Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ A SANCTA SAPIENTIA MEDIEVAL – ENIGMA E MISTÉRIO NO TEATRO CRISTÃO DE ROSVITA DE GANDERSHEIM Gilberto Figueiredo Martins  RESUMO: No âmbito dos Estudos Literários, a teoria, a crítica e a historiografia acerca da literatura produzida na Idade Média avançaram muito, a partir de 1940, com as obras de Ernst Curtius, Mikhail Bakhtin e Erich Auerbach. A despeito dos progressos, permanecem na sombra alguns aspectos específicos, com incursões pontuais conquanto significativas: é o caso da fortuna crítica sobre a produção literária feminina no período. Rosvita foi canonisa e viveu no convento beneditino de Gandersheim (Alemanha), no século X d.C.. Influenciada por Terêncio, escreveu em latim peças teatrais nas quais apresentava figuradamente questões teológicas, a fim de difundir a doutrina cristã. O tema do martírio mereceu destaque, sendo o foco central da peça Sabedoria, ambientada no tempo do imperador romano Adriano. No ensaio, analisa-se este texto dramatúrgico, discutindo, ao final, de que modo as categorias de símbolo, enigma, alegoria e mistério são mobilizadas pela autora como recursos expressivos e elementos estruturais. PALAVRAS-CHAVE: Teatro medieval cristão; Rosvita de Gandersheim; martírio; enigma e mistério. THE MEDIEVAL SANCTA SAPIENTIA - ENIGMA AND MYSTERY IN ROSVITA DE GANDERSHEIM’S CHRISTIAN THEATER ABSTRACT: Within the scope of Literary Studies, theory, criticism, and historiography about the literature produced in the Middle Ages developed considerably from 1940 on, with the works of Ernst Curtius, Mikhail Bakhtin, and Erich Auerbach. In spite of the progress made, some specific aspects remain in the shadow, with incursions which were punctual though meaningful: that is the case of the critic fortunes about women‟s literary production in that period. Rosvita was a canoness and lived in the Benedictine convent of Gandersheim (Germany), in the 10 th century A.D. Coming under Terence‟s influence, she wrote theater plays in Latin in which she figuratively presented theological issues in order to spread the Christian doctrine. The martyrdom issue deserved to be put in relief and was the focal point of the play Wisdom, which took place at the time of the Roman emperor Adrian. This paper analyzes that dramatic text discussing, at the end, how the categories of symbol, enigma, allegory, and mystery are organized by the author as expressive resources and structural elements. KEYWORDS: Christian medieval theater; Rosvita de Gandersheim; martyrdom; enigma and mystery. /.../ renunciando por uma vez a seus princípios de tolerância, o imperador cometeu o erro de deixar massacrar um grupo de cristãos. Eu próprio tenho pouquíssima simpatia por essa seita, mas o espetáculo de velhos açoitados e de crianças torturadas contribuiu para a agitação dos espíritos e tornou mais odioso ainda aquele inverno. (YOURCENAR, 1988, p. 86)  Graduado em Letras pela USP, onde concluiu seu Mestrado e Doutorado em Literatura Brasileira. Atualmente, é professor do Departamento de Literatura da Universidade Estadual Paulista (UNESP), câmpus de Assis (SP), realiza estágio de pós-doutoramento na UNICAMP e é aluno do curso de Especialização em História das Religiões da UEM (PR). E-mail: bettomartins@uol.com.br. mailto:bettomartins@uol.com.br Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 70 Tamanho abuso de força ser-me-ia tanto mais reprovado quanto mais eu me aplicasse, para o futuro, em ser clemente, escrupuloso ou justo; servir-se-iam disso para provar que minhas supostas virtudes não eram senão uma série de máscaras. Com esses argumentos seria fácil criar em torno do meu nome uma reputação de tirano que me seguiria talvez até o fim da História. Confessei-lhe meus temores: não me sentia inteiramente isento de crueldade nem de outras taras humanas: acreditava no lugar-comum que prescreve que o crime atrai o crime, e na imagem do animal que já provou o gosto do sangue. (YOURCENAR, 1988, p. 108) Foi por essa época que Quadrato, bispo dos cristãos, enviou-me uma apologia da sua fé. /.../ Li sua obra; tive mesmo a curiosidade de mandar recolher por Flégon informações sobre a vida do jovem profeta chamado Jesus, que fundou a seita e morreu vítima da intolerância judaica há cerca de cem anos. /.../ não deixei de apreciar o encanto enternecedor daquelas virtudes de gente simples, sua doçura, sua ingenuidade, a dedicação recíproca /.../. Mas eu era sensível também a certos perigos. A glorificação das virtudes da criança e do escravo fazia-se em detrimento de qualidades mais viris e mais lúcidas /.../. Passei uma noite toda a discutir /.../ a injunção que consiste em amar o próximo como a si mesmo; é demasiado contrária à natureza humana para ser sinceramente obedecida pelo homem comum, que jamais amará senão a si mesmo, e não convém de modo algum ao sábio, que nunca se ama particularmente a si próprio. (YOURCENAR, 1988, p.219-221) /.../ põe a cabeça aqui, ela diz, aqui, duríssima cabeça na junção dos meus seios, ela diz, é uma puta de falas finas, ilustrada fala Matias, não, Matias diz instruída, recônditos relises, reinados reginas rosvita Von Gandersheim aquela que escreveu sobre Maria do Egito, a eremita, vinde putanas várias magdalas madalenas, aquela outra de Siracusa, degolada só porque era casta, isto é, cristã. (HILST, 1997, p. 76-77) Parole de femme O desenvolvimento dos estudos medievalistas no século XX jogou luz alentadora sobre uma época histórica acerca da qual se formulam marcadamente juízos equivocados e análises simplistas, pautados em generalizações descaracterizadoras e apropriações indébitas, tão ao gosto do senso-comum - avesso à precisão dos conceitos e à multiplicidade do real -, que tende a se apoiar em um apriorismo homogeneizante, diluidor de contornos e rasurador de diferenças. No âmbito dos Estudos Literários, a teoria, a crítica e a historiografia acerca da literatura produzida na Idade Média avançaram muito, a partir dos anos 1940, com a publicação das obras de Ernst Curtius, Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 71 Mikhail Bakhtin e Erich Auerbach 1 . A despeito dos progressos, permanecem na sombra alguns aspectos específicos, com incursões pontuais conquanto significativas: é o caso da fortuna crítica sobre a produção literária feminina no período 2 . Ria Lemaire alerta para o obstáculo epistemológico oferecido pelo paradigma tradicional e europeu da ciência da literatura, o qual teima em desconsiderar e, por fim, obscurecer “tanto as relações dialéticas entre a sociedade, o momento histórico, o artista e a sua produção, quanto as funções ideológicas que a obra de arte estava exercendo dentro desse contexto histórico” (LEMAIRE, 1990, p. 13-14) 3 . Propondo-se a evitar tal risco, detém-se na análise de cantigas medievais que tematizam a infelicidade das malcasadas e compara as escritas por mulheres àquelas nas quais o homem escreve simulando a perspectiva feminina, numa espécie de estilo em falsete. Neste último caso, encontram-se os poetas religiosos, “cujos textos divulgam a doutrina oficial da Igreja” e se destinam “explicitamente para mulheres, para educá-las” (IDEM, p. 19): Pequenas alterações já podem transformar a mulher assertiva e sexualmente ativa da canção de mulher num modelo passivo e servil de castidade e de amor espiritual. Esse tipo de amor se torna o ideal da canção religiosa; o amante da mulher será o próprio Cristo. A mensagem dirigida às mulheres pelos poetas religiosos é a seguinte: se a mulher quer ser feliz e respeitada, tem que deixar o mundo, tem que desistir da sua liberdade, do ar livre e de todo prazer do corpo, sublimando o desejo sexual em amor espiritual. É a negação completa do poder e do corpo da mulher, cujo ideal de vida tem que ser o da clausura, da reclusão por trás do espaço cercado e debaixo do teto /.../ do convento. (IDEM, p. 19-20). Assim, predominaria, nos textos cujo registro escrito permaneceu, o ponto de vista do “saber socialmente dominante que quer sempre apresentar-se como único e universal”, de modo a legitimar mecanismos de exclusão social 4 . 1 Refiro-me, especialmente, a Literatura Européia e Idade Média Latina, de Curtius (EDUSP/Hucitec); A cultura popular na Idade Média e no Renascimento (Hucitec/UnB) e Questões de Literatura e de Estética (UNICAMP/Hucitec), de Bakhtin; Mimesis (Perspectiva) e Figura (Ática), de Auerbach. 2 Exceção digna de nota é a obra de Peter Dronke, As escritoras da Idade Média (infelizmente não editado no Brasil), a qual, aliás, traz um capítulo sobre Rosvita de Gandersheim, foco deste estudo. 3 “A canção da malmaridada”. 4 O texto de Ria Lemaire – então professora da Universidade de Utrecht/Holanda - foi originalmente apresentado em conferência no II Encontro Nacional da ANPOLL, em julho de 1989. Na ocasião, o debate gerou o texto “Entre a voz e a imagem”, de Valéria de Marco (da USP), depois publicado no mesmo volume, do qual extraí os trechos citados entre aspas (p. 31); o que igualmente ocorreu no caso do ensaio da professora Lúcia Helena de Carvalho (da UFF) - “A ponta farpada ou O lugar marcado da mulher no discurso da tradição” (pp. 35-41) -, mencionado a seguir. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 72 Comentando tais idéias sobre a lírica trovadoresca, Lúcia Helena de Carvalho afirma que a pesquisadora estrangeira recupera a “polêmica sobre a identidade feminina e a livre manifestação cultural desta condição” e “reconhece na poesia de amor cortês o momento histórico em que o discurso feminino se vê apropriado, imitado e deturpado pelo saber do homem, servindo-lhe para consolidar através da tradição escrita uma certa visão estratificada da mulher” (GOTLIB, 1990, p. 35); Lemaire contribuiria, portanto, para a revisão de “uma história da opressão do discurso feminino na civilização ocidental moderna”: A história da cultura ocidental, ao consolidar-se segundo a tradição do saber masculino, destinou à mulher um lugar marcado feito de silêncio e estereótipos, introjetando no psiquismo feminino a expectativa de corresponder docilmente a esses modelos. /.../ A mulher, por não ter direito à palavra, termina por não poder sequer falar e passa a guardar tudo com ela, criando, em revanche, uma certa forma de domínio, através de um suplemento de mistério e obscuridade, transformando toda palavra num enigma indecifrável, o que lhe tem valido ainda por parte dos homens a acusação de insinceridade e dissimulação, conforme comenta Sarah Kofman, no livro L’enigme de la femme (1980). (IDEM, pp. 36 e 38). É ainda Ria Lemaire quem apresenta a tese de que às divisões do trabalho entre os sexos corresponderia uma gradativa separação entre os gêneros literários do mundo medievo, os quais pertenceriam ou aos homens, ou às mulheres, geralmente cabendo a estas, de início, os mais especificamente vinculados à oralidade e ao lirismo: “/.../ ao passo que dentro das tradições orais a divisão tradicional persistiu durante séculos ainda, na tradição escrita os homens conseguiram monopolizar o trabalho literário, apropriando-se dos gêneros, líricos e outros, que tradicionalmente pertenciam às mulheres. Conseguiram isto, graças a várias estratégias, passando da imitação pura e simples, à adaptação e à recriação, antes de eles acabarem por inventar e impor as suas próprias formas e conteúdos líricos e narrativos”. Conseqüentemente, cria-se (e permanece até hoje) a “impressão de que o trabalho literário era monopólio do sexo masculino” (LEMAIRE, 1990, p. 19). Pleiteando a “desconstrução radical desta historiografia”, a autora conclui: Foram, globalmente, essas visões masculinas que ficaram consignadas por escrito e, por isso, conservadas no cânon do que é agora “A Literatura”. As versões originais das mulheres perderam-se ou sobreviveram nas tradições orais, marginalizadas e desprezadas Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 73 cada vez mais no mundo europeu, na medida em que a elite intelectual e burguesa conseguia impor a sua ordem política e cultural às outras camadas e classes da sociedade. Foi assim que nasceu essa versão da história da literatura ocidental que a apresenta como uma história de obras escritas e quase exclusivamente masculinas, originando uma historiografia dessa literatura que se baseia no pressuposto de que a literatura ocidental se compõe de uma longa série cronológica, ininterrupta, de obras escritas por uma elite intelectual masculina, desde a Antigüidade grega de Homero até os nossos dias. Uma só tradição, um só cânon, uma só literatura. (IDEM, p. 32). Mesmo sendo preciso relativizar e matizar afirmações radicalizadas (as quais se aproximam perigosamente, em direção inversa, de práticas discursivas que pressupõem corrigir), tal crítica, de viés ginocêntrico, acaba por acertadamente propugnar pela revisão do cânone literário medieval e convida a uma escuta mais atenta das vozes femininas que sussurravam nos claustros e enviavam loas aos céus, onde queriam ver alicerçada sua definitiva morada 5 . O Clamor Validus de Gandersheim Fundado no ano de 852 d.C., por ancestrais da Casa Real Otomana, o mosteiro de Gandersheim situa-se na Alemanha, “no Reino Germânico Saxônico, nome da França Oriental a partir de 911” (BOVOLIM, 2005, p. 12) 6 : /.../ ao lado de Quedlinburg, Gandersheim era /.../ o mais importante convento real da Saxônia /.../. Através do Imperador Oto I, Gandersheim ocupou uma alta posição, quando alcançou, por um decreto real, o título de principado independente, o que significava que todos os habitantes da cidade, exceto os criados, passaram a pertencer, por nascimento, à nobreza. A cidade passou a ter autonomia para cunhar moedas, realizar julgamentos, responder diretamente ao papa, sem intermédios, e até ter seu próprio exército. Além disso, teria sido usado, inclusive, como palácio do imperador durante um ano. Em Gandersheim, a imperatriz Theophanu trouxe ao mundo sua terceira filha, Matilde, e deixou guardado seu arquivo pessoal. O imperador Oto obteve até um privilégio de proteção papal para o convento de Gandersheim, o qual restringia a autoridade do 5Com perspectiva crítica semelhante, LOBO (1999, p. 566) refere-se a “exceções, autoras que, no período medieval e renascentista, já em línguas modernas, apresentavam uma produção marcante. Eram essas, por exemplo, rainhas como Marie de France (antes de 1170) [e] Eleanor de Aquitaine (século XII) /.../”. Para o nosso estudo, como se verá, interessa ainda a menção que Luiza faz, no mesmo ensaio, à tendência desse “paradigma ginocêntrico” de respaldar “a identificação da mulher com o mito de „sofia‟ (sabedoria)” – ou Hokmah em hebraico - e de entender “o divino como feminino” (p. 569). Ver, também, os estudos de Peter Dronke, no livro mencionado em nota anterior. 6 Informações mais detalhadas sobre o tema podem ser encontradas na introdução ao volume que traz as peças traduzidas para o espanhol (GANDERSHEIM, 2003, p. 8-19). Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 74 soberano da diocese, o Bispo de Hildesheim, e assegurava às abadessas uma maior autonomia (BRAGANÇA JR. e MARQUES, s/d, p. 1). Neste convento viveu, no século X, a canonisa Rosvita (ou Hosvita, ou ainda Hrotsvita, entre outras tantas grafias correntes 7 ), autora de poemas e peças teatrais, descobertos no final do século XV, no convento de St. Emmeran, em Regensburg, pelo humanista alemão Conrad Celtis 8 . Dentre suas obras dramáticas, destaca-se Sabedoria, traduzida do latim para o português por Luiz Jean Lauand 9 . Na peça, cuja ação decorre no início da era cristã, durante o império de Adriano, as personagens Sabedoria e suas três filhas – Fé, Esperança e Caridade – são estrangeiras que, chegadas a Roma 10 , vêem-se denunciadas ao imperador pelo severo Antíoco, por ameaçar a ordem do Estado e a “concórdia do povo”, ao difundir “a divergência de culto” e induzir à disrupção social pela “prática da religião cristã” 11 . Graças a elas – e como em Lisístrata (411 a.C.), do grego Aristófanes -, as mulheres romanas estariam, inclusive, organizadas em torno de uma greve de sexo, segundo relata 7 Hipóteses sobre a origem, variantes e significados possíveis do nome da escritora encontram-se no ensaio introdutório escrito por Andrés José Pociña López para a edição espanhola das peças teatrais de Rosvita (GANDERSHEIM, op. cit., p. 8-9). O autor também lembra que, embora no monastério alemão vivessem monjas e canonisas, provavelmente Rosvita tenha sido uma destas últimas e que, por isto, tenha feito votos de castidade e obediência, mas não de pobreza, podendo dispor de seu patrimônio pessoal e, inclusive, sair com freqüência do claustro para se relacionar com o resto da sociedade. 8 Cf. BOVOLIM, op. cit., p. 12; BRAGANÇA JR. e MARQUES, op. cit., p. 3. Lê-se em BOVOLIM (p. 88): “Segundo Aurora López, as obras de Rosvita estão divididas em três livros. O livro I contém uma dedicatória em dísticos a Gerberga, abadessa de Gandersheim, e oito poemas de temas e conteúdos hagiográficos; o livro II, um prefácio em prosa rimada destinado aos sábios conhecedores do Livro e seis dramas segundo o modelo de Terêncio; o livro III, uma carta a Gerberga II, duas crônicas contando as façanhas do Imperador Oton I e do seu filho Oton II e as Primordia Coenobii Gandeshemensis, que relatam as origens do mosteiro onde passou a maior parte de sua vida.” 9 A peça também é conhecida com o título Martírio das santas virgens Fé, Esperança e Caridade. 10 Itinerância que parece corresponder a princípios cristãos da época, segundo os quais “o mundo era cheio de ilusões e ocasiões de pecado. Logo, era melhor renunciar às criaturas e viver nesta terra como peregrino e estrangeiro: era pelo exílio que se conquistava o Reino” (VAUCHEZ, 1995, p. 41) 11 LAUAND, 1986, p. 46-47. Embora em direção distinta (pois não se detém nos ritos cristãos) e referindo-se a período anterior ao retratado pela peça, Amanda Giacon PARRA (2009, p. 81) fornece alguns dados acerca da variedade de cultos religiosos estrangeiros que já marcavam o mundo romano antes mesmo do século II d.C.. Apoiada no trabalho de Paolo Scarpi (Politeísmos: as religiões do mundo antigo), ela afirma: “/.../ havia outros cultos que não estavam relacionados ao mos maiorum, à tradição do Estado romano. /.../ Essa entrada de deuses estrangeiros, a chamada externa superstitio, foi um problema para os romanos, pois a cidade sempre esteve receosa em relação a crenças estrangeiras. Os representantes do Estado romano não viam com bons olhos essas crenças. Para o Estado, o caráter secreto das cerimônias das divindades estrangeiras poderia ocultar perigosas reivindicações de massa popular, que aderia a elas em grande número. Com a chegada dessas inúmeras crenças em Roma, a condição das mulheres romanas parece ter mudado consideravelmente. Os novos rituais traziam a possibilidade de sacerdócios femininos, possibilitando, portanto, uma ampliação da liberdade feminina”. No texto de Rosvita, o personagem Antíoco diz a Adriano: “/.../ anseio por que seja erradicado e, o quanto antes, completamente despedaçado, tudo quanto julgo que possa abalar o Estado ou ferir a tranqüilidade do espírito”. Para depois inquirir: “O que é que pode perturbar mais a concórdia do povo que a divergência de culto?” (p. 46-47). Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 75 o colaborador de Adriano: “ANT.: /.../ Pois nossas esposas, desdenhando-nos, nos desprezam a tal ponto que não se dignam comer conosco e menos ainda dormir conosco.” (p. 47) 12 . No palácio, defrontadas com o soberano, mãe e filhas negam-se a render culto a Diana, divindade pagã (correspondente à deusa Ártemis, no panteão grego); se o fizessem, conseguiriam gozar dos mesmos favores concedidos a quem portava a cidadania do orbe romano 13 . As três crianças, em represália, são torturadas e mortas 14 . Antes disto, Sabedoria enfrenta a autoridade de Adriano, propondo-lhe problemas matemáticos que ele não sabe resolver. Finalmente, após enterrar as filhas, longe de Roma e com a ajuda de matronas, a mãe também opta pela morte, para se encontrar com elas e Cristo na eternidade. Embora a ação do texto dramático seja ambientada no século II d.C., antes, portanto, do aflorar da tradição monacal, Rosvita dota suas personagens de características semelhantes às que distinguiam o perfil das mulheres que viviam em Gandersheim 15 , as quais constituíam, por sua vez, a audiência da peça (tenha sido ela de fato encenada ou apenas lida, silenciosamente ou em grupo 16 ). Assim, a autora reafirma 12 No ensaio “Kids say the darndest things: Irascible children in Hrotsvit‟s Sapientia”, Daniel Kline (in BROWN et al., 2004, p. 77-95) afirma que, na peça, a ameaça de uma potencial guerra cívica é figurada como discórdia doméstica: a negação da boa convivência e das prerrogativas masculinas de acesso ao corpo feminino alertariam o Imperador do risco a que se via submetida a linhagem patriarcal da civitas romana. Ver, ainda, o capítulo 4 do livro de Peter BROWN (1990), sobretudo as observações acerca dos Atos de S. Judas Tomás, texto lendário do “cristianismo encratita na Síria”, do século III, onde “as mulheres já casadas foram exortadas a rejeitar seus maridos” (p. 90), realizando o “boicote do ventre”: “A exortação de Tomás, portanto, foi para que as mulheres rejeitassem seus maridos, e não mais apenas para que os homens resistissem à sedução feminina. Isso marcou um deslocamento significativo da ênfase. As demais tradições cristãs haviam-se contentado em encarar a sexualidade apenas tal como podia ser vivenciada pelos homens. /.../” (p. 91). Veja-se, então, como, séculos depois, a obra de Rosvita repõe e re(a)presenta embates que marcaram os primeiros trezentos anos de difusão do Cristianismo... 13 “ADR.: Ilustre matrona, com bons modos convido-te a dar culto aos deuses, para que possas gozar de nosso favor” (LAUANDE, 1986, p. 49). Logo depois, Adriano oferece-se às meninas como pai e amigo, assumindo uma “conduta de amor paterno” (p. 49), a sugerir a necessidade de uma suplência masculina que permitisse à mulher ingressar nos altos escalões da sociedade romana (cf. Kline, in BROWN et al., op. cit., PP. 79-80). 14 “Ser santo, então, era morrer não só por Cristo, mas como ele. Desde o começo, portanto, santidade e martírio eram inseparáveis. Nos primeiros quatro séculos da era cristã, a perseguição romana era tão generalizada que ser cristão era assumir o risco de um eventual martírio” (ANDRADE, op. cit., p. 242). 15 VAUCHEZ (1995, p. 39-40) apresenta a idéia, corrente na Idade Média, de que a vida do claustro era tida como “estado privilegiado, que permitia o retorno da Criatura para o seu Criador, através de um serviço fiel a Ele prestado”, possibilitando ao religioso uma “comunhão com habitantes do céu”, pela via da “prática da ascese e da mortificação” (assumindo-se uma “vida angelical, longe dos prazeres e das tentações deste mundo” e a “observância regular” de “atitudes espirituais adequadas”, pautadas em uma efetiva ”vontade de purificação”). No livro, o autor vincula tais práticas à “dimensão escatológica do monaquismo”: sua preocupação com a morte e a idéia fixa sobre o fim dos tempos. 16 BOVOLIM, 2005, p. 91-92. Na já mencionada introdução à edição espanhola das peças, Andrés López detém-se na discussão sobre o público a que elas se teriam destinado, embora sem apresentar uma hipótese convincentemente conclusiva (GANDERSHEIM, op. cit., pp. 34-42). Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 76 sua consciência da dimensão formativa e pedagógica do teatro e do que ele guarda de speculum e de spectaculum. Decorre daí, por um lado, a adesão do texto aos princípios da regra beneditina, destacadamente a que proclama “se os monges devem possuir alguma coisa de próprio” e a que prescreve o tratamento destinado aos “filhos dos nobres ou dos pobres que são oferecidos ao mosteiro” 17 ; entretanto, por outro lado, se explica o destaque dado na peça à alta ascendência das mulheres, origem partilhada pelas espectadoras, que nelas se vêem representadas. Quando o imperador Adriano encontra pela primeira vez Sabedoria com as três filhas, elogia-lhes a beleza e o porte, depreendendo sua estirpe e proveniência: ADR.: Estou estupefato diante da beleza de cada uma delas, e não sou capaz de deixar de admirar seu porte pleno de dignidade. /.../. ADR.: Pareces ser de alta estirpe, mas quero saber com mais exatidão tua pátria, tua família e teu nome. SAB.: Embora a altivez do sangue seja entre nós de pouca importância, no entanto, não nego ter uma origem ilustre. ADR.: O que não me surpreende. SAB.: Pois, de fato, foram meus pais os mais eminentes gregos e meu nome é Sabedoria. ADR.: A nobreza refulge no teu rosto e a Sabedoria do nome brilha na face. (pp. 48-49) Se, antes de conhecer as oponentes, o tirano referia-se a elas pejorativamente, em grau depreciativo – o tradutor brasileiro opta pela expressão “pequeninas mulherzinhas” -, quando as vê e sabe de sua linhagem, dirige-se à mãe com o vocativo “Ilustre matrona”. E a consciência do próprio lugar de fala parece justificar, ao menos em parte, a ousadia e petulância com que a mulher (e mesmo as meninas) põe(m) em 17 Na oração com que se encerra a peça, Sabedoria faz referência, ainda, à “promessa” de Cristo, dirigida àqueles que venerassem Seu nome e “abandonassem o uso da posse das coisas terrenas ou pospusessem o afeto carnal dos parentes” (p. 68; neste último caso, o do incesto, seguindo-se também o que pregara o apóstolo e teólogo Paulo em suas epístolas). Os princípios normativos – venerados e intocáveis - que norteiam as ações e formas da vida espiritual dos religiosos e religiosas ocidentais nas instituições monásticas, à época de Rosvita, encontram-se reunidos no volume A Regra de São Bento. A edição que utilizo foi traduzida por D. Basílio Penido, OSB, e publicada em 1993 pela editora Vozes, de Petrópolis (RJ). Os capítulos mencionados localizam-se às páginas 64 e 59, respectivamente. Segundo A Regra, a fim de desenvolver sua “aspiração para as coisas do céu”, os beneditinos deveriam adotar uma postura de “contemptus mundi”: “desprezar as coisas da terra” e “refutar o mundo, para edificar o homem novo, chamado a tomar lugar junto de Deus”; em suma, estariam obrigados a exercitar uma ”depreciação sistemática das realidades temporais e carnais, [o] que ia muito mais longe do que uma simples advertência contra os abusos resultantes de um uso imoderado dos bens materiais”, radicalidade que se explicava graças a um “julgamento fundamentalmente pessimista sobre as realidades temporais, as atividades terrestres e o amor humano, isto é, sobre a vida profana em seu conjunto” (VAUCHEZ, op. cit., p. 41). Ver, também, BOVOLIM (2005, p. 16-17). Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 77 xeque a autoridade do líder político, enfrentando-o sem freio na língua 18 . Além disto, é claro, prevalecem a força e a confiança de quem se sabe alistada no exército d‟Aquele “que governa todas as coisas, Aquele que não conhece derrota [e] não permite que os seus sejam vencidos pelo inimigo” (p. 48). Aliás, se retomarmos e assumirmos a perspectiva crítico-ideológica de leituras como as de Lemaire, mencionadas no início deste ensaio, fica fácil aproximar a postura de Sabedoria ao modo peculiar como a própria Rosvita se inscreve na tradição literária ocidental... A autora, conhecida como a “voz forte” de Gandersheim, provavelmente fazia parte do que VAUCHEZ (1995, p. 40) nomeia de “aristocracia espiritual” do período: Se a aristocracia leiga se distinguia nitidamente da massa dos trabalhadores, em contrapartida ela viveu em estreita simbiose com o clero e principalmente com os monges. Senhores e religiosos tinham em comum o fato de que eram os donos do solo e não trabalhavam com suas próprias mãos. Por outro lado, a maioria dos monges coristas eram oriundos de famílias nobres: em muitos mosteiros, os filhos oferecidos por seus pais – os oblatos – só eram aceitos se tivessem um dote; além disso, para saber ler em latim, era preciso ter estudado, o que só era possível naquela época – com ilustres exceções – no ambiente senhorial. Assim, abadias e mosteiros foram refúgios para os filhos e filhas mais novos das linhagens aristocráticas, que encontraram na instituição monástica uma solução para seus problemas de sucessão. Enfim, a Igreja considerava que a nobreza do sangue conferia um prestígio sacro e criava uma predisposição natural para a santidade /.../. Por todos esses sinais, medem-se os laços estreitos que uniam o meio senhorial e o mundo dos claustros. Desse encontro, nasceu uma espiritualidade simultaneamente monástica e feudal, que marcou a vida religiosa da sociedade ocidental de maneira exclusiva até o começo do século XII, e cujos efeitos se fariam sentir até o fim da Idade Média. (VAUCHEZ, 1995, p. 34-35). Não é de se estranhar, inclusive, que parte da crítica ressalte o aspecto elitista de certo teatro religioso medieval – e do de Rosvita, em particular (apesar de também lhe apontarem o suposto mau uso do latim) -, provavelmente resultado da sua filiação ao teatro latino clássico. Por exemplo, avalia GASSNER (2002, p. 158-159): 18 Encarnando mais explicitamente ainda o aspecto negativo do princípio masculino instaurado no poder, Antíoco tentará insistentemente censurar o discurso da matriarca: “Modera teu palavreado /.../”; “Pensa bem no que vais falar” (p. 48). À tentativa de imposição do silenciamento, a mulher responde com a convicção de quem se escuda numa religião centrada na força do Verbo revelado e feito carne: “Isto [silenciar] nos é proibido pela palavra do Senhor que nos prometeu os insuperáveis dons da Sabedoria” (p. 48). Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 78 De início, os clérigos, que desprezavam o teatro popular, contentaram- se com piedosos esforços nos monastérios onde o estudo clássico não fora totalmente destruído pela derrocada do Estado romano. Estamos familiarizados com o trabalho de determinada freira na Abadia Beneditina de Gandersheim, na Saxônia, de nome Hrosvitha, diversamente aclamada como “a Safo cristã” e “a voz cristalina de Gandersheim”, que glorificou o martírio e a castidade em peças modeladas segundo as refinadas comédias de Terêncio. Esses exercícios nos claustros beneditinos dirigiam-se a um pequeno círculo de eruditos e o espírito dessa atividade teatral /.../ carecia dos elementos populares tão necessários à criação de uma dramaturgia vital. (GASSNER, op. cit., p. 159). 