UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA CENTRO DE ESTUDOS DE GEOGRAFIA DO TRABALHO ____________________________________________________________ THIAGO PEREIRA DE BARROS OS ESTIVADORES DO PORTO DE SANTOS/SP: UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA SOBRE O TRABALHO, O SINDICATO E A MODERNIZAÇÃO DOS PORTOS Presidente Prudente 2017 THIAGO PEREIRA DE BARROS OS ESTIVADORES DO PORTO DE SANTOS/SP: UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA SOBRE O TRABALHO, O SINDICATO E A MODERNIZAÇÃO DOS PORTOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia - Área de Concentração "Produção do Espaço Geográfico" - da FCT/UNESP, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Marcelo Dornelis Carvalhal Agência de fomento Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) Processo FAPESP nº 2014/01908-9 Grupo de Pesquisa Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT-UNESP) Presidente Prudente 2017 FICHA CATALOGRÁFICA Barros, Thiago Pereira de. B283e Os estivadores do Porto de Santos/SP: uma análise geográfica sobre o trabalho, o sindicato e a modernização dos portos / Thiago Pereira de Barros. - Presidente Prudente : [s.n.], 2017 236 f. Orientador: Marcelo Dornelis Carvalhal Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Inclui bibliografia 1. Trabalho portuário. 2. Modernização portuária. 3. Sindicalismo. 4. Estivadores. 5. Porto de Santos. I. Carvalhal, Marcelo Dornelis. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. Título. Dedico essa dissertação aos meus pais Eva, Marconildo e José, pela força, apoio e incentivo constante. À Larissa, pelo companheirismo e amor. E, por último, mas não menos importante, aos estivadores do Porto de Santos, por compartilharam suas histórias, angústias e esperanças. AGRADECIMENTOS A concretização dessa dissertação de mestrado foi possibilitada a partir de relações acadêmicas, de amizades e familiar. Foi um trabalho de superação teórica, metodológica e emocional, que perpassa por muito apoio, solidariedade e companheirismo, dos diversos parentes, amigos, professores e trabalhadores, que me auxiliaram nessa caminhada geográfica. Início assim, meus sinceros agradecimentos, a Larissa, por toda ajuda, aprendizagem e experiências compartilhadas, “puxadas de orelha” e amor oferecidos nessa jornada do mestrado. Obrigado por tudo meu amor! Agradeço a toda minha família pelo apoio e amor dado, principalmente as mulheres guerreiras que sempre me motivaram: minha mãe Eva, as minhas tias Neide, Elisângela, Nilda, Eliane, Lene e a minha irmã Klivia. Mas também ao demais parentes, tios, primos e primas pelos momentos de carinho, confraternização e diálogos, que com certeza contribuíram a essa pesquisa. Ao professor Marcelo que ao longo desses últimos cinco anos tem me ajudado a compreende um pouco mais sobre essa máquina de moer gente que é o metabolismo social do capital, mas também a necessidade de se enxergar as experiências e resistências emanadas dos trabalhadores e trabalhadoras. Aos companheir@s e amigos da rede CEGeT, pelos momentos de diálogos, aprendizados e confraternizações, que sempre me demonstraram a necessidade de ações coletivas e horizontais. As amizades construídas ao longo do mestrado: Diógenes, Robinzon, Sidney, João Bacarin, João Pimenta, Fernando Heck, Guilherme Marini, Lucas, Gerson, Silas, Yolima, Cacá, Jane, Tássio, Fran, Jaqueline, Day, Terezinha, Vivi, Baiano, Hellen, Jô, Fernando (magrão), Daia, Soninha, Divino, Luciano, Daniel e Regiane. Assim como a senhora Tulia e sua família Lizarazo, pela generosidade e carinho compartilhados nos meses de intercâmbio na Colômbia. Ao professor Juan Carlos Celis Ospina e aos demais amigos colombianos: Julian, Daniela Ariza, Daniela Ramírez, Maria Claudia, Laura, Fredy, Ramiro, Daniel Hawkins e também aos sindicalistas da Uníon Portuária de Colombia, em especial a Jhon Jairo Castro e Francisco Javier. Aos membros da banca de qualificação os professores Antonio Thomaz Júnior e Ricardo Pires de Paula, pelas valiosas contribuições e apontamentos. Aos funcionários da Seção de Pós-Graduação, do Escritório de Pesquisa e da Biblioteca da FCT/UNESP pela atenção, paciência e ajuda nesse percurso. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio financeiro (Processo FAPESP nº 2014/01908-9) que possibilitou dedicação exclusiva a pesquisa e a oportunidade de estágio no exterior. À Jô, Daia e Larissa pelas leituras e críticas que possibilitaram avanços durante a execução da pesquisa. Aos estivadores do Porto de Santos que me possibilitaram compreender sua atividade laboral, suas particularidades e os desafios que os cercam. Aos diretores e funcionários do Sindicato dos Estivadores de Santos, São Vicente, Guarujá e Cubatão (SINDESTIVA) pela atenção e materiais fornecidos durante os trabalhos de campo. Meu muito obrigado a todos e todas! RESUMO A pesquisa analisa o trabalho portuário avulso no Brasil, mais precisamente os estivadores do Porto de Santos/SP, diante das mudanças inseridas pelo sistema metabólico do capital. Isto é, sobretudo diante da reestruturação produtiva inserida no sistema portuário, que adotando o discurso de modernização implementou uma série de mudanças de gestão da produção e do trabalho a partir dos anos 1990. Nesse ínterim, pautamos nossa discussão a partir das Leis nº8.630 de 1993 e nº 12.815 de 2013 a fim de demonstrar a nova dinâmica portuária nacional, com a introdução do Órgão de Gestão de Mão de Obra, a Autoridade Portuária, o Conselho de Autoridade Portuária, os Operadores Portuários, a Multifuncionalidade, as Cooperativas de Trabalho, o Trabalho Portuário por Vínculo, enfim elementos que compreendem a nova forma de gestão, produção e controle do trabalho portuário. Desta forma, enquanto objetivos específicos verificou-se o conjunto de processos, mediações e conflitos que envolve o setor portuário, isto é, que envolve os estivadores, o sindicato, o Estado e o capital no cais do porto santista. Além disso, verificou-se a atuação do Sindicato dos Estivadores de Santos, São Vicente, Guarujá e Cubatão, e sua limitação em relação a luta dos trabalhadores. Do mesmo modo, as práticas laborais, sociais e políticas exercidas pelos estivadores também foram foco de análise na presente dissertação. Palavra-Chave: Trabalho Portuário. Modernização Portuária. Sindicalismo. Estivadores. Porto de Santos. RESUMEN Esta investigación analiza el trabajo portuario temporal en Brasil, específicamente el caso de los estibadores del Puerto de Santos (São Paulo, Brasil) frente a los cambios producidos por el sistema metabólico del capital. Es decir, analiza los efectos de la reestructuración productiva en el sistema portuario, la cual se implementó a partir de la adopción del discurso de modernización a través del cual se implementó una serie de cambios en la gestión de la producción y del trabajo a partir de los años noventa. En este sentido, nuestra discusión se enmarca en la implementación de las leyes 8.630 de 1993 y 12.815 de 2013, las cuales determinan la nueva dinámica portuaria nacional, con la introducción de una nueva forma de gestión, producción y control del trabajo portuario a través del Órgano de Gestión de Mano de Obra, la Autoridad Portuaria, el Consejo de la Autoridad Portuaria, los Operadores Portuarios, la multifuncionalidad, las Cooperativas de Trabajo, el Trabajo Portuario por Vínculo. De esta manera, según los objetivos específicos propuestos, se verificó el conjunto de procesos, mediaciones y conflictos del sector portuario, el cual envuelve en el muelle del puerto santista a estibadores, sindicato, Estado y Capital. Además de esto, se verificó la actuación del Sindicato de los Estibadores de Santos, São Vicente, Guarujá y Cubatão, con sus limitaciones en relación a la lucha de los trabajadores. Del mismo modo, las prácticas laborales, sociales y políticas ejercidas por los estibadores también fueron analizadas en la presente disertación. Palabras Clave: Trabajo Portuario. Modernización Portuaria. Sindicalismo. Estibadores. Puerto de Santos. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Portos marítimos e fluviais no Brasil ...............................................................27 Figura 2: Principais instituições relacionadas ao setor portuário brasileiro ....................30 Figura 3: Estivadores na função de motoristas transportando os automóveis do cais para o navio Ro-Ro ..................................................................................................................43 Figura 4: Estivador (de vestimenta laranja) e trabalhador de bloco (vestimenta azul) atuando como sinaleiro/parqueadero auxiliando os estivadores (motoristas) a manobrarem os automóveis dentro do navio Ro-Ro .......................................................43 Figura 5: Estivador atuando como portoló guiando o guincheiro de bordo (estivador) na alocação do trator (máquina que outro estivador vai manusear) no porão de navio atracado no Porto de Santos ...........................................................................................................44 Figura 6: Estivadores atuando como conexo peando barras de ferro no porão do navio. .........................................................................................................................................44 Figura 7: Estivadores trabalhando no carregamento de açúcar ensacado no Terminal Privativo da Libra no Porto de Santos .............................................................................45 Figura 8: Estivadores trabalhando como peão na sarreta (limpeza do porão) de rocha fosfática ...........................................................................................................................45 Figura 9: Localização da área portuária santista .............................................................68 Figura 10: Localização dos terminais por tipos de produtos movimentados no Porto de Santos ..............................................................................................................................69 Figura 11: Principais rotas marítimas do porto de santos ................................................72 Figura 12: Ranking dos principais portos da América Latina na movimentação de cargas conteinerizadas ................................................................................................................75 Figura 13: Porto do Consulado, Santos 1882 ..................................................................77 Figura 14: Fachada do prédio da sede do SINDESTIVA ..............................................108 Figura 15: Trabalhadores paralisados no P3, OGMO-Santos .......................................124 Figura 16: Trabalhadores paralisados em frente ao OGMO-Santos .............................125 Figura 17: contêineres ao fundo, no Porto de Santos/SP ...............................................141 Figura 18: Momento da "parede": no tablado os dirigentes e contramestres do sindicato e embaixo os estivadores se escalando ao (“pegando” ou não) trabalho .........................176 Figura 19: Escalação dos trabalhos no porto: ao ser anunciado as atividades os estivadores erguem as mãos com suas carteiras do sindicato a fim de “pegar” o trabalho oferecido .......................................................................................................................................176 Figura 20: Atracação do navio ao cais no Porto de Santos e a relação com a segurança e saúde dos trabalhadores .................................................................................................196 Figura 21: Estivador exercendo a atividade de conexo peando as elicies de estações eólicas no convés do navio, para isso o trabalhador escala a estrutura que fixa a elicie a estrutura do navio, sem