i UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais - UNESP / UNICAMP / PUC-SP TERRORISMO E INSEGURANÇA NO MUNDO PÓS 11 DE SETEMBRO Thiago Yoshiaki Lopes Sugahara São Paulo 2008 ii UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais - UNESP / UNICAMP / PUC-SP TERRORISMO E INSEGURANÇA NO MUNDO PÓS 11 DE SETEMBRO Thiago Yoshiaki Lopes Sugahara Dissertação apresentada como pré-requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais, sob orientação do Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira São Paulo 2008 iii TERRORISMO E INSEGURANÇA NO MUNDO PÓS 11 DE SETEMBRO Thiago Yoshiaki Lopes Sugahara Dissertação apresentada à banca Examinadora da Universidade Estadual Paulista, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais, sob a Orientação do Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira. Banca Examinadora: ________________________________________ Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira (orientador) UNESP ________________________________________ Prof. Dr. Reginaldo Mattar Nasser PUC-SP ________________________________________ Profa. Rossana Rocha Reis USP iv Aos meus pais pelo apoio e dedicação em todos esses anos. v AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira, meu orientador, pelo apoio e atenção na construção da dissertação. Aos mestres do Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais por partilharem conhecimentos e estimular a reflexão ampliando os interesses dessa pesquisa. Ao Prof. Dr. Tulo pela atenção dedicada em momentos cruciais nestes últimos anos. Agradecimentos aos Professores Reginaldo Nasser e Shiguenoli Miyamoto pela colaboração que deram na ocasião da banca de qualificação. Aos colegas de Mestrado pelo convívio enriquecedor. Aos amigos e familiares que puderam compreender o afastamento temporário que implica a elaboração de uma dissertação de mestrado. Ao meu irmão que mesmo longe continua me apoiando. A minha amiga, companheira, parceira e cúmplice Cristina – que soube como poucos enfrentar a queda das torres gêmeas. vi RESUMO A presente dissertação, situada no campo das relações internacionais, analisa os atentados de 11 de setembro como um marco para a história dos Estados Unidos e a política de segurança do governo George W. Bush. A partir das reflexões sobre a sociedade de risco e a modernização reflexiva, a ameaça difusa do terrorismo internacional é percebida como uma forma de mal-estar contemporâneo que usurpa a liberdade individual em nome da segurança coletiva. Para compreender os fatos que se sucederam aos atentados terroristas de 11 de setembro, busca-se reconstituir as raízes históricas do terror ao longo das últimas décadas do século XX e analisar as relações de aliança por conveniência da Guerra Fria. Palavras-chave: Terror, Terrorismo, 11/9, Sociedade de Risco e Modernização Reflexiva. vii ABSTRACT Present thesis, related to the international relations field, assesses the relevance of the 9/11 attacks as a milestone in the history of the United States – as well as to George Bush's national security policy. Stemming from considerations over Beck's risk society and reflexive modernization, the fuzzy threat caused by international terrorism is perceived as a form of contemporary distress that seizes individual freedom in the name of a colective security. In order to understand the facts that followed 9/11 terrorist attacks, terror historical roots along the last decades of the 20th century must be reconstructed and Cold War convenient aliances must be revaluated. Key-words: Terror, Terrorism, 9/11, Risk society and Reflexive modernization. viii ÍNDICE INTRODUÇÃO ............................................................................................................1 1. MARCO TEÓRICO E ELEMENTOS-CHAVE PARA COMPREENDER O TERRORISMO...........................................................................................................12 1.1 - GLOBALIZAÇÃO E INTERDEPENDÊNCIA ...............................................12 1.2 - SOCIEDADE DE RISCO................................................................................14 1.3 - O CONCEITO DE MAL-ESTAR....................................................................19 2. TERRORISMO E TERRORISTAS.........................................................................26 2.1 - GUERRA CONTRA O TERRORISMO..........................................................31 2.2 - FUNDAMENTALISMO.................................................................................35 2.3 - LIBERDADE, INSEGURANÇA E DEMOCRACIA ......................................40 3. O FIM DO PACTO ENTRE A JIHAD ISLÂMICA E OS EUA...............................46 3.1 - OSAMA BIN LADEN ....................................................................................51 3.2 - A SOCIEDADE DOS IRMÃOS MUÇULMANOS .........................................59 3.3 - GUERRA DO AFEGANISTÃO (1979-89) .....................................................64 4. O MUNDO PÓS 11 DE SETEMBRO .....................................................................68 4.1 - A DOUTRINA DE SEGURANÇA DOS EUA................................................71 4.2 - ANÁLISE DE DISCURSOS. ..........................................................................77 4.3 - A OPINIÃO PÚBLICA NORTE-AMERICANA.............................................80 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................90 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ........................................................................96 SITES: ......................................................................................................................103 DOCUMENTÁRIOS: ...............................................................................................105 1 INTRODUÇÃO Na história recente do século XXI nenhum tema atingiu maior repercussão ou desdobramento político do que os atentados de 11 de setembro de 2001. Desde 1995 os EUA não eram alvo de um ataque terrorista em seu território (excluindo-se, portanto, os ataques a embaixadas e bases militares no exterior) capaz de abalar a economia americana. Desde 1989 nenhum evento parece ter reunido a força de um marco histórico ou comovido a opinião pública internacional como o que se passou em 11/09. Se considerarmos de modo abrangente o campo das Relações Internacionais, o terrorismo não é um fenômeno exclusivo do século XXI. Existem evidências da prática do terror que remetem ao princípio da era Cristã e, grosso modo, ações terroristas, ou assim consideradas, preencheram todo o período em que se constituíram os grandes Estados constitucionais e se afirmou a modernidade capitalista. O século XX, com suas guerras mundiais - através da exacerbação da política de potência que nele teve lugar - e localizadas - como as lutas de libertação nacional -, forneceu um cenário privilegiado para o uso intensificado do terror como recurso político. Mas foi no início de século XXI que o terror assumiu dimensão sem precedentes. A Liga das Nações - predecessora da Organização das Nações Unidas (ONU) – propôs um esboço de convenção internacional em 1937 que definia terrorismo como: “Todo ato direcionado contra um Estado com intenção calculada de criar um estado de terror na mente de uma pessoa em particular ou de um grupo de pessoas particulares ou do público em geral”. No entanto, nem a Liga das Nações, nem a ONU chegaram a ratificar uma resolução que defina claramente terrorismo. A presente dissertação propõe-se a estudar as motivações que levaram à construção da rede terrorista al Qaeda e que resultaram nos ataques de 11 de setembro. Em linhas gerais, apóia-se em algumas reflexões e conceitos derivados de parte da elaboração sociológica mais recente, nomeadamente em Zygmunt Bauman (modernidade líquida, mal-estar na pós-modernidade), Ulrich Beck 2 (modernização reflexiva, sociedade de risco) e Anthony Giddens (mundo em descontrole, risco, incerteza). Busca-se investigar aqui, entre outras coisas, o falso dilema criado em torno da manutenção da segurança em troca da redução da liberdade. A partir da análise do discurso das principais autoridades envolvidas no planejamento da doutrina de segurança dos EUA e a partir do esforço para considerar a percepção da opinião pública norte-americana, tentamos construir um mapa da atual guerra contra o terrorismo. Analisar um fato recente pode revelar menos informação sobre suas conseqüências políticas, econômicas e sociais a curto prazo do que a análise de um evento no passado distante. Por outro lado, também é verdade que uma investigação no tempo presente permite reunir uma gama maior de dados e elementos de análise em função da alta exposição dos temas em questão. O terrorismo alcançou ampla e constante exposição nesse início de século. A queda das torres gêmeas não revelou grande coisa sobre o mundo pós 11/09, mas disse muito sobre o caráter das alianças na esfera da Guerra Fria e principalmente sobre as novas alianças no âmbito da década de 90. Há razões para afirmar que estamos atravessando um importante período de transição, onde a globalização está transferindo o poder da esfera nacional para a esfera global, através do mercado financeiro e dos organismos internacionais. Também é verdade que o processo inverso se dá na forma do ressurgimento de novas identidades locais, tais como os movimentos nacionalistas baseados na valorização da cultura regional e na força da tradição. Seguindo alguns estudos de Manuel Castells, pode-se admitir que a identidade se torna fonte básica de significado com capacidade para organizar formas distintas de reação ao processo de globalização. A análise do terrorismo moderno pode ajudar a traduzir a história mais recente do século XX sob a perspectiva da luta por autonomia política e por identidades - coletivas e individuais - atribuídas ou construídas. Na segunda metade do século XX, a Guerra Fria determinou um modelo bipolar de poder na esfera das relações internacionais e influenciou ou pelo menos restringiu o alcance do terrorismo internacional. Durante as décadas de 60 e 70, o 3 terrorismo foi uma prática política amplamente adotada por grupos radicais de esquerda como o Baader-Meinhoff ou movimentos por independência e autonomia política como o ETA e o IRA. No entanto, o terrorismo não é uma prerrogativa dos movimentos de esquerda e muitos governos de direita dele se valeram de forma intensiva – principalmente mediante o emprego do terrorismo de Estado para reprimir e eliminar adversários políticos. Na América Latina, surgiu entre as décadas de 70 e 80 uma série de movimentos de esquerda de filiação maoísta1, que adotaram a guerra de guerrilha2 como opção política para se contrapor ao governo. Na prática, o terrorismo ganhou projeção internacional principalmente após os atentados contra os jogos olímpicos de Munique (1972) e o seqüestro de aeronaves e navios como o Achille de Lauro (1985). Especificamente na década de 1980 e no início dos anos 90, o terrorismo teve destaque nas mídias internacionais em função da violência dos atentados suicidas perpetrados por homens-bomba no Oriente Médio, palco de inúmeros conflitos entre árabes e israelenses e entre árabes e árabes. Por algum tempo, a ação do mártir suicida causou espanto e polêmica na comunidade internacional – vinculando o terrorismo aos principais problemas do Oriente Médio –, mas foi particularmente a Guerra do Golfo em 1991 que criou simultaneamente um importante marco histórico para as políticas de cooperação internacional, e um perigoso precedente político para o novo terrorismo internacional. O conflito árabe entre Iraque e Kuwait desestabilizou as relações de poder no Oriente Médio, o que permitiu o reposicionamento estratégico de tropas 1 A concepção chinesa de guerra popular privilegiava a força do campesinato e da guerrilha rural, dava enfâse ao caráter revolucionário do Terceiro Mundo e ao belicismo. Foi a sentença de Mao – os imperialistas e os revolucionários são tigres de papel, o poder nasce da boca do fuzil – (Goreder, 2003) que inspiraram movimentos como o Sendero Luminoso. 