RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores A relação afetiva com a leitura: memórias de professores Eliane Aparecida Galvão Ribeiro FERREIRA 1 Thiago Alves VALENTE 2 Resumo: Na área de Humanidades, sobretudo em Letras, pode causar estranhamento que se realize pesquisa voltada à constituição de banco de dados. Pode-se imaginar, a princípio, que se tenta submeter conceitos complexos como “literatura”, “leitura” e “letramento” a quantificações. Contudo, é preciso notar que a formação desses bancos pode contribuir para a consolidação de redes de pesquisa, com consequente troca de informações e referências, entre pesquisadores das mais diversas e distantes regiões do país. Justamente devido a essa espacialidade diversa, propiciar que as unidades da Federação percebam suas condições de pesquisa e desempenho em determinadas áreas traz elementos significativos para o avanço dos trabalhos científicos e culturais. No caso desta pesquisa, objetivou-se expor sucintamente alguns indícios sobre memórias de leitura de professores da área de Letras, da região conhecida como Norte Pioneiro, do Estado do Paraná e da região limítrofe com aquela, demarcada pelos municípios paulistas de Assis e Ourinhos, no Estado de São Paulo, inscritos em um curso de especialização, que contemplassem obras de literatura juvenil. Palavras-chave: literatura; memória afetiva; especialização; Paraná; São Paulo. Abstract: In the area of humanities, especially in Literature, can cause estrangement that perform research related to the creation of the database. It can imagine at first that tries to bring complex concepts such as "literature", "reading" and "literacy" to quantifications. However, it should be noted that the formation of these banks can contribute to the consolidation of research networks, with consequent exchange of information and references, including researchers from different and distant regions of country. Precisely because of this diverse spatiality, providing that the Federation units realize their research capacities and performance in certain areas brings 1 Profa. Dra. da Universidade Estadual Paulista (UNESP-Assis) e da Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA). É membro do Grupo de Pesquisa “Crítica e Recepção Literária” (CRELIT), onde atua na Linha 2: “Literatura Infantil e Juvenil Brasileira – crítica literária”; e do Grupo de Pesquisa “Leitura e Literatura na Escola” (UNESP-Assis). 2 Prof. Dr. da Universidade Estadual do Norte do Paraná. É membro do Grupo de Pesquisa “Crítica e Recepção Literária” (CRELIT), onde atua na Linha 2: “Literatura Infantil e Juvenil Brasileira – crítica literária”; e do Grupo de Pesquisa “Leitura e Literatura na Escola” (UNESP-Assis). 6 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores significant elements for the advancement of scientific and cultural. In the case of this research aimed to briefly describe some clues about memories of reading teachers in the Literature, the region known as Norte Pioneiro, of Paraná State and the neighboring region with that, demarcated by the counties between Assis and Ourinhos from São Paulo State, enrolled in a specialized course, to contemplate works of juvenile literature. Keywords: literature; affective memory; expertise; Paraná; São Paulo. Introdução Conforme Ítalo Calvino (2000, p.13), o livro que o leitor torna “seu”, pela escolha e uso ao longo do tempo, ocorre somente por meio das leituras desinteressadas. Essas obras passam a constituir sua memória afetiva, atuando como parâmetro de qualidade com o qual defrontam leituras futuras. Embora Calvino (2000, p.12) afirme que as leituras da juventude caracterizam-se por serem pouco profícuas pela “[...] impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida [...]”, é inegável que atuem no imaginário do leitor como formativas. Isso se deve ao fato de constituírem as experiências futuras, “[...] fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escala de valores, paradigmas de beleza, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude”. Para o autor, esses livros se impõem como inesquecíveis, mesmo quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual. Relendo-os na idade madura, o leitor reencontra constantes que já fazem parte de seus mecanismos interiores e cuja origem havia esquecido. Observar a memória de mediadores de leitura permite perceber algumas nuances relevantes sobre a relação mais íntima do leitor em formação com os livros. De acordo com Andréas Huyssen (1997, p.20), na nossa sociedade teconológica, pós-industrial, classificada como pós-moderna, a valorização da memória é sinal potencialmente saudável de contestação. Sobretudo, do hiperespaço informacional, é uma “[...] expressão da necessidade humana básica de viver em estruturas de temporalidade de maior duração”. Para a consecução desse objetivo, foram considerados os registros realizados por meio de uma atividade bem simples realizada durante um curso de especialização na Universidade Estadual do Norte do Paraná, campus de Jacarezinho. Para tanto, partiu-se da hipótese de que a leitura, como produção de sentidos, permite emergir a biblioteca vivida, a memória de 7 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores leituras anteriores e de dados culturais. Justamente, é esta memória que determinará e norteará o trabalho do mediador em sala de aula. Livros, leitores e memória afetiva hoje Na pós-modernidade, conforme Sanfelice (2009), há notório financiamento internacional da educação pela intervenção das agências mundiais na estruturação dos sistemas de ensino. Assim, instaura-se uma nova subjetividade, em que prevalece a “[...] perda de qualquer senso ativo de história, seja como esperança, seja como memória. É um perpétuo presente que, na era do satélite e da fibra ótica, impõe o espacial dominando o imaginário” (2009, p.6). Nessa ordem, que resiste a qualquer controle ou significado, o sujeito torna-se superficial, inseguro, marcado por depressões e mudanças de humor: eufórico nas corridas pelo consumo e pelo espetáculo; e depressivo, pois posto diante de um vazio niilista resultante da privação de historicidade. Justifica-se, então, que se visasse levantar, nos relatos dos professores, a ocorrência de obras que compõem a história cultural