o cinto de segurança ................................................................196 Figura 22: Estivador escalado como conexo trabalhando em altura sem cinto de segurança soltando as aranhas que predem o contêiner para ser estivado (foto realizada no Terminal da Libra) ........................................................................................................................197 Figura 23: Sequência de movimentação de papel e celulose no Porto de Santos .........199 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Os portos públicos administrados por Companhias Docas ............................28 Quadro 2: Portos Oganizados delegados no Brasil .........................................................29 Quadro 3: Operadores Portuários com contrato vigente no Porto de Santos ..................70 Quadro 4: Armadores que atuam no Porto de Santos ......................................................71 Quadro 5: Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMOS) nos portos brasileiros ................152 Quadro 6: Áreas arrendadas dentro do Porto de Santos ................................................159 Quadro 7: Investimentos do programa de aceleração do crescimento no Porto de Santos (PAC-II) .........................................................................................................................168 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Total de cargas movimentadas 3º trimestre de 2015 no Brasil ......................32 Gráfico 2: Quantidade de movimentação de cargas no Porto de Santos por milhões de toneladas (1998-2015) .....................................................................................................73 Gráfico 3: Movimentação no Porto de Santos em importações e exportação no ano de 2014 (valores em toneladas) ............................................................................................74 Gráfico 4: Distribuição dos OGMOS por região geográfica (2006-2013) ....................153 Gráfico 5: Investimentos do BNDES no período de 1994 a 2014.................................165 Gráfico 6: Investimentos do BNDES em infraestrutura no período de 2001 a 2014 ....166 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Descrição dos ternos de trabalho na estiva para trabalhos requisitados pela EMBRAPORT .................................................................................................................49 Tabela 2: Investimentos do BNDES nos portos e terminais portuários de 2010 até 2015 .......................................................................................................................................169 LISTA DE MAPAS Mapa 1: Localização do município de Santos/SP ...........................................................67 Mapa 2: Base territorial dos sindicatos dos estivadores existentes no estado de São Paulo .......................................................................................................................................107 LISTA DE SIGLAS ADHOC - Superintendência do Porto de Itajaí ANTAQ - Agência Nacional de Transporte Aquaviário AP - Autoridade Portuária APSFS - Administração do Porto de São Francisco do Sul APPA - Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BOVESPA - Bolsa de Valores de São Paulo CAP - Conselho de Autoridade Portuária CBO - Código Brasileiro de Ocupações CCQ - Círculos de Controle de Qualidade CDC - Companhia Docas do Ceará CDP - Companhia Docas do Pará CDRJ - Companhia Docas do Rio de Janeiro CDS - Companhia Docas de Santos CDSA - Companhia Docas de Santana Amapá CEP - Controle Estatístico de Processo CPBS - Companhia Portuária Baía de Sepetiba CSN - Companhia Siderúrgica Nacional DEM - Partido Democratas DERSA - Desenvolvimento Rodoviário S/A CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina CF/88 - Constituição Federal de 1988 CLT - Consolidação das Leis do Trabalho CODERN - Companhia Docas do Rio Grande do Norte CODEBA - Companhia Docas do Estado da Bahia CODESA - Companhia Docas do Espírito Santo CODOMAR - Companhia Docas do Maranhão CODESP - Companhia Docas do Estado de São Paulo COMAP - Companhia Municipal de Administração Portuária CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas COSIPA - Companhia Siderúrgica Paulista CQT - Controle de Qualidade Total CTA - Cooperativas de Trabajo Asociado CUT - Central Única dos Trabalhadores DNIT - Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes DOCAS/PB - Companhia Docas da Paraíba DTM - Delegacia do Trabalho Marítimo EMAP - Empresa Maranhense de Administração Portuária ENS - Escuela Nacional Sindical EST - Empresas de Serviços Temporal ETC - Estações de Transbordo de Carga FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FHC - Fernando Henrique Cardoso FMI - Fundo Monetário Internacional FOLS - Federação Operária de Santos FS - Força Sindical IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IPT - Instalação Portuária de Turismo MP - Medida Provisória NR/39 - Norma Regulamentadora OGMO - Órgão de Gestão de Mão de Obra OIT - Organização Internacional do Trabalho OMC - Organização Mundial do Comércio ONU - Organização das Nações Unidas PAC - Plano de Aceleração do Crescimento PCB - Partido Comunista Brasileiro PDV - Plano de Desligamento Voluntário PND - Programa Nacional de Desestatização PORTOBRÁS - Empresa de Portos do Brasil S.A TPAs - Trabalhadores Portuários Avulsos PL - Projeto de Lei PMDB - Partido Movimento Democrático Brasileiro PR - Partido da República PRONA - Partido de Reedificação da Ordem Nacional PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira PT - Partido dos Trabalhadores PTB - Partido Trabalhista Brasileiro SCPAR - SC Parcerias Porto de Imbituba SDEC/PE - Desenvolvimento Econômico de Pernambuco SEP/PR - Secretaria de Portos da Presidência da República SINDESTIVA - Sindicato dos Estivadores de Santos, São Vicente, Guarujá e Cubatão SPH - Superintendência de Portos e Hidrovias SOPESP - Operadores Portuários do Estado de São Paulo SOPH/RO - Sociedade de Portos e Hidrovias do Estado de Rondônia SUPRG - Superintendência do Porto de Rio Grande TECON – Terminal de Contêineres de Santos TELEBRÁS - Telecomunicações Brasileiras S.A TRT - Tribunal Regional do Trabalho TST - Superior Tribunal do Trabalho TUP - Terminal de Uso Privativo SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ..........................................................................................................20 CAPÍTULO 1 – DO CAIS AOS TRABALHADORES: A DINÂMICA PORTUÁRIA BRASILEIRA ..................................................................................................................26 1.1 O sistema portuário nacional .....................................................................................26 1.2 O trabalho portuário no Brasil ...................................................................................35 1.2.1 Quem são os sujeitos da pesquisa? ........................................................................41 1.3 A categoria trabalho e o metabolismo social do capital ............................................58 CAPÍTULO 2 - ESTIVADORES E SINDICATO: AS TERRITORIALIDADES PRESENTE NO CASO PORTUÁRIO SANTISTA .......................................................66 2.1 Do cais do porto aos trabalhadores na estiva em Santos ...........................................66 2.1.1 Entre o Porto e a Cidade: alguns elementos históricos de Santos .........................76 2.2 A efervescência sindical em Santos e os trabalhadores na estiva ..............................80 2.2.1 A luta pelo controle do trabalho no Porto de Santos .............................................95 2.3 O SINDESTIVA: elementos da organização atual e os limites à luta dos trabalhadores .......................................................................................................................................106 2.3.1 Território e sindicato: aproximações analíticas a respeito do caso brasileiro ...114 CAPÍTULO 3 – PRECARIZADO PORÉM “MODERNO”: O MODELO PORTUÁRIO ATUAL E SEUS IMPACTOS AOS TRABALHADORES .........................................126 3.1 O contexto do ideário da modernização nos portos: do neoliberalismo ao novo- desenvolvimentismo ......................................................................................................126 3.2 Elementos precedentes à modernização dos portos no Brasil .................................141 3.3 O descarregamento da modernização nos portos brasileiros ..................................148 3.4 O novo marco regulatório do setor portuário ..........................................................161 3.5 A real face da modernização portuária: as mudanças e implicações aos trabalhadores .......................................................................................................................................171 3.5.1 A saúde dos estivadores ........................................................................................192 3.5.2 Ser/permanecer avulso ou tornar-se vinculado? O caso dos estivadores do Porto de Santos: apontamentos finais .....................................................................................201 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................209 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................218 20 APRESENTAÇÃO A essência do que propomos discutir neste trabalho se relaciona às clivagens presentes no mundo do trabalho portuário, mais precisamente dos rearranjos do metabolismo do capital e as implicações aos trabalhadores portuários avulsos, especificamente aos estivadores do Porto de Santos/SP. De tal modo que isso rebate sobre a questão da fragmentação corporativa e territorial dos sindicatos/entidades representativas dos trabalhadores que dificultam compreender de maneira orgânica o trabalho enquanto classe. Tendo em vista os rearranjos do metabolismo do capital intensificados após os anos 1980 e ainda mais no século XXI, a nossa intenção é compreender as transformações desse processo no universo do setor portuário nacional e os rebatimentos aos estivadores e consequentemente às instâncias organizativas (sindicato). Portanto, para entender esse conjunto de relações e processos, tendo a categoria trabalho como central nessa pesquisa, fazemos uso no exercício da "leitura" geográfica para apreender a temática em questão. Vale dizer, que a presente dissertação de mestrado surge com as discussões sobre o movimento sindical no Brasil que realizamos durante o levantamento bibliográfico de nossa investigação, ainda no âmbito da graduação. Os referenciais teóricos sobre o movimento dos trabalhadores e sindical no Brasil nos trouxeram uma série de elementos e inquietações em relação à luta dos trabalhadores, ideologias e influências políticas. Ademais, a escolha pelo recorte e a categoria estudada na pesquisa de mestrado se deve a importância histórica dos trabalhadores no trabalho na estiva no Brasil, e dos trabalhadores portuários em geral, que remonta a luta de libertação dos negros escravos. Outro elemento que nos influenciou nesse tema foi nossos questionamentos referentes às informações apresentadas pela grande mídia em relação ao trabalho portuário tendo os trabalhadores como grandes causadores da ineficiência do setor, aliado ao discurso modernizante que encobre a realidade da precarização laboral. Esses fatores nos levaram a analisar a atual conjuntura dos trabalhadores portuários de Santos, mais precisamente dos trabalhadores na estiva, por ser esta a principal categoria de trabalhadores portuários e também por ser o bastião das principais mobilizações dentro dos portos em vários momentos. Vale lembrar que nossa inserção em 2011, no Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT), também