UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CAMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO FINAL DE ESTÁGIO CURRICULAR EM PRÁTICA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO À UZINAS QUÍMICAS – UCBVET – JABOTICABAL – SP Revisão de literatura: Resistência antimicrobiana - prevenção e controle no âmbito da Agropecuária. Izabelle Emy Yahara UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO FINAL DE ESTÁGIO CURRICULAR EM PRÁTICA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO À UZINAS QUÍMICAS – UCBVET – JABOTICABAL – SP Revisão de literatura: Resistência antimicrobiana - prevenção e controle no âmbito da Agropecuária. Izabelle Emy Yahara Orientador: Guilherme de Camargo Ferraz Trabalho apresentado à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP, Campus Jaboticabal, para obtenção de título de bacharel em Medicina Veterinária. JABOTICABAL – SP 1° SEMESTRE DE 2023 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer em primeiro lugar aos meus pais, Telma e Hissao, pela criação sólida que me proporcionaram, fazendo com que me tornasse a mulher batalhadora que sou hoje. Agradeço por todo o apoio, carinho, paciência e cuidado que tiveram comigo para que esta etapa fosse concluída. Agradeço por terem sido um modelo para que eu pudesse me espelhar. Agradeço cada gota de suor que foi derramada para que este sonho tenha sido realizado e prometo honrá-los em todas as minhas lutas. Agradeço à minha irmã, Satie, por toda a parceria, companheirismo e por segurar as pontas em nosso lar quando eu não pude estar presente. Sei que em todas as etapas ela esteve presente torcendo muito por mim assim como estarei sempre torcendo por ela. Agradeço aos meus amigos da minha cidade de origem, São Paulo, que sempre me incentivaram e que acompanharam a luta que foi para mim estar longe das pessoas que amo. Obrigada por todas as palavras de confiança e por todas as alegrias proporcionadas. Agradeço as amizades que fiz na minha cidade do coração, Jaboticabal, que foram imprescindíveis para que esse sonho fosse concluído. Fernanda, Beatriz, João e Rafaela, obrigada pela parceria, cuidado e carinho, nesta jornada de cinco anos vocês tornaram-se minha segunda família. Agradeço ao Caique por toda a paciência, cuidado e atenção que teve comigo durante a graduação, não saindo do meu lado em momento algum e me ajudando sempre a enxergar a vida de forma mais leve e feliz. Agradeço à Equipe do LAFEQ por todo o aprendizado e apoio para que hoje eu pudesse conquistar meus objetivos. Agradeço todas as oportunidades que tive sendo parte da equipe, principalmente ao meu orientador durante três anos, Professor Guilherme de Camargo Ferraz, aos pós-graduandos Julia, Ana, Thaís, Guilherme, Thayssa e Nathali, que me transmitiram muito conhecimento e me orientaram com muito carinho praticamente por toda minha jornada acadêmica. Agradeço também aos amigos que fiz, Vinícius, Júlia, Catarina e Letícia pelo companheirismo, amor e auxílio. Agradeço aos meus colegas de trabalho, Lucas e Alisson, por terem feito parte do final da minha graduação, o encerrando com chave de ouro. Obrigada por toda parceria, amizade e ensinamentos, foi uma experiência de muito aprendizado, tanto na carreira quanto na vida pessoal. Agradeço a oportunidade dada pela UCBVET – Saúde Animal, principalmente ao Armando Leonelo Neto, que foi meu supervisor de estágio e meu mentor. Obrigada pelos conhecimentos passados, por todo o apoio e compreensão. Agradeço também ao Dr. Moacir Marcuiori Filho pela oportunidade. Por fim, mas de longe não menos importante, gostaria de agradecer à Deus por iluminar meus caminhos por onde eu passo, por ter colocado pessoas tão especiais na minha vida e por me guiar sempre para o melhor destino que eu poderia ter. “Para pequenas criaturas como nós, a vastidão só é suportável através do amor.” Carl Sagan. viii SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS...............................................................................................................ix LISTA DE TABELAS...............................................................................................................x LISTA DE ABREVIATURAS.................................................................................................xi I. RELATÓRIO DE ESTÁGIO 1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................12 2. DESCRIÇÃO DO LOCAL DE ESTÁGIO............................................................12 3. DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS.....................................14 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................22 II. MONOGRAFIA – RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA: PREVENÇÃO E CONTROLE NO ÂMBITO DA AGROPECUÁRIA 1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................24 2. DEFINIÇAÕ DE ANTIMICROBIANOS...........................................................25 3. HISTÓRIA DOS ANTIMICROBIANOS............................................................25 4. CLASSIFICAÇÃO DOS ANTIBIÓTICOS........................................................31 5. RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA................................................................34 5.1 RESISTÊNCIA NATURAL.....................................................................36 5.2 RESISTÊNCIA ADQUIRIDA..................................................................37 5.3 MECANISMOS DE TRANSFERÊNCIA DE RESISTÊNCIA.............38 6. ANTIMICROBIANOS NO ÂMBITO AGROPECUÁRIO...............................38 6.1 PROMOTORES DO CRESCIMENTO ANIMAL (APC).....................40 7. PROGRAMA DE PREVENÇÃO E CONTROLE DA RESISTÊNCIA A ANTIMICROBIANOS NO ÂMBITO NACIONAL...........................................41 8. CONCLUSÃO.......................................................................................................43 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................46 ix LISTA DE FIGURAS Figura 1. Localização UCBVET Saúde Animal. Fonte: Google. 2023. Jaboticabal Google Maps. https://www.google.com.br/maps/@-21.2553569,-48.3166899,19.5z. Acesso em 24/02/2023. Figura 2. Entrada dos funcionários da UCBVET – Saúde Animal localizada na Rua Jucá Quito. Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 3. Entrada dos funcionários da UCBVET – Saúde Animal localizada na Avenida Pintos. Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 4. Alguns dos processos de manipulação de teste de bancada de produto antiparasitário. A. Triacetina, veículo do princípio ativo, dentro de um becker sendo misturado no misturador industrial. B. Diaceturato, princípio ativo do medicamento, sendo misturado ao veículo. C. Aerosyl sendo pesado para manter as partículas do medicamento em suspensão. D. Pirazolona sendo pesada para a adição à mistura. Fonte: Arquivo pessoal. Figura 5. Alguns dos processos de manipulação de teste de bancada de produto antiparasitário. A. Pirazolona sendo incorporada à mistura com o misturador industrial. B. Teste de bancada finalizado e resultado da formulação em repouso para que seja envasado. Figura 6. Câmara Climática de 2.400 L designada aos estudos de Longa Duração, com 65% UR, com varação permitida de 5%UR e a temperatura de 40°C, com variação permitida de ± 2°C. Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 7. Sala Climática designada aos estudos de Longa Duração, com 65% UR, com varação permitida de 5%UR e a temperatura de 40°C, com variação permitida de ± 2°C. Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 8. Estrutura química do composto Penicilina G. Fonte: PubChem, disponível em: https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/8774#section=Structures. Figura 9. Estrutura química do composto Penicilina G. Fonte: PubChem, disponível em: https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/5904#section=2D-Structure. Figura 10. Linha do tempo indicando as datas aproximadas em que as principais classes de antibióticos foram introduzidas no uso clínico. Fonte: Tavares, 2014 (Adaptado). https://www.google.com.br/maps/@-21.2553569,-48.3166899,19.5z https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/8774%23section=Structures. https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/5904#section=2D-Structure x LISTA DE TABELAS Tabela 1. Referências técnicas sugeridas para leitura durante o estágio. Fonte: Adaptado de MAPA (2020). Tabela 2. Classificação dos antimicrobianos de acordo com os efeitos sobre os microrganismos. Fonte: Tavares et al., 2014. Tabela 3. Classificação dos antimicrobianos de acordo com o espectro de ação. Fonte: Tavares et al., 2014. Tabela 4. Antimicrobianos que interferem na permeabilidade da membrana plasmática. Fonte: Tavares et al., 2014. Tabela 5. Antimicrobianos que interferem na síntese proteica. Fonte: Adaptado de Katzung, 2014 e Tavares, 2014. Tabela 6. Classificação dos antibióticos segundo a estrutura química. Fonte: Tavares et al., 2014. Tabela 7. Formas de administração de antimicrobianos no contexto de produção. Fonte: Adaptado de Costa, 2020. xi LISTA DE ABREVIATURAS ANVISA – Agência Nacional de VigilânciaSanitária APC – Antimicrobianos promotores de crescimento CRO – Contract Research Organizations CIM – Concentração Inibitória Mínima DNA – Ácido desoxirribonucleico EMA – European Medicines Agency's FDA – Food and Drug Administration INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento OMS – Organização Mundial da Saúde PAN-BR AGRO – Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos, no âmbito da Agropecuária. PD&I – Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação RAM – Resistência Antimicrobiana RNA- Ácido ribonucleico UCBVET – Uzinas Chimicas Brasileiras UE – União Europeia UR – Umidade Relativa do Ar VICH – Cooperação Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Registro de Medicamentos Veterinários. WAAVP – World Association for the Advancement of Veterinary Parasitology. 