1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro ÁREAS NATURAIS PROTEGIDAS: A PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS RESIDENTES DO ENTORNO DO PARQUE AMBIENTAL DE TERESINA/PI. Lívia Tátila dos Reis Martins Orientadora: Profª Dra. Sandra Elisa Contri Pitton. Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia – Área de Concentração em Organização do Espaço, para obtenção do Título de Mestre em Geografia. Rio Claro (SP) 2010 2 3 Comissão Examinadora ________________________________________ Profa. Dra. Sandra Elisa Contri Pitton Orientadora ________________________________________ Profa. Dra. Sílvia Aparecida Guarnieri Ortigoza Membro ________________________________________ Prof. Dr. António Carlos Sarti Membro ________________________________________ Aluna Rio Claro, 21 de Maio de 2010. Resultado: APROVADA 4 Dedico esta conquista a minha mãe, Lucimar, e a meu pai, Francisco; meus primeiros mestres na arte de viver. Ao meu amado marido Marcelo, que me apoiou e me acompanhou nessa longa e difícil caminhada. E a minha querida madrinha Auriluce, meu exemplo de força e determinação. 5 AGRADECIMENTOS "O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”. (Fernando Pessoa) Esse momento? Inesquecível! Os obstáculos vencidos? Inexplicáveis! As pessoas com as quais eu pude contar? Incomparáveis! Meus sinceros agradecimentos... Em primeiro lugar, agradeço a Deus pelo dom da vida, pelas oportunidades e por me fortalecer nos momentos mais difíceis. Aos meus pais, que me ensinaram os maiores valores da vida, agradeço pelo amor que sempre me acompanhou, pelo apoio sem limites, pela confiança em meu esforço, pela compreensão da importância desse trabalho em minha vida e por respeitar meus momentos de ausência. Vocês são pais maravilhosos! Ao meu querido marido, Marcelo, pessoa sem a qual eu não estaria onde estou, pelo seu amor e apoio incondicional, incentivo e pela paciência por tantos momentos de ansiedade e de ausência... Agradeço ainda por aceitar ler o meu texto, pelas sugestões e correções tão valiosas e por me aguentar todos os dias falando e discutindo sempre sobre o mesmo assunto. Obrigada por cuidar de mim, sem a sua ajuda eu não teria conseguido! À minha querida madrinha Auriluce, guerreira e admirável pela força e determinação; agradeço enormemente por ter podido contar com seu apoio no momento em que eu mais precisei. Sou eternamente grata por tudo! À minha orientadora, professora e doutora, Sandra Elisa Contri Pitton, agradeço principalmente por ter aceitado ser a minha orientadora e por ter acreditado em mim. Agradeço o apoio, a compreensão e a preocupação que sempre teve comigo, especialmente na fase inicial do curso e na reta final desta dissertação e, sem dúvida nenhuma, por ter dividido comigo o seu enorme saber. 6 A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Geografia, pela excelência do ensino, pelo apoio irrestrito em momentos importantes dessa jornada e pela generosidade ao compartilharem conosco seus conhecimentos. Aos professores Ana Teresa, Maria Juraci, Sílvia Ortigoza e António Sarti, membros das bancas examinadoras da qualificação e da defesa, agradeço pelas excelentes contribuições para a versão final deste trabalho. Ao Instituto Federal do Piauí, pelo muito que me deu: o valor à educação pública e de qualidade e a oportunidade de realização de um sonho. Aos meus colegas de curso e de trabalho do IFPI, por todos os momentos vividos juntos... Momentos de tensão... de alegria... e de muita risada. Certamente, construímos uma amizade duradoura. Ao Prof Dr. Darley Arruda, Diretor Geral do campus Floriano e ao Prof MSc. Odimógenes Soares, Diretor de Ensino do campus Floriano, pela confiança, incentivo e amizade. Às minhas queridas amigas Simone e Livramento, agradeço por terem me dado uma família; meus sinceros agradecimentos pela agradável convivência e pela relação de amizade e respeito que soubemos construir, apesar de nossas diferenças. À Jacqueline Lustosa, pela consideração a minha pesquisa, pelo carinho com que fui recebida e por ter me fornecido informações importantes sobre o Parque Ambiental, e aos demais funcionários dessa área natural, pela presteza e gentileza. Às comunidades dos bairros Mocambinho e Buenos Aires que me receberam tão prontamente, fornecendo-me as informações necessárias a minha pesquisa, sem as quais esse trabalho não poderia ter sido realizado. A todos, o meu carinho e os meus mais sinceros agradecimentos! 7 "Tudo depende de como olhamos para as coisas, e não de como elas são em si mesmas ". (Carl Gustav Jung) 8 RESUMO A presente pesquisa investigou a percepção ambiental dos residentes do entorno do Parque Ambiental, situado na zona norte da cidade de Teresina/PI. A área natural, em questão, é protegida e encontra-se localizada no meio urbano. Portanto, está presente na vida dessas pessoas que, por sua vez, determinam a qualidade desse ambiente. A abordagem qualitativa, pautada na fenomenologia, revelou aspectos importantes do cotidiano dos moradores, que foram apresentados como a percepção da coletividade. Foram definidos três grupos ao longo da circunvizinhança do Parque, com conseqüente aplicação de questionários para analisar a percepção destes acerca da importância dada ao Parque e do reconhecimento das distintas funções exercidas por esta área natural protegida, em função dos diferentes espaços por eles ocupados em seu entorno. Os dados levantados foram analisados e apresentados em forma de tabela. Assim, a principal contribuição deste estudo está relacionada à geração de conhecimento que poderá subsidiar futuros projetos ambientais para esta Unidade, e que envolvam especialmente as comunidades circunvizinhas, com vistas à garantia da manutenção e da conservação do Parque Ambiental. Palavras-chave : Percepção Ambiental; Unidades de Conservação; Comunidades Locais; Parque Ambiental de Teresina. 9 ABSTRACT The present research investigated the environmental perception of the surrounding residents from Parque Ambiental, located at the north zone of the city of Teresina/PI. The protected natural area in case is located in an urban place, hence, it is present in the life of these people, who determine the quality of this environment. The qualitative approach, based on phenomenology, revealed important aspects of the residents’ quotidian, that were presented with a collective perception. Three groups were defined among the surrounding neighborhood of the Park, with a consequent application of questionnaries, in order to analyse their perception about the importance given to the Park and the recognition of the distinct functions exercised by this protected natural area, in function of the different spaces occupied by them in its surrounding neighborhood. The collected data were analysed and presented in a table form. So, the mainly contribution of this study is related to the production of knowledge that can subsidize future environmental projects for this unit, involving specially the neighbor communities, in order to guarantee the maintenance and the conservation of Parque Ambiental. Key-words : Environmental Perception. Units of Conservation. Local Communities. Parque Ambiental de Teresina. 10 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Mapa de localização do Parque Ambiental de Teresina .............. 20 Figura 2 – Foto aérea de parte da zona Norte de Teresina ........................... 44 Figura 3 – Mocambinho I. Quadra 10 à esquerda ........................................... 51 Figura 4 – Avenida Duque de Caxias .............................................................. 51 Figura 5 – Imagem de satélite, com ênfase na área de aplicação dos questionários ..................................................................................................... 51 Figura 6 – Entrevista com morador do entorno ............................................. 52 Figura 7 – Vista panorâmica de Teresina ........................................................ 54 Figura 8 – Mapa de localização do Parque Ambiental de Teresina .............. 61 Figura 9 – Sede do Departamento de Praças e Jardins ................................ 62 Figura 10 – Produção de mudas para arborização da cidade ....................... 62 Figura 11 – Fachada do Parque Ambiental de Teresina ................................ 63 Figura 12 – Fachada do Museu de História Natural ....................................... 63 Figura 13 – Animais expostos no Museu ........................................................ 64 Figura 14 – Aspecto da vegetação do Parque Ambiental ............................. 64 Figura 15 – Trilhas definidas no interior do Parque Ambiental .................... 64 Figura 16 – Placa situada no interior do Parque ilustrando as trilhas que o entrecortam .................................................................................................... 65 Figura 17 – Mamífero de pequeno porte encontrado no Parque .................. 65 Figura 18 – Auditório Caneleiro ....................................................................... 65 Figura 19 – Furos dos tijolos do baldrame do muro do Parque ................... 84 Figura 20 – Trilha percorrida pelos visitantes no passeio pelo Parque ...... 88 Figura 21 – Placa no interior do Parque com orientações conservacionistas ............................................................................................. 88 Figura 22 – Lixo encontrado nas proximidades do muro que separa o Parque das residências na Rua Sinhá Borges ............................................... 94 Figura 23 – Visitantes do Bairro Mocambinho I ............................................. 96 Figura 24 – Fachada do Parque Ambiental de Teresina ................................ 106 Figura 25 – Museu de História Natural ............................................................ 106 Figura 26 – Entulho e sucata depositados no interior do Parque ................ 112 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Sexo dos respondentes do grupo 1 .............................................. 67 Tabela 2 – Idade dos respondentes do grupo 1.............................................. 67 Tabela 3 – Escolaridade dos respondentes do grupo 1 ................................ 67 Tabela 4 – Número de pessoas por residência do grupo 1 ........................... 68 Tabela 5 – Tempo de moradia dos respondentes do grupo 1 ...................... 68 Tabela 6 – Profissão dos respondentes do grupo 1 ...................................... 68 Tabela 7 – Renda líquida mensal das famílias do grupo 1 ............................ 69 Tabela 8 – Sexo dos respondentes do grupo 2 .............................................. 69 Tabela 9 – Idade dos respondentes do grupo 2 ............................................. 70 Tabela 10 – Escolaridade dos respondentes do grupo 2 .............................. 70 Tabela 11 – Número de pessoas por residência do grupo 2 ......................... 70 Tabela 12 – Tempo de moradia dos respondentes do grupo 2 .................... 71 Tabela 13 – Profissão dos respondentes do grupo 2 .................................... 71 Tabela 14 – Renda líquida mensal das famílias do grupo 2 .......................... 72 Tabela 15 – Sexo dos respondentes do grupo 3 ............................................ 72 Tabela 16 – Idade dos respondentes do grupo 3 ........................................... 72 Tabela 17 – Escolaridade dos respondentes do grupo 3 .............................. 73 Tabela 18 – Número de pessoas por residência do grupo 3 ......................... 73 Tabela 19 – Tempo de moradia dos respondentes do grupo 3 .................... 74 Tabela 20 – Profissão dos respondentes do grupo 3 .................................... 