UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA ELOIZA CRISTIANE TORRES AS TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS E A DINÂMICA ATUAL DA PAISAGEM NAS MICROBACIAS DOS RIBEIRÕES: Santo Antonio -SP, São Francisco-PR e Três Barras-MS. Presidente Prudente - SP 2003 AS TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS E A DINÂMICA ATUAL DA PAISAGEM NAS MICROBACIAS DOS RIBEIRÕES: Santo Antonio -SP, São Francisco-PR e Três Barras-MS. ELOIZA CRISTIANE TORRES Orientação: Prof º Dr º MESSIAS MODESTO DOS PASSOS Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente para a obtenção do título de Doutora em Geografia na Área de Concentração: Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental. Presidente Prudente - SP 2003 Ficha catalográfica elaborada pelo Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação UNESP – FCT – Campus de Presidente Prudente T644t Torres, Eloiza Cristiane. As Transformações históricas e a dinâmica atual da paisagem nas microbacias dos ribeirões Santo Antônio-SP, São Francisco-PR e Três Barras -MS / Eloiza Cristiane Torres. - Presidente Prudente : [s.n.], 2003 302 f. Tese (doutorado). - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Orientador: Messias Modesto dos Passos 1. Microbacia. 2. Paisagem. 3. Transformações paisagísticas. 4. Impactos socioambientais. 5 Recursos hidrícos. Torres, Eloiza Cristiane. II. Título. CDD (18.ed.) 551.483 À Luiz de França Torres (in menorian) e Tereza Pecin de França meus pais...por tudo!!! DEDICO “A paisagem é, desde a origem, um produto socializado”. (G.Bertrand, 1978) AGRADECIMENTOS Desenvolver uma tese requer tempo e o auxílio de inúmeras pessoas. De certa forma, cada um tem sua parcela no resultado final do trabalho. Pela quantidade grande de contribuições, torna-se difícil nomear cada uma delas. Entretanto, a fim de expressar os agradecimentos, nomes e instituições devem ser reconhecidos, pela contribuição direta ou indireta: • Ao Prof. Dr. Messias Modesto dos Passos, pela orientação, apoio e amizade apresentados ao longo destes anos de mestrado e doutorado; • A Ana, a Márcia, o Marcos e o Pedro da Seção de Pós-Graduação da Unesp pelo apoio e paciência; • À CAPES, pelo financiamento de parte da pesquisa; • os Profs. Drs. Antonio Cezar Leal e Edvard Elias de Souza Filho que, ao fazerem parte da banca de exame de qualificação, contribuíram bastante para o (re)direcionamento da pesquisa; • o Programa de Pós-Graduação da Unesp, na pessoa do Prof. Dr. João Lima Santana Netto; • A Vincent Dubreuil pela revisão do resumé e ajuda com a bibliografia sobre recursos hídricos da França; • A Jailton Dias: pelas discussões, resume, sugestões e amizade...este trabalho tem muito de você!!!; • No caso da microbacia do Santo Antonio, merecem meus sinceros agradecimentos: Sebastião Carnevali- dirigente de ensino, Secretaria de Estado de Educação / Coordenadoria de Ensino de Interior, Jornal Mirante Notícias, Prof Milton Santos, Joaquim Cerqueira, D. Ana da Silva e seu esposo “Paraguaio”, Jose Nezio, Satoshi, Casa da Agricultura (Pedrinho, Ubirajara ou Vicente), Itesp- Mirante do Paranapanema – Edmar Prefietura Municipal de Mirante do Paranapanema; • No caso da microbacia do ribeirão São Francisco, agradeço: José Demétrio, Luzia Lana, Cocamar e Fafipa; • No caso da microbacia do ribeirão Três Barras, meus especiais agradecimentos a: Claudecir Aparecido Fernandes (CAL), que não mediu esforços para nos atender em Anaurilândia; • Ao Prof. Dr. Diores de Abreu, que se tornou um grande companheiro de campo e “historiador” de plantão contribuindo muito para a contextualização histórica deste trabalho; • Universidade Estadual de Londrina, na figura de Jaime de Oliveira, então chefe do Departamento de Geociências, que não mediu esforços no desenrolar do trabalho; • Aos colegas e amigos: Ideni Antonello e Jeani Moura (grandes amigas!!!), Lucia, Regina, Edna, Tânia, Alice, Ruth, Deise (muitas discussões sobre a tese e os outros fatores que envolvem o desenvolvimento da mesma!!!), Takeda, Reginaldo (quanto sufoco com meu micro!!!)...todos do departamento de Geociências da UEL; • A minha família...que soube bem lidar com as ausências que toda pesquisa exige. A todos, os meus sinceros agradecimentos. SUMÁRIO Índice de tabelas i Ìndice de figuras ii Índice de gráficos v Índice de quadros vi Índice de fotos vii Resumo xiii Resume xiv Apresentação xv Introdução 1 1- A raia divisória 1 1.2.Caracterização da raia divisória 2 1.3. Procedimentos metodológicos 20 1.3.1. Os processos de trabalho 20 2-Paisagem: estudo e concepção 25 2.1. Eco-história da paisagem 32 2.2. Ecologia da paisagem 34 2.3.Geografia e paisagem: que relação é esta? 36 2.4. O geossistema 38 2.5. O espaço rural 45 2.6. As unidades da paisagem 51 2.7. Escala têmporo-espacial e estrutura da paisagem 56 2.8. Paisagem e sensoriamento remoto 58 3-Evolução da área de estudo 65 3.1. Ribeirão Santo Antonio ou do Engano-SP 65 3.1.1. Mirante do Paranapanema e os bairros inseridos na área do ribeirão Santo Antonio 88 3.2. Ribeirão São Francisco-PR 101 3.2.1.Breves considerações sobre o ciclo do café no Paraná 115 3.2.2.A colonização do norte do Paraná 119 3.2.3.Breve histórico de Paranavaí 127 3.3.Ribeirão Três Barras-MS 130 3.3.1.Caracterização da região atingida pela Usina Hidrelétrica de Porto Primavera- Engenheiro Sérgio Motta. 139 3.4.Aspectos legais pra implantação da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera 149 4-Análise integrada da paisagem 151 4.1. Construção de cartogramas de unidades básicas da paisagem através de imagem satelitar (Satélite Landsat TM) 153 4.2.Paisagem: sua construção e seu registro 164 4.3. Três microbacias, três realidades diferentes e uma mesma configuração atual de degradação dos recursos hídricos. 209 5-A paisagem em foco 221 5.1.A paisagem e sua representação 222 5.2. A fotografia sobe a perspectiva da Geografia 225 5.1 O Sudoeste Paulista (ribeirão Santo Antonio) 227 5.2 O Noroeste Paranaense (ribeirão São Francisco) 242 5.3 O Sudeste Sul Mato-Grossense (ribeirão Três Barras) 252 6- Considerações Finais 278 7- Bibliografia 287 8-Anexos - i ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 Informações básicas sobre a microbacia do ribeirão Santo Antonio- SP 70 Tabela 2 Mirante do Paranapanema-SP 75 Tabela 3 Perfil Longitudinal 1 82 Tabela 4 Mirante do Paranapanema (1950-1960) 87 Tabela 5 Informações básicas sobre a microbacia do ribeirão São Francisco- PR 107 Tabela 6 Evolução do desmatamento florestal no estado do Paraná 110 Tabela 7 Paranavaí-PR 112 Tabela 8 Inajá-PR 112 Tabela 9 São João do Caiuá-PR 112 Tabela 10 Paranacity-PR 113 Tabela 11 Alto Paraná-PR 113 Tabela 12 Cruzeiro do Sul-PR 113 Tabela 13 Nova Esperança-PR 113 Tabela 14 Perfil longitudinal 2 121 ii Tabela 15 Uso do solo na microbacia da região de Paranavaí-PR 129 Tabela 16 A produção de laranja em Paranavaí-PR 129 Tabela 17 Informações básicas sobre a microbacia do ribeirão Três Barras-MS 138 Tabela 18 Anaurilândia-MS 138 Tabela 19 Perfil longitudinal 3 146 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 Localização da área de estudo 1 Figura 2 Carta geológica da raia divisória-SP-PR-MS 9 Figura 3 Carta pedológica da raia divisória-SP-PR-MS 11 Figura 4 Carta hipsométrica da raia divisória-SP-PR-MS 13 Figura 5 Esquema da biosfera 27 Figura 6 Ciência ecológica 28 Figura 7 Relações paisagísticas 36 Figura 8 Geossistema 42 Figura 9 Tripé proposto por Bertrand (1997) 44 iii Figura 10 Hidrografia-ribeirão Santo Antonio-SP 71 Figura 11 Classificação de Stralher 72 Figura 12 Classificação de Shreve-magnitude 73 Figura 13 Hipsometria ribeirão Santo Antonio-SP 74 Figura 14 Mirante do Paranapanema: migração e imigração 78 Figura 15 Início da ocupação em propriedades rurais em Mirante do Paranapanema-SP 84 Figura 16 Perfil longitudinal número 1 85 Figura 17 Cobertura vegetal 89 Figura 18 Mirante do Paranapanema-bairros 90 Figura 19 Água da Saúde-1958 92 Figura 20 Patrimônio do Repouso 95 Figura 21 Hidrografia-ribeirão São Francisco 103 Figura 22 Classificação de Stralher 104 Figura 23 Classificação de Shreve-magnitude 105 Figura 24 Hipsometria ribeirão São Francisco 106 iv Figura 25 Norte do Paraná e suas micro-regiões 186 Figura 26 Complexo agroindustrial-CAI 119 Figura 27 Início da ocupação em propriedades rurais no noroeste do Paraná 124 Figura 28 Perfil longitudinal número2 125 Figura 29 Anaurilândia 134 Figura 30 Hidrografia-ribeirão Três Barras 135 Figura 31 Classificação de Stralher 136 Figura 32 Classificação de Shreve-magnitude 137 Figura 33 Hipsometria ribeirão Três Barras 133 Figura 34 Início da ocupação expontânea-ribeirinhos e ilhéus do rio Paraná 147 Figura 35 Perfil longitudinal número 3 148 Figura 36 Uso do solo na microbacia do ribeirão Santo Antonio-SP-1986 155 Figura 37 Uso do solo na microbacia do ribeirão Santo Antonio-SP-1999 156 Figura 38 Uso do solo na microbacia do ribeirão Santo Antonio-SP-1986 157 Figura 39 Uso do solo na microbacia do ribeirão São Francisco-1986 158 v Figura 40 Uso do solo na microbacia do ribeirão São Francisco-1999 159 Figura 41 Uso do solo na microbacia do ribeirão São Francisco-2001 160 Figura 42 Uso do solo na microbacia do ribeirão Três Barras-1986 161 Figura 43 Uso do solo na microbacia do ribeirão Três Barras-1999 162 Figura 44 Uso do solo na microbacia do ribeirão Três Barras-2001 163 Figura 45 Unidade da paisagem na microbacia do ribeirão Santo Antonio-SP 169 Figura 46 Unidade da paisagem na microbacia do ribeirão São Francisco-PR 170 Figura 47 Unidade da paisagem na microbacia do ribeirão Três Barras-MS 171 Figura 48 Parcelamento da terra-ribeirão Santo Antonio-1986 182 Figura 49 Parcelamento da terra-ribeirão Santo Antonio-1999 193 Figura 50 Parcelamento da terra-ribeirão Santo Antonio-2001 194 Figura 51 Declividade-ribeirão Santo Antonio-SP 185 Figura 52 Síntese da declividade-ribeirão Santo Antonio-SP 186 Figura 53 Parcelamento da terra-ribeirão São Francisco-1986 187 Figura 54 Parcelamento da terra-ribeirão São Francisco-1999 188 Figura 55 Parcelamento da terra-ribeirão São Francisco-2001 189 vi Figura 56 Declividade-ribeirão São Francisco-PR 190 Figura 57 Sínt188ese da declividade-ribeirão São Francisco-PR 191 Figura 58 Parcelamento da terra-ribeirão Três Barras-MS-1986 192 Figura 59 Parcelamento da terra-ribeirão Três Barras-MS-1999 193 Figura 60 Parcelamento da terra-ribeirão Três Barras-MS-2001 194 Figura 61 Declividade- ribeirão Três Barras-MS 195 Figura 62 Síntese da declividade-ribeirão Três Barras 196 Figura 63 Evolução das superfícies ocupadas por água –1986-2001 208 ÍNDICE DE GRÁFICOS Gráfico 1 Gráficos ombrotérmicos da região de Presidente Prudente-SP 68 81 Gráfico 2 Produção de algodão 109 Gráfico 3 Gráfico ombrotérmico de Paranavaí ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1 Evolução da paisagem na microbacia do ribeirão Santo Antonio-SP 210 vii Quadro 2 Evolução da paisagem na microbacia do ribeirão São Francisco-PR 211 Quadro 3 Evolução da paisagem na microbacia do ribeirão Três Barras-MS 212 Quadro 4 Esquemas de fluxos de atividades na região da microbacia do Santo Antonio-SP 213 Quadro 5 Esquemas de fluxos de atividades na região da microbacia do São Francisco-PR 214 Quadro 6 Esquemas de fluxos de atividades na região da microbacia do Três Barras 215 ÍNDICE DE FOTOS Foto 1 227 Foto 2 228 Foto 3 228 Foto 4 229 Foto 5 229 Foto 6 230 Foto 7 230 Foto 8 231 viii Foto 9 231 Foto 10 232 Foto 11 232 Foto 12 233 Foto 13 233 Foto 14 234 Foto 15 235 Foto 16 235 Foto 17 236 Foto 18 236 Foto 19 237 Foto 20 237 Foto 21 238 Foto 22 238 Foto 23 239 ix Foto 24 239 Foto 25 240 Foto 26 240 Foto 27 241 Foto 28 241 Foto 29 242 Foto 30 243 Foto 31 243 Foto 32 244 Foto 33 244 Foto34 245 Foto 35 245 Foto 36 246 Foto 37 246 Foto 38 247 Foto 39 247 x Foto 40 248 Foto 41 248 Foto 42 249 Foto 43 249 Foto 44 250 Foto 45 251 Foto 46 251 Foto 47 252 Foto 48 253 Foto 49 253 Foto 50 254 Foto 51 254 Foto 52 255 Foto 53 255 Foto 54 256 xi Foto 55 256 Foto 56 257 Foto 57 258 Foto 58 258 Foto 59 259 Foto 60 259 Foto 61 260 Foto 62 260 Foto 63 261 Foto 64 261 Foto 65 262 Foto 66 262 Foto 67 263 Foto 68 263 Foto 69 264 Foto 70 265 xii Foto 71 265 Foto 72 266 Foto 73 266 Foto 74 267 Foto 75 267 xiii RESUMO