UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA Danielle Abdel Massih Pio A experiência do professor médico com métodos ativos de ensino- aprendizagem: formação permanente e gestão como mediadoras Tese apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Doutora em Saúde Coletiva. Orientadora: Profa. Adjunta Silvia Cristina Mangini Bocchi Botucatu 2017 Danielle Abdel Massih Pio A experiência do professor médico com métodos ativos de ensino-aprendizagem: formação permanente e gestão como mediadoras Tese apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Doutora em Saúde Coletiva. Orientadora: Profa. Adjunta Silvia Cristina Mangini Bocchi Botucatu 2017 DANIELLE ABDEL MASSIH PIO A experiência do professor médico com métodos ativos de ensino-aprendizagem: formação permanente e gestão como mediadoras. Tese apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, para obtenção do título de Doutora em Saúde Coletiva Banca Examinadora ___________________________________________________________________________ Orientadora: Profa. Adjunta Silvia Cristina Mangini Bocchi Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Botucatu, SP. ___________________________________________________________________________ Membro Titular: Profa. Dra. Mara Quaglio Chirelli Faculdade de Medicina de Marília (Famema) – Marília, SP ___________________________________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dr. Gilson Caleman Faculdade de Medicina de Marília (Famema) – Marília, SP ___________________________________________________________________________ Membro Titular: Profa. Dra. Camila Mugnai Vieira Faculdade de Medicina de Marília (Famema) – Marília, SP __________________________________________________________________________ Membro Titular: Profa. Dra. Sylvia Helena Souza da Silva Batista Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Santos, SP. Suplentes: Prof. Dr. José Carlos Peraçoli (UNESP) – Botucatu, SP. Profa. Dra. Sílvia Franco da Rocha Tonhom (Famema) – Marília, SP. Profa. Dra. Maria Cristina Martinez Capel (Famema) – Marília, SP. Botucatu, ____ de ___________________ de 2017. Aos meus pais, Gilda e Faouzi (in memoriam), que me deram a oportunidade da vida, abrindo-me caminhos. Sou grata por tudo o que fizeram. Meu pai, grande homem, que me ensinou o que é ser forte e saber lutar. Minha mãe, grande avó, me fez acreditar no poder das gerações, no poder do amor. Ao meu esposo, Alex, que me ensina sempre o significado da honestidade, da justiça, do cuidado, do querer bem. Obrigada por acreditar em mim quando achei que não poderia. Aos meus filhos, Guilherme e Giovanna, melhor riqueza da vida, minha eterna gratidão por ser mãe. Esses são meus grandes mestres, me ensinam o que é viver, me dão a grande oportunidade de crescer, sempre! AGRADECIMENTOS ESPECIAIS Aos grandes encontros, às queridas: Sílvia Cristina Mangini Bocchi, que aceitou prontamente o desafio de orientar este trabalho na linha da Educação Permanente. Soube, com maestria, oferecer as pistas para que eu encontrasse/reencontrasse os caminhos e chegasse ao processo da experiência. Conseguiu sonhar junto, me estimular e, especialmente, me guiar pelas sutilezas dos referenciais com os quais trabalha, com tanta sabedoria. Agradeço pelos belos encontros, ricos por sua competência. Vanessa Baliego de Andrade Barbosa, que me abriu os caminhos para o doutorado, apresentando-me à professora Sílvia. Foi generosa ao extremo sempre que precisei, mostrando o que realmente significa empatia. Ieda Francischetti, por ter me permitido ingressar no Programa de Desenvolvimento Docente, contribuindo, de forma valorosa, com minhas inquietações e meu despertar para o problema de pesquisa. Mara Quaglio Chirelli, por sua seriedade e compromisso, por se dedicar de forma tão responsável ao que se pretende. Agradeço sua confiança em meu trabalho e as oportunidades de grande aprendizado na Educação e na Saúde. Mas agradeço, especialmente, a amizade, o cuidado e a disponibilidade em me ajudar em meio aos meus desafios da Vida. Camila Mugnai Vieira, que se dedica à psicologia como eu, que tem uma segurança e capacidade de comunicação indescritíveis. Obrigada por se aventurar comigo nos encontros de Educação Permanente, nos desafios dos serviços, no cuidado aos residentes e em sua generosa presença em minha banca de qualificação. Sylvia Helena Souza da Silva Batista, por ter o grande prazer em conhecê-la, por sua generosidade e grandes contribuições na defesa. Foram horas ricas de troca, aprendizado, que ficarão guardados de forma permanente. Juliana Ribeiro da Silva Vernasque, por ter aceito prontamente realizar junto comigo a validação do trabalho, pelos ricos momentos de discussão e experiências compartilhadas na saúde coletiva. E, ao Prof. Gilson Caleman, por seu aceite em compor a banca, demonstrando apropriação dos referenciais e cuidado ao longo da defesa. AGRADECIMENTOS Não menos especiais, às pessoas que participaram direta ou indiretamente deste trabalho: Aos meus irmãos, Simone e Faouzi, por me ensinarem a riqueza de aprender a conviver, a compartilhar, a amar; À minha família - tios, primos, cunhados, cunhada, sogros - agradeço a compreensão, a espera; Aos professores atores desta pesquisa, que compartilharam comigo seus itinerários, pela participação generosa e intensa do começo ao fim da pesquisa; À Banca do Exame Geral de Qualificação, Profas. Mara, Camila por suas valiosas contribuições e Prof. Nildo Batista, pela atenção e retorno; Às professoras Sílvia Tonhom e Cristina Capel pelo generoso aceite em participar da defesa e, para além disso, pelos grandes ensinamentos ao longo de minha formação e carreira. Ao Prof. Peraçoli, minha satisfação por ter sido sua orientanda, por realizar a leitura do trabalho agora como banca, agradeço o carinho; A todos os professores da FMB/Unesp de Botucatu, que tive o prazer de conhecer e, com eles, me desenvolver; Aos professores da UPP da Famema, agradeço aos meus amigos e parceiros, Cássia Biffe (companheira neste percurso do doutorado), Betinha, Douglas, Cecília, Márcia, Daniellen, Luciana, Sandra, Patrícia; Ao grupo de construção da UES, e em especial à querida Olga, por sua dedicação, amizade e coberturas necessárias, para que eu fizesse o trabalho; Aos meus queridos amigos psicólogos, docentes e profissionais dos serviços, pela luta diária na profissão; Aos professores com os quais tive o prazer de ser facilitadora dos grupos de EP; aos meus companheiros facilitadores de EP: Márcia, Carla, Rosa, Vera, Carlos, Ana Carolina, Vânia e Elaine; A todos os servidores da Seção de Pós-Graduação, Biblioteca e Departamento de Saúde Coletiva, por sua disponibilidade em atender às necessidades dos estudantes; Às queridas secretárias Marlene (Programa de Desenvolvimento Docente), Patrícia (Avaliação), Clévia (Diretoria Geral), Neusa (NDPI), Ana Claudia (1a série), Gi (2a série), Grazi, Ilka e Letícia, pela dedicação, disponibilidade e atenção constantes; Às queridas, Aline (biblioteca) e Joagda, pelo auxílio estético e normativo ao trabalho; Ao Controle de pessoal e Diretoria da Faculdade de Medicina de Marília, pelo incentivo à realização da pós-graduação, permitindo os afastamentos necessários; Às queridas Rita, Célia, Fran e Juliana, que, durante esse meu percurso, se dedicaram a cuidar de meus bens mais preciosos: meus filhos; À amiga Carol, que me acolheu em sua casa para fazermos as disciplinas e foi sempre uma companheira nos caminhos do doutorado; Aos amigos Caio e Patrícia, mais do que educadores físicos, sempre na torcida. Aos vizinhos e amigos, Alan, Noedir, Viviane, Paulinho, Isabela, Trajano e Fabiana, pelo carinho com nossos filhos; Aos queridos estudantes de graduação e pós-graduação, que me ensinam a cada dia, a cada momento, nesta construção permanente do Ser Docente; “Viver - não é? - é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo. ” “O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.” Guimarães Rosa PIO, D. A. M. A experiência do professor médico com métodos ativos de ensino- aprendizagem: formação permanente e gestão como mediadoras. 2017. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Botucatu. RESUMO Introdução: Escolas Médicas, como cenários operacionalizadores das diretrizes curriculares para cursos médicos, demandam interações responsáveis e reflexivas, entre professores, estudantes e gestores, sobre a ação educativa. Nessa perspectiva, constituem-se atores em contínua formação, localizando-se o professor e o estudante como protagonistas do processo ensino-aprendizagem inovador e transformador. Objetivos: Compreender o processo experiencial do professor médico com a formação profissional do estudante de Medicina de 1a e 2a séries e 5a e 6a séries do curso e elaborar um modelo teórico representativo dessa experiência. Método: Pesquisa qualitativa, conduzida na Faculdade de Medicina de Marília (Famema) e realizada com professores médicos, atuantes no curso de graduação, critério para inclusão na pesquisa. Foram considerados, para a coleta dos dados, apenas os professores dos dois primeiros e dos dois últimos anos do curso, cenários distintos e em que predominam, respectivamente, a atenção primária e a hospitalar, caracterizados os primeiros pela integração entre os cursos de medicina e enfermagem no cenário de prática profissional. A saturação teórica se configurou mediante a análise da 19a entrevista, segundo os passos da Teoria Fundamentada nos Dados. Resultados: As categorias identificadas e as relações teóricas das ações e das interações que compõem a experiência do professor médico desdobram-se em quatro subprocessos: Aproximando-se: tornando-se professor em métodos ativos com experiências prévias diferentes e os desafios da necessidade de formação pedagógica para o desempenho do papel docente; Encontrando-se: a capacitação, a experiência e a motivação como facilitadores permanentes dos métodos ativos - a construção do papel docente associada ao aprender, ao fazer e à relação com o estudante; Desencontrando-se: falta de interesse, de capacitação, de experiência e heterogeneidade na condução como dificultadores do processo ensino-aprendizagem; Reencontrando-se: a gestão educacional como potencial alinhadora da formação docente. Mediante o realinhamento dos componentes que formaram esses subprocessos, pôde-se descobrir uma categoria designada central que os abarcasse, constituindo então o processo da experiência (modelo teórico), denominado: Entre aproximações, encontros, desencontros e reencontros do professor médico com métodos ativos de ensino-aprendizagem: formação permanente e gestão como mediadoras do desenvolvimento docente. À luz do Interacionismo Simbólico, identificaram-se os papéis dos processos educativos e da gestão educacional como espaços relacionais e componentes intervenientes simbólicos, representados pela necessidade de se manter e construir diálogos no cenário institucional. Cada professor, na dependência de seu perfil, pode vivenciar, no mesmo contexto, experiências que o vinculam ou afastam do modelo pedagógico proposto. A (re) construção dos significados para o trabalho advém da interação social. Nesse sentido, os espaços de desenvolvimento docente e de gestão educacional trazem o resgate e a garantia da formação docente e discente. Considerações finais: O modelo teórico abstraído da experiência permitiu aprofundar a compreensão dos subprocessos vivenciados pelos professores médicos. Sinaliza-se a necessidade de um olhar singular para a formação docente, baseando-se nas aproximações que os professores têm com os métodos pedagógicos. Articula-se a importância da cogestão dos processos, estabelecendo relação integral entre o programa de desenvolvimento docente e a gestão educacional. Descritores: Educação médica; Aprendizagem Baseada em Problemas; Docentes; Educação; Pesquisa qualitativa. PIO, D. A. M. The experience of medical professors with active teaching and learning methods: continuous formation and management as mediators. 