12 I. RELATÓRIO DE ESTÁGIO 1. INTRODUÇÃO Este relatório descreve atividades exercidas por Izabelle Emy Yahara, graduanda do décimo semestre de Medicina Veterinária pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – FCAV/UNESP – Câmpus de Jaboticabal/SP, durante a realização do Estágio Curricular Obrigatório para conclusão de curso. O estágio foi realizado na Uzinas Chimicas Brasileiras S.A. – UCBVET Saúde Animal – Jaboticabal/SP sob orientação do Prof. Dr. Guilherme de Camargo Ferraz, docente do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, Laboratório de Fisiologia do Exercício Equino e Farmacologia (LAFEQ) da FCAV/UNESP, Campus de Jaboticabal, com supervisão do Gerente de Pesquisa Desenvolvimento e Inovação (PD&I) da UCBVET Saúde Animal, Jaboticabal/SP, Armando Leonelo. Ademais, foi realizado durante o período de 19/09/2022 a 24/02/2023, totalizando 600 horas. O objetivo deste estágio foi obter experiência e conhecimento na área da Indústria Farmacêutica Veterinária por meio do acompanhamento das atividades de Médicos Veterinários Analistas de PD&I, colocando em prática os conceitos teóricos e práticos da Farmacologia Veterinária, bem como aprimorando os conhecimentos relacionados à legislação do MAPA. 1. DESCRIÇÃO DO LOCAL DE ESTÁGIO A Uzinas Chimicas Brasileiras S.A. está inclusa nas 10 empresas farmacêuticas nacionais veterinárias com maior faturamento segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (SINDAN), com atuação em países da América Latina, Central e da África, bem como em todo o território nacional. Assim sendo, possui importante papel na saúde animal, com linhas de medicamentos veterinários para aves, bovinos, caprinos, equinos, ovinos, suínos, cães e gatos, com classes terapêuticas como hormônios, reconstituintes orgânicos, anti-inflamatórios e analgésicos, linhas de antiparasitários como endectocidas, endoparasiticidas e ectoparasiticidas, bem como linha de antimicrobianos. A corporação é localizada na Praça Joaquim Batista, 150 - Centro, Jaboticabal/SP, 14870-090 (Figura 1) e possui horário de funcionamento de segunda a sexta-feira, das 7:30 às 17:45, sendo que o horário estipulado para o estágio era das 8:00h às 14:15. Além disso, conta 13 com duas recepções, sendo uma destinada à assuntos da diretoria, enquanto a segunda recepção é destinada à visitantes e serviços terceirizados. Para a entrada de funcionários a empresa conta com duas entradas principais, sendo uma localizada na Rua Jucá Quito (Figura 2) e a outra localizada na Avenida Pintos (Figura 3). Figura 1. Localização UCBVET Saúde Animal. Fonte: Google. 2023. Jaboticabal: Google Maps. https://www.google.com.br/maps/@-21.2553569,-48.3166899,19.5z. Figura 2. Entrada dos funcionários da UCBVET – Saúde Animal localizada na Rua Jucá Quito. Fonte: Arquivo Pessoal. https://www.google.com.br/maps/@-21.2553569,-48.3166899,19.5z 14 Figura 3. Entrada dos funcionários da UCBVET – Saúde Animal localizada na Avenida Pintos. Fonte: Arquivo Pessoal. As atividades de estágio foram desenvolvidas majoritariamente na sala de trabalho do departamento de PD&I Técnico. 2. DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS Como estagiária de PD&I técnico foi possível acompanhar as atividades diárias de dois médicos veterinários analistas, das 8 até as 14:15 horas, com 15 minutos de intervalo para almoço. O departamento de PD&I é um dos setores com maior investimento da empresa, visto que é responsável por gerar projetos inovadores a partir do desenvolvimento de novos produtos, visando aumentar a eficácia e segurança destes medicamentos, bem como provocar a redução de depleção residual nos produtos de origem animal, proporcionando melhorias no bem-estar, tanto para os animais de companhia quanto para os de produção. Desta forma, o PD&I é composto por uma equipe multidisciplinar, que conta com médicos veterinários, farmacêuticos, biólogos, químicos, biotecnólogos e aprendizes. Além disso, é dividido em Laboratório Farmacotécnico, responsável pelas inovações dos produtos através de novos processos industriais e novas formulações; Laboratório de Desenvolvimento Analítico, responsável pela elaboração e validação dos métodos de análise de qualidade dos insumos utilizados e dos produtos da empresa; e Departamento Técnico, setor onde o estágio foi realizado. A equipe de PD&I Técnico é responsável pelas demandas relacionadas à coordenação dos testes clínicos de resíduos, eficácia e segurança dos produtos da empresa, elaborando planos 15 de execução, comunicação e acompanhamento de projetos, bem como elaborando seus cronogramas. Além do mais, é responsável pela criação de projetos de desenvolvimento de novos produtos através de pesquisa e conhecimento técnico. Posto isso, para que as atividades de estágio pudessem ser executadas com maior eficiência, foram sugeridas leituras das legislações vigentes mais relevantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA); diretrizes da Cooperação Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Registro de Medicamentos Veterinários (VICH), diretrizes do Comitê de Medicamentos para Uso Veterinário da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), Associação Mundial para o Avanço da Parasitologia Veterinária (WAAVP), Agência Nacional de Segurança Sanitária (ANVISA) e Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO). O MAPA representa o Órgão brasileiro responsável pela gestão das políticas públicas de estímulo à agropecuária, pelo fomento do agronegócio e pela regulação e normatização de serviços vinculados ao setor. Já a ANVISA é autarquia sob regime especial que possui autoridade sob todo território nacional por meio das coordenações de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados. Sua função consiste em promover proteção de saúde da população por meio do controle sanitário da produção, consumo e dos serviços submetidos à vigilância sanitária. Enquanto isso, o INMETRO é o Órgão nacional responsável pelo estabelecimento de programas de avaliação da conformidade, ou seja, verificar se os produtos são produzidos conforme os requisitos mínimos necessários definidos. VICH representa a Cooperação Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Registro de Medicamentos Veterinários, programa trilateral do Japão, União Europeia e Estados Unidos da América. Seus objetivos consistem em estabelecer e implementar requisitos técnicos padronizados para o registro de medicamentos veterinários nas regiões que pertencerem à Cooperação, de maneira que estes requisitos atendam a altos padrões de qualidade, segurança e eficácia e reduzam o uso de animais em testes, bem como os custos de desenvolvimento de produtos. Além disso, a Cooperação fornece uma base para a padronização internacional dos requisitos para registro, bem como monitora e atualiza as diretrizes VICH existentes, garantindo que estejam de acordo com as demandas emergentes. Da mesma importância, a sigla EMA representa o Comitê de Medicamentos para Uso Veterinário da Agência Europeia de Medicamentos e possui a função de preparar diretrizes científicas padronizadas entre as autoridades reguladoras dos Estados membros da União Europeia (UE), para ajudar os requerentes a preparar pedidos de autorização de comercialização para medicamentos veterinários. Já a WAAVP, do inglês “World Association for the 16 Advancement of Veterinary Parasitology”,consiste numa Associação Mundial de Avanços para Parasitologia Veterinária com grande importância para o meio de PD&I, visto que publica diretrizes sobre medicamentos anti-helmínticos, contribuindo com o desenvolvimento das diretrizes oficiais do VICH para testes destes fármacos. Na Tabela 1 podem ser observadas referências técnicas sugeridas para leitura referentes a boas práticas clínicas, depleção de resíduos, estudos de eficácia, eficácia de antimicrobianos, eficácia de antiparasitários e estudos de segurança. Tabela 1.Referências técnicas sugeridas para leitura durante o estágio. Fonte: Adaptado de MAPA (2020) Assunto de interesse Referências técnicas Boas práticas clínicas VICH - GL9 - Good Clinical Practice EMA/CMVP/EWP/81776/2010 - Guideline on statistical principles for clinical trials for veterinary medicinal products (pharmaceuticals) Depleção de resíduos EMA/CVMP/SWP/735325/2012 - Guideline on determination of withdrawal periods for edible tissues EMEA/CVMP/473/98 - FINAL - Note for guidance for the determination on withdrawal periods for milk EMEA/CVMP/036/95 - FINAL - Note for guidance: Approach towars harmonization of withdrawal periods. EMEA/CVMP/187/00 - FINAL - Note for guidance on the risk analysis approach for residues of veterinary medicinal products in food of animal origin. VICH - GL48 - Studies to evaluate the metabolism and residue kinetics of veterinary drugs on foodproducing animals: marker residue depletion studies to stablish product withdrawal periods. Eficácia EMA/CVMP/016/2000-REV.3 - Guideline on the conduct of bioequivalence studies for veterinary medicinal products. EMA/CVMP/344/1999 - REV.2 - Guideline for the conduct of efficacy studies for intramammary products for use in cattle. EMA/CVMP/EWP/206024/2011 - Guideline for the conduct of efficacy studies for non-steroidal anti-inflammatory drugs. EMA/CVMP/EWP/206024/2011 - Guideline on the demonstration of palability of Veterinary medicinal products. EMA/CVMP/EWP/459868/2008 - Guideline on demonstration of target animal safety and efficacy of veterinary medicinal products intended for use in farmed finfish. 17 EMEA/CVMP/133/99 - FINAL - Guidelines for the conduct of pharmacokinetic studies in target animal species. VICH - GL52 - Bioequivalence: blood level bioequivalence study. Eficácia de antimicrobianos EMA/CVMP/627/2001 REV.1 - Guideline for the demonstration of efficacy for veterinary medicinal products containing antimicrobial substances. Eficácia de antiparasitários VICH GL7 – Efficacy of Anthelmintics: general requirements. VICH GL12 – Efficacy of Anthelmintics: specific recommendations for bovines. VICH GL13 – Efficacy of Anthelmintics: specific recommendations for ovines. Eficácia de antiparasitários VICH GL14 – Efficacy of Anthelmintics: specific recommendations for caprines. VICH GL15 – Efficacy of Anthelmintics: specific recommendations for equines. VICH GL16 – Efficacy of Anthelmintics: specific recommendations for porcines. VICH GL19 – Efficacy of Anthelmintics: specific recommendations for canines. VICH GL20 – Efficacy of Anthelmintics: specific recommendations for felines. VICH GL21 – Efficacy of Anthelmintics: specific recommendations for poultry – Gallus gallus. WAAVP – Guideline: Anthelmintic combination products targeting nematode infections of ruminants and horses. WAAVP – Guidelines for evaluating the efficacy of anthelmintics for dogs and cats. WAAVP – Guidelines for evaluating the efficacy of anthelmintics in ruminants (bovine and ovine). WAAVP – Guidelines for evaluating the efficacy of anticoccidial drugs in chickens and turkeys. WAAVP – Guidelines for evaluating the efficacy of ectoparasiticides against biting and nuisance flies on ruminants. WAAVP – Guidelines for evaluating the efficacy of equine anthelmintics. WAAVP – Guidelines for evaluating the efficacy of parasiticides flea and tick infestation on dogs and cats. WAAVP – Guidelines for evaluating the effectiveness of anthelmintics in chickens and turkeys. 