19 Rosvita de Gandersheim sofreu influência do dramaturgo romano Terêncio, considerado o “introdutor dos sentimentos e da análise psicológica na comédia” (SOEIRO, 2006, p. 41), e autor que se dedicou a “captar o espírito dos originais gregos praticamente sem nenhuma concessão ao gosto popular” (SOEIRO, 2006, p. 43) 20 , sendo considerado, portanto, “um modelo latino de pureza de estilo”, e, também por isto, “o único dramaturgo tolerável para os clérigos medievais da Europa Ocidental” (GASSNER, 2002, p. 114-115). Sobretudo em sua última obra, Adelphoe (séc. II a. C) – na qual funde, pelo processo de contaminatio, cenas de peças dos gregos Menandro e Dífilo –, Terêncio expõe como motivo central o “problema fundamental da família e, portanto, da sociedade – a educação”, sendo, por isso, “chamada de comédia de tese” 21 . Na Idade Média (e depois durante as missões colonizadoras jesuíticas), os autores de 19 Em nota de rodapé, que não prescinde de certo tom irônico, o autor destaca a importância da obra da dramaturga e seu caráter inovador e, em certa medida, ainda hoje atual: “A vida de Hrosvitha reflete uma renascença menor na Alemanha durante o reino dos Otos saxões. Oto o Grande era um patrono do convento de Gandersheim, que se tornou um centro de mulheres cultas. As seis comédias de Hrosvitha (Gallicanus, Dulcitius, Sapientia, Abraham, Callimachus e Paphnutius) são escritas num péssimo latim. Embora sejam chamadas „comédias‟ e tenham sido escritas para suplantar as peças de Terêncio, a quem ela abominava, falta-lhes humor. /.../ Essas comédias pertencem ao martirológio medieval e são agraciadas com o título „comédia‟ apenas no sentido medieval, como é o caso da Divina Comédia de Dante – isto é, porque terminam de forma feliz com a redenção de suas heroínas quando estas são martirizadas. Não obstante, Hrosvitha é importante porque antecipa o progresso posterior do „milagre‟ e das „moralidades‟. /.../ Afora isso, a culta freira compôs vários poemas em latim comemorando o reinado de Oto e a história de seu convento. /.../ Uma ardente feminista encontraria muito conforto na carreira dessa dama do século X que pode ser descrita como uma devota George Sand” (GASSNER, op. cit., p. 159). 20 SOEIRO lembra que “a linguagem de Terêncio foge à vulgaridade da de Plauto: é a linguagem familiar das pessoas de boa educação. Assim sendo, está ausente de sua obra o cômico que resulta do emprego de termos grosseiros ou obscenos, o equívoco em que uma expressão possa ser tomada em sentido erótico; também lhe é estranha a comicidade provinda da maledicência desenvolta de escravos impudentes”. 21 SOEIRO, id.. Margot BERTHOLD (2001, p.147) ratifica: “O refinamento urbano e perfeição formal de seus diálogos, as personagens cuidadosamente desenhadas e seu desenvolvimento no curso da ação – tais eram as coisas que Terêncio desejava ver apreciadas com a devida atenção. Seguia meticulosamente os modelos gregos e fazia o máximo para não exceder a plausibilidade da fábula. Mas fazê-lo não era de todo fácil, porque Terêncio, como Plauto, amiúde „contaminava‟ sua obra com duas ou três peças já existentes”. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 79 filiação cristã aprenderam com o antecessor latino o alcance potencial da educação não só como motivo temático, mas a encararam sobretudo como objetivo e fim último da arte teatral: O surgimento de uma poderosa tradição dramática no seio da Igreja da Idade Média tardia parece paradoxal à luz das suspeitas que os antigos padres nutriam em relação à arte; entretanto, os pontos de vista novo e velho partilhavam uma teoria comum: a do drama como instrução. Tertuliano e Santo Agostinho insistiam nas origens, temas e preocupações pagãs do drama clássico. Mas não poderia o atrativo do drama, perigoso quando pregava tais valores, ser aproveitado para o bem se devotado a assuntos e preocupações cristãs? Tal foi, precisamente, o objetivo da freira saxônica Hrotsvitha (c. 935-973). O prefácio de sua coletânea de comédias cristãs revela inquietação por aqueles que foram induzidos a “atos criminosos” pela leitura de Terêncio, propondo anular esse efeito prejudicial com a “celebração da castidade das virgens cristãs, na mesma forma de composição que os antigos empregavam para pintar as vergonhosas ações de mulheres imorais”. (CARLSON, 1997, p. 33). Penso que deveriam fazer parte do corolário de princípios da atitude revisionista que intenta reavaliar o lugar de Rosvita e de outras escritoras medievais na história da literatura e do teatro ocidentais o reconhecimento e a valorização dos recursos expressivos e dos elementos estruturais e estilísticos mobilizados em seus textos – na contramão da crítica, hoje tão em voga, mais afeita aos pressupostos dos chamados Estudos Culturais e do pensamento feminista, cujo esforço interpretativo restringe-se quase sempre ao conteúdo, ao plano das idéias e temas, em detrimento da análise da forma (compreendida aqui como matéria histórica decantada). Afinal, para nos determos no caso da produção dramática em foco, a monja de Gandersheim aprendeu também com o antecessor Terêncio fórmulas e moldes eficientes para a organização estrutural da dramaturgia, aos quais acrescentou traços próprios (BOVOLIM, 2005, p. 93-94). Analisando certa feição esquemática dos dramas medievais, Da Costa (1994, p. 35-36) observa que, em muitos deles, os autores abrem mão de elos explicativos ou causais entre os episódios, que apenas se sucedem de modo a fixar uma atmosfera de imobilidade, primeiro devido ao fato de “o resultado ser dado a priori”; depois, porque as ações se articulam sob uma “estrutura em que cada novo movimento engendra-se a partir do mesmo ponto no qual o anterior se instaura e no mesmo sentido que ele percorrera”. Assim, conclui, nas peças “a estrutura da ação /.../ é de círculos e voltas repetidas”, à qual corresponde, no plano das idéias, a “univocidade nos conteúdos Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 80 religiosos sob a forma de lição moral”, a saber, “o pressuposto de que os bens da vida eterna são infinitos e verdadeiros, enquanto riquezas e prazeres terrenos, falsos e perecíveis” (p. 36). Isto é verificável em Sabedoria, sobretudo quando considerados os episódios dos martírios das três crianças; no entanto, é preciso reconhecer alguns traços distintivos na fatura do texto de Rosvita, que atestam sua destreza no uso dos instrumentos da carpintaria teatral: a divisão criteriosa em cenas (são nove, na versão em português), partindo da entrada de novos personagens ou de alguma alteração significativa das ações e diálogos; a referência, nas falas, a fatos ocorridos fora do palco (em tempos ou espaços diferentes daqueles do núcleo dramático: o que chamaríamos hoje de inserções épicas no teatro 22 ); a combinação bem dosada de imagens e discursos simbólicos/alegóricos e a notação/representação realista; a configuração – mesmo facilitadoramente maniqueísta – de um conflito gerador da ação etc.. Quanto à representação teatral propriamente, sabemos muito pouco: como é recorrente na época, são raras as indicações cênicas postas em rubricas ou didascálias. Sabe-se que, durante parte da Idade Média, mesmo os papéis femininos costumavam ser representados por homens (clérigos e eruditos, por exemplo). No entanto, Um entalhe em marfim, remanescente de Ganderscheim, o convento da dramaturga Hrotsvitha, pode talvez ser mais bem interpretada em termos do auto pascal de Praga. Representa uma Anunciação. Maria é retratada como uma canonisa da época de Hrotsvitha, no coro da igreja do convento de Ganderscheim. Essa pequena preciosidade entalhada data da segunda metade do século X. A questão é se ela é ou não baseada numa representação dramática. Se é, antecipa em alto grau desenvolvimentos posteriores. Poderia também ajudar a iluminar o “crepúsculo teatral” que envolve a criativa e prolífica escritora Hrostvitha, cujos dramas em latim /.../ são alternadamente considerados muito importantes ou totalmente insignificantes para a história do teatro. Pode ser também que o marfim de Ganderscheim não signifique mais do que a intenção do artista de prestar homenagem especial a suas protetoras, mostrando Maria vestida como uma venerável canonisa. (BERTHOLD, 2001, p. 199). 22 A peça temporariamente suspende a principal marca distintiva entre os gêneros narrativo e dramático: o que é próprio ao contar (tell) ou ao mostrar (show). É o que ocorre, por exemplo, quando Antíoco relata a Adriano o ocorrido durante os suplícios das crianças mártires, Esperança e Caridade, respectivamente: “O calor da ebulição quebrou o vaso e queimou os nossos servidores, enquanto aquela maléfica menina ficou ilesa.” (p. 61); “Aquela gozadora daquela menina, que me entregaste para que fosse atormentada, foi chicoteada na minha presença, mas sua fina pele nem sequer de leve se cortou. Depois a lancei na fornalha, que estava já da cor do fogo, por causa do extremo calor. /.../ A chama transbordou violentamente e queimou 5.000 homens.” (p. 64). A narrativa com verbos no pretérito alude ao que seria difícil e impróprio encenar como ação presente. E o épico converge, assim, em favor do belo, também como recurso técnico. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 81 Com a leitura do texto dramático, pode-se depreender, isto sim, que levada ou não ao palco, a peça carrega uma herança das tragédias clássicas gregas, pois ainda que guardando certo decoro na exposição – de mesma nobre origem -, não deixa de apresentar cenas de violência de alta voltagem: inspirado em hagiologias (e no próprio mito da Paixão), o teatro de Rosvita traz imagens do corpo torturado que deviam suscitar o terror e a piedade, ocasionando a catarse ou purgação das emoções 23 da suposta platéia de mulheres, elas também, vinculadas ao mesmo ethos do herói martirizado, sacrificado em nome da Verdade cristã. Fundem-se aí os registros do grotesco e do sublime: “Em vez da interpretação teológica e didática do Evangelho, /.../ [o] realismo tão cruel que alguns espectadores menos avisados ficavam tomados de horror” 24 . Como o confirmam alguns excertos da peça Sabedoria, organizados numa gradação crescente de imagens, rumo ao paroxismo do horror: ANT.: Exorte as menininhas e, se teimam, não as poupe por serem crianças, mas leve-as à morte. E assim, matando as filhas, mais amargamente torturará a mãe rebelde. (p. 55) ADR.: Antíoco, que lhe sejam cortados os bicos dos seios; que ao menos seja ela coibida pelo rubor. (p. 57) ADR.: Que seja posta na grelha, sobre o fogo. Que morra pela força das chamas. (id.) ADR.: Que se ponha sobre o fogo um tacho cheio de pixe [sic] e cera ardentes, e nesse líquido fervente lançai a rebelde. (id.) ADR.: Seja-lhe cortada a cabeça. (p. 58) ADR.: Que seja dilacerada com ganchos e suspendei-a no ar até que lhe jorrem as vísceras e com os ossos expostos desfaleça e seus membros se rachem. (p. 60) É preciso resgatar, entretanto, o que ensinam os especialistas em teatro sacro medieval: boa parte da encenação, quando havia, era meramente esquemática e alusiva, sendo os fatos e ações mais sugeridos por palavras, gestos, recursos dêiticos e 23 Como se sabe, os termos destacados remetem à Poética, de Aristóteles. 