UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras TATIANE MAIARA CABRAL DA SILVA O ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CANADÁ: UM OLHAR SOBRE O PORTUGUÊS NA UNIVERSIDADE DE TORONTO ARARAQUARA – SP 2022 TATIANE MAIARA CABRAL DA SILVA O ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CANADÁ: UM OLHAR SOBRE O PORTUGUÊS NA UNIVERSIDADE DE TORONTO Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Letras, da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Letras, sob financiamento da bolsa PIBIC – Reitoria. Orientadora: Profª Drª Nildicéia Aparecida Rocha ARARAQUARA – SP 2022 S586e Silva, Tatiane Maiara Cabral da O ensino de português como língua estrangeira no Canadá : um olhar sobre o português na Universidade de Toronto / Tatiane Maiara Cabral da Silva. -- Araraquara, 2022 57 f. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Letras) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientadora: Nildicéia Aparecida Rocha 1. Estudo de língua estrangeira. 2. Linguagem e educação. 3. Linguagem e línguas Estudo e ensino. 4. Interlíngua (Aprendizagem de Línguas). I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. TATIANE MAIARA CABRAL DA SILVA O ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CANADÁ: UM OLHAR SOBRE O PORTUGUÊS NA UNIVERSIDADE DE TORONTO Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Letras, da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Letras, sob financiamento da bolsa PIBIC – Reitoria. Orientadora: Profª Drª Nildicéia Aparecida Rocha Data da aprovação: MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Orientadora: Profª. Drª Nildicéia Aparecida Rocha (UNESP – FCLAr) Membro titular: Profª. Drª. Ana Cristina Biondo Salomão (UNESP – FCLAr) Membro titular: Profª Drª. Rosangela Sanches da Silveira Gileno (UNESP – FCLAr) Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara ARARAQUARA – SP 2022 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a todas as professoras e professores que fizeram parte da minha formação. Também dedico aos amantes de línguas (em especial a nossa língua portuguesa), culturas e diversidade. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, pela base, apoio e incentivo da minha família e pelas minhas amigas que estiveram ao meu lado durante esses anos. Em segundo lugar, agradeço a todas as professoras e professores que contribuíram para a minha formação e que foram uma parte essencial para que eu chegasse até aqui. Agradeço pelo maravilhoso e necessário trabalho do Cursinho Popular Contexto e, em especial, a professora Olívia Dias, o professor Guillermo Valdes e o professor Marcelo Yoshida por serem exemplo de profissionais e seres humanos. Agradeço também a professora e minha orientadora, Nildi, por todo o suporte, carinho e atenção nesta jornada. Por fim, agradeço ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC – Reitoria), pela concessão da bolsa que financiou este estudo. RESUMO A presente pesquisa tem como tema “O ensino de português como língua estrangeira no Canadá”. O principal objetivo é compreender como se dá o processo de ensino-aprendizagem de Português entre os canadenses e o quanto a cultura brasileira influencia nesse processo. A partir disso, foram estabelecidos dois objetivos específicos: I) observar em que medida os eventos sociais sobre aspectos da cultura brasileira (seja música, culinária, literatura, artes plásticas, etc) realizados no Canadá, contribuem para o interesse e motivação dos nativos em aprender a língua portuguesa; e II) identificar quais os principais interesses, motivações e finalidades dos canadenses em aprender português. Esta pesquisa é de caráter qualitativo e interpretativista. O corpus é constituído por um questionário aplicado e, posteriormente, analisado semanticamente, verificando as regularidades discursivas por meio de categorias sobre a aprendizagem de português em contexto canadense. A análise nos mostra que os tipos de motivação recorrentes no aprendizado de português por esses estudantes são: motivação intrínseca por curiosidade, motivação extrínseca integrada e motivação extrínseca; sendo a curiosidade e valorização de aspectos culturais relacionados à língua portuguesa e aos países lusófonos um fator predominante na motivação e interesse desses estudantes. Também foi constatado que a motivação intrínseca pela curiosidade em conhecer a cultura é ainda mais predominante do que a motivação por razões de benefícios financeiros que a língua portuguesa pode proporcionar. Contudo, os eventos sociais sobre aspectos da cultura brasileira não são um fator contribuinte para a motivação e interesse desses estudantes. Este estudo pretende contribuir para a difusão e manutenção da língua portuguesa em contextos multilíngues e multiculturais como o do Canadá, além de acrescentar às reduzidas produções e estudos realizados sobre o tema. Palavras-chave: Ensino e aprendizagem; Português língua estrangeira; Motivação e interesse; Canadá. ABSTRACT This study is about “Teaching Portuguese as a Foreign Language in Canada”. The overall goal is to comprehend how the teaching-learning process of Portuguese takes place among Canadians and how much Brazilian culture can influence this process. Therefore, two specific goals were established: I) to observe the extent to which social events in terms of Brazilian culture (e.g., music, cooking, literature, painting, etc.) held in Canada contribute to the interest and motivation of the natives in learning the Portuguese language; and II) to identify the main interests, motivations and purposes of Canadians in learning Portuguese. This study employs qualitative and interpretive methods. The corpus consists of a questionnaire applied and, then, semantically analyzed, to verify the discursive regularities using categories about the Portuguese learning in Canada. The analysis reveals that the types of motivation recurring in the Portuguese learning process by these students are: intrinsic motivation by curiosity, integrated extrinsic motivation and extrinsic motivation. The curiosity and appreciation of cultural aspects related to the Portuguese language and Portuguese-speaking countries are a predominant reason in the motivation and interest of these students. Furthermore, it was also verified that intrinsic motivation by curiosity about culture is more prevalent than the motivation based on financial benefits that Portuguese language may bring. However, social events in terms of Brazilian culture are not a relevant reason for these student’s motivation and interest. This study aims to contribute to the dissemination and maintenance of the Portuguese language in multilingual and multicultural contexts such as in Canada, and narrow the knowledge gap of research on this theme. Key-words: Teaching and learning; Portuguese as a foreign language; motivation and interest; Canada. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO............................................................................................................9 2. PLE NO MUNDO.......................................................................................................13 3. O CONTEXTO MULTILÍNGUE E MULTICULTURAL DO CANADÁ...........16 4. ENSINO DE LE NO CANADÁ E O PLE...............................................................17 5. MOTIVAÇÃO E INTERESSE EM LE E EM PLE...............................................21 6. METODOLOGIA......................................................................................................25 6.1 A natureza da pesquisa e constituição do corpus..............................................25 6.2 Sobre os participantes da pesquisa.....................................................................27 7. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS.....................................................28 7.1 Categorização e análise dos dados......................................................................29 7.2 Categoria I – Valorização da aprendizagem de línguas e culturas de outros povos............................................................................................................................29 7.3 Categoria II – Valorização da cultura brasileira...............................................32 7.4Categoria III – Motivação e interesse no aprendizado de português.....................................................................................................................38 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................45 REFERÊNCIAS.....................................................................................................................47 APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS DE PORTUGUÊS DA UNIVERSIDADE DE TORONTO......................................................................................50 9 1 INTRODUÇÃO A linguagem faz parte da expressão humana e tem a língua como sua parte essencial, conforme ressalta Saussure em Curso de Linguística Geral (2012, p. 41). Tendo em vista que os falantes de uma língua, enquanto seres humanos, estão inseridos em contextos culturais, políticos e sócio-históricos diversos, faz-se necessário considerar também todos esses fatores ao pensar nas línguas, que se manifestam enquanto uma das principais formas de expressão e comunicação entre os indivíduos dentro desses contextos. Moita Lopes (2013 apud Yngve, 1996, p.28) sintetiza esse pensamento ao destacar que “[...] precisamos pensar as línguas com base na comunicação que ocorre entre as pessoas, enraizada nas práticas, e não como ‘uma coisa que tem uma vida própria fora e acima dos seres humanos’”. Contudo, tradicionalmente os estudos linguísticos têm pensado o seu objeto de estudo, a língua, de forma isolada e limitada apenas ao seu sistema, uma visão estruturalista que desconsidera os demais fatores sociais, históricos e culturais que contextualizam os falantes e influenciam nas práticas e uso das línguas. Tal visão se fez presente fortemente nos estudos linguísticos modernistas realizados na maior parte do século XX que, além de se pautarem no estruturalismo, também defendiam o ideal de uma língua pura e hegemônica, associando uma língua a um estado-nação. Nessa perspectiva, o que se entende por língua fica restrito somente ao sistema linguístico e limitado a noção de que uma língua representa um determinado estado-nação, o que subjaz a ideia de língua nativa e falantes nativos, por isso, ela seria pura e hegemônica, visto que estaria isolada das demais questões e complexidades sociais e práticas que permeiam o uso das línguas. No entanto, essa compreensão acerca da língua, defendida pelos estudos linguísticos modernistas no século XX, já não é mais suficiente diante do atual cenário de um mundo globalizado que vivemos no século XXI. Cenário este caracterizado pelo uso das tecnologias, a expansão do mundo digital, as relações políticas e econômicas entre os mais diversos países, além da crescente intensificação do fluxo migratório internacional. Todos esses fatores contribuem para que haja uma maior aproximação e contato entre os quatro cantos do mundo e o conhecimento de suas respectivas línguas e culturas. Desse modo, como seria possível, no século XXI, restringir uma língua como sendo nativa de um determinado Estado-nação tendo em vista a crescente dinamicidade e mobilidade 10 que caracterizam este atual cenário de um mundo globalizado, em que as fronteiras e limites entre os países têm se tornado cada vez mais