II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores A LITERATURA DE AUTOAJUDA NO COTIDIANO DOCENTE: QUESTÕES PARA SE PENSAR SOBRE A IDENTIDADE DO PROFESSOR Rebeca Possobom Arnosti, Larissa Cerignoni Benites, Samuel De Souza Neto Eixo 2 - Projetos e práticas de formação continuada - Relato de Pesquisa - Apresentação Oral O trabalho reporta-se ao universo da formação de professores, focando a afetividade e a identidade docente. Nesse contexto, privilegiou-se a literatura de autoajuda e suas influências ao exercício da docência, pois notou-se que essa tem sido recorrente no discurso de professores da educação básica, além de emergir como um fenômeno de vendas. Assim, pontuou-se como objetivos: (a) averiguar entre professores de um município do interior paulista a existência ou não da literatura de autoajuda em seu cotidiano; (b) verificar se e como essa literatura influencia a prática pedagógica e a identidade desses professores. Realizamos uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, com a aplicação de questionários e análise de conteúdo (BARDIN, 1979). 55 professores que lecionam na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I responderam aos questionários. Os dados mostram que 43 professores utilizaram a literatura de autoajuda em sua vida pessoal e/ou profissional. Ficou clara a relação entre a dimensão pessoal e profissional dos professores. No plano pessoal, os livros corroboram com os relacionamentos humanos ou com fatores internos (para amadurecimento espiritual, redução da ansiedade, etc.). No plano profissional, os livros colaboram com as dimensões técnica e humana do trabalho docente (CANDAU, 1991), mas destacou-se a contribuição para as interações humanas estabelecidas no exercício da profissão. Reconhecemos que a literatura de autoajuda gerou contribuições aos professores, podendo influenciar a constituição de sua identidade. Mas questionamos: Por que os professores optam por buscar apoio nessa literatura? Será que eles buscam, nesses livros, uma formação que não tem sido devidamente contemplada nos cursos de formação de professores e nas políticas públicas? 5006 1 A LITERATURA DE AUTOAJUDA NO COTIDIANO DOCENTE: QUESTÕES PARA SE PENSAR SOBRE A IDENTIDADE DO PROFESSOR Rebeca Possobom Arnosti; Samuel de Souza Neto; Larissa Cerignoni Benites. Instituto de Biociências, UNESP, Campus de Rio Claro. CNPq. PIBIC. 1. Introdução Este trabalho reporta-se ao universo da formação de professores, especialmente sobre a esfera da afetividade e da identidade docente. Dentro desse contexto, o recorte privilegiado foi a literatura de autoajuda e suas influências no contexto da docência. A relação formação de professores e literatura de autoajuda, nesse caso, ganhou destaque em decorrência do contato com professores da rede pública de ensino de Rio Claro - SP e região, que realizaram o curso de extensão “A Fraternidade como Prática Pedagógica”, ministrado entre 2004 e 2008, no Instituto de Biociências da UNESP (Rio Claro), vinculado ao Projeto de Extensão Escola de Educadoresi Os cursos de extensão apresentavam sua tônica na análise da prática pedagógica, por meio da reflexão sobre a mesma. O diálogo operativo foi utilizado, objetivando que os relacionamentos e conhecimentos possibilitassem mudanças de natureza interna (à própria pessoa) e externa (ao ambiente de trabalho) em relação ao exercício profissional. . Contudo, durante o curso notamos que diversos professores se interessavam pelos denominados livros de autoajuda e traziam as suas leituras para debater um assunto ou outro. Dessa forma, em 2008, quando realizamos um estudo com os professores por meio de questionários sobre elementos que eles consideravam importante para a sua formação (ARNOSTI; SOUZA NETO, 2010), apareceu, então, a presença da literatura de autoajuda, pois os professores indicavam esse gênero e eram favoráveis ao mesmo como objeto de reflexão pessoal-profissional. Ávidos por olhar para essa questão com maior profundidade, iniciamos uma caminhada, posteriormente, na tentativa de compreender melhor esse fenômeno. Olhando para os rankings de livros mais vendidos, no âmbito de uma reflexão pessoal-profissional, percebemos a presença quase que constante da literatura de autoajuda. Uma reportagem da revista Super Interessante chamou a atenção para o