UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL DESCRIÇÃO DE ACESSOS CIRÚRGICOS E CORREDORES SEGUROS DO MEMBRO TORÁCICO, POR MEIO DE ESTUDO ANATÔMICO DA MUSCULATURA DE TAMANDUÁ-BANDEIRA (Myrmecophaga thidactyla) Thaís Vendramini Magalhães Médica Veterinária 2022 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL Descrição de acessos cirúrgicos e corredores seguros do membro torácico, por meio de estudo anatômico da musculatura de tamanduá- bandeira (myrmecophaga thidactyla) Thaís Vendramini Magalhães Orientador: Prof. Associado Bruno Watanabe Minto Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Unesp, Câmpus de Jaboticabal, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Cirurgia Veterinária. 2022 DADOS CURRICULARES DO AUTOR Thaís Vendramini Magalhães, nascida no município de Marília, estado de São Paulo, em 07 de julho de 1995. Ingressa no Curso de Medicina Veterinária na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Marília no ano de 2013. Durante a graduação, realizou estágios e cursos em diversas áreas, com enfoque em cirurgia de pequenos animais e animais silvestres, com ênfase em ortopedia a partir do terceiro ano. Foi aluna de Iniciação Científica PIIC (Programa institucional de iniciação científica da Universidade de Marília) 2015/2016, e teve suas primeiras publicações na revista Unimar Ciências (2016 e 2017). Participou da Comissão Organizadora da Semana de Ciências Agrárias (SECAM – 2016). Realizou seu Estágio Curricular Obrigatório na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) no ano de 2017. Entre os anos de 2018 e 2019, participou do Programa de Aprimoramento em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais no Hospital Veterinário Universitário de Uberaba – MG. Realizou mestrado no Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Veterinária da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Jaboticabal, no período de 2020 a 2022, monitoria nos cursos de “Aprimoramento em Ortopedia de Pequenos Animais”, “Aprimoramento em Neurologia de Pequenos Animais” e “TPLO”, além de publicações de artigos nacionais e internacionais. Atualmente é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Veterinária da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Jaboticabal com ênfase em ortopedia de pequenos animais e silvestres. Dedico este trabalho à minha família, que foi base e fortaleza para que eu prosperasse na vida acadêmica, profissional e pessoal. i AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por permitir que mais esta etapa seja concluída e por sempre abrir as portas certas para mim. Aos meus pais Sandra Vendramini e Marcio dos Santos, pelo apoio, confiança, amor, carinho, auxílio... por me ensinarem o valor da vida. Vocês são tudo pra mim. Obrigada mãe, minha rainha, pela nossa amizade e companheirismo. Te amo infinito. Aos meus avós Creusa Vendramini e Nilson Vendramini, seres de coração tão puro, que nunca mediram esforços para que eu realizasse meus sonhos. Obrigada vó, por cada oração feita, só nós sabemos o quanto nossa fé já fez por nós! Obrigada vô, por ter sido minha inspiração na Medicina Veterinária, por ter me ensinado a puncionar a primeira jugular de um cão. Aos meus tios Silmara Vendramini e Luís Roberto, por sempre acreditarem em mim, auxiliarem na minha educação e serem meu apoio, tia, obrigada por me mimar em todas as visitas. Ao meu afilhado Enzo Gabriel, que mesmo tão pequeno, me ensina sempre sobre cuidado, pureza e amor. A dinda te ama. Ao meu namorado Ygor Sakanaka que alegra e encanta meus dias com sua energia, seu romantismo e amor. Obrigada por compartilhar a vida comigo, trabalhando para realizar nossos sonhos, celebrando cada conquista e me dando todo apoio de forma doce e recíproca. Te amo. À minha filha de quatro patas Heloísa, que esteve comigo nos momentos felizes, difíceis e nunca me deixou desistir. Ao meu orientador Bruno Watanabe Minto, por toda paciência, conselhos, compreensão. Sempre me auxiliando e me direcionando para os melhores caminhos sabiamente. À bolsa de mestrado, processo 2019/26207-7, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), sem a qual seria impossível a realização desta pesquisa. Aos meus amigos do laboratório de ortopedia e neurologia da FCAV, obrigada por serem família, por transformarem os perrengues em risadas e por praticarem sempre a reciprocidade. javascript:openProcess('314101',%20'false') ii Por fim, a todos os tamanduás que já estiveram sob meus cuidados, me sinto honrada em dedicar parte da minha vida estudando sobre uma espécie tão incrível. iii FORMA DE APRESENTAÇÃO DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO A presente dissertação faz parte das obrigações para a obtenção do título de Mestre em Cirurgia Veterinária pelo Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp – Câmpus de Jaboticabal – SP. O trabalho foi apresentado no formato de capítulos para melhor compreensão e apresentação dos resultados, no qual o capítulo 1 (um) representa as considerações gerais, contendo introdução, revisão de literatura, objetivos e metodologia; e o capítulo 2 (dois), por sua vez, é o artigo científico. iv SUMÁRIO RESUMO..................................................................................................................... v ABSTRACT.................................................................................................................. vi LISTA DE ABREVIAÇÕES E SÍMBOLOS................................................................... vii LISTA DE FIGURAS.................................................................................................... viii CAPÍTULO 1 1. INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA................................................ 1 2. OBJETIVOS...................................................................................................... 4 3. HIPÓTESE........................................................................................................ 5 4. MATERIAL E MÉTODOS................................................................................. 5 4.1. Seleção e preparação dos cadáveres para dissecação......................... 5 4.2. Dissecação............................................................................................. 6 5. REFERÊNCIAS................................................................................................. 7 CAPÍTULO 2. Normas do periódico “Journal of Zoo and Wildlife Medicine” ABSTRACT.................................................................................................................. 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 2 MATERIAL E MÉTODOS............................................................................................ 3 RESULTADOS............................................................................................................. 4 Estudo dos acessos cirúrgicos no úmero.................................................................... 7 Estudo dos acessos cirúrgicos no rádio...................................................................... 12 DISCUSSÃO................................................................................................................ 18 CONCLUSÃO.............................................................................................................. 22 REFERÊNCIAS............................................................................................................ 