UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DOCÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA IVO GUILHERME VIDA AS ABORDAGENS DE ENSINO NA EDUCAÇÃO (FÍSICA) INFANTIL: CONTRIBUIÇÕES PARA PROFESSORES NA PERSPECTIVA CRÍTICO-EMANCIPATÓRIA CONSIDERANDO A SUSTENTABILIDADE BAURU 2018 IVO GUILHERME VIDA AS ABORDAGENS DE ENSINO NA EDUCAÇÃO (FÍSICA) INFANTIL: CONTRIBUIÇÕES PARA PROFESSORES NA PERSPECTIVA CRÍTICO-EMANCIPATÓRIA CONSIDERANDO A SUSTENTABILIDADE Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Faculdade de Ciências, Campus de Bauru – Programa de Pós- Graduação em Docência para a Educação Básica, sob a orientação da Professora Doutora Dagmar Aparecida Cynthia França Hunger. BAURU 2018 Vida, Ivo Guilherme. As abordagens de ensino na educação (física) física infantil : contribuições para professores na perspectiva crítico-emancipatória considerando a sustentabilidade / Ivo Guilherme Vida, 2018 131 f. Orientadora: Dagmar Aparecida Cynthia França Hunger Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2018 1. Educação (física) infantil. 2. Abordagem crítico-emancipatória. 3. Sustentabilidade. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus pais, Ivone e João, pelo empenho em me oferecer uma educação de qualidade, pelo carinho manifesto, pelo cuidado e pelo amor cultivado. Dedico também a todas as crianças e desejo que elas possam ter uma educação humana, digna e generosa, para que possam vislumbrar todas as suas potencialidades. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por me proporcionar vivências e aprendizados significativos durante a minha trajetória de vida, me concedendo saúde, força, coragem e alegria. A toda minha família, minha mãe Ivone, meu pai João, meu irmão Eduardo, meu avô Florindo e, in memorian, minha avó Aparecida. À minha orientadora, Professora Dagmar Aparecida Cynthia França Hunger, por acreditar no meu trabalho enquanto professor de Educação Física, por contribuir com a minha formação continuada e por todos os diálogos e aprendizados proporcionados ao longo desse processo. Aos professores que participaram da Banca Examinadora, Rita Melissa Lepre e Elaine Prodócimo que, com especial leveza, realizaram as críticas à pesquisa, proporcionando momentos de aprendizado e reflexão para a construção do trabalho. À professora Fernanda Rossi e à professora Ana Cristina Zimmermann, por gentilmente aceitarem o convite para compor a Banca Examinadora Suplente. Aos colegas de turma, com os quais cursei as disciplinas do Programa de Mestrado Profissional ―Docência na Educação Básica‖, pelo companheirismo e todas as informações compartilhadas. Um agradecimento especial à Ângela Russo, que tanto me auxiliou nesse período, compartilhando ansiedades e conquistas. A minha professora de yoga Ana, e ao massoterapeuta Jean, que cuidaram de mim nesse processo intenso de infinitos afazeres, sempre me proporcionando momentos de paz e reconstrução. Ao companheiro Eduardo, que mesmo longe, está sempre presente. Aos colegas de trabalho das escolas ―Mercedes Lopes de Marchi‖ e ―Antonio Ferraz‖, que sempre contribuíram e apoiaram com/os meus percursos, tanto acadêmicos, como pessoais. E, finalizando, as crianças e adolescentes cheios de energia, vitalidade, alegria e entusiasmo, que são a base para todas as reflexões e estudos acadêmicos no âmbito escolar. Vai aqui este pedido aos professores, pedido de alguém que sofre ao ver o rosto aflito das crianças, dos adolescentes: lembrem-se de que vocês são pastores da alegria, e que a sua responsabilidade primeira é definida por um rosto que lhes faz um pedido: “Por favor, me ajude a ser feliz...” Rubem Alves (1994, p.15) VIDA, Ivo Guilherme. As abordagens de ensino na educação (física) infantil: contribuições para professores na perspectiva crítico-emancipatória considerando a sustentabilidade. 2018. 131f. Dissertação (Mestrado em Docência na Educação Básica), Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru-SP, 2018. RESUMO As abordagens teórico-metodológicas da Educação Física Escolar cumprem um papel fundamental no processo de aprendizagem de crianças e jovens estudantis. No entanto, observam-se lacunas na formação inicial, bem como nos cursos de educação continuada, porém, há a expectativa dos professores em compreender tais perspectivas. É nesse sentido que a presente pesquisa objetivou evidenciar como se procede a prática pedagógica dos professores de Educação (Física) Infantil, de um município do interior de São Paulo. Para isso, buscou-se instrumentalizar os professores em relação às abordagens de ensino, enfatizando a educação de cidadãos críticos por meio do enfoque na abordagem crítico- superadora e da sustentabilidade, a última, tendo sua justificativa na necessidade global de ampliar a consciência ambiental valorizando as práticas sustentáveis. A investigação está estruturada: a) Revisão de literatura referente à Infância, escola e Educação (Física) Infantil; b) As abordagens Teórico-metodológicas da Educação Física; e c) A perspectiva da sustentabilidade, Educação Ambiental e práticas sustentáveis na Educação Física. No que diz respeito aos processos metodológicos, o estudo baseou-se no enfoque qualitativo, em específico, a pesquisa participante, com quatro (4) professores, sendo aplicado como recurso para a coleta de dados o grupo focal, com auxílio de um guia de entrevista, totalizando oito (8) encontros - nomeados de interlocução e caracterizados por uma formação continuada, em que o grupo de professores se reuniu para aprofundar os conhecimentos sobre as abordagens teóricas da Educação Física. Os encontros foram gravados e as informações transcritas para que fossem tratadas e definidas as categorias de análise de conteúdo, sendo: 1. O planejamento e as fontes teóricas, que contém a subcategoria: As tendências históricas de ensino no âmbito da Educação Física; 2. Os aspectos motores, cognitivos e afetivo-sociais: como trabalhar em harmonia? 3. Do comando ao diálogo: as relações sociais e as mediações de conflito; 4. As abordagens pedagógicas da Educação Física na ótica dos professores participantes; 5. A Sustentabilidade e a Educação Ambiental ganhando espaço na Educação (Física) da Infância. Da investigação evidenciou-se: a) que os professores participantes da pesquisa não aprenderam as abordagens na formação inicial; b) aplicam determinadas estratégias das abordagens em suas práticas, porém, não conhecem profundamente seus fundamentos; c) caracterizando suas aulas num ensino experiencial, perpassando por um amálgama das abordagens de ensino; d) no que se refere ao tema da sustentabilidade, reconhecem a importância do tema nas aulas, porém, não tiveram formação voltada para tal; e) carecem de formação continuada de qualidade; Concluiu-se que, na educação básica, as práticas de ensino dos professores de Educação (Física) Infantil necessitam ser ressignificadas a nível das abordagens de ensino, por meio de políticas públicas que proporcionem uma formação continuada crítica e emancipada. Como resultante final apresento o produto educacional sobre a abordagem crítico-emancipatória na perspectiva da educação sustentável, objetivando a renovação da prática pedagógica da Educação (Física) Infantil. Palavras chaves: Educação (Física) Infantil, Abordagem crítico-emancipatória, Sustentabilidade. VIDA, Ivo Guilherme. Teaching approaches in (physical) education for children: contributions to teachers in a critical-emancipatory perspective considering sustainability. 2018. 131f. Dissertation (Masters in Teaching in Basic Education), Faculty of Sciences, UNESP, Bauru-SP, 2018. ABSTRACT The theoretical-methodological approaches of Physical School Education, play a fundamental role in the learning process of children and young students. However, there are gaps in initial training as well as in continuing education courses, but teachers are expected to understand such perspectives. It is in this sense that the present research aimed to show how the pedagogical practice of the Physical (Infant) Education teachers of a municipality in the interior of São Paulo is carried out. In order to achieve this, we sought to equip teachers with regard to teaching approaches, emphasizing the education of critical citizens by focusing on the critical- surpassing approach and sustainability, the latter having its justification in the global need to broaden environmental awareness by valuing the sustainable practices. The research is structured: a) literature review on Childhood, school and Infant (Physical) Education; b) The theoretical-methodological approaches of Physical Education; and c) The perspective of sustainability, Environmental Education and sustainable practices in Physical Education. With regard to the methodological processes of the study, four (4) teachers were based on the qualitative approach, specifically the participant research, and the focal group was used as a resource for the data collection, with the help of an interview guide , totaling eight (8) meetings - named for dialogue and characterized by a continuous formation, in which the group of teachers met to deepen the knowledge on the theoretical approaches of Physical Education. The meetings were recorded and the information transcribed to be treated and defined the categories of content analysis, being: 1. The planning and the theoretical sources, which contains the subcategory: The historical trends of teaching in the scope of Physical Education; 2. The motor, cognitive and affective-social aspects: how to work in harmony? 3. From command to dialogue: social relations and conflict mediations; 4. The pedagogical approaches of Physical Education in the perspective of the participating teachers; 5. Sustainability and Environmental Education gaining space in the (Physical) Education of Childhood. The research showed that: a) that the teachers participating in the research did not learn the approaches in initial training, b) apply certain strategies of the approaches in their practices, but do not know their fundamentals deeply, c) characterizing their classes in experiential teaching through an amalgam of teaching approaches; (d) as far as sustainability is concerned, they recognize the importance of the theme in the classes, but they were not trained in this, and e) lack continuous quality education, it was concluded that in education basic, the teaching practices of Infant (Physical) Education teachers need to be resented at the level of teaching approaches, through public policies that provide an ongoing critical and emancipated formation. As a final result, I present the educational product about the critical-emancipatory approach in the perspective of sustainable education, aiming at the renewal of the pedagogical practice of Infant (Physical) Education. Keywords: Infant (Physical) Education - Critical-emancipatory Approach, - Sustainability. LISTA DE QUADROS Quadro 1 - O perfil dos quatro professores participantes ......................................... 28 Quadro 2 - Esquema do processo de interlocução da pesquisa-participante. .......... 30 Quadro 3 - Estratégia de interlocução sobre a abordagem da Psicomotricidade. .... 32 Quadro 4 - Estratégia de interlocução sobre a abordagem Desenvolvimentista. ..... 33 Quadro 5 - Estratégia de interlocução sobre a abordagem Construtivista. .............. 34 Quadro 6 - Estratégia de interlocução sobre a abordagem Crítico-superadora........ 35 Quadro 7 - Estratégia de interlocução sobre a abordagem Crítico-emancipatória. .. 36 Quadro 8 - Estratégia de interlocução sobre a abordagem da Saúde renovada. ..... 