fluídas? A resposta direta para essa pergunta seria: não é possível. Não há como delimitar uma língua como sendo nativa de um determinado Estado-nação diante deste contexto que favorece o contato e comunicação entre as mais diversas línguas para além das fronteiras de seus territórios. Por esse motivo, torna-se insuficiente pensar a língua a partir de uma perspectiva estruturalista, que a compreende como um sistema autônomo e isolado das identidades de seus falantes e dos diversos contextos de comunicação, pois essa perspectiva não dá conta da fluidez do uso das línguas atualmente. A respeito disso, Moita Lopes (2013, p.36), tomando como referência Keating (2009) e Deleuze e Guattari (1987), traz uma “[...] visão de língua como rizoma que se espalha como uma poça de óleo e não como um sistema autônomo de estruturas internas da língua, que apaga os atores sociais e os usos que eles dão às línguas.” Pensar a língua como rizoma é pensar nesse “transbordamento de fronteiras” (ZOPPI FONTANA, p.21) e espaços, físicos e virtuais, que as línguas ocupam dentro desse mundo globalizado, conforme ressalta Zoppi Fontana (2009, p. 21) ao explicar que “[...] um espaço de enunciação transnacional se define, justamente, por este transbordamento das fronteiras territoriais dos Estados-Nações pelas línguas nacionais que o constituem na sua materialidade histórica.” Esse é o cenário que vivenciamos atualmente e que propicia um intenso contato e mescla de diferentes línguas, culturas e de seus falantes, resultando, consequentemente, no que Vertovec (2007) define como superdiversidade. Retomando esse conceito, Moita Lopes (2013, p. 103) ressalta que Tal superdiversidade é causada tanto pelas migrações como também pelos avanços recentes das tecnologias digitais, o que tende a ser ampliado, em consequência das relações globais e locais. Na esteira da globalização, esses processos têm efeitos linguístico-discursivos locais em nossas vidas sociais, que precisamos avaliar. E para que seja possível avaliar esses efeitos linguístico-discursivos decorrentes da superdiversidade, é preciso considerar não somente as ideologias linguísticas defendidas por estudiosos da linguagem, mas também pelos próprios falantes e usuários das línguas, a partir de suas diferentes culturas, identidades, espaços que ocupam socialmente e dos diversos usos que fazem das línguas, tanto em ambientes físicos quanto virtuais. 11 Portanto, os construtos de língua nativa e falante nativo, defendidos pelos estudos linguísticos durante a maior parte do século XX e que subjazem a ideologia de uma língua pura e hegemônica, associada a um determinado estado-nação, já não se aplicam nessa realidade repleta de mestiçagens, diversidades e pluralidades em que as línguas pertencem a todos que as usam, não sendo possível restringi-las e delimitá-las a um determinado território ou grupo de falantes. Sumarizando essa ideia, Moita Lopes (2013, p. 31 apud Blommaert e Rampton, 2011) destaca que [...] essas novas ideologias têm que dar conta de ‘mobilidade, mistura, dinâmica política e mudanças históricas’ (Blommaert e Rampton, 2011) e são influenciadas pelos cruzamentos de conhecimentos da antropologia linguística e de teóricos culturais, assim como pelas ‘alterações nas paisagens linguísticas em muitas partes do mundo’ (2011). Diante disso, “[...] a linguagem ocupa um espaço privilegiado” (MOITA LOPES, 2013, p.19), visto que o estabelecimento de relações, acordos e blocos econômicos entre os países contribui para a promoção e o interesse internacional pelos seus respectivos idiomas. Soma-se a isso a produção e expansão das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), que visam alcançar um maior número de pessoas ao redor do mundo, dependendo das línguas para a concretização desse alcance. Por esse motivo, o multilinguismo destaca-se como sendo uma das principais consequências dessa intensa mescla linguística e cultural, o que Vertovec (2009) conceitua como superdiversidade, e um fator de suma importância no mundo digital e no atual cenário da globalização. A Língua Portuguesa tem se destacado dentro desse cenário, visto que a sua presença em importantes blocos econômicos regionais, como a União Europeia (U.E) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), além de organizações diplomáticas como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), a União Africana (U.A), Organização dos Estados Americanos (OEA), entre tantas outras, possibilita o contato com um significativo número de países e línguas ao redor mundo, o que contribui para que a Língua Portuguesa amplie seu espaço de enunciação, configurando-se como “[...] português transnacional, fruto de um mundo multilinguístico que reconfigura o português” (MOITA LOPES, 2013, p.36). Desse modo, a transnacionalização do Português em um mundo globalizado, tecnológico e digital é intensificada pelo aumento do fluxo migratório internacional, que permite um maior contato com diversos países e o conhecimento de suas respectivas línguas e culturas contribuindo para a promoção e o aprendizado de línguas estrangeiras. 12 Por promover políticas de imigração receptivas, o Canadá tem atraído um número crescente de imigrantes dos mais variados locais, enriquecendo o caráter multicultural do país, que conta com um número significativo de imigrantes lusófonos. Dentre esses imigrantes, os brasileiros têm-se destacado nos últimos anos visto que, conforme apontam dados divulgados em 2017 pelo Census Program, entre os anos de 2011 e 2016 o Canadá recebeu 8.495 imigrantes brasileiros residentes no país; e esses números tendem a aumentar nos próximos anos. Diante disso, presume-se que a comunidade brasileira no Canadá venha se expandindo e tendo certa influência nas regiões onde mais se concentram. Embora a imigração de brasileiros para o país tenha se intensificado nos últimos anos, a Língua Portuguesa está presente em terras canadenses desde as décadas de 1960 e 1970, quando houve um maior fluxo migratório de portugueses para o país. Foi entre essas décadas que começou a se formar no Canadá uma comunidade de falantes de Língua Portuguesa que, assim como imigrantes de outras nacionalidades, tinham o interesse em preservar a sua língua materna, inclusive nas gerações vindouras. Conforme apontam dados divulgados em 2017 pelo Statistics Canada, em um ranking das 22 línguas maternas faladas por mais de 100.000 imigrantes, o português encontra-se na décima posição com 237.000 falantes no ano de 2016. Tal dado revela que a língua portuguesa tem permanecido entre a comunidade lusófona e seus descendentes no Canadá, devido a contribuição do governo canadense que, em 1977 implementou o Cultural Enrichment Program (Programa de Enriquecimento Cultural), que incentiva o ensino de diferentes línguas, além das oficiais, para a preservação da herança cultural dos diversos povos imigrantes que vivem no país. O ensino da língua portuguesa no Canadá é promovido pelo programa mencionado e se estende desde cursos extracurriculares de português em escolas da rede pública laica e da rede pública católica, tanto no ensino elementar (6 aos 11 anos) quanto no ensino secundário (12 aos 17 anos), até o nível superior, em que os cursos de português são oferecidos nas províncias que possuem o maior número de residentes falantes dessa língua. Vale ressaltar que, a nível superior, tem aumentado a procura dos alunos pelo curso de português, sem ao menos terem contato direto com falantes da língua ou com países falantes de língua portuguesa; revelando a expansão do ensino de português como língua estrangeira no Canadá. Desse modo, devido ao crescente número de estrangeiros interessados pela língua, e o significativo número de falantes de português no país, cabe investigar qual a influência da Língua Portuguesa no contexto multicultural canadense, como se dá e quais as motivações para 13 o seu ensino-aprendizagem, assim como faz-se mister observar de que modo a cultura brasileira (seja por eventos culturais, culinária, literatura, música, artes plásticas, etc.) contribui para que os nativos tenham interesse no aprendizado da Língua Portuguesa no Canadá. Apesar de todos os pontos até então mencionados, um fator motivacional e justificativo para a proposta da presente pesquisa é a escassez de estudos sobre o ensino de Português como Língua Estrangeira (PLE) no referido contexto. Das produções encontradas referente a esse assunto até o momento, a tese de doutorado de Ana Paula Ribeiro, intitulada “O Ensino- Aprendizagem do Português no Canadá: um contributo para sua promoção”, é considerada uma importante referência. Em sua tese, a autora apresenta detalhadamente informações que vão desde a promoção da língua portuguesa no mundo e como Portugal tem contribuído e investido nessa promoção, inclui a análise dos dados e os resultados do estudo, que tem como um dos principais objetivos: [...] a planificação de futuras formações de professores que vão ao encontro das reais necessidades destes docentes que, [...] têm sido os principais responsáveis pela preservação da língua portuguesa no Canadá, em especial nas novas gerações de lusodescendentes.” (RIBEIRO, 2018, p.202) Apesar do estudo de Ribeiro propor contribuições para a formação de docentes da área de PLE que atuam no Canadá, seus apontamentos sobre a comunidade lusófona e o contexto em que a língua portuguesa se encontra no país são de total relevância e pertinência para a realização deste estudo. Diante do exposto até então, a presente pesquisa pretende contribuir para a difusão e manutenção da língua portuguesa em contextos multilíngues e multiculturais como o do Canadá, além de acrescentar às reduzidas produções e estudos realizados sobre o tema. 2 PLE NO MUNDO Para compreender como se dá o ensino de Português como Língua Estrangeira (PLE) no mundo é preciso, primeiramente, retomar o percurso histórico que levou a consolidação dessa área de estudos no Brasil e, em seguida, apontar quais têm sido os esforços, motivações e desafios para a expansão da língua portuguesa em territórios transnacionais e como se configura o ensino de PLE no exterior. Antes de iniciar esse percurso, é importante situar os estudos sobre PLE dentro da grande área de Linguagens. Almeida Filho (2012, p. 724), um dos precursores dessa área no Brasil, define a atuação e as pesquisas em PLE como sendo uma área de especialidade, visto 14 que a Grande Área de Linguagens abrange três ciências, sendo uma delas a Linguística Aplicada. Uma das subáreas da Linguística Aplicada é o Ensino-Aprendizagem de Línguas, que envolve o Ensino-Aprendizagem de Segunda Língua e de Língua Estrangeira, onde se situa a especialidade de PLE. Sendo assim, passemos agora ao percurso histórico que levou a consolidação dessa área de especialidade no Brasil. Embora o reconhecimento dessa área como atuação profissional acadêmico-científica seja recente, datado há pouco mais de 20 anos, historicamente o ensino de Português para falantes de outras línguas no Brasil se deu desde a época da colonização portuguesa, quando os colonizadores ensinavam sua língua e cultura aos indígenas que aqui viviam. Desse modo, para os nativos que habitavam esse território, os colonizadores portugueses eram estrangeiros e, portanto, a língua portuguesa também era estrangeira. Esse é o início da prática do Ensino de Português no Brasil. Ainda durante o período colonial, a língua portuguesa passou a ser ensinada por “professores improvisados” (ALMEIDA FILHO, 2012, p.725) nos Colégios