2017. Thesis (Ph.D. in Public Health) – Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Botucatu. ABSTRACT Introduction: Medical Schools, as operationalizing sets for medical courses curriculum guidelines, demand responsible and reflexive interactions on the educational action among professors, students and managers. In this perspective, actors in continuous formation arise, and the professor and the student are the main characters in this innovative and transforming teaching-learning process. Objectives: Comprehend the experiencing process of the medical professor in the professional formation of the Medicine student from 1st, 2nd, 5th and 6th grades and create a theoretical model to represent this experience. Method: Qualitative research, carried out in Faculdade de Medicina de Marília (Famema), with medical professors who teach the graduation course, criterion for the inclusion in the research. Only professors who teach the first two years and the last two years of the course were considered in data collections, since these years are different scenarios where respectively predominate primary and hospital attention, and the first two years are characterized by the integration between Medicine and Nursing courses in the set of professional practice. Theoretical saturation was achieved through the analysis of the 19th interview, according to the steps of the Grounded Theory. Results: The categories that were identified and the theoretical relations between the actions and interactions that compose the experience of the medical professor fall into four sub-processes: Approaching: becoming a professor in active methods with different previous experiences and the challenges of the necessity of pedagogical formation for the performance of the role of the professor. Connecting (metting): capacitation, experience and motivation as permanent facilitators of the active methods – the construction of the role of the professor associated to learning, doing and to the relation between the professor and the student; Disconnecting: lack of interest, capacitation and experience, and heterogeneity in the conduction, as things that make the teaching-learning process difficult; Reconnecting: the educational management as a potential aligner in professor formation. Facing the realignment of the components that constituted these sub- processes, it is possible to find out a designated core category that is able to embrace them, constituting, then, the experience process (theoretical model), which is called: Among approaches, connections, disconnections and reconnections between medical professors and active methods for teaching and learning: continuous formation and management as mediators of teacher development. Under the light of the Symbolic Interactionism, it was possible to identify the roles of the educative processes and of the educational management as relational sets and symbolic intervenient components, which are represented by the necessity to keep and establish dialogues in the institutional scenario. Each professor, depending on their profile, may experience, in the same context, experiences that bring them together or keep them apart from the pedagogical method that is proposed. The (re)construction of the meanings for the work come from the social interaction. In this sense, the sets for teaching development and educational management recover and assure professor and student formation. Final considerations: The theoretical model taken form the experience made it possible to improve the comprehension of the sub-processes experienced by the medical professors. It is possible to realize the necessity of a singular glance at professor formation, based on their approach to the pedagogical methods. The importance of co-management of processes is articulated, establishing integral relation between the teaching development program and the educational management. Descriptors: Medical education; Learning Based on Problems; Professors; Education; Qualitative research. LISTA DE DIAGRAMAS Diagrama 1 - Subprocesso A. Aproximando-se: tornando-se professor em métodos ativos com experiências prévias diferentes e os desafios da necessidade de formação pedagógica para o desempenho do papel docente................................................................................................. 86 Diagrama 2 - Subcategoria A.1 Tornando-se docente na escola e no método ativo: iniciando com diferentes motivações e inter-relações........................... 87 Diagrama 3 - Subcategoria A.2 Não tendo formação pedagógica para desempenhar o papel docente...................................................................................... 91 Diagrama 4 - Subcategoria A.3 Capacitando-se de alguma maneira.......................... 96 Diagrama 5 - Subprocesso B. Encontrando-se: a capacitação, a experiência e a motivação como facilitadores permanentes dos métodos ativos – a construção do papel docente associada ao aprender, ao fazer e à relação com o estudante........................................................................ 100 Diagrama 6 - Subcategoria B.1 Valorizando a construção do saber docente a partir dos espaços de formação e de relação no processo ensino- aprendizagem....................................................................................... 101 Diagrama 7 - Subcategoria B.2 Desenvolvendo a ação docente a partir de sua concepção das necessidades do estudante e de seu papel no método ativo...................................................................................................... 107 Diagrama 8 - Subcategoria B.3 Vivenciando a reciprocidade ao operacionalizar o método ativo......................................................................................... 115 Diagrama 9 - Subprocesso C. Desencontrando-se: Falta de interesse, de capacitação, de experiência e heterogeneidade na condução como dificultadores do processo ensino-aprendizagem.............................................................. 120 Diagrama 10 - Subcategoria C.1 Tendo poucos espaços potenciais em grupo para a formação no método ativo.................................................................... 121 Diagrama 11 - Subcategoria C.2 Identificando heterogeneidade no processo ensino- aprendizagem: fragilidades docentes, discentes e curriculares............. 128 Diagrama 12 - Subprocesso D. Reencontrando-se: a gestão educacional como potencial alinhadora da formação docente............................................ 136 Diagrama 13 - Subcategoria D.1 Concebendo a necessidade de recriar e repensar os espaços de desenvolvimento do professor............................................ 138 Diagrama 14 - Categoria Central. Entre aproximações, encontros, desencontros e reencontros do professor médico com métodos ativos de ensino- aprendizagem: Gestão e Formação Permanente como mediadoras do Desenvolvimento Docente................................................................... 144 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Desempenho conforme áreas de competência.......................................... 33 Quadro 2 - Desenvolvimento de tarefas conforme as áreas de atuação, segundo séries do Curso de Medicina.................................................................... 36 Quadro 3 - Grade curricular do curso de medicina..................................................... 39 Quadro 4 - Categorias, subcategorias e elementos que compõem o processo experiencial do professor médico com a formação do profissional na Famema................................................................................................... 83 Quadro 5 - Elemento. Sendo convidado a ser docente no currículo integrado............ 183 Quadro 6 - Elemento. Sendo convocado a ser docente no método ativo................... 183 Quadro 7 - Elemento. Não tendo expectativas prévias relacionadas à docência....... 183 Quadro 8 - Elemento. Tendo expectativas prévias com relação à docência, ligadas a alguma experiência ou a motivações pessoais....................................... 184 Quadro 9 - Elemento. Começando como professor em cenários de prática ou pesquisa................................................................................................... 185 Quadro 10 - Elemento. Entendendo o método ativo pela vivência na graduação........ 186 Quadro 11 - Elemento. Formando-se pelo método tradicional.................................... 187 Quadro 12 - Elemento. Sentindo insegurança para o papel docente............................ 188 Quadro 13 - Elemento. Realizando cursos de formação para o método...................... 189 Quadro 14 - Elemento. Aprendendo a ser tutor acompanhando outro tutor................ 189 Quadro 15 - Elemento. Observando o fazer de outros professores na UPP................ 190 Quadro 16 - Elemento. Participando das atividades de Educação Permanente........... 190 Quadro 17 - Elemento. Acertando a escola com a EC oferecida no início do método..................................................................................................... 191 Quadro 18 - Elemento. Percebendo a EP como espaço de acolhimento e de troca de experiências............................................................................................. 192 Quadro 19 - Elemento. Aprendendo a conviver no método ativo a partir da EP........ 193 Quadro 20 - Elemento. Superando desafios: despertando desejo e prazer com a experiência docente................................................................................. 194 Quadro 21 - Elemento. Desenvolvendo o processo ensino-aprendizagem como tutor/ facilitador: a construção do conhecimento e da autonomia...................... 195 Quadro 22 - Elemento. Diversificando suas condutas de acordo com a série, estudante ou grupo.................................................................................. 197 Quadro 23 - Elemento. Garantindo a aprendizagem de um modelo que visa a integralidade do cuidado e a dimensão biopsicossocial............................ 198 Quadro 24 - Elemento. Estimulando o estudante com estratégias de ensino- aprendizagem a partir da prática............................................................... 200 Quadro 25 - Elemento. Modelando-se na vivência da prática: a flexibilidade e abertura do professor despertadas pelo processo de aprender na relação com o estudante........................................................................................ 202 Quadro 26 - Elemento. Sentindo as repercussões positivas das habilidades e atitudes do professor na relação professor com o estudante................................... 204 Quadro 27 - Elemento. Percebendo o crescimento do estudante do método ativo e sua qualificação avaliada por outras escolas............................................ 205 Quadro 28 - Percebendo pouco interesse ou motivação dos profissionais em serem professores, sendo insuficiente o número de docentes para as unidades educacionais............................................................................................ 206 Quadro 29 - Elemento. Sentindo não ter preparo teórico-prático suficiente para função docente......................................................................................... 207 Quadro 30 - Elemento. Não participando das atividades de EP ou de formação permanente, de desenvolvimento do professor....................................... 208 Quadro 31 - Elemento. Não tendo sempre ferramentas para trabalhar com os desafios das mudanças geracionais e com as nuances do envolvimento do estudante ao longo da formação......................................................... 209 Quadro 32 - Elemento. Identificando diferenças e dificuldades entre os professores na condução do processo ensino-aprendizagem....................................... 