24 BERTHOLD, op. cit., p. 240. No mesmo texto, às páginas 203 e 215, lê-se: “Os textos dos Evangelhos foram realmente uma importante fonte de material para as dramatizações religiosas, mas não a única. A „irrupção do mundo‟ manifestou-se não apenas num estilo mais realista de representação, mas nos figurinos e no surgimento de elementos farsescos e grotescos dentro da dramatização na igreja, revelando-se também em referências tópicas e na crítica de acontecimentos contemporâneos, que se tornaram um elemento do teatro europeu no século XII. /.../ Os laços do teatro com a Igreja de modo algum foram rompidos pelo fato de este ter deixado materialmente seu recinto. Freqüentemente as representações da Paixão se iniciavam ou terminavam pelo serviço divino. Com certeza, os cantos latinos, a música e as passagens corais logo deram lugar a um prazer desenfreado na linguagem e na representação, não limitado por qualquer temor piedoso. O cru realismo observado nos painéis pintados no fim da Idade Média ganhou terreno também nas peças. Os verdugos que pregavam Cristo na cruz deviam ter a aparência horrível, brutal, desprezível, com a face distorcida. A Paixão de Asfeld /.../ mostra a Crucifixão como uma horrível cena de tortura.” Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 82 entonações do que mostrados explicitamente. É o que provavelmente ocorria em momentos da peça como este: “FÉ: Onde estão tuas ameaças? Eis que ilesa brinco nadando no meio deste líquido fervente e, em lugar de calor escaldante, sinto como que um refrescante orvalho da manhã.” (p. 57). Sanguis martyrum, semen christianorum 25 Os escritos teatrais da canonisa Rosvita querem efetuar, como outras obras da mesma época, o “julgamento de certas estruturas opressoras, que eram obstáculo ao desenvolvimento religioso e à caridade”, para isto retratando o “combate travado pelas forças vivas da Igreja para arrancá-la à influência dos imperadores” (VAUCHEZ, op. cit., p. 43); mas também, inspirados nas hagiografias dos santos mártires, fiam-se na força construtiva do exemplo e do testemunho, a fim de servir de estímulo e reforçar a convicção religiosa de eventuais leitores e espectadores (notadamente os do sexo feminino...). Como meio privilegiado de exposição da doutrina e prova irrefutável, apodíctica, para a iniciação (BROWN et al., 2004), o gênero hagiográfico cristão volta- se para a “propagação de concepções teológicas, modelos de comportamento, padrões morais e valores”, “por meio da narração dos feitos de um homem [ou mulher, ou criança] que é tido como santo e dos elementos que estão vivamente inseridos na sua vida ou à sua margem”, sendo este, portanto, “uma figura que estabelecia o contato entre o céu e a terra, e que encarnava a maior realização do homem na Idade Média”: O interessante a se notar em relação aos santos foi a busca que estes empreenderam a fim de encarnar em sua pessoa os sofrimentos de Cristo ou os milagres análogos por ele realizados (Imago Christi), com isto obtendo dentre a população em si um grande sucesso graças a sua eficácia. (ESTEVES, 2009, p. 130) 26 25 “O sangue de mártires é semente de cristãos” (máxima de Tertuliano, citada em ANDRADE, 2008, p. 247). 26. O autor, com base em H. Delehaye (de Hagiographiques), lembra que “o termo „hagiografia‟ não é contemporâneo à produção das obras. /.../ é utilizado desde o século XVII, quando se iniciou o estudo sistemático sobre os santos, sua história e culto, para designar tanto este novo ramo do conhecimento, como o conjunto de textos que tratam de santos com objetivos religiosos /.../. No entanto, apesar do termo ter nascido algum tempo mais tarde, a literatura hagiográfica cristã teve início ainda na Igreja Primitiva quando, a partir de documentos oficiais romanos ou de relatos de testemunhas oculares, eram registrados os suplícios dos mártires”. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 83 A peça de Rosvita não traz, propriamente, a história da vida de um santo em particular: mesmo na hipótese de se originarem de figuras reais, históricas 27 , os nomes das crianças (Fé, Esperança e Caridade) alegorizam, antes, as três virtudes teologais, enquanto o da personagem da mãe (Sabedoria) pode se referir à própria Verdade sagrada revelada nos evangelhos. No entanto, é mobilizada literária e cenicamente a potencialidade das imagens de suplício (abundantes nas hagiografias lidas nos mosteiros 28 ), as quais poderiam ser imediatamente relacionadas, pela comovida platéia, à paixão trágica de Cristo 29 . O mundo medieval e, depois, o Romantismo recuperarão a idéia do deus-feito-homem como representação máxima do herói trágico, pelo que seu percurso indicia da combinação de arbítrio e predestinação. Tal como Cristo, as mártires da peça de Rosvita agonizam e vivem o conflito (ágon), no embate com o poder do oponente; experienciam o despedaçamento do corpo (sparagmós 30 ) e o páthos 27 Hipótese aventada por Peter Dronke e comentada por Andrés López, in GANDERSHEIM, op. cit., p. 30. 28 Confirma Solange R. de ANDRADE (2008, p. 239): “Dentre os modelos de santidade predominantes na história do catolicismo, o destaque é dado à primeira modalidade de santo, a do mártir, aquele que morreu defendendo a fé cristã, em meio às perseguições realizadas contra um cristianismo emergente”. Citando o livro O homem e a morte, de Edgar Morin, a pesquisadora aponta “a morte sacrificial” como “um dos elementos-chave do cristianismo” e remete às “supostas declarações dos martirizados que atestavam sua fé, mesmo sob as mais terríveis torturas” (241). Para uma visão mais institucional sobre o tema, remeto à brochura O martírio, de José Comblin (padre e doutor em Teologia), volume 2 do “Curso Popular de História da Igreja”, da editora Paulus (2ª. edição, São Paulo, 1993). 29 Vale registrar que, no tempo de Rosvita (séc. X), a situação de intolerância já podia ser lida com sinal invertido: se, no período retratado na peça, os cristãos são os perseguidos pelo tirano pagão, o teatro poderia agora aludir também ao momento histórico em que a divulgação do cristianismo se impusera, não poucas vezes, com as táticas perversas do aniquilamento da diferença. 30 Como já mencionado, a menina Fé, de 12 anos, tem os bicos dos seios cortados (“FÉ: Feriste meu inviolado peito, mas não me atingiste: eis que em vez de fonte de sangue, brota o leite”, p. 57) e morre decapitada (“SAB.: Abraçada à cabeça de minha filha morta, e, repetidas vezes, beijando-lhe os lábios, agradeço-te, Cristo, por concederes o triunfo a uma criança tão pequena”, p. 58). Logo depois, Esperança morre da mesma forma (“ESP.: De bom grado recebo a espada. Tu, Cristo, recebe esta alma que por confessar o Teu nome é arrancada à sua habitação corporal”, p. 62); assim também, finalmente, Caridade é vitimada pelo cinismo sádico do Império romano (“ANT.: Descobre tua cabecinha dura, ó Caridade, para receber o golpe da espada.; CAR.: Glória a ti, ó Cristo, que me chamas a Ti com a palma do martírio”, p. 65). Relatos de outros martírios gloriosos - como o de Policarpo, discípulo dos apóstolos e bispo de Esmirna (referido no capítulo 15 da História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia, uma das prováveis fontes de Rosvita, um livro que aliás registra condensadamente a situação dos cristãos no período dos impérios de Adriano e Marco Aurélio) - reforçam a idéia de que os elementos naturais (como o fogo) não poderiam atingir o corpo dessas figuras santas supliciadas; mas o faria tão-somente o metal das espadas, estas sim forjadas não por Deus, mas pelos homens. Do mesmo modo, o que Eusébio conta sobre o perfume que evola do corpo de Policarpo, enquanto este é posto na fogueira, assemelha-se ao que ocorre, na peça, quando Esperança é flagelada: “ADR.: Que é este doce aroma? Que magnífica suavidade é esta que sinto?/ESP.: Os golpes que embalde caíram no meu dilacerado corpo produzem este aroma de fragrância paradisíaca, com que, embora sem querer, és obrigado a confessar que não posso ser prejudicada pelos tormentos.” (pp. 60-61). Ratifica Peter BROWN (op. cit., p. 71): “Quando Policarpo foi executado, por volta de 156-157, aos 86 anos de idade, os que registraram seu martírio frisaram a beleza indestrutível de sua „carne santa‟. Na cena terrível em que Policarpo foi submetido à violência da fogueira, o autor do Martírio [Musurillo] descreveu apenas o doce perfume que se elevava de sua carne carbonizada, enquanto ele se erguia em meio às chamas /.../. Passada uma geração, Irineu escreveu sobre Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 84 (sofrimento e morte); e retornam, simbolicamente, ao ingressarem de forma triunfal na vida eterna e se reconhecerem (anagnorisis 31 ) participantes – em sentido forte – do milagre da Redenção. Quando partem para a morte – por se negarem a praticar ritos pagãos (o sacrifício, a idolatria ao Imperador, ou o culto à deusa Diana 32 ) -, as personagens minimizam a negatividade radical dessa experiência por acreditarem em uma outra forma de permanência, não imanente mas transcendente; ao fim, o rito agônico chega a parecer desejado por quem o sofre 33 , como forma de antecipar um estado superior porque eterno 34 : há na peça afirmações como “a alma anseia pelo prêmio” (p. 53); “estamos prontas para enfrentar a morte” (p. 54); “para que possais com êxito receber a palma” (p. 55); “Vamos, Aquele por cujo amor somos conduzidas à morte vai conosco” (id.); “Morrer em Cristo é a minha determinação” (p. 56); “vou para o prêmio da eternidade” (p. 58); “agradeço-te, Cristo, por concederes o triunfo a uma criança tão pequena” (id.); “Aborrece-me esta vida terrena; aborrece-me a habitação terrena” (p. 61); entre tantas outras manifestações de igual teor... Recupera-se, assim, a acepção grega da palavra mártyr, significando antes testemunha (de fé, no caso) do que vítima (de sofrimento). A idéia do dualismo Carne/Espírito, propalada pelos primeiros pregadores do Evangelho - os teólogos do chamado Cristianismo Primitivo -, aparece destacadamente nas epístolas de Paulo, textos nos quais, como alerta Peter Brown (1990, p. 50), “é possível aquilatar, na exegese repetida de uma simples centena de palavras /.../, o rumo a futura glória de todos os cristãos, postos num mundo recriado por Deus para seu deleite físico, como uma justa recompensa por terem suportado tantos tormentos na terra. A estranha beleza que se superpusera à horrenda morte de Policarpo era um vislumbre desse futuro. O novo corpo, não mais cindido do Espírito Santo, viveria num mundo plenamente material, tão repleto de bondade quanto o aroma inebriante de um campo totalmente em flor.” 31 A referência aos quatro momentos por que passa o herói, ou aos “quatro aspectos discerníveis no mito da procura”, encontra-se em: FRYE, Northrop. Anatomia da crítica. Trad. de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Cultrix, 1977, pp.190-191. 