O presente estudo se propõe a uma análise comparativa das microbacias dos ribeirões Santo Antonio /Pontal do Paranapanema/Oeste de São Paulo, São Francisco/Noroeste do Paraná e Três Barras/Sudeste do Mato Grosso do Sul, que, embora relativamente próximas, estão inseridas em unidades geo-ecológicas diversas e que foram submetidas a processos socioeconômicos, cultural, gestão e apropriação também diversos. O elo de ligação entre estas três microbacias é o rio Paraná, pois a gestão do mesmo interferirá em toda evolução de forma integrada, além de que, atualmente, o referido rio vem sofrendo mudanças sócio-ambientais em decorrência do enchimento do reservatório da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta-Porto Primavera (alto curso), desencadeando significativos impactos de um lado e obras compensatórias e mitigatórias de outro. Desta maneira, convém conhecer um pouco mais do processo de consolidação destas microbacias: - Ribeirão Santo Antonio: o uso da terra se deu por contratos de arrendamento. Para o arrendatário não apareceu outra preocupação senão o lucro; o quadro de exploração se agrava com o incentivo de agroindústrias “móveis”, principalmente na década de 70, como a Sanbra e Mac Fadem; - Ribeirão São Francisco: houve um parcelamento em pequenas propriedades, exploradas, regra geral, pelo proprietário e sua família e orientado por um plano de desenvolvimento regional pilotado pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP); - Ribeirão Três Barras: o início da ocupação se deu num contexto em que a agricultura já não tinha os mesmos atrativos das décadas de 40 ou 60 (como nos outros dois ribeirões) e, também é caracterizada por expansão de fazendas pecuaristas (que também são bastante impactantes). O grande impacto de assoreamento e gestão dos recursos hídricos foi dado pelo uso e não pela potencialidade física, o que faz com que cada uma das microbacias reaja diferenciadamente. Palavras-Chaves: 1. Microbacia. 2. Paisagem. 3. Transformações paisagísticas. 4. Impactos socioambientais. 5.Recursos Hídricos. 6. LANDSAT. xiv RESUMÉ Ce travail propose de faire une analyse comparative des bassins-versants des "ribeirões" Santo Antônio (situé dans le Pontal du Paranapanema, à l'Ouest de l'État de São Paulo), São Francisco (dans le Nord-Ouest de l'État du Paraná) et Três Barras (dans le Sud- Est de l'État de Mato Grosso do Sul). Malgré la relative proximité entre les trois bassins- versants, ceux-ci font partie d'unités géo-écologiques différentes et ont été soumises à des processus socio-économiques, culturels et d'aménagements dissemblables. Le point d'intégration entre les trois bassins-versants est le Rio Paraná, puisque son aménagement interfère dans l'évolution socio-économique de toute la région. En outre, depuis quelques années, le Rio Paraná a connu d'importants changements socio-environnementaux avec la construction de l'Usine Hydroéléctrique Sérgio Motta, qui a entraîné des impacts négatifs ou positifs. Ainsi, il s'agit de connaître un peu plus le processus de consolidation de ces bassins-versants. • Ribeirão Santo Antônio: la mise en valeur a été faite par "arrendamento", une modalité d'exploration très lucrative pour les propriétaires des terres; • Ribeirão São Francisco: la mise en valeur a été faite par l'implantation de petites propriétés d'exploration familiale orientées surtout par le plan de développement régional de la Compagnie des Terres du Nord du Paraná (CNTP); • Ribeirão Três Barras: le commencement de l'ocupation a eu lieu après l'euphorie de l'activité agricole des années 1940 à 1960 (que les deux autres bassins-versants ont connu) et se caractérise par l'implantation des grandes propriétés d'élévage bovin (Aussi avec beaucoup d´impacts). Dans les trois bassins-versants, l'ensemble des impacts sur les ressources hydriques ont été causé par l'occupation démesurée des terres, sans tenir compte des potentialités physiques. Le résultat est la production d'effets différents dans chaque bassin-versant. MOTS-CLÉS: 1.bassin-versant. 2. Paysage. 3. changements paysagers. 4. impacts socio- environnementaux. 5. Ressources hydriques. 6.LANDSAT. xv APRESENTAÇÃO O presente trabalho que ora apresenta-se ao Curso de Pós-Graduação em Geografia- área de concentração: Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental - da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente Prudente-SP, visa apresentar o desenvolvimento da pesquisa em nível de doutorado, com o título: “As transformações históricas e a dinâmica atual da paisagem nas microbacias dos ribeirões: Santo Antonio ou do Engano-SP1, São Francisco-PR e Três Barras-MS”, com orientação do Prof. Dr. Messias Modesto dos Passos e financiamento parcial2 da CAPES. Os esforços deste trabalho centram-se na análise comparativa entre as três microbacias mencionadas, e também: - Apontar as incompatibilidades entre a capacidade de uso e a utilização atual da terra, geradoras de conflitos; - Identificar, via cartografia, as principais alterações ambientais verificadas nas três microbacias, com base em imagens de satélite LANDSAT TM 5; - Reconstruir a eco-história da paisagem das três microbacias, no sentido de mostrar as influências das dinâmicas naturais e antrópicas na gestão do espaço local e regional; - Realizar análise têmporo-espacial do uso da terra em diferentes unidades básicas da paisagem, a partir das imagens LANDSAT TM de 1986, 1999 e 2001; - Analisar a interação dos elementos da paisagem que permitam definir a dinâmica atual, incluindo as ações antrópicas; - Realizar reflexões que auxiliem à gestão das águas. Para a organização das referidas discussões, optou-se por organizar o trabalho em quatro partes, fazendo um apanhado conceitual geral sobre paisagem, a apresentação da área de estudo e as reflexões referentes à mesma. 1 Em vários locais, o ribeirão Santo Antonio recebe o nome de ribeirão do Engano. Para que não se entenda como dois ribeirões diferentes, optou-se por adotar somente a denominação de ribeirão Santo Antonio. 2 Durante o período de seis meses obteve-se o apoio financeiro, por meio de bolsa-doutorado, para o desenvolvimento da presente pesquisa. xvi Na parte I, poderá ser vista uma parte introdutória da pesquisa, com o intuito de apresentar uma visão geral do que se entende por raia divisória São Paulo-Paraná-Mato Grosso do Sul, além de fornecer as características básicas da mesma e os procedimentos metodológicos que permeiam este trabalho. Desta forma, na parte II, tem-se o segundo capítulo “Paisagem: estudo e concepção” transporta-se para a categoria de análise paisagem visto que um dos objetivos deste trabalho é um estudo das transformações paisagísticas e da dinâmica atual das microbacias. Um enfoque maior será dado às unidades de paisagem já que é muito importante para se entender que uma mesma microbacia pode ter processo de ocupação e condições naturais nem sempre idênticas. Na parte III serão apresentados os agentes construtores da paisagem na raia divisória SP-PR-MS por meio do segundo capítulo “Evolução da área de estudo” que visa apresentar de forma pormenorizada as microbacias dos ribeirões Santo Antonio, São Francisco e Três Barras. Para isto, serão abordados aspectos como: o histórico dos municípios inseridos nas microbacias, as unidades básicas da paisagem, o parcelamento do território, entre outros. Nesta parte também está o quarto capítulo “Análise integrada da paisagem” que visa apresentar uma comparação/análise integrada da paisagem tendo por base os dados apresentados no capítulo anterior. A ênfase será dada a gestão (ou não) dos recursos hídricos nas microbacias enquanto elo de ligação entre as mesmas. O quinto capítulo apresenta um acervo fotográfico comentado “A paisagem em foco”. A intenção é de apresentar o material com uma discussão que complemente as informações trazidas pelos capítulos anteriores. Por fim, a parte IV apresenta o sexto capítulo que refere-se às “Considerações finais” em que ficam claros os objetivos alcançados, as dificuldades, limitações e os avanços da pesquisa. Nesta parte fica localizado o último capítulo que é referente “Bibliografia”, em que é apresentado o que foi utilizado desde a fase do projeto até a conclusão do texto final, xvii incluindo bibliografia estrangeira conseguida, in situ, no momento de viagem de campo complementar3. Julgou-se interessante colocar os “Anexos”, em que foi acrescentado o material de base para análise de bacias hidrográficas (como hierarquia fluvial, magnitude...), além de produção acerca da problemática dos recursos hídricos, bem como síntese da Legislação vigente, tanto para o Brasil, como para países que inspiram ações nacionais. Tal fato está totalmente relacionado com a temática “bacias hidrográficas” e serviu de base conceitual para a elaboração deste trabalho. Este último anexo é apresentado somente no Cd-Room. Este Cd-Room foi elaborado com a intenção de apresentar algumas partes deste trabalho em formato digital, facilitando, assim, a observação das imagens de satélites, das fotografias e mesmo do material complementar acerca da temática “recursos hídricos”. Assim, este trabalho tem o intuito, partindo de uma análise qualitativa da realidade geográfica da Raia Divisória São Paulo-Paraná-Mato Grosso do Sul, de inserir alguma nova contribuição para o campo de estudo da Geografia. 3 Tal bibliografia se refere à viagem realizada no final de setembro e início de outubro de 2001, com propósito de estabelecer contatos e troca de bibliografia com alguns países, entre eles Espanha, Portugal e França. Introdução 1-A raia divisória 1 A área de estudo é compreendida pela raia divisória São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, em que estão inseridas as microbacias hidrográficas dos ribeirões Santo Antonio-SP, São Francisco-PR e Três Barras-MS, como pode ser visto na figura 1. Esta parcela territorial está sendo estudada a partir do projeto “Por uma eco-história da raia divisória São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul” sob coordenação do professor doutor Messias Modesto dos Passos e apoio da FAPESP, desdobrando-se em vários outros sub-projetos, como de Jailton Dias “A construção da paisagem na raia divisória: São Paulo-Paraná-Mato Grosso Do Sul: Um estudo por teledetecção” e Wallace de Oliveira “A CESP e a problemática do desenvolvimento local-regional na raia divisória São Paulo – Paraná – Mato Grosso do Sul”. Figura 1: Localização da área de estudo Org. e Ed. Gráfica : Jailton Dias, 2002. 2 Estas microbacias foram selecionadas, notadamente, por possuírem um processo diferenciado de ocupação e gestão, apesar da proximidade entre elas.A escolha também se justifica pelas realidades diversas e pelas mudanças paisagísticas e da dinâmica atual, que é um reflexo do processo histórico desta mudança. As condições naturais funcionaram, em épocas diferentes, para que os tipos de ocupação/colonização se dessem de formas diferenciadas, mesmo possuindo uma base assentada no Arenito do Grupo Bauru, notadamente da Formação Caiuá. Isto perpassa pelo objetivo maior da pesquisa que é explicitar como a gestão de bacias hidrográficas no Brasil e na raia se dá de forma pouco sincronizada. A organização formal deste trabalho deixará transparecer certa dicotomia de abordagem, isto devido à necessidade de diagnosticar o processo de gestão/organização do território nas três microbacias. Assim, o problema de interesse, a hipótese de trabalho sedimenta-se na relação entre o processo de assoreamento-desperenização de ribeirões e a estrutura fundiária-uso da terra e na proposição da raia como base para estudo. Entretanto, a título de introdução, torna-se interessante apresentar um pouco melhor o que se está entendendo por raia divisória. 