211 Quadro 33 - Elemento. Gerando conflito diante das diferenças na forma de conduzir o processo pedagógico............................................................................. 212 Quadro 34 - Elemento. Dificultando o papel do professor ao ter problemas de gestão dos processos educacionais...................................................................... 213 Quadro 35 - Elemento. Avaliando o aprendizado e as atitudes do estudante fragilizados pela organização das práticas e por sua compreensão da proposta curricular................................................................................... 216 Quadro 36 - Elemento. Sentindo a necessidade de se manter a proposta de EC para formação inicial e permanente do professor............................................ 218 Quadro 37 - Elemento. Sentindo a necessidade de rever o formato da EP.................. 219 Quadro 38 - Elemento. Sentindo a necessidade de maior investimento na gestão educacional dos processos pedagógicos................................................... 221 LISTA DE SIGLAS ABEM Associação Brasileira de Educação Médica ABP Aprendizagem Baseada em Problemas CAEM Comissão de Avaliação das Escolas Médicas CAES Comissão de Avaliação e Acompanhamento das mudanças nos Cursos de Graduação da área da saúde CFE Conselho Federal de Educação CGR Colegiados de Gestão Regional CIES Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço CINAEM Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico CNE Conselho Nacional de Educação CNS Conselho Nacional de Saúde COAPES Contratos Organizativos da Ação Pública Ensino-Saúde DCN Diretriz Curricular Nacional EC Educação Continuada EAC Exercício de Avaliação Cognitiva EAPP Exercício de Avaliação da Prática Profissional EP Educação Permanente EPA Educação Permanente na Academia EPS Educação Permanente em Saúde ESF Estratégia de Saúde da Família Famema Faculdade de Medicina de Marília HC Hospital de Clínicas IDA Integração Docente-Assistencial IES Instituição de Ensino Superior LPP Laboratório de Prática Profissional MEC Ministério da Educação MS Ministério da Saúde NDE Núcleo Docente Estruturante NUADI Núcleo de Apoio ao Discente OES Orientador de Estudante da Graduação OMS Organização Mundial da Saúde OPAS Organização Pan-Americana de Saúde PDD Programa de Desenvolvimento Docente PES Planejamento Estratégico Situacional PET-Saúde Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde POE Programa de Orientação ao Estudante PROMED Programa de Incentivo à Mudança Curricular nos cursos de graduação em medicina PRÓ-SAÚDE Programa de Reorientação da Formação Profissional em Saúde PSF Programa de Saúde da Família SGTES Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde SUS Sistema Único de Saúde TFD Teoria Fundamentada nos Dados UBS Unidade Básica de Saúde UEE Unidade Educacional Eletiva UES Unidade Educacional Sistematizada UNI Uma Nova Iniciativa UPP Unidade de Prática Profissional USF Unidade de Saúde da Família VER- SUS Vivência-Estágio na Realidade do Sistema Único de Saúde SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Despertando para a pesquisa na área do ensino 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 20 1.1 Introduzindo o objeto de investigação: mudanças na formação em saúde, Currículo Integrado, Famema e Programa de Desenvolvimento Docente como indutores do problema de pesquisa ......................................................... 20 1.2 O processo de formação do médico: o desenvolvimento curricular proposto pela Famema ........................................................................................ 28 1.3 Educação médica: transformando-se para atender as necessidades de saúde ..................................................................................................................... 42 1.4 A formação do professor de medicina: o aprender e o ensinar ...................... 54 1.5 Pensando em estratégias formativas: de propostas aos desafios do desenvolvimento docente .................................................................................... 64 2 OBJETIVOS ......................................................................................................... 71 3 FINALIDADE ...................................................................................................... 72 4 MÉTODO .............................................................................................................. 73 4.1 Tipo de pesquisa .................................................................................................. 73 4.2 Cenário e atores da pesquisa .............................................................................. 74 4.3 Aspectos éticos, de coleta e registro dos dados ................................................. 76 4.4 Referencial metodológico: Teoria Fundamentada nos Dados .............................. 76 4.5 Referencial teórico: Interacionismo Simbólico ................................................ 79 5 RESULTADOS ..................................................................................................... 82 5.1 Caracterização ..................................................................................................... 82 5.2 Compreendendo a experiência do professor médico com a formação do profissional ........................................................................................................... 82 5.3 A experiência ....................................................................................................... 85 5.4 O modelo teórico ................................................................................................. 143 5.5. A validação do modelo teórico .......................................................................... 145 6 DISCUSSÃO ........................................................................................................ 149 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 160 7.1 Contribuições e limitações do estudo ................................................................ 162 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 163 ANEXOS .............................................................................................................. 177 ANEXO A – PARECER DO CEP ..................................................................... 177 ANEXO B – MUDANÇA DE TÍTULO EM PROJETO DE PESQUISA ..... 180 APÊNDICES ........................................................................................................ 181 APÊNDICE A - Consentimento livre e esclarecido de participação em pesquisa ................................................................................................................ 181 APÊNDICE B – Roteiro de entrevista .............................................................. 182 APÊNDICE C – Quadros (Elementos) .............................................................. 183 APRESENTAÇÃO Despertando para a pesquisa na área do ensino Falarei da experiência de pessoas com a docência médica, mas não posso deixar de falar da minha experiência. Ser professor é a realização de um sonho e um despertar contínuo em meio a avaliações diagnósticas, formativas e somativas. Desempenhar um papel formativo na vida de outras pessoas é um processo construído com grande interesse e entusiasmo, mas não são poucos os desafios. Minha primeira aproximação com a Faculdade de Medicina de Marília (Famema) foi com a passagem de minha irmã pela faculdade, trajetória por ela iniciada em 1990. Sua escolha pela medicina não me fez querer ser uma profissional médica. Percorri um outro caminho de formação, mas ainda vinculado ao cuidar, querendo descobrir mais, porém no campo da subjetividade, das relações, da mente. Talvez eu ainda não conseguisse compreender o quanto tudo estava ligado, ou na época queria completar, intuitivamente e/ou empiricamente. Trabalho com a educação em/ou na saúde, sem adentrar na especificidade da terminologia, desde minha formação como psicóloga em 1999. Descobri, logo cedo, que a ação educativa é um dos componentes da relação de qualquer profissional que se dispõe ao cuidado. Dentro de uma condição epistemológica e afetiva, continuo cuidando e educando/sendo educada: no sentido psicológico, pedagógico, desde a relação com a minha família, meus filhos, amigos, estudantes e pacientes. Aproximei-me da problemática da formação e da educação ao percorrer um itinerário de grandes paixões. Inicialmente, preciso revelar dois grandes encontros: terminada minha graduação em psicologia em 1999, ingressei no Aprimoramento Profissional, na área de Psicologia Hospitalar. Esse foi meu primeiro encontro real com a Famema, que me trouxe um outro encontro de grande significado para minha vida pessoal, meu esposo que, na época, era residente médico. Continuei me aproximando, então, de formas variadas dessa temática, de grande interesse pessoal/profissional. Após o aprimoramento, fui acolhida, de forma breve, mas muito significativa, pelo Hospital de Clínicas (HC) de Ribeirão Preto, perto de minha irmã, então casada, morando na cidade. Sempre tive um grande prazer em realizar assistência, mas me faltava algo dentro de uma experiência em um hospital de alta complexidade. Foi quando tive a oportunidade de retornar a Marília para ter minha primeira aproximação e um grande encontro, que marcaria minha paixão pela saúde coletiva: a Estratégia Saúde da Família (ESF). Já havia descoberto nos outros cenários, o trabalho em equipe, a importância da saúde pública, mas o sentido do território, das famílias, é muito mais do que lemos nos livros. O intenso acontece lá, sem demagogias. Nada de atenção “básica”, tudo muito complexo, dinâmico, cenário realmente rico em ações, reflexões e ações, muito transformadoras. Minha inserção na docência se inicia formalmente com o nome de preceptor. A formação multiprofissional entrava em minha vida em outra dimensão, junto ao aprimoramento e residências médicas e multiprofissionais. Pude então articular o cuidar aos processos ativos de ensino-aprendizagem, inicialmente nas atividades de pós-graduação, seguido da graduação; nesta, apoiei a princípio conferências para as séries de enfermagem e medicina e como professora colaboradora para estudantes no Laboratório de Prática Profissional (LPP), nessa atividade curricular, junto à 1a série dos dois cursos. Na Saúde da Família, permaneci durante três anos, sentindo o rompimento abrupto na perspectiva da perda do trabalho de apoio matricial à Saúde da Família. Retorno à Famema em 2006, no cuidado à saúde da mulher/materno-infantil, quando desenvolvi e concluí, no início de 2012, o mestrado em Ciências da Saúde, que tratava sobre o cuidado oferecido às gestantes de risco (pré-eclâmpsia). Vale dizer que voltar ao hospital me trouxe a grande compreensão do trabalho em rede e do processo saúde-doença; de lá, eu conseguia percorrer, junto ao usuário, seus itinerários, buscava com ele o acesso e o retorno ao seu território. Entendi, vivendo, a importância da prática, dos encontros em todos os cenários da rede de atenção. A qualidade da assistência e da formação do estudante sempre foi uma situação de preocupação e atenção, mobilizada pela minha luta pelos direitos das pessoas, pelo direito de serem sempre consideradas em suas necessidades de saúde. Com minha entrada, no ano de 2012, como Assistente de Ensino e ligada ao Programa de Desenvolvimento Docente (PDD), com a realização contínua de atividades de Educação Permanente (EP) para docentes e professores colaboradores da Famema, senti aguçar em mim a preocupação e o envolvimento com a forma com que se dava o ensino em saúde e, em especial, com a formação de professores. A vivência em muitos cenários da rede mobiliza muitas perguntas de pesquisa. Fui profissional da assistência e acompanhei formação e cuidado, em diferentes perspectivas. Sei da importância da atenção primária, secundária e terciária e das diferentes necessidades que permeiam estes contextos. Sei da importância da figura do médico, que ainda predomina no imaginário social como aquele que cuida, que ampara, que salva. Acredito muito nas equipes multiprofissionais e na perspectiva do trabalho em equipe. Diante de metodologias ativas, aprendo a cada momento e sei que essas aproximações demoram para se tornar encontros e que podem se transformar em grandes desencontros. Aproximo-me, então, da formação médica nesse momento, mas com o desejo de escuta e aprendizado, fazendo, junto a eles, uma avaliação formativa dos processos para sedimentar, construir e reconstruir caminhos, que façam bem a todos. Acredito em uma formação que contemple a clínica ampliada, diante das diferentes realidades sociais e da singularidade de cada pessoa. Acredito na potência dos métodos ativos e, de forma especial, na área da saúde e na Famema. 