23 v DESCRIÇÃO DE ACESSOS CIRÚRGICOS E CORREDORES SEGUROS DO MEMBRO TORÁCICO, POR MEIO DE ESTUDO ANATÔMICO DA MUSCULATURA DE TAMANDUÁ-BANDEIRA (Myrmecophaga thidactyla) RESUMO - Mamífero da fauna neotropical, considerado vulnerável à extinção, o tamanduá-bandeira tem sido objeto de muito estudo referente à sua morfologia, especialmente pelo aumento significativo de atendimentos veterinários. Os hábitos solitários e movimentos lentos contribuem para a susceptibilidade à atropelamentos nas rodovias, sendo esta, uma das causas de redução na densidade populacional desses animais. O intuito desse estudo é descrever a anatomia muscular do membro torácico, com ênfase nas estruturas que envolvem o úmero e rádio, bem como descrever os possíveis acessos cirúrgicos e corredores seguros para tratamento de fraturas desses ossos, comparando-os com os acessos cirúrgicos descritos e utilizados para cães. Três cadáveres de tamanduá-bandeira e três de cão doméstico provenientes de óbitos não relacionados a este projeto foram utilizados. Após as dissecações e estudo dos corredores seguros, foi possível observar que o acesso medial à diáfise umeral de tamanduá-bandeira promove menor trauma tecidual, além de possuir superfície mais plana para acomodação de implantes. A abordagem lateral ao rádio tornou-se mais limitada em relação ao acesso medial devido a necessidade de desinserção total do músculo extensor radial do carpo e presença do músculo abdutor longo do 1º dedo, impedindo acesso à diáfise distal sem que seja incisado. Os resultados obtidos nesse estudo são aplicáveis facilmente na rotina cirúrgica de médicos veterinários que tenham ou não, experiência com a espécie, através da comparação realizada com o cão. Foi possível concluir que oscorredores seguros para abordagem à diáfise desses ossos para possíveis osteossínteses são imprescindíveis para um acesso cirúrgico preciso e que não ofereça danos à função motora dessa espécie. Palavras-chave: silvestres, osteossíntese, tamanduá-bandeira, anatomia. vi DESCRIPTION OF SURGICAL APPROACH AND SAFE CORRIDORS OF THE THORACIC LIMB, THROUGH AN ANATOMICAL STUDY OF THE MUSCULATURE OF THE TAMANDUÁ-BANDEIRA (Myrmecophaga thidactyla) ABSTRACT - A mammal of the neotropical fauna, considered vulnerable to extinction, the giant anteater has been the subject of much study regarding its morphology, especially due to the significant increase in veterinary care. Solitary habits and slow movements contribute to the susceptibility to being run over on highways, which is one of the causes of reduction in the population density of these animals. The purpose of this study is to describe the muscular anatomy of the thoracic limb, with emphasis on the structures that involve the humerus and radius, as well as to describe the possible surgical approaches and safe corridors for the treatment of fractures of these bones, comparing them with the surgical approaches described and used for dogs. Three giant anteater and three domestic dog corpses from deaths not related to this project were used. After the dissections and study of safe corridors, it was possible to observe that the medial approach to the humeral diaphysis of the giant anteater promotes less tissue trauma, in addition to having a flatter surface for implant accommodation. The lateral approach to the radius became more limited in relation to the medial approach due to the need for total detachment of the extensor carpi radialis muscle and the presence of the abductor digitorum longus muscle, preventing access to the distal diaphysis without being incised. The results obtained in this study are easily applicable in the surgical routine of veterinarians, whether or not they have experience with the species, through the comparison made with the dog. It was possible to conclude that safe corridors to approach the diaphysis of these bones for possible osteosynthesis are essential for a precise surgical approach that does not damage the motor function of this species. Keywords: wild, osteosynthesis, giant anteater, anatomy. vii LISTA DE ABREVIAÇÕES E SÍMBOLOS Cr - cranial Cd - caudal M. - músculo % - por cento ºC – grau Celsius viii LISTA DE FIGURAS Figura 1. Imagens fotográficas ilustrando a face lateral (A) e medial (B) do úmero esquerdo de tamanduá-bandeira. A - M. deltoide (porção acromial) (1); M. deltoide (porção escapular) (2); M. braquial (3); M. tríceps (cabeça lateral) (4); M. tríceps (cabeça longa) (5); M. tensor da fáscia antebraquial (6); M. grande dorsal (7). B – M. bíceps braquial cabeça longa (1); M. bíceps braquial cabeça curta (subdividida) (2); M. tensor da fáscia do antebraço (3).......................................................................................................................5 Figura 2. Imagens fotográficas ilustrando a face lateral (A) e medial (B) do rádio esquerdo de tamanduá-bandeira. A – M. braquioradial poção cranial e caudal (1); M. extensor radial do carpo (2); M. extensor comum dos dedos (3); M. extensor ulnar lateral (4); M. flexor profundo dos dedos (5). B - M. pronador redondo (1); M. flexor radial do carpo (2); M. flexor profundo dos dedos (3); M. flexor superficial (ventre superficial e profundo) (4)....................6 Figura 3. Imagens fotográficas ilustrando o acesso craniolateral à diáfise umeral esquerda do cão (A a C) e acesso lateral à diáfise umeral esquerda do tamanduá-bandeira (D a K). A – Incisão do tubérculo maior ao epicôndilo lateral. B - Músculo braquicefálico (1); Músculo deltoide porção acromial (2); Músculo tríceps cabeça lateral (3). C - Músculo deltoide porção acromial (2); Músculos braquiocefálico e peitoral superficial rebatidos cranialmente (1); Músculo braquial (3). D - Demonstração dos pontos anatômicos: região proximal – tubérculo maior; região distal – epicôndilo lateral do úmero. E - Incisão de pele realizada do tubérculo maior ao epicôndilo lateral do úmero. F - Divulsão entre o músculo deltóide (porção acromial) e deltóide (porção escapular). G – Músculo deltóide (porção acromial) sendo apontado. H - Desinserção das fibras do músculo deltóide (porção acromial) da região periosteal com auxílio de freer. I – Músculo deltóide (porção escapular) rebatido para lateral evidenciando a tuberosidade deltoide (1), tuberosidade peitoral (2) e a diáfise lateral do úmero (3). J – Para síntese, o músculo deltóide (porção acromial) deve ser reposicionado sendo feita tenotomia em sua inserção. K - Posteriormente, as fáscias dos músculos deltóide (porção acromial) e deltóide (porção escapular) podem ser suturadas sem ix tração....................................................................................................................................8 Figura 4. Imagens fotográficas ilustrando o acesso medial à diáfise umeral esquerda do cão (A a C) e acesso medial à diáfise umeral esquerda do tamanduá-bandeira (D a K). A - Incisão do tubérculo menor ao epicôndilo medial do úmero esquerdo. B - Músculo peitoral superficial (1); Músculo braquicefálico (2); Músculo bíceps braquial (3); Nervo ulnar (4); Nervo mediano (5). C - Músculo peitoral superficial desinserido (1); Músculo bíceps braquial deslocado caudalmente expondo a diáfise (2); Músculo braquial (3). D - Demonstração dos pontos anatômicos: região proximal – tubérculo menor; região distal – epicôndilo medial do úmero. E - Incisão de pele realizada do tubérculo menor ao epicôndilo medial do úmero. F - Músculo braquial sendo apontado. G - Músculo braquial sendo isolado para acesso à diáfise proximal do úmero. H - Diáfise do úmero sendo apontada após divulsão das cabeças longa e curta do músculo bíceps braquial. I - Músculo bíceps braquial (cabeça longa e parte da cabeça curta) rebatido cranialmente e bíceps braquial (parte da cabeça curta) caudalmente com auxílio de afastador gelpi. J -Incisão da inserção do ramo da cabeça curta do músculo bíceps braquial para melhor exposição da diáfise média do úmero. K - Reposicionamento e sutura do músculo bíceps braquial.....................................................11 Figura 5. Imagens fotográficas ilustrando o acesso lateral à diáfise radial direita do cão (A a B) e acesso lateral à diáfise radial direita de tamanduá-bandeira (C a I). A – Incisão do epicôndilo lateral do úmero ao carpo. B – Incisão entre os músculos extensor carpo radial (1) e extensor digital comum (2); Músculo abdutor do 1º dedo desinserido para exposição da diáfise distal (3). C - Demonstração dos pontos anatômicos: região proximal – epicôndilo lateral do úmero; região craniolateral do rádio acima da articulação radiocarpica. D – Incisão da fáscia do antebraço e divulsão dos músculos extensor digital comum e extensor carpo radial para exposição da diáfise proximal do rádio. E - Exposição da diáfise do rádio com auxílio de afastador gelpi. F - Para exposição da região distal do rádio, o músculo abdutor longo do 1º dedo deve ser isolado. G - Incisão do tendão do músculo abdutor longo 1º dedo deixando tecido suficiente para a síntese posteriormente. H - Reposicionamento e tenotomia do músculo abdutor longo do 1º dedo. I - Reposicionamento dos músculos extensores e sutura da fáscia do antebraço.........................................................................14 x Figura 6. Imagens fotográficas ilustrando o acesso medial à diáfise radial esquerda do cão (A a C) e acesso medial à diáfise radial esquerda de tamanduá-bandeira (D a I). A - incisão da fáscia do antebraço. B - Visibilização dos músculos: Flexor digital superficial (1); Flexor carpo radial (2); Extensor carpo radial (3); Veia cefálica (4). C - Músculos flexor digital superficial e flexor carpo radial afastados caudalmente (1); Músculo extensor carpo radial (2); Músculo pronador desinserido da diáfise e rebatido caudalmente (3). D - Demonstração dos pontos anatômicos: região proximal – epicôndilo medial do úmero; região distal - medial do rádio acima da articulação radiocarpica. E - Incisão de pele realizada. F - Divulsão entre os músculos flexor carpo radial (rebatido caudalmente) e braquiorradial (cranialmente) expondo a diáfise radial. G – Afastamento da musculatura e exposição da diáfise proximal e distal do rádio. H - M. braquiorradial rebatido caudalmente expondo a diáfise distal do rádio. I - Reposicionamento do músculo braquiorradial e sutura das fáscias musculares..........................................................................................................................16 1 CAPÍTULO 1 – Considerações gerais 1. INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA Os tamanduás fazem parte da ordem Xenarthra, que abriga três espécies brasileiras: Myrmecophaga tridactyla, Tamandua tetradactyla e Cyclopes didactylus (Medri e Mourão, 2005). Os membros torácicos são compostos por grossas garras, que na maioria do tempo estão voltadas para trás, fazendo com que o apoio do peso corpóreo fique sobre a parte dorsal da mão (Miranda e Costa, 2007; Superina, 2012). Essa espécie é especializada em cavar, dessa forma, a musculatura torácica é quase duas vezes maior que a do membro pélvico (Gambaryan et al., 2009). O ângulo caudal expandido da escápula e o epicôndilo medial robusto estão relacionados aos bem desenvolvidos músculos redondo maior e flexor da mão, respectivamente (Lima et al., 2013). A extremidade distal do úmero é ampla mediolateralmente, devido ao grande epicôndilo medial (Sesoko, 2012). O úmero pode ser retraído pelos músculos redondo maior e latíssimo dorsal, sendo que, o redondo maior origina-se na metade posterior da fossa pós-escapular, inserindo-se no ponto médio do úmero (Minto et al., 2021). Ele é fortemente ligado ao latíssimo dorsal, por tecido conectivo firme. Essas modificações permitem uma grande capacidade de retração do ombro, diferentemente do que ocorre em outros mamíferos (Gambaryan et al., 2009). A retração do ombro rotaciona o membro inteiro caudalmente, sendo útil na escalada, no ataque de ninhos de inseto e no comportamento defensivo (Miranda e Costa, 2007). Um dos principais rotatores laterais do úmero é a cabeça espinhal do deltóide. Sua origem em Tamanduá é ao longo da espinha da escápula e da parte caudal da fáscia do infra-espinhoso (Collevatti et al., 2007). Entre os rotatores mediais do úmero, o subescapular destaca-se como sendo modificado para aumento de força. As características dos rotatores sugerem que a rotação axial umeral é de grande importância no Tamanduá, já que os representantes do gênero andam caracteristicamente com os cotovelos largamente abduzidos (Sesoko, 2012). Os músculos ancôneo e epitrocleo-ancôneo tendem a puxar o olécrano ou lateralmente (ancôneo) ou medialmente (epitrócleo-ancôneo), resultando na adução 2 ou abdução, respectivamente, do antebraço. Esses músculos são grandes porque estabilizam o cotovelo e transmitem torque axial do úmero para o antebraço (Collevati et al., 2007). Dentre as particularidades do braço, uma das mais marcantes é o arranjo da cabeça medial do tríceps, que não se insere na ulna, proporcionando maior flexão medial dos dígitos (Taylor, 1978). A inserção das cabeças longa e curta do músculo extensor carporradial ocorre no aspecto extensor do terceiro metacarpo; tendo grande deslocamento e promovendo aumento na flexão do cotovelo (Miranda e Costa, 2007). O tamanduá utiliza grande flexão do cotovelo e dos dígitos para captura de alimento em direção ao corpo (Taylor, 1978). Para flexionar o cotovelo, são utilizados os músculos bíceps, braquial, braquiorradial e extensor do carporradial. O braquiorradial se origina no úmero proximal e se insere no aspecto flexor do antebraço e pulso (Miranda et al., 2012). As cabeças longa e curta do extensor carporradial não são distintas em Tamanduá, tendo origem na ponta da tuberosidade deltóide, no ligamento delto- epicondial e no terço superior da crista supracondilar, possuindo inserção no aspecto extensor do terceiro metacarpo (Taylor, 1978). A extensão do cotovelo é realizada pelas cabeças lateral e escapular do tríceps e pelo dorso-epitroclear que se insere no aspecto extensor do antebraço proximal e do olecrano, tendo como efeito, a estabilização da origem do músculo dorso-epitroclear, permitindo assim que a maioria de sua força seja exercida na sua fixação distal (Gambaryan et al., 2009). Nos mamíferos em geral, o braquial se insere na ulna e é um simples flexor do cotovelo, sem ação rotatória concorrente sobre o rádio; a cabeça curta do bíceps se insere inteiramente no rádio e a cabeça longa se insere inteiramente na ulna (Johnson e Hulse, 2005). Nesse caso, a cabeça curta produziria a flexão do cotovelo e a supinação concorrente, enquanto a cabeça longa produziria apenas flexão (Johnson e Hulse, 2005). No Tamanduá, no entanto, o deslocamento de cerca da metade da cabeça longa sobre o rádio permite o recrutamento adicional da musculatura flexora braquial, que produz supinação concorrente (Sesoko, 2012). O braquiorradial possui ação flexora importante do cotovelo, pela posição proximal de sua origem. Este músculo também tende a fazer supinação, já que ele envolve o aspecto medial do antebraço (Minto et al., 2021). Então, uma grande porção da musculatura que flexiona 3 o cotovelo também produz supinação do antebraço, concedendo movimentos de torção da mão que podem ser utilizados para afrouxar o material quando o animal está rasgando uma parte do objeto (Ferrigno et al., 2003). Em rádio e ulna, chama atenção a curvatura na porção distal em relação à proximal, o que aumenta o impulso do braço na rotação axial feito pelo músculo redondo maior (Miranda et al., 2012). Os músculos pronadores redondos, que se inserem até a metade distal do rádio, e os pronadores quadrados são altamente desenvolvidos, pois desempenham um papel importante na pronação da mão (Minto et al., 2021). O olécrano e sua tuberosidade são notavelmente robustos em comparação com pequenos animais (Latorre, 2012). Essa característica anatômica está relacionada à grande demanda muscular que os membros torácicos apresentam, uma vez que essas estruturas participam ativamente da estabilização dos cotovelos (Lima