão na maioria dos pontos. Nas altas latitudes, porção média e baixa da bacia do Prata, os valores da abundância no inverno foram extremamente baixos, possivelmente em razão da queda acentuada da temperatura da água, diminuindo o metabolismo e as taxas de reprodução dos cladóceros. 41 A Figura 10 apresenta um diagrama simplificado dos ambientes estudados na bacia do Prata, no qual procura-se evidenciar a maior representatividade das famílias Sididae, Daphniidae, Bosminidae e Moinidae nos pontos de reservatórios. Nesse caso provavelmente prevaleça o controle destas populações por interações biológicas (e.g. quantidade e qualidade de alimento) em relação aos fatores físicos (e.g. velocidade da correnteza). Nos pontos formados por rios, há a maior contribuição das famílias típicas de ambientes litorâneos e bentônicos (Chydoridae, Macrothricidae e Ilyocryptidae), sendo o desenvolvimento e reprodução dos cladóceros limitado principalmente por fatores físicos, relacionados principalmente a velocidade da correnteza, concentrações de sólidos em suspensão e o tempo de residência da água. Figura 10. Diagrama simplificado das tendências de variação da riqueza e abundância das famílias de Cladocera conforme o tipo de ambiente (rio  reservatório) na bacia do Prata. 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Agostinho A. A., Gomes L. C. & Pelicice F. M. (2007) Ecologia e manejo de recursos pesqueiros em reservatórios do Brasil. Eduem, Maringá. Baranyi C., Hein T., Holarek C., Keckeis S. & Schiemer F. (2002) Zooplankton biomass and community structure in a Danube River floodplain system: effects of hydrology. Freshwater Biology. 47, 473–482. Bazán J. M. & Arraga E. 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Uma maior abundância e riqueza das famílias Sididae, Daphniidae, Moinidae e Bosminidae ocorreu nos trechos com predominância de reservatórios, correlacionados principalmente com a maior transparência e profundidade desses locais. Nos trechos lóticos houve uma maior representatividade de espécies típicas de habitats litorâneos e bentônicos, das famílias Chydoridae, Ilyocryptidae e Macrothricidae, embora registradas em baixas densidades na zona pelágica dos rios. Fatores relacionados a hidrodinâmica dos trechos lóticos, como o baixo tempo de residência da água, alta velocidade de correnteza e elevada concentração de material em suspensão parecem limitar o desenvolvimento de grandes populações de Cladocera. Em relação à riqueza e abundância total dos Cladocera nas três principais sub-bacias do Prata (Paraná, Uruguai e Paraguai), menores valores médios foram encontrados no rio Uruguai para ambos os parâmetros, sendo que a maior abundância ocorreu no rio Paraná e a maior riqueza no rio Paraguai. Em termos latitudinais (nortesul), nos trechos alto, médio e baixo da bacia, não foram identificados padrões claros de variação. Contudo, uma maior riqueza foi verificada no trecho alto, sendo esta significativamente diferente daquela observada no trecho médio. Dentre os períodos sazonais, ocorreram diferenças significativas, com valores bem mais elevados de abundância no verão. Possivelmente a queda acentuada da temperatura no período de inverno, principalmente nas altas latitudes da bacia (trechos médio e baixo), afetam negativamente a reprodução e o crescimento das populações de Cladocera. Em locais com processos avançados de eutrofização, com influência de grandes centros urbano/industriais, houve dominância da família Bosminidae, correlacionada positivamente com as concentrações de clorofila- a. Apesar da baixa frequência temporal do presente estudo, a ampla escala espacial considerada, de forma praticamente simultânea, permitiu identificar os principais fatores que interferem na distribuição da riqueza e abundância dos cladóceros na bacia do rio da Prata. Destaca-se a forte ação antrópica na bacia, dada principalmente pela construção de grandes reservatórios que tornaram condições primariamente lóticas em lênticas, com importantes alterações das características limnológicas (transparência da água, profundidade, tempo