jesuítas. Esses professores não tinham conhecimento e nem formação específica sobre ensino de línguas, pois eram padres, alguns membros da igreja e jovens infratores que cumpriam esse serviço como forma de pagarem suas penas. Após a expulsão dos jesuítas, em 1758 Marquês de Pombal institui o uso da Língua Portuguesa no Brasil e, no século XIX, durante o período imperial, com a chegada da Família Real Portuguesa, duas outras línguas estrangeiras passam a ser ensinadas nas escolas, a língua inglesa e a língua francesa. A institucionalização do ensino dessas duas línguas estrangeiras modernas impulsionou os estudos sobre o ensino de línguas no Brasil, tanto que em 1978 “inicia-se o movimento comunicacional de ensino de línguas no Brasil com a realização do primeiro seminário sobre a nova abordagem de ensino de línguas sob critérios não gramaticais.” (ALMEIDA FILHO, 2012, p. 725). O crescimento desse ramo de estudo e o desenvolvimento da abordagem comunicativa no ensino de línguas possibilitou uma ampliação do que havia sendo estudado nas áreas de linguística e linguística aplicada. Ampliação essa que se fortificou na década de 1980, culminando na emergência de uma nova área de especialidade: Português como língua estrangeira. Embora seja uma área recentemente consolidada, os estudos em PLE têm sido o interesse de diversos trabalhos e pesquisas acadêmicas, que investigam tanto o ensino e a 15 atuação em PLE, quanto as motivações para a expansão da língua portuguesa em territórios transnacionais. A respeito dessa expansão, Amado (2008, p. 67) destaca que há três condições extralinguísticas para a expansão de uma língua: 1) destaque no discurso científico que produz; 2) o reconhecimento da sua criação artística e expressão cultural e 3) uma relevante atuação política e econômica. A Língua Portuguesa está no caminho para atingir tais condições, visto que há uma vasta produção científica a ser reconhecida no exterior e a cultura de muitos países lusófonos tem sido aclamada por diversos outros países. Soma-se a isso a presença de países falantes de português em importantes organizações e blocos econômicos mundiais e regionais, o que impulsiona o reconhecimento e valorização capital da língua portuguesa devido ao potencial econômico dos países que a representam, conforme ressalta Rocha (2019, p. 110): [...] há uma capitalização da língua portuguesa vista e entendida como ‘valor de troca’, a qual pode ser notada ainda como bem de consumo atual e investimentos em termos econômicos, construindo um efeito de sentido de língua portuguesa do Brasil como língua do futuro [...] Todos esses fatores contribuem para uma maior demanda e interesse no ensino de português para estrangeiros. No entanto, para que tal interesse seja motivado, é necessário que os países lusófonos invistam na promoção da língua portuguesa no exterior e, quanto à isso, em Portugal essa divulgação da língua e cultura portuguesa fica à cargo do Instituto Camões; enquanto no Brasil isso fica a cargo do Ministério das Relações Exteriores, por meio de Centros de Estudos Brasileiros, Institutos Culturais e Leitorados em universidades de diversos países como Alemanha, Hungria, Dinamarca, Suécia, Cuba, Nigéria, Inglaterra, Estados Unidos, Rússia, Canadá, Índia, Panamá, França, China, República Tcheca, Polônia, entre outros. Pelo fato de Brasil e Portugal serem os países de maior destaque e reconhecimento dentro da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), os maiores esforços e investimentos na promoção da língua portuguesa no mundo partem desses dois países. Além disso, vale ressaltar a distinção que há na demanda atendida no ensino de português para estrangeiros dentro do Brasil e a demanda atendida no exterior. No Brasil, a maior demanda são de estrangeiros de estadia temporária no país (normalmente intercambistas e funcionários executivos). Já no exterior, a procura fica por conta da escolha e interesse dos alunos, como no caso da França, que desde 1973 implantou o ensino opcional de português no nível médio. Todavia, em relação aos países do Mercosul, há um incentivo da implantação do português em escolas de nível fundamental e médio. 16 Embora haja essa diferença entre a demanda no contexto de imersão da língua e no exterior, é inegável o crescente interesse no aprendizado de português por estrangeiros. Diante desse crescente interesse, intensifica-se também a necessidade de formação de bons professores, qualificados para atuar nessa área. Esse é um dos maiores desafios enfrentados ainda nos dias de hoje, principalmente fora do país, onde há muitos professores sem a devida formação em Letras exercendo tal atividade e que, embora no Brasil sejam oferecidos programas de pós-graduação para especialização, não há muitos cursos de licenciatura em PLE. Por esse motivo, Almeida Filho (2012, p. 728) ressalta a importância da inserção de disciplinas de PLE em cursos de Letras, com vista a ampliar o campo de atuação do profissional formado nesse curso e também contribuir para a formação adequada de professores que desejam atuar no ensino-aprendizagem de Português Língua Estrangeira dentro e fora do Brasil. 3 O CONTEXTO MULTILÍNGUE E MULTICULTURAL DO CANADÁ O Canadá é um país que constantemente recebe imigrantes das mais variadas etnias e busca oferecer uma vivência harmônica, respeitosa e inclusiva entre elas, ressaltando a importância desses valores para a construção de uma cidadania multicultural. No entanto, historicamente, os primeiros Atos de Imigração implementados pelo país eram muito restritivos e discriminatórios, proibindo a entrada de pessoas pobres, de determinadas etnias e com deficiências físicas e doenças mentais. Embora esses primeiros Atos tenham sido reformulados diversas vezes, a restrição e discriminação ainda se faziam presentes na aceitação de imigrantes pelo país. O período da Segunda Guerra Mundial foi um marco significativo na história canadense, visto que a contribuição do país na produção de armas e equipamentos gerou um grande retorno e reconhecimento na área industrial, possibilitando negociações internacionais. Após esse período, houve mudanças na política migracional do país, que passou a se abrir para um perfil imigracionista internacional, focado nos setores de manufatura, construção e expansão de cidades, mas ainda mantendo certas restrições. Percebe-se que inicialmente, as políticas migracionais do Canadá eram bastante resistentes à aceitação da diversidade cultural e de pessoas de diferentes nacionalidades, pois o Canadá queria manter uma identidade única do país. Contudo, mesmo após o intenso cenário discriminatório da Segunda Guerra, o país abria-se lentamente para a diversidade, iniciando 17 pela a aceitação dos diferentes povos europeus no processo de imigração e, em 1947, permitindo a entrada de refugiados. Conforme explica Silva (2013, p.31), o período de maior abertura e flexibilização das políticas migracionais se deu na segunda metade do século XX, quando “[...] o governo finalmente criou políticas relativamente mais abertas que as anteriores no tocante à aceitação da diversidade por meio de imigrantes de origens que nunca haviam sido aceitas.”. Com tal abertura, em um primeiro momento, o governo visava desenvolver econômica e demograficamente o país, mas consequentemente caminhava para a construção de uma identidade multicultural. Em outubro de 1971 o multiculturalismo tornou-se política oficial no Canadá, contudo, somente em 21 de julho de 1988 foi oficializado o Ato do Multiculturalismo (Canadian Multiculturalism Act), documento que declara que o governo deve “reconhecer e promover o entendimento do multiculturalismo como característica fundamental da herança e identidade canadense.” (BERRY, 2020). Com a implementação desse Ato, o Canadá foi o primeiro país do mundo a assumir uma identidade legalmente multicultural. 4 ENSINO DE LE NO CANADÁ E O PLE Conforme pode-se notar a partir do breve panorama histórico explicado anteriormente, a imigração foi um fator contribuinte fundamental para o desenvolvimento do multiculturalismo no Canadá, que atualmente segue implantando políticas que promovem a valorização e manutenção da diversidade, e a construção de uma cidadania igualitária para todos os indivíduos. Quando se trata da valorização e manutenção da diversidade, considera- se não somente a diversidade cultural, mas também linguística dos vários povos residentes no país. Segundo informações do artigo Languages in Use in Canada, disponível no site The Canadian Encyclopedia, pode-se dividir as línguas presentes no Canadá em três grupos principais: línguas oficiais ou “constitucionais” (official or “charter” languages); línguas ancestrais de povos indígenas (ancestral languages of indigenous people); e línguas imigrantes (immigrant languages). O primeiro grupo diz respeito às línguas reconhecidas no Ato Federal das Línguas Oficiais (Official Languages Act) instaurado em 1969, que designa oficialmente o bilinguismo no Canadá, sendo o Inglês e o Francês as duas línguas oficiais do país. Vale ressaltar que, a nível provincial, o Francês é legalmente a língua oficial em Quebec e Nova Brunswick, embora 18 em Nova Brunswick ocorra de fato um contexto bilíngue, visto que há predominância de ambas as línguas e não somente do Francês, como em Quebec. Desse modo, nota-se que apesar do Canadá ser um país oficialmente bilíngue, essa condição não se dá em todas as regiões, mas sim de modo territorializado, sendo a minoria região francófona, e as demais regiões falantes de língua inglesa (região anglo-canadense); o que revela a diferença de status entre essas duas línguas dentro do próprio território canadense, inclusive no que diz respeito ao ensino de ambas. Como línguas oficiais, ambas são ensinadas nas escolas desde os anos iniciais, porém, devido a predominância do inglês, o francês é ensinado como segunda língua fora da área francófona de Quebec. No entanto, o ensino do francês nas regiões anglófonas não promove aos alunos uma competência comunicativa eficiente na língua, visto que o ensino dessa língua mantém-se no nível básico do idioma, ao contrário do ensino da língua inglesa. Mesmo em Quebec, o inglês, ainda que de forma não predominante, se faz presente em alguns cenários como por exemplo na região metropolitana de Montreal que, mesmo estando localizada em uma área francófona, o inglês ainda tem mais prestígio que o francês entre os trabalhadores de escritórios (por exemplo: economistas), já o francês é mais prestigiado entre os trabalhadores braçais. O fato do inglês ser uma língua de contato internacional e representar um grande poder econômico contribui para o seu prestígio nesses ambientes, e também para a maior procura de seu aprendizado por parte dos imigrantes. Com relação ao segundo grupo de línguas presentes no Canadá, as línguas ancestrais de povos indígenas (ancestral languages of indigenous people), essas não são legalmente protegidas a nível federal, e os povos falantes dessas línguas são, em sua maioria, instruídos em inglês ou francês como segunda língua. Enquanto ao terceiro grupo, que diz respeito às línguas imigrantes (immigrant languages), essas são línguas que chegaram ao Canadá com a vinda de imigrantes após a colonização inglesa e francesa. Portanto, são línguas, que não as oficiais canadenses, faladas por imigrantes de uma mesma nacionalidade em determinadas regiões ou dentro de casa. De acordo com dados divulgados pelo Statistics Canada, o censo de 2016 apurou mais de 140 