37 Sumário INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14 CAPÍTULO 2 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................ 23 2.1 Natureza e abordagem teórica da pesquisa .................................................... 23 2.2 A pesquisa e as estratégias de coleta e análise de dados .............................. 26 2.3 O universo investigativo da pesquisa............................................................... 28 2.4 O processo de desenvolvimento da pesquisa ................................................. 30 CAPÍTULO 3 - INFÂNCIA, ESCOLA E EDUCAÇÃO (FÍSICA) INFANTIL............... 39 3.1 Contextualização histórica da infância ............................................................. 39 3.2 Considerações sobre a educação infantil no Brasil ......................................... 44 3.3 A Educação (Física) Infantil: valorizando a subjetividade da criança .............. 49 CAPÍTULO 4 - ABORDAGENS TEÓRICO-METODOLÓCAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ...................................................................................................................... 53 4.1 Abordagem da Psicomotricidade ..................................................................... 56 4.2 Abordagem da Saúde Renovada ..................................................................... 58 4.3 Abordagem Desenvolvimentista ...................................................................... 60 4.4 Abordagem Cultural ......................................................................................... 62 4.5 Abordagem Construtivista-interacionista ......................................................... 64 4.6 Abordagem Sistêmica ...................................................................................... 66 4.7 Abordagem Crítico-superadora ........................................................................ 68 4.8 Abordagem Crítico-emancipatória ................................................................... 70 4.9 Abordagem Multicultural .................................................................................. 73 CAPÍTULO 5 - A PERSPECTIVA DA SUSTENTABILIDADE ALIADA À EDUCAÇÃO (FÍSICA) .............................................................................................. 76 5.1 A ecopedagogia como possibilidade na escola ............................................... 77 5.2 A educação ambiental, ecológica e holística na Educação Física ................... 80 CAPÍTULO 6 – O CONTEXTO PEDAGÓGICO DA EDUCAÇÃO (FÍSICA) INFANTIL .................................................................................................................................. 87 6.1 O planejamento e as fontes diversas. .............................................................. 87 6.1.2 As tendências de ensino no âmbito da Educação Física. ............................. 90 6.2 – Os aspectos motores, cognitivos e afetivo-sociais: como trabalhar em harmonia? .............................................................................................................. 94 6.3 Do comando ao diálogo: as relações sociais e as mediações de conflito........ 97 6.4 As abordagens pedagógicas da Educação Física na ótica dos professores participantes. ....................................................................................................... 100 6.5 A sustentabilidade e a Educação ambiental ganhando espaço na Educação Física da Infância. ................................................................................................ 111 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 117 REFERENCIAS ....................................................................................................... 121 APENDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (PROFESSORES PARTICIPANTES) ..................................................................... 127 APENDICE B – GUIA DE ENTREVISTA ................................................................ 128 ANEXO A – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP ...................................... 129 14 INTRODUÇÃO Os motivos que me incentivaram a trabalhar sobre o tema proposto estão no entorno da escassez de material pedagógico prático com diferentes enfoques metodológicos na área da Educação (Física) Infantil, para embasar minha prática, a afinidade pelo tema em questão, ou seja, sou professor de Educação Física no âmbito da educação infantil e atuo objetivando analisar minha práxis pedagógica de maneira a qualificá-la. Como professor de Educação (Física) Infantil e por ter afinidade com a temática da sustentabilidade, iniciei alguns questionamentos em relação às abordagens de ensino utilizadas pelos professores, fato este que me interessou muito no campo investigativo, esse fator incentivou-me a desenvolver o trabalho pautado nas abordagens de ensino, considerando a perspectiva crítico- emancipatória, a qual julgo ser a mais coerente e cabível no ambiente escolar, por tratar-se de uma perspectiva crítica e que valoriza as intencionalidades da criança no se-movimentar, e abordando também a perspectiva da Educação ambiental presente na Sustentabilidade. Há dificuldades de constituir um currículo para tal área, pois o movimento histórico que visa transformar as práticas pedagógicas tradicionalistas, tornando-as significativas para os alunos, encontra-se em processo de construção. Com isso, surgem muitas linhas teóricas de como desenvolver um processo de ensino aprendizagem, porém, as estratégias para efetivação de tais abordagens ainda são escassas e desprovidas de situações de ensino sólidas e concretas. A valorização das ações, no ambiente escolar, é importante, pois retrata a realidade do cotidiano dos docentes, discentes e de toda equipe pedagógica da escola, revelando situações indispensáveis para o entendimento do processo de escolarização, principalmente na Educação Infantil, considerando a passagem das crianças que migram do contexto familiar rumo ao amplo conjunto de novas relações vivenciado nas instituições de ensino. Para tanto, o Programa de Mestrado Profissional tem objetivo de estabelecer uma relação entre a pós-graduação e o ambiente de atuação profissional, tal fator favorece e justifica a investigação de aspectos recorrentes da prática pedagógica. 15 O termo ―Educação (Física) Infantil‖ enfatizado na presente pesquisa é o mesmo utilizado por Silva, Kunz e Agostino (2010) e Silva (2010), representado, nas concepções dos autores, como uma crítica à dicotomia corpo (físico) e mente, interpretando a criança de maneira integral, portanto, considerando suas potencialidades, seus gestos banhados de significado e seu se-movimentar. No decorrer da pesquisa, serão apresentadas reflexões sobre embasamentos teóricos que contemplam cada qual, a sua abordagem teórica, sua perspectiva de ensino e as estratégias utilizadas no processo cultural das instituições escolares, enfatizando a maneira característica de ensinar, ou seja, as particularidades de como desenvolver os processos de ensino e aprendizagem da Educação Física no âmbito da Educação Infantil. As crianças do século XXI nasceram num ambiente e numa cultura que divergem das crianças nascidas dez ou vinte anos atrás, entretanto, o que tem se diagnosticado nos estudos e nas realidades escolares é que o ensino não acompanhou tal mudança. Talvez, por isso, nós, docentes, enfrentamos dificuldades no processo de ensino aprendizagem com crianças pequenas, pois temos bagagens culturais diferentes, configuradas em processos históricos distintos. Com isso, talvez a velocidade das informações seja um ponto que diferencie as relações atuais das relações de antigamente, considerando o avanço tecnológico e as mudanças ocorridas na sociedade por esse viés. Desse modo, Gonzáles e Schwengber (2012) indicam que: (...) a infância contemporânea se contrapõe ao legado teórico da pedagogia tradicional, que caricaturou a criança como in-fans (o que não fala, aquele que não tem linguagem), cuja tônica se estabelece na negação de seu reconhecimento como sujeito de ações, de linguagens. (p.17, grifo dos autores) Com referência a essas colocações, necessitamos de práticas pedagógicas na Educação (Física) Infantil que priorizem o conhecimento prévio das crianças, que estimulem a construção de conhecimentos pelos próprios discentes e que percebam os ―pequenos‖ como seres humanos dotados de potencialidades criativas. Pensando em Educação Física na Educação Infantil, e na atuação de professores generalistas ou especialistas no desenvolvimento da área em questão, inicia-se a reflexão sobre o argumento da falta de aprofundamento nos cursos de 16 Pedagogia para o saber pedagógico na Educação Física, formando profissionais que não contemplam, na atuação, a Cultura Corporal de Movimento (AYOUB, 2005). Porém, a dicotomia empregada na escola, separando as aulas de Educação Física das tarefas pedagógicas (executadas pelos Pedagogos), empreende manter a cultura fragmentária do ensino. Tais argumentos são sobrepostos pela ideia de que a fragmentação das áreas de ensino decorre do trato metodológico construído pelas instituições (AYOUB, 2005). Há a necessidade de expansão de pesquisas que abordem a infância e a Cultura Corporal de Movimento numa perspectiva histórica, valorizando o objetivo de superar as práticas pedagógicas que reprimem o movimento das crianças, impondo estratégias que limitam a criação e o desenvolvimento integral das mesmas, assim como nos aponta Sayão (2002): No caso da educação infantil e da educação física, cabe também aprofundar os estudos relacionados à formação das profissionais² que atuam com crianças de zero a seis anos. Isto implica questionar profundamente a concepção racionalista que, historicamente, permeia tanto as práticas educacionais quanto a formação docente, pois a produção dos sujeitos humanos tem sido um constante inculcamento da disciplinarização de seus próprios corpos. (p.58). Nesse sentido, é identificada também a ideia de ―disciplinarização‖ que, no caso, significa o excesso de barreiras corporais que a escola impõe na criança, tornando quase impossível a criação, construção de movimentos que sejam significativos para a mesma, cabe nesse trajeto uma ótica humanizada em relação às estratégias de ensino e ao desenvolvimento da relação professor-aluno. Contudo, essa ideia reporta não apenas a disciplina no sentido de controle, mas também da divisão do tempo em saberes organizados por conteúdos (disciplina como matérias escolares). Com isso completa Sayão (2002): Entendendo que a realidade é dinâmica, é possível pensar que os limites apontados pelas profissionais envolvidas na Educação Física e na Educação Infantil, quando relacionados ao trabalho que articula corpo e movimento, precisam ser ultrapassados (p.65). As escolas de Educação Infantil, muitas vezes, pelas normas e afazeres burocráticos, se deparam por priorizar as tarefas intelectuais, aquelas desenvolvidas em sala de aula, as quais minimizam o movimento das crianças, forçando-as a 17 ficarem sentadas realizando atividades (denominadas de ―trabalhinhos‖) e acabam, talvez inconscientemente, limitando sua capacidade de aprender e assimilar conceitos por meio do corpo. Triste realidade! Por isso é importante repensar o papel do docente, suas ações pedagógicas e refletir se realmente é necessário contemplar atividades de materiais didáticos, apostilas, ou seja, sequências previamente elaboradas por terceiros e não pela equipe pedagógica da própria escola, fatores que imobilizam a criação de novas estratégias de ensino, menosprezam a bagagem de conhecimentos e experiências dos professores, impondo uma única