20 1 INTRODUÇÃO 1.1 Introduzindo o objeto de investigação: mudanças na formação em saúde, Currículo Integrado, Famema e Programa de Desenvolvimento Docente como indutores do problema de pesquisa Segundo a Constituição Federal de 1988, as ações e serviços de saúde compõem uma rede organizada segundo três diretrizes, uma delas, a integralidade da atenção. Também fica estabelecido constitucionalmente que é tarefa do Sistema Único de Saúde (SUS) ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde (BRASIL, 1988). Pode-se compreender a integralidade em conexão com as mudanças paradigmáticas na formação em saúde. Baseia-se em uma nova concepção do ser humano e de suas relações, implicando a reorganização dos serviços e a análise crítica dos processos de trabalho (ARAÚJO; MIRANDA; BRASIL, 2007). A responsabilidade do SUS com a formação encontra-se nos textos de sua institucionalização, bem como nos relatórios das Conferências Nacionais de Saúde. A princípio, a relação entre a educação no setor saúde e a formação superior foi abordada segundo considerações gerais nas primeiras conferências (RIBEIRO; MOTTA, 1996; GIGANTE; CAMPOS, 2016). No relatório final da VI Conferência Nacional de Saúde, admite-se como indispensável colocar o sistema formador de recursos humanos compatibilizado com o sistema utilizador desses recursos e com as necessidades da comunidade (BRASIL, 1977). A Educação Continuada aparece pela primeira vez nessa conferência, relacionada à necessidade de se acoplar novos conhecimentos à formação inicial do sanitarista (RIBEIRO; MOTTA, 1996). A VIII Conferência Nacional de Saúde (1986) sugere para política de pessoal a adoção de capacitação, reciclagem e uma formação de profissionais integrada ao sistema regionalizado e hierarquizado de atenção. A X e a XI Conferência Nacional de Saúde, ocorridas, respectivamente, em 1996 e 2000, avançam em propostas que levariam à consolidação de uma política de desenvolvimento e formação de pessoal, que incluíram estratégias como reforço da relação entre o processo formativo e processo de trabalho em saúde, valorizando a formação de profissionais, mediante as necessidades concretas de saúde da população (GIGANTE; CAMPOS, 2016). Surgiram novas propostas, como a recomendação da revisão das diretrizes curriculares para a formação em saúde, adequando-as às realidades locais, aos avanços 21 tecnológicos, às necessidades epidemiológicas e às demandas qualitativas e quantitativas do SUS, além de critérios mais rígidos para a criação de novos cursos e avaliação da qualidade (GIGANTE; CAMPOS, 2016). Em 2001, foram definidas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação da área da saúde, expressando a demanda por currículos orientados por competência, com uma formação generalista, humanista, crítica e reflexiva (BRASIL, 2001). Parte-se, assim, da necessidade de formação continuada dos profissionais, na perspectiva de que a renovação das organizações de saúde não acontecesse sem uma política de educação para o setor (MACHADO et al., 2007). A formação, antes pautada na qualificação profissional, passa a focar no desenvolvimento da competência fundamentada no referencial dialógico, considerando-se os conteúdos aprendidos no exercício das atividades profissionais, associados ao contexto, à cultura local e aos valores éticos (SOUSA; PESTANA, 2009). Segundo Deluiz (2001), o conceito de competência começou a ser utilizado na Europa a partir dos anos 80 e envolve várias acepções e abordagens. No modelo de competências, importa não só a posse dos saberes disciplinares escolares ou técnico- profissionais, mas também a capacidade de os mobilizar para resolver problemas e enfrentar os imprevistos na situação de trabalho. Assim, as qualificações tácitas ou sociais e a subjetividade do trabalhador, assumem extrema relevância. O leque de competências exigido no processo de trabalho em saúde requer uma visão voltada para a construção de projetos coletivos e de um cuidado integrado, que compreende “um saber fazer de profissionais, docentes, gestores e usuários/pacientes corresponsáveis pela produção de saúde, feito por gente que cuida de gente” (MACHADO et al., 2007, p. 338). Analisada sob a ótica da formação profissional na saúde, competência pode ser traduzida como a capacidade de um ser humano cuidar do outro, colocando em ação conhecimentos, habilidades e valores necessários para prevenir e resolver problemas de saúde ligados ao exercício profissional (SANTOS, 2011). O ponto de partida para a estruturação curricular deve ser as DCN, que estabelecem as competências e habilidades a serem enfatizadas na graduação, cabendo a cada instituição definir sua matriz de competências, estabelecer e descrever claramente a sua composição, estratificar seu desenvolvimento ao longo do currículo e elaborar um sistema de avaliação devidamente ajustado aos objetivos educacionais estabelecidos (SANTOS, 2011). Batista e Rossit (2014) apontam a conquista para a formação profissional em saúde e para a interprofissionalidade, considerando as demandas por novas relações com a estrutura social e econômica e pela construção de novos processos formativos, envolvendo outras 22 mudanças referentes aos conteúdos, processos e métodos de ensino-aprendizagem. Inclui, portanto, alterações significativas no currículo, que podem se tornar o embrião de transformações importantes na relação universidade-escola-comunidade (RIBEIRO, 2005). Ceccim e Feuerwerker (2004a) discutem, no entanto, os limites das DCN na implantação de mudanças, já que, no Brasil, as universidades gozam de autonomia. A formação do profissional generalista, requerido pelo SUS, é definida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – de 1996, que propõe, dentre outras medidas, a substituição dos currículos mínimos para uma adequada formação acadêmica e/ou profissional em todo o território nacional pelas DCN para os cursos de graduação em saúde. A LDB firma que a educação superior deve ter entre suas finalidades o estímulo ao conhecimento dos problemas do mundo atual, com destaque para os problemas nacionais e regionais, prestando serviços especializados à comunidade, em uma relação de reciprocidade (BRASIL, 1996). Em vista disso, as Instituições de Ensino Superior (IES) passam a buscar novas metodologias e estratégias de ensino-aprendizagem para formar um profissional com perfil generalista, humanista, crítico e reflexivo, capacitado a atuar em outra perspectiva da assistência, como proposto nas DCN (FRANCISCO; TONHOM, 2012). Foi nesse contexto que a Famema iniciou o processo de revisão do modelo pedagógico então vigente, visando assumir novas propostas para garantir uma formação condizente com as necessidades da população (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2008a). As necessidades de mudanças já haviam sido aventadas desde a década de 70. Criada em 1966 e mantida por uma fundação municipal, a Famema passou por sucessivas crises financeiras. A estrutura tradicional de ensino somada a uma baixa incorporação de recursos educacionais e incentivos para qualificação docente tornava o processo ensino-aprendizagem dependente de esforços individuais. Havia uma insatisfação com o profissional formado e um desejo de inovar nas áreas de educação e na saúde (LIMA; KOMATSU; PADILHA, 2003). Na década de 80, desenvolveram-se, sistematicamente, experiências de integração docente assistencial e uma aproximação com o movimento IDA (Integração Docente- Assistencial), o que ajudou a dinamizar o debate sobre as buscas de alternativas para a escola (FEUERWERKER, 2002). O Projeto Uma Nova Iniciativa (UNI), iniciado no final de 1992 como parte do Programa UNI da Fundação Kellogg, apoiou as reformas curriculares dos cursos de medicina e enfermagem da Famema. Lima, Komatsu e Padilha (2003) descrevem que, para a Famema, o 23 projeto UNI, a mudança de direção da escola e a estadualização em 1994 foram fatores que catalisaram, de diferentes maneiras, o processo e a elaboração de novos eixos estruturantes do currículo. A trajetória da mudança curricular se deu de maneira diferente, em alguns momentos, entre os dois cursos da Instituição. No curso de Enfermagem, transcorreram algumas etapas: organização de um currículo intermediário, em 1995, com a Metodologia da Problematização em algumas disciplinas, e estruturação de um novo currículo, em 1998, no primeiro ano, em atendimento às exigências da Portaria nº 1721/94 do Conselho Federal de Educação (CFE). O curso de Medicina passou a ser composto por unidades educacionais interdisciplinares, verticais e horizontais, a partir de 1997 (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2008a). Os problemas e as necessidades da comunidade deveriam nortear o estabelecimento dos objetivos educacionais de aprendizagem. Pretendia-se capacitar os estudantes para o processo contínuo de aprender a aprender; compreender a saúde individual inserida em um contexto socioeconômico de uma determina população; desenvolver habilidades técnicas para a gestão de problemas e ter condutas éticas e humanísticas; desenvolver a capacidade de trabalhar em equipe e atuar para a melhoria da saúde da população, desenvolvendo uma prática de saúde baseada em evidências (KOMATSU et al., 1997). A partir da realização de fóruns de avaliação, outras mudanças na estrutura curricular foram ocorrendo, gradualmente, até a implementação completa do novo currículo, realizada em 2003. Atualmente, adota-se a matriz de organização curricular integrada e orientada por competência dialógica (CHIRELLI; SOARES; PIO, 2016), que vai de encontro ao que é recomendado nas DCN (REZENDE et al., 2008; AGUIAR; RIBEIRO, 2010). Desde 2003, os currículos dos cursos de Medicina e Enfermagem contam com a Unidade Educacional Sistematizada (UES), a Unidade de Prática Profissional (UPP) e a Unidade Educacional Eletiva (UEE). A UPP abrange o cenário real (Unidade de Saúde da Família – USF; Unidade Básica de Saúde – UBS; Hospital; Ambulatório) e o cenário simulado (LPP). Desde o primeiro ano letivo, os estudantes iniciam atividades em cenário real da prática profissional, onde, nos dois anos iniciais, há a integração dos cursos de Medicina e Enfermagem no contexto da ESF. O LPP traz situações simuladas, previamente estruturadas pelos docentes. O Apoio é o outro momento do LPP, realizado com a participação de um professor de semiologia, que tem a função de explorar as prescrições obtidas com a prática (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2015a). A UES parte da discussão de casos de papel, caracterizando-se, portanto, pelo uso da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), e a UPP, 24 que se caracteriza pela inserção do estudante no mundo do trabalho em saúde, pela utilização da Metodologia da Problematização (BERBEL; GAMBOA, 2012). Com o início do processo de mudanças pedagógicas, houve grande necessidade de capacitação docente para possibilitar a implementação e dar sustentabilidade aos novos métodos (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2008b). O esforço nesse sentido foi visto sob a perspectiva de alavancar as mudanças