UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO CAMPUS DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO MIDIÁTICA A PRÁTICA DA REPORTAGEM RADIOFÔNICA NA EMISSORA CONTINENTAL DO RIO DE JANEIRO BAURU 2006 FLÁVIA LÚCIA BAZAN BESPALHOK A PRÁTICA DA REPORTAGEM RADIOFÔNICA NA EMISSORA CONTINENTAL DO RIO DE JANEIRO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação – Área de Concentração: Comunicação Midiática, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Paulista “Julio Mesquita Filho” – Campus de Bauru, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Comunicação, sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Magalhães Bulhões. BAURU 2006 FOLHA DE APROVAÇÃO Flávia Lúcia Bazan Bespalhok A PRÁTICA DA REPORTAGEM RADIOFÔNICA NA EMISSORA CONTINENTAL DO RIO DE JANEIRO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, da Universidade Estadual Paulista, Campus de Bauru, para a obtenção do título de Mestre em Comunicação . Banca Examinadora: Presidente: Prof. Dr. Marcelo Magalhães Bulhões Titular: Prof. Dr. José Eugênio de Oliveira Menezes Titular: Prof. Dr. Murilo César Soares Bauru, 26 de maio de 2006 Porque Dele, e por meio Dele, e para Ele são todas as coisas. A Ele, pois, a glória eternamente. Rom 11:36 AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Marcelo Bulhões, pelo apoio e condução segura; À minha família, especialmente João, Mateus e Nicolas, pelo suporte, amor e pelas muitas horas de ausência; Aos colaboradores entrevistados: Saulo Gomes, Ary Vizeu, Carlos Alberto Vizeu, Jorge Sampaio, Paulo César Ferreira, Paulo Caringi, Teixeira Heizer, Afonso Soares e Celso Garcia. Sem o ecoar de suas vozes esse passado não seria presente; Aos membros do Grupo de Rádio e Mídia Sonora pelo auxílio. Em especial aos professores Ana Baumworcel e João Batista de Abreu Junior; Aos meus primos, Victor Gustavo, Renata, Vitinho e Pedrinho, que tão carinhosamente me receberam em terras bauruenses; À Patrícia Zanin, Tony Hara, e Janete El Haouli, meus interlocutores radiofônicos em Londrina; À Universidade Estadual de Londrina e aos professores do Departamento de Comunicação, pela liberação; Ao professor Célio Losnak, por me apresentar a História Oral; E, finalmente, aos meus alunos e ex-alunos, que a cada dia me desafiam e instigam para o estudo e investigação e para uma escuta diferenciada. BESPALHOK, Flávia Lúcia Bazan. A Prática da Reportagem Radiofônica na Emissora Continental do Rio de Janeiro. 2006. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, UNESP, Bauru, 2006 RESUMO Trata-se de uma investigação sobre o surgimento da reportagem radiofônica na Emissora Continental do Rio de Janeiro. A literatura informa que esta foi uma das primeiras experiências de reportagem externa do rádio brasileiro. Entretanto, há pouco registrado desse feito. Utilizamos a metodologia da História Oral, associada à Análise Documental, e entrevistamos diversos personagens que participaram desta história, com o intuito de reconstruir parte da trajetória dos “Comandos Continental”, equipe que produzia o noticiário da emissora. Apresentamos ainda uma discussão conceitual sobre a reportagem e análise de duas produções dos “Comandos” realizadas na década de 1950. Palavras-chave: Reportagem Radiofônica, Emissora Continental, Radiojornalismo, História. BESPALHOK, Flávia Lúcia Bazan. Practice of radio reportage on Rio de Janeiro Continental Station. 2006. Dissertation (Post-Graduate in Communication). Program of Post-Graduate in Communication. College of Architecture, Arts and Communication, UNESP, Bauru, 2006 ABSTRACT In this work the beginning of radio reportage on Rio de Janeiro Continental Radio Station is investigated. The literature informs that this was one of the first experience of outside reportage on Brazilian radio. However, few details are registered. We used Oral History methodology, associated with Documental Analysis, and interviewed some people that have taken part on this history aiming to reconstruct part of the trajectory of “Comandos Continental”, a group that make the Radio Station news. We also present a conceptual discussion on reportage and analyze two productions of “Comandos” performed on 1950’s. Key words: Radio Reportage, Continental Radio Station, Radio Journalism, History. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Esquema de cobertura do Carnaval de 1955 66 Figura 2 – Os BTPs em ação: Paulo caringi transmitindo um boletim do Congresso Eucarístico e entrevistando o presidente Juscelino Kubitschek 70 Figura 3 – Paulo Caringi transmitindo do RC 2 71 Figura 4 – Saulo Gomes vestido com o macacão da Panair depois da cobertura da chegada dos campeões Mundiais de Futebol de 1958 81 Figura 5 – Rubens Berardo, em campanha para a reeleição na Câmara Federal em 1958 89 Figura 6 – Foto do casamento de Carlos Palut e Alba Regina. 94 Figura 7 – Exemplo de programação em fluxo 120 Figura 8 – Gráfico de tensão da reportagem 136 Figura 9 – Foto de Saulo Gomes durante cobertura do carnaval de 1957 144 Figura 10 – O repórter Saulo Gomes abraçado ao seu inseparável gravador e gravando um boletim que estava sendo emitido pelo telefone 147 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Fragmentos da Programação da manhã da Emissora Continental, em 27 de dezembro de 1951 56 Tabela 2 – Fragmentos da Programação da tarde da Emissora Continental, em 27 de dezembro de 1951 58 Tabela 3 – Fragmentos da Programação da noite da Emissora Continental, em 27 de dezembro de 1951 59 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 11 2 METODOLOGIA 17 2.1 Modalidades de História Oral 17 2.2 Entendendo a Memória 19 2.3 As formas de Entrevista 22 2.4 Análise Documental 27 3 O INÍCIO DO RÁDIO E DO RADIOJORNALISMO NO BRASIL 30 3.1 O cenário da chegada do veículo 31 3.2 O Pioneirismo no Radiojornalismo 33 3.3 Fim do Ideal Educativo e Cultural 36 3.4 A Estruturação do Radiojornalismo 42 3.5 A Ameaça da TV 46 4 A PRÁTICA DA REPORTAGEM NA CONTINENTAL 49 4.1 O Surgimento da Emissora Continental 51 4.2 O Embrião das Reportagens Externas 60 4.3 A Experiência da Reportagem na Continental 68 4.3.1 O ímpeto pelo imediatismo 74 4.3.2 O ímpeto pela reportagem 79 4.4 Sucesso na Política 87 4.5 Fracasso na administração 90 4.6 Carlos Palut 93 5 ASPECTOS TEÓRICOS DA REPORTAGEM 101 5.1 As Características do Meio 101 5.2 A Linguagem Radiofônica 106 5.2.1 A Voz e o Texto Radiofônicos 107 5.2.2 A Música 110 5.2.3 Os Efeitos Sonoros 112 5.2.4 O Silêncio 114 5.2.5 A Busca pelo Equilíbrio 115 5.3 Formatos, Programação, Programas 117 5.3.1 A Programação 119 5.3.2 Os Programas Radiofônicos 122 5.4 A Reportagem Radiofônica 129 5.4.1 As Relações e as Inter-relações entre o Vivo e o Diferido 132 5.4.2 Reportagem Simultânea 134 5.4.3 A Reportagem Diferida 138 6 A REPORTAGEM NA PRÁTICA DA CONTINENTAL 142 6.1 O repórter 143 6.2 As reportagens 147 6.2.1 A explosão dos paióis do Exército 149 6.2.1.1 A reportagem “explosão dos paióis” 150 6.2.1.2 Considerações sobre a reportagem “explosão dos paióis” 157 6.2.2 O Assassinato de Rudolf Karousos 160 6.2.2.1 A reportagem “assassinato de Rudolf Karousos” 161 6.2.2.2 Considerações sobre a reportagem “assassinato de Rudolf Karousos” 166 CONSIDERAÇÕES FINAIS 170 REFERÊNCIAS 176 APÊNDICES 185 Apêndice A – Entrevista com Saulo Gomes 186 Apêndice B – Entrevista com Ary Vizeu e Carlos Alberto Vizeu 209 Apêndice C – Entrevista com Paulo César Ferreira 246 Apêndice D – Entrevista com Paulo Caringi 257 Apêndice E – Entrevista com Teixeira Heizer 279 Apêndice F – Entrevista com Jorge Sampaio 291 Apêndice G – Entrevista com Afonso Soares 310 Apêndice H – Entrevista com Celso Garcia 326 Apêndice I – Roteiro das Entrevistas 333 ANEXOS 335 ANEXO A – Livro de ponto da Emissora Continental de 27 de dezembro de 1951 336 ANEXO B – Plano para a grande cobertura radiofônica do carnaval de 1954 337 ANEXO C – CDs: Reportagens e Depoimentos 338 11 1 INTRODUÇÃO O rádio completa, em setembro de 2006, 84 anos de atividade no Brasil. Mesmo vivendo num mundo cada vez mais imagético, virtual e globalizado, o veículo não perdeu seu espaço no universo dos ouvintes. Em pleno século XXI, o rádio ainda é o campeão de audiência entre os meios de comunicação de massa eletrônicos, das sete da manhã às sete da noite. E, nas palavras de Eduardo Medistch (2001b), continuará merecendo a atenção dos ouvintes e não será superado pelos outros veículos de comunicação porque “cada vez mais, as pessoas vão precisar ser informadas em tempo real a respeito do que está acontecendo, no lugar em que se encontrem, sem paralisar as suas demais atividades ou monopolizar a sua atenção para receber esta informação.” No campo da pesquisa, observa-se que nos últimos anos cresceram os estudos tendo o rádio como objeto. Meditsch (2001a) informa que depois do advento da televisão, o rádio passou a ter pouca importância nas investigações acadêmicas e foi um dos meios de comunicação menos estudados. O tipo de publicação que predominou até a década de 1980, segundo Moreira e Del Bianco (1999), foi o livro-depoimento baseado em narrativas pessoais, como os de Renato Murce – Bastidores do Rádio e Mauro Felice – Jornalismo de Rádio. A partir dos anos 1990, principalmente com a criação do GT de Rádio da Intercom1 em 1991, ocorreu, na visão das autoras, um crescimento significativo das reflexões em torno do veículo, em que começaram a predominar os estudos científicos sob diferentes abordagens em busca de se “fazer um estudo crítico da história do rádio, das práticas profissionais, além de evidenciar as relações de poder estabelecidas a partir do meio, suas ressonâncias sociais e as mediações com a sociedade”. (MOREIRA; DEL BIANCO, 1999, p. 165) Entretanto, mesmo verificando-se esse significativo avanço, ainda faltam estudos que apontem, entre outras questões, o desenvolvimento histórico do radiojornalismo e também reflexões conceituais sobre as práticas que vêm se 1 Atualmente o GT leva o nome de Núcleo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora. 12 perpetuando desde seu surgimento2, visto que, como aponta Meditsch (2001a, p. 46) a maior parte das publicações sobre o veículo é técnica, mas isto “requer uma redobrada atenção na análise, pela tendência dessa bibliografia de reproduzir as técnicas sem maior preocupação crítica”. Decorridos esses primeiros 84 anos de percurso, entendemos que o rádio ainda precisa olhar para trás na expectativa de entender como se deram suas transformações e o que, desse passado, pode servir de suporte para o futuro. O radiojornalismo se fez presente na programação radiofônica desde seus primórdios, e, também, nesse segmento é preciso lançar olhares na busca do entendimento de como se estabeleceram as bases para a informação jornalística e o que se pode aprender com essa caminhada, que começou com a notícia extraída do jornal e lida diretamente nos microfones nas décadas de 1920 e 19303, passou pela notícia escrita especificamente para o veículo a partir da década de 1940 e chegou à reportagem na década de 1950. Todos os manuais de radiojornalismo consideram a reportagem radiofônica, mas são raros os trabalhos da área que discutem conceitualmente esta forma de estruturação da informação no veículo. Historicamente, também, poucos são os registros de como esta surgiu no rádio brasileiro. Autores como Felice (1981), Moreira (2000) e Ortriwano (2003) apontam a Emissora Continental do Rio de Janeiro4 como uma das pioneiras no uso da reportagem externa, mas escapam-lhes detalhes de como isso aconteceu e como era essa reportagem produzida pelos “Comandos Continental”, sob a chefia de Carlos Palut. Em face dessa escassez de referências e interessados que somos pela radiorreportagem, tomamos esta como o objeto de estudo de nossa pesquisa, com o objetivo de buscar evidências históricas de como se deu seu surgimento na Continental e de entender conceitualmente o que é a reportagem enquanto uma das possíveis formas de estruturação da informação no rádio. Nosso corpus de análise 2 Moreira e Del Bianco (1999, p. 168) também apontam que a produção do NP de Rádio e Mídia Sonora “ainda está longe de preencher as lacunas de conhecimento em relação a história, fatos, fases, técnicas, políticas, investimentos e transformações do rádio”. 