74 Tabela 21 – Renda líquida mensal das famílias do grupo 3 .......................... 75 Tabela 22 – Visitação dos respondentes do grupo 1 ao Parque .................. 76 Tabela 23 – Freqüência que o grupo 1 visita o Parque ................................. 76 Tabela 24 – Motivo da visita do grupo 1 ao Parque ....................................... 77 Tabela 25 – Opinião do grupo 1 sobre morar próximo ao Parque ............... 78 Tabela 26 – Conhecimento do grupo 1 sobre as funções do Parque .......... 78 Tabela 27 – Opinião do grupo 1 sobre a situação do Parque ....................... 79 Tabela 28 – Opinião do grupo 1 sobre a responsabilidade pela conservação do Parque .................................................................................... 80 Tabela 29 – Como os respondentes do grupo 1 imaginam o seu bairro sem o Parque ..................................................................................................... 80 12 Tabela 30 – Opinião dos respondentes do grupo 1 sobre a possibilidade de mudança do seu bairro por causa do Parque ........................................... 81 Tabela 31 – Participação do grupo 1 em movimentos ambientais ............... 82 Tabela 32 – Sugestões do grupo 1 para melhoria do Parque ....................... 83 Tabela 33 – Visitação dos respondentes do grupo 2 ao Parque .................. 84 Tabela 34 – Freqüência que o grupo 2 visita o Parque ................................. 85 Tabela 35 – Motivo da visita do grupo 2 ao Parque ....................................... 85 Tabela 36 – Opinião do grupo 2 sobre morar próximo ao Parque ............... 86 Tabela 37 – Conhecimento do grupo 2 sobre as funções do Parque .......... 87 Tabela 38 – Opinião do grupo 2 sobre a situação do Parque ....................... 89 Tabela 39 – Opinião do grupo 2 sobre a responsabilidade pela conservação do Parque .................................................................................... 89 Tabela 40 – Como os respondentes do grupo 2 imaginam o seu bairro sem o Parque ..................................................................................................... 90 Tabela 41 – Opinião dos respondentes do grupo 2 sobre a possibilidade de mudança do seu bairro por causa do Parque ........................................... 91 Tabela 42 – Participação do grupo 2 em movimentos ambientais ............... 92 Tabela 43 – Sugestões do grupo 2 para melhoria do Parque ....................... 93 Tabela 44 – Visitação dos respondentes do grupo 3 ao Parque .................. 95 Tabela 45 – Freqüência que o grupo 3 visita o Parque ................................. 96 Tabela 46 – Motivo da visita do grupo 3 ao Parque ....................................... 97 Tabela 47 – Opinião do grupo 3 sobre morar próximo ao Parque ............... 98 Tabela 48 – Conhecimento do grupo 3 sobre as funções do Parque .......... 99 Tabela 49 – Opinião do grupo 3 sobre a situação do Parque ....................... 100 Tabela 50 – Opinião do grupo 3 sobre a responsabilidade pela conservação do Parque .................................................................................... 101 Tabela 51 – Como os respondentes do grupo 3 imaginam o seu bairro sem o Parque ..................................................................................................... 102 Tabela 52 – Opinião dos respondentes do grupo 3 sobre a possibilidade de mudança do seu bairro por causa do Parque ........................................... 103 Tabela 53 – Participação do grupo 3 em movimentos ambientais ............... 104 Tabela 54 – Sugestões do grupo 3 para melhoria do Parque ....................... 104 13 LISTA DE SIGLAS APA – Área de Proteção Ambiental CETAS – Centro de Triagem e Resgate de Animais Silvestres COHAB – Companhia de Habitação do Piauí DAS – Departamento de Serviços Agronômicos ETURB – Empresa Teresinense de Desenvolvimento Urbano IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IFPI – Instituto Federal do Piauí POFOM – Posto de Fomento Florestal SDU – Superintendência de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente SEMAM – Secretaria Municipal do Meio Ambiente SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza SUPES/PI – Superintendência de Pesca do Piauí UESPI – Universidade Estadual do Piauí UFPI – Universidade Federal do Piauí UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza UNESP – Universidade Estadual Paulista 14 SUMÁRIO Página INTRODUÇÃO..................................................................................................... 15 1. ESTADO DA ARTE......................................................................................... 23 1.1. Unidades de Conservação – histórico, conceitos e implicações............ 23 1.2. Percepção ambiental.............................................................................. 38 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................................ 44 2.1. A realização da pesquisa ........................................................................ 44 2.2. Caracterização da pesquisa ................................................................... 45 2.3. Procedimentos da pesquisa ................................................................... 48 3. A REALIDADE MAIOR .................................................................................... 54 4. O LOCUS DE ANÁLISE .................................................................................. 59 5. A PESQUISA ................................................................................................... 66 5.1. As comunidades do entorno do Parque Ambiental e suas percepções . 66 5.1.1. Caracterização dos sujeitos ........................................................ 66 5.1.2. Percepção ambiental dos entrevistados ..................................... 76 5.2. Síntese dos resultados da pesquisa sobre a Percepção Ambiental dos residentes do entorno do Parque Ambiental de Teresina ............................. 107 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 116 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 120 APÊNDICES ........................................................................................................ 128 15 INTRODUÇÃO. Uma das questões mais desafiadoras da atualidade, no que se refere ao patrimônio natural, diz respeito ao encontro do ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a conservação dos recursos naturais. O modelo de desenvolvimento econômico vigente caracteriza-se pela desigualdade, exclusão e intensa exploração dos recursos naturais. A natureza é velozmente destruída pela ação da espécie humana. Contudo, não se pode negar que a humanidade é absolutamente dependente dos bens e serviços ambientais que são fornecidos hoje e que serão imprescindíveis futuramente. O direito ao desenvolvimento econômico e ao usufruto da vida em ambiente saudável são duas grandes aspirações da sociedade moderna, rumo ao novo paradigma do desenvolvimento sustentável (DOUROJEANNI & PÁDUA, 2001). Muitas vezes, o ser humano se apropria do ambiente, de forma a torná-lo adequado às suas aspirações, esquecendo-se de que ações degradadoras intensificadas poderão ocasionar a sua própria extinção, pois enquanto ser biológico, o homem é parte constituinte do meio ambiente. Segundo Coimbra, citado por De Fiori (2002, p. 2), o meio ambiente, em seu sentido mais amplo, pode ser entendido como: um conjunto de elementos físico-químicos, ecossistemas naturais e sociais em que se insere o ser humano, individual e socialmente, num processo de intervenção, que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à conservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro dos padrões de qualidade definidos. Sabe-se que o Brasil é um dos países mais ricos em recursos naturais e biodiversidade de ecossistemas. Encontram-se em torno de 15% a 20% do número de espécies conhecidas pela Ciência, segundo dados do “Guia para entender e participar da Oitava Reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica”. Todavia, a porcentagem de áreas protegidas de uso indireto e direto, 8%, é considera pequena quando comparada ao imenso tamanho do território brasileiro e à complexa diversidade de vida existente. De acordo com o percentual proposto nos Congressos Mundiais de Parques realizados em 1982 e 1992, as diferentes nações deveriam alocar 10% de seus territórios na forma de unidades de conservação, porém a 16 definição deste percentual tem gerado ampla discussão científica e carece de amparo científico (GROSS, JOHNSTON, BARBER, 2005; ARAÚJO, 2007). Infere-se ainda que essa riqueza biológica tenha atravessado momentos cruciais ao longo da nossa história, particularmente quando se intensificou o processo de industrialização e urbanização pautado no desrespeito à dinâmica dos elementos componentes da natureza e oriundos do modelo de desenvolvimento do Brasil, após a Segunda Guerra Mundial (GIANSANTI, 1998). No entanto, o pós- guerra marca o nascimento das primeiras grandes manifestações sociais na Europa e nos Estados Unidos voltadas para a preservação do meio ambiente e para a promoção da paz (MENDONÇA, 2008). Quando o mito do progresso eclodiu no Brasil, as questões relacionadas à conservação, proteção e recuperação do meio ambiente eram vistas como empecilhos à conquista do desenvolvimento econômico. Este modelo de desenvolvimento propiciou e ainda propicia o uso abusivo dos recursos naturais, gerando, assim, sérias conseqüências à natureza (RODRIGUES, 1997). A preocupação ambiental, sobretudo com a preservação de espécies vivas ameaçadas de extinção e com a degradação dos recursos naturais presentes no Brasil, é crescente desde meados da década de 1970, sendo enfocada na Primeira Conferência das Nações Unidas, realizada em Estocolmo, no fim do ano de 1972. Considerado um evento singular entre os acordos internacionais sobre os problemas que envolvem desenvolvimento e meio ambiente, ressalta-se a sua importância, como afirma Mendonça (2008), por configurar-se como a primeira tentativa mundial de equacionar os problemas relacionados ao meio ambiente, bem como pelo reconhecimento, em nível planetário, do elevado índice de degradação que acometia a biosfera. Contudo, a preocupação com a garantia da melhoria da qualidade de vida, não só no Brasil, mas no mundo em sua totalidade, elevou seu índice de crescimento com a realização da segunda Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), celebrada no Rio de Janeiro/BR. Este evento só aconteceu duas décadas depois da realização da primeira conferência, em virtude dos objetivos propostos em Estocolmo não terem sido alcançados, intensificando-se a degradação do patrimônio natural (BEZERRA & MUNHOZ, 2000). 