crescimento nas vendas desses livros: 5007 2 Houve um tempo em que as listas de livros mais vendidos de jornais e revistas dividiam-se em 2 categorias. Na primeira, estavam os livros de ficção: romances, novelas, coletâneas de contos. Na segunda, os livros de não-ficção: memórias, biografias, ensaios literários. Mas lá pelos anos 60, a lista de não-ficção passou a exibir títulos bem diferentes. Eram manuais de autoconhecimento, dicas para um casamento mais feliz, fórmulas para que o leitor pudesse ser bem-sucedido. Os editores dos suplementos e seções especializadas se apavoraram. Afinal, aquelas obras, vistas como um gênero menor, começaram a não deixar espaço nem para trabalhos de inegável qualidade literária. Assim, em 1983, o New York Times criou uma lista exclusiva para o que foi chamado de “livros de aconselhamento”. No texto que explicava a mudança, os editores avisaram que “sem essa nova categoria, até mesmo o trabalho mais atrativo de autêntica não- ficção poderia nunca mais aparecer na lista de mais vendidos”. Jornais e revistas do mundo seguiram o exemplo – e pelos mesmos motivos. De 2000 a 2004, o mercado americano desses livros cresceu 50%. No Brasil, a cifra é ainda mais impressionante. Enquanto o mercado editorial cresceu 35% na última década, o filão de auto-ajuda acumulou impressionantes 700% de aumento (PETILLO; SOUSA, 2005, s/p). Embora essa não seja uma revista acadêmica ou mesmo uma fonte documental, nos auxiliou, enquanto ilustração, visuabilizar a amplitude desse fenômeno. Nesse contexto, tomamos conhecimento que, na década de 2000, algumas obras desse gênero eram produzidas com destinação específica aos educadores – pais e professores –, como os livros: Quem ama educa, de Içami Tiba; Pais brilhantes, professores fascinantes, de Augusto Cury; Pedagogia do Amor e Educação: a solução está no afeto, de Grabriel Chalita. Ao consultar o Banco de Teses e Dissertações da CAPES (no período de 1987 a 2012) encontramos estudos que, a partir de 2000, vêm analisando as práticas de autoajuda (174 teses e dissertações). Entre os trabalhos, apenas 11 tratam da temática vinculada à perspectiva dos professores: quatro procuram saber o que os professores gostam de ler, emergindo a literatura de autoajuda como apreciada pelos sujeitos; cinco trabalhos averiguam a apropriação desse gênero de leitura, sendo que desses, três mostram que os professores optam por esse gênero porque auxilia na resolução de problemas de sua prática pedagógica ou em sua formação; e dois evidenciam que os livros de autoajuda geram um impacto sobre a identidade docente, sobre o modo como os professores se vêem e compreendem a profissão. A partir dessa situação, fomos levados a refletir sobre o contexto em que esses livros surgem e se popularizam, além de procurar compreender algumas relações que estabelecem com a docência. 5008 3 2. A literatura de autoajuda e o professor Tratando-se de um universo particular, Mannheim (1967), Rüdiger (1996) e Rugiu (1998) estudam a transformação do homem e do contexto social junto aos modelos econômicos estabelecidos para compreender que no capitalismo a auto-racionalização se intensifica, uma vez que tal sistema promoveu a separação entre o sujeito e suas naturais condições de sobrevivência. Assim, é a partir desse sistema que a prática da autoajuda começa a se constituir, servindo de incentivo para a classe trabalhadora encontrar meios de se tornar mais eficiente e obter sucesso profissional: É sobre esta nova experiência [da sociedade industrializada] que, na segunda metade do século, alavancará também na Itália a pedagogia popular do self-helpismo, ou seja, “Deus ajuda a quem se ajuda”, que estimulava exatamente a elevação econômica dos trabalhadores (principalmente dos artesãos em crise), para subtraí-los das tentações da luta de classe e das ideologias subversivas (RUGIU, 1998, p. 166, grifos do autor). Assim, a literatura de autoajuda emerge aliada às necessidades e ideologias do capitalismo, que fortalecem o mundo privado, o individualismo, o aumento nos índices de produtividade. Apesar de parecer oferecer soluções àqueles que estão marginalizados, que passam por crises familiares, profissionais ou financeiras, os livros de autoajuda tendem a carregar um discurso que vai justamente ao encontro do sistema vigente na atual