2 Lênin costumava separar o terrorismo da guerrilha propriamente dita e afirmava que o terrorismo é a estratégia dos grupos de intelectuais separados das massas (Bonanate, 2000). Habermas afirma que “os guerrilheiros lutam, num território político conhecido e com propósitos políticos declarados pela conquista do poder. Isso os diferencia dos terroristas espalhados globalmente e organizados em redes segundo os princípios de serviço secreto, nos quais se conhecem motivos fundamentalistas, mas que não perseguem um programa para além da destruição da ameaça à segurança” (Habermas, 2004:13). 4 americanas na Arábia Saudita. O historiador Bernard Lewis afirma que “se a Arábia é o local mais simbólico no mundo do islã, o segundo é Bagdá, a sede do califado por meio milênio e palco de alguns dos mais gloriosos capítulos da história islâmica” (Lewis, 2004: 146-147). O reposicionamento de tropas estrangeiras no mundo árabe durante a década de 90 ajudou a romper definitivamente o antigo pacto entre os jihadistas islâmicos e o governo norte-americano forjado no auge da Guerra do Afeganistão (1979 – 1989). É o rompimento desse pacto que permite explicar como antigos aliados se transformaram em novos inimigos e como antigos inimigos se transformaram em novos aliados. É também com base no rompimento desse pacto que o presente trabalho explica os atentados de 11/09. Na década de 80 o governo de Washington financiou a ação dos insurgentes fundamentalistas e ressaltou a determinação dos guerreiros mujahiddins. Empenhados em combater o exército soviético durante uma das mais extensas guerras de guerrilha do século XX, as milícias de mujahiddins uniram religião e política para construir um Estado islâmico no Afeganistão. Como se poderá ver no capítulo 2 desta dissertação, com o fim da Guerra Fria em meados dos anos 90 os EUA e os fundamentalistas do Taleban3 gradualmente se distanciaram pela falta de afinidade - ideológica e política -, enquanto antigos inimigos como a Rússia e os EUA passaram a compartilhar interesses econômicos cada vez mais convergentes. Foi apenas em meados dos anos 90 que a organização al Qaeda redirecionou o foco de seus esforços, transferindo-o do combate aos comunistas soviéticos para o combate à influência norte-americana. Tal fato, alguns anos mais tarde, levaria aos ataques de 11/09. OS ANOS 90 E O TERRORISMO INTERNACIONAL Nos anos de 1990, os Estados Unidos se transformaram em superpotência militar com capacidade para intervir simultaneamente em múltiplos conflitos, do Oceano Atlântico ao Oceano Índico. Formulada pela única superpotência 3 O Taleban foi a milícia de guerreiros mujahiddins que governou oficialmente o Afeganistão entre 1996 e 2002 com reconhecimento dos Emirados Árabes, Arábia Saudita e Paquistão. 5 remanescente da Guerra Fria, a doutrina de segurança dos EUA passou a enxergar cada vez menos limites para a sua respectiva atuação na promoção dos interesses norte-americanos. Na esfera da economia internacional, o padrão-dólar passou a determinar a base de conversão das transações financeiras ao redor do mundo, transformando a América do Norte no principal mercado consumidor do planeta. Ao extraordinário poder militar e econômico dos EUA, somou-se uma igualmente poderosa indústria do entretenimento e da informação, que difunde o American Way of Life como um padrão de comportamento veiculando a idéia de globalização e novos parâmetros de modernidade. Ao longo da década de 90, os EUA acompanharam o desenvolvimento das ações terroristas imaginando que a principal ameaça aos interesses da nação emanava de governos, e não de indivíduos isolados ou organizações não- governamentais. O foco da política de segurança norte-americana era orientado para embates convencionais contra potencias regionais como a China, ou os assim definidos “Estados Delinqüentes” como a Coréia do Norte, o Irã e o Iraque. Pouca atenção se deu durante o governo Clinton ao pequeno Afeganistão – que faz fronteira com sete países entre eles o Paquistão, a China, e o Irã – ou ao crescente terrorismo transnacional. O termo “Estado Delinqüente”, empregado pela ex-embaixadora dos EUA na ONU, Madeleine Albright, traduziu os princípios que nortearam os primeiros anos da política externa da gestão Clinton, entre 1993 a 2000. Albright partilhava a visão de que os Estados Unidos são donos de um caráter excepcional orientado pelos mais altos valores morais e universais e, portanto, possuem um papel especial a cumprir no sistema internacional. Segundo Albright, “nós voamos mais alto, vemos de cima, e sabemos o que é melhor para o mundo” (Dupas, 2003:6). Os Americanos sempre foram internacionalistas, mas seu internacionalismo sempre foi subproduto de seu nacionalismo. Quando eles procuraram legitimidade para seus atos no exterior, não o procuraram em instituições supranacionais, mas em seus próprios princípios. É por isso que sempre foi tão fácil para tantos americanos acreditar, como muitos ainda crêem hoje, 6 que ao promover os seus próprios interesses, promovem os interesses da humanidade. (Kagan, 2003: 89) Focada no isolamento da ameaça de Estados refratários aos interesses dos EUA, a política externa norte-americana manteve o principio segundo o qual as relações internacionais são orientadas pela exclusiva relação entre Estados, o que não contemplava uma guerra assimétrica contra um único individuo, ou uma organização descontextualizada de um Estado. A ameaça do terrorismo na década de 90 era tratada como uma questão de polícia no âmbito interno4, ou como um produto do embate entre os “Estados Delinqüentes” e os EUA no âmbito externo. Para julgar e condenar os Estados acusados de patrocinar o terrorismo, os países membros da ONU organizaram embargos econômicos. Porem, quando as embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia foram atacadas por terroristas em 1998, o presidente Clinton autorizou o uso de ataques cirúrgicos contra alvos no Afeganistão, revelando - como observou Jacques Derrida (2003) - a disposição dos EUA para “agir multilateralmente quando possível, mas unilateralmente quando necessário”. A política externa da gestão Clinton fez uso de ataques preventivos no Afeganistão e no Sudão - sem muito sucesso - e a ameaça do terrorismo permaneceu em segundo plano até meados de 2001. Em 2001, a organização al Qaeda liderada pelo saudita Osama Bin Laden escreveu uma nova página na história do século XXI. Durante uma série de ataques coordenados, dezenove terroristas seqüestraram quatro aeronaves e deliberadamente atacaram alvos civis e militares. Cada alvo foi cuidadosamente escolhido pelo seu valor simbólico diante do caos que se instalaria. Parte dos ataques foi registrada e transmitida ao vivo para todo o globo monopolizando a atenção da opinião pública internacional, o que conferiu ao terrorismo moderno um novo caráter primordialmente “midiático”. O grande impacto causado por esses movimentos resulta, em grande medida, da presença marcante na mídia e o uso eficaz da tecnologia da informação. Procura-se atrair a atenção da mídia nos moldes da tradição 4 O mais grave atentado terrorista na história dos EUA até o 11/09, foi cometido por um cidadão norte-americano - ex-membro das forças armadas – chamado Timothy McVeigh em 1995. McVeigh detonou intencionalmente um caminhão bomba contra o prédio do Birô Federal em Oklahoma, matando 169 pessoas e ferindo outras 675. 7 anarquista francesa, brevemente reinstaurada em maio de 1968, da l’action exemplaire: pratica-se um ato espetacular que, dado o seu forte apelo, até mesmo pelo sacrifício, chama à atenção das pessoas às reivindicações do movimento, visando em última análise despertar as massas, manipuladas pela propaganda e subjugadas pela repressão. Ao forçar um debate sobre suas reivindicações e induzir as pessoas a participarem, os movimentos pretendem exercer pressão sobre governos e instituições, revertendo o curso da submissão à nova ordem mundial. (Castells, 2002: 133) O novo terrorismo internacional pós 11 de setembro mostrou ser uma ameaça difusa e transnacional com ramificações em vários países, insuficiente para depor governos, mas suficientemente forte para propagar o medo. Segundo Charles Townshend, “como uma ameaça à segurança do Estado, o terrorismo é implausível se não mesmo absurdo; mas como desafio ao monopólio da força do Estado e, no sentido mais vasto, da segurança pública, é extremamente eficaz” (2006: 113). A ação do terrorismo propagado pela mídia internacional teve um forte impacto no imaginário social ao redor do globo. O medo e o terror gerados a partir dos atentados contra o World Trade Center ajudaram a construir um amplo sentimento de solidariedade em torno dos EUA. Essa solidariedade internacional foi explorada pelo presidente George W. Bush para justificar uma ação unilateral norte- americana contra o terrorismo. No âmbito da Organização das Nações Unidas o governo americano costurou consensos com relativa facilidade, como em raras vezes na história, para ocupar uma nação soberana, o Afeganistão. Mas nos últimos anos a percepção dos vários atores internacionais envolvidos na guerra contra o terrorismo tem mudado, principalmente após a Guerra do Iraque em 2003 e o aparente fracasso da guerra contra o terrorismo. Alguns sinais desse fracasso vieram à tona com os novos atentados terroristas em Madri (2004) e Londres (2005). Adotamos nessa pesquisa a definição construída por John G. Stoessinger para orientar a análise de percepção dos principais atores envolvidos nos atentados de 11 de setembro, pois é através da percepção que a nação faz de si própria e de seus inimigos que os EUA constroem inicialmente a guerra contra o terrorismo. “Percepção em relações internacionais pode definir-se como sendo a visão cognitiva total que uma nação tem de si própria e das demais no mundo” (Stoessinger, 1975: 578) É através da análise de percepção da opinião pública que se faz possível 8 interpretar o respaldo e o poder que cada governo tem para imprimir uma linha de política interna e externa contra o terrorismo. Uma importante fonte de percepções para a compreensão do fenômeno do terrorismo internacional são as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). A transformação das fontes de tensão no mundo pós 11/09 trouxe um re-ordenamento jurídico em face da resolução 1368 adotada pelo Conselho de Segurança em 12 de setembro de 2001. A resolução 1368 permitiu uma releitura totalmente inesperada do artigo 51 da Carta das Nações Unidas ao reconhecer o direito de legítima defesa dos Estados Unidos e seus aliados, em resposta aos atentados terroristas de 11 de setembro. Trata-se de uma interpretação ampla que não menciona as limitações previstas na própria carta da ONU, como afirmam Leonardo Brant e Jorge Lasmar (2004). A lacuna do direito internacional nesse caso recai sobre imprecisão do conceito de terrorismo. Durante todo o século XX cada Estado utilizou a alcunha de “terroristas” como bem entendesse para caracterizar ações que lhe parecessem hostil. Um exemplo são os Talebans no Afeganistão, considerados terroristas pelo governo soviético desde 1980, mas tidos como Freedon Fighters5 pelo governo norte- americano até meados da década de 90. A guerra contra o terrorismo protagonizada pelos EUA e seus respectivos aliados gerou um novo tipo de guerra assimétrica entre potências militares e insurgentes, mas foi incapaz de promover o fim dos atentados terroristas. Há uma diferença substancial entre os tipos de terrorismo com os quais a Europa está particularmente acostumada (que são locais, razoavelmente limitados e têm por objetivo principal forjar identidades nacionais) e o novo terrorismo geopolítico (Giddens, 2005). Gilberto Dupas reforça a diferença de percepção sobre as causas do terrorismo, que dividem europeus e norte-americanos. “Os europeus tendem a considerá-lo como algo com o qual têm que conviver, como a parte feia da passagem. Já os norte-americanos vêem o terrorismo como um tumor que precisa 5 Freedom Fighters ou Guerreiros da Liberdade é uma definição empregada para legitimar a ação de indivíduos, ou grupos de indivíduos, que se opõe à um governo considerado injusto. Em geral o termo é empregado por pessoas que apóiam tais grupos. 