línguas imigrantes no Canadá, sendo que 21% da população canadense fala uma língua imigrante dentro de casa. Diante de tal diversidade, o governo canadense enfrenta o desafio de promover a manutenção dessas línguas imigrantes como parte da identidade desses povos e como herança cultural do país, assim como oferecer instrução nas línguas oficiais do Canadá para que esses 19 imigrantes consigam se integrar socialmente e terem as mesmas oportunidades dos nativos na busca por empregos e acesso à universidades. Visando a valorização e manutenção dessas línguas, em 1977 o governo canadense criou o Programa de Enriquecimento Cultural (Cultural Enrichment Program), que incentiva o ensino de diversas línguas não oficiais, objetivando a preservação da herança cultural dessas diferentes etnias. Uma das vertentes desse programa é o Heritage Language Program, que tem como objetivo ensinar essas línguas como língua de herança aos descendentes de seus falantes que vivem no Canadá. No entanto, esse programa não tem a mesma amplitude que os programas de Instrução Linguística para Novos Canadenses (Language Instructions for New Canadians -LINC), que foi implementado em 1997 e visa ministrar aulas de inglês e/ ou francês como segunda língua, juntamente com demais assuntos referentes à história do Canadá, integração social e empregos para imigrantes recém-chegados ao país. Esses programas são apoiados pelo Departamento Federal de Imigração, Refugiados e Cidadania do Canadá (Immigration, Refugees and Citizenship Canada - CIC) que, juntamente com o governo, busca tentativas de melhorias e expansão desses programas, sendo um dos desafios enfrentados na realidade de um país multicultural. No que tange especificamente à língua portuguesa, foco desta pesquisa, dentro desse cenário ela se configura como uma das línguas imigrantes que dividem o espaço com tantas outras línguas no contexto canadense. Contudo, diante da variedade de “línguas portuguesas” faladas entre os países lusófonos, é necessário compreender como a língua portuguesa é recebida dentro do território canadense e inclusive entre a própria comunidade de falantes de português e luso-canadenses. Para tanto, vale destacar que a língua portuguesa se encontra dentro das terras canadenses desde 1953, quando os primeiros imigrantes portugueses chegaram ao Canadá. Esses imigrantes eram em sua maioria homens, oriundos de zonas rurais e carentes da parte continental de Portugal e também dos Açores, região autônoma de Portugal, que tem os seus próprios costumes e a sua própria variante do português. Essa distinção linguística entre o português “continental” — falado em Portugal —, e o português açoriano é fundamental para compreender as tensões linguísticas que ocorrem dentro da própria comunidade lusófona, principalmente na cidade de Toronto, onde grande parte desses falantes se encontram. Conforme explica Moita Lopes (2013, p. 41): 20 Os portugueses continentais traduziam o ideal de portugalidade, ainda que o maior número de imigrantes, no Canadá, seja de origem açoriana. Os açorianos foram, porém, desde o início marcados como ‘incultos’ e ‘inferiores’. Esse prestígio do português continental em detrimento do português açoriano e das demais variedades da língua portuguesa se dá devido à perpetuação de um discurso homogeneizante e nacionalista que associa o português continental ao “padrão” da língua e, por isso, a variante de maior prestígio entre os luso-canadenses. O reflexo desse discurso é percebido na configuração do mercado luso-canadense em Toronto. Por serem imigrantes dentro desse contexto, os falantes de português já enfrentam muitas dificuldades para ascenderem social e economicamente. Apesar disso, no capítulo intitulado “Tensões sociolinguísticas na comunidade portuguesa/ lusófona de Toronto”, Silva (2013, p. 169) explica que entre a comunidade lusófona, [...] uma minoria de continentais assumiram posições de liderança no mercado étnico (como, por exemplo, os primeiros empresários, presidentes de clubes e associações, professores de português e políticos), por que tinham mais capital simbólico, material e linguístico do que seus compatriotas açorianos. Desse modo, as tensões linguísticas que ocorrem dentro da comunidade lusófona residente em Toronto, interferem diretamente no mercado étnico dessa comunidade e também no ensino de língua portuguesa nesta região. Devido à predominância do discurso que coloca o português continental como o padrão, as demais variedades da língua portuguesa, trazidas por imigrantes de outros países falantes de português (como Brasil, Angola e Moçambique, mais recentemente) acabam sendo marginalizadas dentro da própria comunidade lusófona em Toronto, colocando em questão a própria noção de comunidade e a suposta “união” entre esses países falantes da mesma língua. Conforme destaca Silva (2013, p.177): A presença mais recente de outros lusófonos vindos de ex-colônias portuguesas como Brasil, Angola e Moçambique complica ainda mais o espaço etnolinguístico do mercado português local porque reúne pessoas, povos e histórias que têm estado separados há muito tempo. Apesar do discurso de unidade numa ‘língua comum’, a realidade no espaço social revela diferentes mercados divididos ao longo de linhas etnorraciais linguísticas. Em geral, brasileiros e africanos são excluídos do discurso dominante de portugalidade que celebra e tenta manter uma só cultura, história e língua de Portugal. Esse debate, que já ocorre mesmo fora do território canadense e dentro da própria CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), reflete na realidade do ensino do português tanto no Canadá quanto nos demais países em que a língua está presente e é ensinada, seja como língua estrangeira ou como língua de herança. 21 No caso da cidade de Toronto, os efeitos desse discurso dominante de portugalidade são sentidos nas casas dos jovens luso-canadenses, que têm o contato com português como língua de herança, e nas aulas de português em escolas. No capítulo supracitado, Silva (2013, p. 187) comenta o relato de uma jovem durante uma palestra sobre a importância da educação e do ensino de português como estratégia de sobrevivência cultural no contexto canadense. Segundo o autor, essa jovem, quando criança foi reprimida por falar o português com o sotaque açoriano e, quando mais adulta, teve contato com a variedade brasileira na faculdade e incorporou o sotaque em sua fala, sendo novamente reprimida por isso. Diante dessa situação, o Silva (2013, p. 189) comenta que O mesmo tipo de pessoas que tentou calá-la enquanto criança (insinuando que a açorianidade dela era de certa forma anormal frente à portugalidade padrão) estavam agora, décadas depois, a tentar calá-la por causa de falar português brasileiro (que é considerado ainda mais anormal frente à norma europeia continental) e por ter levantado o véu de sigilo que encobria as tensões interculturais e linguísticas dentro do mercado português de Toronto. Desse modo, para se pensar o ensino de português como língua estrangeira no Canadá é preciso, primeiramente compreender e buscar soluções para as tensões linguísticas que ocorrem dentro da comunidade lusófona, visto que essas diferenças linguísticas e identitárias entre os falantes de português não são conhecidas pela sociedade canadense, mas subjazem o ensino de português para aqueles que a desejam aprender como língua estrangeira. 5 MOTIVAÇÃO E INTERESSE EM LE E EM PLE Motivação. Palavra recorrente não somente em diversos contextos do nosso cotidiano, mas também no ramo científico, instigando pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, como a psicologia e a linguística aplicada, a encontrarem uma definição consensual para o termo. Nunes (2020, p.23 apud GARDNER, 2010) destaca que a dificuldade em se chegar a um consenso quanto a definição do termo “motivação” deve-se ao fato de que “[...] a motivação é um termo multifacetado e que, por isso, não é passível de uma simples definição”. Contudo, dentre as várias definições propostas por diferentes autores de diversas áreas, é possível depreender, de forma simplista, um fator comum no que diz respeito à motivação, que pode ser resumida na seguinte pergunta: o que leva um sujeito a fazer o que ele faz e a agir como ele age? 22 Assim como a tentativa de uma definição consensual do termo, a resposta para tal pergunta não é tão fácil de ser encontrada. Além de ser um termo multifacetado, a motivação também é repleta de complexidades que permeiam a sua compreensão. Mattos (2015, p. 10- 11) evidencia algumas dessas complexidades ao ressaltar que, por ser muito variável, a motivação pode acontecer de diversas formas e com diversos fatores que a influencia. Ela é variável inclusive quanto à duração, que pode ser por períodos muito curtos (por exemplo, uma aula de 50 min) ou por períodos mais longos (como anos, por exemplo). Diante disso, muitas são as teorias desenvolvidas com o intuito de compreender as complexidades que envolvem a motivação. Dentre essas teorias, a que mais se destaca é a Teoria da Autodeterminação (Self-determination Theory, SDT), inicialmente elaborada por Deci e Ryan (1985) e posteriormente recebeu contribuições de outros estudiosos como Vallerand (1997) e Noels (1999, 2000, 2001). Os autores dessa teoria e os seus posteriores contribuintes acreditam que a motivação depende de fatores internos e externos ao sujeito, por isso, a Teoria da Autodeterminação aborda a motivação em dois “eixos”: motivação intrínseca e motivação extrínseca, sendo que cada eixo apresenta os seus respectivos desdobramentos. A motivação intrínseca diz respeito a fatores motivacionais inerentes ao sujeito, ou seja, o aprendiz se motiva a partir de seus próprios interesses e curiosidades, ou simplesmente pelo prazer em aprender e adquirir conhecimento sobre determinado assunto de seu interesse que, no caso deste trabalho, se refere ao aprendizado de uma língua estrangeira, mais especificamente, português como língua estrangeira. Mattos (2015, p. 13) comenta que a motivação intrínseca exige maior autonomia, pois ela parte do próprio sujeito, dos seus objetivos e interesses em se empenhar no aprendizado de uma língua estrangeira e, por isso, por mais que os estudantes estejam motivados extrinsecamente, é a motivação intrínseca que influencia o que e como eles vão aprender efetivamente. Ademais, Mattos (2015, p. 13-14) também explica que, segundo os autores Deci e Ryan (2000), a motivação intrínseca possui algumas características que podem intensificar a sua manifestação. Os autores destacam que é necessário um ambiente propício, em que haja o uso e aplicação de estratégias motivacionais, para que a motivação intrínseca se manifeste. Além da ambientação, Outra característica da motivação intrínseca é que apesar de esta manifestar-se individualmente, também relaciona-se com tarefas específicas, isto é, um aprendente pode ter motivação intrínseca apenas para determinadas tarefas, dependendo do quão interessantes ou satisfatórias estas são. (MATTOS, 2015, p. 13) 23 Portanto, a realização de determinadas tarefas, consideradas satisfatórias — ou seja, tarefas que estimulem necessidades como competência, autonomia e/ou vínculo social — contribuem para a intensificação da motivação intrínseca no estudante. Ao realizar tarefas que trabalhem com algumas dessas necessidades, o estudante intensifica a sua motivação intrínseca, despertando o prazer em aprender e adquirir conhecimento sobre um assunto de seu interesse, sendo