3 É importante lembrar, e isso será tratado com mais detalhes no capítulo 3, que Roquette Pinto, com o seu pioneiro “Jornal da Manhã”, também tecia comentários às notícias que lia. Entretanto, essa forma de jornalismo, comentada, não foi seguida pelas demais emissoras, que se limitavam a ler os jornais impressos no ar. 4 A emissora do Rio de Janeiro não foi a única a ter o nome ‘Continental’. Também existiram a Continental de Campos, que passou a operar em caráter definitivo em 29 de fevereiro de 1956, a Continental de Pernambuco, que entrou no ar em 1958 e a Continental de Porto Alegre que foi criada em 1962. Todas faziam parte das Organizações Rubens Berardo. 13 centra-se em duas reportagens realizadas na década de 1950 pelo repórter Saulo Gomes, um dos integrantes dos “Comandos Continental”, que era chefiado por Carlos Palut. Nosso recorte histórico abrange o período de 1948, ano de surgimento da Continental, a 1964, ano em que a liberdade de expressão começa a ser suprimida da imprensa brasileira como conseqüência do golpe militar instaurado no país. A censura que se estabeleceu nos veículos de comunicação a partir do golpe fez com que, na avaliação de Felice (1981) e Ortriwano (2003), a reportagem externa se ausentasse do rádio brasileiro. Elegemos a radiorreportagem como foco de nosso trabalho sem a certeza de que encontraríamos as fontes orais que nos contassem parte dessa história e sem nenhuma evidência de que ainda existisse material em áudio da emissora. Nesse ponto, a paixão pelo veículo, e em nosso caso específico pela reportagem, falou mais alto e nos empenhamos para viabilizar o projeto, mesmo tendo consciência da distância que separava Londrina, Bauru e Rio de Janeiro. Também pesaram nessa escolha os anos em que atuamos em emissoras radiofônicas, tanto comercial quanto educativa, e a certeza de que as reflexões também poderiam ser levadas para a sala de aula, já que hoje, afastada dos estúdios, direcionamos nosso conhecimento à docência e à pesquisa. Nos primeiros meses de investigação foram muitas as tentativas para encontrarmos remanescentes da emissora. A pouca bibliografia disponível sobre a Emissora Continental eram pedras que dificultavam essa caminhada. No aspecto histórico, o nó começou a ser desfeito quando, depois de meses de busca, encontramos o site pessoal de Saulo Gomes, um antigo repórter da emissora, que atualmente mora na cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Com essa primeira entrevista, obtivemos a localização de Ary Vizeu e seu filho, Carlos Alberto Vizeu. A partir daí, a rede de relações se ampliou e tivemos acesso a Jorge Sampaio, Paulo César Ferreira, Paulo Caringi, Teixeira Heizer, Afonso Soares e Celso Garcia. Com base nos depoimentos desses nove profissionais procuramos reconstruir alguns aspectos históricos da Emissora Continental e sua relação com a reportagem. Nessa tentativa de reconstituir parte da história da Continental, valemo-nos, principalmente, da técnica da história oral. Desta maneira, buscamos os depoimentos daqueles que participaram da escrita dessa história, para, com suas próprias palavras, reconstruir o período do surgimento da emissora e seu ingresso 14 no campo da reportagem. Como diz Thompson (1998, p. 10): “a voz do passado tem importância para o presente”, principalmente quando existe escassez de material para a pesquisa. É nesse ponto que as evidências orais “penetram aquilo que, de outro modo, seria inacessível” (THOMPSON, 1998, p. 136) . Além dos depoimentos, buscamos apoio também em outros documentos, e procedemos a uma análise documental, entendendo, como considera Thompson (1998, p. 305), que “a evidência oral pode ser avaliada, julgada, comparada e citada paralelamente ao material de outras fontes”. Para tanto, além dos documentos escritos cedidos pelos entrevistados, lançamos mão também de produções em áudio e vídeo e, principalmente, pesquisas em revistas e jornais da época, que foram examinados na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Elegemos como periódico principal das buscas a “Revista do Rádio”, visto que é a única publicação especializada que abrange o período enfocado – 1948 a 1964. A revista circulou no Brasil de 1948 a 1970 e trazia os bastidores do mundo do rádio – que até a década de 1950 era o mais importante veículo de comunicação de massa eletrônico e ocupava o lugar de destaque nas salas das famílias brasileiras. Além da “Revista do Rádio”, pesquisamos na revista “Radiolândia” e no jornal “Correio da Manhã” que era editado no Rio de Janeiro. Da “Revista do Rádio” examinamos as edições existentes na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro a partir de setembro de 1948 até dezembro de 1964. Dos outros periódicos, nos concentramos em datas significativas da história da emissora, já que o material era por demais amplo – caso do jornal que, por circular diariamente, tinha uma extensão que tornava impraticável a tarefa do rastreamento na sua totalidade – ou não cobria a duração do período analisado – casos de outras revistas especializadas em rádio. Um problema com que nos deparamos para a realização desta pesquisa foi a falta de preservação da memória radiofônica sonora. Não temos ainda, infelizmente, o hábito de guardar gravações e scripts. Nem mesmo em emissoras de grande porte, como a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, existiu uma cultura de conservação5. Muito da nossa história se perdeu e muitas fitas foram 5 Como exemplo desse descaso, Saroldi e Moreira (2005, p. 187-8) contam que parte do acervo da Nacional foi transferida ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 1972, por iniciativa da então diretora Neusa Fernandes que “ao saber que Paulo Tapajós encontrara os discos de programas da Nacional jogados num dos banheiros do prédio e empilhados no corredor, a diretora solicitou ao senhor Pandiá Pires, então superintendente da emissora, a doação oficial de discos e arranjos do Arquivo da PRE-8.” Eram cerca de 40 mil discos e 20 mil arranjos (totalizando 357.985 partituras), que somente depois de muita perseverança, estão desde 1998 classificados e 15 reaproveitadas para gravação de novos programas. Carlos Alberto Vizeu (2004) conta que na Continental as produções – “os acetatos, fita de áudio velha, scripts velhos” – eram deixadas em uma sala e de tempos em tempos tudo era levado para o lixo. Muito do que ainda se possui não está sistematizado e faz parte de acervos particulares6, de profissionais que tiveram o cuidado de manter esta ou aquela produção. As reportagens que serão analisadas nesse trabalho são o exemplo claro dessa prática: o zelo com que o repórter Saulo Gomes registra sua carreira profissional e arquiva fitas de rolo, revistas e documentos em sua própria casa. Para dar conta de resgatar parte da história da modalidade de reportagem praticada na Emissora Continental e de apresentá-la conceitualmente, estruturamos este trabalho em seis capítulos, além deste. Antes de entramos nas questões históricas propriamente ditas, apresentamos, no capítulo 2, a metodologia utilizada, com as bases que sustentam a História Oral e a Análise Documental, que adotamos como técnicas para a realização dos depoimentos e análise dos documentos escritos e sonoros. No capítulo 3 traçamos os principais aspectos e características que marcaram a história do radiojornalismo brasileiro desde seu surgimento, com Roquette Pinto, em 1923, até o final da década de 1940, quando surge a Emissora Continental. Tomamos a história do veículo e do próprio país como pano de fundo para situar aspectos históricos importantes do radiojornalismo. A Emissora Continental é o foco do capítulo 4, onde, com base nas entrevistas e pesquisas bibliográfica e documental, apresentamos a forma de trabalho jornalístico da emissora, como e com quais características a reportagem passou a figurar em seu noticiário, o papel de Carlos Palut na consolidação dessa forma de estruturar a informação radiofônica e as grandes coberturas feitas pelos “Comandos Continental”. organizados em dez salas no 3º. andar do edifício conhecido como “Anexo do MIS”, no bairro da Lapa. 6 Parte desse acervo está fora do alcance de pesquisadores e interessados, já que é, na maioria dos casos, desconhecido. Em 1983, no entanto, o jornalista José Maria Manzo fundou a “Collector’s Editora” com material cedido por colecionadores, produtores de programas e artistas com o objetivo de preservar a memória radiofônica das décadas de 1940 e 1950. Em 1991, após um convênio com o MIS, o acervo da empresa foi ampliado e hoje ela dispõe de mais de 1.200 programas, a maioria das rádios Nacional e Tupi, segundo Saroldi e Moreira (2005). Não há nos arquivos da Collector’s nenhuma gravação da Emissora Continental. O acervo pode ser consultado pelo site http://www.collectors.com.br/. 16 Entendemos que este trabalho tem esse aspecto de resgate histórico bastante evidenciado. Entretanto queríamos ir um pouco além, buscando entender o que é essa reportagem radiofônica que tanto marcou a história da Emissora Continental. Se nos capítulos 3 e 4 apontamos aspectos históricos que marcaram o desenvolvimento do veículo e do jornalismo, procuramos, no capítulo 5, evidenciar quais características têm o veículo rádio, como se alicerça sua linguagem, sua programação e como nesse contexto, com estudos baseados na contemporaneidade, se insere a radiorreportagem. Partimos, portanto, das características do veículo, sua linguagem e seus formatos de programas para chegar a uma das unidades da informação, a reportagem. Com os conceitos estabelecidos sobre a reportagem entrelaçados aos aspectos narrados pelos remanescentes da Emissora Continental, no capítulo 6 tecemos considerações sobre o corpus desta pesquisa - duas reportagens da Emissora Continental produzidas por Saulo Gomes na década de 1950. As reportagens nos foram cedidas pelo repórter Saulo Gomes e podem ser tomadas como indicativos da forma de trabalho dos “Comandos Continental”. Consideramos que este trabalho não esgotará o assunto da reportagem radiofônica ou da Emissora Continental, mas pretende contribuir com as pesquisas em comunicação, apontando com mais exatidão como se iniciou o percurso da radiorreportagem no Brasil e oferecendo a possibilidade de conversão das descobertas em conteúdo analítico para o ensino de radiojornalismo e para a produção de reportagens por emissoras comerciais, educativas ou comunitárias. 17 2 METODOLOGIA Quando nos decidimos pelo uso de entrevistas como forma de resgatar parte da história da Emissora Continental, sabíamos que a elas não poderia ser dado o tratamento jornalístico, já que faziam parte de uma pesquisa científica. Lançamos mão, então, da história oral para que pudéssemos ter, como afirma Meihy (2002, p 15), “uma percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado”. Este é um dos pressupostos da história oral, que a evidencia como história viva: “História oral é um recurso moderno usado para a elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes à experiência social de pessoas ou de grupos. Ela é sempre uma história do tempo presente”. (MEIHY, 2002, p. 13) Como em outras áreas, está claro para Fenelon (1996, p. 25) que [...] o campo da História Oral, com todos os vieses do fazer historiográfico, comporta discussões sobre as diferenças, multiplicidades e diversidades tanto quanto qualquer outra maneira de fazer ou praticar a abordagem de um objeto das ciências do social. Encontramos também, na bibliografia pesquisada, essa multiplicidade de possibilidades na condução de nosso projeto. Fizemos a opção pela corrente inglesa da história oral, representada, entre outros, por Paul Thompson. Embora destacando as orientações de Thompson, buscaremos nesse capítulo alargar a discussão ao contemplar também outras visões da história oral, como as da corrente americana, que tem em José Carlos Sebe Bom Meihy uma de suas referências. 