18 WAAVP – Guidelines for evaluating the efficacy of acaricides against (mange and itch) mites on ruminants. WAAVP – Guidelines for evaluating the efficacy of ectoparasiticides against myiasis causing parasites on ruminants. WAAVP – Guidelines for evaluating the efficacy of acaricides against ticks (Ixodidae) on ruminants. WAAVP – Guidelines for evaluating the efficacy of anthelmintics in ruminants (bovine,ovine,caprine). WAAVP – Guidelines for evaluating the efficacy of anthelmintics in swine. WAAVP – Guidelines efficacy of parasiticides flea and tick infestations on dogs and cats. Eficácia de antiparasitários WAAVP – Guidelines for the detection of anthelmintic resistance in nematodes of veterinary importance. WAAVP – Guideline for evaluating the efficaccy of anticoccidial in mammals (pigs, dogs, cattle, sheep). WAAVP – Guideline for the evaluation of drug efficacy against non- coccidial gastrointestinal protozoa in livestock and companion animals. WAAVP – Second edition of guidelines for evaluating the efficacy of anthelmintics in swine. WAAVP – Second edition of guidelines for evaluating the efficacy of equine anthelmintics. WAAVP – Guideline for testing the efficacy of ectoparasiticides for fish. Estabilidade VICH GL51 - Statistical Evaluation of Stability Data VICH GL58 - Stability Testing of New Veterinary Drug Substances and Medicinal Products in Climatic Zones III and IV Segurança VICH GL43 – Target animal safety for veterinary pharmaceutical products. EMA/CVMP/EWP/459868/2008 – Guideline on demonstration of target animal safety and efficacy of veterinary medicinal products intended for use in farmed finfish. Validação de métodos analíticos Guia de validação e controle de qualidade analítica - CGAL/SDA/MAPA – Fármacos em produtos para alimentação animal e medicamentos veterinários. VICH GL2 – Guideline on validation of analytical procedures: methodology. VICH GL49 – Studies to evaluate the metabolism and residues kinetics of veterinary drugs in human food-producing animals: validation of analytical methods used in residue depletion studies. 19 RDC nº 27, de 17 de maio de 2012 - ANVISA – Dispõe sobre os requisitos mínimos para a validação de métodos bioanalíticos empregados em estudos com fins de registro e pós-registro de medicamentos. RDC nº 166, de 24 de julho de 2017 – ANVISA – Dispõe sobre a validação de métodos analíticos e dá outras providências. DOQ-CGRE 008 – INMETRO – Orientação sobre validação de métodos analíticos. Visto isso, após o conhecimento das referências técnicas foi possível realizar o acompanhamento de protocolos de teste de eficácia clínica, pré-clínica, segurança e resíduos de produtos da empresa, bem como corrigi-los para que se adequassem às normas existentes nas diretrizes das referências. Além disso foi possível auxiliar na elaboração de material de marketing técnico juntamente com os médico-veterinários e colaborar com o desenvolvimento de documentação de regulatórios junto ao MAPA. Ainda, foi possível participar de lançamento de notas fiscais referentes aos estudos realizados com as CRO’s (do inglês “Contract Research Organizations”. Uma CRO trata-se de uma organização contratada por indústrias farmacêuticas para realizar os ensaios pré-clínicos, clínicos e outros serviços de apoio à pesquisa desejada. Como uma das atividades realizadas houve uma visitação à dois diferentes setores do PD&I, sendo que em uma das visitas foi possível realizar o acompanhamento da manipulação de um teste de bancada de um medicamento antiparasitário da empresa. Sendo assim, as atividades de uma profissional farmacêutica foram acompanhadas durante o período da manhã do dia 10 de janeiro de 2023. Os testes de bancada são realizados no Laboratório de Desenvolvimento Analítico e para acompanha-los é necessário que haja a paramentação correta, como o uso de jaleco. Ao iniciar o teste a farmacêutica, devidamente paramentada com jaleco e luvas, deve seguir o Protocolo Operacional Padrão (POP específico) para a formulação do antiparasitário a ser manipulada, que consiste em um medicamento indicado para o tratamento de Piroplasmose causada por Babesia spp e Tripanossomíase causada por Trypanosoma brucei, T. vivax, T. equiperdum, T. evansi e T. congolense. Sendo assim, com a formulação em mãos é iniciado o processo de manipulação (Figuras 4 e 5). 20 Figura 4. Alguns dos processos de manipulação de teste de bancada de produto antiparasitário. A. Triacetina, veículo do princípio ativo, dentro de um becker sendo misturado no misturador industrial. B. Diaceturato, princípio ativo do medicamento, sendo misturado ao veículo. C. Aerosyl sendo pesado para manter as partículas do medicamento em suspensão. D. Pirazolona sendo pesada para a adição à mistura. Fonte: Arquivo pessoal. Figura 5. Alguns dos processos de manipulação de teste de bancada de produto antiparasitário. A. Pirazolona sendo incorporada à mistura com o misturador industrial. B. Teste de bancada finalizado e resultado da formulação em repouso para que seja envasado. Na segunda visitação foi possível conhecer a sala climatizada, local onde 03 câmaras climáticas da marca Mecalor® funcionam. Tais equipamentos são de responsabilidade do gerente do PD&I e dos colaboradores responsáveis pelo setor de 21 PD&I Farmacotécnico. Possuem a função de controlar a temperatura e umidade em seu interior, sendo possível verificar o comportamento de diferentes componentes quando submetidos a diferentes condições ambientais; e, desta forma, realizar os testes de estabilidade dos produtos da empresa. Sendo assim, nas instalações da sala climatizada e das câmaras climáticas existe um sistema de alarme que é acionado quando as condições de temperatura e umidade apresentam alguma anormalidade no funcionamento, que pode ser afetado por mudanças bruscas de temperatura e/ou umidade na sala. Desta forma, a corporação conta com 03 câmaras, sendo que uma possui capacidade de 1.200 L, enquanto as outras duas possuem capacidade de 2.400 L. A câmara de menor capacidade é utilizada para os Estudos de Estabilidade Acelerada com condição de armazenamento em geladeira, enquanto uma de 2.400 L é utilizada para os Estudos de Estabilidade Acelerada e a outra, juntamente com a sala climatizada, são utilizadas para os Estudos de Estabilidade de Longa Duração, de Acompanhamento e de Período de Utilização. Os Estudos de Estabilidade Acelerada possuem o objetivo de acelerar as mudanças físicas e degradação química dos componentes de um produto farmacêutico pelo uso de condição de estocagem forçadas, ou seja, são realizados em câmaras com temperatura e umidade controladas. Sendo assim, a câmara de 1.200 L designada a estes estudos com condição de armazenamento em geladeira é mantida a 60% de umidade relativa do ar (UR), com variação permitida de ± 5% UR e a temperatura de 25°C, com variação permitida de ± 2°C. Já a câmara climática de 2.400 L designada aos Estudos de Estabilidade Acelerada é mantida a 75% UR, com variação permitida de ± 5% UR e a temperatura de 40°C, com variação permitida de ± 2°C. Já os Estudos de Estabilidade de Longa Duração possuem o objetivo de verificar as características químicas, físicas, biológicas e microbiológicas dos produtos da empresa, durante e depois do prazo de validade esperado. As verificações feitas são utilizadas para estabelecer ou confirmar a vida média esperada e realizar as recomendações corretas de condições de estocagem. Posto isso, a outra câmara de 2.400 L (Figura 06) e a sala climática (Figura 07) são designadas para os Estudos de Longa Duração, sendo mantidos a 65% UR, com variação permitida de ± 5% UR e a temperatura de 30°C, com variação permitida de ± 2°C. 22 Figura 6. Câmara Climática de 2.400 L designada aos estudos de Longa Duração, com 65% UR, com varação permitida de 5%UR e a temperatura de 40°C, com variação permitida de ± 2°C. Fonte: Arquivo Pessoal. Figura 7. Sala Climática designada aos estudos de Longa Duração, com 65% UR, com varação permitida de 5%UR e a temperatura de 40°C, com variação permitida de ± 2°C. Fonte: Arquivo Pessoal. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da escolha de realizar o estágio curricular em uma Indústria Farmacêutica do porte da UCBVET – Saúde Animal foi possível obter a experiência de um 23 primeiro contato com a realidade do Médico Veterinário na área de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. Desta forma, diferentes tipos de conhecimentos, como o legislativo para o registro e regulamento de produtos de uso veterinário, foram obtidos a partir da leitura de diferentes guias e documentos de Órgãos brasileiros regulatórios, bem como a partir da vivência prática e execução das leis vigentes. Além disso, foi uma oportunidade ímpar para obtenção de uma rede sólida de networking, bem como desenvolvimento das habilidades de escrita científica, trabalho em equipe e atividade de pesquisa. A experiência de trabalhar em conjunto e auxiliar a dois médicos veterinários com as atividades diárias do um setor de PD&I de uma Indústria Farmacêutica foi de grande enriquecimento para a carreira profissional e pessoal a qual a acadêmica deseja seguir, visto que foi um período de grande obtenção de conhecimento legislativo, bem como de treinamento para o mercado de trabalho, servindo como um complemento para os conhecimentos adquiridos durante o período de graduação. 