et al., 2013). O Myrmecophaga utiliza suas garras voltadas para trás ao caminhar e o apoio de seu corpo fica sobre as almofadas do 4º e 5º dígito (Superina, 2012). Há duas articulações nos dígitos onde ocorre flexão: metacarpofalangeana e interfalangeana distal, tendo quantidade grande de musculatura nessa região (tríceps medial e flexor digital profundo) que se inserem na base da falange distal, evidenciando a grande importância da flexão da articulação para a alimentação dessa espécie (Ribeiro, 2012). O úmero possui crista peitoral e tuberosidade peitoral, onde se insere o músculo peitoral superficial; entre a tuberosidade deltóide e a crista supracondilar lateral encontra-se o ligamento delto-epicondilar; a extremidade distal é achatada craniocauldamente e alargada lateromedialmente, devido ao pronunciado epicôndilo medial (Dahroug et al., 2009). O braço do tamanduá-bandeira possui ainda forame supratroclear, por onde passam a artéria e a veia braquial, e o nervo mediano (Miranda e Costa, 2007). O músculo tensor da fáscia antebraquial é um músculo robusto e origina-se do tendão do músculo grande dorsal como no bovino e no equino (Taylor, 1978). O músculo bíceps braquial possui duas cabeças, a cabeça longa e a cabeça curta (Taylor, 1978). Em cão o músculo bíceps braquial possui apenas uma cabeça (Latorre, 2012). Como no tamanduá-mirim, a cabeça medial do tríceps do tamanduá- 4 bandeira passa por debaixo do epicôndilo medial do úmero, tornando-se contínuo com o músculo flexor digital profundo e inserindo-se na mão (Ribeiro, 2012). O tratamento das fraturas nesta espécie deve promover rápida recuperação funcional do membro, baixo índice de complicações pós-operatórias, e permitir que o animal manifeste seu comportamento natural na vida selvagem, após um curto período de hospitalização (Alves et al., 2020). Há escassez de dados sobre a anatomia e estabilizações de fraturas em tamanduá-bandeira, o que impede ou dificulta o planejamento cirúrgico eficaz para acessar os ossos longos desses indivíduos (Minto et al., 2021). A maioria das fraturas em animais de vida livre são tratadas com base nas técnicas cirúrgicas utilizadas em animais de estimação ou humanos, uma vez que nem todas as espécies possuem uma descrição anatômica disponível ou estudos dos melhores métodos de fixação (Ferrigno et al., 2003). Embora alguns estudos anatômicos do tamanduá-bandeira estejam disponíveis, as abordagens cirúrgicas dos ossos ainda não foram estudadas em detalhes, o que representa grandes desafios para o veterinário, principalmente quando se busca realizar a abordagem cirúrgica menos traumática possível. 2. OBJETIVOS 2.1. Objetivos Gerais O presente estudo objetiva realizar descrição anatômica das estruturas musculares do membro torácico de tamanduá-bandeira, por meio de dissecação de cadáveres, com ênfase em úmero e rádio, buscando variações anatômicas para estabelecer corredores seguros para os acessos cirúrgicos às diáfises desses ossos para tratamento de fraturas. 2.2. Objetivos específicos - Descrever particularidades anatômicas presentes no membro torácico do tamanduá- bandeira através da dissecação dos cadáveres; 5 - Estabelecer corredores seguros para os acessos cirúrgicos às diáfises do úmero e rádio em osteossínteses; - Comparar os acessos cirúrgicos utilizados em cães e gatos com os acessos cirúrgicos ideais nos ossos de tamanduás. 3. HIPÓTESE O tamanduá-bandeira possui peculiaridades anatômicas que devem ser levadas em consideração na abordagem do úmero e rádio nas osteossínteses, evitando a utilização dos mesmos corredores seguros que são utilizados em cães, para que haja preservação da biologia durante a abordagem e melhor recuperação no pós-operatório, sem prejuízo à função motora. 4. MATERIAL E MÉTODOS A partir da literatura existente, foi realizado estudo detalhado sobre as principais particularidades anatômicas do tamanduá-bandeira, como grupos musculares mais desenvolvidos, estruturas ósseas mais proeminentes, acidentes ósseos específicos, bem como dificuldades durante os acessos cirúrgicos conhecidos para cães e gatos por conta de tais diferenças. 4.1. Seleção e preparação dos cadáveres para dissecação Foram selecionados três cadáveres de tamanduás-bandeira e três de cães adultos com membro torácico íntegro, sem traumas aparentes, perfurações ou qualquer sinal de cirurgia prévia, machos, encontrados em áreas não urbanas nas proximidades do hospital veterinário da Unesp de Jaboticabal. Os cadáveres tiveram os membros retirados do tronco a partir da escápula utilizando serra oscilatória. As peças anatômicas foram congeladas em freezer com temperatura aproximada de - 20ºC. Para a dissecação, os membros foram descongelados em água corrente e em seguida, duas peças anatômicas (uma de cada espécie) foram fixadas em solução aquosa de formoldeído a 10% via canulação da artéria braquial e infusões intramusculares, mantendo as peças submersas em caixa plástica com tampa para 6 evitar penetração de luz e evaporação do formol, por um período de sete dias. O restante dos cadáveres foram descongelados em água corrente e não foram submetidos a aplicação de formoldeído. 4.2. Dissecação Na primeira etapa da dissecação foram utilizados um cadáver de cada espécie, para estudo das estruturas anatômicas e registro fotográfico. A pele foi incisada de forma circular utilizando bisturi com lâmina nº 24 dois centímetros acima da articulação escapulo-umeral, e a pele foi rebatida no sentido próximo distal, até a região dos dígitos. Posteriormente, as fáscias musculares em toda extensão do úmero e rádio foram parcialmente desinseridas, e com auxílio de tesoura romba-romba, os músculos foram separados cuidadosamente, mantendo a integridade dos mesmos para exposição de suas origens e inserções. Durante a avaliação das estruturas anatômicas, as espécies foram comparadas, com a finalidade de encontrar peculiaridades no tamanduá-bandeira que contribuísse para o estudo dos acessos cirúrgicos. O restante dos cadáveres foram submetidos às técnicas de acessos cirúrgicos ao úmero e rádio nos dois membros. As incisões foram realizadas com bisturi (lâmina nº 24) tomando como referência pontos anatômicos estudados previamente durante a primeira etapa das dissecações. O tecido subcutâneo foi divulsionado e a musculatura e demais estruturas evidentes foram fotografadas. A técnica cirúrgica de rebatimento muscular, tenotomia e síntese foi registrada em forma de passo a passo em cada abordagem (lateral e medial), destacando durante as esquematizações os possíveis corredores seguros para abordar a diáfise do úmero e rádio em tamanduá- bandeira. 7 5. REFERÊNCIAS Alves EGL, Oliveira GCA, Magalhães TV, Teodoro AN, Eulálio FHF, Rosado IR, Yudi CK (2020). Osteossíntese femoral associada ao biovidro 60S em tamanduá-bandeira: relato de caso. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia 72:737-743. Barreto A (2007). Tamanduás-bandeira e sua vulnerabilidade. Clínica Veterinária 68:12-16. Bonnon M, Souza LO, Ortunho VV (2015). Fixação com pino intramedular em fratura do fêmur em tamanduá-bandeira, Myrmecophaga tridactyla- Linnaeus, 1758. Relato de caso. Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal 9:535542. Camilo-Alves CS, Mourão GM (2006). Responses of a specialized insectivorous mammal (Myrmecophaga tridactyla) to variation in ambient temperature. Biotropica 38:52-56. Collevatti RG, Leite KCE, Miranda GHB, Rodrigues FHG (2007). Evidence of high inbreeding in a population of the endangered giant anteater, Myrmecophaga tridactyla (Myrmecophagidae), from Emas National Park, Brazil. Genetics and Molecular Biology 30:112-120. Dahroug MAA, Turbino NCMR, Guimarães LD, Justino CHS, Souza RL (2009). Estabilização de fratura de rádio e ulna em tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla). Acta ScientiaeVeterinariae 37:6568. Desbiez ALJ, Medri IM (2010). Density and habitat use by giant anteaters (Myrmecophaga tridactyla) and southern tamanduas (Tamandua tetradactyla) in the pantanal wetland, Brazil. Edentata 11:4-10. Ferrigno CRA, Futema F, Fedullo DL, Kyan V, Fantoni DT, Baccarin DCB, Romano MA (2003). Treatment of radius, ulna and humerus fractures with the aid of a bone morphogenetic protein in a giant anteater (Myrmecophaga tridactyla). Vet Comp Orthop Traumatol. 