a que pertencem. Silvio Sánchez Gamboa afirma que, com a perda da importância do Estado-Nação na pós-modernidade, novos espaços de poder são articulados e categorias como nacional, regional, local cedem lugar ao transnacional e ao transcultural. Surge, então, um “Proto- Estado-Global” que representa os interesses da nova divisão de classes da sociedade global, na qual prevalece a divisão internacional do trabalho. De acordo com essa divisão, cabe à América Latina o papel formador do homo faber, concebido como “capital humano” (2009, p. 96-7). Assim, aos países latino, periféricos, distantes de inovações científico-tecnológicas, é atribuída, ainda que subrepeticiamente, o fornecimento, além de matéria-prima, de “[...] força de trabalho tecnificada e barata e condições favoráveis de leis menos exigentes quanto à conservação de meio ambiente e isenções de impostos que garantam melhores lucros.” (GAMBOA, 2009, p.99). Justifica-se, então, que os investimentos capitalistas desses países direcionem-se para treinamentos técnico-profissionais. Desse modo, a pós-modernidade corresponde a um momento em que, pela escalada da violência, inclusive nas escolas, pela fome, marginalização e miséria, com a perda do estado de bem-estar, haja, segundo Gamboa (2009, p.101), um avanço da barbárie em proporções mundiais. Em consonância com Antônio J. Severino (2006, p.65), nesse cenário de degradação do humano ocorre a desumanização. Desse modo, não há realização para a maioria das 8 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores pessoas, por causa da ausência de trabalho ou a degradação de suas condições. Como a participação dos indivíduos na política é muito precária, eles sofrem os mais variados processos de opressão social, tendo seus direitos vilipendiados. Por sua vez, a alienação cultural priva a maioria do exercício e do usufruto dos bens simbólicos de sua cultura, restringindo o potencial de subjetividade. Para Ezequiel Theodoro da Silva, a década de 1990 e o ano de 2000, estão marcados pela desilusão no que concerne à educação e à leitura. Esse sentimento advém da constatação de que a redemocratização do país, com o término da ditadura militar, as eleições democráticas de presidentes e a globalização não asseguraram conhecimento e cidadania, termos muito utilizados, então, pelas políticas educacionais brasileiras. Sem cair em culpas e vitimizações, Silva afirma que caminhamos pouco em direção a uma sociedade democrática na qual circulam diferentes tipos de materiais escritos, inclusive virtuais, entre as classes sociais. No centro dessa desilusão, estão os fatores da crise estrutural, como desemprego, aumento da miséria e da criminalidade, reprodução de injustiças, corrupção, impunidades etc., e ausência de compromisso com soluções para a problemática escolar da esfera pública. A ideologia neoliberal, “[...] comprometida com o capitalismo internacional, com a instalação de mercados em todas as áreas sociais [...]” (2009, p.150), gera distâncias cada vez maiores entre as elites e o restante da população. Mesmo no cenário da pós-modernidade, pode-se notar melhoria na produção de livros da literatura juvenil a partir da década de 1990. Entretanto, na atualidade, o meio empresarial e o publicitário procuram justificar a existência do consumo como algo exclusivo de caráter pessoal. O produto gerado é decorrente da vontade do consumidor. Ora, a publicidade trabalha justamente no sentido de promover com eficácia desejos e necessidades sobre produtos supérfluos. Entre os supérfluos, destacam-se os que favorecem o entretenimento. Os livros convertidos em modismo passam a integrar esse grupo. Em sua versão mundializada, produzem uma memória coletiva que, ideologicamente, enfatiza a necessidade de diversão sobre a das lembranças de conflitos registrados pela história entre os diferentes povos. Desse modo, na cultura mundializada, a memória nacional fica relegada ao segundo plano. Contudo, ao se refletir sobre a construção da memória nacional, pode-se relembrar que ela também se realiza por meio do esquecimento, da amnésia seletiva que o Estado e a escola produzem. Alguns livros são eleitos para o espaço escolar porque registram elementos que apaziguam ou eliminam os conflitos entre as classes sociais, entre grupos dominantes e dominados, etc. Essa amnésia se estende para a memória internacional-popular que não pode 9 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores ser a tradução de um grupo restrito, mas de uma dimensão planetária que encobre as diferenças entre classes sociais e nações. O esquecimento é acentuado, pois os conflitos mundiais são maiores e mais profundos do que os dilemas nacionais. Conforme Ortiz (2006, p.139), “[...] para garantir a ‘eternidade’ do presente, a memória internacional-popular deve expulsar as contradições da história, reforçando o que Barthes chamava de o mito da ‘grande família dos homens’.” Essa postura, explorada pela publicidade e pelas firmas transnacionais, constitui uma unidade mítica que justifica o fato de as necessidades básicas do homem serem as mesmas em todos os lugares, logo sua vida cotidiana se nivela às exigências universais de consumo, “[...] prontamente preenchidas em suas particularidades” (ORTIZ, 2006, p.139). De acordo com Andreas Huyssen, o privilegiamento da memória pode ser visto como uma crítica talvez justificável a um aparato acadêmico que produzia conhecimento histórico para seu próprio proveito, “[...] muitas vezes tendo dificuldade em manter laços vitais com a cultura circundante” (1997, p.16). Esse privilegiamento, de acordo com Huyssen , é paradoxal, pois nossa cultura mnemônica rejeita a ideia do arquivo, embora dependa dos conteúdos deles para sua própria sustentação. Assim, ela marca sua diferença vital em relação ao arquivo, insistindo na novidade que consiste em não fetichizar o novo, não celebrá-lo como utópico ou com um “outro” radical e irredutível, como aconteceu no modernismo. A crítica à nossa cultura divide-se em duas acusações: obsessão pela memória e amnésia produzida pela cultura de massa. Entretanto, Huyssen afirma que a memória não pode ser concebida como um antídoto à reificação capitalista produzida através da mercadoria, nem como uma forma de rejeição à gaiola de ferro da homogeneidade