9 ser urgentemente extirpado mediante cirurgia, incluindo metástases e gânglios”. (Dupas, 2003: 193). A discussão sobre a diferença entre o antigo e o novo terrorismo ganhou novos contornos após os atentados de Madri (2004) e Londres (2005). A ação da rede al Qaeda na Europa evidenciou o fracasso das políticas de assimilação dos estrangeiros pelo modelo europeu, ponto apontado por inúmeros analistas. No entanto, Alexander Spencer (2006) refuta esta visão majoritária, defendendo uma revisão crítica dos parâmetros adotados para debater a questão do termo “novo” terrorismo atribuído aos anos 90 e lançando questões importantes para debater a real necessidade das medidas adotadas para combater o terrorismo pós 11/09. O trabalho de Spencer não questiona a influência do terrorismo na atualidade, mas expõe a relação entre o passado, o presente e o futuro da guerra contra o terror. * * * * * A presente dissertação teve como ponto de partida uma dificuldade pessoal de aceitar as explicações para a Guerra do Afeganistão e particularmente para a Guerra do Iraque, em meio à guerra contra o terrorismo. Assim, o risco – inerente à modernização reflexiva – e o mal-estar na pós-modernidade ajudam a interpretar o atual clima de insegurança no mundo pós 11 de setembro. Como objetivo geral, a análise de percepção da opinião pública nos EUA permite traçar os contornos do grau de insegurança coletiva no mundo contemporâneo. Através do resgate histórico de algumas passagens da Guerra Fria encontramos elementos que explicam – mas não justificam – a radicalização do terrorismo nesse início de século. Os objetivos específicos dessa pesquisa visam interpretar como o medo, a incerteza e a insegurança forneceram importantes impulsos para a atual doutrina da política externa norte-americana. Em suma, nosso propósito é verificar como os atentados de 11 de setembro alteraram o cenário interno e externo da política nos EUA. 10 Para o desenvolvimento dessa pesquisa, partiu-se das seguintes hipóteses: 1) O terrorismo é o novo substituto da ameaça genérica que durante a Guerra Fria foi interpretada como sendo a ameaça comunista; 2) O medo decorrente dos violentos atentados de 11/09 ajudou a construir a falsa premissa que restringe a liberdade dos indivíduos em nome da segurança coletiva; 3) A cultura do excepcionalismo norte-americano, ao qual se atribui parte da responsabilidade pela política messiânica da guerra contra o terrorismo, não é uma exclusividade do governo Bush ou do partido republicano. No capítulo 1 o leitor encontrará um breve resgate dos eventos mais recentes que suscitaram a discussão do terrorismo através da ótica da globalização e da interdependência no final do século XX. Com base nas leituras de Ulrich Beck, Anthony Giddens e Zygmunt Bauman, essa pesquisa emprega a teoria da modernização reflexiva, ou modernidade tardia, para traçar uma perspectiva de construção e desconstrução criativa da realidade, caracterizada pela permanente condição de incerteza decorrente dos atentados terroristas em 11/09. A percepção dos riscos e o mal-estar na pós-modernidade determinam o marco teórico adotado nesse trabalho. No capítulo 2 é dada atenção aos múltiplos significados da palavra terror, terrorismo e fundamentalismo. Analisamos a construção em torno do mito do terrorismo e incorporamos a teoria do “mal-estar na civilização” e das pulsões de vida e morte descritas por Freud para descrever a dualidade entre o “bem” e o “mal” na base da política externa norte-americana. A pesquisa também interpreta como o terrorismo e a estratégia neoconservadora afeta a concepção de liberdade e democracia na modernidade. No capítulo 3 busca-se indagar sobre as causas históricas e as motivações políticas que precedem os atentados terroristas de 2001. O resgate das alianças estratégicas entre a CIA e os guerreiros Mujahedins, ao longo da Guerra do 11 Afeganistão (1979 – 1989), é um elemento chave para que se compreenda o fim do pacto entre o governo dos EUA e os fundadores da rede Al Qaeda. Os trabalhos de Lawrence Wright, Michael Scheuer e Albert Hourani oferecem importantes pistas para resgatar a história desse pacto por conveniência e os seus desdobramentos políticos para o atual terrorismo internacional. Em face da polêmica gerada por Edward Said e Bernard Lewis - no âmago de duas visões antagônicas sobre os prós e contras da política de segurança norte-americana - o presente trabalho procura expor o embate teórico-político que ocupa os principais institutos formadores de opinião pública nos EUA após os atentados de 11 de setembro. No capítulo 4 a análise dos dados da opinião pública norte-americana que antecedem e que sucedem o 11/09 reafirma os efeitos colaterais do terror para a prática da democracia. Outro importante foco desse capítulo é a estratégia da “guerra preventiva” adotada pelos EUA na guerra contra o terror e os seus respectivos desdobramentos para a instabilidade do sistema internacional. Por fim, a conclusão do trabalho procura responder se o terrorismo e a insegurança – ampliados no mundo posterior ao 11 de setembro – podem provocar a desestabilização de regimes políticos e alterar os rumos das relações internacionais nesse início de século. 12 1. MARCO TEÓRICO E ELEMENTOS-CHAVE PARA COMPREENDER O TERRORISMO 1.1 - GLOBALIZAÇÃO E INTERDEPENDÊNCIA Com o advento das novas tecnologias de informação e comunicação no final do século XX, a globalização dos meios de produção foi radicalmente intensificada. O Fim da Guerra Fria - simbolicamente caracterizado pela queda do Muro de Berlim (1989) e o desmantelamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas na década de 90 - provocou uma ampla reformulação do sistema internacional. O novo contexto político, associado às novas tecnologias da informação e à crescente interdependência, redefiniu as relações de espaço e tempo, ampliando simultaneamente as incertezas do mundo contemporâneo. Por globalização entende-se o processo segundo o qual as atividades decisivas em um âmbito de ação determinado - a economia, os meios de comunicação, a tecnologia, a gestão do meio ambiente e o crime organizado, por exemplo - funcionam como unidades em tempo real no conjunto do planeta. Trata-se de um processo historicamente novo, distinto da internacionalização e da existência de uma economia mundial, porque só na última década se constituiu um sistema tecnológico - de telecomunicação, interatividade, transporte e alta velocidade em um âmbito mundial para pessoas e mercados – suficientemente articulado e potente para viabilizar um sistema global (Castells, 1998). O processo de globalização - que não é apenas de caráter econômico – torna evidente o estreitamento dos teatros sociais, o caráter público do risco e o enredamento dos destinos coletivos (Habermas, 2001). Por interdependência compreende-se a mútua dependência, situação caracterizada por efeitos recíprocos entre países, ou entre atores em diferentes países (Nye&Keohane, 2000). Se, por um lado, o novo paradigma da competitividade baseada na capacidade tecnológica promove a interdependência da nova economia global, por outro, reforça a dependência da relação assimétrica, que no geral, fortalece os padrões de dominação criados por formas anteriores de dependência ao longo da história (Castells, 1999). Para Habermas (2001), a 13 interdependência assimétrica de natureza econômica, política ou social pode revelar a oposição de interesses inconciliáveis em uma sociedade mundial estratificada. Apesar de a soberania e o monopólio da violência da autoridade pública terem permanecido formalmente intactos, a crescente interdependência da sociedade mundial coloca em questão a premissa segundo a qual a política nacional - de um modo geral ainda territorial, nos limites do domínio do Estado - pode ser conciliada com o destino efetivo da sociedade nacional (Habermas, 2001:89) A globalização está reestruturando radicalmente o modo como vivemos em sociedade. Ela é predominantemente conduzida pelo Ocidente e carrega consigo as conseqüências do poder assimétrico – norte-americano – na política e na economia. No entanto, a globalização não é apenas o domínio de uma nação sobre as demais (Giddens, 2005). O fim do modelo bipolar e a transição para um sistema multipolar - marcado pela crescente interdependência entre as nações - induziram a criação de novos movimentos sociais com as mais variadas temáticas na esfera das relações internacionais. Podemos citar como exemplo os movimentos sociais em defesa do meio ambiente, dos direitos humanos e de modelos econômicos mais igualitários e redistributivos, entre outros. Para o bem ou para o mal, estamos navegando rumo a uma nova ordem global que ninguém compreende plenamente mas cujos efeitos se fazem sentir sobre todos (Giddens, 2005). A sociedade industrial globalizada passou a autoconfrontar o seu sucesso e simultaneamente o seu fracasso (Beck, 1997). Se por um lado podemos dizer que a sociedade industrial avançou na defesa e promoção de novos valores tidos como universais, por outro, assistimos à regressão desse mesmo sistema quando examinamos a ocorrência de guerras étnicas marcadas por políticas de extermínio, de crises financeiras que derrubaram economias emergentes, do fracasso das políticas de integração e do ressurgimento do terrorismo. Cada um desses fatores reflete um estado de disjunção entre a sociedade industrial e a sociedade do risco - fase do desenvolvimento da sociedade moderna, em que os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o controle e a proteção da sociedade industrial (Beck, 1997). O conceito de sociedade de risco designa um estágio da modernidade 14 em que começam a tomar corpo as ameaças produzidas, até então, no caminho da sociedade industrial. (Beck, 1997). 1.2 - SOCIEDADE DE RISCO Os eventos de 11 de setembro abriram um novo capítulo na história da sociedade de risco. “O terrorismo, que nós por enquanto associamos ao nome al Qaeda, torna uma identificação do adversário e uma estimativa realista dos riscos impossíveis. Essa intangibilidade lhe confere uma qualidade nova.” (Habermas, 2006:13) Nesse caso é necessário fazer uma distinção clara entre o ataque propriamente dito e a ameaça terrorista, que em função deste se tornou universal (Beck, 2002). O risco pressupõe uma sociedade que tenta ativamente romper com seu passado (Giddens, 2005), gerando diferentes dilemas e tensões “que se infiltram na vida cotidiana, na estrutura social e nas instituições em geral, tumultuando seus fundamentos, comprometendo seu funcionamento e confundindo seus integrantes” (Nogueira, 2007: 47). Com certeza, a indeterminação dos riscos pertence à essência do terrorismo. Mas os cenários de uma guerra bacteriológica ou química retratados com detalhes nas mídias americanas, as especulações sobre as formas de atuação do terrorismo nuclear só revelam a incapacidade do governo de determinar ao menos a ordem de grandeza do risco. Em Israel, sabe-se o que pode acontecer quando se anda de ônibus, entra numa loja, ou permanece em discotecas ou lugares públicos – assim como a freqüência com que acontece. Nos EUA, ou na Europa, não se pode delimitar o risco; não há qualquer estimativa realista do tipo, da ordem de grandeza, da probabilidade do risco, ou se quer uma delimitação das regiões que possam ser atingidas. (Habermas, 2006:13-14) A sociedade do risco torna-se reflexiva - o que significa dizer que ela se torna um tema e um problema para si própria. (Beck, 1997:19). A percepção distorcida dos riscos pode fazer com que o sujeito, ao invés de identificar os riscos do mundo, passe a ver o mundo como um risco. Quem olha o mundo como um risco se torna incapaz de agir. A paralisia que decorre da incapacidade de agir é a primeira armadilha do terrorismo na era da globalização. A segunda cilada do terrorismo recai sobre as liberdades individuais em consonância com a democracia. O medo e a sensação de insegurança levam os homens a abdicar de suas liberdades individuais em nome da segurança, o que por sua vez conduz gradualmente a sociedade industrial à inação e mais tarde à paralisia. 