esse um outro fator motivacional intrínseco ao indivíduo. Baseando-se nessas referidas características, autores como Vallerand (1997, p.308) e outros contribuintes no desenvolvimento da Teoria da Autodeterminação, passaram a dividir a motivação intrínseca em três partes, sendo estas: motivação intrínseca pelo conhecimento, motivação intrínseca por realização e motivação intrínseca pelo estímulo. A motivação intrínseca pelo conhecimento diz respeito ao prazer e satisfação do indivíduo em adquirir conhecimento sobre algo de seu interesse. Já a motivação intrínseca por realização, refere-se ao desenvolvimento e realização de atividades que incentivem e satisfaçam o estudante na busca de seu aprendizado. Por fim, a motivação intrínseca pelo estímulo está relacionada à sensação prazerosa e satisfatória no cumprimento de atividades que promovam o seu aprendizado. No que tange a motivação extrínseca, os fatores motivacionais são externos ao sujeito, ou seja, “[...] está relacionada à perspectiva de enxergar a língua de modo instrumental, isto é, para fins profissionais ou para uma viagem, por exemplo.”, conforme ressalta Mattos (2015, p. 14). A Teoria da Autodeterminação postula que há diferentes tipos de motivação extrínseca, que são explicados a partir de uma subteoria conhecida como Teoria de Integração Organísmica. Essa subteoria explica que a motivação extrínseca pode ser regulada de três formas diferentes, sendo estas: motivação extrínseca com reguladores externos, motivação extrínseca por regulação introjetada e motivação extrínseca integrada. A motivação extrínseca com reguladores externos refere-se à uma “pressão” externa que leva o sujeito a realizar determinados comportamentos, seja por estipulação de regras, punições ou, no caso do aprendizado de uma língua estrangeira, isso pode se dar, por exemplo, por pressão dos pais sob os estudantes. Todos esses fatores são extrínsecos ao sujeito e o levam a cumprir determinado comportamento por uma pressão ou até mesmo uma imposição. Já no caso da motivação extrínseca introjetada, o sujeito internaliza que um determinado comportamento será benéfico para o seu bom desempenho em certa atividade, 24 contudo, somente essa “pressão” do sujeito sobre si mesmo não despertará o sentimento de auto-determinação. Pelo contrário, se tal pressão for exercida intensamente, isso pode acabar prejudicando e desmotivando o sujeito em sua atividade. Por fim, a motivação extrínseca integrada concilia os fatores intrínsecos e extrínsecos que motivam o sujeito, buscando um equilíbrio entre os dois tipos de motivações propostas pela Teoria da Autodeterminação. Além desses dois tipos de motivação, na subteoria de Integração Organísmica também é considerada a “amotivação”. Esse é um termo utilizado para se referir a estudantes de segunda língua e língua estrangeira que não se sentem motivados intrínseca ou extrinsecamente, podendo inclusive desistir do estudo de determinada língua devido a falta de motivação. Como um dos contribuintes no desenvolvimento da Teoria de Autodeterminação, Noels (2002), além de comentar os dois tipos de motivação aqui explicados previamente, também inclui um terceiro tipo de motivação, intitulada motivação integrativa. A motivação integrativa diz respeito ao desejo do estudante em integrar-se ao grupo falante da língua-alvo. Desse modo, Ferreira e Rocha (2022, p. 06) comentam que “[...] a identificação cultural e o desejo de pertencer àquele meio serão fatores motivacionais de ordem integrativa e podem ser pontos importantes para que o aluno permaneça motivado a continuar estudando a língua para atingir determinada proficiência.” Apesar de ser um terceiro tipo de motivação proposta por Noels (2002), a motivação integrativa não deixa de estar relacionada aos outros dois tipos de motivação, inclusive, pode tornar-se uma extensão da motivação intrínseca, visto que o estudante, motivado intrinsecamente por suas curiosidades e interesses em determinada língua estrangeira, pode desenvolver o desejo de pertencer àquela comunidade, passando então a ter a motivação integrativa como impulsionadora de seu aprendizado. Canato e Rosenfeld (2017, p. 91 apud CHENG e DÖRNYEI, 2017, p.153), ao pensar no ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, destacam que “[...] a motivação atua como o motor inicial para gerar aprendizagem, como uma força que auxilia a sustentar a difícil jornada de se aprender uma língua estrangeira.”. Desse modo, conforme ressaltado por Cheng e Dörnyei, 2017 (2017, p. 153), o estudante que possui maior motivação em aprender uma língua estrangeira, consequentemente atingirá um maior nível de proficiência no idioma. No entanto, ao pensar em motivação no ensino e aprendizagem de LE, é preciso considerar não somente os diferentes tipos de motivação explorados pela Teoria da Autodeterminação, mas também considerar o sujeito aprendiz, o aluno, e quais são os seus objetivos perante a aprendizagem de determinada língua-alvo. 25 É nesse sentido que Michelon (2007, p.3) destaca a importância em considerar o indivíduo, o sujeito da aprendizagem, para uma compreensão mais aprofundada acerca da motivação. É o indivíduo que estabelece, que traça os objetivos de sua aprendizagem, esses objetivos, portanto, são de natureza subjetiva. Essa subjetividade, atrelada ao objetivo, está correlacionada à motivação do aluno em cumprir os seus propósitos na aprendizagem de uma LE. 6 METODOLOGIA Nessa seção, apresentamos a metodologia desenvolvida na pesquisa, portanto, a natureza da pesquisa, constituição do corpus e os participantes da pesquisa. 6.1 A natureza da pesquisa e constituição do corpus Para a realização da presente pesquisa, foi adotada a metodologia quali-quanti (mixed methods), uma vez que a análise dos dados se deu a partir da combinação de dados quantitativos, coletados pelo questionário, e excertos qualitativos das respostas dos participantes às questões que pediam para que eles justificassem sua escolha. No que diz respeito à abordagem qualitativa de investigação, os autores Bogdan e Biklen (1994, p.16) explicam que esse tipo de abordagem caracteriza-se principalmente por “dados [...] ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de complexo tratamento estatístico”; os autores explicam ainda que o caráter descritivo desse tipo de abordagem é o que a qualifica como qualitativa. Além de tal característica, a abordagem qualitativa enfatiza o processo de investigação em relação ao resultado final, uma vez que o processo é flexível e, portanto, este tipo de pesquisa não pretende confirmar hipóteses previamente formuladas, mas sim possibilita a formulação de novos questionamentos e hipóteses ao longo do estudo. Esse tipo de abordagem também valoriza a perspectiva dos sujeitos participantes do estudo, de modo a “[...] compreender os sujeitos com base nos seus pontos de vista.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.54). Para isso, o investigador pode utilizar determinados meios de coleta de dados que possibilitem uma aproximação com os sujeitos envolvidos na pesquisa, objetivando, assim, compreender seus pontos de vista sobre o fenômeno estudado. A respeito da coleta de dados na pesquisa qualitativa, Bertolozzi (2020, p. 16) explica 26 que: As fontes de informação nas pesquisas qualitativas podem ser obtidas diretamente pelo pesquisador, quando ele mesmo observa, filma, grava, participa de uma situação, grupo ou convive na comunidade, etc. Mas também pode obter fontes indiretas, por meio de testemunhos, documentos, produtos, obras, etc., produtos e relatos que “contam” a história, a opinião e as concepções sobre pessoas, grupos e comunidades. A autora ainda destaca que a coleta de dados por meio de testemunhos se dá pela realização de entrevistas e/ou aplicação de questionários. Devido à dificuldade de imersão no contexto a ser estudado, optou-se por realizar a coleta de dados desta pesquisa por meio do envio de um questionário online (traduzido para a língua inglesa), via google forms, aos alunos do curso de Português da Universidade de Toronto. Tal escolha deve-se ao fato de Toronto ser uma das cidades onde mais residem imigrantes pertencentes à comunidade brasileira. Por esse motivo, a cidade possui vários restaurantes de comida brasileira, além de alguns pequenos comércios e a promoção de eventos que celebram a cultura brasileira, como por exemplo o BrazilFest que ocorre anualmente. Todos esses fatores contribuem para que haja uma certa influência da língua portuguesa na cidade. Inicialmente, este questionário foi pensado para ser aplicado às turmas de níveis iniciais e intermediários do respectivo curso de português. No entanto, não obtivemos respostas suficientes deste público no primeiro envio para aplicação, por isso, ampliamos o público para abranger também alunos de níveis mais avançados e inclusive concluintes do curso. Após enviado para aplicação, o questionário teve o retorno de 14 respostas e, devido ao prazo e cronograma que tínhamos a seguir para o desenvolvimento da pesquisa, não houve tempo hábil para a coleta de mais dados. Embora, durante o processo de coleta, entramos em contato com outras universidades canadenses que oferecem curso de língua portuguesa, mas não obtivemos retorno de nenhuma delas. Outro motivo pelo qual optamos por apenas trabalhar com os dados que foram possíveis de ser coletados dentro do tempo que tínhamos. No que tange a estrutura e composição do questionário (Apêndice I), as questões e afirmações nele contidas foram retiradas e adaptadas do questionário elaborado por Mattos (2015), que pode ser encontrado em anexo na Dissertação de mestrado da autora, intitulada “Fatores de motivação de aprendentes de português como língua estrangeira: o caso de Trindad e Tobago”. O questionário elaborado por Mattos conta com um total de 97 questões divididas em 27 três partes, sendo elas: “Questionário sobre motivação I”, “Questionário sobre motivação parte II - Afeto” e “Preferências em aula”. Contudo, essa estrutura foi adaptada por nós, de modo a adequar-se ao contexto estudado e aos objetivos estabelecidos nesta pesquisa. Sendo assim, com as devidas adaptações, o questionário aplicado como instrumento de coleta de dados desta pesquisa conta com um total de 53 questões divididas em quatro partes: Parte I - Contato com a Língua Portuguesa; Parte II - Contato com a cultura brasileira; Parte III - Motivação e Interesse no aprendizado de Português e Parte IV - Sobre sua performance nas aulas. As questões contidas nas partes I e II são autorais e tem como objetivo conhecer o perfil dos participantes, averiguar sobre o contato deles com a língua portuguesa no cotidiano (além do curso) e a pretensão de ter contato com a língua em contexto de imersão (através de viagens ou moradia), além de identificar o conhecimento deles sobre a cultura brasileira. As partes III e IV do questionário são divididas em outras subpartes, que visam aprofundar a coleta de dados sobre seus respectivos assuntos. Desse modo, a parte III (Motivação e Interesse no aprendizado de Português) é acompanhada de outras duas partes: “3.1 - Estudo português porque…” e “3.2 - Sobre o aprendizado de português”. A parte IV (Sobre sua performance nas aulas) é dividida em três subpartes: “4.1 - Performance nas aulas e relação com os colegas de classe”; “4.2 - “Nas aulas de português…” e “4.3 - Sobre seus objetivos de aprendizagem e o contato com a língua portuguesa”. Vale ressaltar que a parte IV trazia algumas perguntas relacionadas diretamente ao curso de português e também sobre a relação entre alunos e professores do curso, contudo essas questões foram removidas do questionário a fim de se adequar às exigências para aplicação na Universidade de Toronto. Além disso, as afirmações contidas tanto na parte III quanto na parte IV foram retiradas do questionário de Mattos (2015), exceto na subparte 4.3, que também foi elaborada de forma autoral. Nas subpartes 3.1 e 4.2, as afirmações foram colocadas em forma de alternativas para questões de múltipla escolha; diferente do questionário original, em que todas as afirmações eram acompanhadas pela escala de Likert. Desse modo, o corpus desta pesquisa é constituído pelos dados coletados a partir do questionário acima descrito. 