da indústria da cultura e dos mercadores de consumidores. Antes, ela representa uma tentativa de diminuição do ritmo do processamento de informações, de resistência à dissolução do tempo na sincronicidade do arquivo, “[...] de descobrir um modo de contemplação fora do universo da simulação, da informação rápida e das redes de TV a cabo, de afirmar algum “espaço- âncora” num mundo de desnorteante e muitas vezes ameaçadora heterogeneidade, não- sincronicidade e sobrecarga de informações” (HUYSSEN, 1997, p.18). Segundo Huyssen é preciso superar as posturas que veem o futuro como superior ao passado, porque o relaciona a noções de progresso e harmonia entre os assuntos sociais e humanos, ainda, a postura nostálgica de que o passado agregava valores autênticos, pois quanto mais se convive com as novas tecnologias de comunicação e informação cyber-space, mais o senso de temporalidade é afetado. Para Huyssen, na “[...] visão distópica de um futuro 10 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores high-tech, a amnésia não seria mais parte da dialética entre memória e esquecimento. Ela seria seu “outro” radical, decretando o verdadeiro esquecimento da própria memória: nada para lembrar, nada para esquecer” (1997, p.20-1). A memória afetiva: uma leitura das leituras Em uma turma de especialização, pós-graduação lato sensu, de uma universidade pública da região conhecida como “Norte Pioneiro” do Estado do Paraná, a busca de aspectos que configurassem a memória de leitura do grupo manifestou-se em uma atividade que, embora com proposta bastante singela, pretendeu verificar a relação mais íntima do leitor com a obra literária. Ainda que, frequentemente, comprometida por um discurso pré-moldado pela ideologia escolar, ou seja, a afirmação de que todos os professores de língua portuguesa e/ou literatura gostam, apreciam e valorizam positivamente a leitura de literatura, a narrativa sobre a própria “história de leitura” deveria se dar mais no âmbito das impressões e recordações da infância e adolescência, permitindo que se entrevisse nos discursos questões geralmente escamoteadas pela consciência profissional e acadêmica. Diante desse objetivo, foi solicitada, no término de 2011, aos alunos de pós-graduação, a elaboração de uma memória de leitura atendendo aos seguintes critérios: 1) memória “livre”, sem consulta a registros ou relatos de parentes e amigos; 2) comentar obras que marcaram de alguma forma a infância e juventude e, por isso, determinaram a relação posterior com a leitura na idade adulta; 3) comentar mediações ou interferências que marcaram de algum modo a relação com a leitura e, principalmente, com a leitura de literatura; 4) destacar aspectos das obras que se apresentaram como condição para o relacionamento com a literatura; 5) apontar elementos contextuais que tenham sido relevantes para a formação como leitor. Havia 37 alunos presentes na aula no momento da aplicação da atividade, conjunto que, para fins de estatística, será considerado como 100% do corpus de análise. De modo geral, a maior parte dos pós-graduandos estava envolvida com alguma atividade letiva, atuando na rede de educação pública, tanto do Estado do Paraná, quanto do Estado de São Paulo. Do total dos participantes da atividade, 5 eram do sexo masculino e 32, do feminino. A singeleza da proposta não estava apenas no conteúdo, mas também na forma, pois não se requereu aos alunos quaisquer dados além do nome para identificação e discussão. A atividade ficou “em aberto” para aqueles que quisessem se manifestar em sala de aula. Isso 11 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores porque envolvia dimensões afetivas ou emotivas de grande apelo subjetivo, deixando a cada autor do texto a autonomia em relação à apresentação do relato ao grupo. Nesse sentido, o grupo heterogêneo – idades, profissões e experiências pessoais e profissionais diversas – tinha em comum o fato de estar constituído em um mesmo espaço e tempo por pessoas interessadas em temas como leitura, literatura e educação. É preciso destacar, porém, que ao requerer a digitalização dos textos e o envio por e-mail, alguns recorreram a consultas enciclopédicas, alterando o caráter inicial do relato – como estes disseram, posteriormente, queriam registrar “exatamente” quais eram as obras da adolescência, demonstrando que não privilegiaram o critério “livre”, conforme solicitação do professor. Entre os entrevistados, era unânime a afirmação de que tinham o hábito de leitura. Para justificar esta afirmação, indicaram como leituras da adolescência ou juventude 165 indicações que compõem suas memórias afetivas. Entre estas, pôde-se notar que eles inseriam contos, crônicas, peças de teatro, biografias, poesias, literatura infantil, Best sellers, diários e obras de autoajuda. De forma esparsa, dos 37 entrevistados, 10 (27%) entrevistados apontaram também revistas romanescas que são obtidas em bancas de revista. Destes, 5 indicaram Sabrina; três, Bianca; e dois, Júlia. A variedade dos títulos e a citação de livros não reconhecidos como legítimos quanto à literariedade demonstram que, apesar de muitos terem realizado algum tipo de edição no registro da memória que seria “livre”, ao levarem o trabalho para casa e digitá-lo, integraram- se plenamente à discussão sobre o tema “formação do leitor”. Tópico central da disciplina intitulada “Leitura e formação do leitor”, a abordagem sobre a relação pessoal daqueles que, hoje, são mediadores de leitura, com o objeto literário ocupou parte significativa dos encontros. Assim, gerou-se um clima ameno e, por vezes, descontraído, que permitiu aos alunos exporem leituras geralmente consideradas menos nobres no meio acadêmico. Lê-se, nos registros, por exemplo, um relato que aponta uma coleção intitulada “Momentos íntimos”, sem especificar obra alguma em especial, conotando que todas que a compõem são atraentes e fazem parte de sua memória afetiva. Nessa coleção, há obras de teor romântico que se aproximam daquelas narrativas encontradas nas bancas de revista. Entre as 165 indicações, oito (4,8%) referem-se ao gênero teatro; cinco pertencem a Shakespeare (1564-1616). Entre estas, foram listadas com uma indicação cada: Sonhos de uma noite de verão; Hamlet; Otelo; A tempestade; e com três