32 “FÉ: Que então seria mais tolo; que mais insensato pode haver do que nos exortar a desprezar o Criador do Universo e a adorar o metal?” (LAUAND, p. 56). 33 São no mínimo curiosas, pelas ressonâncias de egoísmo e vaidade pragmáticos, algumas falas da mãe, Sabedoria: “Para isto dei-vos o leite materno, com tanto carinho vos nutri: para vos dar ao Esposo celestial, não terreno; para que, por vós seja eu digna de ser sogra do eterno Rei”; “Isto eu desejo: que pela vossa virgindade seja eu coroada; pelo vosso martírio, seja eu glorificada.” (p. 54). 34 Como queriam Marcel Mauss e Henri Hubert, em Sobre o sacrifício (apud ANDRADE, op. cit., p. 241): “a apoteose sacrificial não é outra coisa senão o renascimento da vítima. Sua divinização é um caso especial e uma forma superior de santificação e de separação”. Idéia reforçada por Edgar Morin (id., ibid.): “/.../ o fundamento mágico essencial da salvação é o sacrifício de „morte-renascimento‟, o sacrifício-do-deus-que-morre-para-ressuscitar. Os símbolos do deus de salvação, por si sós, são suficientemente eloqüentes: /.../ Jesus é também o Cordeiro pascal, cujo sacrifício, segundo a lei mosaica, consagra a „passagem‟”. Ver, ainda, BRAGANÇA JR. e MARQUES. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 85 futuro do pensamento cristão sobre a pessoa humana”. O autor completa lembrando que, para aquele evangelista, o corpo encontrava-se “à sombra de uma força poderosa, o poder da carne”, a qual “não era simplesmente o corpo, um outro inferior ao eu, cujos alvoroços indisciplinados pudessem até, ocasionalmente, receber uma certa tolerância indulgente como representação das solicitações naturais de um ser físico”: /.../ a fragilidade física do corpo, sua propensão à morte e o inegável pendor de seus instintos para o pecado serviram a Paulo como uma sinédoque da condição da humanidade lançada contra o espírito de Deus. /.../ Em todos os escritos cristãos posteriores, a noção da „carne‟ inundou o corpo de associações perturbadoras: de algum modo, enquanto „carne‟, as fraquezas e tentações do corpo faziam eco a um estado de desamparo e até de rebeldia contra Deus, estado esse que era maior do que o próprio corpo. (BROWN, op. cit., p. 50- 51). Tal visão dualista, à que também adere Rosvita, sustenta a crença e a confiança das personagens, minimizando nelas o temor pelo sofrimento físico advindo dos suplícios infligidos por ocasião do martírio. Afinal, para o imaginário cristão, padeceria ali no máximo o invólucro-morada, destinada que estava a alma, incorruptível, a reflorescer “na glória maior da ressurreição” (BROWN, op. cit., p. 66). 35 . Para encerrar o comentário acerca do diálogo intertextual da monja com os autores de escritos hagiográficos 36 , remeto a uma análise da obra Vita Desiderii, na qual se narram a vida e o martírio de São Desidério, o suficiente para desvendar, pela similaridade com a atmosfera da peça, os modelos em que Rosvita de Gandersheim certamente buscara inspiração: Pode-se dizer que a Vita Desiderii nos mostra, em grande medida, os principais tópicos (topoi) hagiográficos ligados ao martírio: o santo apresenta-se como um modelo de virtudes, ligadas à Imago Christi, que é perseguido sem nenhum motivo por pessoas que são incitadas pelo diabo. Frente a este último, Deus não desampara seu servo, sendo que, pelo contrário, faz dele seu instrumento, operando milagres, primeiro indício da santidade, que culmina em seu martírio 35 No mesmo livro, à página 68, se lê: “A vocação para a morte violenta foi uma realidade tão palpável para os cristãos do século II quanto a chegada do Espírito Santo. Era de vital importância para os fiéis que um corpo capaz de ser portador do Espírito de Deus /.../ fosse também capacitado, através de Cristo e de Seu Espírito, a suportar a devastadora possessão negativa associada aos tormentos do destino dos mártires. Somente a profunda permanência de Cristo e Seu Espírito dentro deles poderia permitir a homens e mulheres resistir à invasão de suas almas e corpos pela dor irresistível da tortura e pelo oprimente medo da morte”. 36 É preciso lembrar que a própria dramaturga escreveu textos de conteúdo e tema hagiográficos, reunidos no Livro I de sua obra. Ver a introdução a GANDERSHEIM, op. cit., p.20-21. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 86 por não ceder ao seu amor em favor de seu povo e aos ataques dos servidores do maligno. Os que perpetram a morte do santo /.../ estão dominados, em seus comportamentos e corações, pelo diabo. Não suportam o bem e por isso perseguem o santo até que conseguem castigá-lo. Mas quando Deus manifesta seus favores no santo, os persecutores atemorizam- se. Por fim, cai sobre eles o castigo divino e morrem entre atrozes sofrimentos de seus corpos e de suas almas, padecendo eternamente do castigo do inferno. (ESTEVES, 2009, p. 139). Quanta semelhança com as situações representadas na peça! Adriano, inclusive, é diretamente referido por Sabedoria com epíteto demoníaco: “SAB.: (sussurrando) Não vos deixeis, minhas filhas, enganar pelas seduções ardilosas desse Satanás; antes, fazei como eu: rejeitai-as” (p. 49) 37 . E o “castigo divino”, se não atinge fisicamente o imperador e Antíoco - a quem se impõe, isto sim, a assunção constrangedora da impotência e do fracasso frente às que aparentavam ser as mais fracas 38 -, dirige-se hiperbolicamente à sua legião de servidores: nas cenas V e VI, mais de “5.000 homens” são queimados enquanto torturam as meninas-virtus... A língua dos anjos - A retórica do não dito Peça de ato único, Sabedoria sustenta-se em um conflito central: a luta de morte que opõe dois mundos, duas formas de pensar aparentemente inconciliáveis 39 . De um lado, o sistema patriarcal romano, hierarquizado, político, politeísta 40 , de ritos antigos e ancestrais, figurado na autoridade masculina, pagã e adulta do Imperador Adriano e de seu auxiliar Antíoco; de outro, o clã matriarcal, feminino, infantil e virginal, familiar, doméstico, monoteísta, fiel à doutrina cristã, da missionária Sabedoria e de suas três filhas 41 . Radicalizados, os pólos se enfrentam: o primeiro refere-se raivosamente ao 37 “Acreditava-se [no século II] que a vinda de Cristo à terra havia posto fim aos „tempos atuais‟. O dever de cada cristão era deixar clara Sua vitória e apressar a queda do poder dos „governantes dos tempos atuais‟. Os „tempos atuais‟ eram produto de uma tirania demoníaca e opressora a que os seres humanos e, a rigor, o universo como um todo tinham ficado assujeitados. A vitória de Cristo sobre a morte acarretara uma assombrosa inversão do fluxo esmagador dos processos negativos irreversíveis que tornavam a tirania dos demônios aparentemente irresistível na terra.” (BROWN, op. cit., p. 79). 38 Adriano chega a confessar: “Reconheço que estamos vencidos” (p. 61). 39 BERTHOLD (2001) recorda que, na Idade Média, o ofício litúrgico metamorfoseia-se em teatro justamente quando a ação passa a ser marcada por evidente antagonismo, de formatação maniqueísta: “Acessos de cólera e ameaças violentas, em contraste com a credulidade e a confiança inocente, sempre foram um tema de efeito teatral” (p. 235). 40 Na peça, além de Diana, Vulcano também é mencionado (p. 61). 41 Cf. BROWN et al., op. cit., págs, 77, 79 e 81. Apoiado no parecer consciencioso de Peter Dronke, Andrés Lopez, ao levanter as semelhanças entre o teatro de Terêncio e o de Rosvita, afirma que “en ambas obras los personajes masculinos, que son los poderosos, son coléricos, orgullosos, amenazadores, malvados, despóticos, pero siempre acaban teniendo que reconocer su impotencia y lo absurdo de sus Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 87 segundo com expressões do tipo “imundície da peste cristã” (p. 47), “a odiosa raça dos cristãos” (p. 48), “petulantes” (p. 56), “vil menininha” que se põe a “latir” contra o Imperador (pp.58/59); o segundo, por sua vez, também rejeita e despreza o primeiro, zombando e troçando dele (p. 55), rotulando-o provocativa e depreciativamente como “inimigo” (p. 48), “Satanás” (p. 49), “tolo” (p. 50/56), “tirano” (p. 54), “estúpido”, burro (pp. 55/56), “raposa” (p. 60) e “juiz impotente” (p. 64). Tamanha rivalidade pode ser condensada na oposição entre dois saberes ou, melhor, nos termos ideologicamente interessados da dramaturga, entre um não-saber e a máxima sabedoria. Por isto, uma cena aparentemente aleatória e deslocada do restante do texto – e que, para alguns críticos, teria valor apenas pedagógico ou científico – pode ser reavaliada como organicamente inserida no universo imagético e conceitual da peça e mesmo como uma promissora chave de leitura: refiro-me à cena III, que contém o episódio no qual, ao questionar a mãe grega sobre a idade de suas filhas, o imperador recebe a resposta formulada como “um problema aritmético” (p. 50). Importa destacar, primeiramente, que, ao assim proceder, a mulher estrangeira passa a afirmar estrategicamente sua superioridade frente ao oponente, exibindo logo as armas com que irá combater 42 ; ela exibe inteligência e domina o conhecimento (o que seu nome, por si só, indicia), inclusive o mundano e secular: trata-se do saber acumulado do mundo clássico, o das sete Artes Liberais – o Trivium (Gramática, Retórica e Dialética) e o Quadrivium (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia) –, conhecimento valorizado porque, como todo o resto, produzido e submetido à vontade de Deus 43 : pretensiones; los personajes femeninos, en cambio, estando, como están, expuestos al desprecio y siempre amenazados por la violencia e intransigencia de los tiranos, terminan por conseguir los fines que se han propuesto y por hacer triunfar sus puntos de vista” (GANDERSHEIM, op. cit., p. 25). 