17 Vê-se, portanto, que é recente a tentativa de o Brasil, ainda que de forma bastante tímida, estabelecer um novo padrão de gestão para o meio ambiente, frente às mudanças políticas voltadas à proteção e ao manejo dos recursos naturais, que em períodos anteriores encontravam-se ausentes (RODRIGUES, 1997). As questões ambientais, no Brasil, ao longo do processo evolutivo da civilização, foram tratadas de diferentes formas, obedecendo ao contexto da época. Inicialmente, fizeram-se presentes conceitos protecionistas, que se traduzem no desejo de preservar os recursos naturais existentes contra qualquer tipo de uso. Porém, as ideias de desenvolvimento que clamavam o crescimento econômico nas décadas de 1970 e 1980 substituíram esses conceitos iniciais de proteção por conceitos de conservação, que permitiam a utilização racional dos recursos ambientais. Lévêque (1999, p.169), tomando como base a definição admitida por numerosos cientistas, afirma que a conservação “é a gestão e a utilização sensata da natureza e de seus recursos, em benefício das sociedades humanas”. O termo conservar envolve o esforço para manter os processos ecológicos e os sistemas essenciais para preservar a diversidade genética, bem como para possibilitar o aproveitamento perene das espécies e dos ecossistemas vitais essenciais, em bases sustentáveis, pelas atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades das gerações futuras (BRASIL, 2000). Diante da problemática assumida, conciliar desenvolvimento econômico e conservação dos recursos naturais que cada vez mais se tornavam escassos, é que nos anos de 1990 surgiram conceitos de desenvolvimento sustentável (DOUROJEANNI & PÁDUA, 2001). Assim, pela primeira vez, o meio ambiente passou a ser visto como uma oportunidade de negócios sustentáveis, em virtude de seus valores e potenciais e não como empecilho ao desenvolvimento. De acordo com Leff (2001, p. 15), o princípio de sustentabilidade surge no contexto da globalização como a marca de um limite e o sinal que reorienta o processo civilizatório da humanidade [...] A sustentabilidade ecológica aparece assim como um critério normativo para a reconstrução da ordem econômica, como uma condição para a sobrevivência humana e um suporte para chegar a um desenvolvimento duradouro, questionando as próprias bases da produção. 18 Diante do uso desmedido da natureza, apoiado no modelo de desenvolvimento econômico vigente, os anos de 1960 vivenciaram as crises ambientais que se expandiram amplamente pelo país. Na tentativa de resgatar a natureza dessa falsa ideia de progresso da civilização moderna, o princípio da sustentabilidade surgiu para questionar as bases que legitimaram tal desenvolvimento, sem considerar os limites e as leis da natureza. Assim, as manifestações ocorrentes na década de 1990 a favor de um desenvolvimento que considera os aspectos sociais e ecológicos entendem que o desenvolvimento sustentável, [...] “deve significar desenvolvimento social e econômico estável e equilibrado, com mecanismos de distribuição das riquezas geradas e com capacidade de considerar a fragilidade, a interdependência e as escalas de tempo próprias específicas dos elementos naturais”. Significando ainda “geração de riquezas utilizando os recursos naturais de modo sustentável e respeitar a capacidade de recuperação e recomposição desses recursos, criando mecanismos que permitam o acesso a esses recursos por toda a sociedade (BEZERRA & MUNHOZ, 2000, p. 16). Para Benayas (1992), citado por De Fiori (2002), as ações degradadoras do ambiente têm raízes muito mais obscuras. As crises ambientais não se configuram problemas oriundos unicamente de atividades desenvolvimentistas exploratórias, mas que estão intimamente relacionadas a uma crise cultural de escala de valores que norteiam o comportamento do homem frente ao seu ambiente. Portanto, considera que medidas conservacionistas irão minimizar essas crises temporariamente, mas que, desconsiderando os valores que o homem atribui aos recursos ambientais, elas não poderão ser solucionadas. Como tentativa de assegurar a conservação dos ecossistemas naturais, não só no Brasil, mas mundialmente, as autoridades competentes passaram a instituir as primeiras áreas naturais protegidas ou unidades de conservação, entendendo que esta estratégia política representa uma das formas mais efetivas de garantia da conservação da natureza. Os parques e reservas configuram as unidades de conservação inicialmente instituídas no mundo, e sua criação tem sido fundamental para a conservação do patrimônio natural. Embora existam outros instrumentos para o alcance deste objetivo, nenhum tem se apresentado de maneira mais positiva que a implantação e manutenção dessas áreas naturais protegidas, para a conservação da diversidade 19 biológica e genética necessárias à humanidade, particularmente a dos países em desenvolvimento. No entanto, a criação destes espaços não tem sido suficiente para assegurar a conservação do patrimônio natural, histórico e cultural, pois muitas vezes foram criados apenas no papel, como é o caso dos “parques de papel”, sem nenhuma ação conservacionista voltada para a área, ou como comumente se tem observado, para a criação das mesmas não foram levados em consideração a opinião, os valores e a cultura da população que reside no interior ou no entorno das áreas que estão sendo instituídas, nem as relações já estabelecidas entre os mesmos, desencadeando, assim, conflitos entre estas unidades e as populações tradicionais (DIEGUES, 2000). Áreas protegidas ou Unidades de Conservação, segundo a Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) são entendidas como: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as áreas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo poder público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (BRASIL, 2000, p. 7). Entre as Unidades de Conservação que integram o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC, a categoria Parque, que compõe o grupo das Unidades de Proteção Integral, tem como objetivo básico a preservação de áreas naturais de relevância ecológica, cênica, científica, cultural, educativa, recreativa e turística, sendo admitido apenas o uso indireto dos recursos naturais, estando totalmente restringidos a exploração e o aproveitamento direto desses recursos. Os Parques localizados no meio urbano são considerados áreas arborizadas não construídas e não destinadas a grandes infra-estruturas, situados no interior e nas proximidades de áreas reservadas à construção, permitindo a ligação do meio urbano (homem urbano) ao campo vizinho (natureza). As árvores desempenham um papel qualitativo dentro do tecido urbano. Esta função qualitativa não se resume na depuração da atmosfera, na manutenção da fauna variada, mas também na satisfação dos habitantes em ter as árvores onipresentes em sua vida cotidiana (LAPOIX, 1979). 20 Como parte de um todo que constitui, em face da área construída, um Parque Urbano visa ao reencontro do homem da cidade construída com a natureza, a fim de que ele exerça múltiplas funções de lazer, de encontros, de conhecimentos, etc., às quais ele aspira. O Parque Ambiental de Teresina, também conhecido como Jardim Botânico ou Horto Florestal, está situado na zona norte da cidade de Teresina/PI, entre os bairros Mocambinho e Buenos Aires (Figura 1). É considerado um Parque urbano e caracteriza-se por apresentar uma área de grande importância ecológica e educacional, principalmente para as pessoas que habitam suas proximidades. Sua área é especialmente visitada por indivíduos comumente identificados como professores, pesquisadores e estudantes de diversos níveis de ensino que visitam o Parque em busca de subsídios para as suas atividades intelectuais e necessidades culturais. Figura 1. Mapa de localização do Parque Ambiental de Teresina. Fonte: IBGE (2010) adaptado por VERAS (2010). 21 Estudos têm mostrado que um Parque pode desempenhar suas funções, especialmente a de preservação do ambiente, a partir da adoção de ações conservacionistas, executadas por meio do gerenciamento adequado dos componentes da área, a fim de que se possa continuar contemplando a beleza natural desses espaços, bem como permite que estas áreas possam vir a despertar nos residentes do seu entorno a importância de se ter uma unidade de proteção ambiental em suas proximidades, através da compreensão de que fazem parte do mesmo. Estas ações devem estar pautadas no entendimento de que toda e qualquer intervenção no ambiente, necessita considerar as dimensões ecológicas, culturais e socioeconômicas, numa perspectiva global e principalmente compreender que o reconhecimento das relações estabelecidas entre o homem e o seu espaço é fundamental na definição destas ações, pois levará à criação de programas mais eficazes. Todos os segmentos envolvidos com uma determinada área natural protegida, em especial as populações locais, devem ser chamados a exercer sua participação e apoio na definição de programas voltados para a gestão destes espaços. No entanto, o comprometimento efetivo das comunidades vizinhas, nos programas de gestão de áreas naturais protegidas, dar-se-á mediante os conhecimentos e valores que estas atribuem a esses ambientes; este olhar deve ser construído por meio da vivência com o local e do reconhecimento das funções desempenhadas pelo mesmo. De acordo com Palma (2005, p.1), o estudo da percepção ambiental é de fundamental importância para que possamos compreender as inter-relações entre o Homem e o ambiente, suas expectativas, satisfações e insatisfações, julgamentos e condutas. O estudo da realidade de um lugar e as modificações ocorridas ao longo do tempo constitui-se importante subsídio para o entendimento das atitudes e dos valores que lhes são atribuídos. O Parque Ambiental de Teresina encontra-se situado no meio urbano, portanto, está presente na vida das pessoas que residem no seu entorno que, por sua vez, determinam a qualidade desse ambiente. Assim, quais são as percepções, as atitudes, os valores que emergem da experiência da 22 circunvizinhança do Parque Ambiental com este lugar? Quais são as manifestações topofílicas ou topofóbicas explicitadas por estes residentes? Pretende-se, com esta pesquisa, investigar, através da percepção dos moradores do entorno do Parque Ambiental de Teresina, as questões socioeconômicas e ambientais estabelecidas entre esta comunidade e o presente Parque. A identificação do conhecimento que a comunidade apresenta a respeito desta área natural protegida permitirá entender o nível de interação estabelecido entre os mesmos, além de servir como subsídio para a criação futura de um Programa de Educação Ambiental que envolva a população local, como forma de assegurar a manutenção e a conservação deste ambiente natural. Para garantir o alcance deste objetivo, caracterizou-se socioeconomicamente a população estudada; fez-se um levantamento do conhecimento que a circunvizinhança apresenta em relação às funções e escolhas de uso desta área, bem como dos significados atribuídos a esta Unidade de conservação; além de procurar conhecer a percepção das comunidades estudadas, em função dos diferentes espaços ocupados no entorno do Parque. 