nos possibilitou a opção pela "leitura" geográfica dos/nos estudos sobre/do trabalho, enquanto categoria central de discussão e análise em nossa 21 pesquisa. O CEGeT, é um grupo de pesquisa com 20 anos de existência, ligado aos cursos de graduação e pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", campus de Presidente Prudente, sob coordenação geral do professor Antonio Thomaz Júnior, mas também conta com demais núcleos de pesquisadores em outras universidades do Brasil. Diante disso, elaboramos o projeto de pesquisa de mestrado sobre os trabalhadores portuários avulsos, tendo os estivadores como sujeitos principais dessa investigação e, consequentemente, a análise do Sindicato dos Estivadores do Porto de Santos, São Vicente, Guarujá e Cubatão (SINDESTIVA) e da modernização portuária, a qual desenvolvemos desde 2014, junto a Universidade Estadual Paulista"Júlio de Mesquita Filho", campus de Presidente Prudente, com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Esta pesquisa, portanto, teve como objetivo geral analisar os trabalhadores portuários avulsos de Santos/SP, mais precisamente os estivadores, frente às recentes mudanças inseridas pelo capital nos portos nacionais, a partir do neoliberalismo. Diante disso, enquanto objetivos específicos, verificamos o conjunto de processos, mediações e conflitos que cercam o setor portuário, isto é, que envolvem estivadores, sindicato, Estado e capital, sobretudo a partir dos anos 1980 até os dias atuais. Desta maneira, analisamos o papel político-ideológico do SINDESTIVA e as suas atuações e limitações em relação a luta dos trabalhadores estivadores no Porto de Santos. Também examinamos o processo de reestruturação produtiva inserida no sistema portuário nacional, revestido do discurso de modernização portuária, de tal modo a compreender as mudanças advindas com essa medida e as implicações aos trabalhadores portuários. Diante disso verificamos as práticas laborais, sociais e políticas, assim como, as formas de resistência ou não dos estivadores frente a lógica do capital. A metodologia para a realização da pesquisa consistiu em cinco procedimentos. Ao levantamento bibliográfico, no qual coletamos importantes contribuições, que não se restringiram apenas a ciência geográfica, o que nos possibilitou ampliar o nosso leque de análise e reflexão sobre o tema estudado. Os dados secundários, nos quais realizamos um cuidadoso trabalho de coleta e análise de informações junto a Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP), a Secretaria de Assuntos Portuários de Santos, junto ao Ministério dos Transportes, a Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP-PR), Agência Nacional de 22 Transporte Aquaviário (Antaq) e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Como parte importante da pesquisa, os trabalhos de campos foram realizados com o intuito de compreender a realidade dos sujeitos trabalhadores e de sua entidade sindical, com a participação em atividades desenvolvidas pelos mesmos em seus locais de trabalho, no sindicato e nos espaços institucionais controlados pelo Órgão de Gestão de Mão de Obra (OGMO) e pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP). Entre os dias 21 e 29 de março de 2015 realizamos o primeiro trabalho de campo na cidade de Santos. Este campo voltou-se a três perspectivas: primeiro em conhecer importantes pontos/locais de constituição e desenvolvimento do Porto de Santos (vide, por exemplo, a visita ao Museu do Café, a antiga Bolsa Oficial do Café); segundo, observar áreas do porto e sua dinâmica funcional, isso é, observamos entradas e saídas de navios, e também o fluxo dos transportes terrestres de distribuição de cargas (caminhões e contêineres); e o terceiro aspecto visou as conversas com trabalhadores e algumas entrevistas e coletas de dados com representantes do município/instituições/entidades responsáveis/ligados à questão portuária. Quanto a esse terceiro aspecto, por exemplo, podemos mencionar a visita ao prédio do Progresso e Desenvolvimento de Santos (Prodesan) onde está localizado o escritório da Secretaria de Assuntos Portuários do município de Santos. Nesta ocasião entrevistamos um dos representantes da Secretaria, com o propósito de compreender os planos do município em relação ao porto, as atuações da secretaria frente ao processo de modernização portuária e quanto aos trabalhadores. Também, coletamos dados/materiais sobre o porto, como por exemplo, o Plano de Zoneamento do Porto de Santos, o mapa de localização do porto, entre outras informações. Nesse mesmo período entrevistamos um dos dirigentes do Sindicato dos Estivadores de Santos, Guarujá e Cubatão. A entrevista teve como foco compreender a atuação do sindicato frente aos processos recentes em relação ao trabalho no porto. Averiguar o posicionamento da liderança sobre a importância do trabalho na estiva, assim como o que é ser um estivador e quais são as características fundamentais desse ofício. Ainda conversamos com trabalhadores aposentados e ativos da categoria e conhecemos as dependências do sindicato. Outra atividade realizada foi uma visita técnica à CODESP, onde conhecemos um pouco da história e importância do Porto de Santos e da própria companhia, através de 23 uma palestra realizada por um funcionário da empresa. Entre os dias 10 a 13 de agosto de 2015 recebemos um convite para realizar uma entrevista com o presidente do SINDESTIVA. Na ocasião conversamos sobre pontos importantes de constituição e atuação do sindicato frente às mudanças inseridas no cais do porto que buscam retirar direitos dos trabalhadores, a relação entre a entidade e os outros sindicatos de trabalhadores na estiva do Brasil e do mundo, assim como com a federação e a central sindical. Também foi possível realizar entrevistas com trabalhadores da categoria. Realizamos uma terceira ida a campo entre os dias 17 a 20 de agosto de 2015 na cidade de Santos. Neste momento, a oportunidade de realizar outra entrevista com o presidente do Sindicato dos Estivadores a fim de sanar algumas dúvidas e questionamentos em relação à entrevista anterior. Também entramos no Porto de Santos com a ajuda de um dirigente sindical. Nessa visita, acompanhado de um dirigente do sindicato conhecemos o trabalho dos estivadores, vimos os tipos de cargas que cada terminal movimenta. Nessa ocasião havia dois navios, um estava descarregando sal e o outro fertilizante. Dentro dos navios foi possível conversarmos com estivadores e acompanhar um pouco da sua rotina e ambiente laboral. Ainda nesse terceiro campo tivemos a oportunidade de acompanhar a cerimônia de passagem dos estivadores cadastrados ("bagrinhos" - como são apelidados) para os trabalhadores associados ao sindicato (filiados-registrados). Essa cerimônia marca um rito de passagem dos trabalhadores na estiva que iniciaram e labutaram por anos como cadastrados, aprendendo com os estivadores mais antigos a exercer sua profissão. Nas palavras deles “ser um cadastro é como se fosse um estudante, aprendendo para exercer sua profissão no futuro”, tal profissão tem como marco histórico a realização dessa cerimônia. Essa se realizou nas dependências do próprio sindicato dos estivadores, contando com a presença de diversas lideranças de trabalhadores portuários avulsos; de autoridades municipais e inclusive do prefeito da cidade de Santos; do capitão da marinha de Santos; de vereadores; representantes da Força Sindical; de trabalhadores ativos e aposentados; entre outros. Esse evento marcou a passagem de 300 trabalhadores cadastrados para associados ao sindicato. Realizamos outros dois períodos de trabalhos de campo entre os dias 27 a 29 de dezembro de 2015 e 11 a 17 de janeiro de 2016 na cidade de Santos. Nesses trabalhos de campo acompanhamos o momento de escalação dos trabalhadores dentro das 24 dependências do OGMO1. Nesta visita ao ponto de escalação acompanhamos como se dá todo o processo de distribuição e organização do trabalho dos estivadores. Além disso, realizamos outras importantes entrevistas com estivadores, na sede do sindicato. Já entre os dias 13 e 19 de julho de 2016 realizamos outro trabalho de campo, quando tivemos, a oportunidade de entrar no Porto de Santos. Com ajuda de dirigentes sindicais, verificamos o processo de estivagem de fardos de papel para exportação, o descarregamento de trigo oriundo da Argentina e o carregamento de soja para exportação. Vale dizer que afim de preservar as identidades dos entrevistados, no decorrer do texto, as informações obtidas com as entrevistas são mencionadas com as iniciais de cada sujeito/função seguido dos números correspondentes à ordem cronológica que ocorreram cada entrevista. Isto é, a entrevista com Estivadores indicaremos com a inicial “E” (no caso E1, E2 e assim por diante), o mesmo acontece para os demais, sendo que as referências às falas dos Dirigentes Sindicais da Estiva de Santos são indicadas como “DSE” (no caso DSE1, DSE2, e etc). Realizamos também uma entrevista com um Dirigente do Sindicato dos Estivadores de São Sebastião e Litoral Norte, para esse indicamos como "DSES1". E na entrevista realizado com o representante da Companhia Docas de São Paulo indicamos pela sigla “RCODESP”. É importante mencionar que, através da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no processo BEPE 2015/10546-6, cujo título era “La Estructura Sindical y los Retos para los Trabajadores Portuarios Colombianos en el Siglo XXI”, realizamos um período de intercâmbio que se iniciou em 31 de agosto de 2015 e foi até o dia 30 de novembro de 2015, junto a Universidade Nacional da Colômbia, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas, mais precisamente ao curso de Sociologia tendo como supervisor o Prof. Dr. Juan Carlos Celis Ospina. O período de intercâmbio no exterior foi de suma importância para compreender a realidade dos trabalhadores portuários na América Latina, mais precisamente na Colômbia e as dificuldades impostas para esses trabalhadores frente ao processo de modernização dos portos. Além disso, foi possível ter acesso a novos referenciais teóricos sobre a temática, assim como realizar trabalhos de campos com o intuito de conhecer melhor a realidade dos trabalhadores portuários e de suas entidades de representação. E por fim, quanto a análise e tabulação dos dados sistematizamos várias informações e dados obtidos ao longo da pesquisa que nos possibilitou identificar e 1 O Ogmo é o órgão responsável por administrar e regular a mão de obra nos portos brasileiros, de modo a garantir o acesso e a remuneração aos trabalhadores portuários (APPA, 2006). 25 apontar questões fundamentais na pesquisa, assim como confeccionar mapas, tabelas, quadros e gráficos os quais apresentamos nessa dissertação. *** A presente dissertação estrutura-se em três capítulos. No primeiro capítulo “Do cais aos trabalhadores: a dinâmica portuária brasileira”, expomos um panorama geral a respeito do sistema portuário brasileiro e do trabalho portuário, a fim de apresentar os sujeitos foco da pesquisa. Intercalando, por conseguinte, com uma discussão teórica a respeito da relação capital-trabalho. O segundo capítulo “Estivadores e sindicato: as territorialidades presente no caso portuário santista” faz uma relação entre a realidade portuária santista desde o século XIX permeada por uma discussão em torno da cidade e do movimento sindical, principalmente no que tange os desdobramentos da ação sindical dos estivadores com o estabelecimento do closed shop2 (em 1930). Discutimos sobre a recente atuação sindical dos estivadores e também apontamos elementos para reflexão a respeito da relação território e sindicalismo no Brasil. No terceiro capítulo “Precarizado porém “moderno”: o atual modelo portuário e seus impactos aos trabalhadores” a discussão volta-se à modernização dos portos e aos impactos aos trabalhadores. Apresentamos uma análise de conjuntura, necessária para situar a discussão proposta e demonstramos os elementos que foram descarregados com o marco regulatório aos portos, com as Leis nº 8.630 de 1993 e nº 12.815 de 2013. Ainda nesse capítulo, apontamos os desdobramentos da modernização dos portos aos trabalhadores estivadores do Porto de Santos, processos esses que convergem para o processo de precarização do trabalho. Por fim, nas considerações finais comparecem as percepções, constatações e as compreensões a respeito do universo do trabalho portuário ao longo dessa trajetória de pesquisa. 