2.1 Modalidades de História Oral A contribuição de depoimentos orais para pesquisas científicas vem de muito tempo e já hoje está superada a discussão, ocorrida no surgimento da história oral, de que as evidências obtidas por meio de entrevistas poderiam estar contaminadas com a subjetividade dos depoentes ou que estes poderiam apresentar 18 uma versão distorcida pela deterioração da memória. De uma forma ou de outra, as fontes históricas, sejam as orais, escritas ou visuais, têm traços de subjetividade já que, como afirma Thompson (1998, p. 197), “toda fonte histórica derivada da percepção humana é subjetiva”. E toda fonte também pode apresentar distorções, dependendo de quem é o emissor, como salienta Portelli (1997, p. 32), quando afirma que “constantemente, documentos escritos são somente a transmissão sem controle de fontes orais não identificadas”. Com isso fica claro que o documento escrito, ou o iconográfico, não é superior nem inferior ao oral em termos de validade histórica. Devem prevalecer apenas os cuidados que todo pesquisador precisa tomar quando vai se valer de qualquer documento: verificar se não é uma falsificação, com que finalidade e quem o produziu e, no caso específico das fontes orais, “buscar a consistência interna, procurar confirmação em outras fontes, e estar alerta quanto ao viés potencial” (THOMPSON, 1998, p. 140). A maneira de tratar as fontes orais é determinante, também, para indicar de que modo se está lidando com a história oral: como uma técnica, como um método ou como uma disciplina independente. Quando se lança mão da história oral como técnica “deve-se supor que exista uma documentação paralela, escrita ou iconográfica, e que os depoimentos seriam mais um complemento.” (MEIHY, 2002, p. 43) Ocorre, nesse caso, um diálogo entre as diferentes fontes escritas e orais. Quando os depoimentos são focalizados como a parte central dos estudos, a história oral é entendida como método. Existem também teóricos que, segundo Meihy (2002, p. 46) a tratam como “um estudo com objeto definido e com implicações filosóficas que, inclusive, teriam encaminhamento político”. O autor não desposa esta perspectiva e indica que esta seria a vanguarda da história oral quando “busca fixar fundamentos epistemológicos capazes de dar forças à proposta da história oral como disciplina” (MEIHY, 2002, p. 46). Neste trabalho, adotamos a história oral como técnica na medida em que intentamos promover o diálogo entre os depoimentos colhidos e informações veiculadas em livros, produções em áudio e vídeo e periódicos da época estudada – 1948 a 1964. Dessa forma estaremos realizando o que Meihy (1996, p. 50) chama de história oral híbrida7, ou seja, “as narrativas trabalhadas em diálogo com outros 7 A outra modalidade de história oral seria a pura, que sagra “a palavra como elemento apenas passível de ser comparado, exclusivamente, com outras palavras.” (MEIHY, 1996, p. 50) 19 tipos de códigos, equiparadas com informações contraditórias, captadas de diversas maneiras e cotejadas até em vista da própria historiografia em sentido amplo” (grifo do autor). Independentemente do tratamento dado aos depoimentos no desenvolvimento do projeto, ou seja, se eles serão um complemento ou a parte central da pesquisa, a história oral se subdivide em História Oral de Vida, História Oral Temática e Tradição Oral. Na primeira modalidade enfoca-se a narrativa das experiências de uma pessoa ou de uma coletânea de narrativas, “uma vez que pode ser que nenhuma delas seja, isoladamente, tão rica ou completa como narrativa única” (THOMPSON, 1998, p. 303). Na segunda acepção, a preocupação volta-se para o esclarecimento de algum evento definido. E a terceira subdivisão, Tradição Oral, é, segundo Meihy (2002, p. 149) “uma das mais complexas e raras expressões da história oral”. Busca-se o estudo de lendas, mitos, costumes e história perpetuados pela via oral. Adotamos, neste projeto, a História Oral Temática uma vez que intentamos entender como se deram o surgimento e o desenvolvimento da reportagem na Emissora Continental. “Mesmo considerando que ela é narrativa de uma versão do fato, pretende-se que a história oral temática busque a verdade de quem presenciou um acontecimento ou que pelo menos dele tenha alguma versão discutível ou contestatória”. (MEIHY, 2002, p. 146) 2.2 Entendendo a Memória Uma questão que merece atenção do pesquisador que trabalha com história oral é entender que a memória pode ser individual, social ou coletiva. “É sobre a relação entre o ser individual e o mundo que se organizam as lembranças e os processos que revelam ou não o significado do repertório de lembranças armazenadas” (MEIHY, 2002, p. 54). Cada indivíduo processa sua memória baseado na compreensão que teve – e tem – do tema, do interesse que esse tema suscita e sua disposição de “voltar ao passado” e relembrá-lo. Com relação a esses dois últimos itens, foram perceptíveis a satisfação e o interesse com que cada um dos entrevistados, que na indicação de Meihy (2002) devem também ser chamados de 20 colaboradores8, falou sobre a Continental. Todos nos receberam prontamente e se colocaram à disposição para novos contatos. O que ouvimos em uníssono é que a Continental era parte integrante e importante de suas vidas profissionais, foi pioneira em muitas questões e, por isso, essa história merecia ser registrada. Trabalhamos, portanto, com as memórias individuais dos entrevistados, que foram registradas no conjunto social vivido e se transformaram em memória coletiva na medida em que os depoimentos foram construídos “pela força de fatores externos que circunstanciam um determinado grupo, marcando sua identidade”. (MEIHY, 2002, p. 55) No olhar que lançamos a cada depoimento, procuramos não perder de vista o fato de que nossas memórias movimentam-se entre o passado e o presente, em um ato de constante reprocessamento das experiências vividas. À medida que colecionamos outras vivências, vamos olhar o passado com outros olhos, como sublinha Thomson (1997, p. 57): Ao narrar uma história, identificamos o que pensamos que éramos no passado, quem pensamos que somos no presente e o que gostaríamos de ser. As histórias que relembramos não são representações exatas de nosso passado, mas trazem aspectos desse passado e os moldam para que se ajustem às nossas identidades e aspirações atuais. Assim podemos dizer que nossa identidade molda nossas reminiscências: quem acreditamos que somos no momento e o que queremos ser afetam o que julgamos ter sido. Esse contínuo olhar para o passado com os olhos do presente não vai, na visão de Thompson (1998, p. 183), comprometer a reconstrução da história, muito pelo contrário, uma vez que “os fatos de que as pessoas se lembram (e se esquecem) são, eles mesmos, a substância de que é feita a história”. E o autor vai além, quando afirma que “em suma, a história não é apenas sobre eventos, ou estruturas, ou padrões de comportamento, mas também sobre como são eles vivenciados e lembrados na imaginação” (THOMPSON, 1998, p. 184) . Meihy (2002, p. 50) também chama a atenção para a maneira como recompomos nossas lembranças e aponta o caráter nostálgico que têm as memórias: “por ser uma construção baseada em referentes do passado, a história oral sempre abrigará uma visão redentora e passional do passado ou dos fatos”. Isso dará às narrativas um colorido heróico e desbravador quando o tempo passado estiver sendo relatado: 8 “Colaborador é um termo importante na definição do relacionamento entre o entrevistador e o entrevistado. É sobretudo fundamental porque estabelece uma relação de compromisso entre as partes.” (MEIHY, 2002, p. 108) 21 “este é sempre um tempo encantado, repleto de aspectos heróicos e cheio de força explicativa das futuras mudanças” (MEIHY, 2002, p. 83). São por esses aspectos que se pode afirmar que a fonte oral se assemelha também a um livro autobiográfico – que é aceito como documento escrito – mas com uma vantagem adicional: pode ser questionada pelo pesquisador na tentativa de “descolar as camadas da memória, cavar fundo em suas sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta” (THOMPSON, 1998, p.197). A entrevista é o momento desse cavar e, para isso, o entrevistador precisa estar preparado, principalmente, para ouvir, demonstrar interesse, respeito e compreensão pela opinião dos entrevistados. Antes do início do processo das entrevistas é necessário, entretanto, que o pesquisador tenha estabelecido a colônia, ou seja, o grupo a ser estudado ou a ampla coletividade relacionada ao tema proposto (no caso de História Oral Temática). Dessa colônia sairá a rede de entrevistados, que norteará a escolha dos colaboradores: “cortes racionalizados devem ser feitos, tais como: abordar somente as mulheres, ou apenas os homens; os mais velhos [...]” (MEIHY, 2002, p. 166). Neste trabalho, entende-se por colônia todos os profissionais de rádio que tenham tido algum envolvimento com a emissora Continental, seja no trabalho radiojornalístico, no esporte, na operação técnica ou na parte administrativa. Não foi possível estabelecer a rede de entrevistados de antemão, já no início do projeto, uma vez que não possuíamos informações sobre onde estariam os remanescentes da Emissora Continental. Carlos Palut, sempre mencionado pelos autores, já havia falecido e tínhamos dificuldade em localizar outros integrantes da Continental, como Ary Vizeu, e os demais citados por Felice (1981, p. 69): “Integravam essa equipe Manoel Jorge, Paulo Caringi, Dalwan Lima, Perez Júnior, Jorge Sampaio, Paulo Cesar Ferreira, os quais eram chamados de ‘profissionais do microfone volante’”. Desde a definição do projeto e o ingresso no programa de Mestrado início de 2004), buscávamos a localização dos integrantes da colônia de entrevistados. Foram feitas consultas a membros de listas de discussão de rádio (como, por exemplo, a lista do grupo de Rádio e Mídia Sonora da Intercom - intercom.midia.sonora@grupos.com.br) e pesquisas na Rede Mundial de Computadores. Entretanto, os resultados demoraram a aparecer. Somente no mês de julho de 2004 é que encontramos a página pessoal do repórter Saulo Gomes 22 (http://www.saulogomes.com.br). A partir dessa descoberta conseguimos localizá-lo9 e realizamos a primeira entrevista, que foi bastante reveladora, na medida em que nos forneceu muitos dados sobre o jornalismo praticado pela Continental. Conseguimos também, nessa entrevista, o paradeiro de outros dois ex-integrantes da emissora: o senhor Ary Vizeu e seu filho, Carlos Alberto Vizeu. A partir da segunda entrevista com os Vizeu, a rede de relações se ampliou e tivemos acesso a Jorge Sampaio e Paulo César Ferreira. Este último nos indicou o paradeiro de Afonso Soares e Celso Garcia. Também durante o XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom de 2004), realizado em Porto Alegre, pudemos conversar pessoalmente com pesquisadores do grupo de Rádio e Mídia Sonora e, por meio dos professores Ana Baumworcel e João Baptista de Abreu Junior, da Universidade Federal Fluminense, chegamos a Paulo Caringi e Teixeira Heizer. A todos os entrevistados foram solicitadas informações sobre outros integrantes da emissora. Entretanto, a rede de colaboradores fechou-se nesses nove profissionais já que durante a etapa destinada às entrevistas nenhum novo nome foi descoberto. Mesmo não tendo encontrado novos remanescentes da Continental, entendemos que a rede ficou completa, já que muitas das informações começaram a ser repetidas pelos últimos entrevistados. Na visão de Meihy (2002, p. 124) “quando os argumentos começam a ficar repetitivos, deve-se parar as entrevistas”. 