indicações: Romeu e Julieta. As duas últimas peças foram indicadas sem a autoria. Somente uma peça de Martins Pena (1815- 1848) foi indicada, por um dos entrevistados, que também não mencionou a autoria: O juiz de 12 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores paz na roça. Ainda, o poema épico A divina comédia, de Dante Alighieri (1265-1321), e a tragédia grega de Sófocles (século V a.C.), Édipo rei, foram mencionados, a tragédia, entretanto, não recebeu autoria. No mercado editorial contemporâneo, as peças de Shakespeare costumam ser publicadas individualmente no formato livro destinado a jovens. Em geral, aparecem adaptadas sob a forma narrativa. A tragédia grega de Sófocles também é ofertada como um livro autônomo, às vezes, adaptada sob a forma narrativa para o público juvenil. Contudo, a peça de Martins Pena, bem como o poema épico de Dante, destinam-se ao público adulto, em especial, aos universitários do curso de Letras. No gênero poesia, entre as 165 indicações, apareceram somente duas (1,2%), uma de cada entrevistado: a obra Distraídos venceremos, de Paulo Leminski (1944-1989), e o poema “Via láctea”, de Olavo Bilac (1865-1918). O texto de Bilac, embora seja muito conhecido pelos mediadores, pois incorporado pelo prestígio do escritor em livros didáticos do ensino médio, no capítulo sobre Parnasianismo, não recebeu autoria. A obra de Leminski foi apropriada pelos jovens e, na internet, pode-se encontrar blogs que a comentam e avaliam. Curiosamente, duas indicações (1,2%) de obras de autoajuda, apontadas por dois entrevistados, tiveram suas autorias indicadas: A cabana, de William Young, e O segredo, de Rhonda Byrne. De fato, a primeira tem grande aceitação junto aos adolescentes, pelo enredo da perda de um ente querido, mas a segunda, destinada a mentalizações positivas para a obtenção de sucesso financeiro, atinge diretamente ao público adulto. Essas obras estão marcadas pelo modismo, configuram-se como Best sellers com vendas elevadas devido a agressivas estratégias de marketing, incluindo aparições em listas de obras mais vendidas publicadas por jornais e revistas com elevadas tiragens, como a Folha e a Veja. Vale destacar que, entre os best sellers, inseridos no gênero romanesco, nove (5,5%) obras foram indicadas por 10 alunos. Destes, oito apontaram uma obra cada: A cidade do sol e O caçador de pipas, ambas de Khaled Hosseini; A menina que roubava livros, de Markus Zusak; Anjos e Demônios e O código Da Vinci, ambas de Dan Brown; Melancia, de Marian Keyes; Médico de homens e de almas, de Taylor Caldwell; O mundo de Sofia, de Jostein Gaarder. Somente o livro As brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley, foi indicado por dois dos discentes, um deles não soube indicar a autoria. O mais indicativo da globalização e da internacionalização do mercado, em que a produção nacional torna-se desprestigiada graças às estratégias de comunicação dos oligopólios, aparece justamente nas autorias desses best sellers. Pode-se notar a ausência de produção brasileira. 13 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores O conjunto heterogêneo, sem que tenhamos acesso a dados pessoais dos alunos, revela que as obras atendem, pelas datas de primeira edição, a diferentes temporalidades do grupo. Entretanto, é notório que se lembrem dos clássicos e de gêneros de pouquíssimos leitores como o teatro: “Sonho de uma noite de verão (amei, ao ler eu imaginava a peça se desenrolando à minha frente, achei fantástico!)” 3 , conforme registra um dos alunos. Ao longo das discussões, notava-se a preocupação de frisarem que nem só de best sellers ou livros da série Vagalume suas experiências eram compostas. No relato a seguir, percebe-se que a leitora procura nos livros que denomina como best sellers e “filosofia espírita” um caráter utilitário, o que indicia, apesar de colocadas no conjunto “literatura”, aspectos que, para a aluna, fogem ao que seria estritamente “literário”: Terminei o segundo grau grávida da minha primeira filha, infelizmente tive que parar com os estudos por um tempo, mas nunca deixei de ler, pois já era um hábito que, hoje se tornou vício, daqueles que se não ler pelo menos umas quarenta páginas que seja antes de dormir o sono não vem. E como penso que cada leitor ao buscar um título por vontade própria, sem indicações de nenhum mediador, procura algo que se aproxime da realidade dele naquele determinado momento, procura algo no título ou no enredo em que se identifique, passei a ler best sellers e livros da filosofia espírita, dentre eles, O Mundo de Sofia (Jostein Gaarder), O código da Vinci, Anjos e demônios (ambos de Dan Brown), O Caçador de Pipas, A cidade do Sol (ambos de Khaled Hosseini), O Segredo (Rhonda Byrne), A menina que roubava livros (Markus Zusak), Médico de homens e de almas (Taylor Caldwell), que conta a história da vida de São Lucas, A Cabana (William Young), Melancia (Marian Keyes), este último acho que foi o mais deprimente. Alguns alegavam, de modo contundente, que os clássicos foram realmente as obras que lhes facultaram a entrada em um universo literário de valor. Nesse sentido, os 37 participantes da atividade, todos atuantes no interior paulista ou paranaense, enfatizavam, constantemente, o valor da leitura literária, valorizando positivamente, em grande parte do grupo, as experiências da infância e adolescência com a leitura. Um dos alunos, por exemplo, deixa patente que o contato com obras canônicas foi, definitivamente, o momento de ingresso no universo literário: No Ensino Fundamental, os professores também não se preocupavam com a leitura, quando passei para o Ensino Médio fiquei muito encantada quando nos estudos introdutórios da Literatura, pude conhecer um pouco mais da vida de alguns autores, vários deles, autores das minhas poesias prediletas. Foi no ensino Médio que os professores passaram a cobrar a leitura de alguns clássicos como: A Moreninha, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, O Cortiço, O primo Basílio, 3 As citações dos relatos foram registradas conforme texto original. 