2 Closed shop é um termo genérico que cobre uma variedade de práticas que contém um elemento em comum. O elemento é que, para conseguir ou manter um emprego o trabalhador deve associar-se a um sindicato, em outras palavras, ser associado do sindicato é uma condição para obtenção do emprego. (DIÉGUEZ, 2007). 26 CAPÍTULO 1 – DO CAIS AOS TRABALHADORES: A DINÂMICA PORTUÁRIA BRASILEIRA Nesse primeiro capítulo apresenta-se um panorama geral do sistema portuário no Brasil, elencando dados a respeito da organização, funcionamento e importância do setor no país. Em sequência aponta-se a organização do trabalho, as categorias e os tipos de vínculos empregatícios que marcam a atividade laboral portuária. A isso, adentramos nas particularidades dos sujeitos sociais foco dessa dissertação. Por fim, comparece a discussão em torno da categoria trabalho e a sua relação no sistema metabólico do capital, de maneira a possibilitar contextualizar o cenário em que a pesquisa se insere. 1.1 O sistema portuário nacional O sistema portuário nacional é atualmente constituído de portos públicos e privados, marítimo ou fluvial, totalizam 235 instalações portuárias no país, os quais estão sob diferentes competências administrativas, seja por instâncias públicas (por exemplo, as Companhias Docas de diferentes estados do país, prefeituras municipais, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes e outros) ou por empresas privadas (como Petrobras, Fibria Celulose, Embraport, Sucocítrico Cutrale, entre outras) (MESQUITA, 2015). Vale dizer que a definição de porto fluvial e marítimo não se dá exatamente por sua localização geográfica3, mas pelo tipo de navegação de longo curso ou interior que passa por esses portos (MESQUITA, 2015). Isto é, os I - PORTOS MARÍTIMOS são aqueles aptos a receber linhas de navegação oceânicas, tanto em navegação de longo curso (internacionais) como em navegação de cabotagem (domésticas), independente da sua localização geográfica; II – PORTOS FLUVIAIS são aqueles que recebem linhas de navegação oriundas e destinadas a outros portos dentro da mesma região hidrográfica, ou com comunicação por águas interiores (ANTAQ, 2013, s/p) Atualmente existem 34 portos públicos marítimos no país que pertencem à União, sendo que 33 desses portos são administrados por órgãos públicos, pelas Companhias 3 A título de exemplo tem-se o Porto de Manaus que geograficamente seria um porto fluvial, porém é considerado pela Secretaria de Portos da Presidência da República como um porto marítimo por receber grandes embarcações oceânicas. 27 Docas (de economia mista, sendo o governo federal o maior acionista) ou os delegados (isto é, aqueles transferidos à estados, municípios ou consórcios públicos) que atuam sob autorização da Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP/PR) e 1 porto administrado por uma empresa privada, o de Imbituba (SC) (AMATO, 2012; MESQUITA, 2015). Aliado a esses 34 portos marítimos, há outros 3 portos fluviais que constituem os 37 portos públicos organizados no país (Figura 1). Figura 1: Portos Marítimos e Fluviais no Brasil Fonte: ANTAQ, 2016. Vale dizer que porto organizado é todo bem público construído e aparelhado para sanar e atender as necessidades expostas pela navegação, movimentação e armazenagem de mercadorias e movimentações de passageiros. Dos quais o tráfego e as operações estejam dentro da jurisdição de autoridade portuária (BRASIL, 2013). É também necessário explicar que, no Brasil, existem as Instalações Portuárias 28 Públicas de Pequeno Porte (IP4), que são portos públicos fluviais de porte e atuação pequena e estão sob gestão do Ministério dos Transportes e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), no total são 122 portos (MESQUITA, 2015). Além dos portos organizados (37 no total) controlados pelas Companhias de Docas (Quadro 1) ou delegados (Quadro 2) que atuam sob a autorização da SEP, essa secretaria também atua sob outros 39 portos fluviais (MESQUITA, 2015). Quadro 1: Os Portos Públicos Administrados por Companhias Docas Fonte: Adaptado de MESQUITA(2015). 29 Quadro 2: Portos Organizados delegados no Brasil Fonte: Adaptado de MESQUITA (2015). Conforme destacado no Quadro 1, existem apenas oito Companhias Docas que controlam os portos organizados no país: Companhia Docas do Maranhão (CODOMAR), Companhia Docas do Pará (CDP), Companhia Docas do Ceará (CDC), Companhia Docas do Rio Grande do Norte (CODERN), Companhia Docas do Estado da Bahia (CODEBA), Companhia Docas do Espírito Santo (CODESA), Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), e Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP). Em relação ao Quadro 2, os portos organizados delegados estão sob controle das seguintes autoridades: Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (SDEC-PE), SC Parcerias Porto de Imbituba (SCPAR), Administração do Porto de São Francisco do Sul (APSFS), Empresa Maranhense de Administração Portuária (EMAP), Companhia Docas da Paraíba (DOCAS-PB), Empresa Porto de Recife S.A, Desenvolvimento Rodoviário S/A (DERSA) – o Porto de São Sebastião tem como autoridade portuária a Cia Docas de São Sebastião-, Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (APPA), Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), Superintendência do Porto de Rio Grande (SUPRG), Sociedade de Portos e Hidrovias do Estado de Rondônia (SOPH-RO), Superintendência do Porto de Itajaí (ADHOC), Companhia Docas de Santana Amapá (CDSA) – antigo Porto de Macapá, Companhia 30 Municipal de Administração Portuária (COMAP). Com o surgimento da SEP no ano de 2007 o setor portuário nacional ganhou um novo arranjo institucional. A SEP tem como atribuições: o poder concedente (de atribuir normas/diretrizes para concessão de áreas portuárias, entre outras); o planejamento do setor portuário nacional (estabelecer e elaborar o Plano Nacional de Logística Portuária, aprovar os Plano de Desenvolvimento e Zoneamento, articular investimentos entre outros); desenvolver a política setorial (abrangendo os portos marítimos e fluviais, sejam eles portos organizados ou concedidos a iniciativa privada); e as diretrizes de gestão portuária (entre elas normas para pré-qualificação dos operadores portuários, definir diretrizes para a concessão portuária, entre outras) (SEP, 2014). Vinculada a SEP está a Agência Nacional de Transporte Aquaviário (ANTAQ) que realiza as funções de regulação e fiscalização dos contratos de arrendamentos e concessões, além do papel de apoio ao poder concedente, principalmente na execução das licitações e processos seletivos para outorgas de arrendamento. Também está vinculada a essa Secretaria a Autoridade Portuária (AP) dos diferentes portos organizados do país. Vale dizer que desde 12 de maio de 2016, a SEP foi incorporada a pasta do Ministério dos Transportes, que passou a ser denominado Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil. Neste sentido, apresentamos a Figura 2, que ilustra as principais instituições atuantes no setor portuário na atualidade. Figura 2: Principais instituições relacionadas ao setor portuário brasileiro Fonte: Adaptado de Goldberg (2009). 31 Conforme destacado, no âmbito local atuam as Autoridades Portuárias e os Conselhos de Autoridade Portuária, que por sua vez interagem com as demais instituições de funções mais específicas como, as autoridades marítimas e aduaneiras, por exemplo. Já em âmbito nacional o Ministério dos Transportes, por meio da Secretaria dos Portos, de maneira a elaborar e promover políticas setoriais, ou seja, a Figura 2 possibilita apreender a estrutura hierárquica das instituições relacionadas ao setor portuário brasileiro. No Brasil, através da Lei nº 12.815 de 2013 (a nova Lei dos Portos), do Decreto nº 8.033 de 2013 e das resoluções da ANTAQ, possibilitou-se a autorização de construção/exploração/ampliação de terminais portuários e de demais projetos de arrendamentos que favoreceu no processo de concessões de áreas portuárias para a instalação dos Terminais de Uso Privativo (TUPs4) no território nacional (POVIA, 2015). Atualmente o país registra 165 Instalações Portuárias Privativas Autorizadas, sendo 148 TUPs, 16 Estações de Transbordo de Carga (ETC’s5) e 1 modelo de Instalação Portuária de Turismo (IPT6) (POVIA, 2015). Quanto à movimentação de cargas nos portos do país, segundo Antaq (2015) os portos organizados e os terminais privados movimentaram mais de 260 milhões de toneladas brutas no terceiro trimestre de 2015 (Gráfico 1). Sendo que houve nesse mesmo período se comparado ao terceiro trimestre de 2014 um acréscimo de 1,4% nas movimentações realizadas pelos portos organizados, enquanto que os terminais privados aumentaram sua movimentação em 8,8% (SERRA et al., 2015). 4 “TUP é a instalação construída ou a ser implantada por instituições privadas ou públicas, não integrante do patrimônio do Porto Público, para a movimentação e armazenagem de mercadorias destinadas ao transporte aquaviário ou provenientes dele.” (APPA, 2006, p.124). 5 De acordo com Mesquita (2015) SEP as ETC’s são instalações portuárias localizadas fora do porto organizado para o transbordo de mercadorias em navegação interior ou de cabotagem. 6 Para Mesquita (2015) as IPT’s são instalações utilizadas para o desembarque e transito de passageiros, bagagens, insumos, etc., para embarcações de turismo. As duas modalidades são exploradas mediante a autorização da União. 32 Gráfico 1: Total de Cargas Movimentadas 3º Trimestre de 2015 no Brasil Fonte: SDP apud SERRA et al., (2015). De acordo com o Gráfico 1, os dados referentes a movimentação de cargas entre os portos organizados e os terminais privativos demonstram que o segundo tem significativa vantagem em número total de movimentação de cargas total no país, com valores próximos ao dobro do que são movimentados nos portos organizados. No terceiro trimestre de 2015, os destaques entre os grupos de mercadoria de maiores movimentações no período foram: o de minério de ferro (102,9 milhões de toneladas, acréscimo de 6,87%); sementes, grãos e frutos (17,3 milhões de toneladas, acréscimo de 39,6%); e cereais (13,9 milhões de toneladas, com 46,2% de aumento). Por outro lado, surgiram também destaques negativos: a movimentação de adubos - fertilizantes (queda de 11,3%) e combustíveis (57,8 milhões de toneladas, decréscimo de 3,3%).(SERRA et al., 2015, s/p) Segundo Serra et al.(2015) no terceiro trimestre de 2015 do total de cargas movimentadas mais de 65% ocorreram através dos terminais privados e apenas 34,9% nos portos organizados. Segundo os autores, dos principais tipos de mercadorias movimentadas nos portos do país, 92% da tonelagem de cargas nesse período são transportadas a granel, sendo que o granel sólido representou mais da metade do total de cargas movimentadas com 63,6%, seguido do granel líquido com 21,7%, o contêiner que apresentou 9,7%, e a carga geral com 5%. 