1- A raia divisória O conhecimento geográfico tem passado, desde seus primórdios, por várias crises, uma delas diz respeito a nomeação/delimitação dos lugares. Neste sentido, tem-se uma imprecisão dos limites geográficos para a própria raia divisória, tendo, inclusive, uma variedade de acepções a esta “região”. O processo de integração/desintegração de lugares, raias e regiões deve ser entendido num contexto de globalização, numa perspectiva dinâmica e com a visão de que as mesmas e seus conceitos mudam ao longo da evolução histórica. Em estudos geográficos, o que mais tem sido utilizado até o momento são unidades administrativas, como as microrregiões propostas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). São práticas, principalmente quando existe a intenção de se trabalhar com dados estatísticos. Entretanto, outras formas de sintetizar uma região 3 precisam ser apresentadas, como as "regiões fronteiriças", "espaços fronteiriços", "raia transfronteiriça". Deve-se levar em conta, também, que o conceito de bacia hidrográfica também começa a ser muito utilizado para delimitar as áreas de estudo. Um bom exemplo do que se pretende por “raia” pode ser visto no quadro de programas de desenvolvimento local e regional da União Européia (INTERREG - Programa de Cooperação entre Regiões -; FEDER - Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional etc. ), em que é dada atenção especial às áreas de fronteiras: Portugal-Espanha; Espanha-França etc., principalmente no que se refere a gestão dos recursos hídricos do local (que possuem caráter internacional). Ademais, as "fronteiras" são raias, isto é, áreas de intergradação onde os processos se manifestam segundo uma lógica de descontinuidade objetiva da paisagem ou, ainda, segundo uma impermeabilidade muito acentuada entre as parcelas do território submetidas às definições e redefinições territoriais mais ou menos independentes.(PASSOS, 2003). Neste sentido, o Brasil possui várias raias que revelam potencialidades paisagísticas e peculiaridades culturais, sociais e econômicas, objetivando a implantação de planos de desenvolvimento regional, capazes de superar o estágio de periferia a partir de uma gestão territorial ("aménagement"4) que contemple, acima de qualquer "modismo globalizante", a integração regional. Como exemplos nacionais, podem ser citados segundo Passos (2003). - O oeste da Bahia com o Vale do Rio Grande: raia de manifestação de dois domínios morfoclimáticos distintos (caatinga e campos gerais), em que existe um conflito entre sertanejos e sulistas; - O Centro-Oeste brasileiro, que possui vários exemplos, entre eles: a ocupação dos vales dos grandes e médios rios da região pelos criadores de gado (mineiros e paulistas, sobretudo) a partir dos anos 20, constituindo uma raia, ora mais integrada, ora mais isolada, com os chapadões areníticos, ocupados mais tarde (a partir de 4 Aménager = disposer avec ordre /dispor com ordem. Até a crise de 1929, considerava-se, geralmente, que a repartição das atividades econômicas e sociais era definida pelas condições naturais. A partir de então, desenvolveu-se a idéia de que a organização econômica e social é/deve ser controlada pelo Estado, ou seja, o Estado interfere sobre a localização dessas atividades. (PASSOS, 2003) 4 1970) pela agro-indústria (soja, milho, algodão), pilotada pelos "sulistas" e com a benevolência dos subsídios fiscais.; - Já o Estado do Paraná apresenta alguns exemplos de raias dispostas ao longo da calha do Rio Paraná como a raia de confluência do Rio Piquiri com o Rio Paraná, abrangendo a área de Salto del Guayra/Paraguai - Guaíra/PR - Mundo Novo/MS, a raia transfronteiriça abrangendo territórios brasileiros, argentinos e paraguaios, ou seja, a região de Foz do Iguaçu e a raia constituída pelo extremo Sudoeste Paulista (Pontal do Paranapanema), Noroeste Paranaense (microrregião de Paranavaí) e Sudeste do Mato Grosso do Sul, raia esta, proposta como uma das unidades de estudo do presente trabalho. O presente trabalho irá apreender para uma análise eco-histórica da paisagem na raia divisória São Paulo-Paraná-Mato Grosso do Sul (Figura 1), mais precisamente, a parcela do território conhecido geograficamente pelas denominações de “Pontal do Paranapanema”, “microrregião de Paranavaí”, “Sudeste do Mato Grosso do Sul” e, a fim de melhor entender o Sudeste do Mato Grosso do Sul, a calha do Alto Curso do Rio Paraná - à altura da UHE de Porto Primavera -, que atua ora como elo de aproximação, ora como linha divisória dessas parcelas territoriais. Com relação à escala adotada para a análise, julgou-se interessante não se prender somente ao conceito de raia. Desta forma, ficará pautada também, ora na divisão administrativa e ora na divisão por bacias hidrográficas, mostrando, assim, uma diversidade de escalas que tem o objetivo de melhor apresentar a dinâmica da paisagem da área de estudo. Outro tema que merece destaque, que chama a atenção em estudos geográficos e que auxilia na contextualização do que se entende por raia divisória é entender as variáveis que interferiram/interferem na problemática do desenvolvimento desigual das parcelas territoriais envolvidas no presente estudo: Sudoeste de São Paulo, Noroeste do Paraná e Sudeste do Mato Grosso do Sul. As hipóteses de trabalho são permeadas pelo já mencionado trabalho de maior projeção “Por uma eco-história da raia divisória São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul”, sendo, as mesmas, pormenorizadas levando em conta a escala de microbacias: 5 - De forma mais geral, a implantação da UHE de Porto Primavera (representada pela CESP) tem introduzido (ou introduziu) uma nova forma de construir a paisagem regional; - Para a microbacia do ribeirão Santo Antonio que fica no Pontal do Paranapanema - Sudoeste do Estado de São Paulo, tem-se que a área sofreu uma série de mudanças sociais e ambientais desde a chegada da frente pioneira, nos anos 40. Inicialmente, essa região foi palco do “ciclo do algodão”, estruturado a partir do tripé: indústrias beneficiadoras (SANBRA, MACFADEN, CLAYTON), proprietários de terras e arrendatários. O algodão teve um ciclo curto e, as terras de algodão se transformaram em terras de pastagens. O processo de erosão- lixiviação do solo levou os pecuaristas a adotarem a estratégia de “refazer os pastos”; pouco capitalizados, economicamente e culturalmente, os proprietários rurais não investiram no sentido de reverter a degradação ambiental e, pior, de reposição das perdas do agrossistema5 regional; - Para o ribeirão São Francisco que fica no Noroeste do Estado do Paraná, tem-se que a área foi palco de um processo de ocupação social e ambiental próprio, cujo modelo de divisão e posse da terra seguiu de perto a proposta idealizada pela Companhia de Terras Norte do Paraná, ou seja, o colono adquiria o pequeno lote e, motivado pelos lucros da cultura cafeeira “obedecia” às recomendações técnicas mais apropriadas para o parcelamento do lote (parcelas de café na alta vertente, moradia e pastagens nos fundos de vale...). Esse modelo, embora inserido num desenho hierarquizado da rede urbana, não foi tão fortemente aprisionado por uma determinada agroindústria/cidade e, além do mais, as estratégicas dos pequenos proprietários para se manterem 5 Todo agrossistema é um ecossistema exportador, ou seja, a perda de macro e de micro nutrientes é inevitável e, portanto, é imprescindível que se efetuem as reposições dos elementos químicos, objetivando a manutenção da capacidade produtiva do solo. (PASSOS, 2003) 6 e, sobretudo, para manterem o lote rural, a partir da crise da economia cafeeira regional definiram um modelo mais sustentável e sustentado6; - Para o ribeirão Três Barras, que fica no Sudeste do Estado do Mato Grosso do Sul, tem-se que a área foi palco de um processo de ocupação, motivado pela formação de fazendas para cria e recria bovinas, a partir de iniciativas, principalmente, de fazendeiros do Norte do Paraná e do Oeste de São Paulo. A grande propriedade rural, característica dessa região, manteve e mantém poucos vínculos com a economia local-regional. Os seus proprietários e os seus mercados estão em outros lugares. Essa matriz cultural, mais estável/permanente, definiu um padrão paisagístico próprio. Somente a partir da formação do lago da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera e, claro, das obras compensatórias e mitigatórias realizadas pela CESP, observa-se a manifestação de impactos sociais e ambientais mais relevantes; - Por fim, a relação com a terra (posse-arrendamento- estrutura fundiária-uso do solo) e a dependência do mundo rural às políticas econômicas “nacionais”, cujos agentes locais-regionais não fomentam alternativas para superação das crises, agudizam a degradação ambiental, explicitada de forma didática nas transformações e nas dinâmicas atuais das bacias hidrográficas. Assim, existe uma heterogeneidade espacial, associada às condições naturais ou à herança histórica, que é o fator chave das desigualdades que associa à própria lógica de funcionamento do sistema econômico que, tal como assinalou Méndez (2000), outorga diferentes oportunidades aos territórios para uma produção rentável e competitiva. A distinta dotação de fatores produtivos, a capacidade para atrair a localização empresarial que evolua ao compasso das mudanças técnico-econômicas e institucionais, a posição/localização em relação aos principais centros e eixos da atividade econômica em 6 Considera -se “modelo sustentado de desenvolvimento” aquele que não se dá a partir do esforço não recompensado do ser humano. 7 cada momento, assim como o estabelecimento de uma relação de intercâmbio com o exterior - que pode favorecer ou dificultar os processos de crescimento, - são algumas das razões consideradas habitualmente para justificar o desenvolvimento desigual dos territórios. Assim, considerando que, as três unidades territoriais da raia divisória – Sudoeste do Estado de São Paulo, Noroeste do Estado do Paraná e Sudeste do Estado do Mato Grosso do Sul – embora tendo algumas semelhanças “naturais”, por exemplo, a ocorrência do arenito da Formação Caiuá, apresentam-se bastante distintas no processo (agentes e atores envolvidos) de construção da paisagem; considerando que, as políticas de desenvolvimento local-regional devam levar em consideração as identidades próprias de cada uma dessas unidades territoriais, optou-se por uma abordagem básica – de caráter próprio de um diagnóstico ambiental (potencial ecológico, exploração biológica e ação antrópica) – de cada uma dessas unidades. Assim, a heterogeneidade emergirá dessa análise compartimentada. Caberá aos agentes locais-regionais, envolvidos com as políticas de desenvolvimento regional, definirem as estratégias mais apropriadas à superação das barreiras administrativas. 1.2.Caracterização da raia divisória A fim de apresentar uma caracterização mais geral da área de pesquisa, mormente a raia divisória SP-PR-MS, os dados seguintes referem-se a dados geoambientais. As características históricas e econômicas, também serão abordadas, só que en passent, já que terão pormenorização no item concernente ao detalhamento das microbacias. A raia divisória situa-se numa área de aparente homogeneidade, principalmente pela predominância de arenitos do Grupo Bauru, Formação Caiuá, como pode ser observado na figura 2 7 A Formação Caiuá subjaz à Formação Santo Anastácio, que, por sua vez, é sobreposta pela Formação Adamantina. Isto explica a presença de aluviões quaternários 7 As Figuras 2 e 3 foram produzidas por Dias (2002) a partir de um mosaico de mapas temáticos de escalas diferentes de cada um dos Estados, o que explica o maior ou menor detalhamento de informações de cada porção. 8 que é, igualmente, bastante importante, com ocorrência majoritária nas planícies aluviais dos Rios Paraná e Paranapanema. No Pontal do Paranapanema, especificamente, a presença dos arenitos Caiuá é quase absoluta, excetuando-se apenas algumas manchas de Aluviões Atuais ao longo dos Rios Paraná e Paranapanema e as porções mais altas da região, onde se tem a presença dos arenitos das Formações Santo Anastácio e Adamantina. (DIAS, 2003). Esta característica já havia chamado a atenção de Monbeig (1984), cuja publicação original da obra data de 1950, descrevendo o Extremo Oeste Paulista da forma seguinte: [...] foi a floresta ou mata de terra roxa que mais atraiu o povoamento e a cafeicultura para o interior paulista. Todavia, o extremo oeste paulista não dispunha das tão valorizadas terras roxas e sim, de solos oriundos de diferentes formações de arenitos: os solos areníticos mais férteis (Formação Santo Anastácio), com elementos calcários nas porções mais altas e os solos mais pobres (Formações Botucatu e Caiuá), que dominam a maior parte da região. (MONBEIG,1984). 