6.2 Sobre os participantes da pesquisa Nessa subseção, conhecemos o perfil dos informantes, a saber: idade, nacionalidade, 28 cidade ou província canadense onde residem e nível que estão cursando. A idade desses alunos varia entre 18 e 24 anos, sendo a maioria (35,7%) com 18 anos de idade, 21,4% com 20 anos, 14,3% referente a estudantes com 19 e 22 anos e 7,1% referentes a estudantes com 21 e 24 anos. Quanto à nacionalidade desses participantes, 50% informaram ser canadenses, enquanto os demais informaram ser de outras nacionalidades, sendo 14,2% estadunidenses, além de 1 aluno albanês, 1 nigeriano, 1 português e 1 aluno chinês, natural de Xangai. Esses números refletem a diversidade e multiculturalidade característica do Canadá que, por ser um país que constantemente recebe vários imigrantes, possibilita que diferentes culturas de diferentes nacionalidades compartilhem frequentemente os mesmos espaços, inclusive dentro de uma sala de aula de língua portuguesa em uma das mais renomadas universidades do país. Quanto à cidade e província canadense onde vivem esses participantes, todos eles informaram viver na província de Ontário, sendo que 83,2% disseram morar na cidade de Toronto, 1 aluno disse morar na cidade de Ajax e 1 aluno disse morar em Oakville, ambas cidades também em Ontário. No que se refere ao nível que esses alunos estão cursando, 71,3% afirmaram estar no nível inicial do curso, enquanto 28,4% responderam estar no nível intermediário. Interessante notar que, apesar da dificuldade inicial em conseguir uma participação significativa de alunos de níveis iniciais e intermediários, após as devidas modificações para ampliar o público a ser aplicado, o questionário ainda obteve uma participação significativa principalmente de alunos de níveis iniciais, tal qual nós preferencialmente estipulamos de início. 7 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS No que tange o tratamento e análise de dados, esta pesquisa é de caráter interpretativista, uma vez que foi elaborado um metatexto, a partir da categorização das regularidades discursivas identificadas nas respostas dos participantes ao questionário, a fim de descrever e interpretar as unidades de significados que compõem as categorias. Portanto, o caráter interpretativo da análise dos dados está na produção do metatexto, que visa sintetizar a interpretação da categorização das unidades de significados. Souza e Galiazzi (2017, p. 523-524) explicam que a análise textual discursiva não finda no processo de categorização, mas sim na produção do metatexto, que tem a sua 29 importância no processo de análise pois “a produção do metatexto elaborado a partir das categorias representa, ao mesmo tempo, o afastamento delas, na medida em que o pesquisador-autor busca tornar mais clara uma categoria para si mesmo.” (SOUZA; GALIAZZI, 2017, p. 524). Desse modo, na Análise Textual Discursiva (ATD), a categorização é apenas uma parte do processo que compõe o método de análise textual. Esse processo se inicia com a unitarização, que é o passo anterior à categorização e consiste em identificar as unidades de significado do texto em análise, conforme explicam Souza e Galiazzi (2017, p. 520), que entendem por categorização: [...] o método [...] responsável pelo modo da produção de categorias. A produção de categorias, que na ATD chama-se categorização, parte sempre de um passo anterior que é a unitarização, produção de unidades de significado a partir dos textos em análise. Concluída essa etapa inicial de unitarização, são elaborados parágrafos-sínteses que descrevem detalhadamente as unidades de significados identificadas para, então, a partir dessas unidades e das suas respectivas descrições pormenorizadas, elaborar as categorias. A produção do metatexto é a etapa final, o resultado de todo esse processo e, conforme explicado anteriormente, o caráter interpretativo da análise dos dados está nessa etapa, pois é nela que são sintetizadas as interpretações feitas das etapas anteriores. Contudo, além do caráter interpretativo, a análise textual discursiva também apresenta um caráter descritivo, que é predominante na produção dos parágrafos-síntese, em que são apresentadas descrições pormenorizadas das unidades de significados. Apesar de ser apenas uma etapa da análise textual, o processo de categorização é fundamental, pois é a partir dele que será elaborado o metatexto, produto da análise. 7.1 Categorização e análise dos dados A partir de uma análise prévia para verificar as regularidades discursivas presentes nos dados obtidos pelo questionário, foram estipuladas três principais categorias, em conformidade com os objetivos estabelecidos para a presente pesquisa, sendo elas: Categoria I - Valorização da aprendizagem de línguas e culturas de outros povos; Categoria II - Valorização da cultura brasileira e, por fim, Categoria III - Motivação e Interesse no aprendizado de português. 30 7.2 Categoria I - Valorização da aprendizagem de línguas e culturas de outros povos No que tange a primeira categoria, nota-se que na parte 3.1 do questionário, ao assinalarem alternativas que completassem a frase “Eu estudo português porque…”, 85,7% dos respondentes disseram que estudam português porque acham importante saber mais de uma língua. Esse dado é complementado posteriormente nas respostas à questão 21 em que, diante da afirmação “Português é importante para expandir meus horizontes”, 78,5% dos participantes responderam concordar e concordar fortemente com isso, confirmando, portanto, a importância do aprendizado de uma língua estrangeira para o conhecimento de outras culturas e, consequentemente, expansão dos horizontes e conhecimento de mundo. Imagem 1 - Gráfico da questão 21 Outro dado que confirma tal constatação é o que se nota na questão 28, em que, 78,5% dos participantes concordam e concordam fortemente que querem aprender português porque será útil para viajar, sendo esse um modo da língua e cultura enriquecerem o conhecimento de mundo deles. 31 Imagem 2 - Gráfico da questão 28 Além disso, na subparte 4.2 do questionário, ao apontarem suas preferências a respeito das aulas de português, 50% dos estudantes responderam que preferem praticar a habilidade de escuta da língua por meio de filmes ou vídeos de notícias no idioma estudado, ao invés de praticar por áudios do livro didático. Além disso, no que tange a prática de leitura, 57,1% dos alunos responderam que preferem praticar a leitura por meio de textos literários ou jornalísticos ao invés de textos do livro didático. Imagem 3 - Dados referentes ao uso de filmes e vídeos de notícias nas aulas de português 32 Imagem 4 - Dados sobre o uso de textos literários e notícias nas aulas de português Esses dados indicam, portanto, que os participantes preferem aulas de língua portuguesa em que eles possam praticar diferentes habilidades comunicativas com produções (audiovisuais ou textuais) de contextos reais de uso da língua, ou seja, de filmes produzidos em língua portuguesa, noticiários em português, textos literários e jornalísticos, de modo a aprenderem as habilidades comunicativas atreladas à conteúdos produzidos no idioma estudado e não por áudios e/ou textos artificiais que são colocados como atividades nos livros didáticos. Vale ressaltar que essa preferência dos estudantes pelo uso de produções de contextos reais de uso da língua também está relacionado à expansão dos horizontes e o conhecimento de mundo que eles acreditam que o aprendizado de uma língua estrangeira pode proporcionar, uma vez que, ao utilizar filmes, notícias e textos literários em língua portuguesa, o conteúdo desses materiais também será repleto de informações e características de aspectos culturais sobre determinado país falante de português, conciliando, portanto, o aprendizado da língua e da cultura simultaneamente dentro da sala de aula. Os dados apresentados nesta categoria revelam, portanto, a valorização da cultura atrelada ao aprendizado de uma língua estrangeira. Nota-se, a partir desses dados, que esses estudantes reconhecem a importância do aprendizado de uma língua estrangeira para a expansão do conhecimento de mundo e entendem a cultura como um fator essencial e inclusive motivacional para o aprendizado de uma língua, em especial a língua portuguesa. Tal valorização pelo aprendizado de línguas e o conhecimento de suas respectivas culturas é consoante com o perfil multilíngue e multicultural do Canadá, uma vez que, conforme apresentado no início deste trabalho, o referido país oficializou, em julho de 1988, o Ato do Multiculturalismo (Canadian Multiculturalism Act), que reconhece a diversidade linguística e cultural como parte da identidade canadense, prezando pelo respeito à tal diversidade. Desse modo, a valorização e apreço dos estudantes pelo aprendizado de línguas e suas respectivas culturas, nada mais é do que os princípios do Canadian Multiculturalism Act colocados em prática. 7.3 Categoria II - Valorização da cultura brasileira Sabe-se, conforme fora observado anteriormente, que a valorização da cultura por 33 esses estudantes impulsiona o aprendizado de línguas estrangeiras. Isso não é diferente tratando-se do aprendizado da língua portuguesa. Contudo, para compreender tal valorização faz-se mister observar o peso atrelado ao valor cultural da língua portuguesa em detrimento do valor econômico dessa língua. Isso pode ser observado desde a parte inicial do questionário, estendendo-se para as partes seguintes. Ao responderem as perguntas da primeira parte do questionário, que dizem respeito ao contato dos participantes com a língua portuguesa em diversos âmbitos de suas vidas, 71,4% responderam que parentes e familiares não falam a língua portuguesa e 64,3% disseram que os amigos não falam português. Esses dados revelam que a maior parte dos estudantes que frequentam o referido curso de português não tem contato com a língua em suas vivências cotidianas sociais e familiares, nem mesmo tratando-se de relacionamentos, em que apenas 14,3% afirmaram que seus parceiros e/ou parceiras falam a língua portuguesa. Nesse sentido, o português é uma língua distante do dia-a-dia desses alunos, que estudam o idioma por outras razões que não somente uma língua de herança, como pode ser o caso dos 28,6% que responderam ter parentes e familiares falantes de português. Ao serem questionados sobre o desejo de viajar e morar em países falantes de língua portuguesa, 92,9% responderam que gostariam de visitar algum desses países mas, em contrapartida, 78,6% disseram que não gostariam de morar em um país falante de português. O fato da grande maioria dos alunos terem o desejo de viajar para algum país falante de português revela que há forte interesse e curiosidade em conhecer a cultura e inclusive ter alguma experiência de imersão, mas não de pertencimento. Uma possível explicação para isso pode estar relacionado ao valor cultural em comparação ao valor econômico da língua portuguesa. Na parte II e 3.2 do questionário, ao responderem perguntas sobre o contato com a cultura brasileira e quais são as impressões que eles têm sobre os brasileiros, 85,7% dos participantes responderam concordar e concordar fortemente que a cultura brasileira é muito rica. Além disso, 78,6% concordam e concordam fortemente que os brasileiros têm orgulho de sua cultura, conforme mostram os gráficos a seguir: 34 Imagem 5 - Gráficos das questões 23 e 24, respectivamente Esses dados mostram que os estudantes reconhecem o valor cultural e identitário do Brasil, e isso instiga a curiosidade deles em aprender a língua portuguesa e inclusive a viajar e conhecer o Brasil e outros países falantes de português, mas eles não associam a língua portuguesa como sendo uma língua de elevado status social e poder econômico. Isso pode ser observado nas perguntas 29, 32 e 34. Na pergunta 29, ao serem questionados se o fato de saber português seria útil para conseguir um bom emprego, 42,9% responderam não ter certeza sobre isso. 35 Imagem 6 - Gráfico da questão 29 Já na pergunta 32, quando questionados se falar português elevaria o status social deles, 42,9% dos alunos responderam não ter certeza sobre isso. Imagem 7 - Gráfico da questão 32 E na questão 34, 57,1% dos estudantes não têm certeza se saber português lhes trará benefícios financeiros. 