14 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores Vidas Secas, Iracema... livros esses que a maioria dos vestibulares exigiam como leitura. Também dois entrevistados indicaram cada um duas (1,2%) obras híbridas compostas por contos e crônicas: Boca de luar, de Carlos Drummond de Andrade, e O homem nu, de Fernando Sabino. Essas obras vêm merecendo publicações com capas mais jovens destinadas aos adolescentes. Revelando a dificuldade de distinção entre literatura juvenil e infantil, seis entrevistados apontaram cada uma das seis (3,6%) obras como juvenis, embora sejam infantis: A casa sonolenta, de Audrey e Don Wood; A menina arco-íris, de Marina Colasanti; Pituca e a chuva, de Luís Brás; Duas histórias de pernas finas, de Sylvia Orthof; Suriléia, mãe- monstrinha, de Eva Furnari; e Quem conta um conto aumenta um ponto, de Raimundo M. de Leão. Entre essas obras, somente a de Marina Colasanti teve a autoria indicada. A relatividade daquilo que se concebe por “infantil” ou “juvenil” pode ser atestada no relato a seguir, em que a aluna consegue dimensionar temporalmente as obras que mais apreciou: Com onze anos li toda a coleção de Arthur Conan Doyle, “Sherlock Holmes”, me apaixonei pelo raciocínio lógico que despertava os romances policiais. Lia também Lia Bojunga, Cecília Meireles e Lígia Fagundes Telles. Depois de ter lido “Confissões de Adolescente” e “A marca de uma lágrima”, livros que minha irmã guardava com carinho. Logo os livros infanto-juvenis dela acabaram, e o único livro que eu não havia lido, mas acabei lendo por não ter mais escolhas, foi um exemplar de capa dura todo empoeirado que não saía da estante. Um livro muito grosso e de capa vermelha: “Capitães da Areia” de Jorge Amado. Acredite, não entendi muita coisa, não tinha embasamento nem preparo para uma linguagem tão difícil para a fase em que me encontrava. Deixei-o de lado e li Monteiro Lobato, Bisa Bia, Bisa Bel. Aos quatorze anos li “Vidas Secas”, já entendi melhor a linguagem objetiva de Graciliano Ramos. No Ensino Médio tive contato com os demais Clássicos e me apaixonei pelos contos de Machado de Assis. Pode-se notar, pelo relato, que Lygia Bojunga Nunes (1932-), Monteiro Lobato (1882- 1948) e Cecília Meireles (1901-1964), além de uma obra, no caso, Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado, são mencionados. Contudo, não se coloca autoria na obra de Ana Maria Machado, nem se menciona quais obras de Lobato, de Cecília Meireles e de Bojunga. Isto significa que esses autores não compuseram de fato a memória afetiva dessa aluna. Definidas como clássicas, os 37 entrevistados apontaram 71 obras que, como foram indicadas por mais de um sujeito, resultaram em 156 ocorrências. Entre as que receberam 15 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores somente uma menção, apareceram 30: A cidade e as serras, de Eça de Queirós (1845-1900) 4 ; A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera (1929-); A normalista, de Adolfo Caminha (1867-1897); A pata da gazela, Ubirajara e Diva, as três de José de Alencar (1829-1877); A paixão segundo G. H. e Perto do coração selvagem, ambas de Clarice Lispector (1920-1977); A volta ao mundo em oitenta dias, de Júlio Verne (1828-1905); Amor nos tempos do cólera, Memórias de minhas putas tristes e Cem anos de solidão, as três de Gabriel G. Márquez (1927-); Anna Karenina, de Tolstoi (1828-1910); As horas nuas, Seminário dos ratos, Venha ver o pôr-do-sol, Verão no aquário e As meninas, as cinco de Lygia Fagundes Telles (1923-); Brás, bexiga e barra funda, de Alcântara Machado (1901-1935); Caramuru, de Frei Santa Rita Durão (1722-1784); Casa de pensão e O mulato, ambas de Aluísio de Azevedo (1857- 1913); A dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho (1824-1895); Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago (1922-2010); Incidente em Antares e O tempo e o vento, ambas de Érico Veríssimo (1905-1975); Inocência, de Taunay (1843-1899); Manuelzão e Miguilim, de Guimarães Rosa (1908-1967); Dom Quixote, de Cervantes (1547-1616); A Mulher de trinta anos, de Balzac (1799-1850); O ateneu, de Raul Pompéia (1863-1895); O conde de Monte Cristo e Os três mosqueteiros, ambas de Alexandre Dumas (1802-1870); O moço loiro, de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882); O noviço, de Martins Pena; Os maias, de Eça de Queirós; O fantasma de Canterville, de Oscar Wilde (1854-1900); O processo, de Franz Kafka (1883-1924); Teresa Batista, cansada de guerra e Mar morto, de Jorge Amado (1912-2001). Das 71, com duas indicações 12 foram mencionadas: Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco; A mão e a luva, Helena e Iaiá Garcia, as três de Machado de Assis; Cinco minutos, de José de Alencar; Ciranda de pedra, de Lygia Fagundes Telles; Crime e castigo, de Dostoievski; Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa; Macunaíma, de Mário de Andrade; O crime do padre Amaro, de Eça de Queirós; Os sertões, de Euclides da Cunha; e São Bernardo, de Graciliano Ramos. Somente duas obras tiveram três indicações: A hora da estrela, de Clarice Lispector e Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto. Com quatro indicações, aparecem também quatro obras: A viuvinha e Lucíola, de José de Alencar; Capitães da areia, de Jorge Amado; e O seminarista, de Bernardo Guimarães. 4 Para fins de comparação sobre a heterogeneidade das referências, registram-se, neste parágrafo, as datas de nascimento e morte dos escritores ainda não referenciados no texto. 16 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores Quatro obras aparecem com cinco indicações: A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães e Quincas Borba, de Machado de Assis; O Primo Basílio, de Eça de Queirós; Olhai os lírios do campo, de Érico Veríssimo. Também quatro obras foram apontadas com seis indicações: Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida; Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; Vidas Secas, de Graciliano Ramos; O guarani, de José de Alencar. Uma obra foi indicada oito vezes: A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo; também uma recebeu nove indicações: Iracema, de José de Alencar; e mais uma dez indicações: Senhora, de José de Alencar. Dom Casmurro, de Machado de Assis, recebeu 13 indicações, do mesmo autor Memórias póstumas de Brás Cubas mereceu 16. O livro O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, foi indicado 15 vezes. Pelas classificações referentes aos clássicos destinados aos