16:196199. 8 Gambaryan PP, Zherebtsova OV, Perepelova AA, Platonov VV (2009). Pes muscles and their action in giant anteater Myrmecophaga tridactyla (Myrmecophagidae, Pilosa) compared with other plantigrade mammals. Russian J. Theriol. 8:1-15. Guiot LP, Guillou RP, Déjardin LM (2019). Minimally invasive percutaneous medial plate-rod osteosynthesis for treatment of humeral shaft fractures in dog and cats: Surgical technique and prospective evaluation. Vet Surg. 48:O41O51. Johnson AL, Hulse DA (2005). Tratamento de fraturas específicas. In: Fossum TW. Cirurgia de pequenos animais. 2ed. São Paulo (SP): Roca 9001016. Latorre R (2012). Atlas de Ortopedia em Cães e Gatos Anatomia e Abordagens Cirúrgicas de Ossos e Articulações. 1.ed. Medvet: São Paulo (SP) 278p. Lima IG, Biihrer DA, Guimarães GC, et al (2013). 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Manutenção de tamanduás em cativeiro São Carlos: Editora Cubo 26- 37. Taylor BK (1978). The Anatomy of the forelimb in the anteater (Tamandua) and its functional implications. J. Morphol. 157:347-368. 1 Capítulo 2 – Normas do periódico “Journal of Zoo and Wildlife Medicine” DESCRIPTION OF SURGICAL APPROACH AND SAFE CORRIDORS OF THE THORACIC LIMB, THROUGH AN ANATOMICAL STUDY OF THE 5 MUSCULATURE OF THE TAMANDUÁ-BANDEIRA (Myrmecophaga thidactyla) Abstract - A mammal of the neotropical fauna, considered vulnerable to extinction, the giant anteater has been the subject of much study regarding its morphology, especially due to the significant increase in veterinary care. Solitary habits and slow movements contribute to 10 the susceptibility to being run over on highways, which is one of the causes of reduction in the population density of these animals. The purpose of this study is to describe the muscular anatomy of the thoracic limb, with emphasis on the structures that involve the humerus and radius, as well as to describe the possible surgical approaches and safe corridors for the treatment of fractures of these bones, comparing them with the surgical approaches described 15 and used for dogs. Three giant anteater and three domestic dog corpses from deaths not related to this project were used. After dissections and the study of safe corridors, it was possible to observe that the medial approach to the humeral diaphysis of the giant anteater is more appropriate because it promotes less tissue trauma, in addition to having a flatter surface for implant accommodation. The lateral approach to the radius became more limited in 20 relation to the medial approach due to the need for total detachment of the extensor carpi radialis muscle and the presence of the abductor digitorum longus muscle, which is very robust in this species, preventing approach to the distal diaphysis without being incised. The results obtained in this study are easily applicable in the surgical routine of veterinarians, whether or not they have experience with the species, through the comparison made with the 25 2 dog. It was possible to conclude that safe corridors to approach the diaphysis of these bones for possible osteosynthesis are essential for a precise surgical approach that does not damage the motor function of this species. INTRODUÇÃO 30 Considerado vulnerável à extinção, o tamanduá-bandeira tem sido objeto de muitos estudos quanto à sua morfologia, principalmente devido ao aumento significativo dos cuidados veterinários.3 Hábitos solitários e movimentos lentos contribuem para a suscetibilidade aos atropelamentos nas rodovias, o que é uma das causas da redução da densidade populacional desses animais.5 35 O tratamento das fraturas nesta espécie deve promover rápida recuperação funcional do membro, baixo índice de complicações pós-operatórias e permitir que o animal manifeste seu comportamento natural na natureza, após um curto período de hospitalização.1 Há uma carência de dados sobre a anatomia e estabilização das fraturas em tamanduás- bandeira, o que impede ou dificulta o planejamento cirúrgico efetivo para abordagem dos 40 ossos longos desses indivíduos.6 A maioria das fraturas em animais de vida livre são tratadas com base em técnicas cirúrgicas utilizadas em animais de estimação ou humanos, pois nem todas as espécies possuem descrição anatômica disponível ou estudos sobre os melhores métodos de fixação.2,4 Apesar de alguns estudos anatômicos do tamanduá-bandeira estarem disponíveis, as 45 abordagens cirúrgicas dos ossos ainda não foram estudadas em detalhes, o que representa grandes desafios para o veterinário, principalmente na busca pela abordagem cirúrgica menos traumática possível. 3 50 MATERIAL E MÉTODOS Seleção e preparação dos cadáveres para dissecação Foram selecionados três cadáveres de tamanduás-bandeira e três de cães adultos com membro torácico íntegro, sem traumas aparentes, perfurações ou qualquer sinal de cirurgia prévia, machos, encontrados em áreas não urbanas nas proximidades do hospital veterinário 55 da Unesp de Jaboticabal. Os cadáveres tiveram os membros retirados do tronco a partir da escápula utilizando serra oscilatória. As peças anatômicas foram congeladas em freezer com temperatura aproximada de -20ºC. Para a dissecação, os membros foram descongelados em água corrente e em seguida, duas peças anatômicas (uma de cada espécie) foram fixadas em solução aquosa de formoldeído a 10% via canulação da artéria braquial e infusões 60 intramusculares, mantendo as peças submersas em caixa plástica com tampa para evitar penetração de luz e evaporação do formol, por um período de sete dias. O restante dos cadáveres foram descongelados em água corrente e não foram submetidos a aplicação de formoldeído. Dissecação 65 Na primeira etapa da dissecação foram utilizados um cadáver de cada espécie, para estudo das estruturas anatômicas e registro fotográfico. A pele foi incisada de forma circular utilizando bisturi com lâmina nº 24 dois centímetros acima da articulação escapulo-umeral, e a pele foi rebatida no sentido próximo distal, até a região dos dígitos. Posteriormente, as fáscias musculares em toda extensão do úmero e rádio foram parcialmente desinseridas, e 70 com auxílio de tesoura romba-romba, os músculos foram separados cuidadosamente, mantendo a integridade dos mesmos para exposição de suas origens e inserções. Durante a 4 avaliação das estruturas anatômicas, as espécies foram comparadas, com a finalidade de encontrar peculiaridades no tamanduá-bandeira que contribuísse para o estudo dos acessos cirúrgicos. 