9 FIGURA 2– Carta Geológica da Raia Divisória SP-PR-MS MATO GROSSO DO SUL PARANÁ SÃO PAULOR I O Á P A N R A RI NA O P AAR PAN A E M 380 km370360350340330320310300290280270 7580 7570 7560 7550 7540 7530 7520 7510 7500 7490 7480 km 7590 0 5 10 15 km ESCALAHa - Aluviões Atuais (Holoceno) Ka - Formação Adamantina (Cretáceo) Ksa - Formação Santo Anastácio (Cretáceo) Kc - Formação Caiuá (Cretáceo) LEGENDA FONTE: São Paulo: Mato Grosso do Sul: Paraná: UGRHI - Pontal do Paranapanema (1999) Mapa Geológico - Escala 1:250.000 Atlas Multirreferencial (1990) Carta “Geologia” - Escala 1:1.500.000 Atlas do Estado do Paraná (1987) Mapa Geológico - Escala 1:1.400.000 Cursos d’água Limite do reservatório da UHE de Porto Primavera UHE de Rosana UHE de Porto Primavera CARTA GEOLÓGICA Organização e Edição: Jailton Dias (2002) Fonte: Dias, 2003. O predomínio da Formação Caiuá localiza-se, também, no lado sul-mato-grossense, entretanto, com ocorrência maior da Formação Santo Anastácio. A Formação Adamantina ocupa pequena área, justamente na parte mais elevada do relevo. Nota-se, também, 10 depósitos aluviais quaternários (Aluviões Atuais) destacam-se, igualmente, ocupando uma larga e extensa faixa ao longo do leito do Rio Paraná. O Noroeste do Paraná apresenta praticamente toda sua extensão recoberta por arenitos da Formação Caiuá. A exceção fica em decorrência de pequenas porções de Aluviões atuais, principalmente na calha do Rio Paranapanema e de alguns de seus afluentes. Dentre as características do arenito (com destaque para a Formação Caiuá), tem-se: - alta permeabilidade; - produz solos de baixa fertilidade natural; - possui alto índice de erosividade; - contribui no processo de assoreamento de cursos de água; Estas características tem reflexos significativos no processo de construção da paisagem da raia, principalmente no que se refere às limitações impostas a certos tipos de ocupação e uso do solo. A Carta de Solos do "Projeto Estudos Integrados do Potencial de Recursos Naturais", realizado pela SEPLAN/FIPLAN-MS, na Escala 1:1.000.000, com a composição pedológica da porção sul-mato-grossense da Raia Divisória, é marcada por uma presença majoritária do Latossolo Vermelho-Escuro álico (Figura 3). 11 FIGURA 3 – Carta Pedológica da Raia Divisória SP-PR-MS Latossolo Vermelho-Escuro Podzólico Vermelho-Amarelo Terra Roxa estruturada Latossolo Vermelho-Escuro álico distrófico Podzólico Vermelho-Escuro distrófico Podzólico Vermelho-Escuro eutrófico Latossolo Vermelho-Escuro álico São Paulo Podzólico Vermelho-Amarelo eutrófico Podzólico Vermelho-Escuro eutrófico e distrófico Solos Litólicos distróficos Podzólico Vermelho-Amarelo Glei pouco húmico eutrófico e distrófico Areias Quartzosas álicas (Associação Complexa) SÃO PAULO PARANÁ 0 10 20 30 km ESCALA Latossolo Vermelho-Escuro álico Podzólico Vermelho-Escuro álico Podzólico Vermelho-Amarelo álico Associação Complexa Areias Quartzosas álicas/distróficas Areias Quartzosas Hidromórficas álicas Planossolo álico LEGENDA Cursos d’água Limite do reservatório da UHE de Porto Primavera Mato Grosso do Sul Paraná MATO GROSSO DO SUL FONTE: São Paulo: Mato Grosso do Sul: Paraná: UGRHI - Pontal do Paranapanema (1999) Mapa Pedológico - Escala 1:250.000 Organização e Edição: Jailton Dias (2002) Projeto Estudos Integrados do Potencial de Recursos Naturais - SEPLAN/FIPLAN - MS (1988) Carta “Solos” - Escala 1:1.000.000 Atlas do Estado do Paraná (1987) Mapa Pedológico - Escala 1:1.400.000 Rio Paranapanema Fonte: Dias, 2003 12 Na porção concernente ao Sul-mato-grossense, a ocorrência maior é de Associações Complexas, em que observa-se manchas de: Areias Quartzosas álicas/distróficas e Areias Quartzosas Hidromórficas álicas, assim como dos Planossolos álicos que predominam ao longo das zonas de várzea de alguns dos principais cursos d'água, adentrando em meio à área do Latossolo Vermelho-Escuro álico. Na área paulista da Raia Divisória, pesquisas realizadas pelo Comitê de Bacias Hidrográficas do Pontal do Paranapanema, identificaram, na maior parte, os solos do tipo: Latossolo Vermelho-Escuro álico e Vermelho-Escuro álico distrófico, Podzólico (em suas diversas variações: Vermelho-Escuro distrófico, Vemelho-Escuro eutrófico, Vermelho- Amarelo e Vermelho-Amarelo eutrófico). Em quantidades menores tem-se os solos do tipo: Glei pouco húmico eutrófico e distrófico, acompanhando trechos da calha do Rio Paranapanema e ilhas do Rio Paraná e de Areias Quartzosas álicas, nas margens do Rio Paraná. Já o Noroeste paranaense, à escala de mapeamento feita para o Atlas do Estado do Paraná (1:1.400.000), poucos grupos de solos foram identificados: o Latossolo Vermelho- Escuro, de predominância majoritária; o Podzólico Vermelho-Amarelo, ocorrendo em um núcleo no meio dos Latossolos; as Terras Roxas, aparecendo na porção leste da área. Os processo erosivos e deposicionais construíram, em linhas gerais, um relevo de características planas e suavemente onduladas a onduladas na maior parte da Raia Divisória SP-PR-MS. A predominância quase absoluta dos arenitos friáveis e bastante permeáveis da Formação Caiuá constitui o fator de maior contribuição para as condições descritas. Fogem destas características, as áreas de ocorrência dos arenitos da Formação Santo Anastácio e Adamantina, especialmente na porção paulista, onde o relevo aparece mais dissecado e mais acidentado. (DIAS, 2003). Pela figura 4, pode-se notar que o relevo apresenta-se de forma pouco acidentada, com vales profundos e muitas vezes retilíneos, dando uma drenagem, muitas vezes, paralela, em decorrência, de condições geológicas e climáticas entre outras. 13 FIGURA 4-Carta Hipsométrica da Raia Divisória SP-RP- MS CARTA HIPSOMÉTRICA 250 - 300 300 - 350 350 - 400 400 - 450 450 - 500 600 - 650 m 550 - 600 500 - 550 - de 250 0 5 10 15 km ESCALA LEGENDA Fonte: Cartas Topográficas DSG e IBGE (Xavantina, Dracena, Loanda e Presidente Prudente) Escala 1:250.000 - Atualização com dados de 1974 a 1978 Organização e Edição: Jailton Dias (2002) Rios e Lagoas 380370360350340330320310300290280270 7580 7570 7560 7550 7540 7530 7520 7510 7500 7490 7480 7590 Fonte: Dias, 2003. 14 Por meio da figura 4, pode-se, também, observar que no território Sul-Mato- grossense, do vale para o espigão, as altitudes variam suavemente, partindo de250 m ao longo do Rio Paraná e não chegando aos 500 m, em suas áreas mais altas. Vários córregos e ribeirões afluentes do Rio Paraná desenvolveram, igualmente, importantes zonas de várzeas que adentram para o interior do território como vales retilíneos, entremeados por interflúvios de baixa variação em altitude. Como exemplo, podem ser citados os vales dos ribeirões Samambaia e Três Barras. No geral, a variação de altitude entre os talvegues e os interflúvios não é muito acentuada, mas, para os ribeirões mencionados, que sofrem influência do arenito da Formação Santo Anastácio, tem-se uma evolução geomorfológica com vales mais profundos e com diferença topográfica maior. Já em termos de vegetação, seja ela natural/original, a Raia Divisória SP-PR-MS fica numa zona transicional da mata tropical (Mata Atlântica) para os cerrados, com um importante diferencial apontado por Dias (2003): enquanto no Sudoeste paulista e no Noroeste paranaense verifica(va)-se uma intrusão de porções de cerrado em meio a mata tropical predominante na paisagem, ao se atravessar o Rio Paraná, do lado Sul-Mato- grossense, percebe-se o inverso, onde, em meio ao predominante cerrado, em suas diversas modalidades (cerrado, cerradão, campo cerrado), as intrusões de mata tropical toma(va)m lugar. A transição climática da área (de subtropical para o tropical) já era atestada por Monbeig (1984) como um fator de diferenciação da vegetação. A hipótese de Monbeig de 1950 foi reafirmada por estudos de análise rítmica de Monteiro (1973) e por Zavatini (1992). Já para as porções paulista e paranaense, a ocupação para a implantação da agropecuária deixou poucos remanescentes da vegetação original. Esta base física forneceu os elementos para a evolução histórica e geoeconômica da Raia Divisória SP-PR-MS que corresponde a um espaço tradicionalmente deprimido, enfraquecido e longe das decisões e das ações do poder político estadual e federal, seja pelo seu papel pouco importante dentro do sistema econômico das duas esferas. Tais características fazem com que Dias (2003) nomeia a raia como um verdadeiro farwest. O Pontal do Paranapanema, como é conhecido o que se denomina aqui de farwest paulista, sempre foi lembrado como uma 15 região de terras devolutas, ainda que desde muitas décadas tenha sido ocupada tanto legal quanto, em sua imensa maioria, ilegalmente, o que vem ser motivo e palco de inúmeros conflitos agrários, principalmente, a partir da década de 1980 (Fernandes, 1986). Desde então, este tem sido o grande motivo de notícias circuladas constantemente na mídia sobre a região, em nível nacional e internacional. Isto serviu, igualmente, para atrair um pouco mais a atenção da esfera política para a região. O Noroeste do Paraná, também o farwest paranaense, tem sido, na mesma medida, um tanto deprimido, notadamente após a crise do café, na década de 1970, que legou uma certa ausência de identidade num espaço que foi desbravado para a implantação da cafeicultura (Monbeig, 1984). A decadência da cafeicultura gerou uma estagnação na economia regional e estimulou, a partir de então, uma mudança de vocação das atividades, levando a uma diversificação de culturas e tendendo a um avanço da pecuária, acompanhada por um aumento no tamanho das propriedades via anexação por compra/venda por parte daqueles que sobressaíram e subsistiram às crises. Do lado do Estado de Mato Grosso do Sul, ao menos até os fins da década de 1970, o isolamento era ainda mais marcado, sobretudo por ser uma zona de baixo índice de ocupação e pela qual o poder público estadual e municipal não parecia ter nenhum interesse especial, certamente explicado pela falta de atrativos para a implantação de frentes de desenvolvimento, que demandariam investimentos em infraestruturas. Os municípios ali instalados, com seus núcleos urbanos modestos e de uma dinâmica econômica igualmente modesta, garantiam apenas a reprodução das condições então vigorantes. (DIAS, 2003). No caso do Mato Grosso do Sul, pouco tem sido publicado com relação a estes dados. Desta forma, as afirmações de Dias (2003) são baseadas em trabalhos de campo, em entrevistas e em observações pessoais. Entretanto, apesar de bem contextualizado este termo, acredita-se ser mais brando falar em “sertão” ao invés de “farwest”, remetendo às mesmas características apontadas por Dias (2003) e sem cair na falsa idéia de que teve- se/tem-se no Brasil um “farwest” como o que existe na América do Norte. 16 O Estado de São Paulo foi o principal agente de incisão na Raia Divisória SP-PR- MS, principalmente com a cafeicultura no início do século XX, fato que se estendeu ao Norte e Noroeste do Estado do Paraná (chegando tardiamente). A fundação de cidades como Presidente Prudente (1917), Presidente Epitácio (1922), entre outras, no Estado de São Paulo, foi importante por agregar ocupação com difusão regional, principalmente com a chegada da linha férrea da Ferrovia Sorocabana S.A. (FEPASA), em 1917. Dias (2003) aponta que para o lado paranaense, a região conheceu o seu auge de ocupação e de dinâmica econômica na década de 1960 e 1970, a partir de quando, a crise da cafeicultura terminou por esvaziar a região. Esta crise forneceu uma diminuição da população de muitos municípios no Noroeste paranaense entre as décadas de 1960 e 1970. De acordo com dados do IBGE [coletado e adaptado de: Revista ACIM, nº 402, p.17, março 2001], tem-se, como exemplo, Paranacity possuia em 19.623.729 habitantes, em 1970 o número reduziu para 11.642 habitantes e em 2000 estava com 9.106 habitantes. Outro município significativo (que localiza-se na nascente do ribeirão São Francisco) é Nova Esperança: em 1960 possuia 43.095 habitantes, em 1970 estava com 29.379 e em 2000 chegou aos 25.713 habitantes. Já para a parcela Sul-Mato-grossense, a área esperou o chamado "avanço da fronteira agrícola", em que a ocupação foi tardia e se deu por paulistas e paranaenses, após a década de 1940. Na época, dava-se início, também, à penetração dos sulistas (paranaenses, catarinenses e gaúchos) em direção à Região Centro-Oeste, que, no Estado de Mato Grosso do Sul, preferiram as "terras basálticas" da região de Dourados, estas mais propícias para os fins agrícolas e de fertilidade e manejo já conhecidos pelos ocupantes em suas regiões de origem. A baixa fertilidade das "terras areníticas" da porção Sudeste do Estado (área de estudo), desinteressava qualquer frente de ocupação em busca da produção de grãos e, portanto, continuou confinada ao desuso ou ao uso com pastagens extensivas e alguns pequenos núcleos agrícolas, nas proximidades das pequenas vilas ou cidades (Bataguassu, Anaurilândia, Bataiporã, Nova Andradina). (DIAS, 2003). 