2.3 As formas de Entrevista Existem diferentes formas de entrevistas: com roteiro anteriormente elaborado, deixando-se o entrevistado livre para falar o que quiser, ou, como prefere Thompson (1998, p. 158), mesclando os dois métodos “estimulando o informante a expressar-se livremente, mas introduzindo gradativamente um conjunto padronizado de perguntas na medida em que não tenham ainda sido respondidas”. Essa foi a maneira utilizada por nós para a realização das entrevistas para esta pesquisa. Entretanto, nos primeiro contatos, quando ainda havia pouca informação sobre a 9 Utilizamos o e-mail indicado na página para estabelecer contato com o repórter, mas não obtivemos resposta. Depois de novas pesquisas, descobrimos Saulo Gomes havia ingressado na Academia Riberãopretana de Letras (http://sites.netsite.com.br/arl/default.php) e lá conseguimos seu telefone. 23 emissora e as práticas jornalísticas do seu dia-a-dia, fizemos entrevistas mais exploratórias e apresentamos várias questões para os entrevistados, de acordo com as informações que nos passavam. Nas últimas entrevistas pudemos assumir um papel mais evidente de ouvinte, permitindo que os entrevistados falassem mais livremente, mas, como orienta Thompson (1998) apresentando novos assuntos que ainda estavam encobertos. Desde a primeira entrevista possuíamos um questionário básico de perguntas que serviram de roteiro. Em nenhum momento este roteiro foi entendido como uma amarra para a conversa que se estabeleceu entre a pesquisadora e os colaboradores, mas foi usado como um norteador. A cada entrevista, o roteiro era revisitado e, novas questões, acrescentadas. Optamos também por um roteiro indireto e dedutivo (MEIHY, 2002, p. 146), para que as narrativas pudessem ser contextualizadas e possibilitassem um alargamento “dos horizontes que integram os fatos”. Embora nosso propósito não fosse fazer História Oral de Vida, em certos momentos as perguntas procuravam também aspectos pessoais de cada entrevistado na busca do “enquadramento de dados objetivos do depoente com as informações colhidas” (MEIHY, 2002, p. 148). Como nossa preocupação residia na compreensão da reportagem na Continental desde seu surgimento, desenvolvimento, prática diária e equipe envolvida, tivemos mais de uma pergunta de corte10. A entrevista possibilitada pela história oral também abre um leque para que o pesquisador descubra documentos escritos, visuais ou sonoros aos quais não teria acesso de outra forma. Foi o que ocorreu no desenvolvimento do nosso trabalho. Muitas das fotos e dos documentos escritos da Continental que se verão nas próximas páginas vieram dos arquivos particulares dos entrevistados – principalmente de Paulo Caringi –, assim como as duas reportagens que serão analisadas, frutos do capricho com que Saulo Gomes documentou sua carreira profissional. Todas as entrevistas foram gravadas em MD (mini-disk) e depois foram digitalizadas e arquivadas em CD (compact-disk). A possibilidade da gravação é fundamental nas pesquisas de história oral porque “todas as palavras empregadas estão ali exatamente como foram faladas; e a elas se somam pistas sociais, as 10 Pergunta de corte é a questão que deve estar presente em todas as entrevistas e que serve para abordar o tema, ou os temas, tratado pelo projeto. 24 nuances da incerteza, do humor ou do fingimento, bem como a textura do dialeto” (THOMPSON, 1998, p. 146). Muitos historiadores orais preferem fazer inicialmente um primeiro encontro, conversar com a fonte e somente em uma segunda ocasião gravar a conversa. Thompson (1998, p. 268) discorda e aconselha: “Segundo minha própria experiência, o melhor é pôr o gravador a funcionar logo que você possa, assim que comece a falar” (THOMPSON, 1998, p. 268). Em nossa experiência, tivemos dois problemas com o uso do gravador: na primeira entrevista, o equipamento acusou um mau funcionamento e a primeira meia-hora de conversa se perdeu. Como isso foi logo percebido, essa meia hora foi imediatamente regravada. Na segunda (com Ary Vizeu e Carlos Alberto Vizeu), assim que nos sentamos, Carlos Alberto Vizeu – que já sabia do tema pelo contato telefônico feito anteriormente – começou a falar. O gravador ainda não estava ligado e, novamente, os primeiros minutos da conversa não foram registrados. Ligamos o aparelho e no decorrer da entrevista voltamos aos pontos narrados inicialmente. Diante desses fatos, o que passamos a fazer a partir da terceira entrevista era chegar com o equipamento já ligado, esperando apenas o toque no botão de pause para dar início à gravação. As entrevistas foram realizadas pessoalmente11, na casa dos entrevistados, na cidade do Rio de Janeiro, com exceção de duas: a de Teixeira Heizer, gravada em um restaurante em Niterói, e a de Saulo Gomes, conduzida em seu escritório, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Em todos os casos, os locais foram escolhidos pelos próprios entrevistados. No momento da entrevista, procuramos ficar a sós com os entrevistados. Somente em dois casos essa situação foi alterada: na entrevista com Afonso Soares, seu filho Celso Soares estava ao lado, já que o pai estava muito doente, deitado em uma cama e com dificuldades para falar. Também na casa da família Vizeu, pai e filho foram entrevistados ao mesmo tempo. Ary Vizeu, à beira de completar 85 anos, com receio de falhas na memória, pediu que a entrevista fosse realizada na presença do filho. Somente no transcorrer da conversa descobrimos que Carlos Alberto Vizeu também trabalhara na emissora. No início, Ary Vizeu começou falando pouco, mas, no decorrer da 11 Embora tivéssemos a possibilidade técnica de realizar as entrevistas por telefone, por meio de um aparelho chamado “híbrida”, fizemos questão de viajar aos locais das entrevistas e realizá-las pessoalmente. Esta postura está em consonância com o que diz Meihy (2002, p.28): “é fundamental garantir que não se pretende uma história oral em que os recursos tecnológicos supram a necessidade dos contatos diretos. Assim, deve-se deixar claro que não se faz entrevista por telefone ou por qualquer outro meio que anule a relação direta.” 25 entrevista, passou a apresentar suas valiosas contribuições. Thompson (1998, p. 161) entende que entrevistas aos pares são também produtivas porque um “pode estimular a memória do outro, ou corrigir um engano, ou oferecer uma interpretação diferente”. Não foi pedido a nenhum dos entrevistados que assinasse um termo de cessão dos direitos das entrevistas. Essa questão é bastante polêmica entre os historiadores orais. Thompson (1998) explica que legalmente, em uma gravação, existem dois direitos autorais: a da gravação propriamente dita pertence ao entrevistador ou instituição que fez ou encomendou a entrevista, já as informações são de propriedade do entrevistado. Alguns defendem que se precisa sempre pedir um termo assinado que ceda para o pesquisador as informações contidas na gravação. Um dos defensores dessa linha é Meihy (2002, p. 175) que afirma que “toda entrevista, depois de acabada, deve ter um duplo termo de cessão12, assinados pelo depoente”. Já Thompson (1998, p.287) entende que essa prática não é necessária, uma vez que “parece claro que uma pessoa que, sabedora de que um historiador está colhendo material para uma pesquisa, concordou em ser entrevistada não teria muitos motivos justificados para se queixar quando descobrisse ter sido citada num trabalho”. O autor aconselha que se deixe “essa questão sem resolver”. Ele argumenta que a insistência em se ter um termo de cessão dos direitos legais por escrito pode preocupar o entrevistado e deixá-lo acanhado. Em nosso caso, todos os entrevistados foram devidamente avisados de que estávamos desenvolvendo uma pesquisa para o curso de Mestrado e consentiram na gravação da entrevista. Depois das entrevistas gravadas, procedemos à etapa da transcrição do material. Esse é outro momento delicado da metodologia da história oral porque consome muito tempo – estima-se que para cada hora de gravação gastem-se pelo menos seis horas para a transcrição – e, como afirma Portelli (1997, p. 27), apresenta o complicador de transformar “objetos auditivos em visuais, o que inevitavelmente implica mudanças e interpretação”. Quando passada para o papel, que é estático, a palavra falada pode ser alterada porque perde a gestualidade, a expressão facial e o tom, ritmo e timbre originais da voz. Para se evitar deformações, o autor alerta para o uso adequado da pontuação, não seguindo as regras 12 O duplo termo de cessão deve “explicitar se a autorização é dada para se ouvir a fita (toda ou em parte) e/ou para ser lida e usada a transcrição (toda e/ou em parte)” (MEIHY, 2002, p. 175) 26 gramaticais, mas buscando o sentido do que foi dito, procurando indicar as pausas e apontando alterações de ritmo ou timbre, risos e gestos significativos. Thompson (1998, p. 292) entende também que é recomendável que a pessoa que fez a entrevista transcreva-a porque “é a mais capaz de garantir a precisão da transcrição”. Foi o que fizemos em oito das nove entrevistas13. As mais de 11 horas de gravação se transformaram nas páginas impressas que estão anexadas ao final deste trabalho. O momento da citação dos depoimentos no corpo da pesquisa também requer cuidados especiais. Para Thompson (1998, p. 293), a fala não deve ser reescrita para se adequar à língua culta. O máximo que se permite é omitir “o gaguejar em procura de uma palavra”. Entretanto, “outro tipo de hesitações e de ‘muletas’, como ‘você sabe’ ou ‘veja bem’ devem ser incluídos”. Nas citações que se seguirão neste trabalho, tomamos o cuidado em preservar a fidelidade dos depoimentos da maneira como foram pronunciados e retiramos apenas palavras repetidas, como o indicado por Thompson (1998). Fizemos, portanto, a chamada transcrição do material. Além da transcrição, existem ainda dois outros modos de trabalhar as entrevistas, segundo Meihy (2002, p. 172): a textualização e a transcriação. Nestas modalidades “assume-se que a entrevista deve ser ‘corrigida’ e que o ideal é a manutenção do sentido intencional dado pelo narrador que articula seu raciocínio com as palavras”. Procede-se a uma sintetização das idéias buscando o melhor entendimento do sentido apresentado nas narrativas. Na textualização as perguntas são suprimidas e o texto passa a ser “dominantemente do narrador, que surge como figura única por assumir o exclusivismo da primeira pessoa”. Na transcriação, última etapa do processo de tratamento das entrevistas segundo Meihy (2002, p. 173), evoca-se os “pressupostos da tradução” e o texto é recriado. “Com isso, afirma-se que há interferência do autor no texto, que ele foi refeito várias vezes e que tudo deve obedecer a acertos combinados com o colaborador, que vai legitimar o texto”. (MEIHY, 2002, p. 173) Embora a simples transcrição seja considerada por Meihy (2002, p.171) como “conservadora e retrógrada”, optamos por seguir o posicionamento de 13 A transcrição de uma das entrevistas (a de Teixeira Heizer) foi terceirizada para que houvesse tempo hábil de ser incluída nos capítulos apresentados na Qualificação. Entretanto, depois de feita a transcrição, esta foi conferida e revisada com acuidade por esta pesquisadora. 27 Thompson que entende que as narrativas não devam ser reescritas para que se possa “construir a história a partir das próprias palavras daqueles que vivenciaram e participaram de um determinado período, mediante suas referências e também seu imaginário”. (THOMPSON, 1998, p. 18-9) Um outro procedimento apregoado pela corrente americana e defendido por Meihy (2002) é que as narrativas, depois de passadas para o papel, devam ser enviadas aos colaboradores para serem revistas. Thompson (1998) avalia que existem dois lados – um positivo e outro negativo – nessa prática. Pode ser proveitoso por estimular novas lembranças e novas informações, mas também corre-se o risco da fonte querer reescrever a fala original e deixá-la como prosa escrita convencional. Por este aspecto negativo, não adotamos o procedimento de enviar as transcrições para serem revisadas pelos colaboradores. 