23 1. ESTADO DA ARTE. 1.1. Unidades de Conservação – histórico, conceitos e implicações. O atual modelo de civilização vigente tem exercido influência sobre as sociedades humanas, ocasionando um distanciamento entre o homem e o seu ambiente. Embora suas raízes datem de períodos anteriores e apresentem causas diversas, nas sociedades contemporâneas a desvinculação do ser humano do seu ambiente natural tornou-se um agravante imensurável, pois a humanidade passou a interferir no ambiente como se não tivesse conhecimento dos mais simplórios processos vitais de sua existência, isto é, mostra dificuldade em perceber que cada atitude ou ação humana corresponde a um efeito sobre o ambiente. As ações voltadas para a proteção dos ecossistemas naturais encontram na existência de diferentes percepções de valores e distintas funções atribuídas pelos indivíduos aos seus ambientes uma das mais significativas dificuldades para sua implementação. Com o advento da Revolução Industrial e conseqüente evolução das sociedades humanas, começaram a ser organizados, em várias partes do globo, movimentos populares em defesa da proteção de espaços naturais com o objetivo de resguardar os recursos ambientais e também para que esses funcionem como refúgios de lazer, descanso e contemplação, em oposição aos ambientes hostis e estressantes das fábricas. A expansão das áreas urbanas que demanda por mais recursos do ambiente agrava consideravelmente os problemas ambientais. Considera-se desafiador, na atualidade, a busca da conciliação entre conservação da natureza e ações humanas modificadoras do ambiente que atualmente se justificam pela necessidade de desenvolver economicamente as nações. Nesse contexto, instituíram-se as primeiras áreas naturais protegidas amparadas pela justificativa de que esta seria a melhor forma de resguardar amostras significativas de vários biomas e ecossistemas que se encontram espalhados pelo globo terrestre. Hoje, atribui-se igual importância aos trabalhos de conscientização ambiental desenvolvidos através de atividades de interpretação e 24 educação ambiental, por grupos ambientalistas, dentro e fora dessas áreas, na busca do alcance desses objetivos. Os parques e reservas configuram-se como as áreas naturais protegidas, inicialmente instituídas no mundo. Sua criação tem sido fundamental para a conservação do patrimônio natural. Para DIEGUES (2000) e BENSUSAN (2006), embora existam outros instrumentos para o alcance deste objetivo, nenhum tem se apresentado de maneira mais positiva que a implantação e manutenção desses espaços para a conservação das diversidades biológica e genética, necessárias às presentes e futuras gerações, principalmente nos países em desenvolvimento. Acrescentam ainda que em uma sociedade educada ambientalmente talvez não houvesse a necessidade de destinar espaços especialmente para a proteção da natureza. Área natural protegida, enquanto expressão, surgiu com a criação do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, em 1872 (PHILLIPS, 2002). Acredita- se que a preservação desta área deu-se por iniciativa de um grupo de exploradores do rio Yellowstone que buscava resguardar as belezas naturais daquela área. Por meio de expedições realizadas no território americano, inclusive na área do rio Yellowstone, este grupo pôde reunir testemunhos que proporcionaram a criação, pelo Congresso Americano, de uma Lei que dispõe sobre a instituição de Parques Nacionais (COSTA, 2002). Segundo Costa (2002), o primeiro Parque Nacional dos Estados Unidos e do mundo possui uma área de 8.991 km2, ocupa predominantemente o Estado americano de Wyoming e foi definido como área a ser protegida por apresentar os seguintes atributos: montanhas rochosas com picos que ultrapassam três mil metros de altura, rios com cachoeiras exuberantes, vulcões, pântanos, zonas termais e outros atrativos como os gêiseres, considerados atração de destaque do Parque. Embora o Parque Nacional de Yellowstone seja oficialmente considerado a primeira Unidade de Conservação do mundo, a área referente ao Parque Nacional de Yosemite, por ter sido decretada em 1864, pelo então presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, como “inalienável em qualquer tempo”, tornou-se a primeira área de preservação no mundo, sendo fundada como parque apenas em 1890 (COSTA, 2002). Medeiros (2007) afirma que a criação das primeiras áreas naturais protegidas deu-se por iniciativa das sociedades humanas que diante da necessidade de 25 resguardar atributos naturais para uso imediato e futuro, estabeleciam mecanismos de controle ao acesso e uso dessas áreas especiais. No Brasil não foi diferente. Desde os tempos coloniais, o homem tem se preocupado em “proteger” a natureza, em especial os recursos naturais, florestais e pesqueiros, em função destes estarem associados a mitos, a fatos históricos marcantes, a rituais religiosos, etc. Esses recursos tiveram seu acesso e uso controlado por tabus, normas legais e outros instrumentos de controle social. Tratava-se, portanto, de uma proteção setorial que muitas vezes direcionava- se para os interesses econômicos imediatos, como ocorreu com o pau-brasil (Caesalpinia echinata L.), que representava a base colonial nos primórdios da colonização. Segundo Cotrim (1999), a extração do pau-brasil foi de caráter exploratório, tendo o rei de Portugal declarado que tal prática configurava um monopólio da coroa portuguesa, ou seja, a fim de “protegê-lo” ordenou que ninguém estivesse autorizado a extraí-lo das matas sem a prévia concessão da coroa e pagamento do correspondente tributo. Tal medida não foi suficiente para impedir a grande devastação das florestas, principalmente as costeiras. É certo que as atividades produtivas no Brasil obedeciam a uma espécie de ciclo (pau-brasil, cana-de-açúcar, algodão, ouro e diamante, café e outros), com uma fase de intensa e rápida prosperidade seguida de outra de estagnação e decadência. Segundo Diegues (2000), este modelo devastador da economia colonial só era legalmente contido através de Cartas Régias da Coroa Portuguesa, que no século XVIII já se preocupava com a falta de madeira para a construção naval. Exemplifica-se claramente tal preocupação na Carta Régia de 13 de março de 1797 que afirmava “ser necessário tomar as precauções para a conservação das matas no Estado do Brasil, e evitar que elas se arruínem e destruam” (CARVALHO apud DIEGUES, 2000, p. 111). De acordo com o modelo dos parques norte-americanos, diversos países passaram a estabelecer, em seus territórios, áreas destinadas à conservação dos recursos naturais, a citar: o Parque Nacional Royal (1879), na Austrália; o Parque Nacional Banff (1885), no Canadá; em território latino-americano, o Parque Nacional Nahuel Huapi (1903), na Argentina; o Parque Nacional Galápagos (1934), no Equador; e o Parque Nacional de Itatiaia (1937), considerado a primeira área protegida do Brasil (COSTA, 2002). 26 A história dos Parques Nacionais no Brasil começa em 1937, com a criação do Parque Nacional de Itatiaia, no estado do Rio de Janeiro. Sua implantação teve como propósito inicial a contemplação e preservação dos atributos cênicos, bem como incentivar a pesquisa científica e oferecer lazer às populações urbanas. A sua criação foi estabelecida pelo artigo 9° do Código F lorestal aprovado em 1934. Este Código também apresentou conceitos primários das seguintes categorias de áreas protegidas: Parques Nacionais, Florestas Nacionais e Florestas Protetoras (QUINTÃO apud DIEGUES, 2000). Embora o Parque Nacional de Itatiaia seja considerado a primeira área protegida no Brasil, muito antes da sua criação, durante o Império - 1876, inspirado no molde de criação do Parque Nacional de Yellowstone, o político e engenheiro brasileiro André Rebouças solicitou a criação de Parques Nacionais nas áreas de Sete Quedas, no estado do Paraná e da Ilha do Bananal, que compreende os rios Tocantins e Araguaia, em Tocantins (COSTA, 2002). Ainda que de forma bastante tímida, após a implantação do Parque Nacional de Itatiaia, o Brasil começou a instituir em todo o território seus primeiros parques, a citar: Parque Nacional de Iguaçu (PR) e Parque Nacional da Serra dos Órgãos (RJ), em 1939. A legislação brasileira, inicialmente sob a justificativa de proteger as belezas cênicas do Brasil, começou a dar seus primeiros passos rumo à proteção dos recursos ambientais. A Constituição de 1937 já explicitava que os monumentos naturais, históricos e artísticos, estariam sob a proteção da Nação, dos Estados e dos Municípios. O Decreto Legislativo nº 3, de 13.02.1948, colocou em vigor a Convenção para proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas dos Países da América Latina e definiu as seguintes categorias de áreas protegidas: Parque Nacional, Reserva Natural, Monumento Natural e Reserva de Região Virgem (COSTA, 2002). A partir da compreensão de que os recursos naturais só poderiam ser convertidos em riquezas se fossem explorados de forma racional é que, na década de 1960, houve a criação de novos códigos e leis no Brasil, entre eles o Novo Código Florestal. Este acrescentou categorias à classificação das áreas de preservação, em que é permitida a exploração dos recursos naturais (Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais), permanecendo os Parques Nacionais, Estaduais e Municipais e Reservas Biológicas protegidos integralmente. 27 Também foi instituído no final dos anos de 1960 (1967) o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), órgão responsável pelas áreas de preservação ambiental, hoje chamado de Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Em 1979, outro importante diploma da legislação ambiental brasileira, o Regulamento dos Parques Nacionais, foi instituído através do Decreto nº 84.017/1979 (OLIVEIRA, 2002; COSTA, 2002). A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, sediada em Estocolmo (Suécia), no final do ano de 1972, foi um divisor de águas para as questões ambientais, não só no Brasil, mas em todo o mundo. A criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), em 1973, representa uma das principais responsabilidades assumidas pelo governo brasileiro na Conferência, cuja competência já objetivava a conservação do meio ambiente e uso racional dos recursos naturais, visando ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar das populações (OLIVEIRA, 2002). A consolidação e implantação das conquistas obtidas com o estabelecimento da Secretaria Especial do Meio Ambiente ocorreram com a sanção da Lei nº 6.938/1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Esta lei objetiva, entre outros, “a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”, bem como “a definição de áreas prioritárias da ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios (BRASIL, 2002, p. 4). A Constituição promulgada em 1988, em seu artigo 225, declara, ao avaliar a legislação ambiental existente até então no país, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, cabendo a estes mesmos cidadãos “o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Este instrumento jurídico evidencia que, para o cumprimento desse dever, o poder público deve estabelecer espaços geográficos protegidos e, principalmente, atentar para a necessidade de haver uma efetiva participação da sociedade civil na co-gestão da Política Nacional do Meio Ambiente (RODRIGUES, 2005; BENSUSAN, 2006). Para obter êxito, a Constituição, que concedeu competência concorrente a todos os entes da federação para a criação de áreas protegidas, precisava 28 consolidar critérios e normas para a criação, implantação e gestão dessas áreas. Assim, houve a sanção da Lei nº 9.985/2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), ratificando o estabelecido na Constituição. A necessidade de criação e ordenação de áreas naturais protegidas não foi percebida apenas pelos administradores brasileiros. Desse modo, foram sendo instituídos, em vários países do globo, os Sistemas Nacionais de Áreas Naturais Protegidas. A Constituição também assegura que uma determinada área, quando instituída por lei ou decreto como Unidade de Conservação, só poderá ser alterada, suprimida ou extinta por meio de outra lei (RODRIGUES, 2005). Área protegida ou Unidade de Conservação, conforme a Lei nº 9.985/2000, é entendida como, espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as áreas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo poder público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (BRASIL, 2000, p. 7). Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), as Áreas Naturais Protegidas ou Unidades de Conservação são entendidas como: superfície de terra ou mar consagrada à proteção e manutenção da diversidade biológica, assim como de recursos naturais e dos recursos culturais associados, e manejada por meios jurídicos e outros eficazes (COSTA, 2002, p. 12). Para Rodrigues (2005), a missão de conceituar “Unidades de Conservação”, bem como enquadrá-las, com clareza, em categorias configura-se como uma tarefa bastante árdua de ser realizada. Segundo este autor, no Brasil foram criados inúmeros dispositivos jurídicos voltados para a proteção dos recursos naturais, mas somente com a promulgação da Lei 9.985 de 18.07.2000, que institui o SNUC, é que este impasse deu seus “primeiros passos” rumo à superação. A expressão “Unidade de Conservação”, comumente encontrada na literatura pertinente, foi criada no Brasil e não apresenta correspondência com termos em outro idioma (BENSUSAN, 2006). Antes da promulgação da lei que estabeleceu o SNUC, o Guia de Ecologia (FELDMANN apud RODRIGUES, 2005, p. 28) conceituou Unidades de Conservação 29 como sendo “áreas com características naturais de relevante valor, com garantias de proteção e mantidas sob regimes especiais de administração”. Na tentativa de definir o que seria uma Unidade de Conservação, Sampaio (1993) citado por Rodrigues (2005), ampliou o conceito operante explicitando que se trata de áreas que o Poder Público deve promover a proteção não somente dos atributos naturais como também dos valores culturais a elas pertencentes. Rodrigues (1996), apud Rodrigues (2005, p. 33), elaborou um conceito para Unidade de Conservação que considera não somente os seus aspectos ambientais e culturais, mas também os urbanos: espaços do território nacional, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais, urbanísticas, culturais relevantes, situados no meio urbano ou rural de domínio público, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos e limites definidos, sob regimes especiais de administração aos quais se aplicam garantias adequadas de proteção sendo sua alteração ou supressão permitida apenas através de lei. Todas as Unidades de Conservação das esferas federal, estadual e municipal constituem o SNUC. A grande maioria é administrada, direta ou indiretamente, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), ou por órgãos estaduais e municipais ligados ao meio ambiente. As Unidades de Conservação, de acordo com o SNUC, são criadas com os seguintes propósitos: 1) garantir a proteção da biodiversidade, em especial das espécies raras, endêmicas e em vias de extinção; 2) promover a preservação e, quando necessário, a restauração e recuperação da diversidade de ecossistemas naturais; 3) assegurar a sustentabilidade dos recursos naturais; 4) garantir a adoção dos princípios e das práticas conservacionistas no manejo dessas áreas; 5) contribuir para a preservação das paisagens naturais e das características intrínsecas de cada unidade; 6) fomentar as pesquisas científicas; 7) promover a educação e a interpretação ambiental, bem como a recreação em contato com a natureza e o ecoturismo; e 8) assegurar a proteção de todos os recursos ambientais que são necessários à sobrevivência das populações tradicionais, bem como garantir que seus direitos, cultura e conhecimento sejam respeitados e valorizados. Dos muitos objetivos almejados por uma Unidade de Conservação, nenhum é mais importante que a preservação dos recursos ambientais, pois é justamente este 30 que assegura o alcance dos demais objetivos nessas áreas (DOUROJEANNI & PÁDUA, 2001). Costa (2002) expõe que as áreas naturais protegidas para atingirem os objetivos a que se propõem precisam ser categorizadas de acordo com as finalidades que determinam sua criação e, principalmente, instituídas, levando-se em consideração as características naturais e intrínsecas de cada local. Faz-se necessário também a regulamentação do uso e ocupação da área, através de dispositivos legais. As Unidades de Conservação encontram-se divididas em dois grupos, de acordo com o grau de proteção conferido aos seus atributos naturais: 1) Unidades de Proteção Integral, que objetivam a preservação dos recursos naturais, e admitem apenas o uso indireto destes recursos, a fim de assegurar a manutenção desses espaços em estado natural, com o mínimo de interferência humana possível; e 2) Unidades de Uso Sustentável, que visam conciliar a conservação da natureza com a utilização sustentável de parcela de seus recursos naturais. As Unidades de Proteção Integral encontram-se representadas pelas seguintes categorias: 1) Estação Ecológica : seu objetivo maior é a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas. Esta unidade é de posse e de domínio público e não está aberta à visitação pública. 2) Reserva Biológica : tem como objetivo a preservação integral dos seus ecossistemas, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, salvo as medidas de recuperação dos ecossistemas alterados e as ações de manejo previstas no plano de manejo. É de posse e de domínio público. 3) Parques Nacionais : são destinados à preservação de ecossistemas naturais de considerável relevância ecológica e cênica. É permitida a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades ecoturísticas, de educação e interpretação ambiental e de recreação em contato com a natureza. Sua área é de posse e de domínio público. 4) Monumento Natural : objetiva a preservação de sítios naturais raros, singulares ou de relevante beleza cênica. Pode ser constituído por 31 áreas particulares, sendo necessário compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização dos recursos naturais e edáficos do local pelos proprietários. 5) Refúgio de Vida Silvestre : visa à proteção de ambientes naturais que assegurem as condições necessárias à existência ou reprodução de espécies ou comunidades florística e faunística residente ou migratória. Pode ser constituído por áreas particulares, sendo necessário compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização dos recursos naturais e edáficos do local pelos proprietários. A visitação pública está sujeita às normas e às restrições estabelecidas pela unidade. As categorias que se enquadram no grupo das Unidades de Uso Sustentável são: 1) Área de Proteção Ambiental : em geral extensa, com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos bióticos, abióticos, estéticos ou culturais importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivo proteger a biodiversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Pode ser constituída por terra pública ou privada. 2) Área de Relevante Interesse Ecológico : em geral pequena, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características naturais consideradas extraordinárias ou que abrigue exemplares raros da biota. Essa categoria visa manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza. 3) Floresta Nacional : área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas. 32 4) Reserva Extrativista : área de domínio público, utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. 5) Reserva de Fauna : área de posse e de domínio público que apresenta populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico- científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos. 6) Reserva de Desenvolvimento Sustentável : área natural ocupada por populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da biodiversidade. 7) Reserva Particular do Patrimônio Natural : área particular gravada com perpetuidade, cujo objetivo é conservar a diversidade biológica desse determinado território. Embora compartilhem do mesmo propósito, alguns sistemas enquadram suas áreas em categorias contraditórias e/ou sem correspondência nos demais sistemas, uma vez que determinadas áreas que compartilham dos mesmos objetivos apresentam terminologias diferentes ou termos semelhantes são utilizados para denotar categorias de objetivos diferenciados. Por exemplo, no Canadá, o conceito atribuído aos Parques Nacionais tem equivalência no Brasil a uma Área de Proteção Ambiental (APA), pois nos parques canadenses é permitida a permanência de populações tradicionais no interior dessas áreas; no Brasil, a área para a instalação de um parque, obrigatoriamente, necessita ser desapropriada. Muitas áreas de preservação enfrentam sérios problemas ainda durante o seu processo de criação, devido à falta de recursos financeiros para o pagamento das indenizações referentes às desapropriações e outras despesas do processo, bem como a inexistência de planos de manejo que assegurem a correta preservação dos seus recursos e, não menos importante, a falta de informação, tanto daqueles que 33 trabalham, quanto daqueles que visitam ou residem no interior ou no entorno dessas unidades (COSTA, 2002). Brito & Câmara (1998), antes da promulgação da Lei que institui o SNUC, consideravam que as categorias de Unidades de Conservação que permitiam apenas o uso indireto dos recursos ambientais – parques nacionais, reservas nacionais e estações ecológicas – contribuíam significativamente para resguardar a diversidade de ambientes, de espécies e das funções ecológicas dos ecossistemas para a manutenção da vida. Os parques são considerados a principal categoria entre as áreas naturais protegidas. As primeiras Unidades de Conservação instituídas no mundo pertencem a esta classe e os diferentes tipos e categorias de UCs existentes evoluíram do conceito de parque, que passou a ter uma diversidade enorme de significados com o passar do tempo (MORSELLO, 2001). De acordo com o sistema brasileiro de Unidades de Conservação, os parques integram o grupo das Unidades de Proteção Integral, em face dos seus objetivos e tipo de uso. Nestas áreas encontra-se restrita a exploração dos recursos naturais, sendo admitido apenas o aproveitamento indireto dos mesmos. As unidades dessa categoria comportam a visitação pública, normalizada pelo Plano de Manejo da Unidade e pelas regras impostas pelo órgão responsável pela sua administração. A pesquisa científica também está sujeita não só à prévia autorização, mas às condições e restrições estabelecidas pelo órgão responsável pela gestão dessas áreas (BRASIL, 2000). Numa conceituação mais abrangente para Parques, Demattê (2006) coloca que se trata de: grandes espaços abertos livres, urbanos ou entre cidades, arborizados, podendo conter áreas de vegetação natural e áreas de vegetação plantada. Têm finalidades de recreação, lazer e conservação da natureza, sendo de grande importância para a saúde física e mental das populações urbanas. Do ponto de vista ecológico, contribuem para a proteção da flora, da fauna, da água e do solo, exercendo efeito benéfico sobre o microclima. O termo “parque” tem sido aplicado a vários tipos de espaços que apresentam propósitos diferenciados. Alguns locais definidos como parque adquiriram outras funções além da contemplação dos atributos naturais; muitos deles estão voltados 34 para a oferta de atividades recreativas e para a prática esportiva, como exposto por Macedo e Sakata (2003, p.13): novas funções foram introduzidas no decorrer do século XX, como as esportivas, as de conservação de recursos naturais, típicas dos parques ditos ecológicos, e as do lazer sinestésico dos brinquedos eletrônicos, mecânicos e dos espaços cinematográficos dos parques temáticos. Essas funções requalificam os parques e novas denominações, novos adjetivos, são atribuídos a eles como, por exemplo, ecológico e temático. Sobre as intenções de criação dos primeiros parques nacionais Morsello (2001) coloca que as motivações que estavam por trás da criação dos primeiros parques nacionais eram o valor recreativo e a proteção dos cenários espetaculares como grandes canyons e cascatas. Todavia, pouco a pouco, as áreas protegidas passaram a funcionar como locais para a conservação de hábitats e espécies, o qual é considerado atualmente o principal objetivo de sua criação. Segundo Demattê (2006), os parques podem ser enquadrados em diversos tipos, de acordo com o seu tamanho, seu objetivo e sua localização. Ao considerar um parque como uma área verde situada em meio urbano, e enfatizando apenas as suas funções recreacionais e ecológicas, os estudos de Escada (1992) e Demattê (2006) permitem classificá-lo em: • Parques de vizinhança: são áreas destinadas a recreação, podendo apresentar algum equipamento ligado a atividade recreacional, esportiva ou de lazer passivo. São espaços livres de dimensões reduzidas (área mínima de 1.500m2). Devem conter elementos vegetais, de construção, ambientes de jogos, bancos para adultos, etc. Devem estar a uma distância máxima de 500 m das residências dos usuários. • Parques de bairro: são de maiores dimensões (área mínima de 10 ha) e apresentam a mesma finalidade que os parques de vizinhança. As atividades recreacionais são intensas e podem apresentar ainda funções paisagísticas ou bioclimáticas. Devem estar a uma distância máxima de 1000 m das residências dos usuários. • Parques distritais ou setoriais: são de grandes dimensões (área mínima de 100 ha) e apresentam a mesma finalidade que os parques das categorias anteriores. São áreas dotadas de atributos naturais de grande beleza cênica, devem ser 35 conservados na condição original. Pelas suas dimensões, devem ser equipados e organizados para permitir atividades como acampamento, trilhas, banhos, pesca e demais esportes em ambientes naturais. • Parques metropolitanos: são de grandes dimensões e de responsabilidade extra-urbana. Apresentam espaços destinados a atividades recreacionais e de conservação. São usados para permanência mais prolongada. • Unidades de conservação: áreas exclusivamente destinadas à conservação, mas podem apresentar algum equipamento recreacional, porém de uso pouco intensivo. São áreas em que o uso e a ocupação dos espaços são regulamentados e que desempenham importantes funções no tecido urbano. Quando criadas pelo Estado ou município, estas Unidades de Conservação são chamadas de Parque Estadual e Parque Natural Municipal, respectivamente. Podem, portanto, estar situadas em área urbana ou não, sendo sempre de posse e de domínio públicos, assim, as áreas particulares incluídas em seus limites deverão ser desapropriadas. Os Parques Urbanos são espaços livres públicos, arborizados, inseridos no interior ou próximo às áreas construídas, abertos à visitação, sob condições pré- estabelecidas pelo órgão gestor, com funções primordiais de equilíbrio ambiental e recreação (MESQUITA & SÁ CARNEIRO, 2002; LAPOIX, 1979). Segundo Gouvêa (2001, p. 2), os parques urbanos revestem-se de importância especial, como alternativas de acesso aos cidadãos, como elemento de descontinuidade na distribuição da malha urbana, como reservas de vegetação e de recursos naturais, como instrumento no controle do microclima e da poluição. Trata-se, portanto, de uma área protegida destinada à conservação de elementos naturais e culturais, e ao uso público nas modalidades recreativa, educacional, turística, científica, contemplativa e outras a que o homem urbano aspira. A cobertura vegetal urbana, no contexto dos parques, viabiliza tanto a conservação da diversidade faunística, necessária para assegurar o equilíbrio nessas áreas, como a conservação da qualidade ambiental da cidade. Resquícios do processo de expansão urbana, as áreas verdes protegidas servem não apenas como ambientes sociais, recreativos ou contemplativos, mas 36 também para amenizar o aquecimento global, pela captura de dióxido de carbono, causador do efeito estufa, liberado principalmente por automóveis e indústrias; como esponjas orgânicas ou “pulmões da cidade” para várias formas de poluição; e ainda, diminui o barulho urbano, na medida em que impedem a propagação de emissões sonoras. Estas áreas, quando proporcionam uma oportunidade de relaxamento em meio à agitação da vida urbana, exercem significativamente uma das suas principais finalidades (MESQUITA & SÁ CARNEIRO, 2002; GOUVÊA, 2001; LAPOIX, 1979). Contudo, muitos parques são criados apenas no papel, nunca foram de fato implantados. A grande maioria carece de equipamentos e de funcionários em quantidade suficiente para a manutenção e conservação da sua área e ainda existem aqueles cujas terras nunca foram completamente demarcadas nem regulamentadas. Com a expansão das Unidades de Conservação que são instituídas e enquadradas nas categorias do SNUC em face das características apresentadas pela área, não só no território brasileiro, mas em outras partes do globo terrestre, alguns problemas começaram a emergir e a se intensificarem à medida que o Poder Público não dispõem de investimentos e instrumentos eficazes para solucioná-los. É o caso, por exemplo, das comunidades que habitam o interior ou o entorno dos parques brasileiros. A Lei que regulamenta o funcionamento dos parques brasileiros explicita que é expressamente proibida a permanência de populações nas áreas que correspondem a estas unidades. Nestes espaços, em especial, o governo não somente esbarra na falta de investimentos financeiros para a desapropriação, como também não dispõe de instrumentos que viabilizem uma relação harmoniosa dessas áreas com as populações instaladas em suas proximidades. Segundo estudo realizado em dez estados brasileiros sobre o entorno de nove Unidades de Conservação de Proteção Integral, foi observado que: é necessário lidar com a complexidade das situações que envolvem conservação da biodiversidade e populações humanas; o que acontece fora da unidade de conservação influencia o que se quer conservar em seu interior; quanto mais participação, organização e informação, menos conflituosa e mais eficiente é a gestão da unidade; e quanto mais alternativas para a geração de renda das comunidades locais, maior sucesso na conservação da biodiversidade tem sido obtido (SOARES et al.,2002 apud BENSUSAN, 2006, p. 27). 37 Diante desta problemática, muitas comunidades se mostram contrárias à instalação e à permanência de áreas naturais protegidas em seus arredores. Uma Unidade de Conservação do tipo parque, que impede a existência de populações em seu interior, durante o seu processo de criação, precisa consultar todos os entes envolvidos neste processo e, principalmente, demonstrar com clareza os motivos que justificam a sua implantação. Embora o estabelecimento de Unidade de Conservação seja considerado o instrumento mais eficaz para a manutenção da diversidade biológica, este se encontra distante de ser a solução para conter a diminuição ou mesmo o desaparecimento da biodiversidade. Tal fato se justifica pelas seguintes razões: 1) 11,5% da superfície terrestre protegida legalmente abrange uma parcela muito pequena da biodiversidade existente; 2) muitas destas áreas legalmente instituídas não concentram a alta diversidade de espécies e ecossistemas; 3) a existência de áreas protegidas criadas apenas no papel, que nunca foram demarcadas, nem implementadas; e 4) pela constatação de que por mais terras que abarquem as áreas protegidas nunca conseguirão conservar a biodiversidade sozinhas, isto é, sem a adoção de estratégias complementares que transcendam os limites das Unidades de Conservação (BENSUSAN, 2006). As atividades de educação e interpretação ambiental têm como propósito apresentar à humanidade as justificativas buscadas para a tomada de consciência acerca da importância de se preservar o ambiente e toda a sua biodiversidade. 38 1.2. Percepção ambiental. De acordo com Capra apud Soares (2005, p. 7), a crise ambiental resulta de uma crise de percepção, sendo urgente à reorientação nos modos de conhecer e se relacionar com a natureza. Devendo-se, portanto, considerar as inter-relações existentes entre todos os seres da biosfera. As ações voltadas para a melhoria da qualidade do ambiente se tornam significativas à medida que o ser humano reconhece a necessidade de mudança em seu comportamento e atribui valor referente aos componentes ambientais, pois uma das mais relevantes dificuldades existentes para se efetivar a proteção do ambiente dá-se pela existência de diferenças nas percepções de valores e importância que indivíduos de culturas diferenciadas atribuem ao mesmo, ou por ocasião das distintas funções desempenhadas por grupos socioeconômicos nesses ambientes. É através da percepção que o ser humano se relaciona com o ambiente, que apreende a sua realidade e conseqüentemente interage (positiva ou negativamente) com o seu meio. O fenômeno perceptivo não é um evento isolado, mas uma etapa entre outras que se interligam e desencadeiam as ações do sujeito sobre os objetos. E embora seja um processo pessoal, o homem não atua sobre o ambiente percebido de forma isolada, mas coletivamente, dada a sua vivência em grupo, que se comporta e se caracteriza de forma semelhante. A percepção ambiental se refere à tomada de consciência acerca das interações e implicações relativas ao ambiente pelo ser humano, demonstrando como este percebe o espaço por ele ocupado, e como suas ações poderão assegurar a correta proteção do ambiente percebido. Na busca deste entendimento, os estudos de percepção ambiental, que envolvem conhecimentos das diversas áreas científicas, a citar: psicologia, geografia, biologia, antropologia, entre outras, têm como objetivo tentar compreender as distintas relações estabelecidas entre o homem e o seu ambiente, através do conhecimento de que o comportamento humano é reflexo do modo como este percebe o seu meio, ou seja, as percepções revelam que a maneira de viver e 39 de organizar o seu espaço provém das diferentes interações estabelecidas entre o ser humano e o ambiente. Para Tuan (1980), a percepção configura-se como um entendimento do mundo, que se dá por meio dos órgãos do sentido, que quando pouco aproveitados se tornam menos eficazes. Segundo Penna (1997), o ato perceptual implica conhecimento de objetos e situações, através dos órgãos sensoriais. Para o autor, a percepção só se processa se os objetos estiverem próximos do perceptor, no tempo e no espaço, do contrário poderão apenas ser pensados ou imaginados. Acrescenta que a percepção é uma forma limitada de capacitação de conhecimento, mas que por meio da multiplicação de processos perceptuais é possível atingir um grau maior de enriquecimento perceptivo. Caracteriza ainda o ato perceptual afirmando que os objetos só são assimilados em função de um contexto ou sistema de referência, portanto, só pode ser entendido como o primeiro passo para a total complementação do ajustamento do organismo ao meio. Santaella (1998) expôs, em sua investigação sobre a teoria semiótica da percepção, que as pesquisas empíricas revelam que a percepção humana é predominantemente visual (75%), dada a orientação do homem no espaço ser basicamente dependente da visão. Atribui outros 20% à percepção sonora e os 5% restantes aos demais sentidos, tato, olfato e paladar. Acrescenta ainda que nossos cinco sentidos atuam como pontes entre o que está no mundo exterior, isto é, no mundo fenomênico, e o mundo interior. Para Oliveira e Machado (2004), os sistemas perceptivos se classificam em sensoriais e não sensoriais. Consideram como sistemas sensoriais o auditivo, o visual, o olfativo e o tátil. Por considerarem os órgãos e aparelhos sensitivos que dispomos incapazes de reter toda a informação recebida, elencam como órgãos não sensoriais a memória, a imagem mental, a cultura, a personalidade, a experiência, a transmissão da informação, a orientação geográfica e a leitura. Sammarco (2005) afirma que “perceber é viver imagens”, que a percepção pode ser compreendida como o registro fotográfico dos sentimentos de uma imagem, em um dado momento individual ou coletivo. Esta imagem se refere ao ponto de contato entre as pessoas e o seu ambiente, isto é, uma representação internalizada deste, por meio da experiência. A avaliação que as pessoas fazem do 40 seu ambiente é resultante do confronto de imagens positivas e negativas com a realidade vivida. A percepção pode ser entendida como o processo interativo entre o indivíduo e o seu meio, através de seus órgãos sensoriais. Cada indivíduo percebe e reage de diferentes formas às ações do meio, pois seu comportamento, reflexo do objeto percebido, baseia-se no seu conhecimento prévio, experiências e predileções, nas suas expectativas e julgamentos sobre o objeto em questão, bem como na sua tradição cultural e valores éticos (PALMA, 2005). Convém destacar que a mente humana é parte ativa no processo de construção da realidade percebida. A percepção, enquanto processo mental de interação do ser humano com o ambiente, é estabelecida por meio dos mecanismos perceptivos em interação com os cognitivos. De acordo com Penna, citado por Couto (2006, p. 19), a organização do campo perceptivo depende de dois grupos de fatores: os objetivos, representados pela natureza e modo de apresentação dos estímulos e os fatores subjetivos, representados pela personalidade, motivos e atitudes do perceptor. A percepção de uma determinada realidade perpassa pelo entendimento das relações estabelecidas entre os fatores objetivos e subjetivos, isto é, do conhecimento dos significados e valores que as pessoas atribuem ao ambiente que se relacionam em face das suas experiências de vida. A percepção é assim entendida como a interpretação humana de uma realidade que desencadeará uma ação. De acordo com Couto (2006, p. 20): a percepção ambiental comunga dos mesmos preceitos da fenomenologia uma vez que, em se tratando da relação do ser humano com ambiente natural, considera tanto o lado objetivo como o subjetivo, importantes. Desta forma, o estudo sob o enfoque da percepção ambiental pode contribuir no diagnóstico das idéias de um grupo sobre um lugar possibilitando então, a implementação de ações que contribuam às necessidades locais, uma vez que espera-se entender a realidade a partir das relações que as pessoas estabelecem cotidianamente com o meio ambiente em seu sentido amplo. Como forma de se adaptar a um ambiente em constante modificação, o homem adquire e traduz as informações recebidas deste por meio de receptores 41 sensoriais. Diferente de sensação, que se limita a um registro passivo das informações recebidas através dos órgãos dos sentidos, a percepção processa e analisa as informações obtidas pelos canais sensoriais. Assim, a percepção determinada por características do estímulo, bem como por características do sujeito, desempenha um papel decisivo na adaptação do indivíduo ao seu ambiente (ALENCAR, 2003). De acordo com Oliveira (1977), existem duas correntes que buscam explicar o fenômeno da percepção, a citar: empirista e inatista. Os empiristas afirmam que a percepção é inferida da experiência, a partir da compreensão do espaço visual, ou seja, adquirida a partir do contato com o objeto. Já os inatistas consideram que a percepção é um processo inato, isto é, próprio do sujeito, onde o espaço visual se apresenta como algo intuitivo. A autora enfatiza ainda a existência da teoria da Gestalt e de Piaget na problematização da percepção, considerando esta última mais adequada. A primeira se ocupa da percepção da forma, processada espontaneamente no cérebro, em um campo, por meio de uma organização sensorial, sendo também chamada de teoria de campo da organização sensorial. Já a segunda, atribui uma explicação cognitiva à percepção, considerando-a como parte integrante da vida do perceptor, isto é, os aspectos perceptivos estão estreitamente relacionados aos cognitivos. Para investigações que tratam da percepção ambiental, a percepção visual é a mais interessante, sendo desencadeada quando a visão permite que o objeto seja projetado até a retina, através da luz. A imagem formada na retina apresenta duas dimensões, então o seu nervo ótico conduz os impulsos nervosos até o córtex cerebral, onde se forma a imagem mental e se recupera a terceira dimensão (OLIVEIRA e MACHADO, 2004). Segundo Smyth apud Soares (2005), a percepção humana acerca do ambiente externo é modificada pelo ambiente interno, ou seja, percebemos a natureza de acordo com as nossas necessidades, experiências, conhecimentos e predileções. Para Tuan (1980, p. 68), se pretendêssemos conhecer a preferência ambiental de uma pessoa seria necessário: [...] examinar sua herança biológica, criação, educação, trabalho e os arredores físicos. No nível de atitudes e preferências de grupo, é necessário conhecer a história cultural e a experiência de um grupo no 42 contexto do ambiente físico. Em nenhum dos casos é possível distinguir nitidamente entre os fatores culturais e o papel do meio ambiente físico. Os conceitos “cultura” e “meio ambiente” se superpõem do mesmo modo que os conceitos “homem” e “natureza”. Através do conhecimento de que o homem está em constante interação com a natureza e que suas ações são dependentes das suas percepções e expectativas é que se considera relevante as aspirações das pessoas no desenvolvimento de projetos de conservação ambiental, principalmente as daquelas que residem próximo a áreas naturais protegidas. A proximidade da população com estes ambientes, por vezes justificam os sentimentos (positivos ou negativos) que as pessoas trazem destes espaços. Cada sociedade e indivíduo podem estabelecer, para com o espaço vivido, uma relação que envolve funções práticas, criando lugares como de trabalho ou de descanso e, também, uma relação valorativa envolvendo questões mais subjetivas e afetivas. Nascem assim, lugares de memória, lugares queridos e, também, lugares de repulsa e ressentimento (LEME, 2007, p.69). De acordo com Tuan (1980), o elo afetivo estabelecido entre o homem e o seu lugar ou ambiente é denominado “topofilia”. Esse sentimento atribuído ao ambiente físico por um grupo social ou cultural varia em intensidade, sutileza e modo de expressão. A palavra “topofobia” é entendida como o oposto, isto é, a aversão a determinados ambientes. Os animais selvagens e as florestas sombrias, nos tempos pré-históricos, nas civilizações arcaicas e nas sociedades tribais e tradicionais, eram vistos como segmentos da natureza incontroláveis pelo homem, e até mesmo por Deus, representando assim uma das principais causas de insegurança e medo da humanidade em relação ao meio ambiente. Essas imagens negativas da floresta e o perigo dos animais selvagens produziram medo na era medieval e persistiram na era moderna. O medo da floresta é antigo e indelével. A floresta é um labirinto através do qual se arriscam os caminhantes. Eles podem literalmente perder-se, mas perder-se também significa desorientação moral e conduta desordenada. A floresta está cheia de bandidos – animais selvagens, ladrões, bruxas e demônios (TUAN, 2005). A presença de uma área verde em meio urbano, como é o caso do Parque Ambiental de Teresina, tem proporcionado, especialmente para os residentes mais 43 próximos, benefícios incalculáveis de ordem ecológica, estética e social. No entanto, áreas verdes extensas inseridas nas cidades, por vezes, são compreendidas como espaços perigosos, ou seja, que abrigam possíveis estrangeiros ofensivos; sem utilidade, no sentido de não apresentarem uma finalidade visível, mas de representação de perdas sociais, como falta de moradia, de lazer e de aumento da criminalidade; ou como barreiras ao crescimento dos bairros, deixando, assim, de estabelecer relações de função e valor com a sociedade. Quando a população não compreende os benefícios que habitar nas proximidades de áreas naturais pode proporcionar, certamente age promovendo a degradação desses ambientes. Uma mudança nos hábitos humanos possibilita compreender a importância e as funções atribuídas a estas áreas conservadas, além de contribuir para uma considerável melhoria da qualidade de vida da humanidade. 44 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 2.1. A realização da pesquisa O presente trabalho foi realizado com moradores dos bairros Mocambinho e Buenos Aires, situados no entorno de uma área natural protegida na cidade de Teresina/PI, o Parque Ambiental de Teresina (Figura 2), entre os anos 2008 e 2010. Para alcance do objetivo proposto, construiu-se a referida pesquisa a partir de estudos dos conceitos apresentados e discutidos anteriormente, à luz do objeto de estudo, a investigação da percepção que a circunvizinhança desta área verde apresenta, a respeito das distintas funções desempenhadas pela mesma, com vistas ao entendimento das relações estabelecidas entre este espaço e o seu entorno. A estruturação metodológica, bem como a escolha das estratégias da pesquisa, encontram-se pautadas nas leituras que embasaram a fundamentação teórica desta investigação. Figura 2: Foto aérea de parte da zona Norte de Teresina. Parque Ambiental (centro); bairro Mocambinho (acima); e Buenos Aires (abaixo). Fonte: Robert Silva de Meneses, 2009. 45 2.2. Caracterização da pesquisa Segundo orientações da UNESCO, publicadas em “Guidelines for field studies in Enviromental Perception” (1977), existem várias técnicas de pesquisa de campo para estudos de percepção do ambiente, mas estas se baseiam essencialmente na combinação dos atos de observar, indagar e escutar. Pinheiro (2004), em suas investigações acerca da compreensão da percepção dos visitantes sobre as relações entre o ambiente e as atividades turísticas desenvolvidas no Parque Estadual de Guartelá, no município de Tibagi/PR, considerou a influência do positivismo, que afirma que todo conhecimento humano emerge das experiências vividas; do empirismo, que expõe que só se pode ver e observar aquilo que aparece; e da fenomenologia, que prioriza a análise das percepções, sobretudo os significados que os fenômenos têm para as pessoas. Para Couto (2006, p. 26), a orientação metodológica para pesquisas que buscam os significados que os indivíduos atribuem ao seu meio e que, conseqüentemente, pautam as suas ações em relação a ele refere-se à adoção de uma abordagem fenomenológica. Com vistas ao conhecimento da realidade da comunidade de Itaoca (São Gonçalo/RJ), através da percepção ambiental de grupos representativos locais, a autora classificou sua pesquisa como exploratória, “uma vez que proporciona maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito”, bem como qualitativa, “pois busca aspectos subjetivos e explora os significados a partir da realidade do indivíduo e do seu entendimento acerca dessa realidade”. A pesquisa em menção, em face dos objetivos propostos, procurou centrar as análises numa concepção exploratória e descritiva, inerentes à pesquisa qualitativa, embasadas na abordagem fenomenológica, portanto, dentro de um paradigma interpretativo. A fenomenologia é entendida como uma Ciência que se caracteriza pelo estabelecimento das relações estruturais do objeto investigado, isto é, que tem como propósito principal descrever as experiências dos sujeitos que experimentaram os fenômenos que estão sendo estudados. 46 Como afirma Triviños (1987, p.92), um fenomenólogo analisa as percepções dentro de uma realidade imediata, buscando o significado e os pressupostos dos fenômenos sem avançar em suas raízes históricas para explicar os significados. A investigação fenomenológica, segundo Couto (2006), considera que a construção do conhecimento se dá a partir dos significados oriundos da vivência e da experimentação do mundo, norteadores das ações humanas. Andrade et al. (2008) corroboram com este pensamento, afirmando que uma pesquisa fenomenológica objetiva a identificação do sentido oculto das impressões imediatas, ressalta ainda a existência de uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto. O método fenomenológico trata de desentranhar o fenômeno, pô-lo a descoberto, desvendá-lo para além da aparência, apegando-se somente aos fatos vividos da experiência, e até mesmo mais do que isto, segundo Forghieri (1993, p.54) apegando-se não aos “[...] fatos em si mesmo, mas sim aos seus significados” (COLTRO, 2000, p.42). Partindo do pressuposto de que a pesquisa em análise configura-se como geradora de conhecimento a respeito da atividade perceptiva da população abordada, e que permite maior familiaridade com o objeto de estudo, ou seja, que objetiva a descoberta e o aprimoramento de ideias, com o intuito de explicitá-las, isto é, interpretações abertas a outras interpretações, é que a classificamos como exploratória. Os estudos exploratórios permitem ao investigador aumentar sua experiência em torno de determinado problema. O pesquisador parte de uma hipótese e aprofunda seu estudo nos limites de uma realidade específica, buscando antecedentes, maior conhecimento para, em seguida, planejar uma pesquisa descritiva ou do tipo experimental (TRIVIÑOS, 1987, p. 109). O enfoque descritivo desta pesquisa pode ser observado quando se ressalta a intenção de descrever as características de um grupo, isto é, as opiniões, preferências, valores, atitudes e crenças da população que reside na circunvizinhança do Parque Ambiental, pois, como afirma Triviños (1987, p. 110), “o 47 estudo descritivo pretende descrever ‘com exatidão’ os fatos e fenômenos de determinada realidade”, o que exige do pesquisador um embasamento teórico aprofundado sobre o que se deseja investigar. Descrever é narrar o que acontece. [...] Assim, a pesquisa descritiva está interessada em descobrir e observar os fenômenos, procurando desvendá- los, classificá-los e interpretá-los. [...] vai além do experimento: procura analisar fatos e/ou fenômenos, fazendo uma descrição detalhada da forma como se apresentam esses fatos e fenômenos, ou mais precisamente, é uma análise em profundidade da realidade pesquisada (Oliveira, 2007, p. 67-68). Coltro (2000, p.38), ao reconhecer as dificuldades metodológicas oriundas da complexidade apresentada pelos estudos dos fenômenos humanos, afirma que “os fenômenos que não prestam a uma fácil quantificação são os mais apropriados para serem analisados pelos métodos e procedimentos da pesquisa qualitativa”. O que se almeja com uma pesquisa qualitativa é um distanciamento das generalizações, da formulação de princípios universais, que são típicos da pesquisa quantitativa, e uma aproximação com a compreensão específica do que está sendo estudado. Na construção do conhecimento, foram adotadas as combinações das técnicas de análise qualitativa e quantitativa, consideradas aqui como complementares, por proporcionarem maior credibilidade e validade aos resultados da pesquisa. Assim, entende-se que “em pesquisas de abordagem qualitativa os dados estatísticos só devem ser utilizados quando visam dar maior precisão aos dados coletados” (Moreira & Caleffe, 2006, p.73). A pesquisa qualitativa pode ser caracterizada como sendo um estudo detalhado de um determinado fato, objeto, grupo de pessoas ou ator social e fenômenos da realidade. Esse procedimento visa buscar informações fidedignas para se explicar em profundidade o significado e as características de cada contexto em que se encontra o objeto de pesquisa. Os dados podem ser obtidos através de uma pesquisa bibliográfica, entrevistas, questionários, planilhas e todo instrumento (técnica) que se faz necessário para obtenção de informações (Oliveira, 2007, p. 60). As pesquisas qualitativas objetivam explicitar o significado dos fenômenos da realidade através de técnicas e procedimentos que superem a mera análise quantitativa. Enquanto a abordagem quantitativa possibilita mensurar quais e com 48 que profundidade alguns atributos e valores são importantes para os informantes, a pesquisa com enfoque qualitativo permite entender como e por que esses fatores são importantes (MARIOLI, 2008). Sendo um processo, a abordagem qualitativa envolve as seguintes etapas: levantamento bibliográfico sobre o tema em estudo com vistas ao diagnóstico aprofundado da realidade pesquisada; observações sistemáticas dos fatos e fenômenos da realidade objetiva; obtenção de informações através da aplicação de questionários e da realização de entrevistas; e, posteriormente, análise e apresentação de forma descritiva dos dados. Couto (2006) expõe que a pesquisa qualitativa objetiva a apreensão de aspectos subjetivos e a exploração dos seus significados a partir da realidade do indivíduo e de acordo com a sua opinião sobre esta realidade. Dentro desse contexto, o presente trabalho buscou levantar e caracterizar a realidade apreendida e categorizada por meio das diferentes visões que as comunidades situadas no entorno do Parque Ambiental apresentam sobre um mesmo aspecto, com vistas ao embasamento de ações comunitárias e/ou administrativas futuras. 2.3. Procedimentos da pesquisa Os pressupostos teórico-metodológicos expostos anteriormente referentes à pesquisa qualitativa, com abordagem fenomenológica, embasaram as estratégias definidas para esta investigação. Para a realização de um trabalho com essas características, fez-se inicialmente uma pesquisa prévia da literatura pertinente nas bibliotecas da Universidade Federal do Piauí (UFPI), da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), do Instituto Federal do Piauí (IFPI) e da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro/SP, levantando informações de outros estudos, especialmente dissertações e teses, que apresentem objetivos e procedimentos metodológicos semelhantes, bem como em órgãos federais, estaduais e municipais vinculados ao meio ambiente e planejamento urbano. Este estudo estendeu-se a meios eletrônicos, como a Internet. 49 Procurou-se um aprofundamento das informações referentes aos parques, em especial, do Parque Ambiental de Teresina, bem como de conhecimentos de alguns autores da Geografia Humanística, da Percepção e do Comportamento. Os principais temas discutidos neste estudo são Percepção Ambiental, Áreas Verdes Urbanas e Comunidades Locais. Foram realizadas, ao longo do processo inicial de investigação, visitas à área do Parque, com o objetivo de observar a situação física, as ações conservacionistas, educacionais, entre outras realizadas em seu interior. Procurou-se criar um banco de dados desta Unidade de Conservação, por meio de registro fotográfico. Como forma de reunir conhecimento sobre o Parque, que subsidiem o entendimento da percepção da população estudada, realizou-se uma entrevista semi-estruturada com o responsável pela unidade (apêndice 1). Procurou-se levantar dados referentes à situação atual dos recursos naturais resguardados nesta área, perfil dos visitantes, volume de visitas, procedência dos visitantes, objetivos da unidade de conservação, infra-estrutura das áreas de acesso ao público, quadro de funcionários, e prioritariamente, saber de que forma se dá a interação do Parque com as comunidades circunvizinhas. Para a construção de conhecimento sistematizado sobre a percepção que os residentes do entorno do Parque Ambiental têm em relação ao mesmo, optou-se pela aplicação de questionários estruturados, com perguntas fechadas e abertas. Deu-se ênfase à análise qualitativa com poucas abordagens quantitativas, desprezando modelos matemáticos para cálculo do número de respondentes. Embora em abordagens qualitativas o questionário não seja utilizado como o instrumento de investigação mais adequado, no entanto, em face do elevado número de residências no entorno do Parque Ambiental, este se mostrou como a melhor opção (LUDKE & ANDRÉ, 1986 apud DE FIORI, 2002). O questionário pode ser definido como uma técnica para obtenção de informações sobre sentimentos, crenças, expectativas, situações vivenciadas e sobre todo e qualquer dado que o pesquisador(a) deseja registrar para atender os objetivos de seu estudo [...] têm como principal objetivo descrever as características de uma pessoa ou de determinados grupos sociais (OLIVEIRA, 2007, p.83). 50 As características atribuídas a este instrumento de investigação conferem maior precisão na análise e conclusão dos resultados e imparcialidade do observador, sem esquecer que o sucesso de pesquisas que envolvem percepção ambiental e que adotam o questionário como um instrumento de investigação dependem da qualidade do mesmo. O questionário (apêndice 2) constou de dezoito indagações e foi estruturado com duas partes distintas. A primeira delas reúne questões, em número de sete, com o objetivo de identificar e caracterizar os sujeitos. Buscou-se com esses questionamentos conhecer as condições sócioeconômicas dessas comunidades, com o objetivo de compreender mais amplamente o fenômeno estudado. A segunda parte consistiu num elenco de perguntas sobre as relações (afetivas, sócio-culturais, ambientais, etc.) estabelecidas entre as comunidades e a área verde urbana, isto é, o conhecimento e a experiência dos sujeitos. Estas questões foram abordadas com o objetivo de averiguar opiniões sobre identidade, valor afetivo, satisfação com o lugar, responsabilidade e preferência dos entrevistados, ou seja, como repercutem os vínculos afetivos em relação a esta área, na sua conservação e na vida das pessoas, bem como o seu conhecimento sobre as funções atribuídas a este Parque. O enfoque demonstra, portanto, que sua elaboração baseou-se nos pilares: percepção, atitudes e valores. Tratando-se da observação das relações homem e ambiente é válido ressaltar que investigações que envolvem a percepção e o comportamento são consideradas de difícil realização, como enfoca Dencker (1999, p.35) apud Pinheiro (2004, p.6), onde estas “partem do pressuposto que as pessoas agem em função de suas crenças e valores e que o comportamento não é facilmente interpretável, sendo preciso desvendá-lo”. A fim de verificar se os questionamentos seriam facilmente compreendidos pelos respondentes e se alcançariam os objetivos do seu uso, foram aplicados previamente, como teste, 15 questionários com a população circunvizinha de outro parque urbano da cidade, em janeiro de 2009. A escolha por esta área deveu-se a similaridade apresentada por esta comunidade com a de estudo. Foram aplicados questionários com a comunidade que reside no entorno do Parque Ambiental, que compreende os bairros Mocambinho I, mais precisamente 51 com os residentes das quadras 10 a 24; e o Buenos Aires, com moradores da Avenida Duque de Caxias e da Rua Professor Sinhá Borges (Figuras 3 e 4). Em face dessa pesquisa também objetivar conhecer a percepção dos residentes do entorno do Parque em função dos espaços por eles ocupados, os dados coletados foram tabulados com a formação de três grupos (Figura 5): 1) Bairro Buenos Aires, Av. Duque de Caxias, que apresenta 70 residências; 2) Bairro Buenos Aires, Rua Professor Sinhá Borges, com 133 domicílios; e 3) Bairro Mocambinho I (quadras 10 a 24), que compreende 600 residências. Figura 3: Mocambinho I. Qd. 10 à esquerda. Fonte: Lívia Tátila dos Reis Martins, 2009. Figura 4: Av. Duque de Caxias. Fonte: Marcelo Carvalho dos Santos, 2009. Figura 5: Imagem de satélite com ênfase na área de aplicação dos questionários. Fonte: Geoeye (2009) adaptado por Jurandi Silva (2009). 52 Os dados desta pesquisa foram coletados em abril de 2009, entendendo que a amostragem deveria possibilitar a abrangência da totalidade do problema investigado, sem adoção de critérios estritamente numéricos. Os participantes foram escolhidos aleatoriamente e a cada abordagem foi feito uma exposição dos objetivos da pesquisa. Os sujeitos considerados são indivíduos adultos e com idade igual ou superior a 20 anos. O questionário foi aplicado diretamente com o informante, e para aqueles que tiveram dificuldades de escrever as respostas ou eram analfabetos ou se negaram a responder por escrito, foi pedido sua autorização para gravação, sendo feito a leitura das questões e posterior transcrição das respostas obtidas (Figura 6). O número