ordem social: pois não denuncia os problemas estruturais da ordem instaurada política e socialmente, mas foca a personalidade e o interior dos indivíduos, leva-os a refletir sobre seu poder de atuação no contexto que os envolve. Além disso, dentro dos processos sociais marcados pelo desenvolvimento do capitalismo, do neoliberalismo e da globalização, Rüdiger (1996) indica que os sistemas de atuação humana tornam-se cada vez mais complexos, diferenciados e numerosos, sendo que estudos mostram a mesma tendência com relação à atuação dos professores: A profissão docente é por natureza delicada e complexa e, por isso, certamente nunca existiram épocas em que fosse fácil exercê-la. Temos de reconhecer, no entanto, que nos últimos cinquenta anos, graças às transformações de diversa natureza que se verificaram nas sociedades industrializadas e estiveram na origem da globalização e da sociedade da informação, a profissão se foi tornando crescentemente complexa. E talvez nunca o fosse tanto como está a ser nos nossos dias, visto que hoje se pede tudo à escola e aos professores, mesmo aquilo que dificilmente poderão dar (ESTRELA, 2010, p. 06). Partindo desta complexidade que tem aumentado nos sistemas de atuações humanas, ou mesmo em algumas profissões, entende-se que estes: 5009 4 [...] tendem a desintegrar profundamente a personalidade, conforme progride a modernidade. O resultado disso é o engendramento de uma situação bastante precária para a subjetividade, que, constantemente exposta à possibilidade de perder a unidade e desprover-se de centro, vê-se compelida a desenvolver por conta própria e conservar unicamente com seus recursos essa unidade, para não perder sua identidade (RÜDIGER, 1996, p. 14). Sobre os indivíduos pode recair a problemática da perda de identidade, sendo que esse problema parece estar ocorrendo de maneira intensa entre os professores, uma vez que a profissão docente passa por um processo de proletarização (NÓVOA, 1992): A profissionalização é um processo através do qual os trabalhadores melhoram seu estatuto, elevam seus rendimentos financeiros e aumentam seu poder/autonomia. A proletarização, [...] caminha em sentido contrário, já que os trabalhadores passam por uma degradação em seu estatuto, seu rendimento e seu poder/autonomia; sendo que com relação a esta última questão, quatro elementos nos interessam: a separação entre concepção e execução; a estandardização das tarefas; a redução de gastos necessários à aquisição de força de trabalho e a intensificação de exigências sobre a atividade laboral (GINSBURG, 1990, p. 335). Na perspectiva da proletarização de seu trabalho, a identidade dos professores pode ficar comprometida (NÓVOA, 1992), pois muitos deles convivem com uma constante contradição entre o que eu desejo ser e o papel que eu verdadeiramente assumo. Desta maneira, a literatura de autoajuda parece vir ao encontro desses desafios do mundo atual, assumindo o papel de mediar o processo pelo qual as pessoas buscam construir sua personalidade de modo reflexivo; administrar os problemas subjetivos e; desta forma, combater os problemas que recaíram sobre os indivíduos em função da modernidade. Situação semelhante parece ocorrer no contexto da docência, quando problemas políticos são redefinidos como problemas pedagógicos (NÓVOA, 1999) e, nesta lógica, muitos dos problemas considerados pedagógicos recaem sobre os professores – sobre o indivíduo – que são frequentemente culpabilizados pelos insucessos escolares. A literatura de autoajuda tem sido procurada entre os professores por, de alguma forma, tocar as dimensões subjetivas e afetivas de sua identidade, elevando a sua “moral” e lhe oferecendo ânimo. Em uma realidade na qual os docentes estão adoecendo, perdendo de vista a perspectiva de sua função social (ESTEVE, 1992), bem como de sua identidade (NÓVOA, 1992), os textos de autoajuda surgem como “norteadores”, ensinando o sujeito a buscar soluções para seus conflitos ou problemas cotidianos (ASBAHR, 2008). 5010 5 Nessa perspectiva, nosso interesse é conhecer, de fato, quais relações podem existir entre a literatura de autoajuda e os professores. Assim temos por objetivos: (a) averiguar entre professores de um município do interior paulista a existência ou não da literatura de autoajuda em seu cotidiano; (b) verificar se e como essa literatura influencia a prática pedagógica e a identidade desses professores. 