24 I. MONOGRAFIA RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA: PREVENÇÃO E CONTROLE NO ÂMBITO DA AGROPECUÁRIA 1. INTRODUÇÃO Durante milhares de anos as doenças infecciosas foram as principais causas de epidemias como a praga de Atenas (431 a.C) e a Peste Negra, que provocaram a morte de inúmeras pessoas (COSTA, 2020). Desta forma, a humanidade busca estratégias desde então para combater, curar e prevenir a propagação de enfermidades transmissíveis, sendo que por muito tempo não se obteve sucesso, estando vulnerável aos efeitos prejudiciais de diferentes microrganismos (MOHR, 2016). Estudos microscópicos de microrganismos no século XVII foram a fronteira do conhecimento na história da pesquisa científica na área dos antibióticos, sendo o ponto inicial para descobertas pioneiras, como, por exemplo, o isolamento e cultivo de bactérias que poderiam ser identificadas como possíveis agentes causais de doenças, bem como produtores de metabólitos bioativos. A incorporação de antibióticos na rotina clínica foi avanço médico considerável do século XX, já que estes compostos foram capazes de servirem como tratamento de doenças infecciosas, bem como participaram do tratamento de transplantes de órgãos, câncer, sendo úteis durante cirurgias de maneira geral (HUTCHINGS et al., 2019). Pesquisas científicas envolvendo antimicrobianos evoluíram e continuam progredindo até os dias de hoje. Porém, o combate às doenças infecciosas está longe de estar ganho, visto que os microrganismos são capazes de adquirir, desenvolver e transmitir entre si mecanismos de defesa contra estas substâncias (MOHR, 2016), resultando no rápido incremento da resistência antimicrobiana (RAM) e, consequentemente, em infecções efetivamente intratáveis por meio dos medicamentos disponíveis no mercado (HUTCHINGS et al., 2019). A prescrição indiscriminada dos antimicrobianos pelos profissionais da saúde, como médicos e veterinários, em conjunção com a falta de conhecimento da população resulta num grande impacto na saúde pública, fazendo com que a RAM seja considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma das dez maiores ameaças à saúde pública global. Estima-se que, até o ano de 2050, a resistência antimicrobiana será responsável pela perda de 10 milhões de vidas com prejuízo econômico de aproximadamente 100 trilhões de dólares (ANVISA, 2022). 25 No âmbito da Agropecuária, o uso de antimicrobianos na produção animal é um dos fatores que contribui de forma assídua no aumento da resistência a estes compostos. Assim, diferentes conferências científicas para tomadas de decisões e medidas preventivas são realizadas anualmente pelas autoridades acadêmicas e políticas mundiais, objetivando evitar o agravamento da crise mundial de saúde pública. Essa medida reforça a importância das políticas públicas de vigilância, prevenção e controle da resistência antimicrobiana (COSTA, 2020). Levando em consideração a importância do assunto e a incidência crescente da resistência antimicrobiana nas últimas décadas, este trabalho teve como objetivo realizar revisão bibliográfica sobre as políticas de controle e prevenção da resistência à estas substâncias, fornecendo base científica para elaboração de material informativo destinado a conscientizar a população e os médicos veterinários sobre os impactos deste problema marcante na saúde pública. 2. DEFINIÇÃO DE ANTIMICROBIANOS Os agentes antimicrobianos podem ser conceituados como substâncias naturais ou sintéticas que agem sobre microrganismos, inibindo o crescimento destes ou, ainda, causando sua obliteração. Apontada como segunda classe medicamentosa mais prescrita no mundo, é responsável por 20 a 50% das despesas hospitalares, sendo muito utilizados no tratamento de doenças infecciosas (MOTA et al., 2005). Os antimicrobianos podem ser obtidos de microrganismos, sendo denominados antibióticos ou, ainda, obtidos de forma não natural, sendo compostos químicos sintéticos e semissintéticos, denominados quimioterápicos. Podem possuir atividade antibacterianas, antifúngicas, antiparasitárias, antivirais e antiblásticas e são classificados de acordo com seu mecanismo de ação, podendo possuir atividade microbicida, ou seja, provocando a morte microbiana, ou, ainda, podendo possuir atividade inibitória do crescimento dos microrganismos, denominada atividade microbiostática (GOMES, 2021). 3. HISTÓRIA DOS ANTIMICROBIANOS Há milênios as doenças infecciosas são causas de transtornos para a humanidade, sendo incógnita marcante para os indivíduos da espécie humana que investigava obstinadamente respostas sobre a causa de diferentes doenças que assolavam as populações. De acordo com o papiro de Eber, tratado médico preservado mais antigo o qual a humanidade possui 26 conhecimento, os registros do uso de pão mofado e componentes do solo medicinais evidenciam que, desde 1550 a.C., os efeitos curativos destes componentes foram utilizados, principalmente no tratamento de feridas infectadas e tiveram importantes aplicações médicas, apesar de os praticantes não saberem elucidar exatamente os mecanismos de ação dos efeitos (HUTCHINGS et al., 2019). Ainda, há relatos de mais de dois mil anos do antigo Egito, Sérvia, China e Grécia de terapias realizadas por curandeiros, tais como compressas feitas de ervas, bolores, assim como compressas orgânicas para tratar de feriadas abertas (COSTA, 2020). O período antes do descobrimento dos antibióticos foi marcado por epidemias e pandemias devastadoras para a espécie humana, pois a descoberta e descrição de bactérias, fungos e vírus causadores de doenças infecciosas, não havia tratamento suficientemente eficaz para controlar os sinais clínicos causados pelas enfermidades, o que provocou inúmeros prejuízos e mortes (MOHR, 2016). Durante o século XVI compostos de antimônio e derivados de mercúrio foram utilizados no tratamento geral de infecções e de sífilis pelo médico suíço Philippus Aureolus Theophrastus Bombast von Hohenheim (1493 – 1541). Já em 1546, foi relatado pelo médico italiano Girolamo Fracastoro (1478 – 1553) que partículas imperceptíveis transmissíveis “parecidas com sementes” foram responsáveis por causar doenças infecciosas, referindo-se ao que atualmente conhecemos como microrganismos (COSTA, 2020). Além disso, os efeitos curativos dos fungos foram descritos no século XVII pelo médico e botânico John Gerard (1545-1611) em seu livro Theatrum Botanicum, no qual os recomendou para o tratamento de infecções (MOHR, 2016). Embora tenha havido diversos relatos anteriormente, o primeiro grande marco para a história da microbiologia foi realizado pelo comerciante e cientista amador Antonie van Leeuwenhowk (1632-1723), que pela primeira vez na história foi capaz de visualizar e descrever microestruturas de vários objetos a partir de microscópios artesanais. Desta forma, suas ilustrações descreviam bactérias, eritrócitos e espermatozoides de forma jamais imaginada pela ciência (MOHR, 2016). Já a partir do século XIX, diversos cientistas passaram a se interessar por fungos com ações antibacterianas. Sendo assim, em 1840, o médico Ignazz Semmelweis (1818-1865) relatou a relação causa-efeito entre o manejo hospitalar e as infeções ginecológicas em mulheres durante o período de gestação, visto que observou que os médicos transmitiam bactérias dos cadáveres para os pacientes quando saíam das salas de autópsia e iam diretamente para as salas de parto sem lavagem, desinfeção das mãos e sem a mudança das vestimentas, o que provocava 27 a denominada “febre puerperal”. A partir deste relato, medidas sanitárias hospitalares foram instauradas para que as infeções diminuíssem, como o ato de desinfecção das mãos com água clorada antes dos exames vaginais e troca de vestimentas pós saída das salas de autópsia. Tais medidas sanitárias foram responsáveis pela redução em 2/3 das infecções pós-parto (MOHR, 2016). Outra grande contribuição para a evolução dos conhecimentos relacionados à microrganismos foi realizada pelo cirurgião alemão-austríaco Theodor Billroth (1829–1894) , que realizou experimentos com culturas bacterianas para investigar o papel destes microrganismos no que denominou “doenças acidentais de feridas”. Desta forma, descreveu que quando o Penicillium crescia em uma cultura, as bactérias falhavam em crescer, chegando na conclusão errônea de que a atividade antibiótica dos fungos se dava pela modificação do meio, tornando-o inadequado para o crescimento bacteriano (MOHR, 2016). Adicionalmente, um grande marco para o conhecimento a respeito dos microrganismos foi realizado em 1867 pelo médico, pesquisador e cirurgião britânico Joseph Lister (1827- 1912), que foi responsável pela introdução da assepsia no ato cirúrgico com o uso de soluções de fenol, o que contribui consideravelmente para a redução da incidência de infeções (COSTA, 2020). Tendo em mente os avanços nas pesquisas relacionadas aos antimicrobianos, na segunda metade do século XIX duas perguntas intrigavam os cientistas, sendo elas “Existe geração espontânea?” e “Qual a natureza das doenças infecciosas?” (MADIGAN et al., 2000). A teoria da geração espontânea (abiogênese) defendia que as bactérias que podiam ser observadas no microscópio em inúmeras quantidades de amostras de alimentos podres, mas não de alimentos frescos, desenvolviam-se espontaneamente de material morto exclusivamente após o contato com o ar fresco. Desta forma, defensores desta teoria argumentavam que o ar era essencial para desenvolvimento microbiano, mas não conseguiam explicar a causa primária para que isto ocorresse (MOHR, 2016). Para responder estas questões, as descobertas do médico patologista alemão Robert Koch (1843 – 1910) foram cruciais para esclarecer a natureza das doenças infecciosas, tendo em vista que o pesquisador conseguiu estabelecer a relação causal entre agente etiológico, Bacillus anthracis, e a doença denominada carbúnculo, descrevendo a cadeia de infecção do antraz. O cientista Koch postulou quatro critérios para estabelecer relação causal entre um micróbio específico e uma enfermidade, denominados postulados de Henle-Koch, válidos até os dias de hoje. Os postulados determinam que bactérias devem estar presentes em todos os casos da doença; que devem ser isoladas do hospedeiro com a doença e cultivadas em cultura 28 pura; que a doença específica deve ser reproduzida quando uma cultura pura da bactéria é inoculada num hospedeiro suscetível saudável e que as bactérias devem ser recuperáveis a partir do hospedeiro infectado experimentalmente (KOCH, 2019). Além disso, Koch também identificou agentes causadores específicos da cólera (Vibrio cholerae) e tuberculose (Mycobacterium tuberculosis), bem como implementou a microfotografia e desenvolveu meios sólidos para cultivo e isolamento bacteriano. Ademais, foi responsável pelo desenvolvimento do corante azul de metileno alcalino e marrom de Bismarck, precursor da coloração Ziehl-Neelsen, utilizado até os dias de hoje. Em relação ao isolamento e enriquecimento de micobactérias, o pesquisador utilizou soro de sangue coagulado e, desta forma, desenvolveu a base para experimentos realistas de avaliação