2.4 Análise Documental Além da História Oral, valemo-nos também da Análise Documental na busca por evidências em documentos escritos, iconográficos e sonoros que pudessem ser entrelaçados aos depoimentos. Nossa pesquisa centrou-se em periódicos, como “Revista do Rádio”14, “Radiolândia”15 e “Correio da Manhã”, em alguns documentos (escritos e sonoros) cedidos pelos entrevistados e produções em áudio e vídeo sobre a história do rádio e do radiojornalismo. Lidamos, portanto, com documentos de origem primária e secundária16. O acesso aos documentos primários somente foi possível em função das entrevistas realizadas. Paulo Caringi, por exemplo, parou a entrevista por diversas vezes em busca de documentos e fotografias que corroborassem a sua fala. Com esse expediente, tivemos acesso a documentos reveladores, tais como o livro ponto da emissora do dia 27 de dezembro de 1951 e o “Plano para a grande cobertura radiofônica do carnaval de 1954” elaborado pela “Divisão de Imprensa Falada” da Continental. As duas reportagens 14 Circulou de 1948 a 1970. 15 Circulou de 1953 a 1963 16 Moreira (2005) salienta que a mídia impressa (jornais e revistas) e eletrônica (gravações magnéticas e digitais de som e vídeo) são documentos de origem secundária e documentos oficiais ou internos de uma empresa pertencem à categoria de fonte primária. 28 da Emissora Continental também só foram localizadas depois do contato com Saulo Gomes, um dos únicos que ainda guarda material sonoro da emissora17. Com relação aos periódicos, a maior pesquisa foi feita na “Revista do Rádio”. Nela rastreamos todos os exemplares disponíveis na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro de 1948 a 1964. Optamos por priorizar a “Revista do Rádio” por se tratar do único periódico especializado no veículo que abrangia todo o período estudado. Como a revista “Radiolândia” não preenchia todo o período estudado e não havia tempo hábil para pesquisar todos os dias de circulação do jornal “Correio da Manhã”, optamos por procurar informações nesses periódicos somente em algumas datas-chave como, por exemplo, no período do surgimento da emissora e épocas de carnaval. Também consideramos documentários e depoimentos sobre o rádio e o radiojornalismo, gravados em vídeo e áudio, como documentos. Como afirma Moreira (2005, p. 275), “o som e a imagem em movimento agrupam elementos originais e, em alguns casos, em versões únicas”. Dessa forma, buscamos informações no Vídeo-Documentário “Rádio no Brasil, 1922-1990”, produzido pela Tele Tape, TVE Rio de Janeiro e Art Plan, com criação e direção de Carlos Alberto Vizeu; nos dois CDs que acompanham a obra de Reinaldo Tavares, “Histórias que o rádio não contou: do galena ao digital desvendando a radiodifusão no Brasil e no mundo”; e no documentário “O Rádio no Brasil”, produzido em 1988 pelo Serviço Brasileiro da BBC de Londres, tendo a coordenação de Luiz Alfredo Hablitzel, texto de Valvênio Martins e pesquisa de Luiz Carlos Saroldi. Tomamos, também, os exemplos sonoros de reportagem da Continental como uma espécie de documento primário. As duas reportagens nos foram cedidas pelo seu autor, o repórter Saulo Gomes, e foram produzidas e veiculadas na década de 1950. Elas serão analisadas como se fossem documentos uma vez que intentamos promover seu diálogo com os depoimentos coletados e as reflexões feitas sobre a natureza da reportagem radiofônica. Entendemos que o entrelaçamento com as características da reportagem e os depoimentos dos colaboradores nos proporcionará uma evidência do trabalho da Continental e das características com que nasceu a reportagem no rádio brasileiro. 17 Outro entrevistado que ainda guarda material sonoro da Continental é Carlos Alberto Vizeu, que dispõe da gravação de um programa intitulado “Operação V”. 29 Antes, porém, de apresentarmos o entrelaçamento de todas essas informações na abordagem da Emissora Continental e de como se deu a prática da reportagem externa na década de 1950, no próximo capítulo vamos destacar alguns aspectos da história do rádio que são importantes para entendermos o momento que vivia o veículo e o radiojornalismo quando surgiu a emissora Continental. 30 3 O INÍCIO DO RÁDIO E DO RADIOJORNALISMO NO BRASIL Desejo vivamente que esta burguesia, além de ter inventado o rádio, invente outra coisa, um invento que torne possível estabelecer de uma vez por todas, o que se pode transmitir pelo rádio. Bertold Brecht Não é objetivo desse trabalho contar em detalhes a história do rádio e do radiojornalismo. Entretanto, pretendemos pontuar os momentos mais expressivos do veículo até a década de 1950, para entendermos como se deu o seu desenvolvimento e como o radiojornalismo se inseriu nesse percurso. Nosso ponto de chegada, neste capítulo, é o cenário em que surge a Emissora Continental do Rio de Janeiro, em 1948, e como se encaixa, nesse panorama, o radiojornalismo praticado por ela. O rádio e o radiojornalismo estabeleceram uma parceira desde as primeiras emissões das ondas hertzianas no Brasil e no mundo. Muitas emissoras começaram suas transmissões fazendo jornalismo, mesmo que, como afirma Ortriwano (1990, p. 38), “na ocasião, não recebessem a denominação específica de ‘programas jornalísticos’”. Um exemplo dessa parceria precoce pode ser verificado na emissora KDKA, a primeira dos Estados Unidos que, em 1920, iniciou suas emissões com o relato dos resultados18 da eleição presidencial norte-americana. É importante salientarmos que, no tocante à história do radiojornalismo no Brasil, pouco se tem registrado. A pesquisadora Ortriwano (1990, p.34) entende que isso se deu porque “a evolução da programação jornalística é sempre considerada como parte do próprio desenvolvimento da radiodifusão, sem merecer destaque especial.” Com isso, apenas alguns aspectos marcantes foram apontados. Vale destacar, ainda, que as emissoras se espalharam por todo o território nacional. Entretanto, são poucos os trabalhos que relatam as experiências jornalísticas do rádio regional. A maior parte do que se tem registrado diz respeito a 18 O vencedor, o republicano Warren G. Haring, foi declarado vitorioso no dia 2 de novembro de 1920. Enquanto a maioria dos americanos somente iria saber do resultado no dia seguinte, moradores da área de Pittsburgh souberam da vitória no momento em que esta foi conhecida graças a Frank Conrad, um funcionário da Westinghouse, que operava a emissora. 31 emissoras dos grandes centros, mas, sem dúvida, como atesta Moreira (2000, p.11), “a prática radiofônica no Brasil vai além daquelas desenvolvidas por emissoras como a Nacional do Rio de Janeiro, a Record de São Paulo ou a pioneira Rádio Sociedade”. 3.1 O cenário da chegada do veículo Desde o início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro, então capital da república, vinha sofrendo profundas mudanças urbanas e sanitárias, nos mesmos moldes das que ocorriam na Europa, principalmente na cidade de Paris. A partir de 1903, na gestão do presidente Rodrigues Alves e tendo à frente o prefeito Francisco Pereira Passos, o trabalho de modernização do Rio foi feito em três frentes: readequação do porto, saneamento e reforma urbana. Os velhos casarões do centro do Rio de Janeiro foram derrubados para dar lugar a amplas avenidas, onde podiam circular automóveis e ônibus; a população mais pobre, que ocupava esses casarões, se viu obrigada a dirigir-se às encostas dos morros; vacinas foram aplicadas, muitas vezes à força, em todos os moradores; o porto foi reformulado e o bonde elétrico, que funcionava desde 1892, já percorria toda a cidade, ligando seus pontos mais remotos. Havia nessas mudanças, no entendimento de Calabre (2004, p. 10), um desejo de “romper, definitivamente, com o passado colonial”. Ainda nesse contexto de reformas, em 1922, a cidade do Rio de Janeiro é preparada para a comemoração do centenário da independência com a derrubada do Morro do Castelo. No local foram construídos os pavilhões que abrigaram uma grande exposição comemorativa. Como ponto alto das solenidades houve a primeira demonstração pública de rádio, com a transmissão do discurso do presidente Epitácio Pessoa e da obra “O Guarani”, diretamente do Teatro Municipal, para os alto-falantes que foram instalados nos postes do recinto da exposição e para 80 receptores que vieram com os transmissores e foram presenteados à elite do Rio e São Paulo. Notícias publicadas por jornais cariocas dão conta do impacto da transmissão: Uma nota sensacional do dia de ontem foi o serviço de rádio- telephonia e telephone alto-falante, grande attractivo da Exposição. 32 O discurso do Sr. Presidente da República, inaugurando o certamen foi, assim, ouvido no recinto da Exposição, em Nictheroy, Petrópolis e São Paulo, graças à instalação de uma possante estação transmissora no Corcovado e de aparelhos de transmissão e recepção nos logares acima. (VAMPRÉ, 1979, p. 29-30) Renato Murce estava presente a essa transmissão e ficou impressionado com o que ouviu. Ele também reproduz uma notícia publicada pelo jornal “A Noite”, do dia 8 de setembro de 1922: Desse serviço se encarregaram a Rio de Janeiro and São Paulo Telephone Company, a Westinghouse International Company e a Western Eletric Company. À noite, no recinto da Exposição, em frente ao posto de Telephone Público, por meio do telephone alto- falante, a multidão teve uma sensação inédita: a ópera Guarany de Carlos Gomes, que estava sendo cantada no Theatro Municipal, foi, ali, distinctamente ouvida, bem como os aplausos aos artistas. (MURCE, 1976, p. 18) Despertados por essa primeira emissão, começam a surgir no país os interessados pela radiodifusão. Menos de um ano depois, no dia 20 de abril de 1923, nasce a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, capitaneada pelo cientista, escritor e professor Edgard Roquette Pinto19 e Henrique Morize, presidente da Academia Brasileira de Ciências. A emissora tinha o slogan “Trabalhar pela cultura dos que vivem em nossa terra e pelo progresso do Brasil”. Esse mote traduz bem com que característica nasceu o rádio brasileiro: educativo e cultural. Segundo Moreira (2000, p. 22) “aulas, conferências e palestras compunham a base da programação inicial”. Na área musical não havia espaço para o popular. O predomínio era da música erudita, principalmente de óperas, e os discos executados na Rádio Sociedade eram cedidos pela elite da época. Também ocorriam apresentações musicais ao vivo, com “a colaboração graciosa de alguns artistas da sociedade. Quase todos apresentavam números do mesmo estilo dos discos irradiados”. (MURCE, 1976, p. 19) À Rádio Sociedade do Rio de Janeiro se seguiram outras, como a Rádio Clube de Pernambuco20, a Sociedade Rádio Educadora Paulista e a Rádio Clube Paranaense. Até a década de 1930, o país já contava, segundo Sampaio (2004), com 19 emissoras em vários estados, como Bahia, Ceará, Maranhão, Minas 19 Chamado de Pai da Radiodifusão Brasileira 20 Alguns autores apontam a Rádio Clube de Pernambuco como sendo a primeira emissora do país. Entretanto, Lopes (1970, p.34-5) esclarece que de 6 de abril de 1919 a 17 de outubro de 1923 ela estava ligada à radiotelegrafia. Em outubro de 1923 foi reorganizada e deu início a experiências de radiodifusão com um transmissor de 10 watts. 