e desenvolver permanentemente o currículo, entendido como construção social que representa a totalidade das interações e das situações de aprendizagem vivenciadas por docentes e estudantes na prática educativa (LIMA; KOMATSU; PADILHA, 2003). Assim, programas de capacitação docente foram desenvolvidos desde o início do processo de preparação da mudança, intensificando-se na fase inicial de apropriação da ABP, com a formação de tutores (LIMA; KOMATSU; PADILHA, 2003). Instituiu-se uma coordenação responsável pela elaboração de estratégias, visando à capacitação desses profissionais; a essa coordenação, agregaram-se colaboradores docentes de áreas diversas, tendo em comum a identificação com a proposta de mudança educacional (NUNES; ROLIN; LOPES, 2014). Inicialmente, trabalhou-se em dois níveis de capacitação de tutores: a básica e a avançada. A capacitação básica era dividida em momentos de oficina de trabalho, trabalhos em grupos de tutorias, depois como observadores do processo durante 12 semanas, para só assumirem a tutoria após se sentirem seguros. Paralelamente às duas atividades tutoriais semanais (ao final de cada umas delas), os cotutores participavam de reunião de tutores com a coordenação da unidade educacional e um membro da equipe de capacitação para discussões sobre o andamento das atividades, troca de experiências, levantamento de questões, com a possibilidade de contemplar, eventualmente, pessoas convidadas para exploração de temas preestabelecidos (NUNES; ROLIN; LOPES, 2014). Em 1999, o curso de capacitação básica era composto, fundamentalmente, por atividades de tutoria (65% do tempo) e por capacitações em áreas como: reflexão sobre ser docente; princípios da educação de adultos; a metodologia da aprendizagem curricular; integração dos vários componentes do currículo; dinâmica de grupo; avaliação; medicina baseada em evidências e bioética (FEUERWERKER, 2002). Os docentes que passavam pela experiência de ser tutor em pelo menos duas unidades educacionais (dois módulos de oito semanas cada) eram, na sequência, inscritos na capacitação avançada de tutores (desenvolvida nos anos de 1999 e 2000), com encontros em ciclos trimestrais, durante uma manhã por semana (NUNES; ROLIN; LOPES, 2014). 25 A capacitação avançada, nesse momento, consistia em quarenta horas de atividade, possibilitando abordagem mais profunda de temas como dinâmica de grupo, avaliação, bioética e medicina baseada em evidências. A participação em algum tipo de capacitação era, inicialmente, obrigatória para todos os docentes (FEUERWERKER, 2002). Em 2001, a proposta de capacitação docente avançada foi radicalmente transformada, passando a envolver várias esferas de atuação docente e não somente o trabalho de tutoria. Docentes faziam escolhas por módulos, de acordo com as necessidades de aprofundamento e com a obrigatoriedade da participação em, pelo menos, dois módulos, anualmente. Uma outra vertente do Programa de Educação Permanente é criada com a oportunidade de reflexão organizada e sistematizada sobre a prática, em cada um dos espaços de atuação docente, com linhas de trabalho, envolvendo tutores, preceptores do internato, orientadores de estudantes de medicina e docentes do curso de enfermagem (FEUERWERKER, 2002). Houve, também, mudança na dedicação à docência, na época, quando os professores precisariam dedicar ao menos 50% de sua carga horária para as atividades de ensino, diferente da dedicação anterior, com menos de 20% organizada para o trabalho do primeiro ao quarto ano. O mapa de atividades docentes foi, segundo a percepção de professores participantes, um avanço considerável em termos de organização da instituição do ponto de vista do compromisso coletivo (FEUERWERKER, 2002). Por volta de 2003, a participação no programa de Capacitação avançada de professores passa a ser opcional, pois as reuniões que ocorriam ao final dos períodos de tutoria, paralelamente ao desenvolvimento das UESs, haviam evoluído para processos de EP, voltados para o desenvolvimento docente, a partir da problematização de sua prática junto aos estudantes. A EP, por promover o desenvolvimento dos profissionais a partir de sua prática e em conexão com as atividades identificadas ao longo dela, torna-se elemento fundamental dentro das concepções que alicerçavam os processos pedagógicos, seja nos cenários tutoriais ou nos cenários de prática real ou simulada. Desta forma, a EP se expande aos professores da UPP, atuantes nos cenários reais (ESF, ambulatórios, cenários hospitalares), ou simulados, como os LPPs. Todos os profissionais mediadores de processos pedagógicos foram incluídos, inclusive profissionais assistenciais não inseridos em carreira docente (NUNES; ROLIN; LOPES, 2014). Nunes, Rolin e Lopes (2014) fazem a observação de que os processos de EP germinavam ao ganhar enfoque similar aos espaços de prática profissional junto aos estudantes. Portanto, a prática pedagógica deveria ser objeto de reflexão, busca de informações e 26 aprofundamento por meio da problematização, seguindo-se os pressupostos pedagógicos da aprendizagem significativa. Vale ressaltar que o termo Capacitação foi posteriormente substituído por Desenvolvimento, vindo a representar o Programa de Desenvolvimento Docente (PDD) da Famema. Atualmente, o PDD apresenta sua estrutura em Educação Continuada (EC) e EP. A EC é descrita no caderno do PDD com operacionalização por meio de aprendizagem ativa na qual se reproduz o ciclo pedagógico. São distribuídas as atividades de EC em módulos temáticos e oficinas de trabalho, respectivamente, temas predefinidos que subsidiam as linhas mestras que orientam o currículo e organizadas ao longo do ano em resposta a demandas específicas das coordenações, séries, unidades ou serviços, visando à construção de novos conhecimentos. Os módulos temáticos são oferecidos no mapa anual de atividades docentes e a participação é voluntária (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2008b). Com relação à organização da EP, as atividades são frequentemente realizadas em grupos de no máximo 12 docentes, com encontros semanais para os docentes das UESs e quinzenais para os docentes das UPPs. Os encontros semanais têm duração de 60 minutos, enquanto os quinzenais duram 120 minutos, com exceção de algumas situações de horário organizadas para viabilizar a participação do corpo docente das séries (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2008b). Participam como facilitadores dos processos de EC, EP e de outras atividades do PDD os docentes definidos a partir de sua disponibilidade quando do preenchimento do mapa anual de atividades e da observância de seu perfil para o trabalho (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2008b). As atividades de EP são, na maioria das vezes, conduzidas por uma dupla de facilitadores com seus respectivos grupos de docentes que se reúnem semanalmente com seus pares e com a coordenação do PDD para a reunião nomeada EP da EP. Esse espaço é constituído por um espaço de suporte e gerenciamento da EP nos cenários, momento de desenvolvimento do grupo de facilitadores e dos processos de EP (NUNES; ROLIN; LOPES, 2014). Um aspecto importante diz respeito às informações veiculadas nos cenários de EP, exigindo dos facilitadores acolhimento de seus participantes e compromisso ético com as pessoas envolvidas, favorecendo os processos dialógicos. Prioriza-se a avaliação da atividade grupal, realizada, constantemente, ao final das reuniões, de forma oral, considerando seu desempenho, dos colegas e dos facilitadores. Ademais, são aplicados formatos avaliativos periódicos, posteriormente analisados pelo grupo do PDD para diagnósticos de necessidades e propostas de mudanças (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2008b). 27 Deve-se considerar que, no ano de 2016, houve a inclusão da atividade de EP com a presença dos docentes de UPP1, UPP2 e UPP4 (do curso de enfermagem) e, preceptores da Atenção Primária, realizada mensalmente, com a duração de três horas de atividade. Com relação ao curso de medicina, as reuniões de EP da UPP3 e UPP5/UPP6 não foram realizadas nesse ano, com suspensão temporária das atividades para se repensar estratégias mais efetivas de inclusão e adesão dos professores. As reuniões de EP do internato eram organizadas com apenas um grupo, com periodicidade semanal, envolvendo os dois últimos anos. Desde o início de 2015, essa atividade não é realizada pelo esvaziamento crescente com relação à participação dos professores. Trabalhando com desenvolvimento docente desde 2012, passei a interrogar o caminho percorrido a partir da singularidade de cada professor e também a partir do cenário educacional, construído em seu itinerário de formação, histórico e institucional. Pude perceber a baixa participação de professores médicos em algumas atividades curriculares, especialmente para atividade de UPP da primeira série. Com relação à participação nas atividades de EP, salta aos olhos a escassa participação de professores médicos do internato. A tabela 1 mostra, no ano de 2014, o número de integrantes da 5a/6a série internato por semestre e a média de professores participantes por encontro nas atividades de EP. Tabela 1 - Números de professores de 5ª e 6ª séries do Curso de Medicina, participantes de EP, em 2014 Série: 5/6ªsérie Med. Internato Número de integrantes na lista/semestre Número de encontros/ Semestre Média de participantes/encontro 1o sem. 17 6 2,2 2o sem. 17 5 3 Fonte: Faculdade de Medicina de Marília (2014a). Na semana de planejamento curricular (para a qual são convidados, anualmente, todos os docentes de ambos os cursos) do ano de 2014, em mais de uma oficina das séries referente às unidades educacionais, foram destacadas a ausência de outros participantes e a dificuldade dos professores em orientar a aprendizagem, referenciando-se ao método e ao perfil profissional desejado para a formação, articulando-se à falta de compreensão da Unidade Educacional e do currículo como um todo (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014a). No ano de 2015, em uma das oficinas realizadas, as discussões giraram em torno da 28 operacionalização dos métodos, discutindo-se que nas tutorias havia uma diversidade de atuações e compreensões diferentes entre os tutores acerca dos passos a serem seguidos; e, no ciclo pedagógico, também não havia uniformidade na condução (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2015b). As pesquisas realizadas por Ferreira, Tsuji e Tonhom (2015) e por Francisco et al. (2015), demonstram, respectivamente, a dificuldade do professor em dar continuidade ao processo ativo no internato na perspectiva do ABP e para com a condução do tutor com relação ao processo tutorial na primeira série de medicina, o que levanta maior preocupação com estágios importantes do estudante diante da intencionalidade com a qual se propõe a formação e toda mudança curricular. Em alguns momentos de uma experiência ainda muito recente, despertam em mim sentimentos de incerteza face às mudanças, uma dificuldade do professor se aproximar mais de suas necessidades de formação, incluindo uma aproximação maior da proposição curricular. Reconheço que os processos de mudança são complexos e que os desafios se configuram em toda ação que envolve alguma transformação, não somente dos professores médicos. Contudo, faço a eleição nesse momento para esse contexto educacional de formação superior, a educação médica. Uma vez que os caminhos apontam para um distanciamento entre o que é proposto para a formação e o que é realizado, suscita-me o problema desta pesquisa:  Como se configura o processo experiencial do professor médico com a formação do estudante de Medicina de 1a e 2a séries e 5a e 6a séries da Famema? Previamente aos objetivos deste estudo, será contextualizado o desenvolvimento dos pressupostos pedagógicos/curriculares do Curso de Medicina da Famema, as transformações da Educação médica, especialmente, no Brasil, incluindo capítulos que envolvem a formação do professor/professor médico e as propostas de Desenvolvimento Docente. 