33 Como demonstrado pelos dados expostos até o presente momento, nota-se, que os terminais privados movimentam um maior número de cargas em relação aos portos organizados. Por outro lado, são os portos organizados que movimentam majoritariamente as cargas gerais e também movimentam 85% dos contêineres no país, que normalmente ocorrem em seus terminais arrendados (MARCHETTI; FERREIRA, s/d). O porto organizado de Santos, por exemplo, no terceiro trimestre de 2015 movimentou sozinho maior parte do total de contêineres do país 46,2%, seguido de Paranaguá com 12% (SERRA et al., 2015). O cenário portuário nacional demonstra um crescimento gradativo em relação a movimentação de mercadorias, no período de 1992-2001 foi de 4,5% ao ano, e do período de 2002-2011 representou 5,9% a.a. (MARCHETTI; FERREIRA, s/d). A taxa de crescimento da movimentação portuária nos últimos dez anos aumentou 31% em relação ao período imediatamente anterior,38 puxada, principal mente, pelo crescimento da movimentação de carga geral, situando- se perto de 6% a.a., mas também de commodities de exportação. Essa aceleração deve-se ao crescimento da corrente de comércio brasileiro, inclusive a importação de bens. (MARCHETTI; FERREIRA, s/d, p.251-252) É importante mencionar que com o atual marco regulatório dos portos no Brasil, a Lei dos Portos de 20137, passou-se a adotar um novo modelo de organização similar ao tipo landlord port (MARCHETTI; FERREIRA, s/d). Este “significa que a propriedade da terra é do setor público, enquanto a operação portuária é realizada pelo setor privado.” (BANCO MUNDIAL apud MARCHETTI; FERREIRA, s/d, p.254). Lembrando que no Brasil, a propriedade da terra é da União, sendo que os administradores nos portos públicos são principalmente as Companhias Docas e também os delegados. Ademais, neste modelo landlord port, os investimentos em infraestrutura portuária são públicos, já os investimentos em termos de superestrutura e equipamentos são privados, entretanto a tendência segundo Goldberg (2009) é de que aos poucos os investimentos em infraestrutura e a própria administração portuária passem a gestão privada (ao invés de concessões por prazo definidos à iniciativa privada). Além disso, afirmam Marchetti; Ferreira (s/d) que existem os incentivos à concorrência entre os terminais de uso privativo e os públicos, tanto em relação à movimentação de cargas quanto ao recebimento/investimentos de políticas de fomento e desenvolvimento do setor/área portuária. 7 Adiante aprofundamos nossa discussão sobre essa Lei dos Portos. 34 Outra questão importante se refere aos trabalhadores portuários no Brasil. Segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) existem três grandes áreas/setores de trabalho portuário, são elas: 1) Trabalhadores na Administração da Infraestrutura Portuária (CNAE 5231-1/01); 2) Trabalhadores na Operação de Terminais (vinculados) (CNAE 5231-1/02); e 3) Trabalhadores dos OGMOs (avulsos registrados ou cadastrados na operação propriamente de movimentação de carga) (DIEESE; FNP, 2015). Conforme o Diesse (2015) o total de trabalhadores portuários (as três categorias) somava em 2013 mais de 50 mil. Desse total, 27.012 são dos empregados na operação de terminais, 18.241 são os trabalhadores ligados ao OGMOs e os trabalhadores na administração da infraestrutura portuária totalizam 4.806. Sendo que no período de 2006 a 2013 há um aumento nos trabalhadores empregados na Operação de Terminais e uma diminuição no quantitativo dos trabalhadores dos OGMOs. Em relação às ocupações, sabe-se que os trabalhadores na administração da infraestrutura tendem a ser em maior número nas atividades de assistentes administrativos (18,6%), guardas portuários (16,2%) e vigilantes (8%). Já entre os trabalhadores na operação de terminais é bem diversificada, podendo exercer funções como: motorista de caminhão, estivador, assistente administrativo, conferente de carga, técnico de planejamento de produção, faxineiro, vigia, eletricista e etc. Entre os trabalhadores dos OGMOs, 94,5% são trabalhadores com funções portuárias, como o estivador (86,7% - 15.820 trabalhadores), conferente (3,8%), vigia (2%), carregador de armazém (1,5%) entre outras ocupações (DIESSE, 2015). Segundo a Diesse (2015) a remuneração média dos trabalhadores portuários, em valores de dezembro de 2013, é de R$ 8.534,60 para os que atuam na administração de infraestrutura, R$ 4.275,90 para os trabalhadores dos OGMOs e de R$ 3.559,60 para os que atuam na operação de terminais. Vale dizer também que A região Sudeste concentra mais da metade (54,2%) dos trabalhadores portuários do Brasil, enquanto o sul do país representa mais de 1/5 (22,1%) dos empregados. Essas duas regiões somadas detém mais de ¾ dos trabalhadores no sistema portuário. (DIESSE, 2015, p.11) No caso da região Sudeste, conforme os dados do ano de 2013, existem 3.020 trabalhadores na administração da infraestrutura, 16.233 na operação dos terminais e 8.299 ligados aos OGMOs. 35 Como se observa, o sistema portuário nacional é complexo, por isso a proposta foi apresentar inicialmente um panorama geral a seu respeito, a seguir, adentramos especificamente na discussão a respeito dos sujeitos da pesquisa de maneira a analisar as particularidades da sua atividade laboral. 1.2 O trabalho portuário no Brasil No Brasil, o trabalho portuário historicamente foi construído a partir da divisão entre os trabalhadores de terra (docas – capatazia) e os trabalhadores de bordo (como é o caso da estiva), tendo o último, melhores remunerações e uma trajetória histórica de lutas e resistências dentro dos portos (GITAHY, 1992). Porém, ao longo dos anos esses trabalhadores portuários foram desmembrando-se em seis categorias profissionais: estivadores, capatazia, trabalhadores de bloco, conferente de carga e descarga, consertadores e vigias portuários, todos eles com seus respectivos CBO, CNAE, funções, caracterizações e entidades sindicais de representação. O trabalho portuário implica em embarque e desembarque de mercadorias, a distribuição e arrumação das cargas nos porões ou conveses das embarcações, ou mesmo o transbordo de cargas para outras embarcações, a peação (fixação de cargas nos porões se utilizando de equipamentos) ou despeação, ou mesmo a movimentação de cargas em armazéns e instalações portuárias em terra. Portanto, toda movimentação de mercadorias nos portos brasileiros, desde as atividades braçais às mecanizadas (com uso de máquinas) são tarefas dos trabalhadores portuários. Trabalhadores esses, marcados por um tipo de trabalho ocasional, coletivo e de controle por parte dos próprios trabalhadores organizados em sindicatos (DUTRA, 2013), o que foi alterado a partir da Lei de Modernização dos Portos, Lei nº8.630 de 1993. Atualmente é a Lei nº12.815 de 2013 que identifica e define as seis categorias de trabalhadores portuários no país, conforme segue: Art. 40. O trabalho portuário de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações, nos portos organizados, será realizado por trabalhadores portuários com vínculo empregatício por prazo indeterminado e por trabalhadores portuários avulsos. (BRASIL, 2013, s/p) Os trabalhadores na capatazia realizam as atividades de movimentação de mercadorias nas instalações do porto (em terra), compreendendo atividades como: 36 recebimento, conferência, transporte, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega. Os trabalhadores na estiva atuam nas atividades de “movimentação de mercadorias nos conveses ou nos porões das embarcações principais ou auxiliares, incluindo o transbordo, arrumação, peação e despeação, bem como o carregamento e a descarga, quando realizados com equipamentos de bordo” (DIEESE; FNP, 2015, p.06). A atividade na estiva é realizada a bordo da embarcação, no navio. Os trabalhadores na conferência de cargas e descargas realizam as atividades de contagem dos volumes, procedência/destino, anotação das características dos volumes, verificação do estado das mercadorias, assistência à pesagem, conferência do manifesto e outros serviços correlatos (BRASIL, 2013). Já os trabalhadores no conserto de cargas e descargas atuam na restauração e reparo das embalagens das mercadorias nas operações de carga e descarga das embarcações (reparo e restauração das embalagens de mercadorias, nas operações de carregamento e descarga de embarcações, reembalagem, marcação, remarcação, carimbagem, etiquetagem, abertura de volumes para vistoria e posterior recomposição) (DIEESE; FNP, 2015). Os trabalhadores de bloco, de acordo com APPA (2006), são responsáveis pela limpeza e conservação de embarcações, como: batimento de ferrugem, pintura, reparos e serviços correlatos. Já os trabalhadores na vigilância de embarcações fiscalizam a entrada e saída de pessoas a bordo das embarcações atracadas ou fundeadas ao largo, assim como fiscalizam a movimentação de mercadorias nos portalós, rampas, porões e outros locais da embarcação (BRASIL, 2013). Assim, trabalhador portuário é o trabalhador devidamente habilitado a executar atividades portuárias definidas em lei, realizadas nas instalações portuárias de uso público ou privativo, dentro dos limites do porto organizado, ou fora desses limites nos casos previstos em lei. (DUTRA, 2013, p.28-29) Ademais, é importante compreender que as seis categorias que compreendem os trabalhadores portuários possuem sindicatos de representação diferentes, assim como, cada uma dessas categorias possuem registros diferenciados dentro do Código Brasileiro de Ocupações (CBO), como, por exemplo: Estiva CBO-78-20, Bloco CBO-7832-30, Conferência de Carga e Descarga CBO-414215, entre outros. É também necessário mencionar a centralidade de três instituições vinculadas ao 37 trabalho portuário de maneira mais direta, são elas: o sindicato de cada categoria dos trabalhadores portuários, a figura do Operador Portuário e o Órgão de Gestão de Mão de Obra (OGMO). Os sindicatos, como sabemos, são entidades representativas dos trabalhadores que em tese lutam "contra o despotismo e a dominação do capital", são criados "para a defesa contra a usurpação incessante do capitalista" (ANTUNES, 1980, p.12-13). Conforme apontamos adiante nessa dissertação, o movimento sindical dos trabalhadores portuários, sobretudo relacionado aos estivadores, teve historicamente no Brasil um papel fundamental de mobilização, denúncia, resistência e luta em prol de condições dignas de trabalho, de controle do trabalho nos portos e direitos sociais para o conjunto da classe trabalhadora. E, apesar de suas próprias limitações, conforme também destacaremos, essa entidade não pode ser negligenciada ao se tratar do trabalho portuário no Brasil, mesmo porque essas organizações foram organizadas antes mesmo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Constituição de 1934. As entidades sindicais portuárias, no Brasil, sempre foram fortes, combativas e bem estruturadas, tanto em termos de finanças como na mobilização para a luta de classe. Tais características foram marcantes para suas conquistas inclusive durante a ditadura do Governo Vargas e a ditadura Militar. (TEIXEIRA, 2007, p.75) Importantes conquistas dos trabalhadores portuários avulsos se deram com o respaldo dos seus respectivos sindicatos, a exemplo da igualdade de direitos com os trabalhadores de vínculo permanente e da intermediação da mão de obra (o controle do processo e organização do trabalho), situação que foi alterada com o advento da Lei nº8.630/1993, que ao criar o OGMO encerrou a exclusividade sindical no fornecimento da força de trabalho portuária avulsa. Quanto à figura do Operador Portuário, um dos novos atores recentes do setor inserido pelo processo de modernização portuária no Brasil a partir de 1993, este é a pessoa jurídica pré-qualificada para executar as atividades na área do porto organizado e enquanto tais são os requisitantes de mão de obra, devendo cumprir as normas exigidas pelos órgãos competentes e as normas da Antaq (BRASIL, 1993; 2013). A outra instituição é conhecida como OGMOs, que são atualmente são os responsáveis pela gestão do controle