3. Opções metodológicas Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, visando à elaboração de um mapeamento inicial da realidade com relação à literatura de autoajuda. O universo da pesquisa foi a rede municipal de educação de um município do interior paulista, englobando Creches, Escolas de Educação Infantil e Escolas de Ensino Fundamental I. Como instrumento utilizou-se um questionário com questões abertas e fechadas, passando por um pré-teste no ano de 2011 e sendo aplicada sua versão final em 2012. Foram distribuídos 72 questionários em dez escolas, que aceitaram participar. 55 professores devolveram o questionário: nove atuavam em Creches (PROFESSORC(1 a 9)), 30 na Educação Infantil (PROFESSOREI(10 a 39)) e 16 lecionavam em escolas de Ensino Fundamental I (PROFESSOREF(40 a 55)). Essa pesquisa contou com a aprovação tanto no comitê de ética da instituição (Protocolo 3330, decisão 063/2011), quanto da Secretaria Municipal de Educação. Para o tratamento dos dados optou-se pela análise de conteúdo (BARDIN, 1979), sendo que os dados foram organizados, codificados e categorizados, emergindo quatro grandes eixos: “Perfil dos Participantes”; “Concepção de Identidade”; “Elementos da Dimensão Afetiva” e “Autoajuda: Significados e atribuições”. Contudo, no presente estudo, nos reportaremos ao último eixo, enfocando prioritariamente a autoajuda. 4. Resultados e discussões: os professores lêem livros de autoajuda? Para ter uma ideia sobre a preferência de obras e leituras, no início do questionário elencamos 22 livros de autoajuda que estavam entre os mais vendidos, sendo que os professores deveriam pontuar quais já haviam lido. Apenas seis respondentes não leram nenhum dos livros, mas 12 afirmaram que não gostam dessas leituras. 43 professores assumiram que gostam da literatura de autoajuda e/ou que essa lhe trouxe contribuições. 5011 6 As obras mais lidas foram: “Quem ama educa”, de Içami Tiba (lido por 67,27% dos respondentes); “Pais Brilhantes, Professores Fascinantes”, de Augusto Cury (lido por 50,9%) e “Pedagogia do Amor”, de Gabriel Chalita (lido por 40%). Como se vê, dois desses livros tratam da temática “amor”, o que pode indicar o interesse dos professores pela dimensão afetiva, pelo modo como se lida com o outro. Ao longo da discussão retomaremos essa questão. Esse primeiro dado permitiu verificar que quase 80% dos sujeitos de pesquisa são adeptos aos livros de autoajuda (43 de 55). Sendo assim, o próximo passo foi conhecer o uso que os professores fazem/faziam dessa leitura. Dessa forma, os quadros abaixo exemplificam o uso e, ainda, apresentam que os professores, em alguns momentos, utilizaram mais de uma estratégia com relação ao livro e ao seu conteúdo, mostrando a incorporação da leitura no seu cotidiano. Porém cabe a ressalva que sete sujeitos não responderam à questão; cinco disseram que os livros não contribuem com aspectos de seu cotidiano; e 14 afirmaram que os livros contribuem, mas não justificaram sua reposta. Por isso, registra-se a resposta de 29 participantes: S o b r e o Q u a Quadro 01, nota-se que a maior parte deles respondeu que incorpora as leituras em sua profissão (16 pessoas), sendo este um indicativo de como a dimensão profissional e pessoal dos professores estão associadas, pois apesar de perguntar-se sobre o cotidiano dos participantes, esses já o atrelaram à sua profissão, demonstrando que uma parte importante do professor é a “pessoa” que o constitui (NÓVOA, 1992; CATANI, 2002): “O ser Categorias Como incorpora as leituras no cotidiano Total de respostas Incorpora na profissão Utiliza os exemplos dos livros nas aulas/reuniões de pais e mestres (02); compartilha com os pares (02); ajuda na educação dos alunos (01); auxilia no preparo de atividades (01); utiliza as teorias e informações (02); busca transpor o conteúdo do livro para a prática pedagógica (08). 16 Incorpora na vida pessoal Não especificou de que forma (05); contribui para a Educação dos filhos (01); auxilia nas relações humanas e pessoais (04); Quando se sente só/sente falta de algo (02); utiliza como divertimento (01). 13 Contribui para desvencilhar-se dos problemas Ajuda na solução de problemas (04); ajuda a evitar erros (02). 