1.2 O processo de formação do médico: o desenvolvimento curricular proposto pela Famema A Famema foi criada em 1966. É uma autarquia do Governo do Estado de São Paulo e oferece os cursos de graduação de enfermagem e medicina. Desde a criação dos cursos (medicina autorizado em 1967 e enfermagem, com início da primeira turma em 1981) até a década de 90, a organização curricular foi pautada no ensino tradicional, com o ensino centrado 29 em um modelo de saúde curativo, privativista, hospitalar e ênfase no conhecimento transmitido pelo professor (FRANCISCO; TONHOM, 2012). A Famema marca sua história de compromisso com a educação médica pela adesão aos projetos IDA (1983), UNI (1993) e, posteriormente, ao Programa de Incentivo à Mudança Curricular nos cursos de graduação em Medicina (PROMED) e ao Programa de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2003, 2005). O movimento de mudanças foi iniciado ao ser provocada a discussão sobre um modelo de ensino mais próximo à comunidade e em maior sintonia com as necessidades da população. A escolha da Famema para desenvolver o Projeto UNI Marília, no início dos anos 90, possibilitou, através do apoio técnico e financeiro do Programa UNI da Fundação Kellogg, a capacitação de recursos humanos e o desenvolvimento da parceria com os serviços locais de saúde e a comunidade (LIMA et al., 1996), ações decisivas para o movimento de mudança dos currículos de Medicina e Enfermagem. É importante resgatar que o compromisso de parte da comunidade acadêmica pela superação do modelo pedagógico e assistencial desgastado e pouco eficiente catalisou os avanços do processo (FACULDADE DE MEDICINA DE MARILIA, 2014b; LIMA; KOMATSU; PADILHA, 2003; FRANSCISO; TONHOM, 2012). Assim, impulsionada pelo ideário do Programa UNI na América Latina, que teve como propósito o desenvolvimento integrado de modelos inovadores na educação, na atenção à saúde e o desenvolvimento de lideranças, a Famema iniciou sua transformação do curso médico. Passou a adotar, a partir do ano letivo de 1997, a metodologia da ABP, com a implementação gradual, série a série, do novo currículo (KOMATSU, 1999). Esta construção ocorreu em processo, ou seja, cada unidade educacional planejada no novo currículo foi programada, executada, e reprogramada para o ano letivo seguinte (FEUERWERKER, 2002). O currículo foi apresentado, inicialmente, com quatro concepções de ensino – aprendizagem, não excludentes e complementares (KOMATSU et al., 1997): • Aprendizagem Autodirigida: os estudantes, durante o Curso de Medicina, foram encorajados a definir seus próprios objetivos de aprendizagem e tomar a responsabilidade por avaliar seus progressos pessoais no sentido do quanto estavam se aproximando dos objetivos formulados. A avaliação incluía a habilidade de reconhecer necessidades educacionais pessoais, desenvolver um método próprio de estudo, utilizar adequadamente uma diversidade de recursos educacionais e avaliar criticamente os progressos obtidos (foi disponibilizado um documento com uma lista de habilidades e capacidades relacionadas à aprendizagem autodirigida, correspondendo aos Padrões Individuais de Aprendizagem). 30 • Aprendizagem Baseada em Problemas: com a intenção de desenvolver no estudante, de forma progressiva, habilidades na solução de problemas, situações são utilizadas como estímulo à aquisição de conhecimento e compreensão de conceitos. Nenhuma exposição formal prévia de informação é dada pelo programa do Curso e uma sequência de passos é aconselhada na construção do conhecimento. • Aprendizagem em pequenos Grupos de Tutoria: o grupo de tutoria vem representar um laboratório para aprendizagem sobre a interação e integração humana, onde estudantes poderiam desenvolver habilidades de comunicação e relacionamento interpessoal e a consciência de suas próprias reações no trabalho coletivo, constituindo uma oportunidade para aprender a ouvir, a receber e assimilar críticas e, por sua vez, oferecer análises e contribuições produtivas ao grupo. Um documento, “Avaliação Individual do Membro do Grupo”, serviria como uma orientação para o estudante de como se autoavaliar, avaliar a seus pares e tutores. • Aprendizagem Orientada para a Comunidade: o ambiente selecionado para proporcionar atividades de ensino-aprendizagem, de cunho teórico-prático, foi a comunidade. Como valorização e estratégia de atenção, encontra-se o trabalho em equipe, orientando o estudante para a prática profissional. A Interação Comunitária foi organizada como um momento semanal e contínuo em todos os anos do currículo de graduação, do qual participavam os alunos dos cursos de Enfermagem e Medicina, com atividades comuns nos dois primeiros anos dos cursos e com atividades integradas nos demais anos da graduação. A comunidade incluía a área de abrangência de uma Unidade de Atenção Básica, assim como escolas, locais de trabalho e, especialmente, as famílias. Como áreas de apoio para aprendizagem, os estudantes teriam a biblioteca e os vários laboratórios (KOMATSU et al., 1997). Com relação à organização do conhecimento, este é pautado em três perspectivas indissociáveis para formação: biológica, psicológica e populacional. As habilidades compreendem não só destrezas clínicas e habilidades de comunicação, mas também habilidade de raciocinar criticamente, buscar e selecionar informações e também para desenvolver um método pessoal de estudo e aprendizado. Com relação às atitudes, o destaque é dado a quatro principais qualidades determinantes do adequado comportamento profissional: Respeito, Responsabilidade, Comunicação e Capacidade de autoavaliação. São utilizados documentos e instrumentos de avaliação do estudante, do tutor (sua performance) e dos recursos educacionais (KOMATSU et al., 1997). 31 As funções do professor são descritas como de Tutor/Facilitador, Consultor, Preceptor Clínico, Orientador de Estudante da Graduação (OEG), Preceptor de Laboratório, responsável por Unidade, Coordenador e Pesquisador (KOMATSU et al., 1997). No caso do tutor/facilitador, suas responsabilidades e habilidades/atitudes apresentavam-se indicadas em vários graus de proficiência: deveria facilitar a aprendizagem, promover a solução de problemas do grupo e pensamento crítico, ajudando aos estudantes a promover eficiente funcionamento do grupo, assim como a aprendizagem individual, e coordenar a avaliação da performance do estudante (KOMATSU et al., 1997). Em 2002, a Famema graduou a primeira turma em um currículo centrado no estudante, baseado em problemas e orientado à comunidade. Avaliações realizadas em processo, referentes ao desenvolvimento do currículo, possibilitaram a identificação de limites e potencialidades da organização curricular, apontando a necessidade de aperfeiçoamento da proposta então vigente (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2015a). Além da revisão da estrutura curricular, houve também a reconstrução dos objetivos delineados pelo processo de mudança, através de duas oficinas de trabalho. A missão do Curso de Medicina fica assim definida: “Desenvolver elevados padrões de excelência no exercício da medicina, na geração e disseminação do conhecimento científico e de práticas de intervenção que expressem efetivo compromisso com a melhoria da saúde e com os direitos das pessoas” (KOMATSU, 2003; FEUERWERKER, 2002, p. 188). Em 2003, iniciaram-se mudanças para promover articulação e integração, tanto das disciplinas quanto das dimensões (psicológica, biológica e social), assim como maior integração teórico/prática e entre os cursos de Medicina e Enfermagem. Desse modo, houve um movimento para implementar um currículo integrado e orientado por competência com abordagem dialógica e, ainda, uma maior qualificação da avaliação dentro da proposta curricular. Essa nova formulação veio ao encontro das DCN para os cursos de graduação em medicina, estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC), com a proposta da articulação entre a formação e o mundo do trabalho (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2015a). Para tanto, foram estabelecidas as seguintes áreas de competência e os respectivos desempenhos: Área: Vigilância à Saúde – Sub-área: cuidado às necessidades individuais em todas as fases do ciclo de vida (• Realização de história clínica; • Realização de exame clínico; • Formulação do problema do paciente; • Investigação diagnóstica; • Elaboração e execução do plano de cuidado). Sub-área: cuidado às necessidades coletivas em saúde (• Formulação do problema do território; • Processamento do problema; • Elaboração e execução do plano de 32 intervenção). Área: Organização e Gestão do trabalho de Vigilância à Saúde (• Organização do trabalho em saúde; • Avaliação do trabalho em saúde) (KOMATSU, 2003). Dessa forma, os cursos buscaram a integração da teoria à prática, visando ao desenvolvimento de competência. Na literatura educacional, verificam-se três principais abordagens de competência: a abordagem condutivista, com foco no fazer, para se alcançar um resultado esperado, relacionando eficiência e adaptação para o mercado de trabalho (VALLE, 2003; LIMA, 2005; SOUSA; PESTANA, 2009); a abordagem funcionalista, centrada no que uma pessoa deve fazer ou deveria estar em condições de fazer a partir da definição de tarefas, sem que, necessariamente, se articulem atributos entre si (VALLE, 2003; LIMA, 2005; SOUSA; PESTANA, 2009) e a abordagem construtivista, orientada na combinação de conhecimentos, experiências e comportamentos em determinado contexto, validada quando aplicada em situação profissional, com a manutenção ainda de uma lista de atividades, visando ao alcance dos resultados (PEREIRA; RAMOS, 2006; BOUYX, 1998). Junto a essas abordagens, há a concepção dialógica, proposta originada na Austrália, voltada para o desenvolvimento de capacidades ou atributos (cognitivos, psicomotores e afetivos) que, combinados, conformam distintas maneiras de realizar, com sucesso, as ações essenciais e características de uma determinada prática profissional (LIMA, 2005; GONCZI, 2013). Essa concepção, além de levar em conta o contexto e a cultura do local de trabalho onde se dá a ação, procura incorporar a ética e os valores como elementos de desempenho e considera que seja possível ser competente de diferentes maneiras (PEREIRA; RAMOS, 2006). Assim, diferentes combinações podem compor os padrões de excelência que regem a prática profissional, permitindo que as pessoas desenvolvam um estilo próprio, adequado e eficaz para enfrentar situações profissionais. Dessa forma, no desempenho perante novas situações, o profissional pode utilizar conhecimentos e habilidades com novos significados, por meio do conjunto de seus valores pessoais (LIMA, 2005). A avaliação da competência é inferida, então, pela observação dos desempenhos em cada uma das tarefas propostas, desenvolvidas em um grau crescente de autonomia ao longo do curso. Atualmente são definidas as ações, tarefas e desempenhos, organizados por quatro áreas de competência: Área vigilância à saúde: subárea cuidado às necessidades individuais em todas as fases do ciclo de vida; Área vigilância à saúde: subárea cuidado às necessidades coletivas em saúde; Área: organização e gestão do processo de trabalho em saúde e Área: investigação científica (FACULDADE DE MEDICINA DE MARILIA, 2015a). Abaixo, encontram-se os quadros 1 e 2, que mostram, respectivamente, os desempenhos conforme as 33 áreas de competência e o desenvolvimento (graus de autonomia e domínio), conforme as áreas de competência, do curso de medicina. Quadro 1 - Desempenho conforme áreas de competência. Área vigilância em saúde – subárea: Cuidado das necessidades individuais em todas as fases do ciclo de vida Ações Mobilização articulada dos Recursos para execução da tarefa Identifica Necessidades de