36 Imagem 8 - Gráfico da questão 34 Em contrapartida, na pergunta 21, ao serem questionados se saber português é importante para expandir os horizontes, 78,5% dos participantes responderam concordar e concordar fortemente com isso, o que revela que, para esses estudantes, a língua portuguesa e a cultura dos países falantes desse idioma tem maior relevância para o conhecimento de mundo do que para questões econômicas e de status social. Imagem 9 - Gráfico da questão 21 Conforme mencionado anteriormente, as respostas à questão 28 (imagem 2), confirmam esse apontamento, visto que 78,5% dos participantes concordam e concordam fortemente que querem aprender português porque será útil para viajar, sendo esse um modo da língua e cultura enriquecerem o conhecimento de mundo deles. Ainda sobre as viagens, 50% dos participantes responderam que já viajaram para algum país falante de português e 50% não viajaram. 37 Daqueles que afirmaram já terem viajado, 21,4% responderam já terem viajado para o Brasil, 14,3% já foram para Portugal e 1 aluno respondeu ter ido para Moçambique. Quando questionados se gostariam de conhecer algum (outro) país falante de língua portuguesa, 53,84% dos estudantes responderam que gostariam de conhecer o Brasil e/ou Portugal, apenas 1 participante respondeu que gostaria de conhecer Angola, um país africano falante de português. Os participantes justificaram suas respostas mencionando principalmente o interesse em conhecer e ter contato com as culturas desses países. É relevante notar que, tratando-se do Brasil, 1 estudante mencionou querer viajar ao país para visitar a família, enquanto um outro participante justificou dizendo que “o país parece divertido e a cultura parece interessante, e eu gosto da música”, conforme apresentado na imagem a seguir: Imagem 10 - Resposta de um participante à questão 5.1 Ainda um outro participante justificou querer visitar o Brasil por causa da comida (culinária), além da cultura. Imagem 11 - Resposta de outro participante à questão 5.1 A partir dessas respostas, é possível inferir a percepção desses estudantes sobre a cultura brasileira, que eles associam a coisas positivas como diversão, boa música e comidas. A segunda parte do questionário tem como objetivo compreender essa percepção de forma mais aprofundada, por meio de questões que nos possibilitem averiguar o conhecimento e o contato dos participantes com a cultura brasileira em território canadense e, mais especificamente, na cidade de Toronto. Desse modo, ao serem questionados sobre frequentar restaurantes de comida brasileira, estabelecimentos comerciais brasileiros e eventos sociais relacionados à cultura brasileira na cidade, província ou até mesmo em qualquer outra região do Canadá, mais de 50% dos estudantes responderam não frequentar nenhum desses espaços. Contudo, é interessante notar que, tratando-se especificamente dos eventos sociais relacionados à cultura brasileira, apesar de 85,7% dos alunos não frequentarem esse tipo de evento, 50% deles responderam que gostariam de ir a algum evento relacionado à cultura 38 brasileira, justificando, novamente, o interesse pela cultura, associado a diversão e acrescentado ao fato de conhecer novas pessoas. O fato da grande maioria dos estudantes não frequentarem estabelecimentos públicos e eventos sociais sobre a cultura brasileira no Canadá, confirma o quanto a língua portuguesa é distante da realidade cotidiana deles, mesmo havendo uma quantidade significativa de falantes de português e imigrantes brasileiros na região de Toronto. Além disso, é notório que, apesar de terem interesse e curiosidade sobre a cultura brasileira, buscar contato com essa cultura dentro da própria cidade, província e país não aparenta impulsionar a motivação desses alunos pelo aprendizado da língua portuguesa. Portanto, apesar de haver um forte interesse e curiosidade sobre a cultura brasileira e de outros países falantes de português, o que impulsiona o interesse em aprender a língua portuguesa, esses estudantes não procuram formas de entrar em contato com o idioma por meio de eventos culturais e sociais que envolvem a cultura brasileira e a língua portuguesa no Canadá. Ou seja, eles não buscam pela comunidade de falantes de português dentro do Canadá. Uma possível justificativa para isso deve-se ao fato desses estudantes somente associarem o conhecimento de mundo e expansão dos horizontes em contexto de imersão, por viagens, em países falantes de português, principalmente Brasil e Portugal, de modo que eles possam vivenciar a língua e cultura simultaneamente. Tratando-se do consumo de conteúdos brasileiros, 71,4% dos participantes responderam escutar músicas de artistas brasileiros, sendo este um possível fator para que esses estudantes associem a cultura brasileira com diversão e inclusive despertem o interesse e a motivação para que eles aprendam o idioma. 7.4 Categoria III - Motivação e interesse no aprendizado de português Visando cumprir um dos objetivos específicos deste estudo, a terceira categoria diz respeito à questão da motivação e interesse no aprendizado de português pelos alunos dos níveis iniciais e intermediários da Universidade de Toronto. Os dados analisados nas categorias anteriores refletem e impactam na motivação e interesse desses alunos, tanto no aprendizado da língua portuguesa de um modo geral quanto nas suas preferências nas aulas de português. Na parte 3 do questionário, a questão da motivação e interesse em aprender português é aprofundada nas duas subpartes deste item. Na subparte 3.1, os participantes assinalaram as 39 alternativas que completassem a frase “Eu estudo português porque…”, de acordo com as suas motivações para estudar português. Referente a essa subparte e conforme apontado na categoria I, a resposta de 85,7% dos participantes revela o reconhecimento da importância e valorização do aprendizado de línguas e culturas de outros povos, uma vez que, essa foi a porcentagem de estudantes que responderam estudar português porque acham importante saber mais de uma língua. Ainda em conformidade com o que já foi apresentado na primeira categoria e posteriormente complementado na categoria II, referente ao fato da valorização da cultura brasileira, entende-se que tal valorização pelo aprendizado de outras línguas e culturas contribui para a expansão dos horizontes e conhecimento de mundo desses estudantes, sendo esse um dos principais fatores de motivação desses participantes no aprendizado de uma língua estrangeira. Além do mais, ainda na subparte 3.1 do questionário, 50% dos estudantes responderam que aprendem português porque é uma língua fácil ou mais fácil do que alguma outra língua estrangeira. Um outro motivo predominante nas respostas é o fato de 71,4% estudarem português porque gostam da língua. Na parte 3.2 do questionário, os alunos responderam questões sobre suas preferências e principais interesses e motivações no que tange o aprendizado da língua portuguesa. É mister notar que, 57,1% dos estudantes disseram que gostariam de estudar português de outras formas que não frequentando as aulas, como ilustra a imagem abaixo: Imagem 12 - Gráfico da questão 15 Contudo, conforme apontado anteriormente, esses estudantes não costumam frequentar eventos sociais e culturais relacionados à cultura brasileira no Canadá e, portanto, não entendem esses eventos como sendo uma oportunidade de aprender e estar em contato com a língua portuguesa em um contexto fora da sala de aula. 40 As questões 16 e 18, respectivamente, confirmam que uma das principais motivações desses estudantes para o aprendizado da língua portuguesa é o fato de gostarem do idioma, visto que 50% dos estudantes responderam concordar que “realmente gostam de aprender português” e entenderem o aprendizado dessa língua como um “desafio que eu gosto”, conforme mostram os gráficos a seguir: Imagem 13 - Gráficos das questões 16 e 18, respectivamente Tal gosto pela língua portuguesa é impulsionado pelo forte interesse em questões culturais e, nesse sentido, os estudantes confirmam ter interesse e curiosidade em estar contato com a cultura brasileira, principalmente por meio da música, conforme apontado anteriormente, mas também por meio da literatura em língua portuguesa, visto que 50% dos estudantes afirmaram que gostariam de ler literatura em língua portuguesa: Imagem 14 - Gráfico da questão 26 41 Na última parte do questionário (parte IV), os estudantes responderam perguntas sobre as aulas de português. Na subparte 4.1, eles responderam questões sobre a performance nas aulas e a relação com os colegas de sala. Um dado interessante a se notar é que na questão 40, 50% dos estudantes responderam que concordam e concordam plenamente com a afirmação “antes de iniciar o curso eu já sabia um pouco de português” (conforme mostra a imagem 15) mesmo a grande maioria dos estudantes não tendo contato com a língua portuguesa em suas vivências sociais e familiares cotidianas. Imagem 15 - Gráfico da questão 40 Os dados da questão 41 revelam-se complementares à questão 40, visto que 85,7% dos respondentes concordam e concordam plenamente que o curso de português definitivamente os ajudará a aprimorar o pouco de português que eles já sabem. Imagem 16 - Gráfico da questão 41 Por sua vez, na subparte 4.2 os estudantes apontaram suas preferências a respeito das aulas de português. Preferências essas que impulsionariam o interesse e motivação deles em aprender a língua portuguesa em um contexto institucionalizado, como do curso oferecido pela Universidade de Toronto. 