de antibióticos in vitro, onde as condições do experimento deveriam mimetizar uma situação in vivo (MOHR, 2016). Posteriormente, as descobertas do químico e bacteriologista francês Louis Pasteur (1822-1895) foram responsáveis por refutar a teoria da abiogênese, realizando experimentos para provar que sem a contaminação primária o crescimento microbiano não seria possível. Pasteur provou que, num caldo estéril, os micróbios não podem se desenvolver espontaneamente, somente após contato (contaminação). O pesquisador descobriu os princípios da vacinação em relação ao antraz, cólera aviária e raiva, bem como os princípios seminais da fermentação alcoólica e pasteurização. Como consequência das descobertas realizadas pelo químico, diversas técnicas de esterilização foram desenvolvidas (MADIGAN et al. 2000). O primeiro antibiótico foi descrito pelo médico e pesquisador italiano Bartolomeo Gosio (1863 – 1944) por meio de investigação a respeito da relação entre a pobreza e o desenvolvimento de pelagra, doença provocada pela deficiência da vitamina B3 na população do sul da Europa e do sul dos Estados Unidos. O cientista correlacionou o fato de a alimentação principal desta classe social ser milho com a possível contaminação do vegetal por fungos (MOHR, 2016). Desta forma, o pesquisador isolou e cultivou o fungo Penicillium brevi-compactum do milho e obteve um produto cristalino dentro de um filtrado, descobrindo primariamente que a substância apresentava atividade antibiótica contra Bacillus anthracis, agente etiológico do antraz (MOHR, 2016). Em 1912, a substância foi novamente sintetizada pelos cientistas estadunidenses Carl Alsberg (1877 – 1940) e Otis Fisher Black (1867 – data desconhecida), a chamando de ácido micofenólico (MOHR, 2016). Posteriormente foi descoberto que o ácido micofenólico possui propriedades antivirais, antifúngicas, antitumorais e antipsóricas (COSTA, 2020). 29 Embora a primeira descrição de antibiótico tenha sido realizada em 1893, considera-se que o início da quimioterapia eficaz somente ocorreu em 1896 com o biólogo bacteriologista alemão Paul Ehrlich (1854 – 1915), que utilizou um composto de arsênio, Arsfenamina, no tratamento da sífilis (COSTA, 2020). Sua descoberta se deu em conjunto com o químico Alfred Bertheim (1879 – 1914) e o bacteriologista Sahachiro Hata (1873 – 1938) (MOHR, 2016). A sífilis é uma doença infecto-contagiosa, venérea, letal e crônica que é caracterizada pelo acometimento sistêmico disseminado e pela evolução para complicações graves se não tratada (AVELLEIRA e BOTTINO, 2006). Tendo como agente etiológico a bactéria espiroqueta Treponema pallidum, foi eficazmente combatida pelo medicamento de nome comercial “Salvarsan” desenvolvido pelos pesquisadores citados anteriormente. Consistindo em cerca de 30% de arsênico, o fármaco foi pioneiro no ano de 1910 em relação aos tratamentos clínicos contra Treponema sp., outras espiroquetas e tripanossomíase, porém apresentava severos efeitos colaterais como problemas de hipersensibilidade e intoxicação devido ao arsênico (MOHR, 2016). Em 1914, Paul Ehrlich desenvolveu uma versão aprimorada do “Salvarsan” denominada “Neoasalvarsan”, com uma maior solubilidade e menor toxicidade devido à concentração de 19% de arsênico, porém não foi suficiente para erradicar os efeitos colaterais como náuseas e êmese. Outro desafio relacionado a este princípio ativo foi a necessidade de armazenamento em frascos selados em nitrogênio, uma vez que o produto era facilmente oxidável. Apesar dos desafios enfrentados, o medicamento foi o padrão ouro para Sífilis até a disponibilidade de penicilina, que somente ocorreu em 1940 (MOHR, 2016). Figura 11. Estrutura química do composto Arsfenamina. Fonte: PubChem, disponível em: https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/8774#section=Structures A descoberta da penicilina em 1928 revolucionou o tratamento das doenças infecciosas provocadas por bactérias. O responsável pelo feito foi Alexander Fleming, biólogo, botânico, médico e farmacologista britânico. De forma acidental, o bacteriologista realizou sua descoberta observando uma placa de petri que continha colônias de Staphylococcus aureus que 30 continha concomitante a presença do fungo Penicillium notatum. Desta forma, o pesquisador pôde observar que as colônias da bactéria se encontravam lisadas nas proximidades da colônia do fungo, chegando na conclusão de que o fungo excretava uma substância antiestafilocócica denominada posteriormente como penicilina (Figura 12) (MOHR, 2016). Figura 12. Estrutura química do composto Penicilina G. Fonte: PubChem, disponível em: https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/5904#section=2D-Structure. Desta forma, a partir da descoberta da penicilina e subsequente produção em larga escala de antibióticos no século XX iniciou-se uma nova era da Medicina Moderna, sendo o ponto primordial para que novas moléculas fossem identificadas, como a estreptomicina em 1944 a partir de colônias de Streptomyces griseus; o cloranfenicol em 1947 a partir de colônias de Streptomyces venezuelae e como a vancomicina em 1956 e a gentamicina em 1963, extraídas de colônias de Streptomyces orientalis e Micromonospora purpura, respectivamente (AZEVEDO, 2014). Devido à evolução da tecnologia de síntese química e dos processos de fermentação, a partir dos anos 50 foi possível a criação de novas moléculas por meio de modificações no núcleo base da penicilina, o ácido 6-aminopenicilâmico (6-APA). Além disso, a descoberta do ácido aminocefalosporânico em 1940 possibilitou a obtenção de moléculas semi-sintéticas derivadas da cefalosporina C (AZEVEDO, 2014). A partir da descoberta da resistência antimicrobiana pelas bactérias, a indústria farmacêutica foi induzida a aumentar seus investimentos na pesquisa de novos antibióticos, o que resultou no surgimento de cefalosporinas de terceira geração em 1981, carbapenemos em 1985 e monobactamos em 1986 (Figura 13). Concomitantemente houve a produção de novas penicilinas como ureidopenicilinas, amoxicilina e ampicilina (RIBEIRO et al., 2019). https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/compound/5904#section=2D-Structure 31 Figura 13: Linha do tempo indicando as datas aproximadas em que as principais classes de antibióticos foram introduzidas no uso clínico. Fonte: Tavares, 2014 (Adaptado). 4. CLASSIFICAÇÃO DOS ANTIBIÓTICOS Os antibióticos podem ser classificados quanto a seus efeitos sobre os microrganismos, ao espectro e mecanismos de ação ou pela sua estrutura química. Em relação a seus efeitos sobre os microrganismos, podem ser classificados como bacteriostáticos, fungistáticos ou virustáticos, causando um efeito inibitório sobre o crescimento e replicação dos agentes microbianos (Tabela 2). Podem promover destruição dos patógenos, sendo classificados como bactericidas, fungicidas ou viruscidas, de acordo com o microrganismo alvo (ALVES, 2019). Apesar da atividade microbiostática, também conhecida como bacteriostático, ser adequada para o tratamento da maioria das infecções é descrito que a atividade microbicida demonstra maior eficácia em casos específicos, como em casos graves de septicemia por Saphylococcus aureus (PÓVOA, 2014). Tabela 2: Classificação dos antimicrobianos de acordo com os efeitos sobre os microrganismos. Fonte: Tavares et al., 2014. Antibióticos/ Quimioterápicos Bacteriostáticos aminoglicosídeos, beta-lactâmicos, glicopeptídeos, metronidazol, polimixinas, quinolonas, rifampicinas Bactericidas anfenicóis, estreptograminas, linezolida, lincosamidas, macrolídeos, sulfonamidas e tetraciclinas. Já em relação ao espectro de ação, a classificação descreve o espectro de atividade destes compostos, ou seja, o número de diferentes espécies de microrganismos sensíveis a determinada substância. Sendo assim, é possível classificá-los como antibióticos de amplo espectro, ativos 32 contra várias espécies de bactérias; e de baixo espectro, ativos contra poucas espécies de bactérias (Tabela 3) (COSTA, 2000). As bactérias, vírus, fungos, protozoários e parasitos multicelulares são os grupos de agentes etiológicos de maior importância médica. No caso das bactérias, elas podem ser divididas em seis categorias, sendo gram-positivas, gram-negativas, micobactérias, riquétsias, atípicas como micoplasmas, legionelas e clamídias; e espiroquetas. Tabela 3: Classificação dos antimicrobianos de acordo com o espectro de ação. Fonte: Tavares et al., 2014. Espectro de Ação Antibióticos/ Quimioterápicos Ativos sobre bactérias gram-positivas penicilinas, macrolídeos Ativos sobre bactérias gram-negativas polimixinas, aminoglicosídeos Antimicrobianos de amplo espectro cloranfenicol, tetraciclinas, ampicilina, cefalosporinas, sulfas, quinolonas Ativos sobre micobactérias rifampicina, estreptomicina, cicloserina, claritromicina Ativo sobre riquétsias e atípicas tetraciclinas, cloranfenicol, macrolídeos Ativo sobre espiroquetas penicilinas, eritromicina, tetraciclinas Ativo sobre protozoários paromomicina, tetraciclinas, anfotericina B Ativo sobre fungos nistatina, anfotericina B, griseofulvina Ativo sobre algas anfotericina B Em relação a classificação dos antibióticos segundo os mecanismos de ação, pode-se citar cinco diferentes mecanismos na célula microbiana. Um dos mecanismos é a interferência na síntese da parede celular das bactérias. Sendo assim, a parede celular consiste em uma estrutura rígida presente em praticamente todas as bactérias, exceto nos micoplasmas; e possui a função de envolver a membrana citoplasmática de maneira a dar forma à bactéria e servir como barreira mecânica e osmótica (TAVARES, 2019) Desta maneira, a parede celular de bactérias, tanto gram-positivas quanto gram- negativas, apresentam em comum o mesmo substrato peptideoglicano, sendo este um mucopeptídeo formado por longas cadeias de polímeros de açúcares. Para que a parede celular cumpra suas funções adequadamente é necessário que haja a formação destas longas cadeias, que são ligadas de forma cruzada entre um peptídeo e outro, fato que garante a rigidez da parede (TAVARES, 2019). Quando um antibiótico como os beta-lactâmicos (penicilinas, cefalosporinas, carbapenêmicos e monobactâmicos), bacitracina, teicoplanina, cicloserina, fosfomicina e vancomicina entram em ação, ocorre a inibição de vários estágios de formação do 33 mucopeptídeo supracitado, e, consequentemente, da formação da parede celular das bactérias, o que garante o efeito bactericida