saúde História Clínica Estabelece uma relação ética, respeitosa e cooperativa com a pessoa/acompanhante, utilizando linguagem compreensível e postura acolhedora que favoreçam o vínculo. Identifica necessidades de saúde, considerando os aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais, favorecendo o relato do contexto de vida da pessoa/família. Obtém dados relevantes da história clínica de maneira empática e cronologicamente organizada. Esclarece dúvidas e registra informações de forma clara e orientada às necessidades relatadas e percebidas. Exame Clínico Cuida da privacidade e do conforto da pessoa; explica e orienta sobre os procedimentos a serem realizados; adota medidas de biossegurança. Age de forma empática e com segurança em situações de recusa ou de falha na utilização de equipamentos, buscando alternativas. Mostra destreza e técnica adequada no exame clínico e na tradução e interpretação dos sinais identificáveis. Formula e processa o problema Hipóteses diagnósticas Integra e organiza os dados obtidos na história e exame clínicos, elaborando hipóteses diagnósticas fundamentadas na aplicação do raciocínio clínico-epidemiológico do processo saúde-doença, considerando também os problemas que requerem intervenção de educação em saúde. Informa suas hipóteses e a investigação necessária para a formulação do problema de forma ética, empática e compreensível à pessoa/acompanhante. Investigação Diagnóstica Solicita e interpreta recursos complementares para confirmar ou afastar as hipóteses elaboradas (exames, visita domiciliária, obtenção de dados com familiares/cuidadores/outros profissionais); justifica suas decisões baseando-se em princípios éticos e em evidências, considerando a relação custo/efetividade, o acesso e o financiamento dos recursos. Elabora, executa e avalia o plano de cuidado Plano de cuidado Elabora e executa um plano de cuidado e terapêutico que inclua as ações de educação em saúde, considerando princípios éticos, as evidências encontradas na literatura, o contexto de vida da pessoa/família o grau de autonomia destes e a situação epidemiológica do município; envolve outros membros da equipe ou recursos comunitários quando necessário; contempla ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde; considera o acesso e o grau de resolubilidade dos diferentes serviços de atenção à saúde ao referenciar/contrarreferenciar a pessoa. 34 Área: vigilância em saúde – subárea: Cuidado das necessidades coletivas em saúde Ações Mobilização articulada dos recursos para execução da tarefa Identifica necessidade de saúde Inquérito populacional/ investigação epidemiológica Coleta dados primários (por amostra) e utiliza dados secundários para análise e priorização das necessidades coletivas de saúde, incluindo as necessidades de educação em saúde. Na coleta de dados primários, estabelece uma relação ética, respeitosa e cooperativa com o entrevistado, utilizando linguagem compreensível e postura acolhedora que favoreçam o vínculo. Formula e processa o problema Diagnóstico Situacional Utiliza as ferramentas do planejamento estratégico situacional para explicar o problema, identifica nós críticos e elabora alternativas de intervenção sobre o(s) problema(s) selecionado(s), considerando-se o contexto e as distintas explicações dos atores envolvidos. Elabora, executa e avalia o plano de intervenção Plano de intervenção Elabora e executa ações, considerando critérios éticos e de viabilidade, factibilidade (recursos e parcerias) e vulnerabilidade do plano, com avaliação contínua, prestação de contas e ajuste do plano conforme as condições do contexto. Área: organização e gestão do processo de trabalho em saúde Ações Mobilização articulada dos recursos para execução da tarefa Organiza e elabora o trabalho em saúde junto à equipe Operação no Coletivo Organizado Participa da cogestão do processo de trabalho de modo a produzir bens/serviços necessários à saúde da população, compreendendo a equipe constituída de sujeitos com autonomia/liberdade e compromisso/responsabilidade na tomada de decisão. Planeja o processo de trabalho junto à equipe Plano de Intervenção Participa da elaboração e execução do plano de trabalho no espaço coletivo da organização, na lógica da vigilância à saúde, considerando princípios éticos, envolvendo recursos e respeitando aspectos legais. Avalia o trabalho em saúde Sistematização das informações em saúde Avalia criticamente o processo, produto e resultados das ações desenvolvidas, utilizando indicadores de qualidade do serviço de saúde do qual participa para a tomada de decisão; propõe ações de melhoria; faz e recebe críticas respeitosamente. 35 Área: iniciação científica Ações Mobilização articulada dos recursos para execução da tarefa Identifica passos da pesquisa Escolha do tema Delimitação do tema Compreende a pesquisa como uma forma de propiciar o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem. Busca respostas para questões propostas, exigindo pensamento reflexivo e tratamento científico, incluindo critério e sistematização. Considera a relevância teórico-prática e disponibilidade de material bibliográfico ao escolher o tema. Formula projeto de pesquisa Introdução Objetivo Método Formula a pergunta da pesquisa. Define sua delimitação, importância/justificativa e apresentação sintética dos objetivos. Discute as estratégias de busca. Caracteriza o conjunto do acervo bibliográfico a ser consultado. Analisa criticamente as fontes bibliográficas. Explica os procedimentos metodológicos. Executa o projeto Busca e análise do material bibliográfico Interpretação crítica dos resultados Redação final Identifica, localiza e compila, de maneira sistemática, o material bibliográfico selecionado. Realiza fichamento com referência bibliográfica completa de fonte, de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), resumo da abordagem e comentário crítico. Realiza as técnicas escolhidas, coleta e interpreta os dados. Discute os resultados, confrontando-os com as referências bibliográficas. Elabora a análise e a redação final de acordo com o desenho metodológico do projeto de pesquisa. Fonte: Faculdade de Medicina de Marilia (2014b). 36 Quadro 2 - Desenvolvimento de tarefas conforme as áreas de atuação, segundo séries do Curso de Medicina. Fonte: Faculdade de Medicina de Marilia (2014b). As áreas de competência e os respectivos desempenhos e padrões de excelência foram estabelecidos de forma a orientar o planejamento e avaliação em todas as séries. Os desempenhos representam as tarefas chave que caracterizam e circunscrevem uma determinada profissão e as capacidades (atributos) utilizadas para a realização dessas tarefas. A orientação do currículo para o desenvolvimento de competências fortalece a utilização do ciclo ação- reflexão-ação, uma vez que define as ações (desempenhos) que devem ser desenvolvidas a partir da mobilização, ao mesmo tempo e corretamente, de diversos recursos (KOMATSU, 2003; FACULDADAE DE MEDICINA DE MARILIA, 2015a). A concepção pedagógica adotada considera o estudante como um sujeito ativo e participativo no processo de ensino-aprendizagem, considerando seu conhecimento prévio e promovendo condições para o aprender a aprender, buscando com isso que a aprendizagem seja significativa, ou seja, que haja nela a correlação teórico-prática (FRANCISCO; TONHOM, 2012, p. 61). Portanto, os cenários eleitos devem possibilitar ao estudante o uso de estratégias de imersão na realidade para vivenciar e refletir sobre as situações a serem registradas como 37 conhecimentos adquiridos. A aprendizagem irá ocorrer quando a nova informação se relacionar à rede de significados que o estudante já possui (COLL; ALEMANY, 2000). Seguindo essas premissas, o desenho curricular dos dois cursos passa a ser composto de duas unidades horizontais anuais, a UES e a UPP. Na UES, o estímulo para a aprendizagem é uma representação da realidade, por meio de um problema de papel, previamente construído pelos docentes ou responsáveis (Equipe de Construção da UES). A seleção dos problemas se dá a partir de casos reais e prevalentes e sua análise permite a exploração integrada de conteúdos de diversas disciplinas, articulando os aspectos das dimensões social, psicológica e biológica. O processo de aprendizagem ocorre, fundamentalmente, em grupo, em média de oito estudantes por tutor, realizado a partir da ativação dos conhecimentos prévios, da identificação de necessidades de aprendizagem e pelo desenvolvimento da capacidade de mobilizar antigos e novos conhecimentos, construindo uma nova síntese que possa ser aplicada a outras situações. Em ABP, a seguinte sequência de passos é aconselhada: 1. Momento em que os participantes tomam ciência dos dados do problema a partir da leitura individual e/ou grupal. As informações devem ser retidas pelos estudantes, condição básica para participação ativa e discussão. 2. Esclarecimentos de termos pouco conhecidos e de dúvidas sobre o problema. 3. Momento em que todos devem expressar suas ideias sobre o problema (brainstorming), levantando hipóteses. 4. Confirmação ou exclusão das ideias/hipóteses identificadas, utilizando as experiências e os conhecimentos prévios. Os elementos que faltarem para confirmar ou excluir essas ideias/hipóteses são as lacunas de conhecimento. 5. Elaboração das questões de aprendizagem, baseadas nas lacunas de conhecimento, com a discussão das estratégias de busca. 6. Busca das respostas às questões elaboradas, utilizando as fontes de recursos mais apropriadas para exploração do problema. 7. Compartilhamento de informações obtidas e a aplicação na compreensão do problema. Momento de reconstrução do conhecimento inicial. Devem ser reconhecidos os aspectos que não foram adequadamente explorados para incursões complementares. 8. Momento de avaliação de desempenho, contemplando autoavaliação, dos pares, do grupo e do processo tutorial (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014b). A UPP caracteriza-se pela inserção do estudante em cenários reais, possibilitando a aprendizagem a partir da ação. Uma conquista importante é que o cenário de UPP passa a ser, nos dois primeiros anos dos cursos, as Unidades de Saúde da Família (USF), com integração de estudantes de medicina e enfermagem (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014b). Vale dizer aqui que o planejamento, em 2001, não viabilizava que todos os estudantes 38 participassem das USFs por não haver, na época, equipes suficientes para recebê-los; era feito um rodízio entre USF e Unidades Básicas de Saúde (UBS) (FEUERWERKER, 2002). Na terceira série, as atividades se desenvolvem no cenário hospitalar e ocorrem nas enfermarias de pediatria, ginecologia e obstetrícia, clínicas médica, cirúrgica e psiquiatria. Na quarta série, a UPP se desenvolve na atenção primária e em ambulatórios de saúde da criança, do adulto e da mulher, além do primeiro contato no ambulatório de cirurgia ambulatorial. Na quinta e na sexta série as atividades estão divididas em estágios integrados e em regime de internato (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014b). Na UPP, desenvolve-se o que é chamado de ciclo pedagógico. A vivência da prática configura-se no encontro entre o sujeito da aprendizagem e a realidade social, em cenários reais da atenção primária à saúde, ambulatórios ou hospitais, e é compartilhada pelo estudante com seu grupo por meio de narrativa reflexiva no ciclo pedagógico na UPP. A partir da problematização das situações relatadas, é construída uma síntese provisória, tendo por base os desempenhos do ano de graduação, incluindo a identificação dos conhecimentos prévios dos estudantes e a elaboração das questões de aprendizagem. O próximo momento é a busca qualificada, em que o estudante parte das questões de aprendizagem e realiza o estudo individual, com análise de informações e fontes, requerendo reflexão crítica. O momento seguinte ocorre em grupo, com o fechamento