jovens, pode-se notar que Lygia Fagundes Telles e Machado de Assis aparecem de forma predominante na memória afetiva dos alunos, com seis obras cada um. Justifica-se esse relevo para Lygia pela temática de suas obras que, destinadas à reflexão do papel social e do valor da mulher, agrada sobretudo o público feminino, justamente o preponderante entre os sujeitos da pesquisa. Machado, por sua vez, é reconhecido como o maior escritor brasileiro e suas obras têm presença garantida nas listas de livros para o vestibular. Em segundo lugar, aparecem José de Alencar, com cinco obras. Em terceiro com três obras, estão Clarice Lispector, Aluísio de Azevedo, Érico Veríssimo, Jorge Amado e Gabriel García Márquez que, recentemente, teve sua obra Memórias de minhas putas tristes por várias semanas em listas dos “mais vendidos”. Sendo, portanto, um best seller. Com duas obras cada, em quarto lugar, foram indicados Guimarães Rosa, Bernardo de Guimarães, Graciliano Ramos, Macedo e Alexandre Dumas. Justificam-se a presença de Alencar, Aluísio de Azevedo, Guimarães Rosa, Bernardo, Macedo, Graciliano e Lispector, pois suas obras são, como as de Machado, constantes nas listas destinadas a leituras para o vestibular das faculdades mais concorridas. Já Érico Veríssimo, Jorge Amado e Dumas permanecem na memória, pois tiveram suas obras adaptadas para o audiovisual: o francês, para o cinema; Jorge Amado, para o cinema e para minisséries da Rede Globo, assim como Veríssimo. Entre as obras consideradas como destinadas aos jovens, não classificadas como “clássicas”, apareceram gêneros diversos como romances, biografias, diários e livros compostos por contos. Sobre os gêneros, é forçoso observar que, na memória afetiva, 17 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores confundem-se conceitos e critérios que, ao longo dos encontros eram reiterados, como a distinção entre livros da “cultura de massa” e os clássicos. No relato a seguir, nota -se que a aluna mescla as categorias, atribuindo ao termo best seller um teor subjetivo, uma categoria marcada pelo efeito que tem sobre ela, não por critérios estéticos ou literários: Somente quando estava no Segundo ano do Ensino Médio tive que mudar para uma escola perto de casa que condenava, até o momento em que conheci uma professora de Língua Portuguesa chamada E. muito rígida e de poucas palavras que nos ensinava literatura e que começou a falar de coisas que me agradavam em relação á literatura, neste ano tive um reencontro com a leitura, mas desta vez mais profunda, subjetiva e emocionante e me identifiquei muito com a literatura, me interessei por todas as classes literárias e por todas as histórias que as envolve, por cada autor e suas obras, a partir daí iniciei meu gosto pela leitura que essa professora iniciou novamente, pois pedia para lermos livros de grandes escritores como uma das notas do bimestre e depois íamos para uma discussão em sala. O primeiro livro que li foi Grande Sertão: Veredas, depois, Feliz Ano Velho, Passeio Noturno, O Cortiço, O crime do Padre Amaro, Uns braços, A cartomante, Memórias póstumas de Brás Cubas, obras de Edgar Allan Poe, Macunaíma,enfim uma infinidade de Best Sellers que mudaram minha vida, minha forma de ver a vida, minhas escolhas, opiniões e foi quando decidi me aprofundar ainda mais e me tornar professora para tentar fazer o que aquela professora rígida do Ensino Médio fez comigo, me tornar leitura e apaixonada pela literatura. No gênero biografia, quatro sujeitos da pesquisa indicaram o livro Feliz ano velho, de Marcelo Rubens Paiva, somente um deles não soube apontar a autoria. Dois indivíduos citaram Olga, de Fernando de Morais. Faz-se necessário refletir que, de fato, Paiva obtém sucesso junto ao público jovem, já a obra de Morais tornou-se mais conhecida com a adaptação para o cinema. Em relação ao gênero diário, dois livros foram mencionados: O diário de Anne Frank, de Anne Frank, por dois alunos, e O diário de Zlata, de Zlata Filipovic, por um. O primeiro já mereceu exposições itinerantes e vem sendo mencionado inclusive em filmes destinados aos jovens como Escritores da Liberdade (2007), dirigido por Richard LaGravenese. No que concerne ao gênero conto, o livro Várias histórias, de Machado de Assis, foi mencionado por um dos sujeitos da pesquisa, e também o foi a coletânea Os cem melhores contos brasileiro do século, organizada por Ítalo Moriconi. Além dessas obras, quatro relatos apontaram contos esparsos de Machado. Destes, um citou “Teoria do medalhão”, “Missa do galo” e “O espelho”; outro, “Uns braços”; ainda outro também apontou “O anel de Polícretes”; dois mencionaram “A cartomante”; e três, “O alienista”. Dois contos, “O jardim selvagem”, de Lygia Fagundes Telles, e “Passeio noturno”, de Rubem Fonseca, também foram elencados, contudo sem as respectivas autorias. Esses dados reafirmam a preferência do 18 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores grupo por Machado e Lygia Fagundes Telles. Além de assinalar a soberania de Machado no gênero, tendo em vista que a coletânea organizada por Moriconi também inclui textos do escritor. Entre as narrativas juvenis, aparecem 55 obras de editoras diversas, com expressividade no mercado editorial de catálogos para juventude, tais como Record, Scipione, Ática, Rocco, Agir, FTD, José Olympio, Moderna, Melhoramentos, IBEP Nacional, entre outras. As obras que essas editoras oferecem, em geral, são publicadas inseridas em coleções de aventuras destinadas aos jovens ou com o selo de clássicos da literatura nacional e internacional, geralmente, adaptados. Das 55 obras, 14 (25,5%) são de autores estrangeiros. Entre estas, com uma indicação cada, aparecem: O senhor das moscas, de Willian Goldwing; a trilogia Senhor dos Anéis, de Tolkien; A ilha do tesouro perdido, de Robert Louis Stevenson; O homem da máscara de ferro, de Alexandre Dumas; O cão dos Baskervilles, de Conan Doyle; O médico e o monstro, de R. L. Stevenson; O menino do dedo verde, de Maurice Druon; A rua do medo e Pesadelo em 3d, ambas de Robert Lawrence Stine. Com duas indicações Robson Crusoé, de Daniel Defoe; Mobby Dick, de Melville; Pollyanna moça, de Eleanor H. Porter, são apontadas. Ainda, das 55 obras juvenis, 41 (74,5%) são nacionais. Destas, duas pertencem à Record: O homem que calculava, de Malba Tahan, e O grande mentecapto, de Fernando Sabino, com uma indicação cada. A editora Agir está representada somente com uma obra, com uma indicação, sem autoria: Confissões de adolescente, de Maria Mariana. A FTD marca presença com três obras, com uma indicação só, mas todas sem autoria: A menina que fez a América, de Ilka B. Laurito; Ladrões de Tênis, de Álvaro Cardoso Gomes; e Tudo por causa dela, de Luiz Antonio Aguiar. Também com três obras, a Melhoramentos está representada pelos livros: Caça ao lobisomen, de Toni Brandão, com uma indicação; Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos, com três; e O anel de Tutancâmon, de Rogério Andrade Barbosa, com duas. Tanto a obra de Vasconcelos, quanto a de Barbosa são citadas sem autoria. Ainda com três obras, aparece a editora Moderna com os livros: O medo e a ternura e A marca de uma lágrima, ambas de Pedro Bandeira, com duas indicações; De repente dá certo, de Samuel Murgel Branco. Entre 41 obras nacionais, 31 (75,65%) pertencem à Ática. Destas 31, duas (6,5%) estão fora da coleção Vagalume: Mariana, de Pedro Bandeira, com uma indicação e Esaú e Jacó, de Machado de Assis, também com uma. As 29 (93,5%) demais pertencem àquela coleção. Destas, são indicadas por um dos alunos: A maldição do tesouro do faraó, de Sérsi 19 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores Bardari; A primeira reportagem, de Sylvio Pereira; A turma da Rua Quinze, de Marçal Aquino; Agora, estou sozinha, de Pedro Bandeira; Bem vindos ao rio, Enigma na televisão, Um rosto no computador, Sozinha no mundo, O rapto do garoto de ouro e Dinheiro do céu, as seis de Marcos Rey; Cabra das rocas, de Homero Homem; Deu a louca no tempo, de Marcelo Duarte; O caso da borboleta Atíria, de Lúcia Machado de Almeida; Office-boy em apuros, de Bosco Brasil; O gigante de botas, Ofélia e Narbal Fontes; e Os pequenos jangadeiros, Aristides Fraga Lima. Com duas indicações são mencionadas: Os Barcos de papel e O outro lado da ilha, ambas de José Maviael Monteiro; A serra dos dois meninos, de A. Fraga Lima; As aventuras de Xisto, de Lucia Machado de Almeida; Cem noites tapuias, de Ofélia e Narbal Fontes; Doze horas de terror e Garra de campeão, de Marcos Rey; Menino de asas, de Homero Homem; Zezinho, dono da porquinha preta, de Jair Vitória, e O escaravelho do diabo, de Lúcia Machado de Almeida. Uma única obra – Éramos seis, de Dupré – aparece com três indicações. Também uma única, com quatro indicações: O mistério dos cinco estrelas, de Marcos Rey. Entre os autores mencionados, pode-se notar que Marcos Rey, com nove títulos, e Pedro Bandeira, com quatro, são os mais lembrados. Cabe destacar que ambos sempre produziram em grande velocidade e tiveram seus textos adaptados para o audiovisual, o primeiro para uma minissérie da Rede Globo; o segundo, para o cinema. Em segundo lugar, com três títulos classifica-se Lúcia Machado de Almeida. Também se trata de uma escritora com elevada publicação. Em terceiro lugar, com dois títulos, estão Homero Homem, Ofélia e Narbal Fontes, Aristides Fraga Lima, José Maviael Monteiro e Maria José Dupré. Esses autores também possuem muitos títulos na coleção Vagalume. Chama a atenção que a obra A ilha perdida, de Maria José Dupré, tenha recebido 10 indicações. Contudo, esse dado concerne à pesquisa de Ferreira (2003) que afirma a respeito dessa obra que ela permanece na memória afetiva dos leitores, embora tenha sido escrita na década de 1940, apresente uma ideologia adultocêntrica, e euforia com o modelo familista de classe prestigiada. A obra de Dupré, A ilha perdida, define-se, devido à repetição excessiva das mesmas ações em um único espaço, pelo tédio. Este não é mencionado pelos leitores; antes, negado, porque é preferido. Graças ao pouco contato com textos diversos e à excessiva exposição a produtos da literatura trivial, essa obra os conforta, porque atende aos seus anseios, ou seja, ao seu horizonte de expectativa. Ao lerem a obra de Dupré, eles evitam realizar um complexo exercício de raciocínio e interpretação geralmente exigido por obras mais questionadoras, 20 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores mais críticas e provocadoras. Assim, a obra de Dupré, ao não permitir que a produtividade do leitor implícito entre em jogo na leitura, ultrapassa o limite de tolerância, pois lhe nega a possibilidade de exercer a sua capacidade. Nessa obra, o narrador diz tudo claramente ao leitor, gerando o tédio que indica o fim da participação dele. A obra de Dupré, ao reduzir os vazios, porque deseja doutrinar, aproxima-se dos textos da chamada literatura de tese. Nesses textos, um discurso domina univocamente. Este discurso é produzido por um emissor que conhece e prevê com bastante exatidão a enciclopédia, os códigos e volitivas do leitor ideal ou modelo, segundo Vitor Manuel de Aguiar e Silva (1993, p.328). Esse leitor ideal, construído ou projetado por Dupré, é o leitor habituado ao mínimo esforço, que deseja ser conduzido pelo narrador, pela estrutura formal da obra, enfim o que busca entretenimento e consumo fácil. Ao atender a esse leitor, a autora limita o número de vazios em suas obras, determinando uma menor atividade imaginativa. Por consequência, há na obra um estreitamento de relação projetiva, realizado pelo controle da participação do leitor. Desse modo, o leitor da obra de Dupré recebe a narrativa de tal forma pronta, estruturada e fechada à sua interpretação que ele não tem condições de projetar uma nova realidade àquela que lhe é apresentada. Então, guiado pela ótica do narrador, o leitor só pode manifestar uma atitude de aceitação ou rejeição acerca das normas e valores expressos na narrativa. Dupré, ao adotar estratégias textuais geradoras de textos facilmente legíveis para um leitor ideal, antecipou em suas obras os valores e o repertório de normas tanto do leitor empírico contemporâneo à sua produção quanto do leitor empírico futuro, o jovem leitor, potencialmente consumidor de seus textos. A autora, ao subordinar sua produção ao horizonte de expectativa de seus leitores e às “necessidades” deles, definidas por pesquisas de mercado voltadas para o marketing editorial, objetivou que eles também se subordinassem ao ponto de vista da obra. Sua produção não rompe o