33 Gerais, Pará, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, além dos já citados Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Paraná. Todas tinham o caráter de clubes ou sociedades que “[...] exigiam uma agregação em forma de pagamento de taxa de sócio-contribuinte” (FEDERICO, 1982, p. 47). Isso deixava o rádio pioneiro como uma “diversão” para poucos em função dessa taxa que precisava ser paga e também pelo caráter muito erudito da programação. Some-se a isso o fato de não haver transmissão regular, o que exigia paciência dos ouvintes. Apesar do interesse de Roquette Pinto em produzir uma programação educativa popular de acesso fácil à maioria da população e com o rádio ajudando a resolver o problema educacional do País, as condições de acesso existentes na época faziam com que o novo veículo refletisse um nível de cultura compatível com o da elite, os privilegiados ouvintes de então. (MOREIRA, 2000, p. 23) 3.2 O Pioneirismo no Radiojornalismo Roquette Pinto também é apontado pela maioria dos autores21 como o responsável pela introdução do jornalismo no rádio brasileiro. Seu “Jornal da Manhã” era produzido e apresentado por ele mesmo, como relata a filha, Maria Beatriz Roquette Pinto Bojunga, em depoimento gravado nos CDs que compõem o livro "Histórias que o Rádio não contou", de Tavares (1997, CD1,faixa 8): Ele fazia o “Jornal da Manhã” de uma maneira muito original. Ele pegava todos os jornais, com um lápis grande. Ele sempre andava com um lápis vermelho na mão. E ele apanhava o jornal e riscava todas as notícias que ele achava interessantes para o rádio. Depois que estava com os jornais todos riscados, ele tinha um telefone direto para a Rádio Sociedade. Então, ele mandava o João Nabi Junior, que era o técnico, ele dizia: pode por a estação no ar. E ele então, ele mesmo falava sobre cada assunto. Como se percebe pelo depoimento de Maria Beatriz, Roquette Pinto não redigia previamente os radiojornais como se faz atualmente. Essa prática de redação prévia somente passou a ser feita, segundo Vampré (1979), no final da década de 1930. Castro (2005) afirma ainda que Roquette Pinto acordava às cinco 21 Beltrão (1960, p. 37) difere deste entendimento e, numa nota de rodapé, afirma: “Pernambuco detém o pioneirismo dos jornais falados no Brasil, lançados pela emissora PRA-8, do Recife, em fins de 1926, sob a orientação dos jornalistas Mário Libânio e Carlos Rios”. 34 horas da manhã para ler os jornais e às sete apresentava o noticiário22, dando destaque para os fatos internacionais. Mas não se tratava de uma simples leitura das notícias ao microfone. Lopes (1970, p.41) sustenta que o “Jornal da Manhã” era o fato comentado, esmiuçado e interpretado com a autoridade do sábio. Jornal da manhã, da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, foi iniciativa jamais igualada; através dele o comentarista apreciava os acontecimentos aparecidos nos noticiários dos jornais, lendo-lhe as manchetes e oferecendo um panorama inigualável de concisão, de realidade e de objetividade como somente ele poderia fazê-lo. Dessa experiência de Roquette Pinto no “Jornal da Manhã” destacamos o fato da transmissão do jornal ocorrer pelo telefone. Essa prática no início da radiodifusão brasileira mostra que já era tecnicamente possível fazer entradas externas pelo telefone. Ou seja, o imediatismo de uma externa, uma das características do veículo, já poderia ter sido implantado desde os primórdios das transmissões informativas. Entretanto, o jornalismo inicial praticado pelas emissoras ainda estava muito preso ao papel e ao estúdio. As notícias lidas haviam sido escritas para os jornais impressos, eram de dias anteriores e não existiam repórteres que iam para as ruas em busca de fontes próprias de informação. Um outro ponto a ser ressaltado é que Roquette Pinto comentava as notícias. Acrescentava a estas “novas informações sobre o país de origem, as personagens e os antecedentes do fato” (ORTRIWANO, 1990, p.63). Esse tipo de jornalismo comentado inaugurado por Roquette Pinto não foi seguido por outras emissoras, no entender de Lopes (1970). O autor sublinha que os outros noticiários se limitavam à divulgação oral do que a imprensa publicava. Não havia opinião própria do órgão divulgador, nem fontes particulares e especiais de notícias. O fato e a sua importância limitavam-se à simples informação do acontecimento, com as cores que lhe davam a imprensa. (LOPES, 1970, p.42) É por esse aspecto, reprodução literal dos jornais impressos, que os noticiários ganharam o nome de “jornais falados”. Ortriwano (1990, p. 64) relata ainda que no início eram comuns gafes como “continua na página tal”, ou “como se pode ver na foto ao lado”23. Isso acontecia porque as páginas dos jornais impressos eram enviadas inteiras aos estúdios. Para evitar esse tipo de erro, passou-se a 22 Sampaio (2004, p. 117) informa que ao “Jornal da Manhã” de Roquette Pinto “seguiam-se mais três noticiosos: o do meio-dia, o da tarde e o da noite. Os demais horários eram tomados com números musicais e matéria instrutiva”. O autor ainda salienta que somente a partir de 1926 a programação da Rádio Sociedade passou a transmitida com regularidade. 23 Infelizmente, até hoje se podem ouvir gafes como essas porque muitas emissoras ainda lêem os jornais impressos ao microfone. 35 recortar as notícias dos jornais, num processo que ficou conhecido como “gilette- press”, ou “tesoura-press”, ou ainda “tesoura e goma”. Na avaliação de Murce (1976), com exceção do “Jornal da Manhã” de Roquette Pinto, é a prática da “tesoura e goma” que vai marcar o radiojornalismo da década de 1920 e parte de 1930. Entretanto, alerta, “o rádio não ficava indiferente aos acontecimentos de vulto da época. Aliás, bem numerosos e interessando vivamente a opinião pública. Eles eram comentados em forma de crônicas” (MURCE, 1976, p. 27). Como “acontecimentos de vulto”, Murce lista eventos científicos, pitorescos e os dramas. Entre os dramas que moviam as crônicas, o autor destaca a prisão e posterior execução de Peter Kuerten, o Vampiro de Dusseldorf24; a saga de Sacco e Vanzetti25 e o seqüestro e morte do filho do aviador americano Charles Lindbergh, que terminou com julgamento e condenação do carpinteiro Bruno Hauptman26, acusado do crime. Sobre este último fato, Murce (1976, p. 28) recorda: Depois de 37 dias de dramático julgamento, foi condenado também a morrer na cadeira elétrica. Quando isso ocorreu, a Rádio Mayrink Veiga já tinha lançado, através da pena brilhante de Genolino Amado e na voz magnífica de César Ladeira, uma crônica diária sobre todos os assuntos palpitantes da época. Lembro-me que a página escrita no dia da execução do carpinteiro alemão foi uma das coisas mais belas e emocionantes que ouvi em toda a minha vida radiofônica. Ainda na década de 1930 o rádio dá mais mostras de que pode ir além do entretenimento. Em 1932, durante a Revolução Constitucionalista deflagrada em São Paulo, que lutava pela convocação de uma Assembléia Constituinte, o rádio foi a arma encontrada pelos paulistas para divulgar os acontecimentos ao restante do país, já que estavam isolados pelo cerco das forças federais. Uma intensa “guerra” radiofônica também se travou. As emissoras paulistas divulgavam notícias, comentários e discursos em prol da Revolução. Já o presidente Getúlio Vargas utilizava-se de emissoras de outros estados e procurava passar a imagem dos paulistas como separatistas “que pretendiam tornar São Paulo uma ‘república italiana’. Nas emissoras do Norte e Nordeste, discursos preconceituosos 24 Peter Kurten foi executado (na guilhotina) em 02/07/1931 acusado de matar nove pessoas na cidade de Dusseldorf - Alemanha, entre 1929 e 1930. 25 Nicola Sacco e Bartolomeu Vanzetti (ambos anarquistas italianos) foram eletrocultados em Massachussets - EUA, em 22 de agosto de 1927, acusados do assassinato de dois homens ocorrido no dia 5 de maio de 1920. 26 Lindbergh foi o primeiro piloto a sobrevoar o Atlântico, entre Nova York e Paris, num vôo solitário, em 1927. Pelo feito tornou-se herói nacional americano. Seu filho, de 1 ano e 8 meses, foi seqüestrado em 1932 e o julgamento de Bruno Hauptman começou em 1935. 36 contra as regiões eram narrados com sotaque nitidamente paulista.” (JAMBEIRO et al., 2004, p. 41) Duas vozes se destacaram durante as transmissões: pela Rádio Cruzeiro do Sul, Celso Guimarães e pela Rádio Record, César Ladeira: A rapidez com que as notícias podiam ser veiculadas, o posicionamento de cada emissora, a popularidade alcançada por César Ladeira, da Rádio Record – que ficou conhecido como o locutor oficial da Revolução constitucionalista –, demonstraram que o rádio era em si mesmo um veículo revolucionário, com seu largo alcance e rapidez na divulgação dos fatos. Ele tinha vindo para ficar. (CALABRE, 2004, p.18-9) Se no Brasil os primeiros anos de radiojornalismo foram uma experiência rudimentar, sem o aproveitamento das características do veículo (que veremos em detalhes no capítulo 5), limitando-se aos jornais falados e às crônicas, em que se sobressaíam a figura dos locutores/speakers, e a transmissão de dentro dos estúdios, Ortriwano (1990, p. 44) revela que nos Estados Unidos desde a década de 1920 eram realizadas reportagens externas, “diretamente do palco da ação”. A primeira ocorreu em 1927 com a CBS (Columbia Broadcast System) e a NBC (National Broadcasting Corporation) reportando a chegada de Charles Lindbergh a Washington. Na década de 1930 os americanos agregaram ao radiojornalismo novos avanços tecnológicos e o telefone passou a ser, definitivamente, mais um instrumento para a transmissão de qualquer local e, muitas vezes, simultaneamente ao acontecimento. Na experiência americana, algumas reportagens chegaram a ser feitas com vários repórteres falando de diferentes locais, como relata Jimmy Garcia Camargo: “Em 1938, a CBS norte-americana, em função da ‘Crise de Munique’, realizou o diálogo informativo com a participação de correspondentes de cinco cidades: Londres, Viena, Berlim, Paris e Roma.” (GARCIA CAMARGO apud ORTRIWANO, 1990, p. 48-9) 3.3 Fim do Ideal Educativo e Cultural Como já vimos, o radiojornalismo brasileiro na década de 1930 ainda estava preso ao estúdio e aos jornais impressos e ainda não seguia as práticas 37 norte-americanas de externas, com repórteres garimpando informações e transmitindo diretamente do palco dos acontecimentos. Já na forma de organizar a radiodifusão e a programação, a influência americana começa a se fazer mais forte. O ideal cultural e educativo das primeiras emissoras brasileiras vai perdendo força com a popularização dos programas e a necessidade de regulamentar a comercialização de mensagens publicitárias que, segundo Vampré (1979), começaram a ser veiculadas em 1927. O distanciamento entre o rádio e a educação atingiu seu clímax a partir de 1931 quando, por meio do decreto nº 20.047, a publicidade foi permitida e um ano depois regulamentada pelo governo federal com base no decreto nº 21.111. Segundo Vampré (1979, p. 48), o governo de Getúlio Vargas baseou-se na legislação norte americana: "Com o decreto n° 20.047, de 27 de maio de 1931, o Brasil adotou o modelo de radiodifusão norte-americano — concessão dos canais a particulares — e legalizava a propaganda comercial.” Com a nova legislação, as emissoras deixam o caráter de clubes e sociedades para atuarem comercialmente. Os reflexos desse ato se manifestam na programação, que passa a ter um caráter mais popular. Nessa fase, destacam-se César Ladeira e Ademar Casé. O primeiro, quando estava na Rádio Record, de São Paulo, lançou o “cast profissional e exclusivo, com remuneração mensal.” (ORTRIWANO, 1985, p. 17). A partir de então, cada emissora passou a contar com um grupo de astros e estrelas populares: cantores, cantoras, maestros, músicos e orquestras que faziam os grandes programas de auditório. Segundo Ortriwano (1985, p. 17), “essa mudança aguçou – ou mesmo desencadeou – o espírito de concorrência entre as emissoras, inclusive de outros estados, que imitaram a programação lançada pela Record.” Já Ademar Casé, inspirado na americana NBC27 e na britânica BBC, que tinham programações dinâmicas e fluentes, cria o “Programa do Casé", com base na música popular brasileira. É neste programa que surge o primeiro jingle do rádio brasileiro para a Padaria Bragança28. 