42 Em resposta à subparte 4.2, e conforme fora apontado na categoria I, 50% dos estudantes preferem atividades que os ajudem a aprimorar suas habilidades comunicativas em língua portuguesa, e 50% dos estudantes responderam que preferem praticar a habilidade de escuta da língua por meio de filmes ou vídeos de notícias no idioma estudado, ao invés de praticar por áudios do livro didático. Além disso, no que tange a prática de leitura, 57,1% dos alunos responderam que preferem praticar a leitura por meio de textos literários ou jornalísticos ao invés de textos do livro didático. Tais preferências confirmam o que foi apontado nas categorias I e II, e convergem com o que foi observado até então a respeito da valorização do aprendizado de línguas atrelado à cultura, sendo esse um dos principais fatores de motivação desses estudantes no aprendizado da língua portuguesa. Na última subparte do questionário (subparte 4.3), os estudantes responderam questões sobre o aprendizado da língua portuguesa e o meio pelo qual eles buscam manter contato com o idioma fora da sala de aula. Nesse sentido, sobre o aprendizado de língua portuguesa, ao serem questionados, na pergunta 48, se os estudantes deveriam dizer o motivo de estarem estudando português, 42,9% dos participantes responderam que sim. Como justificativa para essa resposta, muitos participantes ressaltaram a importância de saber os motivos dos estudantes para que os professores tenham um direcionamento para conduzir as aulas com mais facilidade, já conhecendo as motivações dos estudantes para o aprendizado da língua portuguesa. As imagens abaixo mostram as justificativas dos participantes, referente à questão 48: Imagem 17 - Justificativa do participante A à resposta da questão 48 Tradução: Porque saber suas motivações é o primeiro passo para aprender uma nova língua Imagem 18 - Justificativa do participante B à resposta da questão 48 Tradução: Isso ajuda os professores e colegas a entenderem os outros estudantes e facilita os estudos. Imagem 19 - Justificativa do participante C à resposta da questão 48 Tradução: Porque isso ajuda o departamento a conhecer o que motiva os estudantes. 43 Imagem 20 - Justificativa do participante D à resposta da questão 48 Tradução: Comunicação é importante para o aprendizado. Quando questionados, na pergunta 49, se saber o motivo pelo qual os estudantes estão aprendendo Português ajuda no planejamento da aula e a atingir os objetivos de aprendizagem, 78,6% dos participantes responderam que de forma afirmativa. Como justificativa dessa resposta, os participantes ressaltaram que, ao saber os objetivos dos estudantes, o docente consegue modificar o cronograma, os tópicos das aulas e inclusive o vocabulário a ser ensinado de acordo com os objetivos e propósitos de aprendizagem dos estudantes. Contudo, duas justificativas chamaram bastante atenção: Imagem 21 - Justificativa do participante E à resposta da questão 49 Tradução: Eu acredito que deveria ter aulas só sobre o português brasileiro e aulas só sobre o português europeu, uma vez que aprender os dois simultaneamente é bastante confuso e distrativo, e perde muito tempo ensinando o mesmo conceito duas vezes. Essa justificativa é interessante pois, ao conhecer os objetivos dos estudantes, o curso poderia ser organizado de modo mais direcionado para a variedade da língua portuguesa que os alunos têm mais interesse em aprender. Desse modo, aqueles que tem como objetivo aprender o português brasileiro, poderiam frequentar um curso voltado somente para o português brasileiro. O mesmo aconteceria no caso dos alunos que se interessassem mais pelo português europeu. Assim, eles não aprenderiam a mesma variedade simultaneamente e não ficariam tão confusos em ter que assimilar as particularidades de cada variedade ao mesmo tempo em que aprendem a língua em comum, o português. Outra resposta que chamou bastante atenção foi a seguinte: Imagem 22 - Justificativa do participante F à resposta da questão 49 Tradução: Acredito que há mais coisas importantes na aquisição de uma língua. Isso (saber os objetivos dos estudantes) ajudaria a mantê-los motivados, potencialmente; mas manter os estudantes motivados é apenas metade da batalha de se ensinar uma língua, isso depende de muito mais do que motivação interna. Essa resposta é muito interessante pois o respondente reconhece que a motivação para o aprendizado de uma língua não é somente intrínseca, por fatores internos e pessoais, mas 44 também pode ser extrínseca, ou seja, motivada por fatores externos que não somente os objetivos pessoais de cada aluno. Nesse sentido, a partir da Teoria da Autodeterminação, elaborada por Deci e Ryan (1985) e previamente apresentada no tópico 5 (Motivação e Interesse em L.E e em PLE) do presente estudo, verificou-se que, dentro do grupo de amostragem aqui analisado, os tipos de motivação recorrentes no aprendizado de português por esses estudantes são: motivação intrínseca por curiosidade, motivação extrínseca integrada e motivação extrínseca. De acordo com a Teoria da Autodeterminação, a motivação intrínseca é aquela que é proveniente de fatores internos e pessoais do indivíduo. Portanto, sendo a curiosidade pela cultura um dos principais fatores motivacionais para o aprendizado da língua, a referida teoria classificaria esse fator como sendo uma motivação intrínseca pelo conhecimento, uma vez que esses estudantes são motivados pelo prazer e curiosidade em adquirir conhecimento a partir e sobre algo de seu interesse, nesse caso, a curiosidade pela cultura dos países falantes de português como um fator que impulsiona a motivação pelo aprendizado da língua portuguesa. Outro tipo de motivação recorrente nos dados analisados é a motivação extrínseca integrada. Ao contrário da motivação intrínseca, a motivação extrínseca é aquela proveniente de fatores externos do indivíduo, ou seja, por razões que não pessoais e de interesse próprio. A Teoria da Autodeterminação explica que há diferentes tipos de motivação extrínseca. Um deles é a motivação intrínseca integrada, que combina fatores motivacionais internos e externos. Desse modo, além da curiosidade e apreço pela cultura dos países falantes de português, percebe-se também um forte desejo de imersão e vivência dessa cultura por meio de viagens a esses países. Tal desejo pode ser considerado um fator extrínseco pois é uma concretização “material” e externa de um fator intrínseco e particular de cada indivíduo (a curiosidade pela cultura e a expansão do conhecimento de mundo). Por combinar fatores intrínsecos e extrínsecos, o desejo de viajar com o intuito de ampliar o conhecimento de mundo e vivenciar a cultura pode ser classificado com motivação extrínseca integrada, conforme a terminologia adotada pela Teoria da Autodeterminação. No entanto, aspectos culturais como a música, culinária e literatura, que também revelaram ser fatores motivacionais para esses estudantes, são considerados motivação extrínseca, uma vez que são estímulos externos que despertam o interesse e motivação pelo português. Vale ressaltar que, mesmo sendo estímulos externos, tais fatores não deixam de estar atrelados à cultura. 45 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a significativa quantidade de brasileiros e falantes de português que compõem parte do cenário multilíngue e multicultural canadense, sobretudo na cidade de Toronto, coube o questionamento sobre qual é a influência da língua portuguesa e da cultura brasileira no Canadá. Para isso, alunos do curso de português oferecido pela Universidade de Toronto responderam ao questionário utilizado como instrumento de coleta de dados desta pesquisa, a fim de oferecer informações em busca do cumprimento dos objetivos inicialmente estabelecidos: compreender, a partir da influência da língua e da cultura da comunidade brasileira que vive no Canadá, como se dá o ensino-aprendizagem de Português entre os canadenses; observar em que medida os eventos sociais sobre aspectos da cultura brasileira (seja música, culinária, literatura, artes plásticas, etc) realizados no Canadá, contribuem para o interesse e motivação dos nativos em aprender a língua portuguesa e, identificar quais os principais interesses, motivações e finalidades dos canadenses em aprender português. Desse modo, com os dados que foram possíveis de ser coletados dentro do prazo estabelecido, foi possível compreender que o ensino de português para os alunos dos níveis iniciais da Universidade de Toronto se dá principalmente entre a faixa etária dos 18 aos 24 anos, para alunos que, em sua grande maioria, não têm amigos e nem familiares falantes de português. Portanto, a língua portuguesa é distante do cotidiano desses estudantes, tendo pouca influência em suas vidas fora do contexto da sala de aula. Contudo, no que diz respeito à motivação e interesse em aprender a língua portuguesa e a influência da cultura brasileira neste processo de ensino-aprendizagem, os dados coletados apontam que os estudantes são motivados intrinsecamente e extrinsecamente, ou seja, fatores internos e inerentes à eles os motiva, mas também há fatores externos que contribuem para o interesse em aprender português. Nesse sentido, o que foi observado nos dados analisados está em consonância com a resposta do participante F, que disse haver muito mais do que motivações internas para que os estudantes se interessem em aprender português. Desse modo, as motivações internas, ou intrínsecas — conforme a terminologia usada pelos teóricos Decy e Ryan (1985) — que foram identificadas pelos dados do questionário e permeiam o aprendizado de língua portuguesa desses estudantes estão relacionadas com a curiosidade sobre aspectos culturais dos países lusófonos, uma vez que ficou bem evidente que 46 os respondentes reconhecem o valor cultural da língua portuguesa. Em contrapartida, eles não associam a língua portuguesa como sendo uma língua de relevante valor econômico. A partir disso, conclui-se que a curiosidade e valorização de aspectos culturais relacionados à língua portuguesa e aos países lusófonos é um fator predominante na motivação e interesse desses estudantes, que inclusive manifestam o desejo de viajar para países lusófonos, principalmente Brasil e Portugal, a fim de vivenciar de perto a língua e cultura desses países e, consequentemente ampliando o conhecimento de mundo deles. Além disso, observou-se que a motivação intrínseca impulsionada pela curiosidade em conhecer a cultura é ainda mais predominante do que a motivação por razões de benefícios financeiros que a língua portuguesa pode proporcionar. Quanto à contribuição da cultura brasileira para o interesse e motivação desses alunos em aprender a língua portuguesa, pode-se concluir que os eventos sociais, realizados no Canadá, sobre aspectos da cultura brasileira não são um fator contribuinte para a motivação e interesse desses estudantes. Contudo, os participantes mostraram ter muito interesse pelas músicas e culinária brasileira, sendo estes fatores de motivação extrínseca — conforme a terminologia de Decy e Ryan (1985) —, ou seja, a música e culinária brasileiras são fatores externos que impulsionam o interesse pela língua portuguesa. Portanto, a respeito da influência da cultura brasileira no aprendizado de português entre os alunos da Universidade de Toronto, apenas a música e culinária brasileira mostraram ser aspectos culturais do Brasil que despertam interesse pela língua, confirmando, enfim, o que foi mencionado anteriormente: o principal fator de motivação e interesse desses estudantes em aprender a língua portuguesa se dá pela curiosidade em conhecer a cultura dos países lusófonos. 47 REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO, JCP. Ensino de português língua estrangeira/EPLE: a emergência de uma especialidade no Brasil. In LOBO, T., CARNEIRO, Z., SOLEDADE, J., ALMEIDA, A., and RIBEIRO, S., orgs. 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