da mão de obra nos portos nacionais, de maneira a controlar o rodízio dos trabalhadores, a remuneração, o cumprimento das normas, segurança e saúde. No entanto, a criação dos OGMOs foi rebatida com duras críticas e 38 gerou vários questionamentos dos sindicatos dos trabalhadores portuários avulsos, que até então gerenciavam o trabalho nos portos, porém com o advento da modernização portuária mediante as Leis nº 8.630/1993 e 12.815/2013, novos elementos foram inseridos no sistema portuário nacional, de tal maneira que o trabalho, as relações de trabalho também sofreram com essa reestruturação, conforme analisamos a seguir. Retornando ao exposto no artigo 40 da Lei 12.815/2013, foi mencionado que há duas formas de trabalho portuário: o trabalho com vínculo empregatício e o trabalho avulso. Isto quer dizer que o trabalhador portuário com vínculo empregatício será aquele devidamente registrado e inscrito no OGMO e cedido por prazo indeterminado a um Operador Portuário. Já o trabalhador portuário avulso será aquele inscrito ao OGMO que presta serviços sem vínculo empregatício a vários tomadores de mão de obra. Ou seja, diferentemente dos trabalhadores empregados com ocupação "permanente", os TPAs dependem mais da realidade e da dinâmica diária de movimentação dos portos, já que um porto sem movimentação de carga tende a gerar um desemprego aos TPAs (CARVALHO, 2004 apud DUTRA, 2013). Porém, vale ressaltar que embora os TPAs não sejam trabalhadores com vínculos empregatícios com as empresas (isto é, com registro em carteira) mas sim ligados aos OGMOs, esses trabalhadores possuem uma série de direitos trabalhistas conquistados, que se assemelham aos trabalhadores de emprego formal, como por exemplo: o direito a aposentadoria, FGTS, 13º salário, descanso semanal remunerado, direito a férias. Afinal conforme estabelecido no inciso XXXIV do art.7º da Constituição Federal, fica garantido os mesmos direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso. O trabalho portuário avulso ao longo do tempo e através das ações de luta dos trabalhadores frente ao processo de exploração do capital nos portos nacionais, durante a virada de século XIX e ao longo do século XX, foi conquistando direitos laborais e melhores condições de vida e trabalho. Alguns desses importantes direitos foram: a) Direito a Hora Extra8, estabelecido através do artigo 278 da CLT que trata da jornada de trabalho e estabeleceu pagamento de horas extras para os trabalhadores; b) Direito ao Descanso Semanal Remunerado mediante a Lei nº 6059 de 1949; 8 Ainda que revogado pela Lei de modernização nº 8.630/1993, isso não implicou em perda de direito, pois ainda se continua a ser obtido pelos TPAs. 9 Para Pacheco (2004) essa lei se tornou um marco histórico para os TPA, pois a partir dela foi conquistado uma série de direitos trabalhistas. 39 c) Direito a férias10 anuais através do Decreto 61.851/1957 e da Lei 5.085/1966; d) Direito ao salário família estabelecido pelo Decreto 53.153/1963; e) O direito ao adicional noturno através da Lei nº 4.860 de 1965 estabelecendo pagamento diferenciado aos TPA no trabalho noturno. f) Direito ao décimo terceiro salário através da Lei 5.580/68. g) Direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) estabelecido pela Lei 5.107 de 1966. Além de ter [...] o direito a 25% de adicional para o segundo turno de trabalho aos sábados, adicional de 35% para mercadorias que necessitem material de proteção (insalubridade), adicional de 30% para mercadorias inflamáveis (periculosidade) [...] pagamento adicional de 30% do período de serviço interrompido por motivo de chuva. (GOMES; JUNQUEIRA, 2008, p.1103) Desta forma, mesmo os TPAs sendo trabalhadores sem vínculos empregatícios com os tomadores de serviços, conquistaram uma série de direitos trabalhistas reservados somente aos trabalhadores vinculados (PACHECO, 2004). Pacheco (2004) comenta que logo depois de instituída a CF88 o Tribunal Superior do Trabalho promulga entendimento referente ao inciso XXXIV, estabelecendo que o mesmo possui total eficácia e aplicabilidade imediata. Neste sentido, outro direito estabelecido pela CF88 é o direito a aposentadoria, que foi estendido para os trabalhadores portuários avulsos, mediante as Leis nº 8.212 e 8.213 ambas de 1991, que tratam sobre os planos de benefícios da previdência social e o plano de custeio da seguridade social. Vale mencionar, que antes do processo de modernização o trabalho portuário com vínculo foi requerido e até mesmo pensado por diversos empresários do setor, inclusive com o apoio da então concessionária do Porto de Santos, a Companhia Docas de Santos (CDS). Porém, a conjuntura política e econômica, assim como os próprios resultados do processo de acumulação do capital no setor portuário com o closed shop que garantiu resultados satisfatórios para os empregadores, tornando o sistema avulso um modelo de relação entre trabalho e capital interessante (TEIXERA, 2007). Esta relação, para o autor, foi mantida devido às particularidades das operações portuárias de carga/descarga de navios esporádicas, já que não se faziam necessárias a mão de obra contínua de um 10 Após a Constituição Federal de 1988, mais precisamente através da Lei nº 9.719 de 27 de novembro de 1998 foi estabelecido um novo regulamento sobre o direito de férias dos trabalhadores portuários avulsos (PACHECO, 2004). 40 trabalhador com vínculo, pois isso agregaria mais custos de produção. Por outro lado, entre os trabalhadores e sua entidade de classe esse sistema de mão de obra avulsa, tendo o sindicato da categoria como intermediador da mão de obra possibilitou, como já apontamos, conquistas trabalhistas aos trabalhadores. Assim, o interesse dos sindicatos em lutar pelo sistema por vínculo nos portos nacionais foi diminuindo com o passar dos anos e com as conquistas desses trabalhadores, inclusive, aumentando o poder de barganha da categoria tendo o sindicato como agente intermediador na distribuição do trabalho no porto (TEIXERA, 2007). A preferência, tanto do sindicato dos trabalhadores avulsos, como dos empresários/armadores se justificou durante muito tempo “[...] muito mais pela conveniência operacional e de redução de custo trabalhista à empresa, bem como pelos interesses políticos (incluindo a estratégia de luta de classe), sociais e econômicos dos portuários e de seus sindicatos.” (TEIXEIRA, 2007, p.37). Pensar na questão de garantias sociais e laborais que o vínculo representa para a sociedade brasileira, onde grande parte da população, historicamente, vive do trabalho informal e precário, sem direitos e garantias laborais é de suma importância para a melhora das condições de vida dos trabalhadores como um todo. As principais diferenças quanto ao vínculo entre os TPAs no Brasil, é que a partir do vínculo permanente esses trabalhadores têm a garantia do emprego no outro dia, coisa que os avulsos não possuem, pois depende da oferta diária de trabalho. Outro elemento, é que o vínculo proporciona um horário da jornada de trabalho, o que para os avulsos não ocorre, cada trabalhador faz seu horário, se quer ir trabalhar hoje vai, se não quer não vai. Além de ter que depender de quando haverá a oferta de trabalho nos pontos de escalação. Outros elementos apontados pelos trabalhadores em relação a diferença do vínculo e o avulso é que alguns trabalhadores preferem o vínculo porque ele estabelece uma remuneração básica definida no contrato de trabalho, algo que não acontece entre os avulsos. No avulso o trabalhador faz seu salário, ou seja, quando mais ele consegue se engajar para o trabalho maior será sua remuneração (E5, 2016). [...] diante do agressivo processo de automação, mecanização e até robotização dos aparelhos portuário e dos navios, bem como da modernização do sistema de acondicionamento da carga (conteinerização, etc), ocorreu uma total reestruturação e alteração do perfil operacional do setor. No passado era normal o navio chegar ao porto e ficar aguardando a vinda da carga a ser embarcada. Hoje, acontece ao contrário: a carga deve chegar ao porto, e ficar pronta (e preparada) para o embarque, antes da chegada do navio, o qual como regra, atualmente opera com muita rapidez tanto no carregamento como no descarregamento das mercadorias. 41 Tais fatos, somados à modernização das comunicações – via rede internacional, vêm obrigando um novo tipo de relações entre o capital e o trabalho nos portos, inclusive no Brasil. O trabalho transitório e esporádico do passado está sendo substituído – e rapidamente – pelo trabalho permanente nos terminais portuários. (TEIXEIRA, 2007, p.36) Embora haja equiparação aos trabalhadores vinculados/formais, há ainda alguns problemas que cercam os TPAs nos portos brasileiros. Por outro lado, o recente discurso a favor da implantação total de trabalhadores portuários via o sistema por vínculo, ainda que no papel seja atestado pelo conjunto de direitos sociais e laborais aos trabalhadores, soa à primeira vista um tanto suspeito, já que se faz mediante os interesses dos operadores portuários com o propósito de modernizar o setor, isto é, os anseios do capital em consonância com o Estado. O que tende a trazer implicações e conflitos para com os trabalhadores e suas entidades representativas, tais como se o trabalhador inscrito no OGMO detém exclusividade ou apenas prioridade para a contratação na modalidade de vínculo, e se as Operadoras Portuárias têm ou não a total liberdade de contratação de trabalhadores (fora dos quadros do OGMO) para os seus serviços requeridos, enfim, essas e outras questões que são debatidas e aprofundadas no capítulo 3. 1.2.1 Quem são os sujeitos da pesquisa? Dentre os trabalhadores portuários avulsos, estão os trabalhadores estivadores, os quais selecionamos como o sujeito de análise da presente pesquisa. O trabalho na estiva é historicamente a principal categoria dos trabalhadores portuários e suas atividades laborais são bem diversificadas, que por sua vez, exige todo um leque de aprendizado desses sujeitos para atuarem nesse trabalho. Vale dizer que a estiva foi definida pelo Decreto nº 24.508, de 29 de junho de 1934, e posteriormente pelos Decretos-Leis nº 1.371, de 23 de junho de 1939, e 2.032, de 23 de fevereiro de 1940, tendo suas funções consolidadas por meio do Decreto-Lei nº 5.452, de 1° maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho). Mas com a Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, passou a ser enquadrada dentro da definição de trabalho portuário avulso, sendo atualmente regulado pela Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013. Ainda que historicamente os estivadores tenham um trabalho relacionado a operações braçais e pesadas de cargas e descargas de navios que atracam nos portos, têm- se recentemente assistido a incorporação de novas tecnologias e um novo ritmo de 42 produção, lhes impondo novos desafios e problemas que muitas vezes rebate nas condições desfavoráveis de trabalho e riscos ocupacionais (por exemplo, ruídos e contato direto com substâncias químicas), baixa remuneração e até mesmo pouco reconhecimento social do trabalho exercidos por eles11. Eis então o propósito desta pesquisa compreender como o advento da reestruturação produtiva nos portos nacionais, expressa na figura da modernização portuária, rebate e impacta na realidade de vida e trabalho dos sujeitos estivadores. Assim, é importante dizer que os estivadores executam uma diversidade de funções nos portos: a) Contramestre-geral ou do navio – a maior autoridade da estiva a bordo, a quem cabe coordenar os trabalhos em todos os porões do navio, de acordo com as instruções do operador portuário e do comandante do navio, dirigindo e orientando todos os estivadores a bordo. b) Contramestre de terno ou de porão – o que dirige e orienta o serviço de