destes compostos (TAVARES, 2014). A respeito da classificação de antifúngicos inibidores da síntese da parede celular podemos citar as equinocandinas como caspofungina, micafungina e anidulafungina. Estes compostos agem na parece celular fúngica de forma a inibirem a síntese do 1,3-Beta-glicano presente na parede desta classe de microrganismos, resultando em instabilidade osmótica e morte celular (KATZUNG, 2014). Outra classificação com base no mecanismo de ação dos antibióticos se refere aos antimicrobianos que interferem na permeabilidade de membrana citoplasmática (Tabela 4). Desta forma, são responsáveis por promover a desestruturação celular através da ligação dos princípios ativos com os componentes da membrana citoplasmática dos microrganismos, interferindo nas características físico-químicas da membrana e, consequentemente, provocando a morte bacteriana devido à saída de substâncias como íons, fosfatos, purinas e ácidos nucleicos. Além disso, com a instabilidade provocada é possível que haja a entrada de elementos nocivos ao metabolismo celular, tendo como consequência o efeito bactericida e fungicida no caso de fungos (COSTA, 2000). Ainda, é possível citar os azóis antifúngicos que agem inibindo a 14-alfa-esterol desmetilase, interferindo, desta forma, na biossíntese do ergosterol da membrana citoplasmática, provocando a inibição do crescimento dos fungos (TAVARES, 2014). Tabela 4: Antimicrobianos que interferem na permeabilidade da membrana plasmática. Fonte: Tavares et al., 2014. Substância Antibióticos bactericidas polimixinas, tirotricina Antibióticos fungicidas anfotericina B, nistatina e metil-partricina Azóis fungicidas cetoconazol, fluconazol, itraconazol, voriconazol, posaconazol Os mecanismos de ação dos antimicrobianos relacionados com a interferência na síntese proteica podem ser divididos em três efeitos principais (Tabela 5). O primeiro consiste na inibição da RNA-polimerase bacteriana, bloqueando a formação da molécula de RNA- mensageiro. Como o RNA- mensageiro contém a informação genética necessária para a produção da proteína pretendida, quando inibido, provoca a morte da bactéria. (ALVES, 2019). O segundo mecanismo de ação de antimicrobianos que interferem na síntese proteica dos microrganismos está relacionado a uma distorção na leitura do RNA-mensageiro, provocando a incorporação de aminoácidos errôneos no peptídeo, originando proteínas sem 34 função ou tóxicas para o microrganismo, o que promove alterações nas suas funções e, consequentemente, provoca a morte celular (TAVARES, 2014). Já o terceiro mecanismo de ação consiste na inibição da síntese proteica a partir do bloqueio da ligação do aminoácido do RNA-transportador ao RNA-mensageiro, impedindo, desta maneira, a adição de aminoácidos ao peptídeo em crescimento. Sendo assim, estes tipos de antimicrobianos possuem efeito bacteriostáticos sobre os microrganismos (ALVES, 2019). Tabela 5: Antimicrobianos que interferem na síntese proteica. Fonte: Katzung, 2014 e Tavares, 2014 (Adaptado). Antimicrobianos Bloqueadores da formação de RNA- mensageiro Rifamicinas Originam proteínas errôneas Aminoglicosídeos Bloqueadores da síntese proteica Anfenicóis, estreptograminas, macrolídeos, lincosamidas, oxazolidinonas, tetraciclinas O grupo referente aos antimicrobianos que interferem na replicação bacteriana é representado pelas quinolonas, que inibem a DNA-girase e a topoisomerase IV, de forma que não ocorre o mecanismo de superespiralamento, fazendo com que o DNA bacteriano passa a ocupar um espaço maior do que a estrutura bacteriana pode suportar, provocando o rompimento da célula e, consequentemente, sua morte (ALVES, 2019). Por fim, o agrupamento dos antimicrobianos com base em sua estrutura química é um dos mais importantes do ponto de vista clínico, visto que os antibióticos que compartilham do mesmo grupo químico apresentam, de forma geral, os mesmos mecanismos de ação (Tabela 6). Tabela 6: Classificação dos antibióticos segundo a estrutura química. Fonte: Tavares et al., 2014. Grupo Químico Antibióticos Aminoácidos cicloserina, polimixinas, bacitracina, cloranfenicol, beta- lactâmicos, glicopeptídeos Açúcares macrolídeos, lincosamidas, aminoglicosídeos, estreptograminas Acetatos/ Propionatos nistatina, tetraciclinas, rifamicinas, griseofulvina, anfotericina B 5. RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA A resistência antimicrobiana (RAM) pode ser considerada fenômeno antigo levando em consideração que pesquisas recentes identificaram DNA com genes de resistência à diferentes 35 classes de antimicrobianos há 30.000 anos atrás (COSTA, 2019). Em 1905, a RAM foi descrita pela primeira vez, com a introdução das primeiras substâncias químicas com finalidade quimioterápica específica. O feito ocorreu por meio da observação de culturas de tripanossomas africanos por Paul Ehrlich e seus colaboradores. As culturas estavam sendo tratadas com arsênico ou com determinados corantes quando os pesquisadores identificaram que infecções por tripanossomas, tratadas com doses baixas de arsênico recaíam e provocavam a falha de novos tratamentos, descrevendo que os tripanossomas haviam desenvolvido resistência às drogas e que esta resistência passava a ser hereditária (TAVARES, 2000). Já a primeira observação de RAM natural foi observada pelo descobridor da penicilina, Alexander Fleming, em 1929, quando descreveu que bactérias do grupo colitifóide e a Pseudomonas aeruginosa (Bacillus pyocyaneus) não eram inibidas pela penicilina. Somente após 11 anos da primeira observação a causa da resistência natural foi elucidada pelos bioquímicos Edward Abraham (1913 – 1999) e Ernst Boris Chain (1906 – 1979). Segundo os autores, havia uma enzima capaz de destruir a ação de penicilina em extratos de Escherichia coli (TAVARES, 2000). Tal enzima foi denominada inicialmente como “penicilinase” (RIBEIRO et al., 2019). Atualmente a resistência bacteriana adquirida é observada em praticamente todas as espécies de bactérias, sendo um fenômeno genético relacionado à existência nos microrganismos de genes que codificam diferentes mecanismos bioquímicos que inativam e impedem a ação dos fármacos, o que permite que as bactérias sobrevivam e se desenvolvam no meio ambiente (PÓVOA, 2021). Embora a resistência bacteriana possa ser um fenômeno evolutivo natural ou adquirido, o último é o que mais preocupa os órgãos de saúde mundiais, como a OMS, visto que, devido ao uso indiscriminado de antibióticos como a penicilina, tanto na saúde humana quanto na animal, foram identificadas ainda na década de 1940 várias cepas resistentes devido à pressão seletiva (RIBEIRO et al., 2019). A alta pressão exercida sobre a microbiota pela administração excessiva de antimicrobianos possibilita a sobrevivência de microrganismos que possuem os genes resistentes e, consequentemente, a transmissão destes. Desta forma, a dificuldade para o tratamento de diferentes infecções que desenvolveram resistência está cada vez mais crescente, retardando ainda mais a resolução de muitas infecções (TAVARES, 2000). Apesar de o problema da resistência antimicrobiana se estender além das bactérias, incluindo infecções fúngicas, parasitárias e virais, a resistência antibacteriana é um problema de preocupação em destaque devido à maior incidência desta resistência em comparação a outros microrganismos, bem como provocam uma maior mortalidade (RIBEIRO et al., 2019). 36 Desta forma, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que atualmente a RAM está alcançando níveis críticos em todas as partes do mundo, ameaçando a capacidade da humanidade de combater doenças infecciosas comuns. Os organismos de destaque das bactérias resistentes a múltiplas drogas são Sthaphylococcus pseudointermedius resistentes a meticilina e Escherichia coli produtoras de B-lactamase de amplo espectro, porém , atualmente um dos agentes infecciosos mais preocupantes no Brasil é a Pseudomonas aeruginosa. Tal agente etiológico é uma bactéria Gram negativa responsável por apresentar múltipla resistência, tanto natural quanto adquirida. O patógeno é, portanto, a bactéria descrita com maior facilidade de desenvolvimento de resistência aos antibióticos, destacando-se pela redução da susceptibilidade aos antibióticos de maior espectro de ação, como carbapenêmicos e as cefalosporinas anti-pseudomonas, o que faz com que a bactéria seja responsável por uma das principais infecções hospitalares (FIGUEIREDO et al., 2007). 5.1 RESISTÊNCIA NATURAL A resistência antimicrobiana natural é comum a uma determinada espécie bacteriana, de forma a ser transmitida verticalmente como herança cromossômica. Desta forma, normalmente as mesmas características de resistência antimicrobiana são partilhadas por todos os microrganismos do mesmo gênero ou espécie. Um exemplo disso são os antimicrobianos com peso molecular elevado como a vancomicina e a bacitracina, que não conseguem passar pela membrana das bactérias Gram-negativas, fazendo com que estas sejam naturalmente resistentes a estes antimicrobianos (COSTA, 2020). Os principais mecanismos para que ocorra a resistência natural incluem a produção de enzimas capazes de degradar os antibióticos, como, por exemplo, as B-lactamases, produzidas pela Klebsiella, Enterobacter e Serratia, visto que possuem resistência intrínseca à ampicilina (RIBEIRO et al., 2019). Outro mecanismo de resistência natural é pela ausência de receptores para o antibiótico, como é o caso de espécies de Mycoplasma spp.e Ureaplasma spp, sendo estas resistentes aos antimicrobianos B-lactâmicos devido à falta de parede celular. Além disso, há a possibilidade de ocorrer o mecanismo de impermeabilidade a drogas, o que impede que os fármacos alcancem o alvo de ação, como, por exemplo, no caso de bacilos Gram-negativos com a penicilina G, visto que estes bacilos possuem uma membrana externa à parede celular (TAVARES, 2014). 37 O motivo pelo qual a administração de antimicrobianos em larga escala contribui para a resistência antimicrobiana se dá pelo fato ocorrer uma forte pressão seletiva sobre a microbiota, o que possibilita a sobrevivência de microrganismos que possuem os genes resistentes e, consequentemente, a transmissão destes. Desta forma, a dificuldade para o tratamento de diferentes infecções que desenvolveram resistência está cada vez mais crescente, retardando ainda mais a resolução de muitas infecções (TAVARES, 2014). 