17 Esta ocupação foi mais marcante da década de 1940, no Governo de Getúlio Vargas, principalmente na porção Centro-Sul do Mato Grosso do Sul, que, no período, ainda não estava desmembrado do Mato Grosso. O avanço se deu com o projeto "Marcha para o Oeste", com paisagens distintas: uma mais pautada na grande propriedade destinada a agricultura capitalista (mais a oeste) e outra marcada pela presença de monocultura do algodão e com médias propriedades (mais a leste). Como esta segunda cultura não perdurou, as propriedades foram anexadas umas às outras pelos grandes fazendeiros, sendo redimensionadas para a pecuária. Estas “marcas” deixadas pelo processo recente de ocupação, como por, exemplo, a troca de lugar das cercas, podem ser vistas in situ. Outros elementos, como a presença de pomares, poços d'água, casas abandonadas etc., registram da mesma forma, o passado do território. Este processo de "Marcha para o Oeste" não contemplou a área em estudo, o que a deixou marginalizada, fora do processo de desenvolvimento. Somente na década de 1970, é que se percebe uma ocupação efetiva, mas, restringindo-se apenas da faixa que margeia a planície de inundação do Rio Paraná, feita pelos paulistas que se interessaram pelas pastagens naturais (gramíneas) ali presentes e decidiram cruzar o rio e investir na atividade pastoril . Entretanto, é possível notar três frentes de avanço para a região de estudo: - 1 – os paulistas avançando numa faixa no sentido noroeste-sudoeste ao longo do Rio Paraná e pressionando em direção ao interior da área, adentrando pelos vales dos rios e ribeirões; - 2 – os paranaenses, entrando pelo vale do Rio Ivinhema, vindo de sul para o norte e penetrando para o interior; - 3 – a frente criada pelos projetos da "Marcha para o Oeste" da região de Deodápolis, Fátima do Sul, Glória de Dourados etc., pressionando do oeste para o leste. (DIAS, 2003). O processo de ocupação acontece conjuntamente com a melhoria/criação das vias de comunicação e também as facilidades de acesso, como é o caso da BR-267, que na década de 1980 passou a ligar o Estado de São Paulo a Campo Grande, cortando a área no sentido 18 leste-oeste, em sua porção norte (este ponto pode, inclusive, ser considerado a quarta frente de avanço). Nesse mesmo contexto, a partir da década de 1980, entraram em cena outros agentes que exerceram papéis importantes no incentivo à ocupação da área. A chegada da CESP veio criar novos comportamentos no âmbito regional, seja, de um lado, o incentivo à ocupação de novas áreas diante da iminência de porções a serem "perdidas" com a formação do reservatório da UHE de Porto Primavera, seja, de outro lado, a desvalorização das terras motivadas pelas incertezas com relação às indenizações. À medida que a situação ficou "mais clara", os comportamentos mudaram consideravelmente. (DIAS, 2003). A ação da CESP, principalmente com as obras compensatórias e mitigatórias, serviram de estímulo à reativação econômica dessa porção do Estado de Mato Grosso do Sul. A CESP constituiu, de fato, um importante agente na transformação e na construção da paisagem regional, principalmente por fornecer elementos que mostram uma construção da paisagem antrópica de forma bem recente. Vários outros elementos socioeconômicos auxiliam a explicar melhor a construção da paisagem recente, entre eles: o papel exercido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que desde 1980 tem realizado ações por uma transformação na estrutura agrária do Pontal do Paranapanema, via ocupação e assentamentos rurais; a implantação da UHE de Rosana, no Rio Paranapanema, de porte muito inferior em relação a Porto Primavera, mas, proporcionalmente, com os mesmos efeitos clássicos; e a efetivação da Hidrovia Tietê-Paraná que trouxe uma nova oportunidade de ligação da região com outras áreas.(Dias, 2003). Assim, nota-se que as transformações da Raia Divisória de SP-PR-MS, motivadas pela implantação da UHE de Porto Primavera não tiveram as mesmas intensidades em cada uma das três áreas. A porção Sul-Mato-grossense foi a que sofreu os maiores impactos principalmente pela baixa declividade do relevo; a porção paulista teve uma maior evidência de efeitos no nível social e econômico e, por fim, a porção paranaense que 19 conheceu apenas efeitos indiretos, já que não se localiza na área imediatamente atingida, como, por exemplo, as rodovias. Estas transformações estão atreladas a um processo de desenvolvimento econômico sobre o meio ambiente e isto acaba por gerar incorporação desta dimensão às políticas regionais e locais. Estas atividades geram vários impactos (ora positivos, ora negativos), que podem gerar uma espiral de deterioração ambiental como aponta Mendez (2000). Estas alterações podem ser tanto de caráter físico –natural (esgotamento de recursos ou escassez e encarecimento, alterações na composição físico-química do ar, água ou solo por contaminação, ruptura dos equilíbrios biológicos) quanto do ambiente social (destruição do patrimônio cultural, alteração paisagística, saturação das infra-estruturas, deterioração da saúde etc.). (...) Essa situação é a origem de toda uma série de políticas, sobretudo, em matéria de meio ambiente físico, que segundo seus objetivos podem classificar-se como de proteção (delimitação de parques e outros espaços naturais protegidos), prevenção (estudos de avaliação de impactos, planos de emergência, normas restritivas sobre emissões de ruídos etc.), correção (auditorias ambientais, legislação, programas de reabilitação etc.) e promoção (investigação ambiental, ajudas ao ecoturismo, à indústria verde etc.).(PASSO S, 2003). Tendo em vista esta reflexão, pretende-se fazer um esforço de síntese (na parte final deste trabalho) na forma de um esquema gráfico chamando a atenção de como se deu este processo nas três microbacias inseridas na área da raia divisória, ressaltando o processo de convergência (centrípeto) e de dispersão (centrífugo) que possibilita uma visualização da atuação dos agentes e sujeitos nos processos de desenvolvimento e de decadência desses territórios. A fim de melhor esclarecer as bases utilizadas por este trabalho, passa-se, agora, para os procedimentos metodológicos. 20 1.3. Procedimentos metodológicos Durante muito tempo à Geografia coube o papel meramente descritivo e enumerativo de montanhas, rios, cidades. Entretanto, após contato maior com as outras ciências, e a evolução causada pelos exploradores, esta ciência passou ao lado da investigação científica, sendo assim, não mais descrevendo/inventariado pura e simplesmente, mas também raciocinando e explicando tudo aquilo que observava. 1.3.1. Os processos de trabalho Sendo assim, uma ciência que une os aspectos naturais e humanos, segue alguns passos importantes no processo de pesquisa e que norteiam a ciência como um todo. a) Descrição: Trata-se de um dos primeiros passos dentro da pesquisa geográfica, correspondendo também a uma fase diagnóstica, em que os geógrafos traduzem o significado das coisas. Vidal de La Blache, um dos fundadores da escola francesa, foi aquele que melhor trabalhou a descrição no campo geográfico. Em seu livro “Quadro de Geografia da França”, La Blache procura sempre deixar a paisagem como um conjunto maior, mais amplo e relacionará com as outras unidades regionais. A descrição, neste caso, não visa ser completa, mas, pelo menos, ressaltando os aspectos típicos e/ ou bizarros. Outro aspecto da descrição lablacheana diz respeito à objetividade sobre a subjetividade. Clozier (1972), mostra que a descrição deverá apontar traços invocadores de modo que todos os olhos sejam capazes de observar a mesma coisa e, para marcar as características, o fato humano não poderá ser descartado. Deste modo, em Vidal de La Blache, a descrição tem, como o fato geográfico, a sua originalidade numa forma de convergência; todos os traços, qualquer que seja a sua natureza, concorrem para precisar a fisionomia dos lugares. Ao mesmo tempo, porém, esta descrição é seletiva; elimina certos traços e junta outros, pois, no fundo, ela orienta- se segundo um determinado pensamento. É uma descrição científica e, por conseqüência, esquematiza. (CLOZIER, 1972). 21 Desta maneira, a descrição para Vidal de La Blache esquematiza-se e orienta para a explicação. E, a análise da paisagem permite discernir os aspectos físicos, mas também, compreender sua transformação devido à ação antrópica. “A sua personalidade, portanto, só é percebida e compreendida, quando a seguimos na sua evolução”.(Clozier, 1972). Assim, não podemos menosprezar a importância da descrição dentro da pesquisa geográfica, principalmente ao analisar a paisagem, mas, ter a descrição enquanto um dos pontos de partida até chegarmos à análise pretendida. A descrição geográfica é científica e, portanto, seletiva. Teoricamente, deveria analisar todos os elementos da paisagem, em virtude de ignorar a priori que sentido tomará determinado pormenor para a compreensão do conjunto. Praticamente, elimina certos traços: primeiro porque situa a paisagem num quadro que corresponde a um conceito preestabelecido: montanha, planície, etc.; segundo porque é guiada por um pensamento que procura certos traços típicos em vista de uma explicação. (...) Isto não quer dizer que se estabeleça abstratamente um tipo; a descrição refere-se sempre a um fato localizado e apresentado no espaço..(CLOZIER, 1972). Então, tem-se um olhar por transparência, mas que é vertical, pois não existe descrição geográfica sem uma explicação e análise da mesma. b) Observação Num primeiro momento, a descrição é o início e o fim de um trabalho geográfico. Início porque uma paisagem é uma “síntese intuitiva” e, após uma averiguação, vira uma “síntese ordenada” de acordo com as leis de investigação científica (Clozier, 1972). Sendo desta maneira, a explicação científica partirá da descrição, utilizando dois meios de investigação, a observação e o documento. 22 Em Geografia, como em todas as ciências, a observação procede por utilização racional da percepção. Todavia, existem aqui certas condições restritivas, particularmente a de não assentar nunca sobre a experimentação (...); a observação é então dirigida por um conceito que substitui as experiências adquiridas. (CLOZIER, 1972) Entretanto, prolongar a observação por trabalho de laboratório nem sempre será cem por cento eficaz, isto porque se reduz a realidade a um experimento e a mesma sofre inúmeras ações em determinadas escalas. Assim, o exame de determinadas formas de relevo ou paisagem, por exemplo, deve-se aprofundar o conhecimento sobre processo e sistemas de modelado. c) Documento Com a falta de experiências ou de observação visual, no caso histórico de uma paisagem, por exemplo, o geógrafo utiliza documentos, sejam eles escritos, orais, fotográficos, figurativos e, principalmente cartográficos. Através das cartas, o geógrafo pode complementar e realizar correções da observação. Complemento porque fornece uma visão geral, já que a paisagem percebida é estritamente limitada, enriquecendo assim, a observação. Já a correção é importante porque, mesmo uma carta de grande escala é sempre um esquema, uma representação simplificada da realidade. “A leitura inteligente de uma carta permite assim a visão indireta da superfície representada e que dela se extraiam os elementos de uma descrição explicativa”. (CLOZIER, 1972). O exame e a confecção/produção da carta é, então, de suma importância dentro da caracterização dos trabalhos geográficos. d) A explicação e o método geográfico O princípio da passagem da descrição à explicação através da observação ou do documento parece simples: a partir do que se observam em escala local e regional e dos estudos gerados nestas escalas, estabelecer leis gerais. Entretanto, a realidade não se apresenta em linha reta. 23 Mas a Geografia não se submete a esta hierarquização progressiva de um trabalho de base experimental, pois que, geralmente, os fatos que se encontram no ponto de partida da sua investigação são fenômenos estudados por outras ciências, mas que a natureza agrupa em complexos regionais. (CLOZIER, 1972). Segundo Clozier (1972), existem dois processos de generalização que se dão num plano horizontal: processo de extensão ou de localização e o processo de comparação ou de analogias. - o processo de extensão ou de localização: diz respeito a ver a extensão e a repartição dos fatos após tê-los descrito e observado. Será com a utilização do documento cartográfico que o princípio de extensão ganhará maior significado; - o processo de comparação ou de analogia: trata-se de um dos processos correntes de generalização: “O estudo geográfico de um fenômeno supõe a constante preocupação dos fenômenos análogos que se podem manifestar noutros pontos do globo.” (De Martonne, 1975), além de reagrupar os fatos que várias ciências dissociam para estudar, generalizar fatos concretos. (...) a visão do concreto é guiada, dirigida por uma teoria que lhe dá seu verdadeiro sentido (...) Por isso, a atitude do geógrafo deve ser sempre esta: manter a realidade concreta que as paisagens apresentam sob o controle do conhecimento dos fatores determinantes; toda a forma do terreno, para ser bem interpretada, precisa ser compreendida; toda a analogia, para ser devidamente verificada, precisa ser submetida à razão.(CLOZIER, 1972). A explicação dominará todas as formas de trabalho em Geografia sem eles os processos de extensão, analogia, descrição ou generalização não pode ocorrer. e) A explicação em Geografia A explicação será importante para a mudança do papel de uma Geografia quantitativa e descritiva para qualitativa causal. 24 Neste sentido, passa-se por uma questão metodológica séria: não se pode explicar os processos como as ciências naturais o fazem, ou seja, indutivamente; é preciso utilizar o raciocínio dedutivo, confrontando os fenômenos situados no mesmo ou em outros planos. Vale lembrar que, às vezes, a dedução parte de proposições intuitivas ao invés de indutivas. Ora a intuição toma, na explicação geográfica, um valor bem particular. A razão é fácil de compreender: o fenômeno geográfico deixa sempre elementos de identificação, pois a realidade concreta abarca um complexo de fatos que torna impossível uma completa análise; por conseqüência, hipóteses e fatos observados interferem constantemente na marcha do raciocínio. (...) A intuição é uma posição de hipóteses. Aparece-nos, pois, como uma hipótese de trabalho que será submetida ao controle dos fatos e do raciocínio. Ora a hipótese de trabalho ocupa, em Geografia, um lugar mais importante do que nas outras ciências: por um lado, o espírito procura instintivamente, na medida complexa da realidade, um fio condutor; por outro, toda a paisagem terrestre, morfológica ou não, é uma resultante que se reduz a uma representação mental mais ou menos hipotética. (CLOZIER, 1972). O alcance da explicação geográfica pode parecer inferiorizado por duas razões: 1) impossibilidade de experimentação; 2) a importância do fator humano. Assim, temos uma cadeia que vai do homem à natureza com vários anéis, e é pela história (escrita ou oral) que podemos reconstruir a série em que tais anéis se apresentam. É evidente que a série reconstruída não será homogênea, pois a riqueza da pesquisa geográfica está, justamente, na heterogeneidade dos fatos e fenômenos. Nota-se que tão heterogênea quanto a própria pesquisa geográfica é a paisagem, que ora é vista como homogênea, ora é vista em todas as suas especificidades. O próximo capítulo visa apresentar a paisagem no contexto do referencial teórico- metodológico que permeou as discussões pretendidas por este trabalho. 2-Paisagem: estudo e concepção 25 Neste momento do trabalho, torna-se interessante contextualizar a paisagem e seu estudo, já que, ao diagnosticar uma bacia hidrográfica, a percepção paisagística mostra-se como essencial. Sendo assim, o presente item visa fazer um breve apanhado do tema, pautando-se numa síntese de alguns autores, entre eles Passos (1998), Bertrand (1975), Baudry (2000), e outros. A palavra paisagem vem do latim (pagus) e significa país, com um sentido de território, lugar. “Esse significado de espaço territorial, mais ou menos definido, remonta ao momento da aparição das línguas vernáculas e podemos dizer que esse sentido original, com certas correções, é válido ainda hoje”.(Passos, 1998). O termo paisagem permeou por vários pontos antes de ser aderido pela Geografia: (a) No século XV a paisagem relacionava-se mais com as artes, principalmente, as pictóricas , não constituindo uma descrição, mas privilegiava a subjetividade; (b) A mesma subjetividade se atribui à “arte dos jardins”, ou, utilizando um termo mais recente, o paisagismo. Este já se desenvolvia desde o intervalo dos séculos VIII à XV e a intenção era de unir três pontos básicos: contato com a natureza, paz e conforto espiritual. Assim, era uma ordenação de elementos por parte do homem a fim de que os mesmos se tornassem prazerosos aos olhos; (c) Para a literatura (poesia, teatro), tanto para o Ocidente como Oriente, a preocupação com a paisagem remonta ao século XVIII. Num primeiro momento apresentando-se simbólica artificialmente, mas logo ganhando autenticidade ao compor cenários com animais, vegetais, locais precisos, principalmente com o período naturalista com Chateaubriand, Daniel Defoe, Bernardin de Saint-Pierre entre outros. No caso brasileiro, com o parnasianismo do século XIX e o regionalismo teremos a paisagem não somente descrita, mas com subjetividade dos autores. Mas, existe ainda uma concepção que deve ser ressaltada, a fim de se distanciar do senso comum: (...) permanece descritivo e vago, pois não existe necessidade de precisar na paisagem os elementos que a constituem. Paisagem pode descrever 26 um conteúdo emotivo, estético, intrinsecamente subjetivo do próprio fato. Os ‘paisagistas’ dispõem de plantas, pedras, rochedos, num propósito permanente ornamental...Ao contrário, o conceito científico de paisagem abrange uma realidade que reflete as profundas relações, freqüentemente não visíveis, entre seus elementos. A pesquisa dessas relações é um tema de investigação regida pelas regras do método científico, que nos seja permitido para facilitar a concepção de paisagem o uso de uma metáfora possivelmente desgastada: A paisagem, na acepção vulgar do termo, nada mais é do que a parte imersa do ‘iceberg’. Ao pesquisador, cabe estudar toda a parte escondida para compreender a parte revelada. (DEFFONTAINES, 1973, apud Passos, 1998). Se, para o senso comum (ou mesmo para as outras visões, como artes, arquitetura, engenharia...), a paisagem é o ponto visível, para as ciências (em particular a Geografia) o interesse está em buscar as relações, por vezes ocultas, para obter-se a síntese e a interação entre o conjunto dos elementos. No século XIX o termo paisagem foi mais defendido e utilizado em Geografia, sendo proposto por H. Hommeyerem na forma alemã Landschaft “(...) entendendo exatamente por este termo o conjunto de elementos observáveis desde um ponto alto”.(Passos, 1998). O conceito de paisagem foi se ampliando ao longo dos séculos XIX e XX, sendo os problemas mais ressaltados referentes à heterogeneidade e homogeneidade com relação à escala, complexidade e globalidade das formas da superfície terrestre fato que conduz a reflexões mais aprofundadas sobre a estrutura e a organização da superfície terrestre em seu conjunto. Desta maneira, nesses dois séculos se estabelecem a maior parte das bases teóricas para a paisagem. Percebe-se que o pensamento alemão do século XIX contribuiu muito para a concepção atual da paisagem, Alexandre von Humboldt foi um dos precurssores nos estudos, utilizando-se das pesquisas sobre vegetação para caracterizar um aspecto espacial, permitindo entender as leis que regem a fisionomia do conjunto da natureza por métodos explicativos e comparativos. 27 Em torno dos estudos de Humboldt, foi o cientista Grisebach quem estabeleceu, em 1938, uma tipologia de formas e em 1872 um estudo global das formações vegetais mostrando que quando as formas vegetais se organizam tem-se uma diferenciação da paisagem. Outro discípulo de Humboldt de destaque foi Ferdinand von Richthofen, com uma visão da superfície terrestre considerando as interseções das esferas: atmosfera, hidrosfera, litosfera, como pode ser visto na figura 5, que segue: Figura 5:Esquema da Biosfera ATMOSFERA HIDROSFERA LITO SFERA Esquema ilustrativo da relação entre a litosfera, hidrosfera e atmosfera, observa-se que a antroposfera, ainda não era mencionada. Org.: Eloiza Torres, 2002 A análise das relações entre os elementos será considerada a partir dos estudos de Sigfrid Passarge. Um primeiro apontamento foi a vinculação entre as formas do terreno, os elementos climáticos e a vegetação, percebendo que, se o clima mostra-se como um elemento “destruidor” a vegetação pode ser “conservador-reconstrutor”. Desta maneira, mostrou que as unidades integradas apresentam interação e não somente soma e inventário dos componentes. (...) Assim, as características de uma associação vegetal não corresponde às de todas e a cada uma das espécies componentes; não se pode considerar o granito como a soma do quartzo, mica e feldspato. Nunca as peças de um mosaico podem ser consideradas como 28 constituintes do mesmo, se não estão dispostas nele harmoniosamente.(PASSOS, 1998). Seguindo esta perspectiva, Carl Troll desenvolveu a Ciência da Paisagem na Alemanha, e a sua correlação com a ecologia. Ao definir ecótopo como a extensão do conceito de biótopo à totalidade dos elementos geográficos, principalmente os abióticos, Troll começa a dedilhar o conceito de “geossistema”.”(...)Assim mesmo, segue a tendência de refletir sobre a paisagem natural na turlandschaft, e a paisagem cultural, kulturdschaft, sendo para ele a paisagem cultural o conceito principal, incluindo a paisagem natural e humana”. (Passos, 1998). Com o desenvolvimento da Ciência Ecológica, o conceito de sistema passa a ser incorporado aos estudos da paisagem, sendo entendido como um sistema aberto. Este sistema não levava em conta somente o intercâmbio de matéria e energia, mas também o de informação. Figura 6: Ciência Ecológica MATÉRIA ENERGIA INFORMAÇÃO Esquema baseado na Ciência Ecológica. Org.: Eloiza Torres, 2002 Para a ex-URSS, a Ciência da Paisagem inicia-se no século XIX com a nomenclatura de Geografia Física Complexa. Desde o fim do século XIX, estava colocado para a Rússia o problema da valorização dos vastos espaços das estepes da Ucrânia e da Sibéria meridional, subentendido pelas terras célebres dos chernozies. Durante os anos 80 e 90 do século XIX, numerosas missões científicas, 29 algumas das quais foram dirigidas por Dokontchaeve, aplicou-se ao levantamento de informações a respeito dessas regiões. É nesta ocasião que ele elabora os fundamentos da pedologia científica, apoiado sobre a noção de Complexo Natural Territorial. (PASSOS, 1998). O complexo físico ou complexo natural considera que o globo é formado por elementos (corpos individuais que atuam em qualidade de componentes). Tais elementos estão irregularmente distribuídos na superfície terrestre e estão relacionados entre si. Assim, a superfície pode ser considerada como uma epigeosfera, isto é, “(...) não só como um complicado sistema, senão como algo constituído por sua vez de vários subsistemas, os complexos naturais”. (Passos, 1998). O conceito de landschaft, desenvolvido por Grigoriev, Sochava entre outros, perdurou do “entre-guerras” até os anos 60 do século passado, quando começa a ser encarada como entidade sistêmica dissociada nas noções corológicas. No final dos anos 60, Sochava apresenta o termo e a noção de geossistema, que logo extrapolaria as fronteiras soviéticas, sendo defendida em outros países. Os geossistemas são os sistemas naturais, de nível local, regional ou global, nos quais o substrato mineral, o solo, a água e as massas de ar, particulares às diversas subdivisões da superfície terrestre são interconectados por fluxos de matéria e energia, em um só conjunto. (SOCHAVA, 1978). Do ponto de vista das escolas moscovitas (com destaque à morfologia da paisagem), as idéias referentes aos geossistemas são mais relacionadas à conceitos físicos e matemáticos do que às ciências da natureza. Neste sentido, o geossistema passa a ser defendido por combinações de massas e de energia e, as paisagens, como expressão de combinações diferentes. Assim, representa uma abordagem do geocomplexo, pautado na teoria dos sistemas, muito parecido com a noção de ecossistema proposta por Tansley na década de 30, com a ressalva de que, neste momento mais recente, o geossistema ultrapassa o ecossistema. 30 No domínio das estruturas o geossistema acrescentaria uma dimensão lateral à única dimensão vertical retida pela maior parte das abordagens ecossistêmicas. Naquela do funcionamento, o ecossistema considera essencialmente a energia solar, as transferências bioquímicas, por vezes geoquímicas e biológicas; o geossistema os completa por considerar as energias ligadas à gravitação e às migrações de massas aéreas, hídricas, orgânicas e minerais, sob o efeito das energias cinéticas. (PASSOS, 1998). Além destas variações espaciais, de massas de energia e suas combinações, deve-se levar em conta as variações temporais (já que se tem uma sucessão de estados que seguem uma grande gama de escalas). Segundo Sochava (1963): “(...) o geossistema inclui todos os elementos da paisagem como um modelo global, territorial e dinâmico, aplicável a qualquer paisagem concreta”. Sendo assim, tem-se três grandes tipos de geossistemas de acordo com sua ordem de tamanho: a) geossistema global ou terrestre; b) geossistema regional de grande extensão (pequena escala); c) geossistema topológico a nível reduzido (grande escala). Desta maneira, o geossistema é um conceito teórico (modelo aplicável a qualquer paisagem, assim como o ecossistema). Outro ponto que merece destaque na abordagem de Sochava é a diferenciação entre paisagem, meio e natureza. - meio é onde vive o homem e se define em função dele; - natureza é aquilo que nada tem a ver com o homem; - paisagem engloba tudo.(SOCHAVA, 1963) Pode-se afirmar que a escola soviética contribuiu muito para a Ciência da Paisagem, principalmente fornecendo estruturas institucionais, progressão em especializações e à epistemologia dentro de uma “lógica paisagística”8 8 Termo utilizado por Passos, 1998, p. 39. 31 Outras contribuições de grande peso estão associadas aos anglo-saxões. Principalmente com a teoria do holismo de Smuts, na qual todas as entidades físicas e biológicas formam um único sistema interagente unificado e que qualquer sistema completo é maior do que a soma das partes componentes. Tal conceito é essencial para entendermos a integração da paisagem. Merecem destaque, também, Tansley (conceito de ecossistema reelaborado a partir do termo ecologia, proposto por Haeckel, (em 1869), Troll (geo-ecologia), o já mencionado Sochava (teoria do geossistema) e Bertalanfy que elaborou o conceito de Sistema Geral. O método Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation iniciou- se entre 1943 e 1945, baseando-se no uso sistemático da foto interpretação do meio natural, chegando ao levantamento do terreno (com finalidade de tomada de posse). Deste método resultam memoriais para as unidades cartografadas, mapas, blocos diagramas, perfis, que serviam de base par a análise da paisagem. Já para a taxonomia, possuíam três níveis: 1- os sistemas de terras (Land systems): constituem o nível mais elevado. Trata-se de unidades que correspondem, na prática, ao que tradicionalmente se denomina região natural- termo utilizado com freqüência, porém nunca bem definido- Por exemplo, um delta, uma meseta; 2- as unidades de terreno (land units): correspondem ao segundo nível. Trata -se de unidades de relevo compreendidas nas anteriores, das quais tomam parte. Por exemplo, os vales que cortam uma meseta, um morro testemunho ou a ilha de um delta; 3- as facetas de terreno (land facetes): constituem as unidades menores. Essas unidades taxonômicas não tem sido pouco utilizadas. Exemplo, cornija . (PASSOS, 1998). O caráter desta taxonomia é geomorfológico e baseia-se em aspectos descritivos, a explicação não permeia tais estudos. A intenção maior é de classificar e por mais que se autodenomine integrada, ela não o é, nem tampouco global. 32 2.1. Eco-história da paisagem Outro tema bastante elucidado por Passos(2001), pautado em Bertrand (1975) diz respeito ao conceito da história ecológica. No texto “Perspectivas de eco-historia aplicada ao estudo da paisagem” o autor perpassa por pontos de interesse geográfico. Ao longo da evolução dos estudos sobre paisagem, percebe-se que houve uma ruptura entre a História e a Geografia. (...) a maioria dos historiadores se isolou na alternativa brilhante e confortável, mas pouco científica de L. Febvre que, esquematizando o pensamento de P. Vidal de La Blache, colocou em oposição o possibilismo humano ao determinismo natural. Dramatizando as relações do homem e da natureza, esclerosou-se a reflexão e a pesquisa neste domínio. (BERTRAND, 1975). No caso da Geografia, principalmente a Geografia Física, ocorreu uma submersão em pesquisas geomorfológicas que desequilibrou e setorizou os estudos. Assim, para a Geografia Moderna existe a necessidade de uma visão global e explicativa dos fenômenos naturais e suas interações. Para que isto ocorra, deve haver um encontro entre a Ecologia e a História (Ecohistoria) nos estudos históricos das paisagens, garantindo uma visão integrada, mas com ênfase nos elementos e sua ação. Tais estudos não são recentes e datam do início dos anos 70, num panorama mundial de crise relacionada ao meio ambiente. Pautam-se em três supostos básicos, sobre as inter-relações entre a sociedade e a natureza, de acordo com Molina (1993, apud Passos, 2001): - Dinâmica evolutiva dos ecossistemas; - As formas históricas de organização produtiva nem sempre são ecologicamente sustentáveis; - Idéias e percepções que norteiam a relação homem-natureza em todo o processo evolutivo. 33 A História ecológica pode ser considerada como uma abordagem alternativa para se compreender a História, ecologizar a História e não uma especialidade historiográfica. Vale lembrar que a paisagem é historicamente produzida pelos homens (sua organização, seu grau de cultura, tecnologia, fornecerão as especificidades). (MOLINA, 1993, apud, Passos, 2001). O homem passa a ser considerado como um agente natural da paisagem, desta forma, a ciência da paisagem não pode conceber a ruptura entre Geografia Física e Humana, trata-se de um espaço com dimensões naturais, sociais e históricas. Outro ponto interessante, dentro desta discussão, é que o fato do homem ser um agente social (e, mais especificamente, quando encontra-se no coletivo) recebe uma conotação pejorativa pela mídia a partir dos anos 70. Todos os “desastres” ecológicos ocasionados pela atividade humana recebem o termo “ ação antrópica” , numa conotação negativa e generalizada a todas as mudanças ambientais. A questão refere-se a combater os exageros e não a retirar as reflexões criticas (e necessárias) da ciência geográfica, por exemplo. Bertrand (1973), estabeleceu quatro níveis de resolução para a abordagem da problemática ecológica: - O estudo dos meios naturais tal como se apresentam atualmente, isto é, profundamente modificados pelas sociedades humanas; - O estudo das flutuações naturais de certos elementos do meio natural tomado isoladamente; - O estudo das flutuações dos meios naturais decorrentes das intervenções humanas (roça, equipamentos hidráulicos, erosão dos solos, reflorestamentos etc); - O estudo das relações dialéticas entre a evolução das sociedades rurais e a evolução dos meios aparece dentro de toda a sua complexidade. Pascoal Acot, em seu livro “História da Ecologia” (1990), preenche, um pouco mais a lacuna referente ao estudo das flutuações dos meios naturais no que concerne à atividade humana, revelando também, a importância de estudos sobre a história das ciências (caso específico de sua obra, a Ecologia). 34 O espaço rural, neste sentido, recebe destaque, por ser o meio organizado para produção (agrícola, animal ou vegetal), pelos grupos humanos e será trabalhado mais detalhadamente do item 2.5. Em sua totalidade, o espaço rural é uma criação humana, mas não existe fora das condições naturais, sendo uma realidade ecológica (Bertrand, 1975). 2.2. Ecologia da paisagem Na mesma perspectiva de estudo, torna-se interessante resgatar um pouco mais detalhadamente o que propõe a Ecologia da Paisagem9 pois “(...) ela considera o homem como parte integrante dos ecossistemas que formam a biosfera e tem o mérito de ter uma unificação das ciências da natureza e das ciências da sociedade”. (Burel e Baudry, 2000). A ecologia da paisagem tem grande preocupação com a esfera antrópica e com as alterações realizadas pela mesma: Fruto de uma dinâmica natural, e das atividades humanas, as paisagens que marcam os territórios antropizados exprimem as habilidades, as evoluções técnicas e as necessidades humanas. Reflete as interações entre natureza e sociedade, evoluindo ao mesmo tempo em que a última, sob suas impulsões”. (BUREL E BAUDRY, 2000). Fala-se em relação homem-meio, ressalta-se a importância do conhecimento do histórico do local no entendimento da paisagem. “O conhecimento da história é hoje necessário à inteligência geográfica de uma região... No domínio da vida rural fica, ainda, compactada a herança do passado”. (LE LANNOU, 1952, apud, Burel e Baudry, 2000). Desta forma, para entender as paisagens atuais necessita-se compreender a evolução desde os tempos mais remotos. Quem primeiro introduziu o termo “ecologia da paisagem” foi Troll em 1939, e em 1983, Tansley abordou o termo ecossistema. Troll tinha o intuito de combinar duas disciplinas, Geografia e Ecologia e realizar as estruturas espaciais unindo os objetivos da 9 Ecologie du Paysage dá nome a um grupo de pesquisadores de Rennes-França, que possui estudos destacados em ecologia funcional e estudo de paisagens de bocages. 35 Geografia aos processos ecológicos. Nesta perspectiva, “(...) a paisagem é vista como a tradução espacial do ecossistema”.(Richard, 1975, apud Burel e Baudry, 2000). Houve uma evolução neste quadro ao longo do tempo, principalmente nos anos 80, com a introdução de técnicas cartográficas, que serviam de base para a representação da paisagem. Trata-se de identificar, num dado território (com unidades ecológicas e espaciais), a antologia de um declínio da homogeneidade (que remonta ao conceito de ecótopo, aqui entendido como unidade elementar definida espacialmente). Para Phipps e Berdonlay (1985, apud, Burel e Baudry, 2000) “(...) a noção de sistema está presente em dois níveis: no meio do ecótopo os diversos atributos da paisagem se reúnem nos ecossistemas locais, e, em seguida, os diversos ecótopos se articulam uns em relação aos outros num sistema de integração espacial”. Estes “encaixes sucessivos” remetem a questões metodológicas, principalmente no que concerne ao reagrupamento, a organização espacial entre componentes bióticos e abióticos da paisagem. Neste sentido, a contribuição maior da ecologia da paisagem está em ressaltar a importância da heterogeneidade, ou seja, identificar os elementos que formam o mosaico do território estudado e, também, sua organização espacial. (Burel e Baudry, 2000). Acrescente-se, ainda, a relação temporal já que os fatos e fenômenos, numa análise da paisagem, são espaço-temporal o tempo é um fator chave para compreender os processos ecológicos e os mecanismos evolutivos das paisagens, além de que, a organização atual pode ser o reflexo de condições ambientais passadas, podendo constituir a condição inicial para os estudos (já que muitas vezes, a informação é acumulada ao longo do tempo). Além da heterogeneidade, a ecologia da paisagem, ressurgida nos anos 80, reforça a contínua relação homem-meio: As pessoas se apropriam de seus territórios, suas casas, seus espaços de vida e de trabalho, os modificam conscientemente em função de sua percepção, seu valor econômico, sua utilização. A paisagem é a manifestação espacial das relações entre os homens e seu meio ambiente. (CRUMLEY E MARQUARDT, 1987, apud, Burel e Baudry, 2000). 36 A intenção de utilizar a ecologia da paisagem é de integrar o objeto de estudo (paisagem), seus determinantes (meio e sociedade) e seus efeitos sob os processos ecológicos estudados. Figura 7: Relações paisagísticas Meio Sociedade Paisagem Processos ecológicos Relação existente entre sociedade-meio, processos ecológicos e a informação. Fonte: Burel e Baudry, 2000. Sendo desta forma, para estudá-la, é necessário a utilização de uma equipe multidisciplinar, para conseguir desvendar a heterogeneidade, que é muito marcante. 2.3.Geografia e paisagem: que relação é esta? A paisagem, na Geografia, vem sendo retomada aos poucos. Durante muito tempo, mais especificamente até a Nova Geografia, a paisagem era um conceito enfraquecido, que não merecia destaque nos estudos e que vagava entre objetividade e subjetividade, sem uma doutrina ou metodologia bem concretizadas. No século XX o conceito de paisagem volta a motivar trabalhos, com uma visão “mais científica”, e normalmente, relacionada com a linha tradicional da escola francesa, tendo como principal inspirador Vidal de La Blache. O certo é que uma corrente significativa da Geografia inclui em seu próprio esquema teórico-metodológico o conceito de paisagem, como a expressão total do objeto básico de seu estudo, com a pretensão de 37 valorizar o fundamental e, portanto, de unificar a Geografia e, ainda, de tornaá-la aplicável, de modo a projetá-la como uma ciência prática: a escola alemã de Troll (landschaft); a soviética, preocupada com uma análise sistemática da paisagem para sua melhor ordenação; a anglo- saxônica, que a estrutura a partir das técnicas quantitativas e a francesa, com Bertrand como impulsor, que a classifica em função da taxonomia e da dinâmica.(PASSOS, 1998). A paisagem apresenta-se como um sistema, devendo resgatar que “(...) o geossistema é o sistema modelo da paisagem e o ecossistema corresponde ao sistema modelo da parte biótica do geossistema”.(Donisa, 1979). Para os estudos geográficos da paisagem, ficam claros três elementos básicos de análise: as características do geossistema, o tamanho (escala espacial) e o tempo (escala temporal). Somado a estes elementos deve-se ter a escala social, pois, a ação antrópica pode transformar uma dada realidade de várias formas. “A paisagem é, desde a origem, um produto socializado”. (Bertrand, 1978). Assim, a natureza pode existir simplesmente e independentemente dos anseios humanos, já a paisagem só existe em relação ao homem ao percebê-la e transformá-la ao longo da história. Desta forma, ao levar em conta a escala social, os estudos de paisagem ficam mais próximos da ciência geográfica. De uma maneira superficial podemos distinguir a paisagem em duas correntes distintas: 1) a paisagem dos arquitetos, psicólogos, artistas plásticos e alguns geógrafos, que a admitem como subjetiva, sentida, vivida; 2) a paisagem dos ecólogos e geógrafos, combinando tentativas globais e setoriais, qualitativas e quantitativas, apoiadas sobre cartografia em várias escalas e com vistas à integração. Dentro da paisagem dos ecólogos e geógrafos, existem alguns impasses teóricos: um primeiro seria entender a paisagem como modelo, mas, como já foi dito, o modelo é apenas uma ferramenta; o segundo impasse seria considerar a foto aérea ou as imagens de satélite como paisagem, que na verdade, são documentos que contém informação, mas as mesmas devem ser interpretadas e terem valores atribuídos para saber-se a formação da mesma; o terceiro surge com o engajamento do termo ecologia, em termos de organização do espaço, temos aqui uma confusão entre paisagem e meio (ambas definem aspectos iguais 38 mas não coincidem sempre). “(...) Elas não tem a mesma definição, o meio natural é um complexo, suja organização repousa sobre inter-relações materiais e energéticos; a paisagem, um complexo cuja organização repousa sobre relações do homem com ele.” (Passos, 1998). Outro ponto de impasse foi o momento em que o termo paisagem ofuscava- se pelo de geossistema, principalmente quando, nas pesquisas geográficas, a teoria dos sistemas foi mais aplicada. Apesar dos impasses, o estudo das paisagens tem conseguido avanços, principalmente com o empenho de Georges Bertrand que procura “(...) ultrapassar os estágios da descrição e da classificação para atingir aquele da sistematização dos elementos da paisagem e de seus atributos”.(Bertrand, 1971). O método proposto por Bertrand é, a priori, global, pautado em modelos. A Geografia Física, pelo menos aquela que se pratica habitualmente, repousa sobre uma considerável contradição interna: sintética, por seu obje to, ela não é freqüentemente no seu método. Ela tenta entender os conjuntos naturais a partir de passos setoriais (geomorfologia, climatologia, hidrografia, biogeografia...). A síntese intervem quase sempre a posterior...Aliás, trata-se mais freqüentemente de uma síntese com finalidade geomorfológica que de uma apreensão global da paisagem.(BERTRAND, 1971). Desta maneira, alguns suportes são necessários para a constituição da paisagem. Entre eles, o geossistema. 2.4. O geossistema Dentro da perspectiva da paisagem, o geossistema merece destaque, principalmente porque apresenta um novo suporte para a compreensão da mesma (com estrutura e análise de seu funcionamento), em sua forma dinâmica e integrada. Para facilitar a compreensão da dinâmica dos elementos da paisagem, Bertrand (1969) propõem a separação de áreas de estudo, num sentido taxonômico, de acordo com unidades cujas relações são mais estreitas. Uma primeira tentativa classifica-se por 39 unidades climáticas e geomorfológicas, mas, Bertrand (1971) percebeu que esta taxonomia estava longe de ser adequada para o estudo da paisagem. Avançou-se na compreensão do funcionamento da paisagem com a utilização de conceitos bio-ecológicos como de ecossistema (Leme, 1999). O conceito de ecossistema comportava o entendimento das relações sistêmicas, mas não possuía escala e suporte espacial definido (o que para as pesquisas geográficas era fundamental). O conceito de paisagem, baseado em ecologia, é realizado pela compartimentação deste objeto em ecótopos e avança na importância do homem na transformação/construção da paisagem (Leme, 1999). Porém, (...) a definição dos ecótopos permanece imprecisa e a hierarquização dos fatores não é evocada. Nenhuma tipologia sistemática permite lançar claramente o problema da representação cartográfica. Trata-se em suma, de um método mais ecológico do que geográfico.(BERTRAND, 1971). Segundo Leme (1999), o modelo metodológico de estudo da paisagem que mais aproxima-se da complexa relação entre os elementos paisagísticos é o geossistema, principalmente porque estipula classes taxonômicas que fixam limites de escalas para áreas de estudo. No anseio de delimitar estas unidades de paisagem, Bertrand (1971), utilizou três parâmetros para que as correlações fossem as mais fiéis possíveis com a realidade: a) Estipula que toda a delimitação realizada em uma dada área deveria considerar, em prioridade, quais as delimitações naturais da paisagem; b) A necessidade de que estas unidades elementares não sejam consideradas em partículas, isto porque se o método sistêmico considera o conjunto dos elementos, não seria adequado sobreposição de análises elementares. É uma análise direcionada ao global e não para as partículas; 40 c) Ressalta a importância de considerar a análise ao longo do tempo histórico e, cada escala deve estar adequada aos objetivos do autor. (BERTRAND, 1971). A delimitação da área dever considerar as descontinuidades da paisagem e a análise precisa levar em consideração os elementos em seu conjunto (após entender as partes). A escala, neste caso, auxilia no sistema taxonômico. Desta forma, Bertrand (1971) apresenta seis níveis de classificação, partindo da pequena à grande escala: a) Zona: seria a classificação mais global, que estaria destinada a análises que priorizassem a abrangência e não a profundidade das relações entre os elementos. “Na realidade, a zona se define prioritariamente pelo seu clima e seus biomas10 acessoriamente por certas mega-estruturas (os escudos das áreas tropicais...)”; b) Domínio: caracteriza-se por unidade territoria is de grandeza inferior à classificação zonal, com individualidade fisionômica acentuada. “A definição de domínio deve ficar suficientemente maleável para permitir reagrupamentos diferentes nos quais a hierarquia dos fatores pode não ser a mesma (Domínio Alpino, Domínio Atlântico Europeu...)”; c) Região natural: seria o menor estágio, sendo aplicada tanto “(...) em conjuntos físicos, estruturais ou climáticos como os domínios caracterizados pela sua vegetação”.(BERTRAND, 1971). Alia-se, assim, nesta classificação, a faixa territorial com elementos climáticos, geomorfológicos e florísticos. Outra classificação diz respeito às Unidades Inferiores que são áreas menores do que a Região Natural, em que a relação entre os elementos é estudada com maior detalhamento, sendo elas: 10 Biomas são “massas relativamente homogêneas de vegetais e animais em equilíbrio entre elas e o clima”. (Bertrand, 1971). 41 a) Geossistema: valoriza o funcionamento do conjunto de elementos diversos reunidos em uma área de particularidade geomorfológica. Neste caso, uma bacia hidrográfica reúne características que darão à paisagem uma unidade particular: “A unidade paisagística numa área de Geossistema é incontestável. Ela resulta da combinação local e única de todos esses fatores (sistema de declive, clima, rocha, manto de decomposição, hidrologia das vertentes) e de uma dinâmica comum (mesma geomorfogênese, pedogênese idêntica, mesma degradação antrópica da vegetação...)” (BERTRAND, 1971); b) Geofácies: são unidades homogêneas que compõem o Geossistema em sua evolução. “Pode-se falar de cadeias progressivas e de cadeias regressivas de geofácies, como também de ‘geofácies clímax’que constitui um estágio natural do Geossistema. Na superfície de um Geossistema os geofácies desenham um mosaico mutante cuja estrutura e dinâmica traduzem fielmente os detalhes ecológicos e as pulsações de ordem biológica”.(Bertrand, 1971). Nesta escala de estudo é que se delimita as Unidades Básicas da Paisagem. c) Geótopo: é “(...) a menor unidade geográfica homogênea diretamente discernível no terreno; os elementos inferiores precisam de análise fracionada de laboratório”.(BERTRAND, 1971). Completa a cadeia de análise proposta por Bertrand, prestando-se mais a estudos realizados no campo da Biologia e da Biogeografia do que na Geografia. Entre todas as unidades apresentadas, o geossistema é a mais adequada, principalmente por ser uma classificação intermediária e por ser, as intervenções antrópicas, bem clara, não correndo o risco de generalizar ou de perder a noção de conjunto (como pode ocorrer nas outras unidades). Por sua dinâmica interna, o geossistema não apresenta necessariamente uma grande homogeneidade fisionômica. Na maior parte do tempo, ele é formado de paisagens diferentes que representam os diversos estágios da evolução do geossistema. Estas paisagens bem circunscritas são ligadas umas às outras através de uma série dinâmica 42 que tende, ao menos teoricamente, para o mesmo clímax. Estas unidades fisionômicas se unem então numa mesma família são aos geofácies.(BERTRAND, 1971). O esquema, a seguir, apresenta a definição teórica deste método de análise: Figura 8: Geossistema EXPLORAÇÃO BIOLÓGICA POTENCIAL ECOLÓGICO GEOSSISTEMA AÇÃO ANTRÓPICA Esquema teórico do modelo Geossistema. Fonte: Bertrand, 1971. Tem-se, então, um tripé no qual Bertrand se pauta para explicar o Geossistema: o primeiro ponto é o poten