maneira de relacionamento com a comunidade escolar, seguindo as regras e os padrões. Em seus estudos, Kishimoto (2001) revela questionamentos em relação aos apontamentos anteriores, estimulando a reflexão e o estudo de artigos científicos, assim como o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (1998), no qual são descritas orientações para o desenvolvimento integrado, contemplando os aspectos intelectuais, afetivos e motores das crianças, porém, na maioria das escolas, é evidente a fragmentação das áreas do conhecimento, ou seja, a realidade das escolas de Educação Infantil precisa ser transformada, valorizando ações que integrem esses aspectos. Mattos e Neira (1999) apresentam a construção do conhecimento como foco principal no processo de ensino aprendizagem, ou seja, valorizam o sujeito na relação com o objeto de aprendizagem, relatando o professor como orientador e facilitador da interação do aluno com o conhecimento. Tal expectativa difere daquela, a qual o conhecimento era transferido para os discentes de forma a enfatizar o professor como detentor do conhecimento. Nesse mesmo viés, mais tardiamente, Mattos e Neira (2002) produzem orientações sobre a inter-relação dos conteúdos nas aulas de Educação Física Infantil, englobando o movimento, a leitura e a escrita no processo de ensino aprendizagem, compreendendo as crianças nesse processo como construtoras de seus conhecimentos e enfatizando a importância de extrapolar a fragmentação do ensino integrando os conteúdos e propondo condições para que os docentes organizem um plano de ação voltado às necessidades dos alunos. Sobre a relação do professor com os alunos, Freitas e Stigger (2015) comentam que ―podemos estabelecer diálogos e aproximações com os objetivos estabelecidos pelos professores e os interesses das crianças com as brincadeiras‖ 18 (p.82), realizando, dessa forma, um ensino que estimule a valorização das intenções dos alunos, dos seus conhecimentos prévios, advindos dos contextos extraescolares, aliando aos planejamentos dos professores e seus objetivos pré- definidos. Em relação às estruturas metodológicas do ensino da Educação Física, Kunz e Trebels (2006), quando tratavam do objetivo central de uma Pedagogia Crítico-Emancipatória, enfatizando o se-movimentar1 humano, explanaram: A Educação Física brasileira precisa, com urgência, num trabalho conjunto entre profissionais da prática, pesquisadores e coordenadores municipais, estaduais e federais da área, concentrar- se na elaboração de um programa para sua atuação, assim como todas as disciplinas escolares têm. A Educação Física depende apenas da capacidade, do interesse e até do humor dos professores, para definir o que vai ser ensinado. (p.21) Com tais apontamentos é possível evidenciar a necessidade de planejamento e reestruturação das estratégias de ensino na Educação (Física) Infantil, nível de ensino enfatizado no estudo e nas outras áreas do conhecimento. Para isso, é imprescindível a reflexão das ações pedagógicas no ambiente escolar, para que não ocorra uma falta de coerência nas abordagens teóricas com as estratégias pedagógicas, ou seja, o professor se apropria de um discurso emancipatório, mas na realidade promove apenas atividades que acabam limitando a capacidade criativa dos discentes, como cita Kunz e Trebels (2006), ―o mesmo ocorre quando, em atividades de brincadeiras, movimentos, esportes e jogos, de qualquer contexto sociocultural, as pessoas apenas copiam ou imitam movimentos‖ (p.20). Portanto, cabe em nosso cenário educacional contemporâneo a reflexão sobre as produções acadêmicas e suas conexões com a prática da Educação Física na escola, sobretudo na Educação Infantil. Considerando esse contexto e as ideias expostas, é importante refletir que (CASTRO e KUNZ, 2015): 1 ―Os primeiros teóricos a fazerem essa distinção foram os holandeses Buytendkijk, Gordijne Tamboer e os alemães Trebels, Grupe, entre outros. Nessa abordagem com forte influência da Filosofia fenomenológica, estes autores concluem, primeiramente, que esta análise do movimento na perspectiva do ―se-movimentar‖ deve referir-se sempre a, pelo menos, três dimensões sempre presentes no se-movimentar de sujeitos: ao ator, o sujeito das ações do movimento. [...] a uma concreta situação na qual as ações do movimento estão vinculadas. [...] um sentido/significado que orienta as ações do movimento e é responsável pela apreensão de sua estruturação‖. (GONZALES e FENSTERSEIFER, 2005, p.384-385) 19 Compreender a criança e possibilitar espaços para que ela brinque é assumir o papel que temos como adultos (pais e professores). Essa deveria ser uma de nossas principais responsabilidades quando pretendemos nos ―intrometer‖ no brincar da criança. Não se trata de estabelecer formas e brincadeiras pré-moldadas, nem de dirigir todos os acontecimentos, mas de possibilitar à criança conhecer pela experiência (p.54-55). O processo de apropriação da Educação Física na Educação Infantil é recente, se tratando de profissionais realmente habilitados para tal função. As estratégias utilizadas pelos professores para construir conhecimentos na educação infantil em relação à Cultura Corporal de Movimento, muitas vezes, não tem fundamento teórico adequado, constituindo-se em práticas desprovidas de coerência. Para as proposições apresentadas acima é pertinente refletir sobre a discussão de professores generalistas e especialistas realizadas por Ayoub (2005), citadas no estudo anteriormente. Para tanto, é explicitado, a seguir, o questionamento central do estudo: Como se procede a prática pedagógica do professor? Em qual abordagem teórico-metodológica se fundamenta? Ou suas aulas caracterizam-se por um amálgama das abordagens? Os docentes apropriam-se dessas abordagens na prática pedagógica vivenciada nas escolas de Educação (Física) Infantil, ou têm tratado a Cultura Corporal de Movimento como horário de parque, de intervalo das outras áreas do conhecimento, ou de momento do brincar? Tais apontamentos são discutidos por Santos (2016) ao investigar a prática de professoras generalistas no ensino do movimento em instituições de educação infantil. Para Ferraz e Correia (2012), muitas vezes, as propostas pedagógicas não são sistematizadas pelos docentes, e são influenciadas por interesses corporativos e políticos ideológicos, com isso, cabe refletir: Por que ensinar, o quê ensinar, como ensinar, para quem ensinar, ou seja, questões cruciais de viabilização do currículo são significantes, produzidas em esferas alheias aos domínios das instituições escolares e de seus atores concretos (p. 536) 20 A construção de uma metodologia com ênfase nas estratégias de ensino- aprendizagem estimula os docentes a refletirem sobre as suas ações pedagógicas no âmbito escolar, proporcionando questionamentos e induzindo a transformação curricular, voltada realmente às necessidades e expectativas da criança. Com isso, vale destacar que, para a elaboração de um currículo na Educação (Física) Infantil, deve privilegiar-se os conhecimentos sócio-históricos da comunidade, considerando os alunos e suas práticas sociais, estimular os educadores a desenvolverem estratégias pedagógicas favorecendo a ação – reflexão da prática pedagógica e considerando os temas relevantes da sociedade, como é o caso da abordagem crítico-emancipatória desenvolvida por Kunz e das temáticas, como o caso da sustentabilidade e educação ambiental, por serem pertinentes na sociedade atual. A sustentabilidade e a educação ambiental tornam-se temas relevantes na sociedade atual pelo crescente processo de devastação da natureza ocorrido por meio da revolução industrial e do uso incorreto dos recursos naturais do planeta. Com isso, é cabível refletir como o sistema educativo pode contribuir para a resolução dessa problemática que atinge as gerações atuais e futuras. Como podemos formar cidadãos críticos com uma consciência ambiental correta e que favoreça o amadurecimento de ações sustentáveis? Essa questão torna-se pertinente para refletirmos ações pedagógicas plausíveis nesse contexto. As considerações supracitadas foram mencionadas para refletir e explicar a situação enfrentada pelo professor pesquisador em sua prática cotidiana, com isso foi proposto pensar sobre tais situações, para que o leitor esteja situado no contexto e nas premissas que originaram a investigação. Com tais considerações, a presente investigação ganhou estima proporcionando os seguintes objetivos: Objetiva-se evidenciar como se procede a prática pedagógica dos professores, considerando as abordagens de ensino, de um município do interior de São Paulo. Refletindo sobre o processo histórico referente às estratégias utilizadas para o desenvolvimento dos conteúdos da Educação (Física) Infantil. O objetivo específico da pesquisa é realizar um diálogo entre a abordagem crítico emancipatória com a educação sustentável, almejando construir reflexões que auxiliem os professores a engajar tais temas em suas práticas de ensino. A seguir será retratado o objetivo do produto educacional. 21 Elaborar, com os professores participantes da pesquisa, propostas de sequências e materiais didáticos, considerando a educação sustentável na abordagem crítico emancipatória. O entendimento da importância do movimento expressivo e dialogado para a criança remete aos profissionais a necessidade do comprometimento com a infância e a clareza de quais conteúdos ensinarem, como ensinar e para que ensinar na Educação (Física) Infantil. Para tanto, exige estudo e reflexão do cotidiano pedagógico aliado às abordagens de ensino disponíveis da área em pauta. A investigação está estruturada em seis capítulos. O segundo capítulo trata dos Procedimentos que delimitaram o estudo, explicando os processos escolhidos para a realização da pesquisa, bem como, a natureza e a abordagem teórica, o universo investigativo, as estratégias de coleta e análise dos dados e o desenvolvimento do estudo. O terceiro capítulo apresenta Infância, escola e Educação (Física) Infantil, o qual contém contextualizações no entorno desses conceitos, realizando uma breve revisão de literatura das áreas mencionadas. No quarto capítulo Abordagens Teórico-metodológicas da Educação Física, foram elencadas as concepções mais relevantes historicamente e apresentadas considerações sobre as mesmas a partir de autores importantes para a temática. No quinto capítulo é discutida A perspectiva da sustentabilidade aliada à Educação Física, que aborda estudos voltados ao tema objetivando incluir conhecimentos teóricos sobre a educação ambiental e práticas sustentáveis na Educação Física. O sexto capítulo O contexto pedagógico da Educação (Física) Infantil versa sobre a análise dos dados coletados pela entrevista em grupo e a interlocução com os professores, articulados com os fundamentos teóricos utilizados. Desse processo emergiram as seguintes categorias de análise: O planejamento e as fontes diversas, que possui a subcategoria: A transformação histórica nas estratégias de ensino no âmbito da Educação Física. A segunda categoria menciona Os aspectos motores, cognitivos e afetivo-sociais: como trabalhar em harmonia? A terceira categoria estabelece-se em Do comando ao diálogo: as relações sociais e as mediações de conflito. A quarta categoria As abordagens pedagógicas da Educação Física na ótica dos professores participantes; E, por fim, A Sustentabilidade e a Educação ambiental ganhando espaço na Educação Física da Infância. 22 No último capítulo são apresentadas as considerações finais, que trazem reflexões a respeito de todo o estudo enfatizando a necessidade de formação continuada para os professores de Educação Física. 