5.2 RESISTÊNCIA ADQUIRIDA A resistência antimicrobiana adquirida ocorre através da aquisição de mutações cromossômicas ou por meio de transposons e plasmídeos, sendo estes fenômenos responsáveis por alterar estruturas alvo ou impedir os fármacos de alcançarem seus alvos de ação. Como resultado dessas mutações há a redução ou perda da sensibilidade a determinado antibiótico (RIBEIRO et al., 2019). Visto isso, a aquisição de mutações cromossômicas é considerada a RAM adquirida mais comum, uma vez que ocorre em mutações de genes que codificam o alvo de um fármaco. As mutações cromossômicas podem ser conceituadas como mudanças esporádicas na sequência do material genético, podendo ser resultados de erros durante o processo de cópia da divisão celular ou podendo ser induzidas através de agentes mutagênicos. Desta forma, os fármacos antimicrobianos atuam como agentes de pressão seletiva, visto que selecionam as bactérias resistentes (TAVARES, 2000). Devido ao fato de as mutações cromossômicas ocorrerem de forma gradativa no mesmo gene, há um aumento na RAM a cada mutação adquirida, fato que faz com que altas doses do antimicrobiano o qual adquiriam resistência possam amenizar o crescimento bacteriano da cepa resistente apenas no início do processo mutagênico (RIBEIRO, 2019). No caso da RAM mediada por plasmídeos, há a aquisição de plasmídeos resistentes de uma célula para outra (geralmente através do processo de conjugação), sendo possível que haja a troca de plasmídeos entre espécies e gêneros diferentes. Sendo moléculas de DNA de dupla fita extracromossômicas e circulares que carreiam genes de uma variedade de enzimas capazes de degradar antibióticos e modificar os sistemas de transporte de membrana, os plasmídeos são capazes de se replicar independentemente do cromossomo bacteriano, bem como podem mediar resistência a múltiplos fármacos, o que faz com que os plasmídeos tenham propriedades que garantam um maior sucesso no processo de resistência (RIBEIRO, 2019). 38 A RAM mediada por transpósons configura um mecanismo o qual estes segmentos de DNA se movem de um local para outro dentro da célula. Desta maneira é possível que se instalem-no interior de um segmento de DNA ou entre grandes segmentos de DNA, codificando resistência simples ou no máximo a três fármacos devido a incapacidade dos transpósons de se replicar sem serem incorporados ao material genético (TAVARES, 2014). 5.3 MECANISMOS DE TRANSFERÊNCIA DE RESISTÊNCIA Os mecanismos de transferência horizontal de genes de resistência entre as bactérias podem ocorrer através da conjugação, transformação e transdução. O processo de conjugação consiste na transferência de material genético de uma célula bacteriana para outra por meio de contato físico direto ou mediado por uma fímbria sexual. Já o processo de transformação consiste na captação de fragmentos de DNA cromossômicos ou plasmidiais presentes no ambiente da célula doadora, que normalmente sofre lise, com posterior incorporação do material adquirido da célula receptora. O terceiro mecanismo de transferência de resistência consiste na transdução, que é baseada na transferência de informação genética de uma bactéria doadora a uma receptora por meio de um bacteriófago (RIBEIRO, 2019). 6. ANTIMICROBIANOS NO ÂMBITO AGROPECUÁRIO Atualmente, o uso de antimicrobianos na rotina veterinária é indispensável, visto que trazem diversos benefícios para a saúde, bem-estar e produção animal (PÓVOA, 2021). A utilização de antimicrobianos no ambiente de produção contribui de forma acentuada para o aumento da RAM, visto que possui a capacidade de se disseminar entre nichos através da transferência horizontal de genes, interferindo de forma direta ou indireta na segurança alimentar (COSTA, 2020). As bactérias com múltipla resistência são frequentemente resistentes a antimicrobianos licenciados para o uso animal, sendo utilizados tanto para terapêutica quanto para profilaxia (COSTA, 2020). Este fato preocupa as autoridades de saúde pública, visto que representam um risco eminente a saúde animal, aumentando o risco de falha terapêutica (PÓVOA 2014). Tendo isso em mente, é possível considerar as diferentes formas de utilização dos antimicrobianos, como seu uso subterapêutico como forma de profilaxia de doenças infecciosas, bem como para melhorar o desempenho produtivo dos animais, proporcionando uma melhor eficiência alimentar e promoção do crescimento. Esta forma de administração 39 geralmente é realizada pela alimentação dos animais, de forma que todos os animais, independentemente de qualquer doença infecciosa são tratados (COSTA, 2020), o que contribui para o aumento da resistência antimicrobiana. Embora existam diversas políticas de restrição do uso de antimicrobianos para evitar seu uso indiscriminado, o médico veterinário possui um importante papel para o combate e controle da utilização dos mesmos. Com base em estudos recentes foi possível averiguar a percepção e conduta de veterinários na rotina clínica cirúrgica de pequenos animais sobre o uso racional de antimicrobianos (PÓVOA, 2014). De acordo com o autor, não há consenso entre os veterinários em relação ao uso profilático de antimicrobianos em pequenos animais, havendo predominância na conduta clínica de práticas empíricas e pouco baseadas em evidências científicas ou laboratoriais, com a repetição constante e utilização dos mesmos. De acordo com estas constatações, faz se claro que o uso racional de antimicrobianos por médicos-veterinários ainda está longe do ideal. Dito isto, o uso indiscriminado de antimicrobianos pelos produtores em conjunto com a prescrição sem critérios por parte dos médicos veterinários influenciam diretamente no aumento da resistência antimicrobiana, visto que no contexto de produção animal é de praxe comum a administração de antimicrobianos na água ou no alimento de todos os animais de produção (Tabela 7). A disseminação das bactérias na cadeia alimentar é um assunto de interesse internacional, englobando uma política de “One Health” entre o ambiente, saúde animal e saúde humana. Sendo assim, os profissionais da saúde objetivam monitorar a evolução da resistência antimicrobiana em diferentes setores, podendo ser justificado tanto pelo seu uso abusivo quanto pelas razões naturais. Visto que a maioria das classes de antimicrobianos utilizados para tratar infecções bacterianas em humanos coincidem com os utilizados em animais (MCEWENe PAULA, 2002). Um exemplo de agente etiológico de gastroenterites transmitida para os seres humanos através dos alimentos é do gênero Salmonella spp. Desta forma, a Salmonella entérica não tifoide é a causa mais frequente de doença relacionada a consumo alimentar. Estima-se que ocorra 93,8 milhões de casos e 155 000 mortes por ano no mundo (MCEWENe PAULA, 2002), o que é um dado bastante relevante, levando em consideração que houve um aumento crescente da resistência neste gênero bacteriano, com elevados níveis de resistência a sulfonamidas, tetraciclinas e ampicilina. Tabela 7: Formas de administração de antimicrobianos no contexto de produção. Fonte: Adaptado de Costa, 2020. 40 Uso Finalidade Forma de administração Administração Subterapêutico profilaxia, eficiência alimentar, promoção do crescimento alimentação grupo Terapêutico terapêutica vias injetáveis, alimentação, água individual ou em grupo Metafilático terapêutica, profilaxia vias injetáveis, alimentação, água grupo Profilático profilaxia alimentação grupo O uso terapêutico de antimicrobianos é o uso clínico propriamente dito como tratamento de doenças infecciosas. O uso Metafilático representa o tratamento dos animais expostos e em risco, prevenindo a população para evitar a disseminação do agente infeccioso. Geralmente o uso Metafilático é realizado logo quando alguns indivíduos apresentam sinais clínicos. O uso profilático representa o tratamento realizado para revenir o indivíduo ou a população antes de qualquer apresentação de sinais clínicos. Fonte: Costa, 2020. 6.1 PROMOTORES DO CRESCIMENTO ANIMAL (APC) Os antimicrobianos promotores de crescimento (APC) ou aditivos melhoradores de desempenho são muito utilizados no ambiente de produção animal, tendo obtido seu sucesso relatado pela primeira vez em 1948 durante o período de identificação e isolamento da vitamina B12. Desta forma, foi identificada pela primeira vez que a massa micelar obtida nessas culturas tinha a presença de antibióticos, que poderiam atuar como um potente promotor de crescimento (GONZALES et al., 2012). A partir de 1951 as evidências do uso de antibióticos em baixas dosagens como promotores de crescimento foram obtendo resultado, o que teve como consequência a aprovação do uso do antibiótico sem prescrição por médicos veterinários pela “Food and Drug Administration” (FDA) dos Estados Unidos da América. Desta forma, foi utilizado não somente para o tratamento de infecções, sendo responsável por manter a qualidade do ambiente do trato digestório dos animais de produção, sendo utilizado como profilaxia ou terapia. Os principais objetivos com o uso dos APC’s consistem em uma obtenção de maior produtividade e crescimento dos animais, bem como aumentar a eficiência de utilização da dieta, melhorar a saúde e a resistência a doenças e diminuir a mortalidade (GONZALES et al., 2012). O mecanismo de ação que justifica a melhoria do desempenho zootécnico dos animais com a administração dos APC decorre da ação dessas substâncias no trato digestório sobre a microbiota intestinal, o que diminui a competição por nutrientes e promove a redução da produção de metabólitos responsáveis por deprimirem o crescimento dos animais. Outra das 41 justificativas para a melhoria do desempenho zootécnico dos animais consiste na redução no tamanho e peso do trato digestório dos animais promovida pela administração dos APC’s, visto que, desta forma, tornam as paredes e vilosidades intestinais mais finas devido à redução de ácidos graxos de cadeia curta e poliaminas produzidas pela fermentação microbiana (GONZALES et al., 2012). Apesar dos benefícios proporcionados pela descoberta dos APC’S, estes antimicrobianos podem contribuir para o aumento e aparecimento de resistências ou reações de hipersensibilidade em humanos. Como geralmente são administrados a grupos inteiros de animais, por longos períodos de tempo e, em muitas vezes, em doses subterapêuticas, podem favorecer a seleção e disseminação de bactérias para o ambiente e, consequentemente, para o ser humano (GONZALES, et al., 2012). Desta forma, para evitar que houvesse um aumento e aparecimento de resistências, os organismos reguladores internacionais passaram a implantar legislações mais duras. A Suécia e Dinamarca foram os primeiros países que proibiram o uso dos APC em 1986 e 1995, respectivamente, seguidos pela União Europeia em 2006. Além disso, no ano de 2000 a OMS recomendou que os antimicrobianos de uso em humanos não deveriam ser usados como APC (BRAGA, 2020). Somente no ano de 2017, a FDA baniu totalmente o uso dos antibacterianos para este fim (COSTA, 2020). Além disso, outras medidas adicionais como medidas de biossegurança aumentada, vacinação, melhoria na qualidade da alimentação dos animais, testes para diagnósticos periódicos foram sugeridos para a implementação (MORE, 2020). Embora a adoção destas restrições tenha resultado em uma diminuição de resistência de bactérias do gênero Enterococcus contra avoparcina, macrólidos e virginiamicina, diversas outras substâncias ainda apresentam resistência bacteriana, como por exemplo a vancomixina para Enterococcus faecium, sendo persistente em frangos e suínos de cultura intensiva (MARK et al., 2003). 