estiva em cada porão de acordo com as instruções do operador portuário, do comandante do navio ou do representante no porto, do planista ou do contramestre-geral ou do navio. c) Sinaleiro ou “Portaló” – o que orienta o trabalho dos operadores de aparelho de guindar, por meio de sinais. Ele fica em uma posição em que possa ver bem tanto o local onde a lingada é engatada como aquele em que é depositada, e onde possa ser visto pelo guincheiro ou guindasteiro. d) Guincheiro – trabalhador habilitado a operar guindaste. No porto denomina- se genericamente os operadores dos aparelhos de guindar de terra como guindasteiros, sendo trabalhador de capatazia. No caso do operador de aparelho de guindar de bordo, este é comumente chamado guincheiro e é trabalhador da estiva. e) Motorista – o que dirige o veículo quando esta é embarcada ou desembarcada através de sistema roll on/roll off (ro/ro). Ressalte-se que é praxe nessa operação haver a troca de motoristas quando o veículo toca o cais. Sai o motorista da estiva e entra o motorista da capatazia, que conduz o mesmo até o pátio de armazenagem. f) Operador de equipamentos – estivador habilitado a operar empilhadeira, pá carregadeira ou outro equipamento de movimentação de carga a bordo. g) Estivador – trabalhador que, no carregamento, desfaz as lingadas e transporta os volumes para as posições determinadas em que vão ser estivados. No descarregamento, traz os volumes das posições onde estão estivados e prepara as lingadas. h) Peador/despeador ou conexo – trabalhador que faz a peação/despeação. Trabalhador com certa especialização, visto que muitos trabalhos fazem uso de técnicas de carpintaria (escoramento da carga com madeira). (MTE, 2001, p.21-22 – grifos nossos) A seguir nas Figuras 3, 4, 5, 6, 7 e 8 é possível observar como são essas diferentes funções exercidas pelos estivadores. 11 Informações fornecidas pelos estivadores em trabalho de campo. 43 Figura 3: Estivadores na função de motoristas transportando os automóveis do cais para o navio Ro-Ro Fonte: Trabalho de Campo, 2016. Figura 4: Estivador (de vestimenta laranja) e trabalhador de bloco (vestimenta azul) atuando como sinaleiro/parqueadero auxiliando os motoristas (estivadores) a manobrarem os automóveis dentro do navio Ro-Ro Fonte: YOUTUBE, 2013. 44 Figura 5: Estivador atuando como Portoló guiando o guincheiro de bordo (estivador) na alocação do trator (máquina que outro estivador vai manusear) no porão de navio atracado no Porto de Santos Fonte: YOUTUBE, 2011. Figura 6: Estivadores atuando como conexo peando barras de ferro no porão do navio Fonte: Trabalho de Campo, 2016. 45 Figura 7: Estivadores trabalhando no carregamento de açúcar ensacado no Terminal Privativo da Libra no Porto de Santos Fonte: YOUTUBE, 2012. Figura 8: Estivadores trabalhando como peão na sarreta (limpeza do porão) de rocha fosfática Fonte: Trabalho de Campo, 2016. 46 Como percebemos, o trabalho na estiva compreende uma gama de atividades laborais e de particularidades em cada tipo de engajamento (função) que esses trabalhadores realizam em sua rotina laboral. Como salientou E5 (2016) uma das principais características desse trabalho é a diversidade de atividades que exercem ou podem exercer, o que não os colocam em uma rotina, como presente em outras categorias. Ser estivador, de acordo com o entrevistado, permite trabalhar um dia como motorista, outro na peação de contêineres, outro como tratorista, ou como guincheiro e etc., possibilitando uma dinamicidade e diversidade de trabalhos a serem desenvolvidos por esses sujeitos. A diversidade do trabalho do estivador está para além das funções/atividades exercidas, encontra-se também quanto à composição da equipe de trabalho e o modo operacional (QUEIRÓZ et. al., 2016). Vejamos o exemplo da peação/despeação e estivagem/desetivagem de carros num navio Ro-Ro12. Neste caso é necessário, por exemplo, a seguinte composição de ternos13 da estiva: 12 motoristas; 1 geral do navio; 1 contramestre de produção; 1 contramestre de conexo; 10 conexos (5 estivadores e 5 trabalhadores do bloco14 que fazem a peação/despeação); 2 sinaleiros (sinalizam nas rampas de acesso e onde deve-se estivar o carro); e 2 parqueadores (orientam a correta estivagem através de sinais), totalizando um total de 29 trabalhadores em um terno15 (QUEIRÓZ et al., 2016). Os pontos de atracações desses navios em Santos acontecem em três localidades: Cais 1 (localizado no Saboó), Terminal de Veículos (na operadora portuária Santos Brasil); Cais 31 (ao lado do terminal da Citrosuco), sendo esse último com menos frequência (QUEIRÓZ et al., 2016). Antes de seguir para o local de trabalho, os trabalhadores portuários avulsos têm que engajar-se para o trabalho em um dos pontos de escalação do OGMO, engajado, ele apresenta-se no cais para iniciar sua faina, onde o supervisor (estivador que trabalha para 12 O navio Ro-Ro é comparado com um prédio de 12 andares, sendo que dentro dele encontra-se um conjunto de decks, localizados acima e abaixo, ou seja, mais alto na embarcação ou mais abaixo. "Em média cada deck comporta 500 carros e os navios Ro-Ro comportam, no geral, 3.000 carros leves, podendo chegar a 5.000." (Queiróz et al., 2016, p.28). 13 “É cada equipe de trabalho a bordo. Normalmente, em cada porão em que haja movimentação de mercadorias há um terno de trabalhadores escalado”(APPA, 2006, p.124). 14 Outra categoria do trabalho portuário avulso. 15 É comum a requisição de dois ternos por jornada de trabalho (seis horas) no embarque/desembarque nesse tipo de operação, com: 46 estivadores, 10 trabalhadores do Bloco e 1 mestre geral do navio, compondo equipe de 57 trabalhadores no porão do navio (QUEIRÓZ et al., 2016). 47 a empresa) passa o trabalho para o geral do navio e esse tem a função de repassar para o contramestre de produção, que por sua vez, repassa para os estivadores motoristas, sinaleiros, parqueadores e conexos (incluindo-se aí o trabalhador do bloco). No momento de início da faina o estivador motorista tem que estar ao pé da rampa do navio para receber o carro, enquanto o sinaleiro e o parqueador já se encontram dentro do navio. Para o carro chegar até a rampa uma sequência de trabalhadores atuam para que se posicione a carga de modo a ser manobrada pelo estivador. Esta sequência contempla o funcionário do terminal que traz o carro do pátio da empresa até o costado e do rodoviário (trabalhador de capatazia) que dirige o carro até a rampa. Na rampa, o mestre do terno acompanha o processo da estivagem, que se desenrola como se fosse um carrossel. Os estivadores tomam o volante, entram com o carro no navio, estacionam e voltam a pé utilizando a rampa ou a escada, pegam outro veículo e reinicia-se o carrossel. (QUEIRÓZ et al., 2016, p.28) Assim, Uma vez dentro do carro o motorista (estivador) segue a rota especificada e as indicações do sinaleiro para o deck no qual o carro será estivado. O trabalho do sinaleiro é indicar para os trabalhadores aqueles decks onde tem espaços de difícil manobra, por exemplo, na beira da rampa, pois apresenta risco de queda de carros e homens que os dirigem. No navio Ro-Ro que tem fainas simultâneas, pois como explicado transporta vários tipos de carga, o sinaleiro também ajuda na orientação do fluxo do trabalho, das rotas no sentido de evitar colisões e atropelamentos no embarque e desembarque de cargas. (QUEIRÓZ et al., 2016, p.28) Em relação à remuneração dos estivadores, essa se difere, tanto em relação a jornada de trabalho, quanto a atividade que os mesmos exercem. Neste sentido, para ilustrar um exemplo da remuneração desses trabalhadores, nos baseamos no exemplo do Acordo Coletivo de Trabalho firmado entre o SINDESTIVA e a empresa EMBRAPORT referente aos anos de 2015/201716, que estipula as condições de trabalho para esses trabalhadores. No Porto de Santos, as jornadas de trabalho são divididas em quatro turnos: 1º) das 07: 00 às 13:00 horas; 2º) das 13:00 às 19:00 horas; 3º) das 19:00 às 01:00 horas; 4º) das 01:00 às 07:00 (do outro dia). Sendo que, há a possibilidade de turnos diários de trabalho de 8 horas. Entretanto, de acordo com os trabalhadores entrevistados é mais comum a jornada de trabalho de 6 horas entre os avulsos e de 8 horas entre os vinculados. Para os trabalhadores avulsos há uma garantia de remuneração mínima de R$ 55,00 (turno de 6 horas) e de R$ 80,00 (turno de 8 horas). Vale ressaltar, que os 16 Esse acordo entre a empresa e a SINDESTIVA apenas foi registrado no MTE no dia 25 de agosto de 2016. 48 trabalhadores na estiva também recebem por produtividade, quando a movimentação de cargas passa o valor fixo (mínimo) por esses trabalhadores, eles têm suas remunerações referenciadas na taxa de produtividade, quanto não se atinge essa taxa, recebem o valor mínimo estabelecido, o chamado fixo por jornada de trabalho. Por exemplo, na movimentação de contêineres os trabalhadores recebem por unidade movimentada em cada período de trabalho, sendo que cada estivador receberá: 1) [...] o valor de R$ 3,52241, multiplicado pela quantidade de quota definida para a função por ele exercida, por contêiner movimentado em cada período de trabalho; 2) [...] contêineres vazios de 20’, 40’ ou 45’ [...], cada Estivador escalado nas equipes de trabalho de transição de produção, receberá o valor de R$ 0,94504, multiplicado pela quantidade de quota definida para a função por ele exercida, por contêiner movimentado em cada período de trabalho; 3) Os serviços dos Estivadores escalados nas equipes, quando estiverem sendo realizadas pelo TERMINAL DE USO PRIVADO operações de transbordo de carga ou de cabotagem, serão remunerados com valores reduzidos, adotando- se como base de cálculo o percentual de 70% (setenta por cento) da remuneração específica de cada operação. 4) Quando da realização dos serviços necessários nas movimentações ocasionais de contêineres que contenham volumes com dimensões excedentes, que sejam realizadas por Portaineres, e ou Pórticos similares automatizados, utilizando cabos, os trabalhadores do terno que executarem estes serviços receberão sua remuneração com base em 2,5 (duas cotas e meia), o equivalente a R$ 8,66972 por container e/ou volume efetivamente movimentado nestas condições especiais. (MTE, 2016). Vale dizer, que as cotas referentes ao trabalho dos estivadores na movimentação de contêineres estabelecido entre o SINDESTIVA e a EMBRAPORT, para jornadas de 6 horas de trabalho, estão apresentadas na Tabela 1. 49 Tabela 1: Descrição dos Ternos de Trabalho na Estiva para trabalhos requisitados pela EMBRAPORT Fonte: MTE, 2016. No que se refere as jornadas de 8 horas, a única diferença no acordo celebrado entre o SINDESTIVA e a EMBRAPORT, é referente ao embarque/desembarque de trilhos que possui uma taxa maior do que na jornada de 6 horas, no valor de R$ 420 por 50 dia trabalhado. Por fim, as definições da cota para as diversas atividades que um estivador pode realizar é a exposta no acordo coletivo de trabalho: 1. Contra Mestre Geral – 2,25 quota (1 por navio) 2. Contra Mestre Auxiliar – 1,50 quota (1 por porão) 3. Motoristas, Tratoristas, Carreteiros e Guincheiros – 1,20 quota 4. Portaló, Sinaleiro e Trabalhador – 1,00 quota E para carga especial (navios Ro-Ro), 1. Contra Mestre Geral – 2,50 quota (1 por navio) 2. Contra Mestre Auxiliar – 2,00 quota (1 por porão) 3. Motoristas, Tratoristas, Carreteiros e Guincheiros – 2,00 quota 4. Portaló, Sinaleiro e Trabalhador – 1,50 quota. Além do mais, os estivadores possuem direitos adicionais, como, adicional noturno (considerado das 19 horas às 07 horas do dia seguinte) aplicado a partir da remuneração básica dos trabalhadores, sendo que, de segunda a sexta a taxa será de 50% e aos sábados de 75%, já no domingo e feriados a taxa é de 50% sobre a remuneração básica normal para esse dia trabalhado17. Outros adicionais são: vale transporte pago pela empresa através do OGMO; percentuais de férias; 13º salário; FGTS; percentual de 18,18% relativo ao Repouso Semanal Remunerado (RSR); aos trabalhadores que realizarem os turnos de 8 horas receberam uma refeição diária (almoço, jantar ou ceia) no refeitório da empresa, já aos avulsos, dispensados antes da parada para o descanso do trabalho, receberam ticket refeição de R$ 16,02, quando o trabalhador não receber a refeição pela empresa. Já aos trabalhadores com turnos de 6 horas é pago o ticket refeição de R$ 16,02. Como visto, a atividade laboral dos estivadores é complexa e diversificada, além disso, o trabalho do estivador requer uma sintonia entre todos da equipe/terno, o que lhes possibilita inclusive maior segurança na movimentação de cargas e na execução geral do processo de trabalho, mas também laços de amizade, companheirismo e solidariedade entre a categoria. 