23 CAPÍTULO 2 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 2.1 Natureza e abordagem teórica da pesquisa A pesquisa em Educação Física Escolar, na década de 80 e meados da década de 90 do século 20, foi distinguida por produções de ensaios teóricos influenciados por estudos filosóficos, pedagógicos, históricos, na área da aprendizagem e desenvolvimento motor. Tais produções deram luz a algumas proposições teórico-metodológicas, porém, já em meados da década de 90, elas foram se esgotando, no sentido em que a Educação Física Escolar só avançaria com o aumento da aproximação de pesquisadores com os professores da Educação Básica, vivenciando situações práticas de ensino no âmbito escolar (BETTI, 2013). Considerando as proposições históricas citadas acima, percebe-se que há necessidade de vínculo das pesquisas com o contexto da Educação Física escolar. Sobre o ponto de vista de Severino (2002), todos os trabalhos científicos devem ter estreita relação pessoal com o pesquisador, assim como a problemática deve ser vivida pelo mesmo, não num nível sentimental, mas da relevância dos problemas abordados na pesquisa. Nesse sentindo, a estrutura metodológica selecionada para nosso estudo foi a pesquisa qualitativa, pois ―[...] o foco da pesquisa qualitativa é compreender e aprofundar os fenômenos, que são explorados a partir da perspectiva dos participantes em um ambiente natural e em relação ao contexto‖ (SAMPIERI, COLLADO e LUCIO, 2013, p. 376). A pesquisa qualitativa não se fundamenta em um único conceito teórico ou metodológico, a prática da pesquisa dá-se a partir das diversas abordagens teóricas disponíveis caracterizando meios de discussões entre as mesmas, e a principal característica são os pontos de vistas subjetivos (FLICK, 2009). O processo de indagação da pesquisa qualitativa é flexível e se movimenta entre as respostas e o processo de desenvolvimento da teoria, sua finalidade é reconstruir a realidade, do mesmo modo como ela é interpretada e vivida pelos atores sociais do ambiente em questão (SAMPIERI, COLLADO e LUCIO, 2013). 24 Como supracitado, a pesquisa qualitativa possui inúmeras vertentes e maneiras de ser abordada, no nosso caso, em específico, preferimos trabalhar com a pesquisa-participante, pois pretendemos analisar e construir conhecimentos no entorno da realidade estudada com o auxílio coletivo dos participantes da referida investigação. Assim como aponta Brandão e Borges (2007), as pesquisas participantes ―pretendem ser instrumentos pedagógicos e dialógicos de aprendizado partilhado; possuem organicamente uma vocação educativa e, como tal, politicamente formadora‖ (p.57). Segundo Brandão e Borges (2007) ,quando retratam particularidades da pesquisa participante, contribuem que: O ponto de origem da pesquisa participante deve estar situado em uma perspectiva da realidade social, tomada como uma totalidade em sua estrutura e em sua dinâmica. Mesmo que a ação de pesquisa e as ações sociais associadas a ela sejam bem locais e bem parciais, incidindo sobre apenas um aspecto de toda uma vida social, nunca se deve perder de vista as integrações e interações que compõem o todo das estruturas e das dinâmicas desta mesma vida social. Deve-se partir da realidade concreta da vida cotidiana dos próprios participantes individuais e coletivos do processo, em suas diferentes dimensões e interações - a vida real, as experiências reais, as interpretações dadas a estas vidas e experiências tais como são vividas e pensadas pelas pessoas com quem interatuamos (p.54). As pesquisas participantes abrem-se de maneira ampliada e fértil para as mais diversas pesquisas nos campos sociais, entre eles, o mais enfatizado tem sido o das pesquisas ambientalistas que, de fato, tem multiplicado experiências participativas associadas à ação comunitária (BRANDÃO e BORGES, 2007). Nesse ínterim, a presente pesquisa aborda o viés da sustentabilidade e de ações ambientalistas no campo escolar, mais especificamente na Educação Física Infantil. Um dos desafios inerentes aos propósitos das pesquisas participantes está em acordar e aflorar o potencial de conhecimento e ação comunitária do contexto com o qual se desenvolve a investigação, portanto, o intuito é de aproximar, consequentemente, a condição de sujeito do processo de produção do conhecimento. Para que isso ocorra é necessária certa cumplicidade dos sujeitos envolvidos (ROCHA, 2004). 25 Para Schmidt (2006): O termo participante sugere a controversa inserção de um pesquisador num campo de investigação formado pela vida social e cultural de um outro, próximo ou distante, que, por sua vez, é convocado a participar da investigação na qualidade de informante, colaborador ou interlocutor. Desde as primeiras experiências etnográficas, pesquisador e pesquisado foram, para todos os efeitos, sujeitos e objetos do conhecimento e a natureza destas complexas relações estiveram, e estão, no centro das reflexões que modelam e matizam as diferenças teórico-metodológicas (p.14). No fragmento acima, citado por Schimidt (2006), percebemos que as pesquisas participantes podem ser utilizadas em diferentes abordagens, como as experiências etnográficas, porém, esse não é o foco de nossa pesquisa, que é caracterizada como qualitativa com enfoque na pesquisa participante. A pesquisa foi pautada também numa intervenção, a qual se deu através de encontros caracterizando uma interlocução e de grupos focais, integrando a estratégia de coleta de dados que, por suas vez será tratada no tópico ―A pesquisa e a estratégia de coleta e análise de dados‖ exposto mais adiante. Na circunstância da pesquisa, pesquisador e colaborador realizam um empenho intelectual, cognitivo e afetivo de compreensão mútua e, com isso, refletem sobre a pertinência de determinados temas, demonstrando, na exposição, maneiras peculiares de sentir e pensar, revendo as lacunas, os aspectos obscuros e intrigantes dos relatos, das observações e reafirmando, quando necessário, uma espécie de acordo de trabalho compartilhado (SCHMIDT, 2006). Betti (2013) reflete sobre a intervenção dizendo que tal termo tem conotação autoritária, considerando que intervir significa ingerir-se, ou influir sobre o desenvolvimento, para isso, o autor cita Houaiss (2001), portanto, confere o termo interlocução para referir-se a uma pesquisa que tenha o objetivo consciente em realizar o diálogo entre pesquisadores, professores da Educação Básica e suas práticas de ensino. Nesse sentido, abordaremos o termo interlocução para apresentar os processos do estudo, isso porque evidenciamos ser uma terminação mais admissível para o contexto de pesquisa e para as ações que se desejaram realizar. Com tais apontamentos, esse esboço metodológico orientou nossa investigação, que teve por objetivo principal, evidenciar como se procede a prática 26 pedagógica dos professores de Educação (Física) Infantil, de um município do interior de São Paulo. Adotando as normas técnicas e éticas exigidas nas análises com seres humanos, foram solicitados aos professores participantes que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE (Apêndice A). O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências, UNESP-Bauru, com o parecer de número 2.289.373 (Anexo 1). Os sujeitos participantes do estudo foram quatro (4) professores de Educação Física da rede municipal de ensino, os quais lecionam para a Educação Infantil. Em relação à aceitação da pesquisa pelos professores e pela Coordenação Pedagógica do município, ocorreu da seguinte maneira: solicitação inicial para a Coordenação Pedagógica da área de Educação Física e a mesma ofereceu espaço para a exposição do projeto em HEC2, para o devido convite aos professores, com isso surgiu a necessidade de enviar um protocolo à Prefeitura com a finalidade de autorização sobre o desenvolvimento do projeto. Por fim, após a exposição do projeto de pesquisa, os professores aderiram ao estudo e se mostraram interessados e prontos a auxiliar e participar das reuniões. A Prefeitura municipal autorizou o projeto de pesquisa e os procedimentos foram iniciados. A interlocução da investigação foi sistematizada a partir de encontros, a saber, foi realizada uma formação continuada juntamente com os professores participantes, a qual se deu a partir de reuniões que serão descritas a seguir, mais especificamente no subcapítulo O processo de desenvolvimento da pesquisa. 2.2 A pesquisa e as estratégias de coleta e análise de dados Para este estudo qualitativo, tendo como estratégia investigativa a pesquisa- participante, adotamos como instrumento para a coleta de dados, o grupo focal, tendo como apoio um guia de entrevista e encontros sistematizados numa interlocução. 2 Hora de Estudo Coletivo – ANEXO Ι da Lei Complementar nº 102 de 31 de janeiro de 2012, que dispõe sobre o Estatuto do Magistério Público Municipal de Barra Bonita. 27 Para Flick (2009), o grupo focal tem como objetivo coletar dados mais próximos dos contextos de atuação criando situações de interação entre os participantes. No grupo focal segundo Flick (2009) há a ―utilização de um guia de entrevista para direcionar a discussão‖ (p.196), portanto, encontram-se orientações para a realização da coleta de dados no apêndice B. Gondim (2003), ao referir-se sobre os grupos focais, considera que: [...] o moderador de um grupo focal assume uma posição de facilitador do processo de discussão, e sua ênfase está nos processos psicossociais que emergem, ou seja, no jogo de interinfluências da formação de opiniões sobre um determinado tema (p. 151). A explanação das regras do grupo focal nos andamentos iniciais das discussões pode auxiliar no processo de autonomia do diálogo entre o grupo. A saber: ―a) só uma pessoa fala de cada vez; b) evitam-se discussões paralelas para que todos participem; c) ninguém pode dominar a discussão; d) todos têm o direito de dizer o que pensam‖ (GONDIM, 2003, p. 154). Dessa maneira, foram realizados sete grupos focais com os professores, nos quais as contribuições dos professores foram gravadas e transcritas e, posteriormente, analisadas segundo a proposta de BARDIN (2011). Os dados coletados nos grupos focais foram analisados de acordo com a proposta de análise de BARDIN (2011). Tal abordagem apresenta algumas técnicas para que a análise seja executada de maneira fidedigna, como apresenta a autora: [...] ao domínio da análise de conteúdo todas as iniciativas que, a partir de um conjunto de técnicas parciais, mas complementares, consistam na explicação e sistematização do conteúdo das mensagens e da expressão deste conteúdo, com contributo de índices passíveis ou não de quantificação, a partir de um conjunto de técnicas, que, embora parciais, são complementares (p.48). As técnicas utilizadas para a pesquisa serão a descrição, a inferência e a interpretação. Assim como explica BARDIN (2011), a descrição é a realização da ―enumeração das características do texto, resumida após tratamento‖, a inferência refere-se a deduções lógicas sobre o assunto tratado, e, por fim, a interpretação, que se explica sendo ―a significação concedida a essas características‖ (p.45). 28 As categorias de análises foram formuladas por meio dos apontamentos dos professores em relação às questões presentes no guia de entrevista, e dos questionamentos referentes aos quadros utilizados nos encontros retirados de Darido e Rangel (2011). 