de retenção da água, velocidade correnteza), além da influência, 51 em termos de eutrofização, das regiões metropolitanas. Tais modificações podem ser consideradas as principais forças atuando sobre fauna de Cladocera na bacia do Prata. Palavras-chave: padrões, latitudinal, eutrofização, rio Paraná, rio Uruguai, rio Paraguai. INTRODUÇÃO A hidrografia da América do Sul é predominantemente formada por grandes rios e ecossistemas associados, como extensas planícies de inundação, áreas alagáveis e lagos rasos, sendo pequena a ocorrência de grandes lagos naturais (Tundisi, 1994). No entanto, as alterações dos sistemas fluviais pelas ações humanas alcançaram grande magnitude nas últimas décadas, sendo que um dos maiores impactos é a construção de grandes barragens, alterando drasticamente as condições de armazenamento e controle do fluxo dos grandes rios (Agostinho et al., 2007). Na bacia do rio Prata, a segunda do continente em magnitude, encontra-se 50% da população da América Latina, que gera uma enorme carga de poluição urbana e agroindustrial. A bacia também possui o maior parque hidroelétrico do continente, que no caso do Brasil, representa mais de 80% da energia elétrica produzida no país (Souza-Filho et al., 2004; Nogueira et al., 2006; Agostinho et al., 2007). Assim, a construção de grandes reservatórios para a geração elétrica acaba por transformar sistemas lóticos em lênticos ou semi-lênticos, promovendo alterações significativas de velocidade de fluxo, profundidade, largura, sedimentação de partículas, transparência e penetração de luz, estratificação térmica, entre outros (Henry & Maricatto, 1996; Nogueira et al., 1999; Armengol et al., 1999; Pagioro & Thomaz, 2002). Por sua vez, tais mudanças influenciam de forma determinante a organização das comunidades bióticas, incluindo o zooplâncton (Sampaio et al., 2002; Panarelli et al., 2003; Bonecker et al., 2007; Nogueira et al., 2008, ). Em relação aos cladóceros, há uma clara distinção na composição, riqueza e abundância entre ambientes com características lóticas ou lênticas. Nos sistemas considerados lóticos, o desenvolvimento de grandes populações zooplanctônicas é inibido pelo baixo tempo de residência da água e altas velocidades de correnteza, levando a um contínuo transporte dos espécimes para jusante. Tais condições de fluxo, 52 somadas a elevadas concentrações de turbidez e material em suspensão inorgânico que dificultam os processos de filtração e respiração dos cladóceros, impedem o recrutamento local efetivo das populações (Hynes, 1970; Winner, 1975; Kirk, 1991; Richardson, 1992; Viroux, 2002; Jack et al., 2006). Nos sistemas lênticos, há geralmente o desenvolvimento de grandes populações zooplanctônicas, com os principais fatores controladores podendo estar relacionados à temperatura (Bunioto & Arcifa, 2007), estado trófico do ambiente (Pinto-Coelho et al., 2005), qualidade e quantidade de alimento (Ferrão-Filho et. al., 2003) e, certamente, estabilidade da massa d’água. Além das mudanças nas características hidrodinâmicas dos ambientes, o aumento de atividades antrópicas de alto impacto nas bacias de drenagens do rio da Prata, como o lançamento de esgotos (urbanos e industriais) e ocupação intensiva do solo pela urbanização e atividades agro-pastoris, tem levado ao enriquecimento excessivo de nutrientes, em especial de fósforo (P) e nitrogênio (N), causando a eutrofização e degradação da qualidade de água (Matsumura-Tundisi & Tundisi, 2005; Agostinho et al., 2007). Consequências desses processos degradação geralmente manifestam-se no aumento da produção primária, com visíveis florações de algas cianofíceas (algumas tóxicas) e proliferação de macrófitas aquáticas (Bollmann & Andreoli, 2005). As assembleias de cladóceros e demais grupos zoológicos presentes no plâncton destes ambientes podem sofrer alterações quanto à composição e estrutura, sendo que algumas espécies, ou associações de espécies podem ser consideradas como potenciais bioindicadoras devido à adaptabilidade aos recursos disponíveis e sensibilidade às mudanças das variáveis limnológicas (Sendacz & Kubo, 1999; Nogueira, 2001). Embora existam diversos trabalhos sobre a fauna de Cladocera em sistemas lóticos e lênticos da região, analisada concomitantemente com as variáveis limnológicas (e.g. Sampaio et al., 2002, Frutos et al., 2006; José de Paggi & Paggi, 2007; Nogueira et al., 2008), tais pesquisas foram realizadas em escalas espaciais mais reduzidas. Assim, o presente estudo tem como objetivo de apresentar uma visão em macro-escala das principais variáveis ambientais e limnológicas que podem influenciar atualmente a distribuição, riqueza e abundância de Cladocera na bacia hidrográfica do rio da Prata. Para tanto foram contemplados 44 pontos de amostragem distribuídos em reservatórios e trechos lóticos (rios sem represamento) da bacia do rio Prata. 53 MATERIAL & MÉTODOS As amostras foram obtidas em 44 locais, georreferenciados, distribuídos ao longo da bacia do rio da Prata (área de 3,17 x 106 km), abrangendo as sub-bacias do rio Paraná, Uruguai e Paraguai em quatro diferentes países da América do Sul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). Foram amostradas as regiões de montante (semi-lêntica) e barragem (lêntica) de 15 reservatórios de hidrelétricas e 14 pontos em trechos de rios livres de represamento (lótico) (Tabela 1 e Figura 1). Para facilitar a compreensão e descrição dos resultados, optou-se por dividir as sub-bacias hidrográficas dos rios Paraná, Uruguai e Paraguai em trechos alto, médio e baixo (Tabela 1). No trecho alto da bacia do rio Paraná, além das coletas ao longo do curso principal, também foram contempladas amostragens nos principais afluentes (Paranaíba, Grande, Tietê, Paranapanema e Iguaçu). Em relação aos reservatórios, foram realizadas coletas em sistemas correspondentes a cabeceiras dos rios (localizados nas regiões altas e/ou médias) e próximos às desembocaduras (regiões baixas). Nos demais locais amostrados da bacia do Prata, tentou-se estabelecer uma relação de equidistância entre os pontos, desde o trecho alto até o baixo, embora com alguma dificuldade devido as condições logísticas (Tabela 1 e Figura 1). As amostragens foram realizadas no verão (em janeiro e fevereiro 2010) e inverno (em junho e julho/2010), no eixo principal dos rios e reservatórios (zonas de montante/intermediárias e de barragem/lênticas). Em relação ao rio Bermejo (BER), afluente do baixo rio Paraguai, não foram encontrados espécimes de Cladocera e os valores da maioria das variáveis ambientais foram extremamente altos (exemplo, acima de 3.800 mg L-1 de material suspensão total), portanto, optou-se por não utilizar os dados referentes a este ponto no presente estudo. Zooplâncton - Cladocera A coleta de zooplâncton foi realizada através de arrastos verticais na coluna d’água (desde próximo ao fundo até a superfície), sendo que nos pontos mais profundos, os arrastos tiveram uma extensão padronizada de 40m. Foi utilizada uma rede de plâncton cônica modificada com anteparo anti-refluxo de 68 μm de abertura de malha e todas as amostras foram fixadas em formol 4%. Através do cálculo da área do cilindro (área da boca da rede e profundidade do arrasto) foi estimado o volume de água filtrada. 54 Nos pontos lóticos, as amostragens foram feitas com o barco em deriva, evitando arrastos oblíquos cujos volumes não poderiam ser estimados adequadamente. Em laboratório, o material biológico foi identificado sob lupas (Zeiss Stemi SV6) e microscópios (Zeiss Standard 20). A identificação dos cladóceros foi realizada com auxílio de bibliografia especializada e consulta a especialistas de outros grupos de pesquisa, quando necessário. Através de sub-amostragens, foram contados no mínimo 200 organismos por amostra, e sempre que possível ao menor nível taxonômico, sendo a abundância total expressa em indivíduos por metro cúbico (ind. m-3). Variáveis ambientais Para acessar cada ponto de amostragem foi utilizado um barco motorizado, sendo todos os pontos geo-referenciados (GPS Garmin E-Trex). Após a ancoragem, realizaram-se medidas da profundidade (sonar Speedtech), da transparência da água (disco de Secchi), d