15 No atual contexto da globalização somos todos prisioneiros não da nossa falta de poder - porque ocasionalmente protestamos ou votamos – mas de situações derivadas da própria natureza do conflito. Não é apenas uma batalha militar secreta, é também um contexto em que sentimentos confusos e mitos lutam para se articular em discursos públicos e onde o senso de segurança cotidiana da vida privada é ameaçado, ou minado pelas amplas forças impessoais que lutamos para compreender (Halliday, 2004). A crise do mundo pós-11 de setembro não é uma simples crise de soberania, mas sim uma crise do sistema de representação que reflete entre outras coisas a desorganização das relações internacionais. O sistema representativo é uma forma de vincular as decisões dos Estados às pessoas. O cidadão delega a alguém o poder de representá-lo em um plano externo. São características desse sistema os partidos políticos – que geram parâmetros de identificação –, o Estado como detentor do monopólio de uso legítimo da força e os cidadãos que se reconhecem como tal a partir de um conjunto de valores partilhados como símbolos, idiomas e um território pré-determinado. Esse sistema começa a ruir quando as noções de tempo e espaço - mas principalmente o espaço - são alteradas pela globalização e fogem ao controle do Estado. As fronteiras se tornam gradualmente porosas e cresce o trânsito de pessoas e mercadorias, assim como o risco, que compreende entre outras coisas o terrorismo e a sensação de insegurança. É na sociedade de risco que o reconhecimento da imprevisibilidade das ameaças e das incertezas dos conflitos sociais “exige a auto-reflexão em relação às bases da coesão social e o exame das convenções e dos fundamentos predominantes da ‘racionalidade” (Beck, 1997:19). Para Ulrich Beck, as ameaças desenvolvidas no contexto da sociedade industrial são colocadas recorrentemente na esfera da consciência individual, onde os problemas são globais, mas a autoconsciência do risco é cada vez mais uma atribuição individual (Beck, 1997). Assim como o cidadão americano, espanhol ou inglês é obrigado a tomar uma posição na guerra contra o terrorismo - pois a política local influencia a política global, tanto quanto o contexto global pode afetar a política 16 local –, os atentados de Nova York em 2001, Madri em 2004 e Londres em 2005 refletem as conseqüências do risco global no âmbito da vida cotidiana / local. A crise da razão - diante da insegurança vivenciada no pós 11 de setembro e a percepção dos riscos infinitamente reprodutíveis - pode justificar os eventos mais recentes que resultaram no apoio incondicional da comunidade internacional à Guerra do Afeganistão. Nessa condição, durante o tempo em que os homens vivem sobre a sombra do medo e da insegurança florescem as mais graves violações dos direitos humanos e um retrocesso institucional. “Até os liberais de esquerda pareciam, num certo momento, estar de acordo com a política de Bush” (Habermas, 2004:15), sem se dar conta de que, “desde os ataques de 11 de setembro de 2001, oficiais dos Estados Unidos, em vários lugares do mundo, de Bagram no Afeganistão, a Guantánamo, em Cuba, a Abu Ghraib, no Iraque, vêm torturando prisioneiros.” (Danner, 2003). As imagens das Torres Gêmeas em 2001 distorceram a percepção de globalização alterando a disposição da comunidade internacional para a guerra. Foi apenas com o mal-estar gerado pela crise no âmbito da ONU em 2003 que a comunidade internacional dispôs-se efetivamente a realizar uma autocrítica com relação aos rumos da política externa norte-americana, baseada no modelo de guerra preventiva. Alguns países como França e a Alemanha procuraram “amarrar” as pretensões militares dos EUA ao Conselho de Segurança. “Ao mesmo tempo, a posição francesa refletia a preocupação real com o impacto que uma guerra no Iraque podia ter nos países árabes e nas comunidades muçulmanas da França” (Vasconcelos, 2003:67). A crise do Iraque dividiu profundamente, como há muito tempo não se via, os governos europeus. A cisão se deu entre o núcleo central da União Européia conhecido como o eixo Franco-Alemão (Velha Europa) e o Reino Unido, que agregou quase a totalidade dos futuros membros do leste Europeu e os países tradicionalmente atlanticistas (Nova Europa), como Portugal e Itália e em particular a Espanha. 17 Não devemos esquecer o dia em que José Maria Aznar – ex-primeiro- ministro da Espanha – convocou seus eleitores e os demais países europeus para uma manifestação em prol da guerra contra o Iraque. Muito menos devemos esquecer as manifestações de subpolítica (sub-politics) que levaram 6 milhões de pessoas - na Espanha e em outros países - a protestar contra essa mesma guerra (Bauman, 2004). As manifestações simultâneas em diferentes partes do globo foram o maior evento contrário à política externa dos EUA, após 11 de setembro. A auto- organização da sociedade civil contraria os rumos da sociedade industrial e o padrão do controle racional instrumental - de mais Estado e mais tecnologia - para policiar e controlar o risco decorrente dos atentados terroristas. Trata-se de uma clara manifestação do poder que tem a subpolítica de moldar a sociedade de baixo para cima. “No despertar da subpolitização há oportunidades crescentes de se ter uma voz e uma participação no arranjo da sociedade para grupos que até então não estavam envolvidos na tecnificação essencial e no processo de industrialização: os cidadãos” (Beck, 1997:35). As 6 milhões de pessoas que se reuniram para protestar no dia 15 de fevereiro de 2003, principalmente nos países cujos dirigentes estavam apoiando a guerra, foram uma indicação clara da existência da sociedade civil mundial. O fato de que essa opinião pública, e a maioria dos governos, condicionasse seu apoio à guerra à aprovação do Conselho de Segurança constituiu uma demonstração do poder moral da ONU. (Bresser-Pereira, 2003:43) O apoio do primeiro ministro espanhol José Maria Aznar aos EUA na Guerra do Iraque rendeu duras críticas à política externa do Partido Popular, mas não pareceu afetar a candidatura de Mariano Rajoy, cotado para ser o sucessor de Aznar nas eleições de 2004. Tudo mudaria no dia 11 de março de 2004, ao faltarem 72 horas para o início das eleições gerais. As 7h39 quatro bombas explodiram em um trem que seguia para Atocha, a maior estação de trens de Madri. Em seguida outras nove bombas foram detonadas por celular matando 191 pessoas e ferindo mais de 1800 pessoas. Os responsáveis pelos atentados de Madri (11M) se identificaram como a Al Qaeda - mesma organização responsável pelos atentados de 11 de setembro. Temendo que a 18 população associasse os atentados de 11M ao apoio do PP na Guerra do Iraque, o primeiro ministro José Maria Aznar deliberadamente direcionou as investigações para o grupo ETA – conhecido por praticar atos de terrorismo em nome da independência dos Bascos que vivem entre o norte da Espanha e o Sul da França. O primeiro ministro Aznar também usou sua influência para contatar os principais jornais e veicular as falsas suspeitas contra o ETA encobrindo a verdade por trás dos atentados. As informações desencontradas - e o alinhamento da grande mídia com a versão oficial das autoridades espanholas - fez com que várias pessoas buscassem formas e veículos alternativos de informação, como a internet. “A massa concentrada transforma-se no público disperso das mídias de massas”, como identificou Habermas (2001). Nos dias seguintes, a população espanhola saiu às ruas em sinal de luto contra a barbárie e o terrorismo, mas acima de tudo, para exigir informações mais consistentes sobre os autores dos atentados. A sociedade civil entoou o coro “Quién ha sido, quién ha sido?” e grandes manifestações populares começaram a se formar, organizadas por uma ampla rede de contatos por e-mails e mensagens de dispositivos moveis. Talvez essas sejam as mais explícitas demonstrações da capacidade de auto-organização da sociedade de risco, que incorpora as novas tecnologias de informação e comunicação, para promover a articulação política. Para Ulrich Beck (1997), o Estado passa a ser confrontado por todos os tipos de minorias e manifestações da subpolítica. “Subpolítica (sub-politics), então, significa moldar a sociedade de baixo para cima. Visto de cima, isto resulta na perda de poder de implementação, no encolhimento e na minimização da política.” (Beck, 1997:35). No dia 14 de março de 2004, o Partido Socialista Operário Espanhol pôs fim a 12 anos de governo conservador. O candidato da oposição - José Luis Rodriguez Zapatero - foi eleito com 183 votos a favor, 148 contra e 19 abstenções. O PSOE conquistou 43% das cadeiras no Parlamento revelando um amplo voto de protesto da sociedade civil. Zapatero não foi eleito em função do conteúdo programático de seu partido, muito menos pela oposição ao apoio espanhol na Guerra do Iraque. Foi eleito porque às vésperas da eleição fatores globais afetaram drasticamente a vida 19 local, enquanto o governo conservador reagiu com mais controle sobre os meios tradicionais de comunicação, ignorando a capacidade de auto-reflexão que caracteriza a sociedade de risco. 1.3 - O CONCEITO DE MAL-ESTAR Jürgen Habermas (2001) aponta para duas formas de modernização no século XX. A primeira é descrita como “um modelo capitalista domesticado socialmente” (2001:110), uma forma de modernidade organizada onde os conceitos de nação, classe e Estado eram os mais importantes elementos na formulação das identidades coletivas. A segunda forma de modernidade, que Habermas vê como sendo “expandida em termos liberais”, ganha feições de uma modernidade orientada pela “individualização” e “pluralização” das formas de vida, que se reflete na perda de coesão e na fragmentação da sociedade. Nesse caso, a dissolução da política de fronteiras - na esteira do Estado nacional que rui - ampliaria a indeterminação dos riscos. O que Habermas (2001) chama de “segunda modernidade”, Anthony Giddens (1997) chama de “modernidade tardia”, Zygmunt Bauman (1998) chama de “pós- modernidade” e Ulrich Beck (1997) chama de “modernização reflexiva”. Na segunda modernidade ou modernização reflexiva, não faz sentido pensar a questão da segurança exclusivamente pela ótica local (nacional). Os riscos transcendem a perspectiva da política nacional, ignorando fronteiras, e redefinindo padrões de ordem e segurança. Não faz sentido para o Estado nacional se fechar como um ouriço do mar diante da globalização do mundo moderno, pois assim como os riscos, também há benefícios na interdependência da economia, no fluxo acelerado de mercadorias e pessoas que se globalizam, na difusão de novas formas de comunicação que encurtam distâncias e aproximam pessoas. Para Zygmunt Bauman (1998), o mal-estar na pós-modernidade simboliza o dilema da liberdade versus a (in)segurança, do excesso de ordem versus a escassez de liberdade. “Dentro da estrutura de uma civilização que escolheu limitar a liberdade em nome da segurança, mais ordem significa mais mal-estar.” (Bauman, 20 1998:9). Onde compreende-se por ordem “um mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estão distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita” (Bauman, 1998:15). A ordem reflete uma rotina, uma espécie de compulsão à repetição que compõe a modernidade. Os estranhos em cada sociedade representam um desvio da ordem, uma anormalidade que deve ser retificada. “‘Vizinhos do lado’ inteiramente familiares e sem nenhum problema, podem da noite para o dia converter-se em estranhos aterrorizantes, desde que uma nova ordem se idealiza; inventa-se um novo jogo no qual é improvável os vizinhos de ontem competirem placidamente, pela simples razão de que a nova ordem está prestes a transformá-los em estranhos e o novo jogo está prestes a eliminá-los” (Bauman, 1998: 21). O estranho se materializa na figura do bárbaro do Oriente em contraposição ao americano e europeu civilizado do Ocidente. A criação de inimigos é essencial para os povos que estão buscando sua identidade e reinventando sua etnia (Huntington, 1997). O mal-estar no mundo pós-11 de setembro representa - segundo uma das hipóteses do presente trabalho - um falso paradigma entre segurança e liberdade; é uma construção que deriva da doutrina de segurança norte-americana neoconservadora - os falcões de Washington -, para endossar uma guerra generalizada contra um inimigo abstrato. No entanto, o mal-estar que divide o Ocidente não é exatamente igual para europeus e americanos. A Europa do final do século XX atingiu um alto padrão de integração política, economia e social com a criação da União Européia. No entanto, a construção de um modelo de unidade política marcada pela cooperação também trouxe o peso das diferenças do plano civil. Particularmente no plano social a UE tem se defrontado com imensos desafios que atravessam as questões transversais de segurança coletiva e a criação e anulação dos novos estranhos. Todas as sociedades produzem estranhos. Mas cada espécie de sociedade produz sua própria espécie de estranhos e os produz de sua própria maneira, inimitável. Se os estranhos são as pessoas que não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo – num desses mapas, em dois ou em todos os três; se eles portanto, por sua simples presença, deixam turvo o que deve ser transparente, confuso o que deve ser uma 21 coerente receita para a ação, e impedem a satisfação de ser totalmente satisfatória; se eles poluem a alegria com a angústia, ao mesmo tempo que fazem atraente o fruto proibido; se, em outras palavras, eles obscurecem e tornam tênues as linhas de fronteira que devem ser claramente vistas; se, tendo feito tudo isso, geram a incerteza, que por sua vez dá origem ao mal- estar de se sentir perdido – então cada sociedade produz esses estranhos. Ao mesmo tempo que traça suas fronteiras e desenha os seus mapas cognitivos, estéticos e morais, ela não pode senão gerar pessoas que empobrecem limites julgados fundamentais para a vida ordeira e significativa, sendo assim acusados de causar a experiência do mal-estar como a mais dolorosa e menos tolerável. (Bauman, 1998:27) Para lidar com o estranho, o Estado moderno desenvolveu, segundo Bauman, duas estratégias complementares: a “assimilação” antropofágica e a “exclusão” antropoêmica: Na hipótese da “assimilação” os estranhos são devorados e incorporados ao tecido social pré-existente - algo muito parecido com o processo de tornar os diferentes semelhantes - onde algumas práticas desviantes da minoria são tratadas como anomalias aceitas até certo ponto pelo Estado. Já na hipótese da exclusão os estranhos são confinados dentro das paredes invisíveis dos guetos e segregados da comunidade (Bauman, 1998). “Os estranhos eram, por definição, uma anomalia a ser retificada. Sua presença era a priori definida como temporária.” (Bauman, 1998:30). Caso não seja possível assimilar ou excluir os estranhos, a última opção é destruir fisicamente essa minoria. O problema é quando a minoria passa a se transformar na maioria e a suposta tolerância se transforma na intolerância mascarada por políticas paternalistas e unilaterais de assimilação e exclusão dos estranhos. Atualmente a Europa se defronta com o dilema dos estranhos na forma do estrangeiro – necessário porem indesejado. São imigrantes ou cidadãos franceses - na sua maioria de origem argelina ou marroquina, que ajudaram a libertar a França do jugo nazista e, mais tarde, a reconstruir e edificar as principais capitais, mas jamais foram tratados como iguais. A maior comunidade muçulmana na Europa encontra-se na França, onde 1 a 2 milhões vivem concentrados apenas na Grande Paris, principal palco das violentas manifestações de insubordinação civil em outubro de 2005. “Acreditava-se firmemente que a situação das comunidades de imigrantes estivesse sob controle. Mas quem conhecia bem a situação naqueles bairros desde cedo vinha alertando para o fato de que as tensões estavam aumentando e que a segunda – e terceira – geração de beurs (ou beurettes), 22 descendentes dos primeiros imigrantes, estava se tornando cada vez mais radical.” (Laqueur, 2007:51). Assim como na Inglaterra - antes dos atentados de Londres em junho de 2005 -, a França acreditava no sucesso, mesmo que parcial, das políticas de integração e assimilação dos estranhos. Segundo Bauman (1998) o projeto moderno prometia libertar os indivíduos da identidade herdada. A França, porém, “não tomou uma firme posição contra a identidade como tal, contra se ter uma identidade, mesmo uma sólida, exuberante e imutável identidade. Só transformou a identidade, que era uma questão de atribuição, em realização – fazendo dela, assim, uma tarefa individual e da responsabilidade do indivíduo.” (Bauman, 1998: 30). A União Européia é a imagem mais adiantada da interdependência nas relações internacionais. Os Estados abdicam parcialmente da sua soberania para reunir - de forma voluntária - forças no plano político e econômico. A permeabilidade das fronteiras que decorre da segunda modernidade permite, por exemplo, integrar diferentes bases produtivas para construir o maior e mais moderno avião de passageiros do mundo. No entanto, algumas manifestações locais que caracterizam a sociedade do risco parecem apontar para um retorno das incertezas. “Os mal- estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Os mal-estares da pós- modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais.” (Bauman, 1998:10). Ao mesmo tempo em que a França equaliza as questões de foro econômico e político - com as demais 27 nações que compõe a União Européia -, o país enfrenta desde 2005 a maior onda de violência e desobediência civil de sua história recente. Nos últimos anos, quase todos os países membros da UE se defrontaram de uma forma ou de outra com o dilema da imigração e a constituição dos seus estranhos. A ocorrência de agressões verbais e físicas contra muçulmanos após os atentados de 11 de setembro (Nova York), 11M (Madri) e Londres em 2005 fizeram reviver a islãfobia. “Tais agressões assumiram formas variadas – grafitagens em mesquitas ou instituições islâmicas; mulheres com hijab ofendidas, crianças 23 muçulmanas chamadas de “Osama’” (Laquer, 2007:76-77). A participação de fundamentalistas islâmicos nos atentados referidos apenas ajudou a intensificar as tensões sociais pré-existentes na Europa. Os imigrantes muçulmanos e os filhos de imigrantes naturalizados europeus se transformaram nos novos estranhos ou estranhos modernos. Mas o que provocou a “estigmatização” desses novos estranhos na Europa? Até 1997 houve poucos protestos de muçulmanos europeus; o termo islãfobia foi de fato cunhado somente no ano seguinte. Quatro anos depois ocorreram três vezes mais protestos contra estigmas religiosos ou étnicos. Não é segredo a razão para este súbito aumento: foi a escalada do terrorismo (Laqueur, 2007:75). No ano de 2005, Paris e várias outras cidades foram tomadas por violentas manifestações de desobediência civil, que resultaram no mais grave choque político da história recente na França. Enquanto espanhóis e ingleses refletiam sobre o apoio de seus respectivos governos na Guerra do Iraque - ao mesmo tempo em que analisavam com preocupação o ressurgimento do terrorismo fundamentalismo islâmico e a islãfobia -, o governo francês era obrigado a adotar toques de recolher para tentar conter a explosão de violência que emanava dos subúrbios. Muitos imigrantes ou filhos de imigrantes naturalizados cidadãos franceses vivem isolados em guetos com os mesmos direitos que em princípio a constituição garante, mas sem gozar na prática das mesmas oportunidades. O gueto, segundo Bauman, quer dizer a impossibilidade de comunidade: “Um gueto não é um viveiro de sentimentos comunitários. É, ao contrário, um laboratório de desintegração social, de atomização e de anomia” (Bauman, 2003:111). Segundo Gilberto Dupas, na Europa existe uma conjugação entre islã, colonialismo, imigração e espaços de exclusão bem diferente dos EUA, onde “a imigração muçulmana não corresponde aos espaços de exclusão, que são preenchidos pelos negros ou latino-americanos. Com exceção do movimento político Nação do Islã, os muçulmanos nos EUA são praticamente de classe média e 80% deles votaram em Bush.” (Dupas, 2003:7). No caso da Europa, a França se mostrou um país dividido em cidadãos de primeira e segunda classe. A tensão do plano social se reflete na esfera da ocupação urbana entre centro e periferia, onde jovens apátridas perdidos entre dois 24 mundos foram às ruas para incendiar carros e confrontar as autoridades, após a morte supostamente acidental de dois garotos da periferia que fugiam da policia. A revolta dos filhos de imigrantes na França, ao contrário do que pode levar a crer Laqueur, não é o fruto da “islamização da comunidade” (Laqueur, 2007:75). Trata-se de uma revolta social. O que se seguiu aos confrontos de Clichy-sous-Bois em 28 de outubro de 2005 foi uma violenta explosão dos assim considerados estranhos, que isolados em guetos se revoltaram contra o Estado e a política de exclusão e segregação da sociedade industrial. Os atentados terroristas contra o metrô de Londres em junho de 2005 também evidenciaram o fracasso das políticas de integração do reino Unido. À medida que as investigações demonstraram que os terroristas eram cidadãos britânicos acima de qualquer suspeita – com residência e trabalho fixo no país – cresceram entre os especialistas britânicos em segurança a sensação do mal-estar, a sensação de que em algum momento o Estado fracassou. Primeiro o Estado fracassou na sua função de garantir a segurança – condição primaria para a manutenção do pacto social hobbesiano, onde os homens abdicam de parte de sua liberdade em prol da segurança –, depois fracassou na política de assimilar, excluir ou eliminar fisicamente os estranhos, como descrito por Bauman. Antes de 2005 França e Inglaterra eram tidos como exemplos de sucesso na integração social. O assassinato aleatório de civis em Londres, Madri ou Nova York paralisa a sociedade contemporânea e representa um retrocesso político do fundamentalismo religioso. As manifestações populares na França refletem, por outro lado, uma questão igualmente importante, mas substancialmente diferente, que denuncia o fracasso dos falsos sucessos no velho continente. Assim como os atentados terroristas de Londres, Madri e Nova York ao longo da primeira década do século XXI, as manifestações de violência e insubordinação civil na França são - segundo a hipótese de investigação desse trabalho - expressões do mal-estar no mundo contemporâneo. 25 O terrorismo internacional pode se apropriar desse cenário de reflexão e mal-estar para recrutar indivíduos insatisfeitos ou descontentes com os rumos da modernidade, assim como muitos Estados – notoriamente os EUA – têm sistematicamente se apropriado do discurso do medo para se lançar na guerra contra as minorias étnicas, o terrorismo e a insegurança. Não se trata aqui de traçar uma visão pessimista da Europa como nos expõe Laqueur (2007), ou o mundo pautado pelo Choque de Civilizações descrito por Huntington (1997), mas de repensar os riscos na constelação pós-nacional (Habermas, 2001) à luz da modernização reflexiva (Beck, 1997) e do mal-estar na globalização do terrorismo. Quanta insegurança é necessária para suprimir a liberdade e os direitos individuais nos Estados Democráticos? Qual o caminho de volta para se restituir a liberdade? Existe um caminho de volta? 26 2. TERRORISMO E TERRORISTAS Um dos problemas para se pensar o fenômeno do terrorismo é exatamente a ausência de uma definição universal. O problema começa a ganhar contornos com a dificuldade para diferenciar guerrilha de terrorismo e avança para o campo das controvérsias, no pré-julgamento para desqualificar politicamente um adversário. A partir daí, corre-se o risco de agregar sobre o mesmo nome coisas muito diferentes, ampliando a indeterminação da palavra terrorismo e terror. Segundo a concepção desse trabalho, terror - entre outras coisas - 1) é o efeito psicológico ou moral que afeta os alvos dos atentados terroristas; 2) é o medo da morte violenta, o estado de natureza hobbesiano onde as ameaças da violência - associada com as incertezas do cotidiano - são ainda mais paralisantes do que a própria morte (Barber, 2005). Para Eugenio Diniz (2004), uma particularidade essencial do terror é a virtual irrelevância da relação de forças e a aplicação indiscriminada do emprego, ou da ameaça do emprego da força sobre seu alvo. A força do terror não se mede pela capacidade circunstancial de destruição física de uma bomba ou um assassinato, mas pelo seu alcance psicológico sobre as pessoas. É necessário definir o terrorismo de acordo com a qualidade do ato e não a partir da identidade do perpetrador ou da natureza da causa (Diniz, 2004). Nesse caso o terrorismo é uma forma de intimidação que emprega o terror para atingir um fim político, embora o próprio Diniz reconheça a limitação dessa opção de análise. O terrorismo, segundo Diniz, difere do sistema jurídico no uso e no alcance do uso da força para coagir. “Afinal o sistema penal está longe de ser indiscriminado: age sobre indivíduos que se supõem, a partir de procedimentos investigativos e judiciários, diretamente relacionados a determinados acontecimentos, sendo que os indivíduos em questão terão conhecimento do processo, poderão defender-se e estarão cientes dos acontecimentos que os envolvem.” (Diniz, 2004:202). Tal análise nos leva a uma constatação circunstancial: os Estados Unidos estariam praticando, desde 2001, atos explícitos de terrorismo na guerra contra o terror, para extrair 27 informações de prisioneiros em Guantánamo – entre outras prisões ao redor do mundo –, detidos sem a aplicação da Convenção de Genebra. Tais prisioneiros estão presos na indeterminação jurídica dos combatentes ilegais - criada pelo ex-secretário de justiça Alberto Gonzáles -, visto que os novos terroristas não possuem vínculo direto com um Estado e, portanto não se enquadram na definição de prisioneiro de guerra da Convenção de Genebra. O principio de que a guerra contra o terrorismo não é uma guerra convencional, pois não corresponde a um conflito entre Estados, significa aos olhos da Casa Branca que os EUA podem atribuir um novo status aos prisioneiros acusados de vinculação com o terrorismo de acordo com o tribunal militar. Para garantir a continuidade dos interrogatórios de suspeitos de terrorismo – sob o obscuro manto da tortura –, o presidente George Bush ratificou no dia de 17 de outubro de 2006, o Military Commissions Act. De acordo com os parâmetros de análise estabelecidos por este trabalho, uma ação terrorista contempla pelo menos um desses três fatores: 1) tornar-se conhecida através do uso da violência - física ou psicológica; 2) tocar ou sensibilizar outras pessoas - da mesma forma insatisfeitas com o modelo político vigente - mostrando que o alvo do seu descontentamento também é vulnerável, mesmo numa condição assimétrica de poder e; 3) despertar uma reação do oponente induzindo a um comportamento que altere as relações de força em favor do grupo que praticou o ato terrorista. Na impossibilidade de apresentar ao leitor uma única definição de terrorismo, cabe introduzir algumas das principais definições da palavra, encontradas ao longo dessa pesquisa: • “Terrorismo, em outras palavras é, simplesmente, a denominação contemporânea e a configuração moderna da guerra deliberadamente travada contra civis, com o propósito de lhes demolir a disposição de apoiar líderes ou políticas que os agentes dessa violência consideram inaceitáveis” (Carr, 2002: 16). • “Forma específica de luta política, um estratagema voltado para alterar rapidamente a correlação de forças. Tem como fim uma meta política; emprega como meio de ação uma forma específica de emprego da força – o terror; mas emprega-a não de forma a produzir imediatamente aquela meta política, isto é, não visa a dissuadir nem a compelir, mas sim a 28 induzir no alvo um comportamento que permita derrota-lo. Assim sendo, combate-lo exige procedimentos específicos, que podem variar conforme o caso.” (Diniz, 2004: 219). • “É a estratégia escolhida por um grupo relativamente homogêneo, que desenvolve sua luta clandestinamente entre o povo para convencê-lo a recorrer a: ações demonstrativas que têm em primeiro lugar, o papel de ‘vingar’ as vítimas do terror exercido pela autoridade e, em segundo lugar, de aterrorizar esta última, mostrando como a capacidade de atingir o centro do poder é o resultado de uma organização sólida.” (Bonanate, 2000:1242). • “Trata-se de assassinato e ataque mortal, eliminação indiscriminada de inimigos, mulheres e crianças. Vida contra vida. O terror que se manifesta sob a forma paramilitar da guerrilha é diferente. Determinou o caráter de muitos movimentos de libertação nacional na segunda metade do século XX – e hoje, por exemplo, marca a Guerra de Independência dos Chechenos. O terror global, ao contrário, que culminou nos atentados de 11 de setembro, apresenta os traços anárquicos de uma revolta impotente.” (Habermas, 2004: 19). • “O uso ilegal da força ou violência contra pessoas ou contra a propriedade para intimidar ou coagir um governo, a população civil, ou qualquer outro segmento, para a consecução de objetivos políticos ou sócias” – FBI (Degenszajn, 2006). • “O uso calculado da força ou violência para causar medo , no intuito de coagir ou intimidar governos ou sociedades em função da busca de objetivos que são geralmente políticos, religiosos ou ideológicos” - Department of Defense, Estados Unidos (Degenszajn, 2006). • “Violência premeditada com motivações políticas empreendida contra alvos não combatentes por grupos subnacionais ou agentes clandestinos, normalmente destinadas a influenciar um público” – State Department, Estados Unidos (Degenszajn, 2006). Com exceção de alguns grupos anarquistas no século XIX, poucas organizações ousaram definir a si mesmas como terroristas. No entanto, nesse início de século, a alcunha de “terrorista” foi resgatada para descrever a ação dos mais diversos grupos ao redor do globo. Segundo Jacques Wainberg, “a utilização relativamente trivial desse rótulo tem uma razão de ser: ele está carregado de condenação moral. O terror marca gravemente os atores acusados com o veredicto da culpa” (2005:08) e desde 2001 obriga todos os Estados a combater o terrorismo em todas as suas formas e manifestações. Infelizmente a ausência de uma definição clara e universal sobre o “terrorismo” gera interpretações ambíguas, que abrem um perigoso precedente para o uso da violência institucional por parte dos Estados e seus respectivos governos. Uma análise de discurso dos principais atores envolvidos nas ações de repressão ao terrorismo (como a que será feita mais adiante, no capítulo 4.1) e as 29 concepções de terrorismo extraídas dos principais órgãos de combate ao terrorismo nos EUA, indicam que as definições de terrorismo estão intrinsecamente associadas “a idéia de legalidade como elemento central” (Degenszajn, 2006:19). Essas noções servem fundamentalmente aos interesses e composições de forças que comandam cada uma dessas instituições, por exemplo, o FBI incorpora a noção de legalidade, ao mesmo tempo que o Departamento de Estado incorpora a noção de coerção e intimidação de governos. (ibidem). Durante décadas a Organização das Nações Unidas tratou a questão do terror sem definir com clareza o que é o terrorismo. Segundo Brant & Lasmar, diante desse impasse - observado tanto na Assembléia Geral quanto no Conselho de Segurança - em torno da construção de um conceito aceito universalmente, optou-se por uma utilização temática. A saída diplomática empregada foi referir-se diretamente às infrações determinadas (como o seqüestro de aeronaves) sem, contudo, mencionar o termo terrorismo (ver capítulo 2.4). O seqüestro do avião na rota Roma - Tel Aviv pela Frente Popular de Libertação da Palestina (fundada em 1967 como uma dissidência de orientação marxista-leninista da Organização para Libertação da Palestina), em julho de 1968, ajudou a inaugurar uma nova prática recorrente do terrorismo nos anos 70 e fez com que doze países - entre eles os EUA - ratificassem a Convenção multilateral sobre aviação de 1963. O direito internacional - quase sempre reativo ao terrorismo - deu início a uma série de resoluções multilaterais na década de 70 que tipificaram o seqüestro de aviões e a tomada de reféns como crime. Dessa forma o seqüestro de aeronaves não é um fato novo na agenda da comunidade internacional, e tampouco uma inovação do terrorismo moderno (Spencer, 2006). Nos anos 70 e 80, os conflitos no Oriente Médio extrapolaram definitivamente as fronteiras nacionais e ganharam uma dimensão internacional através da cobertura da mídia sobre o terrorismo. O terrorismo do século XX era em geral alimentado por questões essencialmente nacionais como soberania e autonomia política, cabendo aos seus autores reivindicar e justificar a autoria dos atentados em nome de uma causa. “Os terroristas árabes das décadas de 70 e 80 30 deixaram claro que estavam lutando em uma guerra por uma causa nacional árabe ou palestina, não pelo Islã. Na verdade, uma proporção significativa dos líderes e ativistas da OLP era cristã” (Lewis, 2004:137) O uso excessivo da violência por parte das organizações terroristas tinha um alto risco e deveria ser controlada. O grau de violência dos atentados terroristas nos anos 80 estava de alguma forma condicionada ao apoio popular e ao carisma de suas lideranças. Segundo Fred Halliday (2004), o terrorismo é um fenômeno distinto - político e moral - que interligava direito a revolta com oposição a opressão. Se a violência armada extrapolava os limites de aceitação da opinião pública, ocasionando muitas baixas entre civis, então a organização perderia força. Mas se a ação terrorista abria espaço para a negociação atraindo a atenção da mídia internacional, então os terroristas eram alçados ao status de Guerreiros da Liberdade, como Yasser Arafat. A diferença entre terrorismo político e assassinato comum fica clara na mudança de regimes em que ex-terroristas alcançam o poder e se transformam em representantes respeitáveis de seu país. É claro que somente terroristas que perseguem objetivos políticos compreensíveis de forma realista e que podem derivar da superação de uma situação evidentemente injusta, ainda que retrospectivamente, uma certa legitimação para as suas ações criminosas, podem esperar por essa transformação da sua imagem política. (Habermas, 2006: 20). O cientista político Robert Pape reforça a necessidade de analisar e compreender os atentados terroristas sempre à luz de uma lógica específica. “Mesmo quando os atacantes suicidas são irracionais ou fanáticos, os líderes do grupo que os recrutam e os direcionam não o são” (2003:04). Essa é a mesma perspectiva defendida pelo historiador Caleb Carr, que define terrorismo “como um ato que não é um fim em si mesmo, mas um meio para um fim cujos beneficiários envolvem atores que não os próprios agentes da violência” (2002:96). Todo ato de terrorismo pressupõe uma intenção e uma finalidade política, que em última instância se utiliza da coerção pelo medo. Os Estados Unidos sempre estiveram envolvidos em algum tipo de guerra (interna ou externa): guerra contra as drogas, guerra contra a pobreza e mais recentemente a guerra contra o terrorismo. Todas essas “guerras” simplificam muito a questão, mas se tomarmos retrospectivamente os resultados obtidos em cada um 31 dos campos de batalha podemos extrair uma das primeiras características da sociedade norte-americana: uma propensão para a radicalização do conflito contra um inimigo propositalmente indeterminado e difuso no contexto social. O que nos leva a uma importante hipótese de trabalho: a guerra contra o terrorismo é o novo substituto da Guerra Fria para a política externa norte-americana. 2.1 - GUERRA CONTRA O TERRORISMO Segundo a mitologia grega, Zeus castigou Prometeu por roubar o fogo dos Deuses e o entregar aos homens. Temendo que os Deuses também castigassem a humanidade, Prometeu entregou a seu irmão Epmeteu uma caixa, que em hipótese alguma deveria ser aberta, sob pena de causar grandes desconfortos à humanidade. Incomodado com a arrogância dos homens que devastavam a terra, Zeus teria criado a mulher (Pandora) e a ela atribuído a incumbência de seduzir Epmeteu, para roubar a misteriosa caixa confiada por seu irmão. A curiosidade de Pandora fez com que ela abrisse a caixa e libertasse um vórtex de mazelas que se abateram sobre toda humanidade, condenando a civilização à barbárie. Assustada, Pandora fechou imediatamente a caixa e manteve aprisionado o último dos males que acabaria com toda a esperança dos homens. A recuperação do mito de Pandora pode nos ajudar a estabelecer uma outra hipótese da presente pesquisa: o terrorismo internacional é a Caixa de Pandora do século XXI, que desperta a pulsão de morte (Tânatos) em detrimento da pulsão de vida (Eros), estimulando novas guerras e ameaças às liberdades individuais - principio fundamental dos regimes democráticos. O terror e o terrorismo representam o Mal-Estar na Civilização que prepara o mundo para a vida sob uma condição de incerteza, que é permanente e irredutível. Segundo Bauman (1998), o livro de Freud trata da história da modernidade, ainda que o autor preferisse falar de Kultur ou civilização. O Mal-Estar na Civilização (Freud, 1930), tido por muitos como o seu texto mais sombrio, aborda a questão da “miséria humana” em face da infelicidade que decorre da vida em civilização (Roudinesco & Plon, 1998). Freud começa o livro 32 argumentando sobre a necessidade humana de fabricar ilusões entre as quais a ilusão religiosa para descrever o sacrifício pulsional. Afirma-se, contudo, que cada um de nós se comporta, sob determinado aspecto, como um paranóico, corrige algum aspecto do mundo que lhe é insuportável pela elaboração de um desejo e introduz esse delírio na realidade. (Freud,1974:38). As religiões da humanidade devem ser classificadas entre os delírios de massa desse tipo. É necessário dizer que todo aquele que partilha de um delírio jamais o reconhece como tal.” (ibidem). A civilização em si - leia-se modernidade - está atravessada por forças contraditórias e ao mesmo tempo complementares. Eros conduz o trabalho da civilização ligando conjuntos cada vez mais vastos como povos, nações - e por que não dizer comunidades? - enquanto Tânatos destrói, desliga e dissocia comunidades. Mas Eros também é responsável por criar o “narcisismo das pequenas diferenças” que leva os membros de uma comunidade a entricheirar-se em sua identidade coletiva hostilizando os membros de outros grupos (Rouanet, 2005). Os laços de identidade intragrupal obtém coesão a um custo altíssimo, segundo Rouanet, pois deslocam os impulsos agressivos (o mal-estar) para fora da sociedade resultando no nacionalismo exacerbado, na xenofobia, nas rivalidades e guerras entre nações, e também, seria possível dizer, no terrorismo internacional de caráter fundamentalista. Na transição do mundo bipolar da Guerra Fria para o sistema multipolar do século XXI, o terror é a manutenção do status de tensão que justifica a manutenção da máquina de guerra norte-americana, através do conflito indeterminado contra um inimigo oculto. Essa condição de insegurança e violência exprime a dualidade criada entre o “bem” e o “mal”, assim como o embate entre “nós” (civilização) e “eles” (bárbaros) no âmago da guerra contra o terror. A barbárie não é apenas o avesso necessário para a consolidação da civilização. Na análise de Marilena Chauí (2004), é aquilo que a civilização engendra ao produzir-se a si mesma como cultura. O civilizado só se reconhece como civilizado em oposição ao bárbaro. A cruzada lançada pelo presidente Bush para identificar e punir os responsáveis pelos atentados de 11 de setembro dividiu o sistema internacional entre a perspectiva da civilização e a da barbárie. Os atentados produziram um 33 efeito ímpar de apoio aos EUA e promoveram uma ampla política de alianças. Mas as incertezas geradas após a Guerra do Afeganistão e os excessos cometidos na Guerra Contra o Terror, reverteram o apoio internacional para um amplo sentimento antiamericano. A falta de parâmetros para a decretação da assim concebida “guerra justa” contra o terrorismo e a ausência de uma agenda política de segurança coletiva mantém abertas as portas para a ação do fundamentalismo religioso, em oposição à globalização. “Não que sejam suas causas ou conseqüências, mas a guerra cria um Estado de não-direito, regulariza a morte, banaliza a barbárie, alimenta o medo e as fantasmagorias, reaviva os velhos demônios, abala a moral e o humanismo.” (Hatzfeld, 2005:65). A globalização do terrorismo é apenas um dos reflexos da violência no mundo contemporâneo. Os atentados do 11/9 reforçam a vulnerabilidade do Estado moderno diante da ameaça do terrorismo fundamentalista - difuso - no atual contexto das relações internacionais. Durante quase todo o século XX o terrorismo foi uma manifestação local limitada pela lógica do conflito bipolar, porém com o fim da Guerra Fria surgem novas linhas de fratura no plano étnico: “a etnia passa a tornar- se a base para a construção de trincheiras defensivas, territorializadas em comunidades locais” (Castells, 1996:78). A modernidade não é apenas a globalização dos meios de produção e a revolução dos meios de comunicação, ela também representa um aprofundamento e uma especificação das tensões entre o local e o global. Segundo Anthony Giddens: “Nas civilizações pré-modernas, as atividades do centro político nunca penetravam inteiramente na vida cotidiana da comunidade local”. (1997:114). “Somente com a consolidação do Estado-nação e a generalização da democracia nos séculos XIX e XX, a comunidade local começou efetivamente a se fragmentar” (ibidem:115). Giddens identifica na relação entre modernidade e tradição a evolução do risco como elemento central para a construção daquilo que ele chama de “sociedade pós-tradicional”. O risco ajuda a configurar o mundo como um ambiente “em descontrole”, que vê o poder tradicional local entrar em colapso, mas não sem antes 34 resistir de forma muitas vezes violenta e imprevisível. Não é que atualmente nossas circunstâncias de vida tenham se tornado menos previsíveis do que costumavam ser; o que mudou foram as origens da imprevisibilidade. (Gidden, 1997). No atual contexto de indeterminação dos verdadeiros inimigos, a difusão do terrorismo internacional deve ser analisada sob a ótica da transição da modernidade “simples” para a modernidade reflexiva, “estágio em que o progresso pode se transformar em autodestruição, em que um tipo de modernização destrói outro e o modifica” (Beck, 1997: 12). A globalização colocou em xeque as bases históricas de legitimação do poder local baseado na força da tradição secular. A perda de significado dos dogmas para algumas culturas e a expansão do capital transnacional criou um limbo de identidade nas sociedades de estrutura tradicional. Enquanto uma pequena parcela do mundo incorporou o modelo de vida cosmopolita, baseado nas novas relações horizontais de produção e exploração capitalista, bilhões de pessoas se encontram no patamar de miséria sobrevivendo com menos de um dólar por dia, onde a fragilidade das instituições alimenta a violência e a intolerância étnica. O primeiro sinal de alerta para o processo de intolerância étnica e radicalização da violência - após 2ª Guerra Mundial - veio de Ruanda em 1994. Durante os meses de abril e maio, 800 mil tútsis foram assassinados pela etnia hutú diante dos olhos da comunidade internacional, que assistiu a esse genocídio de maneira quase indiferente. “Em 1994, entre as onze horas de segunda-feira 11 de abril e as catorze horas de sábado 14 de maio, cerca de 50 mil tútsis, de uma população de perto de 59 mil, foram massacrados com facões, todos os dias da semana, das nove e meia às dezesseis horas, por milicianos e vizinhos hútus, nas colinas da comuna de Nyamata, em Ruanda.” (Hatzfeld, 2005, pg18). A anulação dos estranhos em Ruanda veio através da eliminação física dos tútsis massacrados pelos hútus. É a constatação, já descrita por Bauman, da conversão de vizinhos em estranhos aterrorizantes e a busca da pureza pós-moderna. As forças de integração do liberalismo produziram uma elite extraterritorial, que transita entre o Ocidente e o Oriente como se as fronteiras do mundo fossem 35 plenamente permeáveis. Para Zygmunt Bauman (2003) essa elite internacional construiu uma zona livre de comunidade artificial, que reflete uma forma cosmopolita limitada e isolada. A re-configuração da ordem mundial na década de 90 produziu uma série de projetos ancorados no principio da cooperação e integração entre o Ocidente e o Oriente. A perspectiva de um mundo interdependente, conectado horizontalmente por organizações não governamentais e empresas transnacionais, sugeriu a criação de uma complexa teia de relacionamentos onde os Estados já não seriam mais os únicos atores das relações internacionais. Para entender os fatores que levaram aos atentados do World Trade Center em 2001 é necessário compreender como operam as novas forças políticas na esfera das relações internacionais na década de 90. Para entender os atentados de Madri em 2004 é necessário resgatar o rastro das políticas pós 11 de setembro e analisar a Guerra do Afeganistão (2002) e a Guerra do Iraque (2003) no contexto da guerra contra o terror. 2.2 - FUNDAMENTALISMO As estatísticas dos incidentes vinculados à prática do terrorismo revelam que os atentados internacionais entre as décadas de 1960 e 1980 mantiveram-se praticamente estáveis. Mas as estatísticas do MIPT6 combinadas com o banco de dados do físico Robert Johnston7 (International Terrorist incidents) indicam que em meados dos anos 90 houve uma acentuada alteração nos indicadores de violência, com o crescimento vertiginoso dos atentados internacionais acompanhado do aumento no número de vítimas do terrorismo. A alteração no índice de atentados reflete uma mudança no cenário da globalização. 6 Memorial Institute for the Prevention of Terrorism – Knowledge Base; http://www.tkb.org/AnalyticalTools.jsp 7 Johnston’s Archive – Terrorism, Couterterrorism, and Unconventional Warfare; http://www.johnstonsarchive.net/terrorism/intlterror.html 36 Durante a Guerra Fria o cenário padrão das relações internacionais era formado por um equilíbrio do poder orientado pela perspectiva de paz armada e contenção. Os Estados mantinham soberanias afirmativas no âmbito das políticas de controle local sobre a população e o território nacional. A dinâmica das relações internacionais era determinada por relações mecânicas de alinhamento político e econômico. Segundo John Stoessinger: Essencialmente, o sistema de equilíbrio de poder equivalia a um processo de contrapor ao poder um contrapoder correspondente. A técnica favorita empregada para atingir esse objetivo era a contraposição de alianças e de contra-alianças. Essas uniões não eram permanentes; seus membros não raro mudavam de lado, sempre que a manutenção de poder parecesse exigi-lo. (1975:277) Durante a década de 50 e o início dos anos 60, a reacomodação política do pós-guerra gerou uma série de demonstrações de força que levaram o mundo à maior corrida armamentista da história. As iniciais MAD (Mutual Assured Destruction) traduziam a relação de ambivalência entre a loucura e a lógica de uma Guerra Nuclear. A dupla sensação de fraqueza e supervalorização do inimigo fez com que os EUA e a URSS arriscassem ensaios para um conflito hipoteticamente possível, mas tecnicamente improvável. Os dados em vermelho refletem as estatísticas do U.S. Department of State e os dados em azul as estatísticas do Memorial Institute for the Prevention of Terrorism 37 Assim como as tensões no campo diplomático e militar, os atentados terroristas do século XX estiveram de uma forma ou outra vinculados à lógica da Guerra Fria. As lutas por independência e autonomia política produziram notórias organizações terroristas8 com o intuito de desestabilizar regimes políticos e instaurar novos governos. Alguns grupos ainda possuíam um viés ideológico identificado com o marxismo-leninista, o que gerou uma forte vinculação dos movimentos de esquerda com a prática do terror. No entanto, a ameaça do terrorismo não era suficientemente forte para projetar uma mudança de paradigmas na ordem internacional. O terrorismo era um micro-componente da Guerra Fria, geralmente localizado nas guerras de independência das ex-colônias, que não gerava ondas significativas de instabilidade no plano internacional. O terror no século XX estava limitado ao cenário bipolar da Guerra Fria que restringia o processo de globalização. O terrorismo pós-Guerra Fria da década de 90 ressalta o caráter de indefinição das ameaças no mundo contemporâneo, pois conta com uma complexa rede de agentes que transitam entre dois universos e se valem de uma igualmente complexa variedade de recursos tecnológicos e biotecnológicos, que de algum modo escapam ao controle dos Estados. É o caso da seita fundamentalista Verdade Suprema (Aum Shinrikyo) que em 1994 lançou um ataque com gás sarin no metro de Tóquio, provocando doze mortes e infectando outras cinco mil pessoas. A seita Verdade Suprema combate a nova ordem global que na interpretação de seus seguidores representa os interesses das multinacionais, do imperialismo norte-americano e da polícia japonesa. O ataque com o gás sarin no metrô de Tóquio aprofundou o debate sobre o modelo social do período pós- hipercrescimento econômico, destacando a modernização reflexiva. “Após décadas de modernização acelerada por uma série de intervenções estatais e mobilização nacional, o Japão tinha de enfrentar-se a si próprio como sociedade, após se dar 8 Alguns exemplos: Pátria Basca e Liberdade (ETA) - prega desde 1959 a criação de um Estado Basco independente. Exército Republicano Irlandês (IRA) - fundado como braço armado do partido político Sinn Fein em 1969 para expulsar as tropas Britânicas da Irlanda. A Força de Libertação Nacional (FLN) - empreendeu em 1954 uma série de ataques terroristas, que provocou uma violenta repressão do governo Francês acabando por expor a ficção de igualdade entre os “franceses” europeus e argelinos. 38 conta de que também podia padecer dos males causados pela alienação, violência e terrorismo, gerado por japoneses contra os próprios japoneses” (Castells, 2002:135). A ação de diferentes grupos fundamentalistas no final do século XX apresentou importantes indícios de uma possível radicalização do terrorismo. Assim como a seita Verdade Suprema se mostrara disposta a matar milhares de pessoas em meados dos anos 90, a rede Al Qaeda colocou em prática a violência desmedida contra civis. O grande impacto causado por esses movimentos resulta, em grande medida, da presença marcante da mídia e do uso eficaz da tecnologia da informação. Procura-se atrair a atenção da mídia nos moldes da tradição anarquista francesa, brevemente reinstaurada em maio de 1968, da láction exemplaire: pratica-se um ato espetacular que, dado o seu forte apelo, até mesmo pelo sacrifício, chama a atenção das pessoas às reivindicações do movimento, visando em última análise despertar as massas, manipuladas pela propaganda e subjugadas pela repressão (Castells, 2002:133). Durante o século XX a maioria dos grupos terroristas optou por dosar - na maioria dos casos - o uso da violência temendo as repercussões negativas que um atentado poderia produzir. O ETA e o IRA comunicavam muitas vezes a ocorrência de uma bomba plantada em local público para evitar a perda de vidas, e os seqüestradores de aviões negociavam a libertação de reféns em troca da libertação de companheiros presos. Essa limitação, no entanto, não é uma característica dos homens-bomba no século XX ou dos pilotos suicidas da rede Al Qaeda. O que chama a atenção particularmente para os atentados de 11/09 - entre outras coisas - é justamente a disposição individual para o suicídio. Suicídio é “todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo praticado pela própria vítima, ato que a vítima sabia dever produzir este resultado”. (Durkheim, 1978:167) A ação suicida dos pilotos que conduziram os aviões contra o World Trade Center revela uma incrível determinação individual e ao mesmo tempo coletiva. Se o limite para a vitória ou a derrota era a manutenção da própria vida na perspectiva ocidental de guerra, a ação do terrorista suicida nos obriga a repensar esse limite. A disposição do mártir é uma poderosa arma do terrorismo contemporâneo, já que contra o suicida não existe mais espaço para a negociação. Embora o ataque 39 suicida não seja uma exclusividade dos conflitos no Oriente Médio9, ou uma inovação da rede Al Qaeda, a ação do mártir ganhou destaque ao longo da década de 90 com o conflito Israel e Palestina e marcou definitivamente a história recente dos EUA após os atentados de 11 de setembro. Não se trata aqui de incorporar a teoria descrita por Émile Durkheim - que afirma a pré-disposição de cada sociedade para fornecer um determinado contingente de mortos voluntários (Durkheim, 1978) -, mas ressaltar a presença de um outro elemento na constituição do terrorista contemporâneo, a explosão dos movimentos radicais islâmicos. A determinação dos atores responsáveis pelos atentados contra o World Trade Center em 2001 está ancorada na perspectiva fundamentalista. O fundamentalismo se baseia na força da tradição e não se limita exclusivamente à religião; é uma reação à globalização que recusa o diálogo e se opõe diametralmente ao modelo cosmopolita. As raízes sócias do fundamentalismo no mundo islâmico parecem resultar do processo bem sucedido de modernização da década de 50 e 60 – conduzida pelos Estados - e do fracasso da modernização econômica na maioria dos países muçulmanos nas décadas de 70 e 80 (Castells, 2002). Poderíamos pensar que o fundamentalismo sempre existiu. Isso não é verdade – ele surgiu em resposta às influências globalizantes que vemos por todos os lados à nossa volta. O próprio termo data da virada do século, quando foi usado para designar as crenças de certas seitas protestantes nos EUA, particularmente aquelas que rejeitam Darwin. Fundamentalismo não é o mesmo que fanatismo ou que autoritarismo. Os fundamentalistas reclamam um retorno aos textos ou escrituras básicos, a serem lidos de maneira literal, e propõem que as doutrinas derivadas de tal leitura sejam aplicadas à vida social, econômica ou política. O fundamentalismo confere nova vitalidade e importância aos guardiões da tradição (Giddens, 2005:58). A ação radical do terrorismo fundamentalista que ganha destaque com os atentados suicidas da década de 90 é entendida na perspectiva das discussões entre a sociedade de risco, travadas por Ulrich Beck e Anthony Giddens, como uma crise do poder tradicional local diante da expansão da globalização. Ainda nas 9 Segundo Robert Pape (2003), o grupo Tigres de Libertação do Tamil de orientação ideológica marxista/leninista de maioria hinduísta, lidera os índices de atentados terroristas suicidas. Entre 1980 e 2001 os Tigres do Tamil cometeram 75 dos 186 ataques suicidas registrados, enquanto os grupos radicais muçulmanos respondem por aproximadamente 30 atentados no mesmo período. 40 palavras de Manuel Castells “a construção da identidade islâmica realiza-se como uma reação contra a modernização inatingível (capitalista ou socialista), os efeitos negativos da globalização e o colapso do projeto nacionalista pós-colonial” (Castells, 2002:35). O governo do Taleban no Afeganistão tenha sido a mais pura tradução do fundamentalismo descrito por Anthony Giddens, que se fecha para o mundo exterior na tentativa de se proteger da globalização que desarticula a força da tradição local. Porem a maioria dos muçulmanos e isso inclui Osama bin Laden, não é resistente a globalização ou modernização em si. O que muitos muçulmanos e não muçulmanos alegam é que suas terras e se encontram sob ataque dos Estados Unidos. “Bin Laden foi bastante preciso ao dizer que à América as raízes pelas quais empreendeu uma guerra contra nós. Nenhuma dessas razões contempla a nossa liberdade, democracia ou livre arbítrio, mas sim as políticas de acções americanas no mundo muçulmano.” (Scheuer, 2005:13) 2.3 - LIBERDADE, INSEGURANÇA E DEMOCRACIA Torna-se manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra”.[...] “Em tal situação não há lugar para a indústria, pois seu fruto é incerto. Seguramente não há cultivo da terra nem navegação, nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar. Não há construções confortáveis nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força. Não há conhecimento da face da terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras. Não há sociedade. E o que é pior do que tudo, há um constante temor do perigo de morte violenta. A vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta.Thomas Hobes (2004, pg.98). O terrorismo altera a percepção de globalização da sociedade moderna, pois transforma gradualmente a violência local em uma ameaça global e substitui o que se imaginava ser a “ameaça do comunismo” por uma nova ameaça - denominada genericamente de terrorismo internacional. Se o terrorismo um dia foi um micro-componente inerente à Guerra Fria, após os atentados de 11/09 o terror se transforma na principal justificativa para a doutrina da guerra preventiva promovida pelos neoconservadores nos EUA. Os neoconservadores partilham uma visão pautada pela tradição militar. Propensos à guerra, são políticos ortodoxos acostumados a lidar com as ameaças 41 de um mundo bipolar, mas incapazes de compreender a força da interdependência gerada pela integração do mundo multipolar. A estratégia da guerra preventiva é um princípio da doutrina de segurança norte-americana, que busca legitimidade para um ataque militar, antecipando um ataque inimigo tido como “eminente”. A base jurídica da guerra preventiva consiste: 1º) no direito de auto defesa dos Estados – previsto na Carta das Nações Unidas – contra uma agressão externa, 2º) e no dever do Estado de garantir a manutenção da segurança coletiva e individual de seus cidadãos. A subjetividade da ameaça do ataque “eminente” é uma característica da doutrina de segurança dos EUA, onde as incertezas do dia-a-dia escapam ao controle dos indivíduos e a insegurança se transforma numa constante para a sociedade. “Funcionando fora da lei, tornando a insegurança onipresente e fazendo da liberdade um sinônimo de risco, o terror constitui a apoteose da anarquia internacional, a qual, por sua vez, intensifica a sedução da repressão brutal” (Barber, 2005:95). É nesse contexto de medo e insegurança que a atual doutrina de segurança neoconservadora explora o falso dilema da segurança em detrimento da liberdade. Assim como os “realistas”, os neoconservadores concebem os Estados como os únicos atores das relações internacionais. Em geral a questão da segurança nacional assume um papel preponderante na agenda da política externa neoconservadora. Para os realistas, segurança militar ou questões estratégicas vinculadas à defesa da nação são usualmente caracterizadas como “hight politics” – políticas de alta prioridade –, enquanto questões econômicas e sociais são tratadas como assuntos de menor importância ou “low politics”. (Viotti e Kauppi, 1993:06). O que diferencia os neoconservadores da escola “realista” – especialmente após os atentados de 11/09 – é “a visão de uma ordem política mundial americana, que se solta dos trilhos reformistas da política de direitos humanos da ONU” (Habermas, 2004:33). Segundo Luiz Carlos Bresser Pereira (2003): “Estamos vendo um grupo ultraconservador e nacionalista que controla o governo norte-americano utilizar a hubris nacional de um povo que se viu alçado a uma situação de poder 42 aparentemente incontrastável, para adotar políticas radicais sem consultar seu interesse.” (Bresser-Pereira, 2003:55). Ulrich Beck sinalizou três meses após os atentados de 11 de setembro para a materialização do medo como o maior risco contra os dois principais elementos da modernidade, a democracia e a sensação de segurança. O que importa não é a efetiva capacidade de infringir danos através de atentados violentos, mas a projeção que o horror alcança na disseminação da insegurança. “Politicamente crucial, em última análise, não é o risco em si mas a sua percepção. O que os homens sentem que é real, é real nas suas conseqüências”. (Beck, 2002) A modernidade está fundamentada na liberdade e na democracia, mas os homens tendem a abdicar de alguns valores em prol da sensação de segurança. A sociedade que sucumbe ao terrorismo é incapaz de agir contra o cerceamento dos direitos individuas que o próprio coletivo se impõe. “Se nos confrontarmos com a escolha entre liberdade e sobrevivência já será tarde demais, pois a maioria dos homens deve se colocar contra a liberdade.” (ibidem). O objetivo do terror é justamente quebrar o equilíbrio de poder constituído pelo Estado em vista da segurança de seus habitantes. A partir do momento em que os indivíduos se sentem desamparados pelo Estado diante da simples hipótese da morte violenta, a teia social que sustenta todo desenvolvimento cultural e político começa a ruir. Benjamin Barber localiza no medo a maior arma do terrorismo moderno para disseminar a insegurança e reverter uma das principais conquistas da sociedade moderna, a liberdade cívica: [...] os terroristas descobriram o sinistro segredo do estado de natureza hobbesiano: num mundo de medo e incerteza, mesmo o mais fraco pode matar o mais forte; o medo da morte pode ser mais parali