7. PROGRAMA DE PREVENÇÃO E CONTROLE DA RESISTÊNCIA À ANTIMICROBIANOS NO ÂMBITO NACIONAL Levando em consideração os riscos de não haver um controle sobre a resistência antimicrobiana, em 2018 foi publicado o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos, no Âmbito da Agropecuária, o PAN-BR AGRO, que possui a função de descrever as ações específicas a serem desenvolvidas pelo setor agropecuário com relação à resistência antimicrobiana. Desta forma, o programa tem como objetivo avaliar os 42 riscos, tendências e padrões nas ocorrência e disseminação da resistência antimicrobiana por meio de alimentos de origem animal produzidos no Brasil (MAPA, 2021). Além disso, o PAN-BR AGRO coleta dados primordiais para análises de risco referentes à saúde animal e humana, que posteriormente são utilizados para embasar as tomadas de decisões em relação ao estabelecimento de políticas públicas e investimento de recursos nas ações de prevenção e contenção da resistência antimicrobiana na cadeia de produção de alimentos (MAPA, 2021). As diretrizes para implementação da primeira etapa do programa, realizada entre os anos de 2019 a 2022 pelo MAPA, consistem no monitoramento de forma passiva , enquanto as diretrizes da segunda etapa consistem na ampliação das cadeias produtivas a serem monitoradas, bem como no início do monitoramento ativo por meio de coletas de amostras específicas para avaliação da resistência (MAPA, 2021). Nesta revisão de literatura alguns pontos do PAN-BR AGRO serão abordados relacionados com as diretrizes da primeira etapa do programa, visto que a segunda parte ainda estava em andamento durante a elaboração do presente trabalho, tendo previsão para início de atividades e estratégias a serem implementadas a partir do ano de 2023 (MAPA, 2021). Desta forma, para que fosse traçado um projeto estratégico, diferentes pontos foram avaliados, seguindo as recomendações da OMS. Descrevendo alguns exemplos da complexidade de todas as fases do programa, pode-se citar a fase de “Seleção e priorização dos sistemas produtivos a serem monitorados”, que tem por objetivo selecionar os sistemas a serem monitorados e os colocar em uma escala de priorização para serem incluídos no programa. Para chegar neste objetivo foi necessário avaliar o volume de produção, nível de consumo pela população, importância social e econômica, associação com doenças transmitidas por alimentos, uso de antimicrobianos e disponibilidade de programas oficiais de controle de patógenos já estabelecidos. Como resultado, foram selecionados para avaliação da resistência aos antimicrobianos na primeira etapa do programa os sistemas produtivos de avicultura de corte e suinocultura. (MAPA, 2021). A fase seguinte, denominada “Seleção dos pontos da cadeia produtiva a serem monitorados” tem por objetivo selecionar os pontos críticos da cadeia produtiva da avicultura de corte e suinocultura com o intuito de monitorar a resistência aos antimicrobianos em duas etapas importantes da cadeia de produção de alimentos, sendo elas a criação dos animais e a indústria de abate e processamento (MAPA, 2021). Já a fase de “seleção dos microrganismos a serem monitorados” considerou bactérias comensais e patogênicas de origem alimentar e de importância veterinária e humana. Desta 43 forma, foi definido que a bactéria a ser monitorada seria a Salmonella spp., devido à existência prévia de programas oficiais do MAPA já consolidados para o controle desse patógeno nas cadeias de avicultura de corte e suinocultura, o que disponibiliza para a primeira etapa do programa a disponibilidade de capacidade laboratorial, recursos financeiros e logísticos (MAPA, 2021). A fase que determina as diretrizes de amostragem definiu que a primeira etapa do programa seria realizada de forma passiva, utilizando amostras já coletadas em programas oficiais de controle de patógenos estabelecidos pelo MAPA nas cadeias produtivas de avicultura de corte e suinocultura. Desta forma, foram utilizados 384 isolados de Salmonella spp. provenientes de amostras coletadas em estabelecimentos avícolas comerciais e em estabelecimentos de abate de aves sob Inspeção Federal. Em adição, as avaliações na cadeia de suinocultura também foram pautadas a partir de todos os isolados de Salmonella spp. obtidos de amostras de superfície de carcaça coletadas em abatedouros frigoríficos de suínos sob Inspeção Federal, durante o período de setembro de 2019 a agosto de 2020 (MAPA, 2021). Ainda de acordo com as diretrizes propostas no programa, foi definido que as amostras seriam processadas por laboratórios credenciados da Rede Nacional de Laboratórios Agropecuários do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, a fim de evitar fraudes (MAPA, 2021). Uma das análises realizadas pelo programa foram as de suscetibilidade aos antimicrobianos a fim de realizar a avaliação do perfil de resistência dos isolados. Para realiza- la a metodologia utilizada foi a de microdiluição em caldo, permitindo uma avaliação da suscetibilidade dos isolados de forma quantitativa e qualitativa. A avaliação quantitativa é realizada com base nos valores de concentração inibitória mínima (CIM) que consiste na concentração de antimicrobiano necessária para inibir o crescimento bacteriano. Já a avaliação qualitativa é referente à classificação em sensíveis; em exposição aumentada; ou resistentes (MAPA, 2021). Em relação aos antimicrobianos que foram avaliados nesta etapa podemos citar a gentamicina, cloranfenicol, ampicilina, meropenem, cefotaxima, ceftazidima, cefepime, sulfametoxanol com trimetoprim, azitromicina, colistina, ácido nalidíxico, ciprofloxacino e tetraciclina (MAPA, 2021). 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS 44 A crescente evolução da resistência antimicrobiana é acompanhada desde a descoberta da penicilina e continua sendo um desafio para os profissionais da saúde, visto que dia após dia novos planos terapêuticos devem ser desenvolvidos. O uso indiscriminado de antimicrobianos, tanto na medicina humana quanto na medicina veterinária foi responsável por impulsionar o processo de resistência, o que provocou um aumento da mortalidade e morbidade das doenças infecciosas. Além disso, o uso de antimicrobianos no cenário de produção animal também possui grande responsabilidade no aumento da resistência, principalmente devido a administrações abusivas e profiláticas. Um dos fatores que contribui para o uso inadequado de antimicrobianos é a disponibilidade de compra, mesmo que proibida por lei, sem a prescrição médica nas farmácias, o que provoca a auto prescrição ou a prescrição independente dos tutores para seus animais. A ausência de programas com protocolos de utilização racional de antimicrobianos em hospitais veterinários também é um fator que deve ser considerado, visto que foi descrito por Póvoa, 2021, que não há consenso entre médicos veterinários com relação ao uso da antibioticoterapia profilática, fazendo com que haja o predomínio de práticas empíricas não baseadas em evidencias científicas ou laboratoriais, o que é um fator que contribui para o aumento da resistência a antimicrobianos, principalmente no contexto de infecções hospitalares. Levando em consideração o exposto no trabalho, a eminência da Resistência Antimicrobiana é um assunto de mobilização mundial, visto que é o assunto é considerado uma das dez maiores ameaças para a saúde pública global, causando prejuízos de mais de 100 trilhões de dólares. Os prejuízos não param no âmbito financeiro, visto que se estima que em 2050 ocorram 10 milhões de mortes associadas à perda da eficácia de antimicrobianos. Atualmente, programas de vigilância e monitoramento do uso de agentes antimicrobianos e de RAM na medicina veterinária foram adotados por vários países ao redor do mundo, inclusive pelo Brasil (PAN-BR AGRO). Órgãos de saúde como a OMS estão cada vez mais compromissados em combater o problema, aprovando um plano de ação global em maio de 2015 para enfrentar a resistência antimicrobiana com os objetivos de melhorar a consciência e compreensão da RAM, fortalecer o conhecimento por meio da ciência e da vigilância, reduzir a incidência de infecção, otimizar o uso de agentes antimicrobianos e aumentar o investimento em novos medicamentos, ferramentas de diagnóstico e vacinas (RIBEIRO et al., 2019). Levando em consideração toda a mobilização mundial a respeito do uso racional de antimicrobianos é possível concluir que medidas de prevenção e controle de infecções juntamente com o uso adequado de medicamentos antimicrobianos podem retardar o 45 surgimento de novas mutações em relação à resistência antimicrobiana. Além disso, a complexidade dos Programas de Vigilância e Monitoramento indica que caso as recomendações presentes nas diretrizes sejam seguidas há chance de controlar o aumento da RAM e evitar, com isso, prejuízos inenarráveis para a saúde única, porém as autoridades políticas devem ser conscientizadas a fim de realizarem investimentos na pesquisa nacional para que a crise da Resistência Antimicrobiana seja contida. 46 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, M. A., BIERMANN, C. S., MORORÓ, G.P., DUMARESQ, D. M. H., MEDEIROS, M. S. Antimicrobianos: Revisão Geral para graduandos e generalistas. Farmacodinâmica dos antimicrobianos. 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