17 A remuneração básica para esses dias trabalhados recebe um adicional de 100% (MTE, 2016). 51 Se por si só o trabalho avulso já apresenta particularidades, isso se acirra no caso dos estivadores, que possuem historicamente um conjunto de fatores e elementos que os conformam, tais como a solidariedade e a identidade de ser estivador, que possibilita união e luta em defesa dos seus direitos sociais e laborais. É muito presente nas falas dos estivadores entrevistados como o trabalho foi (e de certo modo ainda é) muito marcado pela mobilidade no porto, por uma certa liberdade, pela auto-organização, pela própria definição das tarefas e ritmo de trabalho, aliado ao poder do sindicato de organizar, gerenciar e fiscalizar o trabalho no porto. Em outros termos, entre os estivadores de Santos é marcante a forte solidariedade que se junta à politização, devido à presença ideológica do sindicalismo portuário santista, e a força da tradição histórica e sociológica e em defesa de seus direitos. Vale ressaltar que historicamente, no caso portuário santista, a atividade da/na estiva era transmitida de pai para filho. É muito comum, ainda hoje, conforme constatamos pelos trabalhos de campo, muitos estivadores na ativa possuem em suas famílias laços históricos com às atividades exercidas dentro do porto, seja através de seus pais, irmãos, primos ou tios, ou seja, caracterizando um trabalho exclusivamente masculino no caso santista. Desta forma, ainda hoje há alguns casos em que ter um membro da família que exerceu/exerce a atividade é um dos possíveis caminhos para ser um estivador. Dos estivadores entrevistados nessa pesquisa, onze no total, mais da metade afirmaram possuir laços familiares históricos ligados a estiva. Desse universo de entrevistados, constatamos, assim como já apontado pelo SINDESTIVA, que a grande maioria dos trabalhadores estivadores no Porto de Santos tem como origem os municípios que compõem a Baixada Santista: Santos (no total 5 estivadores foram entrevistados); São Vicente (2 estivadores entrevistados), Guarujá (2 estivadores entrevistados); Cubatão (1 estivador) e Peruíbe (1 estivador). Percebemos também, a diferenciação no trabalho do estivador que se dá mediante a definição de ser cadastrado e ser registrado18. Quando um trabalhador inicia seu trabalho como um estivador, necessariamente ele se torna um cadastrado no sistema portuário, devendo realizar cursos, se aperfeiçoar de maneira a um determinado momento se tornar registrado, normalmente essa transição ocorre por demanda de trabalho ou por ventura de aposentadorias, falecimentos ou cancelamento de registro de trabalhadores antigos, 18 Essa diferenciação entre cadastrado e registrado diz respeito a todos os TPAs. 52 sendo, portanto, um momento sem uma regra cronológica certa e determinada previamente. Por exemplo, entre os estivadores que iniciam na atividade, sendo assim tidos como cadastrados ao sindicato/OGMO, acabam não tendo prioridade na tomada dos serviços, em relação aos registrados. Isto porque, conforme estipulado em lei a prioridade dos serviços portuários são destinados aos trabalhadores registrados, enquanto os cadastrados servem como uma forma complementar/supletiva, mas é importante mencionar, que a diferença entre o cadastrado e o registrado, se faz nesse sentido de ser escalado ao trabalho de maneira prioritária ou não, mas não em termos salariais e de jornadas de trabalho. Sendo assim, se no momento de escalação existem 100 vagas de trabalho e há um total de 200 trabalhadores inscritos no OGMO, sendo que desses, 80 são registrados e 120 são cadastrados, isso quer dizer que os 80 registrados terão suas vagas garantidas ao trabalho, e o restante, as 20 vagas remanescentes, serão destinadas aos cadastrados. Contudo, nem sempre todos os registrados inscritos atuam nesses trabalhos, já que podem optar por escolher o turno e a atividade que quer exercer num dado dia, desde que efetue 2/3 de presença em relação aos dias do mês, fazendo com que haja mais vagas que podem ser ocupadas por mais cadastrados. Ou então, pode ocorrer o contrário, ficando a maioria dos cadastrados sem nenhum trabalho num dado dia/turno e tendo de buscar outras atividades. Como por exemplo, o E719 (2016) entrevistado que é um trabalhador cadastrado, divide suas atividades na estiva com o trabalho de taxista na cidade de Santos, tendo nos relatado que isso ocorre devido a não prioridade na tomada de serviços dentre os cadastrados, o que acarreta a falta de trabalho para eles, obrigando-os a exercer outras atividades para além da estiva, nos períodos em que não consegue engajar-se para o trabalho como estivador, a fim de complementar a renda. O que só demonstra a complexidade e as particularidades que envolvem o sujeito estivador, que neste caso se expressa pela própria plasticidade do trabalho (THOMAZ JÚNIOR, 2009) desse sujeito, já que exerce outras atividades laborais intercalada (complementar) com a atividade na estiva. Muitos estivadores entrevistados relataram, que era comum, durante seu período 19 Dentro os trabalhadores entrevistados o E7 foi o único entrevistado que é cadastro. Vale dizer que acompanhamos a cerimônia de passagem dele, de cadastro para registro no ano de 2015, realizado nas dependências do SINDESTIVA. Este trabalhador iniciou sua trajetória na estiva com 31 anos de idade e aos 40 (nove anos após seu ingresso) passou do cadastro para o registro. 53 de cadastro exercer outras atividades além da estiva, principalmente, trabalhando no setor de serviços ligados ao turismo, segurança particular e outros. Ao ser questionado sobre a possibilidade de continuar exercendo as duas atividades após passar para o registro, o E7 (2016) colocou que não continuaria trabalhando como taxista, pois como registrado terá a possibilidade de engajar-se várias vezes ao trabalho na estiva e também por causa da prioridade necessária a estiva quando se tornam trabalhadores registrados. O tempo de passagem, de cadastro para registro, entre os estivadores varia muito, nas entrevistas identificamos um tempo de seis a dez anos de espera. Sendo que, normalmente os trabalhadores iniciam na estiva entre os 18 e 21 anos de idade20, assim, levando em conta o tempo de espera da passagem de cadastrado para registrado, em média um trabalhador que ingressou como cadastrado com 21 anos de idade passaria para registrado com 31 anos. Não podemos deixar de mencionar nosso posicionamento de que, esse processo de diferenciação entre cadastrados e registrados no trabalho portuário avulso expressa uma violação aos direitos desses trabalhadores, notadamente em termos de direito ao ingresso e distinção de trabalho, ainda que já tenha se constituído como um processo hierárquico “natural” no sistema portuário nacional. Apesar disso tudo, é perceptível a identidade de classe desses trabalhadores a partir do seu fazer-se. Afinal, “a experiência da vida social proveniente do processo de trabalho teve papel determinante na construção da identidade desses trabalhadores”. (GOMES, 2008, p.206-207). É notável como os estivadores identificam-se uns com os outros, inclusive dentre os cadastrados com os registrados e vice-versa, de maneira a criarem laços ligados a tradicionalidade, a construção de saberes e conhecimentos laborais, ou seja, do que é ser estivador. Esses trabalhadores forjaram sua identidade de classe, tanto nas experiências cotidianas em seu ambiente de trabalho, cais do porto, na “parede”21 brigando pelo emprego, como fora, nos bares, no seu local de morada (nos cortiços, onde negros, portugueses, espanhóis e italianos se encontravam após o trabalho), tecendo sentimentos de pertencimento e identidade que romperam os preconceitos e as questões de 20 Em nosso grupo de entrevistados as idades de início foram: 3 com 18 anos; 1 com 20; 2 com 21; 2 com 22; 1 com 24; 1 com 25; 1 com 31 anos de idade. 21 Era o local onde os trabalhadores avulsos se destinavam a procurar por emprego todos os dias e até várias vezes ao dia dependendo da época do ano. Normalmente ocorrendo em espaços próximos ao cais do porto ou até mesmo em frente ao navio atracado. 54 nacionalidade (CHALHOUB, 1986; GITAHY, 1992; PINTO, 2000; ARANTES, 2008). O que queremos dizer, é que o processo de construção de identidade de classe, para os trabalhadores na estiva, não se deu somente com o controle da força de trabalho, e sim, antes mesmo disso. Isto é, durante o próprio processo de organização desses trabalhadores para lutarem por melhores condições de vida e trabalho, quando o controle da força de trabalho estava, em Santos, na virada do século XIX para o século XX, nas mãos dos trapicheiros, dos armadores e da CDS. Desta forma, como descreveu Gomes (2008) a história dos estivadores de Santos foi marcada por tradições, muito derivadas das experiências compartilhadas por esses trabalhadores, sejam eles negros, ou outros sujeitos de diferentes nacionalidades e culturas, tecidas através da luta por melhores condições de vida e trabalho. Esses sujeitos foram participantes e elaboradores de normas duradouras para a regulação da sua própria mão de obra. O processo de construção de identidade de classe entre os estivadores se deu a partir e no conflito, dos trabalhadores e os armadores/trapicheiros e a CDS pelo controle do trabalho. O conceito de classe exposto se baseia na análise de Thompson (2008), de maneira que não é originário de um modelo estatístico de relações capitalistas de produção. A classe, surge para os estivadores, a partir do seu próprio fazer-se, as construções de identidades, entre eles, foram tecidas para enfrentar as barreiras que lhes eram impostas. Para Thompson (2008) a classe se delineia a partir do modo como os homens e as mulheres vivem suas relações de produção, segundo e a partir de suas experiências e situações que são determinadas no interior do conjunto de suas relações sociais. Logo, o conceito de classe não é linear, mas dinâmico e surge a partir e no conflito (THOMPSON, 2008). Desta forma, compartilhamos dos pressupostos de Thompson sobre a identidade de classe e, em relação aos trabalhadores na estiva, essa construção se dá muito antes do controle do trabalho no cais do porto pelos próprios trabalhadores e seus sindicatos. E após o controle dos trabalhadores sobre a força de trabalho, essa identidade foi modificada, transformada, pois o conceito de classe é dinâmico, alterando-se com o tempo, estando sempre em movimento e ganhando novos significados. Quando se pensa no cotidiano, condições de vida e trabalho, visão de mundo, tudo isso explicita o chão do reconhecimento das experiências concretas de trabalhadores, estes que se proletarizavam naquele período específico. Essas experiências, vindas do processo de trabalho no interior de uma divisão 55 técnica, que demandava por diferentes níveis de habilidade e qualificação e determinava as formas de disciplina