42 Pouco antes, demonstrando a ingenuidade de valores cristalizados, os dois homens haviam fracassado, ao acreditar que podiam vencer com armas retóricas: “ANT.: Deixa, meu senhor, de admirar e obriga-as a adorar os deuses./ADR.: Que tal se antes nos dirigirmos a elas com palavras brandas? Talvez elas queiram ceder./ANT.: É melhor. Pois a fragilidade do sexo feminino pode mais facilmente se amolecer com palavras suaves.” (pp. 48-49). Instantes depois, a convicção da estrangeira é assim formulada como resposta às demandas masculinas: “SAB.: Em vão bajulas, não nos dobramos a tuas falas persuasivas” (p. 50). E mesmo a jovem Caridade destacará o poder de manipulação da linguagem que ostenta de herança: “Ainda que de tenra idade, vê-se no entanto que te desconcertei com meus argumentos” (p. 63). Para Andrés López, “Sapientia, madre de lás mártires, encarnaria esse ideal tan querido por Rosvita de la mujer sabia, de la mujer versada em los mistérios del Conocimiento Divino que se opone de manera tan brutal a um hombre más apegado a lãs realidades concretas y mundanas.” (GANDERSHEIM, op. cit., pp. 31-32). 43 Considere-se, por exemplo, a retomada das ciências ou artes liberais pelos pensadores medievos, como Agostinho e João Scoto Erígena (século IX), da chamada Primeira Escolástica (Cf. BOEHNER e GILSON, 1985, p..171 e 234-235, respectivamente). Ver, ainda, BOVOLIM, 2005, p. 106-107 e a introdução a GANDERSHEIM, op. cit., p. 31. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 88 SAB.: Nisto deve-se louvar a supereminente sabedoria do Criador e a Ciência admirável do Artífice do mundo: pois não só no princípio criou o mundo do nada, dispondo tudo com número, peso e medida; como também nos deu a capacidade de poder dispor de admirável conhecimento das artes liberais até mesmo sobre o suceder-se do tempo e das idades dos homens. (pp. 52/53) O mais importante é que, ao propor o jogo matemático, a personagem ilustra – como motivo temático - um procedimento que estrutura a peça inteira (e o discurso literário de Rosvita, em última instância), como elemento da fatura, dado formal, portanto: a idéia de que tudo o que há no mundo é criação divina e se manifesta, por vezes, de modo cifrado. Como queria Tertuliano (século II e III), Deus é a fonte da verdade e “este encontro com a verdade se realiza na fé e pela fé. Mas esta vem expressa, necessariamente, em fórmulas obscuras e incompreensíveis, devido ao seu caráter supra-racional. De sorte que a sua própria obscuridade vem a ser uma garantia de sua certeza” 44 . Assim, o problema matemático proposto por Rosvita (e que envolve conceitos adquiridos pela autora provavelmente via-Boécio (LAUAND, 1986, p. 41) 45 , entre eles os de “número parmente par, parmente ímpar e imparmente par”, “número perfeito excedente ou deficiente”, além das noções de “denominação e quantidade”) apresenta- se como um enigma, que Adriano não sabe resolver; por isto, várias vezes, durante a cena, ele afirma (vendo gradativamente minada sua auto-imagem altiva): “Tal resposta me deixou na mesma: não sei que números são!”; “Explica de modo mais claro, senão não entendo”; “por que /.../?”; “e o que é /.../?” (p. 50-51); e, finalmente, “Oh! que minuciosa e complicada questão surgiu a partir da idade destas menininhas!” (p. 52). O enigma pede decifração ou solução racional, pois possui um sentido, um significado oculto, o qual, no entanto, é sempre conhecido por aquele que o formulou e propôs. Na peça Sabedoria, a proposição sob forma de enigma é mais um dos modos de se apresentar o impulso generalizado de simbolização e significação que move a instância autoral, a qual insistentemente se pergunta pelo sentido de tudo. Como sói acontecer com o texto literário, a linguagem é aí extremadamente polissêmica e a rede 44 BOEHNER e GILSON, op. cit., p. 134. Sobre a influência de Tertuliano na obra de Rosvita, ver BOVOLIM, 2005: 34-43. Finalmente, conferir A doutrina cristã, segundo SANTO AGOSTINHO (2002). 45 Cf. em “Estudo introdutório” à tradução da peça. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 89 simbólica cria um outro nível de coesão e coerência que garante e reforça a textualidade. Os números, por exemplo, núcleo do problema proposto pela personagem, tal como nas tradições bíblica e cabalística (e também na patrística agostiniana 46 ), têm na peça significados místicos e funcionam como símbolos, não só na formulação enigmática do enunciado matemático 47 , mas no conjunto do texto: a menina Fé morre com 12 anos, chicoteada por “12 centuriões” (p. 56) – o mesmo número de Profetas Menores da Igreja cristã 48 ; Sabedoria tem 3 filhas e Adriano lhes concede “três dias de trégua para pensar no assunto” (p. 53) e decidir se ofereceriam ou não libações à “venerável imagem de Diana” (p. 55); no instante em que Caridade morre, “quem olhasse atentamente veria três jovens radiosos de claridade que a acompanhavam” 49 (p. 65); na cena final, há ainda referência à Santíssima Trindade 50 . É importante deixar claro que tais associações não aparecem explicitadas no texto por meio de comentários de personagens ou anotações em rubricas (por exemplo, com o uso de nexos explicativos e causais do tipo “são 12 homens porque ela tem 12 anos”); a autora, em seu intuito propedêutico, chama a atenção para um dado ou fenômeno como motivo/tema e quer que seu leitor-espectador assuma um papel ativo, seguindo pistas, 46 Sobre as “leis dos números” em Agostinho e sua significação metafísica, ver BOEHNER e GILSON, op. cit., p. 171 e ss. Em seu A doutrina cristã, p.e., Agostinho discorre sobre “O simbolismo dos números” (p. 113-114). Finalmente HANSEN (2006: 59), ao se referir à “egiptomania” que toma conta da Europa nos séculos XV e XVI, afirma: “Os enigmas passam então a ser produzidos como expressão mística hieroglífica, fundindo a poesia latina antiga, a tradição hermenêutica dos Padres e retomadas do platonismo. Assim, por exemplo, retorna a adaptação feita por Santo Agostinho, no século V d.C., na forma de poemas numéricos ou algébricos. A teoria do simbolismo de Agostinho serve, então, de base teórica para jogos retóricos que hoje podem ser lidos como alegóricos ou enigmáticos”. 47 O curioso é que, ainda quanto à utilização dos números para a formulação do enigma, a personagem Sabedoria propõe ao desafiado diferentes graus de dificuldade: se, no primeiro momento, ela responde sobre as idades das filhas (8, 10 e 12) usando os para ele inacessíveis conceitos da aritmética boeciana, logo em seguida parece facilitar-lhe a resolução, expressando-se em termos que ele reconhece: “Caridade já completou 2 olimpíadas; Esperança, 2 lustros; Fé, 3 olimpíadas” (p. 50); para logo depois, contudo, voltar à carga da “calculeira” (p. 53), com novos termos e formulações, de opacidade esfíngica para o saber limitado do tirano... 48 Amós, Oséias, Miquéias, Sofonias, Naum, Habacuc, Ageu, Zacarias, Malaquias, Abdias, Joel e Jonas. 49 Na edição utilizada, uma nota de rodapé remete o leitor ao livro do profeta Daniel (3: 46 e ss.; note-se o número do capítulo...), onde se narra a obrigatoriedade imposta ao judeus de adorarem a estátua de ouro erguida por Nabucodonosor, para evitarem ser mortos em uma fornalha sete vezes mais quente que de costume (em situação similar à da peça, portanto); contudo, os três homens que atiram os três jovens (Sidrac, Misac e Abddênago) na fornalha morrem atingidos pelas grandes chamas; já estes, andam no meio da fornalha e sobrevivem intocados, pelo quê erguem em agradecimento um cântico ao Senhor, obrigando o surpreso imperador babilônico a reconhecer-lhes o direito de adorar o seu próprio deus (ver Bíblia de Jerusalém, pp. 1684-1689). Parece, então, que os três sobreviventes retornam à cena na peça de Rosvita, via analogia, processo tão fundamental para a cultura medieval. 50 Também na cena V: “ESP.: A Santíssima Trindade te dará a eternidade em companhia de todas as tuas filhas” (p. 62). A Trindade é, do mesmo modo, tema caro a Boécio, uma das fontes de Rosvita (cf. BOVOLIM, op. cit., p. 65). Em seu já mencionado ensaio, David Kline realiza uma leitura interpretativa dos números na peça (cf. BROWN et al., pp. 82-84). Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 90 recuperando nexos, percorrendo trilhas e rastros, rearticulando as várias camadas de sentido do texto. Como nas parábolas com as quais Cristo teria expressado sua doutrina, transcritas nos evangelhos do Novo Testamento, o teatro de Rosvita oculta para os que não sabem e não querem ouvir, e se faz evidência e descoberta para aqueles dispostos a “conhecer a doutrina da verdade para o aprendizado mais pleno da fé” (p. 50) 51 . Um vasto arsenal de símbolos, mais ou menos recorrentes na tradição ocidental e cujos sentidos são mais ou menos evidentes, espalham-se por esse texto dramático produzido em Gandersheim: o fogo, o líquido fervente, a espada, a palma, o prêmio, o cárcere, o corpo, a cabeça, o seio, o sangue, o leite, a gestação, o beijo, a boca, os olhos, o ventre, a criança, o cadáver e o sepultamento, a raposa, a dor, o perfume, a flor, a coroa, o palácio celestial e a habitação terrena, tudo a indicar camadas verticalizadas de significados, provavelmente bastante referencializáveis para o público a que se destinava a peça. Não nos interessa neste ensaio proceder a uma decifração minuciosa, atribuindo sentido a cada símbolo; mas sim compreender o seu funcionamento, apontando os mecanismos de um processo construtivo, a fim de pôr em relevo como um dado tido como externo, contextual (o modo de ver e pensar de uma época, incluindo questões de ordem teológica), aparece decantado e formalizado, atuando como recurso estruturante e modus operandi de uma obra literária. E não só o símbolo e o enigma ilustram o modo-de-ser, o estilo e o espírito do teatro dessa dramaturga alemã, mas também a alegoria e o mistério. O procedimento alegorizante, identificável já na atribuição dos nomes às personagens da peça, é mais evidente e transparente justamente quando realiza a personificação de propriedades gerais e abstratas, como as virtudes teologais - Fé, Caridade e Esperança 52 . Afinal, na acepção hegeliana do conceito de alegoria, quando no domínio religioso, /.../ a Virgem, Cristo, os actos e o destino dos apóstolos, a penitência e o martírio dos santos, são, sem dúvida, indivíduos completamente definidos; ao mesmo tempo, porém, o cristianismo compreende entidades espirituais gerais que não permitem ser representadas com precisão, na forma de pessoas com realidade e vida. Tal é o caso, por 51 Já Adriano pretensamente se expressa com a razão do Estado e a “tranqüilidade do espírito”, ameaçando de “crime de lesa-majestade” quem quer que cometa a “falta” de “ocultar o que não deve ser ocultado” (p. 46). 52 “/.../ lás Virtudes Teologales, como hijas de la Voluntad y de la Palabra Divina (Theou-logos), son, por tanto, hijas de la mismísima Sophia o Gnosis, la Sabiduría, el Conocimiento que mana y acompaña a Dios em su Creación.” (In GANDERSHEIM, op. cit., p. 32). Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 91 exemplo, de entidades abstractas e gerais como o amor, a fé, a esperança etc. De um modo geral, as verdades e os dogmas do cristianismo conhecem-se como fazendo parte da religião, e até do ponto de vista da poesia há interesse em que as doutrinas sejam apresentadas como doutrinas gerais. Então, a representação concreta possui apenas um interesse secundário e deve ficar exterior ao próprio conteúdo; na alegoria é a forma que melhor e com mais segurança satisfaz tal exigência. (HEGEL, 1993, p. 228) 53 . Além dessa acepção mais conhecida – e tão recorrente na literatura medieval e na crítica sobre ela -, é preciso resgatar, para analisar a peça de Rosvita, uma definição mais específica, que se soma àquela primeira: comparece aqui não só a “alegoria dos poetas”, como “modalidade da elocução, isto é, como ornatus ou ornamento do discurso”, transposição de significados vinculada à História, procedimento construtivo ou tropo de pensamento - em suma, a “técnica metafórica de representar e personificar abstrações” (HANSEN, 2006, p. 7) -; mas também, a chamada “alegoria dos teólogos”, a qual, mais do que “um modo de expressão verbal retórico-poética”, é um modo de “interpretação religiosa de coisas, homens e eventos figurados em textos sagrados” e, portanto, uma forma de “alegoria interpretativa ou hermenêutica”, ou “um modo de entender e decifrar” (IDEM, p. 8). Segundo João Adolfo Hansen: Genericamente, a alegoria dos poetas é uma semântica de palavras, apenas, ao passo que a dos teólogos é uma „semântica‟ de realidades supostamente reveladas por coisas, homens e acontecimentos nomeados por palavras. Por isso, frente a um texto que se supõe alegórico, o leitor tem dupla opção: analisar os procedimentos formais que produzem a significação figurada, lendo-a apenas como convenção lingüística que ornamenta um discurso próprio, ou analisar a significação figurada nela pesquisando seu sentido primeiro, tido como preexistente nas coisas, nos homens e nos acontecimentos e, assim, revelado na alegoria. (ID, p. 9.) Para a perspectiva cristã essencialista, vinculada a certa tradição neoplatônica, os textos – tal como todas as coisas - seriam sempre a revelação de um sentido prévio, sagrado, espiritual, ou, em outros termos, a revelação da Verdade (Veritas), do Significado essencial, do Mistério divino 54 : “as coisas são criadas e, desta forma, são 53.No mesmo capítulo, em que aborda a configuração da “arte simbólica”, o filósofo apresenta sua definição de “enigma”, sintetizada há pouco. Ver, também, HANSEN, 2006, p. 54-66. 54 Exemplifica HANSEN (op. cit., p. 29): “Os Padres primitivos e medievais adaptam a definição [etimológica] de Quintiliano à interpretação alegórica da Bíblia. Por exemplo, Santo Agostinho: „O que é, pois, a alegoria senão o tropo (a partir) do qual outra coisa é dita?‟ /.../; Isidoro de Sevilha: „A alegoria é Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 92 índices ou vestígios da Suma Vontade, que se manifesta indiretamente nelas” (IDEM, p. 59); e, sendo assim, “a interpretação é redundante: ler é reler o Mesmo em suas variações temporais minuciosas, pois Deus é Causa e Coisa e a natureza e a história são seus efeitos e signos. Por isso, a hermenêutica lê os signos do texto bíblico segundo uma referência vertical, anafórica, cujo sentido é a Significação de todas as significações: Deus, a Graça, a Salvação” (ID., p. 92 e 94). Desta maneira, na peça Sabedoria, uma tal constelação de símbolos, enigmas e alegorias apenas prepararia o leitor-espectador para a participação mística no Mistério maior, pressuposto dos dogmas cristãos. Após enterrar as filhas, Sabedoria também se entrega à morte (não se menciona como); mas antes, eleva uma longa prece a Jesus 55 - de quem se nomeara “sogra” (p. 54) -, onde faz referência a inquebrantáveis mistérios da fé cristã: ao da Santíssima Trindade (Trinitas), que é múltipla e uma, ao mesmo tempo 56 ; a Maria, que é virgem e mãe, genitora e filha de Deus; à presença do Espírito Santo; a Jesus Cristo, “perfeito Deus e perfeito homem” simultaneamente 57 , “gerado pelo Pai e, no tempo, gerado pela Virgem Mãe” (p. 66) 58 ; à transubstanciação da matéria em espírito (e vice-versa); à ressurreição que condiz com a vida eterna 59 ; entre outros... O sacrifício, morte e ressurreição das personagens cristãs na peça acontecem na atualidade, no presente – designe este o tempo da enunciação, o do enunciado ou mesmo o da recepção -, às vistas do público; contudo, remetem ritualisticamente ao passado, às origens, renovando a via crucis do Filho de Deus; mas também, e sobretudo, anunciam algo para o futuro, destinado a todos os que crêem, funcionando o texto como fala outra. Pois uma coisa soa e outra é entendida‟ /.../; Beda, o Venerável: „A alegoria é o tropo com o qual se significa outra coisa que não (é) o que é dito” /.../ .” 55 “As orações nos momentos próximos da morte foram uma prática constante na vida dos cristãos e, de certa forma, eram uma evidência de sua esperança em relação ao momento que se aproximava. Na verdade, expressavam um conceito que integrava o quadro mental do homem da Idade Média quanto ao acesso à Divindade” (BOVOLIM, 2005, p. 111). 56 De modo semelhante, as filhas de Sabedoria, personificação das virtudes teologais (mencionadas em Coríntios 13: 13, são três, mas pensam e agem como uma, tendo todas o mesmo fim: “CAR.: /.../ Eu e minhas irmãs temos os mesmos pais, os mesmos sacramentos; a mesma força na fé. Por isso decididamente uma única é nossa vontade, nosso sentir, nosso saber, nosso ser. E eu em nada me afasto delas” (p. 63). Assim também como o próprio Cristo: “que de duas naturezas admiravelmente consistes num único Cristo sem que a diversidade de naturezas divida a unidade da pessoa, nem a unidade de pessoa confunda a diversidade de naturezas” (p. 67). É importante resgatar como o mistério oculto nessas verdades fora indiretamente antecipado na cena do enigma matemático: ao tratar do que conhecemos hoje como números primos, e após muita “calculeira”, chega-se ao conceito do que é irredutivelmente indivisível... 57 “/.../ não desdenhaste fazer-te homem, com humanidade passível sem quebra da divina impassibilidade” (p. 68). 58 “/.../ a Ti, que, não sendo o mesmo que o Pai, és igual ao Pai” (p. 68). 59 “/.../ não Te dedignaste de experimentar a nossa morte e destruí-la com Tua ressurreição.” (p. 68). Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano IV, n. 10, Maio 2011 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao /index.html ARTIGOS _____________________________________________________________________________ 93 uma espécie de prefiguração de promessa ou profecia figural 60 , de potencial efeito persuasivo. Assim como Adriano e Antíoco não compreendiam a linguagem da ciência liberal, também matéria da criação divina, não conseguem entender como o corpo das meninas sai ileso das torturas físicas, sobrevivendo, inclusive, ao poder de destruição do fogo. Só que, diferentemente do enigma, o mistério não permite decifração, exigindo tão-somente participação e fusionamento. Experiência a eles interditada, portanto. Esta é a dimensão última do teatro de Rosvita, seu verdadeiro viés didático: para ensinar a Verdade, não comenta ou fala sobre Ela; mostra-A, por meio de imagens, célula do pensamento visivo. E com isso forma, também, um leitor-espectador mais inquisitivo, que se instrui com o que lê/vê, tanto quanto aprende a ler/ver. Exercendo seu ofício, Rosvita de Gandersheim esperava, ao fim e ao cabo, como o fazem suas personagens, ser agraciada “com o troféu de vitória de vida eterna”. Inscrevendo-se ao escrever, permite, pelo menos, que a releitura renovada de seus textos lhe garanta tal permanência. Assim seja. REFERÊNCIAS ANDRADE, Solange Ramos de. “A religiosidade católica e a santidade do mártir”. Projeto História – Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Depto. de História da PUC-SP. Número 37 – “História e Religiões”. São Paulo: EDUC, 2008, pp. 237-260. BERTHOLD, Margot. História mundial do Teatro. Trad. de Maria Paula Zurawski et al.. São Paulo: Perspectiva, 2001. BÍBLIA DE JERUSALÉM. 9. ed.. São Paulo: Paulinas, 1992. BOEHNER, Philotheus e GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã. 3. ed..Trad. de Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 1985. BOVOLIM, Zenaide Zago Campos Polido. A proposta educacional de Rosvita de Gandersheim no século X. Maringá: UEM, 2005 (Dissertação de Mestrado sob orientação da Dra. Terezinha Oliveira). BOVOLIM, Zenaide Z. C. 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