06 Incorpora na própria constituição enquanto sujeito Ajuda a respeitar o próximo (01); torna-se mais humilde (01), mais paciente (01), mais amorosa (01). 04 Quadro 01 – Como os professores incorporam a literatura de autoajuda em seu cotidiano. 5012 7 humano é também profissional e estando em harmonia, com boa saúde emocional e psíquica, autoestima elevada, seu trabalho torna-se mais fácil. Estar bem consigo para poder doar-se ao outro” (Professora EI30). Outra contribuição citada foi que as leituras colaboram com a vida pessoal dos professores (13 sujeitos). Em outra questão os sujeitos mostraram como isso ocorre, dizendo que os livros proporcionaram mais segurança; geraram mudança na visão de mundo; levaram a acreditar na cura de uma doença; propiciaram uma força interior; geraram melhoria do estado psicológico/emocional; reduziram a ansiedade: “Os livros de autoajuda sempre me dão ânimo para seguir em frente na vida” (PROFESSORA EI08); “Alguns livros eu li por indicação de amigos, e em busca do meu amadurecimento e fortalecimento espiritual” (PROFESSORA EF40). Essa força interior e mesmo a vontade de se apoiar em algo para continuar a vida é retrato da literatura de autoajuda, que muitas vezes tem como objetivo dar ‘sucesso as relações pessoais’. Alves (2005) afirma que esse segmento da autoajuda volta-se especialmente às mulheres, o que vai ao encontro de nossos dados, pois apenas um homem participou da pesquisa. Desta forma, a autora revela que esses livros voltados ao público feminino vêm sendo escritos desde o século XV, ensinando como lidar com os maridos, como ser competente no meio doméstico e na comunidade. Em contínuo, o Quadro 02 mostra o modo como os professores incorporam as leituras em sua prática pedagógica. Nove sujeitos não responderam a essa questão; nove disseram que não incorporam as leituras e nove não justificaram sua resposta. Assim, analisamos as respostas de 28 sujeitos: Categorias Como as leituras são incorporadas Total de respostas Contribuições à dimensão humana Mais respeito (01); mais carinho (02); auxiliou nas relações interpessoais (03); trouxe mais tolerância (01); ajuda a entender melhor seus alunos (04); ajuda na educação dos valores (03); Contribui para estabelecer limites (02). 16 Contribuições à dimensão técnica Utiliza exemplos em reuniões de pais (01); auxilia no planejamento (08); auxilia na avaliação (02); ideias de como tornar a aprendizagem significativa (01). 12 Contribui para refletir sobre a prática 04 5013 8 A maior parte das respostas relacionou-se a algum problema ou situação que se estabelece entre diferentes seres humanos, seja entre aluno e professor ou mesmo entre os próprios alunos. Os respondentes mostraram que os livros contribuíram com a dimensão humana (CANDAU, 1991), pois essa remete ao fato do processo de ensino-aprendizagem ser efetuado por meio de relações interpessoais, o que faz com que seja criado um clima afetivo, que muitas vezes acaba sendo responsável pelos sucessos ou fracassos de aprendizagem. A escrita das professoras demonstra que os livros de autoajuda ajudaram-lhe a compreender melhor as especificidades da infância e da adolescência, ou mesmo as necessidades de um determinado aluno; a aprender a lidar com problemas de comportamento, com condutas não adequadas; a lidar com esses aspectos de forma mais tranquila, tornando-se mais preparado para se posicionar em meio a tantas interações humanas: “Sim, as leituras ajudam a resolver problemas principalmente com alunos com sérios problemas familiares e de disciplina” (PROFESSORA EF44); “Sim, ajudam no dia a dia quando tenho que intervir nos conflitos das crianças do maternal” (PROFESSORA C1); “Especificamente, não ajudou! Entretanto, quando li ‘O código da inteligência’ eu trabalhava com ensino médio e mudou a minha forma de encarar meus alunos adolescentes” (PROFESSORA EI09); “Sim; desenvolvendo maior sensibilidade na percepção das necessidades dos educandos; aceitando as possibilidades de atuação docente” (PROFESSORA EI21); “Ajudou, por exemplo, fazer o aluno refletir diante de sua má-conduta em vez de dar sermões ou broncas” (PROFESSORA EI31). Essas e outras frases descritas pelos professores chamaram a atenção para um território sutil, que se constrói entre o eu e o outro, pelo qual se passam os afetos, a forma como afeto o outro e como sou afetado por este. Para Tardif e Lessard (2005) é justamente esse território, o das interações humanas, que ocupa o centro da profissão docente, pois sendo a pedagogia uma teoria do ensino e da aprendizagem, esta jamais pode colocar em segundo plano as limitações que são pertinentes à interação humana, Contribuições para o perfil do próprio sujeito Torna-se mais atento (01); aumento de bem estar estar/autoestima (01); crescimento pessoal (01). 