27 Essa experiência de escuta e “inspiração” do rádio produzido fora do país não fica restrita a Ademar Casé. Haroldo Barbosa, que trabalhou na Rádio Nacional como discotecário, produtor e compositor, confirma a influência de suas escutas no momento de pensar em novos programas: “Os grandes programas da Rádio Nacional foram baseados mais ou menos dentro das grandes audições americanas. Eu tinha um rádio bom, tocava nas ondas curtas, e ficava ouvindo o hit parede ... Programas que eu ouvia, adaptava e fazia à minha maneira”. (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 64) 28 Em ritmo de fado, o jingle soava: "Ó padeiro desta rua/ tenha sempre na lembrança/ não me traga outro pão/ que não seja o pão Bragança" (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 36) 38 Aliada a essa melhor organização e programação do veículo, a tecnologia contribuiu com novos aparelhos receptores que permitiam uma melhor sintonia e possibilitavam a escuta coletiva. Os receptores ficaram mais baratos e, sem a necessidade de pagamento de taxas de adesão, a audiência cresceu. Os primeiros aparelhos, que precisavam de fones de ouvido, foram substituídos pelos que possuíam auto-falantes e passaram a ocupar um lugar de destaque nas salas das famílias brasileiras. Era ali, em volta do rádio, como afirma Nicolau Sevcenko, que os familiares [...] se encontram todos nesse território etéreo, nessa dimensão eletromagnética, nessa voz sem corpo que sussurra suave, vinda de um aparato elétrico no recanto mais íntimo do lar, repousando sobre uma toalhinha de renda caprichosamente bordada e ecoando no fundo da alma dos ouvintes, milhares, milhões, por toda parte e todos anônimos. (SEVCENKO, 1998, p. 585) O primeiro presidente brasileiro a perceber a potencialidade desse veículo, que podia afetar milhões ao mesmo tempo e chegar aos mais longínquos lugares, foi Getúlio Vargas. O rádio já vinha sendo usado politicamente por outros governantes, como Franklin Roosevelt, que fez dele o principal canal de comunicação com os americanos por meio do programa Fireside Chats (“Conversa ao lado da lareira”) ou Hitler, que desde o início da década de 1930 utilizava-se do veículo para a difusão da propaganda nazista de Joseph Goebbels29. No decreto nº 21.111 promulgado em 1932, dois anos depois de Vargas ter assumido o Governo Provisório, já estava prevista a “obrigatoriedade de retransmissão de um programa radiofônico nacional, a ser emitido pelo Serviço de Publicidade da Imprensa Nacional”. (JAMBEIRO et al., 2004, p. 49) O programa não foi instituído imediatamente porque o governo, segundo Calabre (2004), enfrentou forte resistência das emissoras, principalmente as paulistas, e ainda não havia resolvido alguns problemas técnicos, como a baixa potência dos transmissores, que dificultava a irradiação em caráter nacional. O programa somente foi ao ar em 193430, recebeu o nome de “Hora do Brasil”31 e tinha como objetivo divulgar as 29 Lombardi (1987, p. 186-7) informa que foi Goebbels quem escolheu o rádio como principal veículo da propaganda nazista. Ele afirmava: “com o rádio, destruiremos o espírito da rebelião. O rádio deve ser propaganda. E propaganda significa combater em todos os campos de batalha do espírito, gerar, multiplicar, destruir, exterminar, construir e abater.” 30 Existem discrepâncias com relação à data de início da transmissão da “Hora do Brasil”. Jambeiro et al. (2004) e Radiobrás (2006) sustentam o ano de 1934; Ortriwano (2003), Fausto Faria (em entrevista a revista Comunicação Social de abril de 1996) e Ferrareto (2000) se referem ao ano de 1935; Moreira (1998) aponta o ano de 1938 e Calabre (2004) fala em 1939. É provável que a 39 realizações do governo. O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) assim o definia: Embora seja o jornal falado do governo, não tem nem poderia ter a sisudez que caracteriza os órgãos em função do Estado. Suas edições, bastante variadas, abrangem desde o noticiário das repartições e as informações de ordem política, econômica e financeira, até a crônica das cidades, com o comentário ligeiro, o registro policial e a nota mundana. Entremeada de números musicais, a matéria escolhida para esta parte obedece às regras do ecletismo artístico bem orientado.(CASTELO apud MOREIRA, 1998, p. 36) Mas a atuação de Vargas no veículo não se limitava à “Hora do Brasil”. Na visão de Jambeiro et al. (2004, p. 109), “nenhum meio de comunicação foi tão utilizado politicamente quanto o rádio. Foi através das transmissões radiofônicas oficiais que o governo conquistou a popularidade necessária para manter por tanto tempo um sistema ditatorial no país”. Debaixo da censura que assolou a todos os veículos de comunicação durante o Estado Novo32, as emissoras de rádio passaram a conviver com um censor nas redações, que acompanhava de perto a programação. Renato Murce viveu essa experiência e relata: Hoje, ninguém acreditaria que certas coisas fossem censuradas naquela época. Não se podia, sequer, citar o nome de alguma pessoa que não fosse simpática ao governo. Lembro-me de que certa vez tive um programa inteiro vetado: numa frase, falando no racionamento da gasolina, então severíssimo (para os que não tinham pistolão; para os outros não havia problemas), um dos personagens do referido programa dizia: "Poxa, companheiro, custei mas consegui gasolina! Conseguiu como? Quanto? Consegui gasolina para o meu isqueiro". Por causa disso foi vetado um programa inteiro de mais de dez páginas. E não tinha mais alusão a coisa alguma proibida. (MURCE, 1976, p. 55) Além de tornar obrigatória a transmissão da “Hora do Brasil” para todo o país e colocar censores nas emissoras, em 1940 o governo Vargas passou a atuar diretamente na radiodifusão com a encampação da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. A emissora havia sido criada em 1936 – com o nome de Sociedade Civil Brasileira Rádio Nacional – e pertencia ao grupo jornalístico do empresário norte diferença entre as datas se dê porque em 1938 o programa passou a ter transmissão obrigatória em rede nacional e em 1939 passou a ser gerado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão criado nesse mesmo ano. 31 Em 1946 o programa passa a se chamar “Voz do Brasil”. 32 Período compreendido entre 1937, quando Vargas assume o governo provisório, e 1945, quando é deposto. 40 americano Percival Farquihar33, do qual ainda faziam parte o jornal “A Noite”, as revistas “Carioca”, “A Noite Ilustrada” e “Vamos Ler” e a S.A. Editora. As empresas – que passaram a ser chamadas de Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional – foram encampadas como pagamento por impostos devidos. Jambeiro et al. (2004, p. 109) entende que o fato da Nacional passar a ser a emissora oficial do Estado Novo “contribuiu estrategicamente para o sucesso do projeto de mitificação da imagem de Vargas e disseminação da propaganda autopromocional do governo”. (JAMBEIRO et al., 2004, p. 109) Na avaliação de Moreira (2000, p. 29), a estatização da Rádio Nacional do Rio de Janeiro alterou “o equilíbrio de forças do rádio brasileiro. [...] O investimento de verbas governamentais somado à receita publicitária de origem comercial34 transforma a emissora em uma concorrente insuperável”. A Rádio Mayrink Veiga35, que até então era a líder de audiência no Rio de Janeiro, é suplantada pela Nacional, que passa a ser referência para as demais emissoras. A Nacional permaneceu, reconhecidamente, como a emissora de maior penetração e audiência por todo o país na era de ouro do rádio; pelos índices de popularidade e eficiência financeira atingidos, tornou-se, em especial no período compreendido entre 1945 e 1955, uma espécie de modelo que foi seguido pelas demais rádios em todo o país. Seu estilo de programação servia de base para a organização das concorrentes, até mesmo quando tentavam atrair a faixa de público que não se interessava pelos programas da Rádio Nacional. (CALABRE, 2004, p.32) A emissora possuía uma estrutura invejável36 e conseguia transmitir para todo o território brasileiro e até para o exterior por meio das ondas curtas37. É importante notar que o rádio brasileiro caminhava então para o formato de emissão 33 O empresário também atuava nos ramos de transporte ferroviário (Estrada Madeira-Mamoré), minério e fornecimento de energia elétrica. 34 Mesmo tendo sido estatizada, a emissora teve a permissão para continuar veiculando anúncios. 35 A Rádio Mayrink Veiga foi criada em 1927 e é a primeira emissora brasileira a usar o nome da família proprietária em sua identificação. Em 1934 ela assume a liderança no rádio do Rio de Janeiro quando César Ladeira, que havia deixado a Rádio Record, promove várias modificações na programação e organiza os horários dos programas. Segundo Lopes (1970, p. 63), “as emissoras procediam como carbonos da Rádio Mayrink Veiga, que se converteu em legítimo padrão.” A primazia da Mayrink Veiga vai até o ano de 1940. 36 “A gigantesca organização valia-se de dez maestros, 124 músicos, 33 locutores, 55 radialistas, 39 radiatrizes, 52 cantores, 44 cantoras, 18 produtores, 13 repórteres, 24 redatores, quatro secretários de redação e cerca de 240 funcionários administrativos”. (COSTELLA apud ORTRIWANO, 1985, p. 18) 37 Em 31 de dezembro de 1942, a Rádio Nacional passa a operar também em Ondas Curtas (tendo duas antenas direcionadas para os Estados Unidos, duas para a Europa e uma a Ásia) e a “transmitir programas diários em quatro idiomas, fazendo a divulgação metodizada da música e do folclore brasileiro lado a lado com a propaganda constante dos principais produtos do país (então o café, o algodão, a borracha e a madeira)”. (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 98) 41 ampla, ou também conhecido como broadcast38. Segundo Zuculoto (1998), no final da década de 1930 o país já possuía mais de 50 emissoras nacionais, número que salta para cerca de 250 no final da década de 194039. Essas transformações – rádio comercial, popularização da programação e grande alcance – abriram caminho para a chamada “fase de ouro do rádio brasileiro”, momento em que o veículo atinge seu apogeu de público e de faturamento comercial. A concorrência entre as emissoras se acirrou e fez com que, na busca por maior audiência, o nível dos programas caísse. O rádio se transformou em coqueluche nacional, principalmente com os programas de auditório e radionovelas. A primeira a ser veiculada foi “Em Busca da Felicidade”, em 1942, pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Depois, houve a proliferação crescente do gênero e a Rádio Nacional chegou a transmitir, segundo Ortriwano (1985, p. 20), “14 novelas diariamente”. Também na década de 1940, um outro fator marcou profundamente os caminhos trilhados pelo rádio: o maciço investimento americano no País. O Birô Interamericano desembarca no Rio de Janeiro em 1941 e traz o american way of life, como parte do plano do presidente Roosevelt – Política da Boa Vizinhança –, de estabelecer relações econômicas e culturais com a América Latina. As agências de publicidade internacionais que já estavam no país desde a década de 1920 – como J. Walter Thompson, McCann Erickson, Grant Anúncios, e The Sidney Ross – passaram a lançar os produtos das empresas americanas no mercado nacional. O rádio, em função de sua penetração em todas as camadas da população e já atingindo boa parte do país, foi o veículo mais procurado pelos novos anunciantes. Patrocinadores como os Produtos Fátima, a Camisaria Progresso e a Perfumaria Lopes S.A. seriam em breve substituídos pelo Teatro Good-year, pelo Recital Johnson, pelo Programa Bayer e pelo Rádio- Melodia Ponds, para citar alguns. Era o início de um novo ciclo dentro da emissora [Nacional], em que praticamente quase não havia espaço para o pequeno anunciante carioca, pouco tempo antes identificado com horários famosos. (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 107) Como resultado dessa “invasão” americana, entre 1946 e 1947, segundo Moreira (2000, p. 30), o rádio, e por conseqüência o país, passa a divulgar, 38 O termo broadcast pode ser entendido como emissão ampla (em oposição ao sistema narrowcast), ou também pode significar programação de entretenimento e grandes espetáculos 39 No rádio que temos hoje, não existem mais rádios nacionais. Temos emissoras que operam em rede, mas a maioria está restrita ao local/regional. 42 e a consumir, produtos tipicamente americanos como cereais, sabonetes, brilhantinhas, produtos de beleza e toda a “parafernália do consumismo americano”. Algo bem diferente da prática ocorrida em toda a década de 1930, em que os textos publicitários versavam exclusivamente sobre produtos e empresas nacionais. A entrada dos produtos estrangeiros no rádio não alterou apenas o aspecto comercial. A própria programação passou a ser feita “a partir da relação cada vez mais sólida entre emissora e anunciante”. (MOREIRA, 2000, p.31) 3.4 A Estruturação do Radiojornalismo A influência americana também se fez presente na forma de emissão das notícias. Se até então o radiojornalismo engatinhava no Brasil e estava baseado na “tesoura e goma”, na década de 1940 “começa a surgir como atividade mais estruturada, com o lançamento de alguns jornais que marcaram definitivamente o gênero” (ORTRIWANO, 1985, p. 20). O primeiro a se destacar foi o “Repórter Esso”, lançado em 28 de agosto de 1941. Aí observamos, mais uma vez, a presença da publicidade explícita e a ligação de uma companhia americana ao nome de um produto do rádio. Segundo Klöckner (2004), nos Estados Unidos o noticiário já existia desde 1935 e a partir da implantação da “Política da Boa Vizinhança” se estendeu para outros países como Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. No Brasil, o “Esso” foi lançado poucos meses antes do país entrar na Segunda Guerra Mundial. A atenção da população estava voltada para o conflito e as orientações ideológicas e as notícias do front precisavam ser divulgadas com a maior rapidez possível. Os jornais impressos, assim como os cinejornais, não dispunham da agilidade e alcance que passaram a ser requeridos pela nova realidade. O rádio passou a ser encarado como um meio essencialmente informativo. (ORTRIWANO, 1990, p.72) O noticiário, que tinha o patrocínio da Standard Oil Company of Brazil (que mais tarde viria a ser a Esso Standard do Brasil), era produzido pela 43 agência de publicidade McCann-Erickson com base nas notícias vindas da United Press Associations (UPA), mais tarde UPI40, e no Brasil ficou 27 anos no ar. Depois de estrear na Rádio Nacional, o “Repórter Esso” ganhou versões regionais em São Paulo (Rádio Record), Minas Gerais (Rádio Inconfidência), Rio Grande do Sul (Rádio Farroupilha), e Pernambuco (Rádio Clube de Pernambuco). Além dessas versões regionalizadas, o noticiário chegava a todos os pontos do país por meio da transmissão por ondas curtas da Rádio Nacional. A contribuição do “Esso” para o radiojornalismo brasileiro reside no fato de que este foi o primeiro noticiário escrito especialmente para o rádio. O veículo, portanto, encontraria uma outra forma de emissão da notícia que não a baseada na leitura dos jornais. Outra característica foi a exploração do imediatismo. Assim que as notícias chegavam à redação, eram redigidas para a entrada do noticiário em suas quatro edições regulares41 ou, quando eram muito importantes, em edição extraordinária. Para Klöckner (2004, p. 4), com o “Repórter Esso”, o radiojornalismo brasileiro passou a conhecer e a usar “o lide42, a objetividade, a exatidão, o texto sucinto e direto, a pontualidade, a noção do tempo exato de cada notícia, aparentando imparcialidade, com uma locução vibrante, contrapondo-se aos longos jornais falados da época.” As edições do “Esso” duravam cinco minutos e enquadram-se no que hoje chamamos “Síntese Noticiosa”, tipo de programa que veremos com mais profundidade no capítulo 5. Essa nova forma de fazer radiojornalismo repercutiu no país e, segundo Lopes (1970), foi adotada por outras emissoras. Até 1944 o “Esso” não tinha um apresentador exclusivo. Lia o noticiário o locutor que estivesse no estúdio no horário da emissão. A partir desse ano, no entanto, Heron Domingues passou a ser o locutor exclusivo na Rádio Nacional, a ganhar destaque em todo o país e a ter seu estilo imitado pelos outros locutores. Além de ter a exclusividade na locução do “Esso”, foi dele a idéia de criar 40 A United Press Associations (UPA) ligou-se a International News Service (INS) em 1958, surgindo a United Press International (UPI). 41 Segundo Klöckner (2005, p.9), “até o fim dos anos 40 as edições do Esso, transmitidas na Rádio Nacional, permaneciam com quatro horários regulares, de segunda a sábado (8h, 11h55min ou 12h55min, 17h55min e 22h05min ou 22h55min), e dois aos domingos (12h55min e 21h)”. Entretanto, o autor afirma que, durante os 27 anos que permaneceu no ar, o horário de transmissão dos boletins foi alterado várias vezes. 42 Termo aportuguesado, a partir da palavra inglesa lead, referente à abertura da matéria. No lide, é destacado o fato essencial, considerando-se as seis perguntas básicas: O Quê? Quem? Quando? Onde? Como? Por quê? (RABAÇA; BARBOSA, 1978, p. 278-279). 44 a Seção de Jornais Falados e Reportagens na emissora, em 1948. Segundo Saroldi e Moreira (2005) essa foi a primeira redação do país montada exclusivamente para o jornalismo. Em 1951 a Seção foi transformada em Departamento de Jornais Falados e em 1954 passou a ser chamada de Divisão de Jornalismo. Moreira (2000, p. 33-4) ressalta que a Seção foi a primeira a ter “um sistema de equipe (um chefe, quatro redatores e um colaborador do noticiário parlamentar), rotina e hierarquia peculiares a uma redação de jornalismo radiofônico”. Em função dessa estrutura, em 1952, ainda segundo Moreira (2000, p. 34) “os noticiários da emissora eram baseados no material jornalístico apurado pela equipe de repórteres e em comentários (da Agência Nacional, escritos na própria redação ou extraídos dos jornais ‘A Noite’ e ‘A Manhã’).” Para Sampaio (1971, p. 22) “o ‘Repórter Esso’ constituiu uma revolução e uma semente benfazeja, que logo frutificou no Rádio brasileiro”. Em 1942, um ano depois do lançamento do noticiário, Coripheu de Azevedo Marques e Armando Bertoni criam na Rádio Tupi, de São Paulo, o “Grande Jornal Falado Tupi”43. Diferentemente do “Esso”, que era uma síntese noticiosa com duração de cinco minutos, o “Grande Jornal” tinha uma hora de duração e era veiculado às 22h. A partir das 21 horas, Coripheu começava a fazer chamadas do programa, anunciando as manchetes do jornal: “Atenção senhores ouvintes, faltam (números) minutos para “O Grande Jornal Falado Tupi” onde os destaques serão (lia 3 ou 4 manchetes)” (TAVARES, 1997, p. 153). Segundo Ferrareto (2000, p. 130), os sessenta minutos do jornal reproduziam a estrutura da imprensa escrita. No início havia uma espécie de cabeçalho, com a identificação da emissora, diretor, apresentadores, operadores e data. Depois, sob uma trilha musical, eram lançadas as manchetes, como se fosse a primeira página de um jornal. A partir daí eram apresentadas as notícias, agrupadas em blocos de política, economia, esportes, etc. Esse formato ainda é mantido pela maioria dos radiojornais da atualidade. O “Grande Jornal Falado Tupi” é considerado o “primeiro ‘jornal de integração nacional’, sendo ouvido em todo o ‘interiorzão’ do país” (ORTRIWANO, 43 Num depoimento a Reinaldo Tavares (1997, p.154-5) Auriphebo Simões reclama para si a criação do “Grande Jornal Falado Tupi”. Segundo ele, o jornal foi criado em 1939 com o nome de “Jornal Falado Tupi”. Em 1942 passou a ser produzido por Coripheu que manteve a “estrutura, o mesmo prefixo e quase que os mesmos locutores; o que mudou é que o Corifeu (sic) passou a numerá-lo, acrescentando-lhe a expressão ‘grande’, criando no ouvinte a impressão de que aquele informativo nascera naquela data.” (TAVARES, 1997, p. 157) 45 2003, p. 74-5). Mário Fanucchi, que trabalhou no programa, aponta suas principais características: Em primeiro lugar, havia aquela informação de interesse popular, para localização de pessoas, localização de parentes e recados urgentes para locais de difícil acesso. A outra característica era a programação voltada para a valorização do município, da pequena célula, da importância dos meios para que os municípios se desenvolvessem bastante e que o país todo ganhasse com esse tipo de coisa. (ORTRIWANO, 1990, p. 80) Na avaliação de Sampaio (1971, p. 22), o “Esso” e o “Grande Jornal Falado Tupi” são marcos do radiojornalismo nacional44. O primeiro porque “abriu fronteiras” e o segundo porque buscou “todas as nossas fronteiras”. Juntos, os dois noticiários levavam “informações, reportagens e comentários até então inacessíveis aos brasileiros de todos os rincões, [e] começavam a definir o embrião do radiojornalismo nacional”. A partir desse embrião, o radiojornalismo brasileiro começa a se consolidar e trilhar novos rumos, explorando outros filões. A queda de Vargas, em 1945, e o fim da censura também contribuíram para o desenvolvimento do gênero, no entendimento de Moreira (1998, p. 38), porque acabaram com as “amarras do Estado Novo, que interferia constantemente na programação”. Entretanto, ainda nesse início de década de 1940 destacam-se os apresentadores, que liam, principalmente, as notícias internacionais vindas das Agências de Notícias, a principal fonte de informação para os noticiários. Na avaliação de Zucoloto (2003, p. 20), essa prática fez com que as agências influenciassem e ditassem os “rumos ao jornalismo praticado no Brasil, especialmente o de rádio, e isso tanto no formato quanto no conteúdo”. Ao longo dos anos 1940, portanto, essas experiências jornalísticas frutificaram e as emissoras vão “se especializando, criando estilos próprios de noticiários – algumas com notícias de caráter mais interno e com comentários políticos, outras privilegiando as notícias internacionais.” (CALABRE, 2004, p.43) Entretanto, ainda era um radiojornalismo preso ao estúdio e sem fontes próprias de informação. 44 Outro programa apontado como importante para o percurso do radiojornalismo brasileiro é o Matutino Tupi, também criado por Coripheu de Azevedo Marques. Como o nome diz, o jornal era transmitido pela manhã e ficou 31 anos no ar na Rádio Tupi de São Paulo. 46 3.5 A Ameaça da TV Os anos 1940 terminam com o rádio gozando de sua fase áurea. Programas com alta popularidade, auditórios lotados, verbas fartas, radionovelas sendo transmitidas à exaustão e o jornalismo trilhando novos caminhos baseados no Repórter Esso e no Grande Jornal Falado Tupi. Entretanto, as notícias da chegada da televisão em outros países já preocupavam quem fazia rádio. “Os empresários que visitavam os Estados Unidos voltavam entusiasmados com o novo meio de comunicação e pessimistas quanto ao futuro, a médio e longo prazo, dos veículos apenas sonoros.” (VAMPRÉ, 1979, p.114) A televisão chega ao Brasil em setembro de 1950 e o pessimismo de quem trabalhava em rádio se converteu em realidade a partir de meados da década de 1950. A televisão atraiu as verbas publicitárias e, junto com elas, os programas, o público e os astros e estrelas que faziam do rádio a então “coqueluche nacional”. Com isso, o rádio não acabou, como previam os mais extremistas, mas passou a buscar novos formatos de programação. Os discos substituíram os programas de auditório e o veículo viveu uma fase denominada de “vitrolão”. Entretanto, o desenvolvimento da eletrônica trouxe novas possibilidades ao rádio e este também percebeu que o jornalismo poderia se transformar em uma de suas bases de sustentação. O transistor foi um dos aliados que contribuiu para a consolidação do novo caminho radiofônico. Criado em 1947, o componente eletrônico possibilitava a troca das grandes e pesadas