do ciclo, quando é realizada a socialização das informações encontradas, buscando-se a articulação e a reflexão sobre a prática profissional, com a intenção de transformá-la, fechando-se com a elaboração da nova síntese. Ao final de cada encontro, deve ser feita pelos integrantes do grupo a autoavaliação, a avaliação do grupo e da própria atividade realizada, além da avaliação do desempenho nos cenários de prática profissional (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014b). Todas essas etapas compõem o ciclo pedagógico da Unidade Educacional e deverão compor o portfólio. O portfólio reflexivo é um instrumento de diálogo entre o professor e o estudante à medida em que é compartilhado com o professor e enriquecido por novas informações, novas perspectivas e continuado suporte afetivo e pessoal para a formação profissional, auxiliando na sistematização da avaliação processual das experiências de ensino- aprendizagem. O uso do portfólio na UPP é uma estratégia que potencializa a reflexão sistematizada sobre as práticas desenvolvidas, assegurando a construção do conhecimento, do desenvolvimento pessoal e profissional dos envolvidos (docentes e discentes). O portfólio ainda se constitui em um instrumento que facilita os processos avaliativos, tanto a autoavaliação como a avaliação formativa realizada pelo professor, permitindo, em tempo hábil, equacionar conflitos cognitivos, afetivos e psicomotores dos estudantes e garantindo condições de 39 desenvolvimento progressivo da autonomia e da identidade do estudante (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2016a). Desde a primeira série, os estudantes desenvolvem atividades do LPP, cenário simulado, de apoio à UPP. Nesse contexto, busca-se oferecer situações com cenários e pacientes os mais próximos possíveis da realidade vivenciada pelo estudante na UPP (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014b). A Unidade Educacional Eletiva (UEE) é desenvolvida a partir da segunda série, em períodos do ano pré-determinados, oferecendo ao estudante a oportunidade de participar ativamente da construção curricular, escolhendo e definindo áreas de interesse, de fragilidade e de aprofundamento do seu conhecimento e desenvolvimento dos diversos recursos (cognitivos, psicomotores e afetivos) (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2015c). O restante do tempo que integraliza a grade horária de 40 horas semanais é computado como tempo para o estudo autodirigido para que o estudante possa se dedicar à busca de informações, estudo, pesquisa e preparação do material necessário ao seu desempenho nas atividades em grupo e sua autoaprendizagem (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014b). Assim, a estrutura curricular do curso encontra-se organizada no quadro abaixo: Quadro 3 - Grade curricular do curso de medicina. 1ª série Necessidades de Saúde 1 Unidade de Prática Profissional 1 2ª série Necessidades de Saúde 2 Unidade Educacional Eletiva Unidade de Prática Profissional 2 40 3ª série Necessidades de Saúde 3 Unidade Educacional Eletiva Necessidades de Saúde 3 Unidade de Prática Profissional 3 Unidade de Prática Profissional 3 4ª série Unidade Educacional Eletiva Atenção às necessidades de saúde do indivíduo, família e comunidade, no modelo de vigilância à saúde Unidade de Prática Profissional 4 5ª série Saúde do Adulto I Saúde Materno- Infantil I Unidade Educacional Eletiva 6ª série Saúde do Adulto II Saúde Materno- Infantil II Unidade Educacional Eletiva Fonte: Faculdade de Medicina de Marilia (2016b). O sistema avaliativo procura guardar coerência com os princípios curriculares, visando à melhoria do processo de ensino-aprendizagem (avaliação formativa) e à verificação do alcance das propostas das unidades educacionais (avaliação somativa). Os Critérios de Progressão, de acordo com o Regimento Interno da Famema, determinam a verificação do rendimento escolar no término das unidades de cada série por meio de elementos comprobatórios do alcance dos objetivos educacionais estabelecidos para aquelas unidades; que a avaliação do rendimento escolar se procede mediante os conceitos Satisfatório e Insatisfatório; para fins de progressão para a série posterior, o estudante deve obter Conceito Satisfatório em todas as unidades da série anterior; o Conceito Insatisfatório prevê um plano de recuperação e nova avaliação durante a unidade subsequente, no final desta e no período de férias; é obrigatória a frequência mínima de 75% nas atividades programadas de cada unidade educacional, sendo reprovado o estudante que não a cumprir, independentemente dos demais resultados obtidos (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 1999). 41 Desse modo, todo o processo de avaliação realizado pelos estudantes conta com instrumentos formativos e somativos. A avaliação contempla formatos e instrumentos e, no curso de medicina, são utilizados: A) Avaliação do estudante: Formatos de avaliação do desempenho do estudante em Unidades Educacionais (UES, UPP, UEE), Portfólio reflexivo, Exercício de Avaliação Cognitiva (EAC), Exercício de Avaliação da Prática Profissional (EAPP), Iniciação Científica, Teste de Progresso, Autoavaliação e avaliação pelos pares e pelo professor ao final de cada atividade, sendo estas verbais. B) Avaliação do Professor: Formato de avaliação de desempenho do professor; Autoavaliação e avaliação pelos estudantes ao final de cada atividade, sendo estas verbais. C) Avaliação do Processo de Ensino-Aprendizagem: Formato de avaliação da UES e UPP, preenchido pelos estudantes e pelos professores; Formatos da UEE, do EAPP e do EAC, avaliados pelo estudante (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2015a). A compreensão da avaliação engloba seu caráter dinâmico e é realizada em diferentes momentos do processo. Deve incluir aspectos cognitivos, atitudinais e habilidades inerentes à prática profissional. No processo avaliativo, o professor também é avaliado, assim como a unidade educacional, buscando revelar pontos fortes e fragilidades para melhora contínua. É um processo que exige adaptação e disponibilidade de todos os sujeitos envolvidos, quer sejam professores ou estudantes. De acordo com Francisco e Tonhom (2012, p. 23): “o novo papel do professor constitui um desafio, em que a orientação e facilitação do processo passam a ser sua principal meta, mediando a relação entre o sujeito que aprende e o objeto a ser apreendido”. O perfil docente é definido no Projeto Pedagógico do curso como aquele que tenha conhecimento do currículo como um todo e apreensão das metodologias em uso na Instituição. Além disso, seu papel de mediador de processos grupais solicita que tenha capacidades para essa dinâmica e habilidades de comunicação. Nesse sentido, apresenta-se a necessidade de um compromisso constante com sua formação e educação (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2014b). No que tange ao Desenvolvimento Docente, a Famema conta com o PDD para sua formação. Para os discentes, são ofertados o Programa de Orientação de Estudantes (POE) e o Núcleo de Apoio ao Discente (NUADI). O POE tem como objetivo o acompanhamento e apoio à vida acadêmica dos estudantes, por um docente orientador, favorecendo a elaboração e o desenvolvimento de planos individuais de aprendizagem. O NUADI tem como objetivo atuar 42 junto ao corpo discente no atendimento, orientação e encaminhamento psicológico, apoio social e orientação psicopedagógica (FRANCISCO; TONHOM, 2012). De acordo com Komatsu (2003), a missão institucional explicita o sentido do que é realizado por todos na organização, independentemente da ocupação, cargo ou lugar na hierarquia. Orienta a definição de uma visão estratégica e a determinação dos macros objetivos que norteiam os projetos e atividades que deverão ser planejados de maneira a integrar todas as ações institucionais. A Famema apresenta, hoje, como missão, “Formar profissionais comprometidos com as necessidades de saúde das pessoas segundo os princípios do SUS e prover cuidados pautados na integração, ensino, pesquisa e assistência” (FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA, 2016c, [tela 1]). Isso coincide com o momento de mudanças, relacionadas ao contexto educacional, coerente com as DCN. Para as escolas de formação em Saúde, segundo Silva et al. (2008, p. 27), “o desafio colocado é de ampliação do papel formador, ressignificando-o para atender as necessidades sociais das pessoas e da sociedade”. O enfoque, então, se dá sobre os processos de construção de novos sentidos, que demandam esforços singulares. 1.3 Educação médica: transformando-se para atender as necessidades de saúde Reconhece-se que o processo de formação do médico vem sendo produzido em meio à constituição da medicina, como prática e como ciência, refletindo as opções feitas em relação ao profissional que se deseja formar. No Brasil, as produções em torno da mudança na formação dos profissionais de saúde foram crescentes após o impulso de políticas e programas de parceria entre o Ministério da Saúde (MS) e o MEC. Diversas experiências, financiadas ou não, têm gerado novas formas de pensar e de organizar o processo formativo (TEÓFILO; SANTOS; BADUY, 2016). A revolução de 1930 significou o início de profundas transformações no país que repercutiram em sua estrutura educacional. Na época, estavam constituídas 12 escolas médicas, todas elas públicas. De 1930 a 1960, foram fundadas mais 19 escolas, sendo a maioria públicas (BATISTA; SILVA, 1998). A segunda grande expansão ocorreu no período de 1967 a 1971 sob a justificativa do desenvolvimento econômico da época, a pressão pela democratização da universidade e a carência de profissionais médicos no país, que se alinhava ao contexto vivenciado pela América Latina. Em apenas cinco anos, o número de escolas médicas passou de 40 para 72, 43 correspondendo a um aumento de 80%. No período de 1967 a 1972, foram criadas e implantadas 32 escolas médicas no Brasil, com predomínio da região sudeste (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). Inverte-se drasticamente na época a intensa presença da natureza pública das instituições, visto que no início da década de 60 havia apenas quatro escolas médicas particulares. Em 1979, de 72 instituições, 40 eram particulares (BATISTA; SILVA, 1998). A lógica dessa expansão foi a do mercado, concentrando-se as novas escolas nas regiões mais desenvolvidas do país. Em termos pedagógicos, predominava o modelo tradicional de ensino, fragmentado em grande número de disciplinas, centrado na doença e tendo como principal cenário de ensino o hospital escola e sua organização (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). O ensino médico da primeira metade do século XX teve como marco mais significativo, em nível mundial, os reflexos das ideias contidas no relatório Flexner, publicado em 1910. Esse resultou de um estudo realizado em todas as escolas da América do Norte e implicou a diminuição quantitativa de escolas médicas americanas, sendo modelo predominante em várias faculdades de medicina do mundo. Trouxe como pontos a serem defendidos: inserção das escolas médicas em estruturas universitárias; a constituição do corpo docente permanente e dedicado às atividades de ensino e pesquisa; o hospital universitário como centro da formação médica; a formação dos estudantes centrada no estudo das doenças e não na assistência aos enfermos; criação do ciclo básico diferenciado do ciclo profissional ou clínico (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). No âmbito do modelo proposto no relatório Flexner, os cursos de medicina deveriam ter primeiro o conhecimento do homem biológico (ciclo básico), seguido do ciclo clínico e, finalmente, o treinamento em serviço - o internato - sob supervisão dos docentes, com duração mínima de dois semestres (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). Segundo Almeida Filho (2010), do ponto de vista concei