2.3 O universo investigativo da pesquisa O campo investigativo escolhido para a presente pesquisa é uma rede municipal de ensino de uma cidade do interior de São Paulo, considerando a disciplina de Educação Física lecionada no campo da Educação Infantil, portanto, levamos em consideração as escolas que portam esse nível de ensino e os professores especialistas em Educação Física que atuam no determinado município. O professor pesquisador está inserido no ambiente investigativo no qual a pesquisa foi desenvolvida, pois atua nesse contexto como Professor de Educação Física. A rede municipal enfatizada abrange as seguintes modalidades de ensino: infantil e fundamental ciclo I e II, além das creches e da casa da criança, que atendem discentes menores de três anos de idade. Se tratando dos professores que participaram do estudo e para a efetivação do mesmo, preocupou-se em manter em sigilo a identificação dos participantes e as informações coletadas, contudo, tais sujeitos serão nominados utilizando a letra P (maiúscula), que significa professor (a), acompanhada do número de 1 a 4, que estabelece o número de professores participantes. Os professores representam todos os professores que trabalham na rede municipal com a Educação Infantil, excluindo o professor pesquisador que também atua nesse nível de ensino. Para a realização da pesquisa, coletamos também algumas características importantes dos professores participantes, disponibilizadas no quadro a seguir: Quadro 1 - O perfil dos quatro professores participantes 29 Identificação Idade Tempo de docência na Educação Física Tempo de docência na Educação Infantil Formação acadêmica Formação continuada – Pós-graduação Turma de alunos – faixa- etária P1 41 anos 20 anos 7 anos Licenciatura em Educação Física (1996); Cursando pedagogia Libras (2015); Treinamento e Condicionamento Físico (2000) Maternal (3 anos), Infantil Ι (4anos) e Infantil ΙΙ (5 anos) P2 51 anos 18 anos 7 anos Licenciatura Plena em Educação Física (1999); Pedagogia (2008) Não possui Infantil Ι (4anos) e Infantil ΙΙ (5 anos) P3 51 anos 27 anos 4 anos Licenciatura Plena em Educação Física (2005); Direito (1995) Treinamento Desportivo Maternal (3 anos), Infantil Ι (4anos) e Infantil ΙΙ (5 anos) P4 39 anos 4 anos 4 anos Licenciatura Plena em Educação Física (2000) Não possui Maternal (3 anos), Infantil Ι (4anos) e Infantil ΙΙ (5 anos) 30 2.4 O processo de desenvolvimento da pesquisa A interlocução caracterizou-se pela formulação de encontros de formação continuada, utilizando a técnica do grupo focal, para o grupo de professores e o professor pesquisador, que foram moderados pelo último. Inicialmente foi realizado um levantamento teórico das publicações disponíveis sobre os assuntos em questão, com objetivo de aprofundar os conhecimentos do professor pesquisador facilitando seu entendimento sobre a história da arte, no caso, a Educação (Física) Infantil, as abordagens de ensino com enfoque na abordagem crítico-emancipatória e a sustentabilidade, essa fase foi estendida durante toda a pesquisa. Na sequência, o pesquisador selecionou documentos teóricos, que julgou pertinente, considerando os objetivos da pesquisa, para elaborar o plano de trabalho com os participantes. Os encontros foram realizados uma vez por semana, com duração de uma hora e quinze minutos cada, em horários de HEC (Hora de Estudos Coletivos), totalizando sete encontros, e foram efetivados na escola em que o professor pesquisador atua. Cabe destacar também que o processo de desenvolvimento do estudo ocorreu de maneira flexível, sendo que o planejamento inicial sofreu alterações dadas algumas imprevisibilidades, considerando que o tempo hábil para a realização da pesquisa foi curto. Com isso, foi elaborado o quadro a seguir para explanar o planejamento dos encontros da interlocução. Quadro 2 - Esquema do processo de interlocução da pesquisa-participante. Conteúdo estudado Referências utilizadas Experiências teóricas e práticas 1 Grupo focal; Guia de entrevista (apêndice B); Realização do grupo focal a partir do guia de entrevista com mediação do professor pesquisador; 31 2 Higienismo e Militarismo, Esportivista, Recreacionista, Psicomotricidade; Educação Física na Escola: Questões e Reflexões. DARIDO, S. C. 2003. Educação Física no Ensino Superior, Educação Física na Escola: Implicações para a Prática Pedagógica. DARIDO, S. C; RANGEL, I. C. A. 2011. Leitura individual. Reflexão sobre a leitura. Análise de quadro. Grupo focal. 3 Abordagens: Desenvolvimentista e Construtivista- Interacionista; Educação Física na Escola: Questões e Reflexões. DARIDO, S. C. 2003/ Educação Física no Ensino Superior, Educação Física na Escola: Implicações para a Prática Pedagógica. DARIDO, S. C; RANGEL, I. C. A. 2011/ Educação de Corpo Inteiro. FREIRE, J. B. 1997. Leitura individual. Reflexão sobre a leitura. Análise de quadro. Grupo focal. 4 Abordagens: Crítico-superadora e Crítico- emancipatória; Educação Física no Ensino Superior, Educação Física na Escola: Implicações para a Prática Pedagógica. DARIDO, S. C; RANGEL, I. C. A. 2011/ Educação Física Crítico- emancipatória. KUNZ, E; TREBELS, A. H. 2010. Leitura individual. Reflexão sobre a leitura. Análise de quadro. Construção de planos de ação considerando a abordagem crítico-emancipatória. Grupo focal. 5 Abordagens: Cultural; Educação Física na Escola: Questões e Reflexões. DARIDO, S. C. 2003 Pesquisa na sala de informática. Vídeos: ―Abordagens Pedagógicas em Educação Física Escolar Parte Ι‖ e ―Parte ΙΙ‖. Grupo focal. 6 Abordagem Saúde Renovada; Educação Física no Ensino Superior, Educação Física na Escola: Implicações para a Prática Pedagógica. DARIDO, S. C; RANGEL, I. C. A. 2011 Leitura coletiva. Reflexão sobre a leitura. Análise de quadro. Grupo Focal. 7 Perspectiva da Sustentabilidade GADOTTI, M. Educar para a Sustentabilidade: Uma contribuição à Década da Leitura e discussão em grupo. Atividade prática: 32 Educação para o Desenvolvimento Sustentável. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2009. sistematização de propostas de ensino. Grupo focal. Os encontros serão detalhados a seguir juntamente com as estratégias de interlocução vivenciadas pelo grupo. Encontro 1: A realização do grupo focal efetivou-se por meio do guia de entrevista, em que, por meio de questões as discussões do grupo eram orientadas e mediadas pelo pesquisador. O mesmo preocupou-se em incluir todos os professores na construção das ideias abordadas, porém, é evidente que no grupo existem pessoas que expõem suas ideias mais facilmente que outras, o que é naturalmente entendido pelas diferentes características pessoais. A reunião foi gravada com o auxílio de um áudio (especificamente um celular) e, posteriormente, transcrita. Os professores conversaram entre si e discutiram sobre os temas abordados no guia de entrevista, todas as opiniões foram respeitadas e ouvidas com atenção pelo grupo. Encontro 2: O objetivo desse encontro foi apresentar algumas referências teóricas sobre as abordagens de ensino construídas historicamente, portanto, foi disponibilizado para os professores um texto sobre os temas: Higienismo, Militarismo, Esportivismo, Recreacionismo e Psicomotricidade. Inicialmente os professores realizaram a leitura silenciosa do texto, em seguida, o professor pesquisador realizou algumas indagações aos professores, tais como: Você se recorda desse processo histórico? Ele está presente ainda em nosso contexto atual? Onde? Você acha que ele é adequado para a nossa realidade escolar? E, com isso, foi direcionando a discussão entre o grupo. Optamos por tratar na análise de dados apenas da abordagem da psicomotricidade, por esta ser uma das primeiras abordagens mais elaboradas construídas no período estudado. Posteriormente, foi entregue aos professores o seguinte quadro para análise, disponível Darido e Rangel (2011, p.8): Quadro 3 - Estratégia de interlocução sobre a abordagem da Psicomotricidade. 33 Como seria uma aula prática na abordagem psicomotricista? Uma atividade, na qual os professores espalhariam vários vidros no chão, poderia ocorrer numa aula, nessa perspectiva? Em duplas, os alunos deveriam vir correndo e arremessar uma bola para o companheiro de dentro do arco com a mão direita. Em seguida, solicitar-se-ia aos alunos que arremessassem a bola com a mão esquerda, ainda com os dois pés dentro do arco. Na mesma disposição, os alunos seriam estimulados a arremessar a bola, com um dos pés dentro do arco e outro fora, arremessando, ora com a mão direita, ora com a mão esquerda. Deu para visualizar essa aula? Como vocês perceberam, os alunos deveriam pensar para executar as tarefas, e as atividades não tinham ligações com a prática esportiva, e sim com a melhoria do conhecimento sobre o próprio corpo. Tente lembrar da sua própria formação na faculdade de Educação Física, você se lembra de alguma disciplina que tenha discutido os conceitos da psicomotricidade? O que você achou mais importante dessa abordagem? Quais são as suas vantagens? Você consegue pensar em outras atividades práticas nessa tendência? Encontro 3: O objetivo do encontro esteve em torno do conhecimento das abordagens teóricas Desenvolvimentista e Construtivista-Interacionista. Foram utilizados dois textos explicativos para o desenvolvimento das ações, para isso dividimos duas duplas para cada concepção, cada dupla tinha a tarefa de realizar a leitura, trocar experiências e depois realizar considerações para a outra dupla, nesse momento, o professor pesquisador ficou orientando os diálogos do grupo, utilizando- se de alguns questionamentos para que o grupo refletisse sobre as abordagens. Num segundo momento, uma das duplas recebeu o quadro a seguir, com o objetivo de aprofundar o estudo e sanar as possíveis dúvidas e curiosidades, disponível em Darido e Rangel (2011, p. 10): Quadro 4 - Estratégia de interlocução sobre a abordagem Desenvolvimentista. Como seria uma aula prática na abordagem desenvolvimentista? Uma atividade que poderia ocorrer numa aula, nessa perspectiva, seria a seguinte: Os professores dividiriam os alunos em quatro grupos e cada grupo realizaria uma atividade 34 num lugar específico. Depois, todos trocariam as posições (habilidades em circuitos). O objetivo da aula seria trabalhar a habilidade de saltar. Por exemplo: - Na primeira estação, os alunos seriam estimulados a vir correndo e saltar entre duas cordas estendidas no chão. - Na segunda estação, saltar um obstáculo que pode ser um banco sueco. - Na terceira estação, vir correndo e saltar de lado as mesmas cordas. - Na quarta estação, vir correndo e saltar de costas entre as cordas. Deu para visualizar essa aula? Na verdade, o importante para essa perspectiva é que os alunos não permaneçam muito tempo na fila esperando, daí a estratégia de trabalhar em circuitos. Outro aspecto presente nessa aula é a importância de variar as possibilidades de saltar, frente, alto, lado e costas. Agora é a sua vez! Tente lembrar da sua própria formação na faculdade de Educação Física. Você se lembra de alguma disciplina que tenha discutido os conceitos da abordagem desenvolvimentista? O que você achou mais importante dessa abordagem? Quais são as suas vantagens? Você consegue pensar em outras atividades práticas nessa tendência? A outra dupla recebeu o próximo quadro, referente à abordagem Construtivista-interacionista, disponível em Darido e Rangel (2011, p. 12): Quadro 5 - Estratégia de interlocução sobre a abordagem Construtivista. Como seria uma aula prática na abordagem construtivista? Uma aula que poderia ocorrer numa aula, nessa perspectiva, seria a seguinte: Os professores perguntariam para os alunos se eles já brincaram de amarelinha. Cada um dos alunos apresentaria para os demais o seu jeito de jogar / brincar a amarelinha. Depois de todos experimentarem as diversas formas de jogar amarelinha, o professor proporia para os alunos pensarem em outras formas de brincar de amarelinha. E todos a experimentariam. O objetivo da aula seria resgatar uma brincadeira importante da cultura popular, a partir do que a criança já conhece e, propor, a partir da participação ativa dos alunos, novas formas de praticar a brincadeira. Deu para visualizar esta aula? Na verdade, o importante para essa perspectiva é que os alunos brinquem e conheçam o rico patrimônio da humanidade ligado aos jogos e às brincadeiras populares. 