horizonte de expectativa dos jovens leitores, uma vez que eles esperam ser guiados sem esforço algum por um narrador, mesmo que precisem suportar seus julgamentos e comentários didáticos. Ainda, alguns desses leitores esperam que esse narrador lhes transmita em seus comentários conceitos de moralidade e apresente em seu discurso a valorização da exemplaridade. Assim, a atuação do narrador na obra A ilha perdida impede que a narrativa tenha uma natureza renovadora e apresente um índice de ruptura quanto ao tratamento do relato. Ao centralizar a interpretação e dirigi-la, o narrador não possibilita ao leitor implícito uma participação no universo ficcional e uma identificação com este universo. Por restringir as 21 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores modalidades de deciframento de seu produto, o narrador não lhe garante a constante atualização, independente do transcurso do tempo. Dupré, ao criar esse narrador controlador, opta pela perda da qualidade da narrativa em favor da pedagogia. Desse modo, resulta em seu livro uma assimetria que impossibilita amenizar o contraste entre o poder do narrador e a dominação do leitor implícito, condenando a obra, por não ter uma solução esteticamente convincente para este dilema, a não atingir o estatuto estético. Certamente, a Ática desde a década de 1970 vem se firmando como editora de aventuras para jovens, além de ser pioneira na inserção de fichas em seus livros, muitas vezes, tomadas pelos mediadores como modelo de avaliação de leitura. Considerações finais Embora, todos afirmassem que eram leitores, notou-se que os gostos literários são bem diversos. Entre eles, verifica-se a presença de livros destinados a jovens do Ensino Fundamental e Médio, e também a indicação de livros de ficção e de autoajuda, divulgados pelo mercado em listas de “os mais vendidos”. Entre os entrevistados, uma minoria soube indicar a autoria das obras apontadas. Isso se justifica pela própria indústria cultural que sonega autorias ou coloca em relevo o título do livro e/ou o nome de determinada personagem em detrimento do nome do autor, sobretudo quando adapta obras para o cinema e/ou minisséries televisivas (REIMÃO, 1999). Em relação à literatura infantil e juvenil, notou-se que os professores indicam livros conhecidos, em sua maioria, em ambiente escolar tanto na infância, quanto na adolescência. Também apontam livros que leram para a aprovação no vestibular. Detectou-se, ainda, a presença de obras que constam em listas de “mais vendidos” e de textos que foram adaptados para o cinema. Faz-se necessário lembrar que a produção para jovens indicadas pelos entrevistados, em geral, não adentra o século XXI, nem mesmo a série Harry Potter, sucesso entre os jovens, foi mencionada. Vale destacar a ausência das obras de Lobato, Lygia Bojunga Nunes, Bartolomeu Campos de Queirós, Ana Maria Machado, Ângela Lago, entre outros, reconhecidos pelo trabalho estético e pelo texto libertário e emancipatório que apresentam para o público jovem. Somente uma aluna aponta uma obra de Ana Maria Machado, contudo sem lembrar que esta pertence à escritora. O grande número de títulos, enfim, atesta a presença do mercado editorial com sua gama de produtos culturais cada vez mais diversificados. Entretanto, os modelos de textos 22 RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v.12, n. 26, p.5-25, jan/jun. 2012 – ISSN 1519-0919 Dossiê Temático Leitura e formação de professores para jovens leitores buscam permanecer como leituras viáveis e atraentes. Dos relatos, depreende-se a experiência desses leitores, crédulos do poder da leitura, multiplicadores de referências literárias como mediadores. Os mesmos que, renegando obras que hoje consideram menos pertinentes, buscam cativar alunos da educação básica para o texto literário. Daí a importância de se reconhecerem na própria história de leitura, buscando na memória mais íntima a compreensão dos fatores mobilizadores para se tornarem leitores críticos. E, uma vez consciente deles, podem se instrumentalizar para melhor compreender a interação das crianças e jovens de hoje com a leitura literária. Certamente, os entrevistados puderam usufruir, por meio das aulas de pós-graduação, de debates e leituras, bem como da produção de textos científicos, de momentos de reflexão, revisão de conceitos prévios, ampliando, justamente por isso, seus horizontes de expectativa em relação à produção contemporânea destinada aos jovens e adultos, à formação do leitor e à leitura de textos canônicos. Contudo, é consenso que uma minoria prossegue com seus estudos após a graduação. Cabe, portanto, a produção de outras pesquisas destinadas a professores formados em Letras que, atualmente, não adentram esse círculo acadêmico. Espera-se que, com os resultados advindos dessas pesquisas futuras, ações concretas sejam mobilizadas tanto para o avanço científico da discussão acerca da biblioteca vivida de mediadores de leitura, quanto para a formação continuada. Referências AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel de. Teoria da literatura. 8. ed. Coimbra: Almedina, 1993. v.1. CALVINO, Ítalo, Por que ler os clássicos. Trad. Nilson Moulin, 6.reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. ESCRITORES DA LIBERDADE. Dr. Richard LaGravenese. Estados Unidos da América, 2007. 123 min. color., son., v. o. inglês, leg. português. FERREIRA, Eliane Ap. Galvão Ribeiro. A leitura dialógica e a formação do leitor. Assis, 2003. 536 p. Dissertação (Mestrado em Literaturas de Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. 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Campinas, SP: Autores Associados: HISTEDBR; Caçador, SC: Unc, 2009, p.147-154. --------------------------------------------------------------------------- Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira é profª Drª da Universidade Estadual Paulista (UNESP-Assis) e da Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA). É membro dos Grupos de Pesquisa: "Crítica e Recepção Literária" (CRELIT/UENP) e "Leitura e Literatura na Escola" (UNESP-Assis). Thiago Alves Valente é prof. Dr. da Universidade Estadual do Norte do Paraná. É membro dos Grupos de Pesquisa: "Crítica e Recepção Literária" (CRELIT/UENP) e "Leitura e Literatura na Escola" (UNESP-Assis).