75 O restante dos cadáveres foram submetidos às técnicas de acessos cirúrgicos ao úmero e rádio nos dois membros. As incisões foram realizadas com bisturi (lâmina nº 24) tomando como referência pontos anatômicos estudados previamente durante a primeira etapa das dissecações. O tecido subcutâneo foi divulsionado e a musculatura e demais estruturas evidentes foram fotografadas. A técnica cirúrgica de rebatimento muscular, tenotomia e 80 síntese foi registrada em forma de passo a passo em cada abordagem (lateral e medial), destacando durante as esquematizações os possíveis corredores seguros para abordar a diáfise do úmero e rádio em tamanduá-bandeira. RESULTADOS 85 Estudo dos acessos cirúrgicos no tamanduá-bandeira O corpo do úmero do tamanduá-bandeira abriga lateralmente a tuberosidade deltoide e a partir da porção cranial do tubérculo maior surge a crista peitoral, que na sua extremidade, abriga a tuberosidade peitoral, estrutura não visibilizada no úmero do cão. Medialmente encontra-se a tuberosidade redonda maior. A extremidade distal do úmero é achatada 90 craniocaudalmente, e assim como no cão, se divide em capítulo e tróclea. Outra marcante característica é a presença do forame supratroclear, por onde passam a artéria e veia braquial, e o nervo mediano. No estudo da miologia do úmero, foram observados na vista lateral, músculo deltóide, braquial, cabeça lateral do tríceps braquial, cabeça longa do tríceps braquial e tensor da fáscia 95 antebraquial (Fig. 1A). O tríceps possui três cabeças: cabeça longa, cabeça lateral e cabeça 5 medial. A cabeça longa e a lateral possuem origem lateral no úmero e inserem-se no olécrano da ulna. A cabeça medial possui origem medial no úmero, passa por debaixo do epicôndilo medial do úmero, tornando-se contínuo com o flexor digital profundo e inserindo-se na mão. 100 105 Figura 1. Imagens fotográficas ilustrando a face lateral (A) e medial (B) do úmero esquerdo de tamanduá-bandeira. A - M. deltoide (porção acromial) (1); M. deltoide (porção 110 escapular) (2); M. braquial (3); M. tríceps (cabeça lateral) (4); M. tríceps (cabeça longa) (5); M. tensor da fáscia antebraquial (6); M. grande dorsal (7). B – M. bíceps braquial cabeça longa (1); M. bíceps braquial cabeça curta (subdividida) (2); M. tensor da fáscia do antebraço (3). 115 O tensor da fáscia antebraquial é uma continuação do músculo grande dorsal, sendo um músculo robusto que se insere no olécrano. Na face medial do úmero foram identificados os músculos: bíceps braquial, cabeça medial do tríceps, peitoral superficial e tensor da fáscia antebraquial. Diferentemente do cão, o músculo bíceps braquial possui duas cabeças no tamanduá-bandeira. A cabeça longa se origina cranialmente ao úmero e a cabeça curta se 120 origina caudalmente. A cabeça curta se ramifica, e um ramo se insere com a cabeça longa e 1 2 3 5 4 6 7 A B Cr Cd Cd Cr 1 2 3 6 outro ramo se insere no epicôndilo medial do úmero. O plexo braquial dá origem aos nervos: mediano-ulnar, axilar, radial e músculo cutâneo. A artéria braquial, a veia braquial e o nervo mediano surgem caudalmente ao úmero, passam dentro do forame supratroclear continuando na face medial do antebraço. 125 No estudo da miologia do rádio do tamanduá foram observados na face lateral, os músculos extensor radial do carpo, extensor comum dos dedos, e entre eles, o músculo abdutor longo do polegar, muito desenvolvido. Assim como supracitado, a cabeça medial do tríceps adentra para a região da ulna e une-se com o tendão do flexor profundo dos dedos proporcionando maior flexão medial dos dígitos. Já na face medial do rádio, é possível observar 130 os músculos pronador redondo, flexor radial do carpo, flexor profundo dos dedos e flexor superficial (ventre superficial e profundo) (Fig. 2B). 135 140 Figura 2. Imagens fotográficas ilustrando a face lateral (A) e medial (B) do rádio esquerdo de tamanduá-bandeira. A – M. braquioradial poção cranial e caudal (1); M. extensor radial 145 do carpo (2); M. extensor comum dos dedos (3); M. extensor ulnar lateral (4); M. flexor profundo dos dedos (5). B - M. pronador redondo (1); M. flexor radial do carpo (2); M. B 4 2 Cr Cd 3 1 A B Cr Cd 1 1 2 3 4 7 flexor profundo dos dedos (3); M. flexor superficial (ventre superficial e profundo) (4). Estudo dos acessos cirúrgicos no úmero 150 Para fraturas em diáfise umeral do cão, realizou-se o acesso craniolateral e medial. A peça anatômica foi posicionada em decúbito lateral com o membro acometido voltado para cima. A incisão de pele foi feita do tubérculo maior ao epicôndilo lateral (Fig. 3A). Após divulsão do tecido subcutâneo, foram visibilizados os músculos braquiocefálico e deltóide porção acromial, assim como o nervo radial. O músculo braquiocefálico foi retraído 155 cranialmente, juntamente com o músculo peitoral superficial; caudalmente foram retraídos o músculo tríceps e braquial (Fig. 3C). Após essa retração, a diáfise média do úmero foi exposta. O músculo peitoral superficial pode ser seccionado na sua inserção para melhor exposição óssea. O úmero do tamanduá, pode ser abordado também pela face lateral ou medial. Após a 160 incisão de pele realizada do tubérculo maior ao epicôndilo lateral do úmero (Fig. 3D), é possível observar os músculos acromiodeltóide e espinodeltóide, realizando divulsão entre eles. O músculo acromiodeltóide deve ser desinserido da tuberosidade deltoide, assim como seu total afastamento do periósteo com auxílio de freer. Ao rebater o músculo espinodeltóide para lateral, fica em evidência a tuberosidade deltoide, tuberosidade peitoral, a diáfise lateral 165 do úmero (Fig. 3I). Para síntese desse acesso cirúrgico, o músculo acromiodeltóide deve ser reposicionado sendo feita tenotomia em sua inserção. Posteriormente, as fáscias dos músculos acromiodeltóide e espinodeltóide podem ser suturadas sem tração. 170 8 175 180 185 190 195 Cr Cr Cr Cd Cd C A B 2 1 1 2 3 3 Cd G H I Cr Cd Cr Cd Cd Cr Cr Cd Cd Cr D E F Cr Cd 2 1 3 9 200 205 Figura 3. Imagens fotográficas ilustrando o acesso craniolateral à diáfise umeral esquerda do cão (A a C) e acesso lateral à diáfise umeral esquerda do tamanduá-bandeira (D a K). A – Incisão do tubérculo maior ao epicôndilo lateral. B - Músculo braquicefálico (1); Músculo deltoide porção acromial (2); Músculo tríceps cabeça lateral (3). C - Músculo deltoide porção acromial (2); Músculos braquiocefálico e peitoral superficial rebatidos cranialmente (1); 210 Músculo braquial (3). D - Demonstração dos pontos anatômicos: região proximal – tubérculo maior; região distal – epicôndilo lateral do úmero. E - Incisão de pele realizada do tubérculo maior ao epicôndilo lateral do úmero. F - Divulsão entre o músculo deltóide (porção acromial) e deltóide (porção escapular). G – Músculo deltóide (porção acromial) sendo apontado. H - Desinserção das fibras do músculo deltóide (porção acromial) da região 215 periosteal com auxílio de freer. I – Músculo deltóide (porção escapular) rebatido para lateral evidenciando a tuberosidade deltoide (1), tuberosidade peitoral (2) e a diáfise lateral do úmero (3). J – Para síntese, o músculo deltóide (porção acromial) deve ser reposicionado sendo feita tenotomia em sua inserção. K - Posteriormente, as fáscias dos músculos deltóide (porção acromial) e deltóide (porção escapular) podem ser suturadas sem tração. 220 No acesso medial, a peça anatômica foi posicionada em decúbito dorsal. A incisão de pele foi feita do tubérculo menor ao epicôndilo medial (Fig. 4A). Após divulsão do tecido subcutâneo foram visibilizados os músculos peitoral superficial e braquiocefálico, assim como a veia cefálica entre eles. Na porção mais distal da diáfise encontram-se artéria e veia 225 braquial, nervo mediano e nervo musculocutâneo, além da artéria e veia colateral ulnar e nervo ulnar mais caudalmente. O músculo peitoral superficial foi liberado da sua inserção e rebatido cranialmente para que houvesse exposição do bíceps braquial, que pode ser rebatido J K Cr Cd Cr Cd 10 cranialmente ou caudalmente. Quando rebatido caudalmente, o bíceps recobre as estruturas nobres já citadas anteriormente, e é possível acesso à face medial da diáfise umeral (Fig. 4C). 230 Para a realização do acesso medial ao úmero do tamanduá-bandeira, faz-se a divulsão da fáscia do músculo braquiorradial e do músculo bíceps braquial, entre as cabeças curtas e a cabeça longa (Fig. 4H). A cabeça curta do bíceps braquial divide-se em dois ramos, sendo um deles, unido a cabeça longa. Essa inserção deve ser incisada para exposição da diáfise umeral. Ao término, a musculatura é reposicionada, e a sutura da inserção da cabeça curta do bíceps 235 braquial deve ser realizada (Fig. 4K). Opcionalmente as fáscias musculares do bíceps braquial podem ser suturadas. 