35 Agora é a sua vez! Tente lembrar da sua própria formação na faculdade de Educação Física, você se lembra de alguma disciplina que tenha discutido os conceitos da abordagem construtivista? O que você achou mais importante dessa abordagem? Quais são as suas vantagens? Você consegue pensar em outras atividades práticas nessa tendência? Encontro 4: Para esse encontro, estudamos as abordagens de ensino Crítico-superadora e Crítico-emancipatória, as quais foram enfatizadas pelo pesquisador já que umas delas faz parte do respaldo teórico da pesquisa. O grupo estudou os dois textos destinados às abordagens de maneira coletiva e posteriormente com o auxílio dos quadros que virão a seguir, foram estimulados a confeccionar um plano de aula para a Educação (Física) Infantil, aproximando o estudo da realidade enfrentada no âmbito escolar. Os quadros encontram-se disponíveis em Darido e Rangel (2011, p.13 e p.15): Quadro 6 - Estratégia de interlocução sobre a abordagem Crítico-superadora. Como seria uma aula prática na abordagem crítico-superadora? Está descrito abaixo uma aula que foi exemplificada no próprio livro de Soares et al. (1992), que parece não corresponder exatamente ao principais pressupostos do livro. Vejamos. Uma atividade que poderia ocorrer numa aula, nessa perspectiva, com base na tematização da ginástica artística ou olímpica seria a seguinte: A aula pode ser dividida em três fases. Isso não implica romper a solução e continuidade entre elas. Na primeira fase, os objetivos e conteúdos da unidade são discutidos com os alunos buscando as melhores formas deles de organizarem. No caso da ginástica, haveria uma conversação com os alunos sobre as formas de se exercitar para descobrir as possibilidades que cada um tem de executar movimentos artísticos / acrobáticos. Preparar junto com os alunos os materiais que provocam desequilíbrio. Na segunda fase, que toma o maior tempo disponível, refere-se à apreensão do conhecimento, no exemplo, poder-se-ia propor aos alunos a exercitação dos materiais recolhidos, buscando: - Em quais materiais é possível fazer movimentos com o corpo todo? - Quais os movimentos que facilitam ―não cair‖, quais os que precipitam a queda? Além de outros. Na terceira fase, solicitar aos alunos que, em duplas, demonstrem vários movimentos de equilíbrio e utilizem a escrita ou o desenho para o relato dos exercícios de equilíbrio que deram a sensação mais gostosa de segurança. 36 O objetivo da aula, segundo os autores, seria o de promover a leitura da realidade. Para tanto, deve-se analisar a origem e conhecer o que determinou a necessidade do seu estudo (SOARES et al., 1992, p.88). Deu para visualizar essa aula? Na verdade, o importante para essa perspectiva é a perspectiva histórica, embora no exemplo isso não fique muito evidente. Agora é a sua vez! Tente lembrar da sua própria formação na faculdade de Educação Física, você se lembra de alguma disciplina que tenha discutido os conceitos da abordagem crítico-superadora? O que você achou mais importante dessa abordagem? Quais são as suas vantagens? Você consegue pensar em outras atividades práticas nessa tendência? Quadro 7 - Estratégia de interlocução sobre a abordagem Crítico- emancipatória. Como seria uma aula prática na abordagem crítico-emancipatória? Uma atividade que poderia ocorrer numa aula, nessa perspectiva, seria a seguinte, utilizando o próprio exemplo do livro do Professor Kunz, situação de ensino ΙV, de atletismo (p. 127- 128): 1. Arranjo do material – lápis e papel para registrar os locais de salto e materiais para a solução de problemas em relação às diferentes situações de saltos que se apresentam. 2. Transcendência de limites pela experimentação – descobrindo locais e experimentando suas formas do saltar. Exemplo: a experiência de salto em declive, ou atravessar uma vala com auxílio de uma vara. 3. Transcendência de limites pela aprendizagem – alguns locais de saltos encontrados na escola ou nas proximidades podem ser recriados, a partir do uso de colchões, por exemplo. Tente lembrar da sua própria formação na faculdade de Educação Física, você se lembra de alguma disciplina que tenha discutido os conceitos da abordagem crítico-emancipatória? O que você achou mais importante dessa abordagem? Quais são as suas vantagens? Você consegue pensar em outras atividades práticas nessa tendência? Encontro 5: Nesse encontro foi estudada a abordagem Cultural. Iniciamos a reunião na sala de informática de uma das escolas do município, onde a orientação foi pesquisar sobre as concepções expostas acima. Posteriormente, cada professor expôs suas buscas e o grupo foi estimulado a refletir sobre as informações. No final, com o objetivo de reforçar o conhecimento das diferentes concepções de ensino na Educação Física, foram assistidos aos vídeos: ―As Principais Tendências 37 Pedagógicas em Educação Física Escolar Parte Ι‖3 e ―Parte ΙΙ‖4 sob coordenação da Professora Suraya Cristina Darido. Encontro 6: A abordagem investigada nessa reunião foi a Saúde Renovada. O encontro foi dirigido de maneira explicativa inicialmente. Posteriormente, os professores fizeram a análise de dois textos, cada um abordando uma perspectiva diferente. Ao final foram expostas as opiniões de cada professor e as possibilidades de intervenção na Educação Física infantil. Quadro 8 - Estratégia de interlocução sobre a abordagem da Saúde renovada. Como seria uma aula prática na abordagem da saúde renovada? Uma atividade que poderia ocorrer numa aula, nessa perspectiva, seria a seguinte: Os alunos iniciariam a aula realizando um aquecimento. Em seguida seriam divididos em quatro grupos e cada grupo realizaria uma atividade num lugar específico. Depois, todos trocariam as posições. (Desenvolvimento de capacidades físicas em circuitos.) O objetivo da aula seria trabalhar a capacidade física de resistência abdominal. Por exemplo, em cada uma das estações de circuito, os alunos realizariam um tipo de exercício abdominal, para cada região. Deu para visualizar essa aula? Na verdade, o importante para essa perspectiva é que os alunos experimentem as diferentes capacidades físicas durante as aulas. Agora é a sua vez! Tente lembrar da sua própria formação na faculdade de Educação Física, você se lembra de alguma disciplina que tenha discutido os conceitos da abordagem saúde renovada? O que você achou mais importante dessa abordagem? Quais são as suas vantagens? Você consegue pensar em outras atividades práticas nessa tendência? Encontro 7: Nesse encontro foi estudado o tema da Sustentabilidade. Teve início com uma exposição do pesquisador a respeito da escolha do tema, na sequência realizou-se uma leitura de um texto sobre o tema. Nesse encontro foram compiladas as contribuições de todos os encontros com o objetivo de estruturar um esboço do que seria o produto do estudo, incluindo os referenciais mais importantes 3 https://www.youtube.com/watch?v=wlSdK7lduD4 4 https://www.youtube.com/watch?v=MDfbXA5crFA https://www.youtube.com/watch?v=wlSdK7lduD4 https://www.youtube.com/watch?v=MDfbXA5crFA 38 na visão do grupo e as estratégias pedagógicas mais pertinentes para o planejamento das ações. O objetivo, ao final da realização do projeto, foi confeccionar uma proposta metodológica para a Educação Infantil a partir dos princípios da concepção crítico emancipatória, aliando o tema da educação sustentável, para que possa embasar profissionais e contribuir para o reforço dos aportes teóricos a respeito da Educação (Física) Infantil nas escolas. 39 CAPÍTULO 3 - INFÂNCIA, ESCOLA E EDUCAÇÃO (FÍSICA) INFANTIL Neste capítulo são apresentadas considerações sobre os conhecimentos construídos historicamente mediante esses três conceitos expostos no título. Para isso foram estruturados os seguintes subcapítulos: ―Contextualização histórica da infância‖, que cita informações sobre as características do processo de desenvolvimento histórico do conceito de infância relatando características das mesmas; ―Considerações sobre a educação infantil no Brasil‖ que aborda os fatos relatando decretos, leis e ementas importantes para o nível de ensino em questão; e ―Educação (Física) infantil: valorizando a subjetividade da criança‖ que, por sua vez, implica em discutir aspectos relacionados à abordagem do se-movimentar na infância. 3.1 Contextualização histórica da infância Regressemos agora num processo histórico para relatar alguns aspectos que influenciaram a educação no Brasil contando com o auxílio de estudiosos como Priori (2004), Ariès (1978), Freitas (2001) e Romanelli (2010). Ao referir-se à infância, mais especificamente nas embarcações portuguesas, vamos realizar uma viagem ao tempo para detalhar as características marcantes dessa época. As crianças não tinham espaço para o mundo infantil, pois eram condenadas a viver a vida dos adultos logo desde pequenas, os meninos eram tratados como homens e sua mão-de-obra era explorada até durar sua vida útil. Por sua vez, as meninas de 15 anos já eram consideradas moças para casar. Antes de chegar ao Brasil, no processo de imigração, as crianças eram calejadas pelo sofrimento nas embarcações, pois passavam fome, sede, trabalhavam até fadigar e sofriam abusos sexuais. A realidade da infância nesse tempo foi essa: ―viver em alto mar,deixar de ser criança, ver seu universo de sonhos, esperanças e fantasias desmoronar diante da cruel realidade do cotidiano das naus do século ΧVΙ; perder sua inocência para nunca mais recuperá-la‖ (PRIORI, 2004, p.49). Para Ariès (1978), a infância, tomando como base a arte medieval em meados do século ΧΙΙ, era desconsiderada ou simplesmente as obras não a representavam com suas características próprias e sim com a imagem de adultos 40 em miniatura, e discorre que ―É difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo (p.50)‖. Próximo ao século ΧΙΙΙ, começaram a surgir figuras da infância que se aproximavam mais das suas peculiaridades, como anjos, meninos adolescentes e, mais tardiamente, as obras foram tomando formas específicas, segundo o autor, isso se deve à concepção de infância empregada na época, pois as crianças detinham um nível de mortalidade muito alto, contudo, começou-se a atribuir uma certa sensibilidade às crianças, com isso, os pais começaram a vaciná-las, e as condições de higiene também aprimoraram. Ariès (1978) colabora explanando sobre a evolução do conceito infância nessa época de muitas transformações nesse âmbito: A descoberta da infância começou sem dúvida no século ΧΙΙΙ, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos ΧV e ΧVΙ. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século ΧVΙ e durante o século ΧVΙΙ (p.65). Ainda nessa época (século ΧIII a ΧVII), as crianças pequenas usavam cueiros, um tecido que era envolto em seu corpo, assim que deixava essa vestimenta passava a usar roupas dos adultos, como os outros homens e mulheres. Os meninos usavam uma espécie de vestido, e as meninas vestiam-se como mulheres, pois não se diferenciavam ainda como crianças. Mais tarde, as crianças começaram a usar roupas que os adultos não vestiam mais, e a adoção de um traje específico para a infância marcou uma importante fase de construção do sentimento de infância, um valor foi adquirido pela mesma (ARIÈS, 1978). Nesse período (século ΧIII a ΧVII), abordado anteriormente, os jogos eram comuns às crianças e aos adultos, não havia separação entre ambos, os pequenos participavam de festividades e das cerimônias tradicionais junto com os mais velhos, havia um apreço pelas músicas e danças (praticavam desde muito cedo), as crianças brincavam com bonecas, jogavam arcos, xadrez, jogos de raquete, jogo de rimas, e como os jogos de azar não sofriam desaprovação moral, as crianças também jogavam cartas e dados, praticavam a Quintana (montado a cavalo o indivíduo buscava acertar um alvo de madeira), o jogo de bola, dentre tantos outros (Ariès, 1978). Os jogos eram realizados sem distinção de classe social, como podemos constatar: 41 Partimos de um estado social em que os mesmos jogos e brincadeiras eram comuns a todas as idades e classes. O fenômeno que se deve sublinhar é o abandono desses jogos pelos adultos das classes sociais superiores, e, simultaneamente, sua sobrevivência entre o povo e as crianças dessas classes dominantes. È verdade que na Inglaterra os fidalgos não abandonaram, como na França, os velhos jogos, mas transformaram-nos, e foi sob formas modernas e irreconhecíveis que esses jogos foram adotados pela burguesia e pelo ―esporte‖ do século ΧΙΧ (p.124, grifo do autor). Ao chegar ao Brasil, a educação escolar das crianças restringia-se aos meninos, como pode constatar-se, ―fora uma das primeiras e principais preocupações dos padres da Companhia de Jesus desde o início da sua missão na América portuguesa‖ (p.55), desse modo, a ―educação das crianças implicava, assim, uma transformação radical da vida dos jovens índios‖ (p. 61), pois foram expostas a uma nova cultura imposta, sobretudo, a criança indígena era ―entregue pelos próprios pais aos padres da Companhia de Jesus, era considerada o ―papel branco‖ no qual se inscreviam a luta contra a antropofagia, a nudez e a poligamia‖ (PRIORI, 2004, p. 61). Em relação ao ensino da religião católica, Priori (2004) explana que ―No aprendizado da doutrina apostava-se na capacidade de memorização dos jovens indígenas‖. ―Os jesuítas desenvolveram catecismos com diálogos para que as crianças fixassem as normas da igreja‖ (p.73). A realidade das crianças indígenas era muito diferente da realidade das crianças de elite, assim como relata Priori, (2004): Aos meninos, uma educação voltada para o desenvolvimento de uma postura viril e poderosa, aliada a uma instrução, civil ou militar, que lhe permitisse adquirir conhecimentos amplos e variados, garantindo- lhe e desenvolvimento pleno da capacidade intelectual. Os filhos da elite rural e urbana foram advogados destacados, médicos distinguidos, engenheiros desbravadores do Império ou ainda políticos republicanos (p.155). Para Romanelli (2010), a economia brasileira fundamentada na mão de obra escrava teve grande impacto social e político representado pela família patriarcal. Nesse período, a estratificação social baseada na manutenção de um esquema de segurança era pautada na autoridade sem limites dos donos de terra. A família patriarcal importou formas de pensar e ideias dominantes da cultura medieval 42 europeia, cometida por meio da ordem dos jesuítas. Com isso, ―era, portanto, a um limitado grupo de pessoas pertencentes à classe dominante que estava destinada à educação escolarizada (p.33)‖. Freitas (2001) retrata em sua organização a ―roda dos expostos‖, que eram instituições de origem europeia, porém tiveram repercussão no Brasil, e apresentavam, por objetivo, a assistência à criança abandonada, fato que comum na época. Três instituições de roda dos expostos sobreviveram por longa data no Brasil, mas, especificamente, entre 1726-1950, e tiveram papel importante para a infância, pois trabalhavam com assistência caritativa de cunho missionário. Esse relato nos faz refletir sobre a história das crianças no Brasil e as condições de sobrevivência, em que seus direitos, que atualmente em algumas regiões do país são precários, antigamente se faziam ainda mais ausentes e deficitários. Nessa mesma óptica, Freitas (2001) revela considerações sobre o final do século ΧΧ, que são as mesmas: No final do século ΧΧ a infância tornou-se uma questão candente para o Estado e para as políticas não governamentais, para o planejamento econômico e sanitário, para legisladores, psicólogos, educadores e antropólogos, para a criminologia e para a comunicação de massa. Desde a nossa própria infância, quando se acreditava na inocência de diferentes graus da infância – relativos à vida e à camada econômica e social dos adultos circundantes, que poderiam ser a família consanguínea ou não, ou a instituição de proteção ou repressão –, ela ganhou uma autonomia da família, substituindo-a parcial ou completamente pela faixa etária (a turma ou o bando), ao ser atraída da casa para a rua, por força da luta pela sobrevivência nas grandes cidades, do encontro com a marginalidade social e com a morte prematura por desnutrição ou pela violência (p.19). É evidente que a história das crianças no Brasil passou e passa por dificuldades e sofrimentos, contudo, vamos refletir sobre a infância em seu termo e seus significados, como explica Freitas (2001): Enquanto objeto de estudo, a infância é sempre um outro em relação àquele que a nomeia e a estuda. As palavras infante, infância e demais cognatos, em sua origem latina e nas línguas daí derivadas, recobrem um campo semântico estreitamente ligado à ideia de ausência de fala. Esta noção de infância como qualidade ou estado do infante, isto é, d’aquele que não fala, se constrói a partir dos 43 prefixos e radicais linguísticos que compõem a palavra: in = prefixo que indica negação; fante = particípio presente do verbo latino fari, que significa falar, dizer (p.229, grifos do autor). Friedmann (2005) relata a importância de situar, quando referimo-nos à infância, de qual infância estamos tratando, pois, para a autora, existem incontáveis realidades de infância. Podem ser elas: crianças idealizadas, globalizadas, membros de famílias tradicionais, provindos de famílias não clássicas, mãe solteira, pais separados, crianças adotadas, crianças discriminadas por diversas razões, raça, sexo, origem socioeconômica, crianças das zonas rurais, crianças das comunidades indígenas, crianças da rua, crianças que trabalham, enfim, podemos situar vários contextos de infância na atualidade, por isso a saliência em enfatizar seu contexto e suas características, pois as infâncias se apresentam de maneiras distintas. Para Saviani (2011), os jesuítas encerraram o monopólio na educação em 1959 quando desencadeou uma interpretação da educação considerando a pedagogia tradicional leiga, inspirada no liberalismo clássico e nas ideias iluministas. Nesse processo não houve a exclusão da influência católica, mas sim o rompimento de seu monopólio. Essas ocorrências predominam até o início do século ΧΧ quando a influência da Escola Nova ganhou evidência. A Escola Nova, por sua vez, foi inspirada na concepção humanista moderna de filosofia da educação, e a década de 1920 foi muito propícia para suas influências. Em 1924 é fundada a Associação Brasileira de Educação, contrapartida da Associação dos Educadores Católicos. As discussões em relação aos dois pontos de vista são fomentadas em 1934 com as manifestações em torno da Constituição. No final da década de 1950, com a primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB), os debates voltaram à tona, assumindo novos caminhos com a votação da Constituição em 1988. Na década de 1960 a Escola Nova vai perdendo força e apresenta sinais de crise, por emergência de uma nova tendência: a tecnicista, e é nessa década que o regime militar dá suas contribuições pedagógicas pautado na assessoria americana, centrada nas ideias de eficiência e produtividade. Porém, aconteceu um movimento contra essa pedagogia, pautado na concepção crítico-reprodutivista de educação por volta da década de 1970. A partir desse ponto iniciaram-se discussões sobre as concepções dialéticas e culminaram para o desenvolvimento de outras compreensões dadas as situações enfrentadas (SAVIANI, 2011). 44 3.2 Considerações sobre a educação infantil no Brasil No Brasil, em 20 de dezembro de 1996, foi promulgada a Lei nº 9.394 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB), ao referir-se sobre a educação escolar no Art. 1º descreveu (BRASIL, 1996): A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. (p.1) Essa mesma Lei (BRASIL, 1996), quando menciona, em seu Art. 2º, os princípios e fins da educação nacional discorrem que a mesma é dever tanto da família, quanto do Estado e é ―inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho‖ (p. 1). Em seguida relata que o ensino deve considerar alguns princípios, a conhecimento: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extraescolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.‖ (p.1-2). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional também fez considerações para a Educação Infantil quando explana, em seu Art. 29, que ―A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade‖ (BRASIL, 1996, p.11). 45 No que se refere à avaliação na Educação Infantil, a LDB faz suas considerações no Art. 31 e institui que a mesma ―far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental‖ (BRASIL, 1996, p.11). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foram construídos baseando- se no modelo educacional espanhol, que em 1994 mobilizou um grupo de pesquisadores e professores com o objetivo da confecção do documento em pauta, envolvendo os órgãos Ministério da Educação e Desporto através da Secretaria de Ensino Fundamental. No ano de 1997, foram lançados os documentos referentes às 1ª a 4ª séries (1º e 2º ciclo do ensino fundamental, atualmente do 1º ao 5º ano), e em 1998, disseminados os documentos indicados às 5ª a 8ª séries (3º e 4º ciclo, que hoje corresponde do 6º ao 9º ano), incluindo também um PCN específico para a Educação Física. Logo em 1999, foram publicados os PCNs do Ensino Médio, que contou com uma equipe diferente da primeira elaboração, supervisionado pela Secretaria da Educação Média e Tecnológica, aliadas também ao Ministério da Educação e do Desposto (BRASIL, 1999 apud DARIDO, 2003). Para Darido (2003), de acordo com os pesquisadores e professores que organizaram o documento em 1998, o mesmo tem a função de subsidiar a elaboração curricular dos estados e municípios, servindo de base para reflexão pedagógica dos conteúdos na prática dos professores, e promover diálogos e discussões sobre as experiências curriculares já enfatizadas nas escolas, para a construção de novos projetos educativos. Nessa mesma vertente, para Darido (2003), os Parâmetros Curriculares Nacionais são: [...] compostos pelos seguintes documentos: documento introdutório, temas transversais (Saúde, Meio Ambiente, Ética, Pluralidade Cultural, Orientação Sexual e Trabalho e Consumo) e documentos que abordam o tratamento a ser oferecido em cada um dos diferentes componentes curriculares (p.19). Esse documento representou um marco na esfera educacional brasileira, pois foi um dos primeiros referenciais voltados para a escola, abordando orientações pedagógicas. Em 1998 foi publicado o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, que foi destinado às creches e pré-escolas, atendendo as determinações da 46 LDB de 1996. Esse documento é dividido em três volumes, sendo eles: o primeiro designado ―Introdução‖, o segundo é o que se refere à ―Formação pessoal e social‖, e o terceiro intitulado ―Conhecimento de Mundo‖. O documento é fruto de um amplo debate nacional e tem por objetivo