03 Incorpora coletivamente Troca o conteúdo dos livros com os pares (02). 02 Quadro 02 – Como ocorre a apropriação da literatura de autoajuda na prática pedagógica. 5014 9 sejam estas normativas, afetivas, simbólicas ou de poder: “As interações com os alunos não representam, portanto, um aspecto secundário ou periférico do trabalho dos professores: elas constituem o núcleo e, por essa razão, determinam, a nosso ver, a própria natureza dos procedimentos e, portanto, da pedagogia” (p. 118). Assim, o ensino configura-se como atividade humana, e o trabalho docente, por sua vez, é um trabalho interativo, pois se baseia, principalmente, na interação entre pessoas. Outro dado interessante foi que 12 professores expressaram que esses livros auxiliam na dimensão técnica do trabalho docente, onde “a atenção está dirigida primordialmente para a organização e operacionalização dos componentes do processo de ensino aprendizagem: objetivos, seleção de conteúdo, estratégias de ensino, avaliação” (CANDAU, 1991, p. 45): “Quando elaboro o planejamento, eu sempre procuro avaliar desenvolvendo um “olhar” que eu incorpore as relações humanas, evidenciadas por essas leituras” (PROFESSORA C53). Esse dado gerou alguns questionamentos, como: Será que os docentes consideram que os livros de autoajuda possuem uma linguagem mais fácil e agradável e por isso se filiam a esse gênero? O acesso a esses livros é maior? Há um modismo em torno dessas obras, o que as faz serem mais consumidas? Outro ponto fundamental é que apenas duas professoras disseram que compartilham o que apreendem nos livros de autoajuda com seus pares, indo ao encontro do que é trazido por Rüdiger (1996), quando o autor salienta que a autoajuda se coloca em prol do indivíduo e não enfatiza a importância de se resolver os problemas coletivamente. Sendo assim, nos perguntamos se existe um fortalecimento da docência com o uso desse gênero. Esse talvez seja um ponto que dê margem para uma discussão sobre a coletividade docente, pois essa tem recaído numa dimensão individual e solitária, enquanto alguns autores chamam a atenção para o fato da tarefa de educar ser coletiva e socialmente encomendada (CONTRERAS, 2002), sendo essencial que educadores, escolas e comunidade possam se reunir, dialogar e promover uma educação baseada nas decisões e formações desenvolvidas em parceria, englobando visões de distintas pessoas; construindo, deste modo, um trabalho mais rico e propício de ter ‘continuidade’ ano após ano. “Num certo sentido, trata-se de inscrever a dimensão coletiva no habitus profissional dos professores” (NÓVOA, 1999, p. 19). 5015 10 De uma maneira ou de outra, os dados respondem aos objetivos, pois mostram a presença da literatura de autoajuda e uma certa influência nas práticas profissionais e pessoais dos professores desse contexto estudado. 5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES O estudo mostrou que muitos respondentes buscaram os livros para elevar sua autoestima, encontrar ânimo, alcançar um fortalecimento espiritual, entre outros aspectos que trazem à tona uma dimensão subjetiva. Há uma busca em lidar consigo mesmo, em solucionar problemas por si só. Mas muitos desses sentidos subjetivos, apesar de vinculados à vida pessoal dos professores, estiveram relacionados a questões profissionais, o que talvez indique que os professores estejam procurando sanar problemas relativos à profissão, ou seja, que envolvem uma coletividade, um contexto social, no plano da individualidade. Olhando para as contribuições geradas pelos livros ao exercício da docência e à prática pedagógica verificou-se que essas podem influenciar no modo como os professores lidam com as interações humanas; no preparo e organização das atividades pedagógicas; na reflexão sobre a própria prática; no modo como o professor lida e entende sua profissão. Mas essas não