240 245 250 11 255 260 265 270 275 Cr Cr Cr Cd Cd Cd C B A 1 2 3 4 5 1 2 3 Cr Cd Cr Cd Cr D Cd Cr Cr Cr E F Cd Cd Cd G H I 12 280 Figura 4. Imagens fotográficas ilustrando o acesso medial à diáfise umeral esquerda do cão 285 (A a C) e acesso medial à diáfise umeral esquerda do tamanduá-bandeira (D a K). A - Incisão do tubérculo menor ao epicôndilo medial do úmero esquerdo. B - Músculo peitoral superficial (1); Músculo braquicefálico (2); Músculo bíceps braquial (3); Nervo ulnar (4); Nervo mediano (5). C - Músculo peitoral superficial desinserido (1); Músculo bíceps braquial deslocado caudalmente expondo a diáfise (2); Músculo braquial (3). D - Demonstração dos 290 pontos anatômicos: região proximal – tubérculo menor; região distal – epicôndilo medial do úmero. E - Incisão de pele realizada do tubérculo menor ao epicôndilo medial do úmero. F - Músculo braquial sendo apontado. G - Músculo braquial sendo isolado para acesso à diáfise proximal do úmero. H - Diáfise do úmero sendo apontada após divulsão das cabeças longa e curta do músculo bíceps braquial. I - Músculo bíceps braquial (cabeça longa e parte da cabeça 295 curta) rebatido cranialmente e bíceps braquial (parte da cabeça curta) caudalmente com auxílio de afastador gelpi. J -Incisão da inserção do ramo da cabeça curta do músculo bíceps braquial para melhor exposição da diáfise média do úmero. K - Reposicionamento e sutura do músculo bíceps braquial. 300 Estudo dos acessos cirúrgicos no rádio O acesso cirúrgico para reparo de fraturas radiais também pode ser realizado lateralmente ou medialmente. Para abordagem lateral ao rádio do cão, realizou-se incisão de pele do epicôndilo lateral do úmero ao carpo e a fáscia do antebraço foi dissecada (Fig. 5A). Foram observados os músculos extensor carpo radial, extensor digital comum e extensor ulnar 305 do carpo. Foi realizada abertura entre o extensor carpo radial e extensor digital comum, que foi rebatido caudalmente. Nesse momento foi possível abordar a diáfise radial. Para melhor exposição óssea, a origem do músculo abdutor do primeiro dedo foi seccionada (Fig. 5B). J K Cr Cr Cd Cd 13 No tamanduá-bandeira, a abordagem lateral do rádio deve ser realizada com o paciente em decúbito lateral, através de uma incisão na fáscia do antebraço, e posteriormente 310 divulsão entre os músculos extensor radial do carpo e extensor digital comum, sendo necessário desinserção total do músculo extensor radial do carpo para acessar a face cranial do osso (local da colocação do implante). Essa abordagem exige também a tenotomia do músculo abdutor longo do 1º dedo, inserido na região caudolateral do rádio, no acesso à diáfise distal (Fig. 5G). Após a incisão da inserção desse músculo, recomenda-se deixar 315 quantidade adequada de tendão para que este possa ser suturado posteriormente. Os músculos extensores devem ser reposicionados e fáscia do antebraço suturada. Com a finalidade de não comprometer as funções da mão dessa espécie, a incisão da musculatura envolvida na pronação e supinação da mão deve ser evitada. 320 325 330 14 335 340 345 350 355 Cr Cd C Cr Cd Cd Cr 3 A B 1 2 D E Cr Cr Cd Cd F Cr Cd G H Cr Cr Cd Cd I Cd Cr 15 Figura 5. Imagens fotográficas ilustrando o acesso lateral à diáfise radial direita do cão (A a B) e acesso lateral à diáfise radial direita de tamanduá-bandeira (C a I). A – Incisão do 360 epicôndilo lateral do úmero ao carpo. B – Incisão entre os músculos extensor carpo radial (1) e extensor digital comum (2); Músculo abdutor do 1º dedo desinserido para exposição da diáfise distal (3). C - Demonstração dos pontos anatômicos: região proximal – epicôndilo lateral do úmero; região craniolateral do rádio acima da articulação radiocarpica. D – Incisão da fáscia do antebraço e divulsão dos músculos extensor digital comum e extensor carpo 365 radial para exposição da diáfise proximal do rádio. E - Exposição da diáfise do rádio com auxílio de afastador gelpi. F - Para exposição da região distal do rádio, o músculo abdutor longo do 1º dedo deve ser isolado. G - Incisão do tendão do músculo abdutor longo 1º dedo deixando tecido suficiente para a síntese posteriormente. H - Reposicionamento e tenotomia do músculo abdutor longo do 1º dedo. I - Reposicionamento dos músculos extensores e sutura 370 da fáscia do antebraço. Para a abordagem medial, a peça anatômica do cão foi posicionada em decúbito dorsal e foi realizada incisão sobre a diáfise, assim como dissecação da fáscia do antebraço (Fig. 6A). Os músculos flexor digital superficial, flexor carpo radial, pronador redondo e extensor 375 carpo radial foram visibilizados. Na porção distal da diáfise foi possível observar estruturas nobres que foram preservadas como artéria radial, artéria e nervo mediano. O músculo extensor carpo radial foi retraído cranialmente e o pronador redondo caudalmente (Fig. 6C). Para melhor exposição óssea, o pronador redondo foi parcialmente liberado da sua inserção. A diáfise proximal e média do rádio do tamanduá-bandeira pode ser acessada pela face medial, 380 fazendo a divulsão da fáscia do músculo braquiorradial e músculo flexor carpo radial, que será rebatido caudalmente para exposição da diáfise. Para exposição da região distal do rádio através dessa abordagem, o músculo braquiorradial deve ser deslocado para caudal, juntamente com o músculo flexor carporadial (Fig. 6H). Esse acesso pode ser realizado com o paciente em decúbito dorsal, se possível em calha. 385 16 390 395 400 405 410 Cd Cr C I G D Cd Cr Cr Cd Cd Cr Cd Cd Cd Cr Cr Cr B C Cd Cd Cr Cr 2 1 3 4 3 1 2 A H Cr Cd E F 17 Figura 6. Imagens fotográficas ilustrando o acesso medial à diáfise radial esquerda do cão (A a C) e acesso medial à diáfise radial esquerda de tamanduá-bandeira (D a I). 415 A - incisão da fáscia do antebraço. B - Visibilização dos músculos: Flexor digital superficial (1); Flexor carpo radial (2); Extensor carpo radial (3); Veia cefálica (4). C - Músculos flexor digital superficial e flexor carpo radial afastados caudalmente (1); Músculo extensor carpo radial (2); Músculo pronador desinserido da diáfise e rebatido caudalmente (3). D - Demonstração dos pontos anatômicos: região proximal – epicôndilo medial do úmero; região 420 distal - medial do rádio acima da articulação radiocarpica. E - Incisão de pele realizada. F - Divulsão entre os músculos flexor carpo radial (rebatido caudalmente) e braquiorradial (cranialmente) expondo a diáfise radial. G – Afastamento da musculatura e exposição da diáfise proximal e distal do rádio. H - M. braquiorradial rebatido caudalmente expondo a diáfise distal do rádio. I - Reposicionamento do músculo braquiorradial e sutura das fáscias 425 musculares. 430 435 440 18 DISCUSSÃO 445 Um dos maiores desafios na realização de osteossíntese em tamanduá-bandeira, é conhecer suas particularidades anatômicas para que haja menor lesão aos tecidos adjacentes à fratura, promovendo ambiente biológico adequado, e abordando de maneira precisa as diáfises dos ossos longos. Existe grande preocupação em estudar e descrever os acessos cirúrgicos nessa espécie, visando a preservação da biologia local, já que, tratando-se de 450 pacientes com grande aporte muscular, o ambiente mecânico na fixação das fraturas torna-se muito desafiador.9 Durante este estudo, foi possível observar a robustez da musculatura do úmero e rádio do tamanduá quando comparado ao cão, assim como, maior número de divisões musculares, maiores cristas e acidentes ósseos evidenciando grande tração dos grupos 455 musculares e tendões.4 Embora existam alguns estudos sobre a musculatura do membro torácico do tamanduá-bandeira,13,8 as abordagens cirúrgicas aos ossos não foram estudadas em detalhes. Tratando-se de uma espécie especializada em cavar, e que utiliza os braços e garras com frequência para defesa, foi observado que o grupo de músculos flexores são bem mais 460 desenvolvidos que os extensores, fato também observado por Lins et al. (2019), que descreveu a robustez dos músculos pronador redondo, inserido até a metade distal do rádio, e o pronador quadrado, ambos desempenhando função importante na pronação da mão. O úmero do cão possui anatomia complexa, que torna o reparo das fraturas complexo,15 entretanto, o úmero do tamanduá possui ainda mais peculiaridades, como 465 divisões musculares distintas, forame supratroclear, crista radial, além de apresentar a crista do úmero pouco pronunciada e duas tuberosidades deltóides (medial e lateral), chamada por Taylor (1978) e Sesoko (2012) de tuberosidade peitoral, já que abriga o músculo peitoral 19 superficial e encontra-se disposta mais na face cranial do osso do que na face medial. Além disso, a extremidade distal do úmero é bastante achatada, impossibilitando a colocação de 470 pinos ou hastes intramedulares.13 Tanto a face medial como lateral do úmero pode ser utilizada para a colocação de implantes, entretanto, a abordagem lateral à diáfise tornou-se muito complexa, exigindo mais desinserções musculares e até mesmo tenotomia, o que contribui para a perda da biologia local, aumenta a inflamação dos tecidos adjacentes a fratura podendo causar edema e dor, 475 além de exigir maior tempo cirúrgico por conta da síntese dos tecidos. A abordagem medial do úmero foi realizada medialmente à tuberosidade deltóide medial ou tuberosidade peitoral, onde o úmero possui face plana, assim como no cão, ideal para colocação de placas ósseas.7 Assim como nos felinos domésticos, o forame supratroclear do úmero deve ser o limite distal do implante, já que por ele passam estruturas 480 neurovasculares importantes. A incisão de pele para a abordagem medial ao úmero, foi orientada pela palpação proximal do tubérculo maior do úmero e distal pelo epicôndilo medial, como é descrito o acesso cirúrgico para o úmero de cães,5,7 mas a tuberosidade peitoral também pode ser considerada uma referência anatômica, devendo ser realizada a incisão, medialmente à essa 485 estrutura.13 No cão, a abordagem medial ao úmero é muito utilizada por conter menos grupos musculares, menor necessidade de divulsão, obtendo acesso à diáfise apenas rebatendo o múculo bíceps braquial caudalmente,6 facilitando dessa forma, o recobrimento dos vasos que compõem o plexo braquial e poderiam de certa forma serem lesionados. Já no acesso medial 490 ao úmero do tamanduá, foi notória a maior dificuldade, já que o músculo braquiocefálico deve ser incisado em sua inserção e o músculo bíceps braquial possui cabeça longa e uma 20 subdivisão nas cabeças curtas. Entretanto, a abordagem expõe muito bem a diáfise quando há a separação na subdivisão das cabeças curtas do bíceps braquial. O tamanduá possui organizações musculares particulares, como o músculo bíceps 495 braquial, que possui duas cabeças, uma longa e outra curta. Já no cão, foi possível observar apenas uma cabeça, como descrito anteriormente.6,3,7 Outra característica observada foi a cabeça medial do tríceps, que representa mais da metade de todo o tríceps e não se insere na ulna, diferentemente de outros mamíferos.14 A cabeça medial do tríceps torna-se contínua com o músculo flexor digital profundo inserindo-se na mão, garantindo sua participação na 500 flexão digital. Como supracitado, a musculatura flexora do braço do tamanduá é bastante robusta, e com a participação da cabeça medial do tríceps nesse movimento, essa espécie obtém maior sucesso na captura de alimento e conforto ao caminhar sobre as mãos quando as garras estão voltadas para trás. Além do músculo tríceps, foi possível notar grande espessura do músculo braquiorradial, que comumente em pequenos animais, é um músculo 505 mais delgado. O músculo braquiorradial também possui ação flexora, mas nesse caso, do cotovelo, fazendo também a supinação do antebraço. Durante o estudo da abordagem lateral ao rádio, notou-se uma proeminência distal, que segundo Lima et al. (2013), trata-se de uma crista proeminente medindo aproximadamente 12,8 cm de comprimento. Tal estrutura delimita dois grandes sulcos 510 extensores, um no aspecto medial e outro lateral, mas na face lateral do rádio ela acaba sendo mais pronunciada, tornando a face lateral distal do osso menos reta do que a diáfise média e proximal, o que impossibilitaria a colocação de uma placa óssea sem que houvesse um retorcimento prévio do implante caudolateral na região distal do osso. Outro ponto importante a ser avaliado durante a abordagem lateral ao rádio, é a presença do músculo 515 abdutor longo do primeiro dedo, que deve ser submetido a tenotomia para acesso a diáfise 21 distal. De acordo com Minto et al. (2021), o acesso cirúrgico ao rádio para realização de osteossíntese em tamanduá-bandeira exige muito trauma cirúrgico quando comparado às abordagens realizadas em pequenos animais, fato observado nesse estudo, já que a 520 abordagem do rádio em tamanduá exige conhecimento da musculatura existente, bastante distinta do cão. O acesso medial ao rádio exige dissecação cuidadosa das estruturas vasculares como artéria braquial, veia braquial e nervo mediano,12 que originam-se caudalmente ao úmero e passam dentro do forame supratroclear, evidenciando uma proximidade anatômica com os felinos, que também possuem este forame. 525 Nesse aspecto, a abordagem medial do rádio fica sobressalente a abordagem lateral, já que medialmente o rádio apresenta musculatura mais robusta (músculos flexores), mas não há necessidade miotomia, apenas divulsão entre as fáscias dos músculos braquiorradial e extensor carpo radial. Estudos sobre a abordagem cirúrgica de outros ossos do tamanduá-bandeira, assim 530 como a avaliação precisa das possibilidades de implantes em cada osso são requeridos. Trata-se de uma espécie que merece a atenção da ortopedia veterinária, sendo os casos de atropelamentos cada vez mais frequentes causando fraturas nos ossos longos. Os resultados obtidos nesse estudo são aplicáveis facilmente na rotina cirúrgica de médicos veterinários que tenham ou não, experiência com a espécie, através da comparação realizada com o cão, 535 animal mais habitualmente submetido à procedimentos cirúrgicos. Fica evidente que o tamanduá-bandeira possui inúmeras particularidades, não devendo ser tratado com um canino ou felino, possiblitando insucesso no tratamento das fraturas. 540 22 CONCLUSÃO Foi possível concluir que o tamanduá-bandeira possui variações anatômicas muito distintas dos cães no úmero e rádio, proeminências ósseas, robustez e divisões musculares que não permitem a utilização de acessos cirúrgicos semelhantes aos descritos para pequenos animais. Os corredores seguros para abordagem à diáfise desses ossos para possíveis 545 osteossínteses são imprescindíveis para um acesso cirúrgico preciso e que não ofereça danos à função motora dessa espécie. Acknowledgments: Grant 2019/26207-7, São Paulo Research Foundation (FAPESP) and UNESP/FCAV, Jaboticabal-SP, Brazil. 550 555 560 565 javascript:openProcess('314101',%20'false') 23 REFERÊNCIAS 1. Barreto A. Tamanduás-bandeira e sua vulnerabilidade. Clínica Veterinária 2007; 68:12-16. 2. Bonnon M, Souza LO, Ortunho VV. Fixação com pino intramedular em fratura do 570 fêmur em tamanduá bandeira, Myrmecophaga Tridactyla1- Linnaeus, 1758. Relato de caso. Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal 2015; 9:535-42. 3. Dyce KM, Sack WO, Wensing CJG. Tratado de Anatomia Veterinária. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, 813 p. 4. Ferrigno CRA, Futema F, Fedullo DL, Kyan V, Fantoni DT, Baccarin DCB, Romano 575 MA. Treatment of radius, ulna and humerus fractures with the aid of a bone morphogenetic protein in a giant anteater (Myrmecophaga tridactyla). Vet Comp Orthop Traumatol. 2003;16(03):196199. 5. Johnson AL, Hulse DA. Tratamento de fraturas específicas. In: Fossum TW. 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