apontar metas de qualidade que contribuam para o desenvolvimento integral das crianças, propiciando o acesso e a ampliação aos conhecimentos construídos social e culturalmente (BRASIL, 1998). O documento propõe que, para que na infância seja desenvolvida a capacidade de criação, é essencial que nas instituições de educação infantil seja proporcionada uma grande variedade de experiências, por meio de brincadeiras ou intervenções diretas. A brincadeira ocorre no plano da imaginação, portanto, a criança que brinca, desenvolve a linguagem simbólica. Dessa maneira, a atuação do professor com intencionalidade considerando a realidade e a observação das brincadeiras próprias da criança, oportunizando materiais adequados e um espaço estruturado para o aspecto lúdico, permite o enriquecimento das capacidades de imaginação, criação e organização do universo infantil (BRASIL, 1998). O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, volume três, faz referências ao âmbito do movimento e aborda eixos temáticos, tais como: expressividade, equilíbrio e coordenação motora. Nesse sentido, a expressividade, vista como ―dimensão expressiva do movimento, engloba tanto as expressões e comunicação de ideias, sensações e sentimentos pessoais como as manifestações corporais que estão relacionadas com a cultura (p. 30)‖, e no campo da coordenação motora e equilíbrio, considera como instrução que ―As instituições devem assegurar e valorizar, em seu cotidiano, jogos motores e brincadeiras que contemplem a progressiva coordenação dos movimentos e o equilíbrio das crianças‖ (BRASIL, 1998, p.30). As propostas pedagógicas de Educação Infantil, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, necessitam reverenciar os seguintes princípios (BRASIL, 2010):  Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades.  Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. 47  Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais (p.16). Mais recentemente, em 2017, foi elaborado um documento intitulado Base Nacional Comum Curricular, que tem por objetivo discorrer sobre finalidades e expectativas para a educação. Para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a expressão educação pré-escolar, empregada no Brasil até a década de 1980, anunciava o entendimento de que a Educação Infantil era uma fase antecedente, ―independente e preparatória para a escolarização, que só teria seu começo no Ensino Fundamental. Situava-se, portanto, fora da educação formal‖ (BRASIL, 2017). Com a Constituição Federal de 1988, o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a 6 anos de idade torna-se dever do Estado. Posteriormente, com a promulgação da LDB, em 1996, a Educação Infantil passa a ser parte integrante da Educação Básica, situando-se no mesmo patamar que o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. E a partir da modificação introduzida na LDB em 2006, que antecipou o acesso ao Ensino Fundamental para os 6 anos de idade, a Educação Infantil passa a atender a faixa etária de zero a 5 anos (BRASIL, 2017, p. 31) O texto supracitado é expresso no Art. 3º, quando no art. 32 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: ―O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão‖ (BRASIL, 2006). Entretanto, embora reconhecida como direito de todas as crianças e dever do Estado, a Educação Infantil passa a ser obrigatória para as crianças de 4 e 5 anos apenas com a Emenda Constitucional nº 59/200928, que determina a obrigatoriedade da Educação Básica dos 4 aos 17 anos. Essa extensão da obrigatoriedade foi incluída na LDB em 2013, consagrando plenamente a obrigatoriedade de matrícula de todas as crianças de 4 e 5 anos em instituições de Educação Infantil (BRASIL, 2017, p. 31-32) A citação acima retirada da Base Nacional Comum Curricular é expressa nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, que propaga a imediata Emenda ao texto constitucional: Art. 1º Os incisos I e VII do art. 208 da Constituição 48 Federal, incidem a vigorar com as seguintes alterações: ―educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria‖ (BRASIL,2009). A Base Nacional Comum Curricular tem por finalidade estabelecer o conjunto de aprendizagens essenciais para a Educação Básica, portanto, estas aprendizagens devem ser proporcionadas a todos os alunos durante as etapas da mesma, considerando as habilidades e competências que cabem nesse contexto, e tendo por objetivo a formação humana e integral para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. Esse documento é fruto de inúmeros estudos e análises por parte dos atores educacionais e da sociedade brasileira (BRASIL, 2017). Para a Educação Infantil, a BNCC estabelece como direitos de aprendizagem e desenvolvimento os seguintes aspectos: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Considerando que na Educação Infantil, as aprendizagens das crianças acontecem de acordo com os eixos estruturantes, que são interações e brincadeiras, o documento articula as aprendizagens em cinco (5) campos de experiências, são eles: ―O eu, o outro e o nós‖, ―Corpo, gestos e movimentos‖, ―Traços, sons, cores e formas‖, ―Oralidade e escrita‖ e ―Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações‖ (BRASIL, 2017). Em relação aos objetivos de aprendizagem que a BNCC apresenta para crianças de 4 a 5 anos e 11 meses, são eles, para o campo de experiência, Corpo, gestos e movimentos (BRASIL, 2017):  Movimentar-se de forma adequada, ao interagir com colegas e adultos em brincadeiras e atividades.  Criar movimentos, gestos, olhares, mímicas e sons com o corpo em brincadeiras, jogos e atividades artísticas como dança, teatro e música.  Demonstrar controle e adequação do uso de seu corpo em momentos de cuidado, brincadeiras e jogos, escuta e reconto de histórias, atividades artísticas, entre outras possibilidades.  Demonstrar valorização das características de seu corpo, nas diversas atividades das quais participa e em momentos de cuidado de si e do outro.  Criar, com o corpo, formas diversificadas de expressão de sentimentos, sensações e emoções, tanto nas situações do cotidiano quanto em brincadeiras, dança, teatro, música. 49  Coordenar com precisão e eficiência suas habilidades motoras no atendimento a seus interesses e necessidades de representação gráfica (p.42-43). Como os objetivos supra elencados no documento referem-se ao campo de experiência que é denominado Corpo, gestos e movimentos, subentende-se que é destinado à área da Educação Física considerando as unidades escolares de educação infantil que possuem professores especialistas da disciplina, ou mesmo voltado às práticas dos professores generalistas quando trabalham o movimento, contudo, o texto aborda alguns apontamentos como ―movimentar-se de forma adequada‖, ―demonstrar controle e adequação no uso de seu corpo‖, que podem remeter a uma prática limitada e disciplinar, como aquela vivida na Educação Física militarista e higienista, portanto, é crucial que haja reflexão dos educadores para que não se manifeste uma visão da disciplinarização dos corpos como aponta Sayão (2002). 3.3 A Educação (Física) Infantil: valorizando a subjetividade da criança Nesse tópico vamos abordar a Educação Física num viés crítico emancipatório, considerando as análises de movimento no se movimentar, impregnados de sentido/significado e subjetividade. O saber ainda escasso é aquele que se refere às possibilidades e limites na organização das brincadeiras e jogos das crianças, que satisfazem a necessidade inerente a uma vida plena e com significados, levando em conta o se movimentar (KUNZ, 2001). Nesse sentido, para Kunz (2001), os estudiosos não questionam o valor concebido à importância social, cultural e pedagógica dos jogos e das brincadeiras no contexto de ensino e aprendizagem de crianças e adolescentes, mesmo em situações lúdicas em espaços extraescolares. Dentre as análises críticas do movimento, jogo e brincadeira, encontram-se entre aquelas destinadas ao entendimento a partir da lógica do contexto sociocultural e histórico ao qual estão circundados. Para essas abordagens é decadente a homogeneização do brinquedo/jogo da criança realizada pela indústria cultural do brinquedo, que facilmente limita a criatividade e expressão do movimento, 50 com objetivo também de controle social. A criança, por sua vez, é estimulada, dessa forma, a afastar-se da sua realidade, tendo sua subjetividade controlada, oferecendo margens à submissão e à obediência. Para tanto, ―A sensibilidade infantil, no entanto, consegue muitas vezes, desde que lhe seja possibilitado espaço e tempo para isso, transcender os limites desse ―real construído‖ pela indústria cultural do brinquedo (KUNZ, 2001, p.95)‖. Nesse mesmo caminho, Kunz (2001) relata que, pedagogicamente, oferecer às crianças e aos adolescentes, atividades bem sucedidas de vida, que extrapolam o sentido das atividades obrigatórias do dia-a-dia, é oferecer possibilidades para a formação de sujeitos críticos e emancipados. Corrobora também com a ideia, que as atividades lúdicas relacionadas ao brincar e jogar infantil se concentram do desenvolvimento e na interpretação dos sentidos/significados proferidos pelas crianças no momento de sua atividade, considerando também as funções comunicativas, expressivas, explorativas e criativas do movimento humano. A Educação Física, nesse viés, deveria voltar sua atenção para o mundo fenomenológico dos movimentos, que são compreendidos e interpretados em sua dimensão natural, em contrapartida aos movimentos que são apresentados de maneira artificial e fragmentados do real por incentivo de interesses dominantes. Kunz (2001), ao valorizar a concepção subjetiva do movimento humano nos jogos e brincadeiras infantis, explana: Por mais difícil que seja entender as singularidades subjetivas pela impossibilidade de isolamento das determinações do contexto histórico-social, uma vez que ―subjetividade é sempre social, e assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares‖ (Guatari/Rolnik, 1993, p. 33), a temática tem uma relevância pedagógica fundamental. Mesmo reconhecendo a importância das determinações sociais sobre a subjetividade, pode-se perceber, também, que em determinadas vivências e experiências subjetivas que se realizam, sempre há algo – mesmo que fantasioso – de totalmente singular, de particular, aquilo que só a pessoa vive ou percebe. A subjetividade pode ser entendida, assim, como este processo por meio do qual o homem se desenvolve no contexto social concreto, numa relação tensa entre um ―ser social‖ e um ―ser individual‖. Neste desenvolvimento os indivíduos se encontram e se confrontam com mecanismos hegemônicos que desafiam e pressionam o indivíduo para uma forma de desenvolvimento estereotipado (KUNZ, 2001, p.108-109, grifos do autor). 51 Para o autor o problema para a formação da subjetividade passa a existir quando as possibilidades de conhecer o mundo são restritas a um mundo previamente formado pelas objetivações culturais consequentes da evolução científica e tecnológica ocorridas no mundo moderno. Nesse sentido, a subjetividade passa a ser construída e moldada, e os especialistas de conhecimento passam também a produzir interesses e desejos para a maioria dos indivíduos, de acordo com os interesses da sociedade do consumo, quase sempre, estimuladas pelas classes dominantes (KUNZ, 2001). Para Gomes-da-Silva (2010), mesmo com incessantes estudos com objetivo de melhoria para a área da Educação Física no campo infantil, percebem-se ainda práticas voltadas para o laissez-faire e para o tradicionalismo/autoritarismo nas escolas, salvo algumas práticas que intuitivament