são práticas e competências profissionais que um professor deve de fato dominar? Esses elementos não devem compor os cursos de formação inicial e fazer frente à formação continuada? Por que os professores preferem buscar apoio na literatura de autoajuda do que em outras fontes? Seriam esses indícios de lacunas existentes no plano da formação de professores e das políticas públicas? Para além dessas ou outras questões, o fato é que esses livros, apesar de não entrarem no rol da literatura acadêmica, podem estar assumindo um papel importante na reflexão dos docentes; no modo como esses veem sua profissão, lidam com seus problemas; na maneira como vão se formando, construindo e reconstruindo sua identidade. Assumindo um espaço importante na autoformação dos docentes. Nessa trajetória, somos levados a pensar se essas lacunas – no desenvolvimento pessoal e na dimensão humana do trabalho do professor – devem continuar a ser solucionadas no plano individual ou se devem começar a assumir um papel maior nas discussões referentes à formação de professores, ao trabalho docente e à própria constituição da identidade. 5016 11 Há diferentes autores que já nos alertaram para a importância do desenvolvimento pessoal do professor (NÓVOA, 1992; SOUSA, 2000; ESTRELA, 2010); enquanto há outros que trazem à tona as interações humanas inerentes ao trabalho docente (CANDAU, 1991; CONTRERAS, 2002; TARDIF E LESSARD, 2005; AMADO, 2009), mas parafraseando Nóvoa (1999), o que temos visto é uma riqueza de discursos e uma pobreza de práticas, de forma que o caráter pessoal e afetivo da profissão docente parece continuar a assumir um plano secundário quando se institui as políticas públicas, as diretrizes curriculares, as ementas dos cursos de graduação, o próprio espaço escolar. Sabe-se, também, que o fortalecimento da profissão docente e da própria educação passa necessariamente pelos professores. E o que estamos vendo são muitos professores com problemas semelhantes buscando apoio em alternativas individuais e isoladas. Buscando, ao que nos parece, uma autoformação. E não nos dizem os autores que deveria ser justamente o contrário? Que esse fortalecimento profissional deveria contar com um trabalho compartilhado entre a equipe docente? É evidente que esse texto representa um estudo exploratório, que merece aprofundamentos e investigações mais amplas. Entretanto, para o momento, são para essas questões que o consumo da literatura de autoajuda tem nos alertado. Fiquemos atentos ao olhar para os espaços que essa literatura tem ocupado na formação de professores. O mercado editorial não pede licença e, de fato, parece estar contribuindo com muitos professores da realidade investigada. Resta saber se é o mercado – e os indivíduos – que devem continuar a buscar respostas para tantas lacunas na formação de professores e na educação. Resta escolher qual papel nós, que pesquisamos a formação docente, devemos assumir nesse complexo e desafiante cenário que nos foi apresentado. REFERÊNCIAS AMADO, J. et al. O lugar da afetividade na Relação Pedagógica. Contributos para a Formação de Professores. Sísifo: Revista de Ciências da Edu¬cação, Lisboa, nº. 08, p. 75 – 86. 2009. Disponível em: < http://sisifo.fpce.ul.pt/pdfs/S8_PTG_Amadoetal(6).pdf >. Acesso em 24 jul.2010. ALVES, V. L. P. Receitas para a conjugalidade: uma análise da literatura de auto-ajuda. 2005. Tese de Doutorado – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. 5017 12 ARNOSTI, R. P.; SOUZA NETO, S. Do direito à ternura à pedagogia do amor: um estudo sobre a identidade do professor em sua dimensão (sócio- )afetiva. 2010. 114 f. 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O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis – RJ: Vozes, 2005. i A autora Rebeca Possobom Arnosti foi bolsista de extensão – PROEX do projeto de extensão Escola de Educadores, em 2009. De 2010 a 2012 a autora foi bolsista de iniciação científica CNPq/PIBIC, realizando estudos que envolveram os professores participantes de tal projeto de extensão. Nesses estudos a literatura de autoajuda foi emergindo, resultando na pesquisa que é aqui apresentada (ARNOSTI, 2012). 5018 Trabalho Completo: Button5: Ficha Catalográfica: Abertura: Boas Vindas: Tema do Congresso: Comissões: Sessões de Apresentação: Programação: Áreas: Títulos: