UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Departamento de Economia Campus de Araraquara Abertura Comercial Brasileira : Contrapondo Opiniões Aluno: Fernando Piloto Moreti Orientador: Prof. Dr. Mário Augusto Bertella Examinador: Prof. Dr. Sebastião Neto Ribeiro Guedes Araraquara, novembro de 2011 2 Aos meus pais, Carlos e Sandra, e ao meu avô Alindo Piloto (in memorian). 3 Agradecimentos: Ao meu amigo e orientador, professor Mário Bertella, pela sua dedicação, competente orientação e sabedoria em transmitir conhecimento. A UNESP por me proporcionar todo esse conhecimento e essa estrutura, que facilita a aprendizagem e o conhecimento. A Araraquara, minha cidade de coração, que gostei muito de morar, e que me proporcionou momentos inesquecíveis. Aos meus amados pais, Carlos e Sandra, que sempre confiaram em mim e depositaram total apoio desde o início da minha vida escolar. Sem eles eu não seria o que sou hoje. Ao meu irmão, Rodrigo, que também me ajudou em alguns momentos com seus conhecimentos. Aos meus amigos, que desde o começo se mostraram boas companhias, em especial Filipe, Francisco, Gabriel, Lucas e Luiz Guilherme. Finalmente, obrigado a Deus, que é responsável por todas as coisas na minha vida. 4 Abertura Comercial Brasileira: Contrapondo Opiniões ÍNDICE Introdução _______________________________________________________________5 1) Evolução Econômica com Foco na Industrialização______________________________ 7 1.1) Introdução _____________________________________________________________ 7 1.2) O Início do Desenvolvimento do Setor Industrial_______________________________ 8 1.3) A Economia Brasileira de 1889 a 1929_______________________________________ 9 1.4) A Economia Brasileira de 1929 a 1945______________________________________ 12 1.5) A Economia Brasileira de 1946 a 1961______________________________________ 15 1.6) A Economia Brasileira de 1962 a 1989______________________________________ 19 1.7) Conclusões ___________________________________________________________ 26 2) A Abertura Comercial Brasileira____________________________________________ 29 2.1) Introdução____________________________________________________________ 29 2.2) O Processo de Abertura _________________________________________________ 30 2.3) Os Impactos da Abertura Comercial Brasileira_______________________________ 32 2.3.1) Produção____________________________________________________________32 2.3.2) Produtividade________________________________________________________ 33 2.3.3) Emprego____________________________________________________________ 33 2.3.4) Investimento_________________________________________________________ 35 2.3.5) Tecnologia___________________________________________________________36 2.3.6) Exportações__________________________________________________________37 2.3.7) Importações__________________________________________________________39 2.3.8) Eficiência Alocativa e Mark-up__________________________________________ 41 2.3.9) Fusão e Aquisição_____________________________________________________41 2.4) As Privatizações________________________________________________________43 2.5) Os Anos 1990__________________________________________________________45 3) Contrapondo Opiniões____________________________________________________ 51 3.1) Introdução____________________________________________________________ 51 3.2) O Debate de Idéias_____________________________________________________ 51 3.2.1) Emprego____________________________________________________________ 51 3.2.2) Produtividade________________________________________________________ 58 3.2.3) Investimentos e IDE___________________________________________________ 60 3.2.4) Competitividade, Concentração, Fusão e Aquisição__________________________ 62 3.3) Conclusões ____________________________________________________________66 Considerações Finais________________________________________________________67 4) Bibliografia_____________________________________________________________ 68 Anexo___________________________________________________________________ 73 5 Introdução A abertura comercial brasileira ocorrida na década de 1990, iniciada pouco antes do governo de Fernando Collor e continuada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi um período de extrema relevância na história econômica do país, pois representou a ruptura do protecionismo tarifário feito pelo governo para com a indústria nacional, proteção esta herdada do modelo de industrialização baseado na substituição das importações. A diminuição das tarifas de importação, a abolição dos regimes especiais para produtos importados e a unificação de tributos incidentes sobre as compras externas, entre outras medidas, fizeram com que as empresas nacionais sofressem uma dura concorrência das firmas e dos produtos importados, levando à falência muitas firmas locais, pois estas não eram nem um pouco competitivas se comparadas às estrangeiras. A abertura foi acompanhada de um processo de privatização, que é a venda de empresas ou instituições do setor público. Neste período, a venda de empresas estatais, foi de proporções sem precedentes na história, foi o maior programa de privatizações do mundo, totalizando US$105,9 bi ao final do processo. As conseqüências que a abertura econômica brasileira trouxe sob várias óticas foram positivas de acordo com alguns autores, mas para outros, não tão boas assim. É esse debate de idéias e argumentos que este trabalho objetiva e deseja estudar. Entretanto, é fato que a abertura obrigou as firmas nacionais a se modernizarem, a melhorarem seus produtos, a investirem produtivamente, e acima de tudo, fez com que elas se tornassem competitivas, algo praticamente impossível antes da abertura econômica no início da década de 1990. Sem as medidas tomadas pelo governo durante esse processo, dificilmente se veria o cenário industrial e econômico atual do Brasil. Acrescenta-se a isso a questão de que não se teria acesso a muitos produtos importados, facilmente encontrados nos estabelecimentos comerciais brasileiros nos dias atuais; e que não se observaria a atual dinâmica do setor exportador nacional, e é perfeitamente clara a importância desse processo na história econômica brasileira, dando ampla objetividade ao estudo desse período. Não se pode deixar citar, também, que todo o processo de abertura econômica, foi importante para a obtenção de êxito no Plano Real. Infelizmente, todo esse processo se deu acompanhado de um grande número de falências de empresas nacionais, grande número de aquisições de empresas nacionais por parte das estrangeiras e observou-se também uma queda nos níveis de emprego graças à política de contenção de gastos e modernização dos parques produtivos das empresas domésticas. 6 Todo o processo de abertura comercial foi feito com base nos ideais do Consenso de Washington1, que foi uma reunião realizada em novembro de 1989 em Washington, com representantes dos EUA, do FMI, do Banco Mundial e do BID. O principal objetivo deste encontro era procurar explicações, e possíveis saídas para a crise pela qual a América Latina vinha passando desde o final da década de 70 e durante a década de 1980. O trabalho se dividirá em três capítulos. Inicialmente abordaremos a evolução da economia brasileira, com foco no desenvolvimento da indústria. O capítulo seguinte tratará do processo de abertura e suas conseqüências sobre os diferentes segmentos da economia. Por fim, será feito o debate de idéias entre os autores, objetivo central deste trabalho. 1 O Consenso representava o ideário neoliberal, iniciado por Reagan e Thatcher, que pregava a incapacidade do Estado como gestor de políticas monetária e fiscal e, portanto a sua mínima presença na economia. O Consenso de Washington estabeleceu 10 mandamentos a serem seguidos pelos latino-americanos; segundo seus idealizadores, se observados de perto levariam ao desenvolvimento da América Latina. Foram eles: disciplina fiscal, priorização dos gastos públicos, reforma tributária, liberalização financeira, regime cambial, liberalização para IDE, desregulamentação, liberalização comercial, privatização e direitos de propriedade intelectual. 7 1) Capítulo 1: Evolução econômica com foco na industrialização 1.1 Introdução O Brasil desde quando tomado como posse, por Portugal em 1500, caracterizou-se como uma colônia de exploração. A base deste tipo de colonização se constituiu na extração de toda a riqueza possível em um primeiro momento, e na orientação primário-exportadora imposta ao Brasil posteriormente, que teve como conseqüência mais adiante o desenvolvimento para fora e o processo de substituição de importações, típicos de países com um histórico de subdesenvolvimento. Todo esse processo explica em grande parte o desempenho econômico histórico do Brasil. A economia brasileira entre 1500 e 1888 se caracterizou como tipicamente mercantilista e escravocrata, sendo altamente especializada e complementar à economia central, sempre seguindo o padrão exportador de produtos primários e importador de produtos manufaturados. A especialização ficou demonstrada nos ciclos econômicos observados entre os séculos XVI e XIX, tendo a cana-de-açúcar, o tabaco, os metais preciosos, o cacau, a borracha e o café como principais ícones. Todos esses ciclos, em sua maioria, basearam-se no trabalho escravo e nas grandes propriedades, estimulando muito pouco ou nada a atividade industrial, o que levou a um mísero desenvolvimento econômico. A pouca riqueza gerada ficava concentrada nas mãos de poucos caracterizando uma histórica e enorme concentração de renda. A indústria brasileira dessa forma não tinha incentivos nem motivos para se desenvolver, e continuou a produzir as simples manufaturas até o século XIX. Este capítulo se divide em seções. A primeira aborda o início da industrialização durante o Império ainda, a segunda seção aborda desde a proclamação da República até a crise de 1929. A terceira seção se inicia com a quebra da bolsa de Nova York, passa pelo Estado Novo e a II Guerra Mundial, terminando em 1946. A quarta seção trata do governo Dutra, que tomou posse em 1946, do segundo governo Vargas e do governo de JK, terminando em 1961. A quinta seção compreende os anos seguintes, passando pelo governo militar, pelo milagre econômico e termina na década de 1980. A última seção é composta pelas conclusões tiradas após a leitura e análise de todo o processo de industrialização da economia brasileira. 8 1.2 O início do desenvolvimento do setor industrial Em 1844, foi observada uma das primeiras medidas efetivas para tentar desenvolver a pequena e nascente indústria no Brasil. Após a expiração dos tratados com os ingleses, que determinavam vantagens tarifárias aos produtos daquele país, o governo adotou políticas protecionistas para tentar desenvolver o setor industrial, especialmente o têxtil; mas apesar de mais alta que a média dos outros países, a proteção se mostrou ineficaz. A principal explicação se encontrava no escravismo, pois o escravo bloqueava a divisão e especialização do trabalho assim como a difusão do progresso técnico, além de estimular a não mecanização do processo produtivo; o escravismo criava uma massa de homens livres à margem do mercado. A indústria escravista era incapaz de competir com a indústria capitalista. (CARDOSO DE MELLO, 1998) Os rumos da economia começaram a melhorar com o café, o fim da escravidão e a chegada dos imigrantes na metade do século XIX e início do século XX. A necessidade de mão-de-obra capacitada imposta pela economia cafeeira e a chegada dos primeiros imigrantes europeus aumentou a demanda pelo trabalho assalariado. O café começou a demandar equipamentos e produtos que não podiam mais ser feitos dentro das fazendas, assim como menores custos de transporte e um processo produtivo mais eficiente, levando à construção das primeiras estradas de ferro, estimulando o surgimento e crescimento das cidades e conseqüentemente do setor industrial. O café demandou tanta mão-de-obra que os imigrantes vieram “em excesso”, gerando braços para a indústria também. A renda gerada pelo trabalho assalariado fez surgir e crescer o mercado interno que antes praticamente não existia, fazendo com que as necessidades internas passassem a ser vistas com mais atenção. Em fins do século XIX, ao criar uma massa de capital monetário passível de transformação em capital produtivo, ao transformar a força de trabalho em mercadoria e ao fazer emergir o mercado interno, a economia cafeeira criou as condições básicas e necessárias ao nascimento da indústria. O capital cafeeiro era ao mesmo tempo agrário, industrial e mercantil, integrado com as atividades financeiras e comerciais. Entretanto apesar do grande dinheiro gerado pelo café e da proteção do Estado, os bens de produção não conseguiram se desenvolver, pois necessitavam de uma tecnologia complexa, que não estava disponível no mercado, e economias de escala. Assim, o setor de bens de consumo assalariado, em especial o têxtil, que exige uma menor relação capital/trabalho, que possui matérias-primas mais simples e detém uma tecnologia menos complexa e mais difundida foi o grande beneficiado. (CARDOSO DE MELLO, 1998) 9 A indústria nascente contava com elevada proteção, pois além da proteção natural do custo do transporte havia também a barreira tarifária; entretanto, as desvalorizações cambiais feitas para manter o café atrativo no mercado internacional encareciam as matérias-primas importadas. Esse problema era compensado com isenções à importação de máquinas e equipamentos. (CARDOSO DE MELLO, 1998) 1.3 A economia brasileira de 1889 a 1929 A República foi proclamada em 1889 e sua primeira década foi marcada por grandes mudanças estruturais na economia; o surgimento e aumento das relações do Brasil com os demais países foram importantes para o ingresso de investimentos estrangeiros e para as contas externas do país. A década de 1890 foi marcada inicialmente pela escassez de moeda na economia, que aliada a acontecimentos externos desfavoráveis, fez com que a política cambial passasse por uma crise. As contas do governo pioraram e obrigaram à obtenção de um empréstimo no exterior, este cenário aliado à queda dos preços do café levou o Brasil à moratória no final do século XIX. Foi criado o funding loan que consistiu no rolamento da dívida e dos juros em troca de severas medidas fiscais e monetárias por parte do governo brasileiro. A alta nas exportações da borracha foi fundamental para melhorar a situação financeira do país. (FRANCO, 1990) Após as dificuldades encontradas na virada do século, entre 1900 e 1913 a economia cresceu a uma taxa média superior a 4% a.a e a formação de capital na indústria aumentou em ritmo mais acelerado; tudo isto foi acompanhado de grandes obras portuárias e ferroviárias, além de uma relativa estabilidade de preços. As explicações para isso estão no auge das exportações de borracha e nos grandes investimentos europeus feitos nos países da periferia. (FRITSCH, 1990) O primeiro quartel do século XX viu o setor industrial começar a crescer a taxas elevadas, graças às safras cada vez maiores e ao dinheiro excedente que vinha do complexo cafeeiro. As receitas advindas do café eram fundamentais para todos os setores da economia, porém com o aumento da oferta o preço internacional caía, sendo necessárias desvalorizações cambiais para continuar estimulando a produção, que acabavam danificando as contas do governo e continuavam a declinar o preço, pois a oferta mundial só aumentava. Para superar esse cenário a indústria se assentou na expansão do gasto público, no aumento da capacidade de importar, na expansão da agricultura de alimentos, na retomada da imigração que evitou 10 pressões salariais e nas entradas de capitais externos, que levou a uma grande expansão industrial entre 1905 e 1912. (CARDOSO DE MELLO, 1998) Com o início da I Guerra Mundial, os bens de consumo ganharam pauta exportadora já que as economias externas estavam em guerra; isto elevou o poder de competição externo da indústria brasileira. As importações ficaram mais caras e difíceis, atingindo a produção industrial que importava bens de produção; mas que também gerou pressão inflacionária e possibilitou o aumento dos preços acima desse patamar no mercado interno; como os salários não acompanharam tal alta, o lucro cresceu e ajudou o setor a se reerguer. (CARDOSO DE MELLO, 1998) O início da guerra afetou imediatamente os fluxos de pagamento externo, a receita tributária e a indústria do café, levando o governo a um novo funding loan. A produção industrial caiu quase 9% em 1914, mas o grande problema da guerra foi a estagnação das importações em níveis baixos; porém, diante das dificuldades encontradas para a prática do comércio internacional, o Brasil expandiu a produção e exportação de várias indústrias de processamento de alimentos. As restrições à importação de máquinas e equipamentos durante a guerra evitaram a expansão da capacidade produtiva, mas por outro lado influenciaram no desenvolvimento de novos produtos, ajudando a indústria nacional a se recuperar a partir do ano seguinte. (FRITSCH, 1990) Com a guerra, a taxa de câmbio se apreciou, o que tornou possível a introdução de novas máquinas e possibilitou o aumento do lucro e da produção. No pós-guerra, o Brasil viveu, em 1919, um rápido boom de exportações influenciado pela alta no preço das commodities; porém a demanda não cresceu igualmente, políticas restritivas foram adotadas pelos países centrais e houve uma estagnação dos gastos públicos nos dois anos seguintes, levando à queda dos preços, das exportações, da produção e conseqüentemente à quebra de empresas ineficientes. No início da década de 1920 o setor industrial enxugou a capacidade ociosa, e apoiado pelas empresas sobreviventes, que se tornaram ainda maiores, fez com que a produção crescesse. (CARDOSO DE MELLO, 1998; FRITSCH, 1990) O governo para defender o café praticou desvalorizações cambiais e recorreu a empréstimos, viu seu déficit atingir níveis perigosos, mas conseguiu atenuar os efeitos da recessão mundial. Em 1924, os preços do café subiram, o governo aproveitou para adotar um mix monetário-fiscal recessivo e tentar melhorar suas contas; a produção industrial estagnou e o investimento industrial caiu. Porém, os objetivos de apreciação cambial e desaceleração da inflação foram alcançados, levando a protestos especialmente dos industriais do setor têxtil, 11 pois apreciação cambial e contração de moeda não eram nem um pouco interessantes para produção e exportação. Entre 1924 e 1926 com uma nova valorização da taxa de câmbio, aumentaram as importações e a concorrência, o que permitiu e favoreceu a modernização da indústria. (FRITSCH, 1990; CARDOSO DE MELLO, 1990) Na segunda metade da década de 1920 com a inflação controlada e com a melhoria da posição externa, o presidente Washington Luís propôs o retorno ao padrão ouro. A nova política mostrou-se acertada apesar de muito suscetível a condições favoráveis internacionais, o PIB cresceu 10,8% em 1927 e 11,5% em 1928. A vulnerabilidade começou a tomar forma com a estagnação das exportações e o estancamento temporário dos empréstimos externos, e se consolidou com uma safra recorde do café e o bloqueio definitivo do financiamento externo. Os recursos para defesa do café se esgotaram e houve um colapso no preço deste produto, que representou o golpe fatal no balanço de pagamentos. Com a desvalorização do câmbio, o governo aumentou a proteção à indústria para o que setor pudesse continuar crescendo. (CARDOSO DE MELLO, 1998; FRITSCH, 1990) O desenvolvimento industrial na década de 1920 foi marcado principalmente pela modernização do setor de bens de consumo assalariado e por um fato extremamente relevante à história industrial: a instalação da pequena indústria do aço e do cimento. Com o amplo apoio do Estado que concedeu muitos incentivos e com base no capital estrangeiro, essa diferenciação no setor industrial foi fundamental para que o país pudesse superar anos depois a crise de 1929. Como se pode ver nas tabelas abaixo, a produção nacional se iniciou na metade da década, com números modestos, mas que seriam de grande importância na década de 1930 para que o Brasil pudesse superar a crise mundial. (CARDOSO DE MELLO, 1998) TABELA 1 – Importação e Produção de Cimento no Brasil (em toneladas) Anos Importação Produção 1921 156,872 1922 319,550 1923 223,404 1924 317,152 1925 336,474 1926 396,322 13,382 1927 441,959 54,623 1928 456,212 87,964 1929 535,276 96,208 12 1930 384,503 87,160 Fonte: PELAEZ (1972) TABELA 2 – Reservas de Sucata de Ferro e Consumo pela Indústria Metalúrgica (em mil toneladas métricas) Anos Produção de Aço Consumo de Sucata de Ferro pela Indústria Metalúrgica 1925 8 5 1926 9 6 1927 8 5 1928 21 12 1929 27 15 1930 31 12 Fonte: PELAEZ (1972) 1.4 A economia brasileira de 1929 a 1945 O período que antecedeu a crise de 1929 foi marcado por uma insistente política de defesa do café que trouxe sérios danos à saúde econômica do Brasil. O governo não promoveu as mudanças estruturais necessárias para dar maior estabilidade macroeconômica, como estimular a diversificação produtiva e a pauta exportadora, por exemplo. A adoção do padrão ouro pelo Brasil, um país devedor e sujeito a grandes instabilidades, tornou as autoridades monetárias passivas, além do mais, o equilíbrio do balanço de pagamentos ficou muito dependente de preços favoráveis do principal produto de exportação e da propensão a emprestar dos investidores estrangeiros. Ou seja, a economia brasileira se tornou cada vez mais vulnerável em sua posição externa. (FRITSCH, 1990) A crise de secou os fluxos internacionais de capital, reduziu o preço das exportações e diminuiu também as importações. O câmbio foi desvalorizado, foram instituídos os controles de importação, mas as empresas tinham acesso a insumos baratos, garantido pelo governo para proteger o nascente setor industrial. A crise cambial que atingiu a economia no auge da crise tornou inviável o pagamento da dívida e aumentou o serviço da dívida pública, levando o Brasil a acordar um novo funding loan em 1931. (ABREU, 1990) 13 Durante a crise, diante da depreciação cambial e do aumento da renda nacional ocasionada pela recuperação da economia impulsionada pelo mercado interno, aumentou a demanda assim como os preços das mercadorias importadas e das máquinas subiram. O que aconteceu então foi o estímulo à substituição de importações, além da necessidade de melhor aproveitamento da capacidade produtiva já instalada. Essa maior eficiência possibilitou o aumento dos lucros, necessários para a expansão da indústria. Outro fator a ser citado é que com a crise muitas empresas faliram no exterior, os equipamentos usados por elas foram comprados a preços baixos e instalados nas fábricas brasileiras. Algumas das principais indústrias que vieram para o Brasil durante a crise agiram desta forma. (FURTADO, 1980) A Grande Depressão foi um período que trouxe mudanças significativas na estrutura econômica, sendo o desenvolvimento do setor industrial interno a mais importante. Os fluxos de capital se transferiram para a indústria porque esta se tornou mais rentável. Isto aconteceu por alguns fatores citados a seguir: a escassez das importações que elevou muito o preço destas tornando vantajosa a produção interna; a melhor utilização da capacidade já instalada nas indústrias tornou a produção mais eficiente, permitindo preços competitivos; a instalação das indústrias de base possibilitou o início da produção nacional das primeiras máquinas e plantas. (FURTADO, 1972) A crise de 1929 mostrou ao país a força e a importância do mercado interno que vinha tomando forma no Brasil. Os preços do café despencaram, assim como as exportações; os setores, inclusive o industrial, passaram a se voltar para o mercado interno e obtiveram um resultado positivo, pois os lucros e as atividades cresceram, levando o Brasil a se recuperar relativamente mais rápido que os demais países. O setor de bens de capital, ainda pequeno e jovem, representado pelo cimento e pelo aço, pouco sofreu durante os anos de crise. A produção industrial cresceu 50% entre 1929 e 1937, criando renda e fortalecendo o mercado interno. (FURTADO, 1980) A economia brasileira recuperou-se relativamente rápido da crise, voltando a crescer 9% já em 1934; isto se deveu à política do café praticada pelo Governo Provisório, que comprou os estoques de café para depois destruí-los e taxou as exportações. Esta política gerou déficits para o governo, mas sustentou o nível de atividade econômica; a proteção doméstica dada à indústria através do controle cambial, da regulação do consumo compulsório de matérias-primas de produção doméstica e da proibição de importar por parte das empresas ociosas, foi fundamental para que a indústria crescesse a uma média de 10% a.a entre 1930 e 1936. O encarecimento das importações estimulou a utilização da capacidade 14 ociosa das indústrias; as políticas fiscal, monetária, creditícia e cafeeira garantiam a demanda do outro lado, fazendo a indústria crescer mais de 11% a.a entre 1934-37. A borracha, o papel, o cimento, a metalurgia, a química e a têxtil expandiram-se a taxas ainda maiores. (ABREU, 1990) Nos doze anos seguintes à crise, observou-se o aumento do cultivo de novas culturas como a cana e o algodão. Com o café em baixa, o algodão, que já era o segundo produto agrícola mais importante, ganhou força, graças às mudanças nas instituições agrícolas, ao melhoramento das técnicas algodoeiras e de controle de qualidade e aos preços mundiais atrativos; grande parte das terras e dos produtores de café migrou para o algodão, fazendo com que o Brasil na segunda metade da década de 1930 atingisse 9% da produção mundial. A indústria manufatureira nacional de algodão representava um mercado seguro que demandava elevada quantidade; como conseqüência, as importações de algodão recuaram significativamente. A produção interna era fortemente beneficiada com a substituição de importações, fazendo com que a indústria nacional de tecidos conseguisse se recuperar de maneira relativamente rápida durante a década. (PELAEZ, 1972) TABELA 3 – Indústria Têxtil no Brasil (em milhões de metros) Anos Produção Interna Importações Exportações Consumo Aparente Importações de Maquinaria ( em toneladas métricas) 1927 594 43,8 0,1 637,8 6744 1928 582 50,3 0,1 632,2 6244 1929 478 29,9 0,1 507,8 4647 1930 476 8,1 - 484,1 1986 1931 634 2,7 1,7 633 n.a 1932 631 2,3 0,2 632,9 n.a 1933 639 4,8 0,5 643,3 2051 1934 716 2,9 2,6 716,3 4112 1935 753 2,1 1,3 753,8 3875 1936 915 2,4 1,9 915,5 5346 1937 964 2,7 4,1 962,6 8647 1938 910 2,9 1,5 911,4 11137 1939 894 3,3 12,0 885,3 5855 Fonte: PELAEZ (1972) Em 1937, Getúlio Vargas instituiu, através de um golpe, o Estado Novo. Devido à escassez de divisas, adotou um regime cambial baseado em uma única taxa desvalorizada e instituiu um sistema de controle cambial juntamente com o controle sobre as importações. Com a eclosão da II Guerra Mundial em 1939, o Brasil perdeu mercados de exportação e 15 importação. Os problemas da exportação foram resolvidos por meio de acordos com o Reino Unido e os EUA para aumentar o fornecimento de carne e algodão, que gerou um bom incremento nas receitas. Já as dificuldades de importação limitaram o crescimento do setor industrial pela não importação de bens de capital e insumos; por outro lado, a queda nas importações levou a superávits na balança comercial. Em 1940, em parceria com os EUA, Vargas construiu a primeira usina siderúrgica integrada brasileira, em Volta Redonda. (ABREU, 1990) Durante a II Guerra Mundial, a oferta externa e as importações foram seriamente comprometidas; o governo fixou uma taxa de câmbio desvalorizada para proteger o setor industrial, o que favoreceu o setor exportador. Após a guerra com a liberalização das importações e com a regularização da oferta externa, o coeficiente de importações subiu; essa situação era incompatível com a capacidade brasileira de pagamento no exterior. O governo então interveio e introduziu controles seletivos para importação; isso favoreceu o setor industrial que viu reduzida a concorrência externa e possibilitou a aquisição de matérias- primas e equipamentos a valores relativamente baixos. Esse cenário foi fundamental no processo de crescimento industrial pós-guerra, pois possibilitou o aumento dos preços das mercadorias produzidas internamente diante dos controles de importação, porém concentrou nas mãos do empresário industrial uma boa parcela da renda. (FURTADO, 1980) 1.5 A economia brasileira de 1946 a 19612 O general Dutra assumiu em 1946 e manteve o câmbio, artificialmente valorizado, essa medida foi tomada com o intuito de reequipar a indústria desgastada pela guerra, atendendo à demanda contida de matérias-primas e bens de capital, além de forçar a queda dos preços industriais com o aumento da oferta de importados. Porém, o Brasil enfrentava um grave problema na sua balança comercial, pois se encontrava em déficit com países de moeda forte e em superávit com países de moeda fraca; dessa forma as reservas em moedas conversíveis caíram significativamente, e o país começou a acumular atrasados comerciais. Nesse contexto, surgiram os controles seletivos sobre as importações, como uma necessidade para não prejudicar o funcionamento da economia. (VIANNA, 1990) Os controles de câmbio e importação foram instituídos em 1947 para favorecer a importação de produtos considerados essenciais e prioritários de acordo com o governo. O déficit foi reduzido e transformado em pequeno superávit, além disso, houve uma queda nos 2 Os principais indicadores deste período estão na tabela ao final da seção. 16 preços dos produtos importados. A taxa de câmbio sobrevalorizada junto com o controle sobre as importações representava um subsídio, pois mantinha bens de capital, matérias- primas e combustíveis importados a preços artificialmente mais baixos; uma proteção através das restrições à importação de bens competitivos; um lucro maior para os produtores domésticos, já que a taxa de câmbio mais alta estimulava a produção para o mercado interno em comparação com a exportação. (VIANNA, 1990) Como conseqüência, observou-se no Brasil um grande estímulo à implantação de indústrias substitutivas dos bens de consumo, principalmente os duráveis; foi nessa fase que se instalaram aqui as indústrias de eletrodomésticos e de outros bens de consumo durável. O Banco do Brasil teve papel fundamental nos investimentos de substituição de importações, pois o crédito à indústria cresceu consideravelmente entre 1947-50, um período de políticas austeras do governo. A produção industrial cresceu 42% nesse período, com destaque para os setores elétrico, de transporte e metalúrgico, porém esse processo de industrialização fez a inflação crescer, pois gerou uma pressão sobre a agricultura, que possuía uma estrutura fundiária rígida; aumentou os preços de exportação; esgotou as margens de capacidade ociosa da indústria. (VIANNA, 1990) Em 1951, Vargas retornou ao poder. Manteve o câmbio sobrevalorizado e os controles de importação, porém diante do medo da guerra da Coréia e para tentar diminuir a inflação, o governo começou a liberar excessivamente licenças de importação, levando as reservas conversíveis do país a níveis negativos. O afrouxamento dos controles sobre as importações fez estas duplicarem e trouxeram em sua maioria bens de capital e bens de produção para o país, entretanto o Brasil incorreu em grande déficit em sua balança comercial, o que levou a uma situação de colapso cambial em 1953. O segundo governo Vargas foi marcado pelos investimentos em infra-estrutura de transportes e energia, além da criação do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1952 e da empresa Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás) em 1953, esta responsável por um setor estratégico para o desenvolvimento da economia e sua soberania, o abastecimento. (VIANNA, VILLELLA, 2005) Em 1953, foi baixada em outubro a Instrução 70, que instituiu o regime de leilões de câmbio. Este dividia as importações em categorias de acordo com a essencialidade, e acabou por substituir os controles de importação como proteção à indústria nacional, e como fonte de renda ao governo através da cobrança de ágio. As conseqüências da Instrução foram boas, pois as exportações cresceram e as importações se mantiveram no mesmo nível, porém as desvalorizações cambiais forçaram o setor industrial a aumentar seus preços de venda; isso 17 aliado ao déficit público crescente pelos pagamentos de atrasados comerciais, pelo aumento das obras públicas e pelo gasto com as eleições, elevou a inflação de 12 para 20,8% em 1953. (VIANNA, 1990) Atingidos os objetivos de controlar as importações através do leilão de câmbio e adquirir receita por meio do ágio, o próximo passo era conter a inflação por meio de uma política restritiva. Mas Vargas, em uma atitude populista e impensada, aumentou em 100% o salário mínimo, com vistas à eleição presidencial; esta medida desagradou à equipe econômica e acelerou ainda mais a inflação e o crédito, aumentando o descontentamento com o governo, levando ao golpe de 1954. (VIANNA, 1990) O interregno 1954-55 teve Café Filho como presidente. Este período se divide basicamente em duas partes, a primeira com Gudin como ministro da fazenda e a segunda com Whitaker neste ministério. Gudin implementou políticas fiscal e monetária contracionistas para tentar solucionar a crise cambial e pagar o empréstimo tomado. Como conseqüência, observou-se durante sua administração quebras e falências devido à ausência de liquidez, queda na taxa de investimento e na taxa de formação bruta de capital fixo. Entretanto Gudin baixou em 1955 a Instrução 113, que removeu em grande parte os obstáculos à livre entrada de capital estrangeiro no país. Whitaker restabeleceu o compulsório aos níveis mais baixos, e concedeu prioridade à liquidez dos setores produtivos, como o comércio, a indústria e a agricultura, com o aumento do crédito para estes segmentos. Surpreendentemente a indústria cresceu 9,3% em 1954 e 11,7% em 1955, acima do PIB que cresceu 7,8% e 8,8% respectivamente; a Instrução 113 atraiu mais de US$500 mi para a indústria básica e leve. (PINHO NETO, 1990) Em 1955, Juscelino Kubitschek ganhou as eleições com um discurso desenvolvimentista que pregava o desenvolvimento industrial e a urbanização. Foi lançado então, em 1956, o Plano de Metas, que objetivava investimentos em energia, transporte, indústria de base, alimentação e educação. As principais metas eram elevar a capacidade geradora de energia, aumentar a produção de carvão, construir e reaparelhar as ferrovias, construir rodovias, aumentar a produção de petróleo e cimento, instalar a indústria automobilística no país e desenvolver a indústria mecânica, naval e de material elétrico pesado. Este fez a economia crescer aproximadamente 10% a.a entre 1957 e 1961, porém por outro lado duplicou o déficit público e elevou a inflação. (VILLELA, 2005; ORENSTEIN E SOCHACZEWSKI, 1990) 18 Os recursos eram 50% do governo, 35% privado e o restante veio do exterior e de agências públicas e privadas; foi delegado ao setor público prover insumos básicos e infra- estrutura, vitais à industrialização. A participação do governo na formação bruta de capital fixo cresceu 15% a.a entre 1956-61, os investimentos se direcionavam principalmente à produção química e mineral, incluindo o petróleo, e à extração de minério de ferro. A Vale do Rio Doce, a Petrobrás, a Cia Siderúrgica Nacional (CSN), a Cosipa e a Usiminas eram as principais receptoras de investimentos públicos. O capital privado se direcionou principalmente à indústria automobilística, de construção naval, mecânica pesada e de equipamentos elétricos. Todo esse desenvolvimentismo era assegurado por uma tarifa aduaneira protecionista, além de um sistema cambial que subsidiava a importação de bens de capital e insumos. (VILLELA, 2005; ORENSTEIN E SOCHACZEWSKI, 1990) Com o Plano de Metas, a indústria passou a responder por 32% do PIB, sendo 26% da indústria de transformação; o valor adicionado pela indústria atingiu 11,6%, o que comprova a continuidade da substituição das importações especialmente nos setores de bens de produção e de bens de capital. Esta fase de substituição de importações teve como ícone a indústria automobilística. (VILLELA, 2005) Em 1957, Kubitschek simplificou o sistema cambial para duas taxas, dando preferência à importação de matérias-primas, equipamentos e bens que não tinham suprimento interno. A principal idéia por trás desta simplificação era acelerar o processo de substituição de bens de capital, dando preferência à importação de todo o material destinado a setores prioritários; a indústria de bens de capital cresceu 26,4% ao ano entre 1955 e 1960. Outro fator importante no desenvolvimento industrial foi o aval do BNDE para empréstimos contratados pelas empresas no exterior, liberando quase US$900 mi até 1961. O PIB entre 1956-61 cresceu 8,2% ao ano, a renda per capita elevou-se em 5,1%, as exportações cresceram 8,9% a.a e o coeficiente de importação reduziu-se a 7% em 1960. O Plano de Metas simbolizou o crescimento, a modernização e a implantação de novos ramos do setor industrial, porém a inflação atingiu patamares de 30% a 40% ao ano. (ORENSTEIN E SOCHACZEWSKI, 1990) Jânio Quadros assumiu em 1961 diante de um quadro de aceleração inflacionária, indisciplina fiscal e deterioração do balanço de pagamentos, herdado do governo JK. Conteve gastos públicos e reduziu subsídios às importações; desvalorizou fortemente o câmbio e unificou o mercado cambial, para melhorar a posição externa e tentar conter a inflação; 19 conseguiu também um novo empréstimo e prazos maiores para pagamento da dívida, porém renunciou meses depois. (ABREU, 1990; VILLELA, 2005) Tabela 4 – Síntese dos Indicadores Macroeconômicos 1946-1961 Variável 1946/50 1951/55 1956/60 Crescimento PIB (% a.a) 8,1/a 6,7 8,1 Inflação (IGP dez/dez, % a.a) 11,3 16,6 24,7 FBCF (% PIB preços correntes) 13,4/b 14,9 16,0 Tx. Cresc. Export. Bens (US$ correntes, % a.a) 15,6 1,0 -2,3 Tx. Cresc. Import. Bens (US$ correntes, % a.a) 23,9 3,2 3,2 Balança comercial (US$ milhões) 249 121 125 Saldo Conta Corrente (US$ milhões) -34 -300 -290 Dívida externa líquida/ Exportação bens n.d 0,4/c 1,9 /a 1948/1950. /b 1947/1950. /c 1952/1955. Fonte: GIAMBIAGI et al (orgs.) (2005) 1.6 A economia brasileira de 1962 a 19893 A partir de maio de 1962, o governo começou a perder o controle sobre a economia. Houve um aumento do déficit gerado pelo incremento das despesas públicas e o aumento da taxa de expansão da oferta monetária; desta forma, os esforços se viraram na tentativa de contenção do processo inflacionário. No ano seguinte o governo cortou gastos, aboliu subsídios e estabeleceu limites à expansão de crédito. Essas medidas fizeram o país entrar em recessão. O PIB cresceu 0,6% em 1963, a inflação atingiu 80% a.a e o desempenho industrial foi seriamente afetado pela ausência de crédito, especialmente as indústrias de bens de consumo durável. O governo perdeu sua credibilidade e o apoio de quase toda a população, levando ao golpe militar de 1964. (ABREU, 1990) Castello Branco assumiu em março daquele ano. Seu governo teve no combate à inflação, na expansão das exportações, na expansão do emprego, na correção dos déficits na balança de pagamentos e na retomada do crescimento os objetivos a serem alcançados. Neste âmbito, já em 1964, foi criado o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), que previa aumento de impostos, corte de gastos, correção salarial relacionada diretamente ao aumento da produtividade, controle de crédito, política de investimentos públicos para melhorar a infra-estrutura, política cambial e de comércio para diversificar as fontes de suprimento e as 3 Os principais indicadores do período estão na tabela ao fim desta seção na tabela. 20 exportações, política de consolidação da dívida externa e restauração do crédito do país no exterior, política de estímulos ao ingresso de capitais estrangeiros e de cooperação com agências internacionais, taxas decrescentes de expansão dos meios de pagamento e uma reforma no sistema financeiro brasileiro. E foi nesta reforma financeira promovida pelo Paeg, que foi criado, em 1964, o Banco Central do Brasil, para ser o executor da política monetária e financeira do governo; outro aspecto importante das reformas institucionais do Paeg no período 1964-66 foi a ampliação do grau de abertura da economia ao capital estrangeiro. A primeira fase do Paeg mostrou-se muito bem sucedida, conseguiu reduzir a inflação para 39% em 1966 e o PIB, mesmo diante de uma política restritiva, cresceu 4,2% no período 1964 - 1967. (HERMANN, 2005; RESENDE, 1990) O déficit do governo como proporção do PIB, caiu de 4,2% em 1963 para 1,6% em 1966, graças principalmente ao aumento dos impostos diretos e indiretos e ao corte das despesas governamentais. Entretanto, as medidas restritivas tomadas influenciaram negativamente o crescimento da indústria que apresentou um quadro recessivo, confirmado pela triplicação do número de falências e concordatas nos setores de vestuário, alimentos e construção civil entre 1964-66. (RESENDE, 1990) Em 1967, após a melhoria das contas públicas na gestão de Castelo Branco, Delfim Neto, o novo Ministro da Fazenda de Costa e Silva, aproveitou para lançar mão de instrumentos políticos com o objetivo de acelerar o crescimento econômico. Foi com esta intenção que foi anunciado o Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED) em julho, levando o país a taxas de crescimento sem precedentes. O programa tinha, entre as prioridades, o fortalecimento da empresa privada, a expansão do comércio exterior, o aumento do emprego, a consolidação da infra-estrutura e a expansão do mercado interno. Para isso, garantiu expansão do crédito total, criou subsídios e facilidades ao crédito, e reduziu entraves burocráticos à exportação; juntamente, foi adotado um sistema de minidesvalorizações cambiais para evitar prejuízos na balança comercial e controlar a inflação. Nesse mesmo período, observou-se um aumento da participação das estatais nos investimentos em infra- estrutura. (HERMANN, 2005; LAGO, 1990) Com o aumento dos preços mundiais das commodities exportáveis e a expansão do comércio mundial, as empresas se viram em um cenário extremamente favorável ao aumento da produção e da capacidade. Os investimentos externos diretos entraram em grande quantidade no país, as importações cresceram 330% entre 1968-1973, e foram em sua maioria bens de capital e insumos; já as exportações cresceram 275% e tiveram nos bens 21 manufaturados os principais produtos exportados. Entretanto a dívida externa brasileira se multiplicou por oito e o déficit em conta corrente por nove. (HERMANN, 2005) O milagre econômico simbolizou um crescimento liderado pelo setor industrial, especialmente pelo setor de bens de consumo durável. Este período também significou uma maior dependência econômica em relação ao petróleo, gerada pelo crescimento acelerado, o período do milagre tornou a economia mais dependente da capacidade de importar do país, aumentando a dívida e a vulnerabilidade externa do Brasil; fato observado após o primeiro choque do petróleo em 1973. (HERMANN, 2005) Entre 1968-73, o PIB real cresceu a uma taxa média de 11,2% a.a, a indústria de transformação, a indústria de bens intermediários, a indústria de bens de consumo durável e a indústria de construção civil cresceram a uma taxa média de 13,3%, 13,5%, 23,6% e 15% a.a, respectivamente. A indústria cresceu inicialmente com base na sua capacidade ociosa, a partir de 1970 se expandiu com o aumento dos investimentos públicos e privados, com o aumento dos empréstimos ao setor privado, com as exportações crescentes de manufaturados, com o dinamismo do mercado interno, com a demanda do setor rural oriunda de sua mecanização e com os investimentos em infra-estrutura do governo; o setor deslanchou, desenvolvendo também os setores mecânico, de material elétrico, de comunicações, de material de transporte, de cimento, de siderurgia e de bens de consumo não duráveis. (LAGO, 1990) Outro acontecimento relevante que elevou a produção industrial foi o investimento nas estatais, principalmente voltadas à energia elétrica, petroquímica, ferroviária e de telecomunicações. O investimento nas estatais cresceu 20% a.a entre 1968-73 e durante esse período foram criadas 231 novas empresas públicas, 42 na indústria de transformação. Isso não representou um aumento do papel do Estado na economia porque ele já estava consolidado nos setores de expansão; simbolizou apenas uma ideologia de prioridade ao crescimento, que teve como conseqüência uma centralização na condução da economia. Além das estatais o governo voltou investimentos também para o desenvolvimento do setor de bens de capital, mas o Brasil ainda continuou a importar grande parte desses bens por causa da existência de isenções e incentivos específicos da política industrial (a importação de máquinas e equipamentos dobrou), e na consolidação de setores de ponta como o setor aeronáutico. Com relação à inflação, o governo estava mais preocupado em desenvolver a economia e por isso índices de 20% a 30% a.a de inflação eram tolerados, porém a partir de 1972, a utilização da capacidade ociosa das indústrias atingiu seu máximo; este fato aliado à política monetária expansionista do governo fez a inflação aumentar. (LAGO, 1990) 22 Entre 1967-73, as exportações tiveram um grande impulso, ajudadas pela diversificação da pauta exportadora, pelo aumento da participação dos manufaturados e pela instalação ou ampliação de várias multinacionais no Brasil. O governo teve papel decisivo para isso ao aumentar a competitividade dos produtos brasileiros, diversificar os mercados externos, dar incentivos fiscais e creditícios, realizar uma política cambial mais flexível, diminuir a burocracia e manter a importação de matérias-primas e máquinas a preços estáveis. A taxa média de crescimento do valor corrente das exportações no período foi de 24,6%. (LAGO, 1990) Os investimentos estrangeiros triplicaram entre 1966-73, atingindo US$4.5 bilhões em 1973. Desse total, 77% estavam investidos na indústria de transformação e 4,2% nos serviços industriais de utilidade pública; os investimentos estrangeiros tiveram papel significativo no aumento das exportações de manufaturados, no desenvolvimento de novas atividades na área de bens de capital e nas áreas de maior conteúdo tecnológico. O governo também teve papel fundamental nessa grande entrada de capital externo ao fazer uma política cambial que favorecia remessas de lucros, ao incentivar as exportações, ao retomar o crescimento, ao aumentar os investimentos públicos e ao aumentar a estabilidade do país. (LAGO, 1990) A taxa de crescimento do emprego atingiu 3,3% a.a em 1973. Entre 1970-73 o aumento real do nível de investimento foi de 63%. De 1967-70 o setor industrial cresceu 9,8% a.a e entre 1971-73 cresceu 14,3% ao ano. As exportações aumentaram 46% entre 1969 e 1973. Todas estas estatísticas fizeram o período 1967-73 ser chamado de milagre econômico; porém por outro lado, com o aumento das importações e dos empréstimos tomados pelas estatais no exterior, viu-se o nível de endividamento subir além das necessidades reais do país, acompanhado de uma também crescente inflação; esses problemas ficaram para o governo seguinte de Geisel. (LAGO, 1990) No segundo semestre de 1973 ocorreu o primeiro choque do petróleo que quadruplicou o preço do barril, o Brasil que era um grande importador desta matéria-prima se viu em situação complicada. As interpretações equivocadas que foram feitas levaram a políticas que não deram a gravidade devida à situação, e fizeram o Brasil sofrer as conseqüências na década de 1980. (CARNEIRO, 1990) O ano de 1974, que era pra ter sido um ano compensador dos gastos dos anos anteriores, foi exageradamente expansionista; o Banco do Brasil e o Banco Central praticaram uma política creditícia expansionista. O estoque real dos meios de pagamento tornou-se negativo a partir de setembro por causa do aumento da inflação, que atingiu 34,5% ao ano, e 23 pela incerteza quanto à política monetária do governo, que queria ser restritiva, mas não era. (CARNEIRO, 1990) Diante do cenário econômico adverso, o governo precisou agir; foi neste contexto que surgiu, no governo Geisel, o II Plano Nacional de Desenvolvimento. Este plano completou o processo de industrialização por substituição das importações e transformou a estrutura produtiva do país. O II PND foi marcado por investimentos públicos e privados dirigidos à infra-estrutura, bens de produção (capital e insumos), energia e exportação. Dentre os bens de produção, o foco era a siderurgia, a química pesada, os metais não-ferrosos e os minerais não metálicos; o objetivo do programa era avançar no processo de industrialização por substituição de importações e ampliar a capacidade exportadora, tanto de bens primários quanto de manufaturados e semimanufaturados. (HERMANN, 2005) Os investimentos em estatais se expandiram e elevaram a taxa de investimento da economia, aumentando a participação do governo na formação bruta de capital fixo. A média de crescimento durante o governo Geisel (1974-79) foi de 6,7% a.a., porém a inflação atingiu quase 50% ao ano. O II PND conseguiu o avanço na substituição de importações, com a redução do coeficiente de importação de bens de capital; diminuiu a dependência externa do petróleo com o desenvolvimento de novas energias; aumentou a capacidade exportadora e diversificou a pauta de exportação. As exportações cresceram muito por causa do II PND, com taxas superiores às taxas de crescimento do PIB; além disso, a pauta exportadora sofreu mudanças, os bens básicos perderam importância e os manufaturados ganharam muito espaço. O II PND teve seus objetivos estruturais alcançados, no entanto os custos macroeconômicos foram altos, o déficit em conta corrente multiplicou por cinco, houve a deterioração da relação dívida externa/exportações, a aceleração da inflação e o aumento da dívida pública entre outros. (HERMANN, 2005) A política industrial do governo Geisel baseou-se na substituição de importações dos bens de capital, nos insumos básicos para a indústria e na maior produção de petróleo. Isto foi feito através do aumento do crédito, da depreciação acelerada dos equipamentos nacionais, de isenções fiscais e de subsídios. Como isto foi feito com o estímulo às exportações, a política industrial brasileira obteve sucesso; a participação das importações de bens de capital caiu um terço entre 1972-1982. Como conseqüência negativa, observou-se a deterioração da posição financeira do governo, com queda na arrecadação e a elevação do endividamento. (CARNEIRO, 1990) 24 A dívida externa brasileira cresceu US$20 bi entre 1974-79. O governo durante este período, na tentativa de fazer a economia crescer, investiu nas indústrias de bens de capital e eletrônica pesada, além de investir no campo dos insumos básicos para substituir importações. Para tentar melhorar a balança comercial, o governo adotou o controle das importações através da elevação de tarifas, criação de encargos financeiros e restrições quantitativas; essa política obteve sucesso, mas diante da superação das metas de endividamento, da desaceleração do comércio mundial e do aumento da taxa de juros paga pelo Brasil, o déficit em conta corrente cresceu. (CARNEIRO, 1990) O segundo choque do petróleo, em 1979, fez o preço do barril triplicar, levando à elevação das taxas de juros dos Bancos Centrais dos países industrializados, para atrair capitais e tentar evitar a fuga dos mesmos, além de gerar uma recessão nestes, que durou até 1982. Conseqüentemente os fluxos de capitais destinados à América Latina praticamente secaram. Em 1979, um novo governo tomou posse e, diante do cenário econômico desfavorável, reforçou o controle sobre o crédito bancário e conteve os investimentos em estatais e os subsídios na tentativa de melhorar as contas do país. Iniciou uma política de desvalorizações cambiais, porém como a inflação atingiu 93% entre 1979-80, as políticas monetária e fiscal não surtiram efeito. O PIB só cresceu neste período porque ainda estava colhendo os frutos do II PND. (HERMANN, 2005) Os anos 1981-83 foram marcados por graves desequilíbrios no balanço de pagamentos, pela aceleração da inflação e pelo desequilíbrio fiscal; inauguraram a década perdida. O Brasil, por ser dependente das importações de petróleo e bens de capital, sentiu gravemente os choques do petróleo (entre 1973 e 1979) e o aumento dos juros norte- americanos entre 1979-82 decorrentes destes choques. A partir de 1981, o governo assumiu um modelo claramente recessivo; essa política se baseava nos juros altos, gerou forte recessão e recuo do PIB. O juro alto não conseguia atrair capital diante do alto risco da América Latina, causado pela moratória mexicana de 1982. O Brasil recorreu ao FMI no mesmo ano. (HERMANN, 2005) A política prevalecente em 1981-82 foi feita com o objetivo de reduzir a necessidade de divisas estrangeiras através do controle da demanda interna. Para isso, o governo conteve os salários, aumentou impostos, conteve empréstimos e investimentos, elevou os juros e contraiu a liquidez real, mas sem esquecer-se de dar assistência à agricultura, à exportação, à energia e às pequenas indústrias. A balança comercial registrou superávit de US$1,2 bi em 1981, mas a inflação atingiu 100% ao ano; junta-se a isso a elevação das taxas de juros 25 internacionais em quatro pontos, que aumentou os juros da dívida em US$3 bi, e o Brasil entrou em recessão. A produção industrial decaiu 10%, puxada pela queda de 26,3% e 19% nos setores de bens de consumo durável e bens de capital respectivamente; um declínio no PIB real foi observado pela primeira vez desde o fim da II Guerra Mundial. A produção industrial viveu a maior crise da história, atingindo fortemente os setores dinâmicos, como mecânico, químico e metalúrgico, e menos dinâmicos, como têxtil, de bebidas e de alimentos. (CARNEIRO e MODIANO, 1990) Em 1983-84, a política fiscal também se tornou restritiva, houve aumento de impostos e corte de investimentos públicos, além de uma maxidesvalorização cambial de 30%. Essas políticas visavam a diminuir a demanda agregada e o déficit público, mas diante da inflação acelerada e dos juros altos, a dívida continuou a subir. A balança comercial teve superávits recordes em 1983 e 84 graças às mudanças estruturais promovidas pelo II PND, em 1984 o PIB cresceu 5,4%, mas a inflação não dava trégua, atingindo 224% no mesmo ano, não permitindo que as contas públicas melhorassem. (HERMANN, 2005) As políticas implementadas entre 1981-84 conseguiram promover o ajustamento externo da economia, mas não obtiveram êxito no combate à escalada da inflação. O ano de 1985 começou com nível inflacionário elevado por dois motivos: o segundo choque do petróleo, em 1979, que levou à política de fixação de preços realistas e reajustamentos freqüentes dos salários, e a maxidesvalorização cambial de 30% ocorrida em 1983. O primeiro ano do governo Sarney, 1985, começou com austeridade fiscal e monetária, com paralisação dos bancos, corte no orçamento, proibição de contratações, congelamento de preços e modificação das fórmulas de cálculo da correção monetária e desvalorizações cambiais. A partir de junho, os preços privados e públicos começaram a descomprimir, sacrificando a estabilidade inflacionária do primeiro semestre; o reajustamento dos preços industriais permitiu que o setor crescesse 9,2% entre fev/85-fev/86. (MODIANO, 1990 Em fevereiro de 1986 foi criado o Plano Cruzado. O cruzeiro foi convertido em cruzado, o novo padrão monetário nacional. Os efeitos iniciais foram um sucesso, o desemprego diminuiu, a inflação caiu e a demanda subiu, aumentando a produção industrial e a utilização de sua capacidade instalada; a expansão foi liderada pelo setor de bens de consumo durável e a produção doméstica voltou-se somente para o mercado interno. Porém o aumento do poder de compra dos salários e os preços, que estavam congelados, levaram a um superaquecimento da economia, com explosão do consumo e escassez de produtos nos estabelecimentos. Diante deste quadro, as importações tornaram-se uma possibilidade, mas a 26 infra-estrutura do Brasil gerava congestionamentos e atrasos. A elevação das importações tornou a balança comercial deficitária, além de obrigar que desvalorizações na taxa de câmbio fossem feitas e planejadas. (BARROS DE CASTRO, 2005; MODIANO, 1990) Entre o segundo semestre de 1987 e 1989, o governo implementou vários planos para tentar conter a inflação. Foram anunciados o Cruzadinho, o Cruzado II, o Plano Bresser, o Plano Feijão-com-Arroz e o Plano Verão. Todos se baseavam basicamente na tentativa de reduzir o consumo, através do congelamento de salários, da criação de novos impostos, do corte de gastos e investimentos públicos. Porém se mostraram pouco ou nada eficientes, acabaram por levar o Brasil a declarar moratória em 1987 e tiraram toda a credibilidade do governo perante a população. Diante da incapacidade do governo de conter o processo inflacionário, esta se elevou seguidamente, atingindo 80% a.m no início de 1990. TABELA 5 – Síntese dos Indicadores Macroeconômicos 1962-1989 Variável 1961/63 1964/67 1968/73 1974/80 1981/84 1985/89 Crescimento PIB (% a.a) 5,2 4,2 11,1 7,1 -0,3 4,3 Inflação (IGP dez/dez, % a.a) 59,1 45,5 19,1 51,8 150,3 471,7 FBCF (%PIB preços correntes 15,2 15,5 19,5 22,6 21,5 22,5 Tx. Cresc. Export. Bens (US$ correntes, % a.a) 3,5 4,1 24,6 18,3 7,6 4,9 Tx. Cresc. Import. Bens (US$ correntes, % a.a) 0,0 2,7 27,5 20,6 -11,8 5,6 Bal. Comercial (US$ milhões) 44 412 0 -2439 5386 13453 Saldo conta corrente (US$ milhões) -296 15 -1198 -8026 -8664 -359 Dívida externa líquida/Exportação bens 2,4 2,0 1,8 2,6 3,6 3,8 Fonte: GIAMBIAGI et al (orgs.) (2005) 1.7 Conclusões: O Brasil apresentou um desenvolvimento industrial tardio. Este processo, assim como nos demais países, contou com forte proteção governamental desde o seu início, mas em alguns momentos da história, políticas acabaram dando uma excessiva segurança ao setor 27 industrial nacional, caracterizando sua ineficiência e atraso observados durante a abertura econômica. No início do processo de industrialização, acordos monopolísticos foram encorajados pelo governo, e permitiram a formação de cartéis no setor metalúrgico e siderúrgico por exemplo. Para desenvolver as indústrias no Brasil, o Estado desde o começo garantiu isenção de impostos, redução do frete das ferrovias, transporte adequado, empréstimos, financiamento das instalações entre outros. Posteriormente os controles cambiais e de importações, feitos para melhorar a situação financeira externa do país, mostraram-se medidas protecionistas eficientes, favorecendo e incentivando a instalação de indústrias substitutivas de importações, especialmente no pós II Guerra Mundial. Quando o governo, a partir de JK principalmente, começou a se preocupar com o desenvolvimento econômico do país e deu início a políticas com este objetivo, a proteção ficou mais latente. A garantia de matérias-primas, máquinas e equipamentos importados a preços estáveis e mais em conta, a política cambial das taxas múltiplas e dos leilões, os investimentos públicos em infra-estrutura e estatais podem ser apontadas como claros sinais de uma postura mais nacionalista e protecionista. A industrialização por substituição de importações promoveu um número excessivo de setores, a revelia dos recursos disponíveis no país, e promoveu estruturas de mercado ineficientes que só se sustentavam graças à proteção elevada. Setores como os de bens de capital e bens de consumo duráveis se desenvolveram com um número demasiado de produtores, com uma linha de produtos excessivamente diversificada, o que acabou impedindo que as firmas se beneficiassem dos ganhos de escala e especialização implícitos na tecnologia desses setores. (MOREIRA E CORREA, 1997) Em resumo pode-se dizer que o modelo de industrialização brasileiro no pós-guerra, caracterizou-se pela participação direta do Estado no suprimento da infra-estrutura econômica (energia e transportes) e em setores prioritários como siderurgia, mineração e petroquímica; pela elevada proteção à indústria nacional através de tarifas e barreiras não-tarifárias; pelo fornecimento de crédito em condições favorecidas para a implantação de novos projetos. (CASTRO, 2005) O único, porém é que ao fortalecer a indústria desta forma, o governo acabou por enfraquecer o setor, graças à exagerada proteção dada. Quando a economia foi aberta no início da década de 1990, o setor produtivo nacional se deparou com uma quebradeira 28 generalizada, pois não era eficiente, inovador e produzia produtos de qualidade inferior. As políticas cambiais, de comércio exterior, de desenvolvimento econômico, de investimentos públicos, de subsídios se mostraram extremamente traiçoeiras diante de uma indústria que se acomodou no tempo, acostumada com a proteção e a garantia de mercado fácil. 29 2) Capítulo 2 – A Abertura Comercial Brasileira 2.1 Introdução A década de 1980 foi um ambiente de confiança macroeconômica reduzida diante da instabilidade inflacionária, mas de uma confiança microeconômica mais favorável por causa do regime de incentivos e de regulação da concorrência, baseado em uma política comercial fortemente protecionista. (KUPFER, 1998) No final da década de 1980 e início da década de 1990, o Brasil passou por um processo de abertura econômica. Como a abertura comercial aproximou os padrões de competitividade locais com os padrões predominantes internacionalmente, as empresas se viram obrigadas a se adaptar rapidamente aos novos padrões, baseados em uma maior eficiência produtiva e tecnologia mais avançada, o que implicou uma modernização dos processos produtivos diante do risco de sobrevivência das firmas. As empresas (nacionais ou estrangeiras) acostumadas com a reserva de mercado se viram obrigadas a pensar na redução de custos, no aumento de produtividade e na introdução de novas tecnologias, diante da introdução da concorrência dos produtos importados que eram de melhor qualidade e possuíam preços mais acessíveis. O fechamento da economia eliminava a concorrência, desobrigando as indústrias a novos investimentos e fortalecendo o processo inflacionário, uma vez que quaisquer custos podiam ser automaticamente repassados para os preços. (BARROS E GOLDENSTEIN, 1997) A abertura marcou a ruptura entre o regime fechado e protecionista herdado do modelo de industrialização baseado na substituição de importações e o regime de economia aberta. Simbolizou o processo de redução do custo Brasil, principalmente através das privatizações que trouxeram investimentos na infra-estrutura do país, além de ter possibilitado através da abertura de importações, expressiva redução no custo de produção e, conseqüentemente, no preço. A queda dos preços associada à elevação da renda dos consumidores e à volta do crédito levou à explosão do consumo. (BARROS E GOLDENSTEIN, 1997) Em termos de demanda, a abertura possibilitou a entrada de diversos produtos importados com maior qualidade e preços mais baixos que os nacionais, o que tornou os consumidores brasileiros mais exigentes com relação ao preço e à qualidade das mercadorias. Pelo lado da oferta, o acesso fácil a insumos e equipamentos estrangeiros abriu caminho para 30 que grande número de empresas optasse por um aumento do conteúdo importado da produção local, atendendo às exigências por produtos melhores e mais baratos. (KUPFER, 1998) A abertura, ao introduzir a competição na economia, teve um grande impacto na distribuição de renda através da redução das margens de lucro das empresas até então protegidas pela reserva de mercado e do aumento de competitividade que elas foram obrigadas a implementar. A redução dos preços dos bens de consumo assalariado elevou o salário real e ampliou o mercado de outros bens. Além disso, a redução das tarifas de importação também resultou em transferência de renda do governo para os consumidores. (BARROS E GOLDENSTEIN, 1997) Este capítulo tem por objetivo tratar sobre a abertura comercial ocorrida no Brasil e seus impactos. Para tanto, este trabalho divide-se em seções. A primeira tratará da abertura, de como ela se deu e de seu cronograma. A segunda seção trará os impactos do processo sobre indicadores como emprego, produção, produtividade, importação, exportação, entre outros. A seção seguinte resumirá o processo de privatizações ocorrido no mesmo período, o maior da história e do mundo. A última seção abordará da economia brasileira nos anos 90, tratando principalmente dos anos FHC. 2.2 O Processo de Abertura As medidas adotadas no biênio 1988/89 se caracterizaram pelo início da redução das tarifas nominais e, portanto, da redundância tarifária e pela aplicação de medidas tópicas direcionadas à diminuição das barreiras não-tarifárias. Entre 1988 e 1989, a redundância tarifária média caiu de 41,2% para 17,8%, foram abolidos os regimes especiais de importação, unificaram-se os diversos tributos incidentes sobre as compras externas e reduziram-se levemente o nível e a variação do grau de proteção tarifária da indústria local, com a tarifa modal passando de 30% para 20% e a amplitude de 0-105% para 0-85%. (AVERBUG, 1999) A reforma tarifária teve continuidade em 1989, com uma nova redução generalizada das alíquotas de importação, o que permitiu que a alíquota média caísse para 35,5% naquele ano. Teve continuidade também o processo de redução do grau de intervencionismo do regime comercial. Entre as medidas relativas à política de importação, destacou-se a dispensa do cumprimento de prazos mínimos para pagamento de financiamentos para as importações de bens de capital e intermediários destinados às indústrias de máquinas e produtos têxteis e de confecções. A recuperação das importações, tanto em valor como em quantum, concentrou-se inteiramente em 1989 (AZEVEDO E PORTUGAL, 1998) 31 O novo governo, empossado em 1990, aprofundou as mudanças no regime de importações do país, foi instituída a nova Política Industrial e de Comércio Exterior, que eliminou a maior parte das barreiras não-tarifárias herdadas do período de substituição de importações, definiu um cronograma de redução das tarifas de importação e aboliu a maior parte dos regimes especiais de importação. O cronograma tarifário foi definido da seguinte forma: produtos sem similar nacional, com nítida vantagem comparativa e proteção natural elevada ou commodities de baixo valor agregado, tiveram alíquota nula; alíquota de 5% foi aplicada a produtos que já possuíam esse nível tarifário em 1990; tarifas de 10% e 15% foram destinadas aos setores intensivos em insumos com tarifa nula; a maior parte dos produtos manufaturados recebeu a alíquota de 20%, enquanto as indústrias de química fina, trigo, massas, toca-discos, videocassete e aparelhos de som teriam 30%; os setores automobilísticos e de informática teriam proteção nominal de 35% e 40%, respectivamente. A implantação do cronograma de redução tarifária teve um impacto direto sobre a tarifa média, a modal e o desvio-padrão. A tarifa média foi reduzida gradualmente de 33,2%, para 25,3% em 1991, 20,8% em 1992, 16,5% em 1993 e 14% em 1994. (AZEVEDO E PORTUGAL, 1998; AVERBUG, 1999) Entre 1990 e 1993, também foi eliminada a maioria dos regimes especiais de importação, mantendo-se somente aqueles vinculados às exportações, à Zona Franca de Manaus e a acordos internacionais. A conseqüência natural da eliminação de diversos regimes especiais de importação foi a queda do valor das importações que dependiam deste incentivo para serem efetuadas. De 75,8%, a incidência dos regimes especiais sobre as importações totais reduziu-se para 50,4% em 1991. Entre 1989 e 1993, o valor das importações totais cresceu 38,3%, passando de US$ 18,3 bilhões para US$ 25,2 bilhões. Durante o mesmo período, segundo estimativas da Funcex, o quantum importado aumentou em 70,7%. (AZEVEDO E PORTUGAL, 1998) A partir de julho de 1994, o ritmo da abertura comercial esteve condicionado aos interesses conjunturais do Plano Real. Pode-se dividir o período em três fases distintas, sob o ponto de vista específico da política de importação: a primeira foi marcada pela adoção de medidas de caráter nitidamente liberalizante; a segunda mostrou uma reversão do processo de abertura comercial, com a imposição de uma série de restrições às importações; e a terceira fase configurou-se em um período de nova flexibilização da política de importações. Durante a primeira fase, a política de importações teve um cunho eminentemente liberalizante. Visando manter a inflação sob controle, o governo diminuiu substancialmente as tarifas de 32 uma série de produtos com maior peso nos índices de preços, ou onde se verificavam pressões inflacionárias, e antecipou a Tarifa Externa Comum (TEC). O efeito total da redução tarifária permitiu que a alíquota nominal média de importação diminuísse de 13,2%, em julho de 1993, para 11,2%, em dezembro de 1994. (AZEVEDO E PORTUGAL, 1998) No início de 1995, novos rumos foram dados à política de importação. Devido aos déficits contínuos da balança comercial e à formação de um quadro externo desfavorável ao financiamento destes déficits, a alternativa encontrada pelo governo foi a de elevar as tarifas de importação de determinados produtos, geralmente incluindo-os na lista de exceção à tarifa externa comum ou impondo restrições não-tarifárias, como quotas de importação. O principal alvo destas restrições às importações concentrou-se nos bens de consumo duráveis, que haviam apresentado um substancial incremento. (AZEVEDO E PORTUGAL, 1998) Ao longo de 1996, manteve-se a política de concessão de novos benefícios para aqueles setores mais atingidos pelo processo de abertura, abrangendo, entre outros, os setores têxtil, de brinquedos, de vinhos e de papel. Também foi adotado um cronograma de redução das tarifas incidentes sobre aqueles bens de consumo cujas alíquotas haviam sido elevadas um ano antes. (AZEVEDO E PORTUGAL, 1998) TABELA 6 – Evolução das Tarifas Nominais e Efetivas 1988-1995 Discriminação Jul/88 Set/89 Set/90 Fev/91 Jan/92 Out/92 Jul/93 Dez/94 Dez/95 Tarifa Nominal Média Simples 38,5 31,6 30,0 23,3 19,2 15,4 13,2 11,2 13,9 Média Ponderada 34,7 27,4 25,4 19,8 16,4 13,3 11,4 9,9 11,5 Tarifa Efetiva Média Simples 50,4 45,0 45,5 35,1 28,9 22,5 18,9 14,4 23,4 Média Ponderada 42,6 35,7 33,7 26,5 21,7 17,2 14,5 12,3 12,9 Fonte: AZEVEDO E PORTUGAL (1998) 2.3 Os Impactos da Abertura Comercial Brasileira 2.3.1 Produção O período 1990-1993 marcou a estagnação da atividade industrial. Houve queda do valor da produção industrial e ao mesmo tempo os níveis de emprego contraíram-se fortemente. Em síntese, a reestruturação da indústria após a abertura seguiu uma trajetória de racionalização de custos, fortemente apoiada em estratégias empresariais de reorganização da produção, predominando objetivos de downsizing, principalmente terceirização de atividades e aumento do conteúdo importado da produção local. (KUPFER, 1998) 33 Abaixo é apresentada a evolução da produção da indústria brasileira entre 1985 e 1997. Vê-se que a produção, entre 1985 e 1992, caiu drasticamente, recuperando-se posteriormente. TABELA 7 - Indústria Brasileira: Evolução da Produção Física Ano Média de 1985 = 100 Taxa Anual de Variação (%) 1985 100 - 1986 110,9 10,9 1987 111,9 0,9 1988 108,3 -3,2 1989 111,4 2,9 1990 101,5 -8,9 1991 98,9 -2,6 1992 95,2 -3,7 1993 102,3 7,5 1994 110,1 7,6 1995 112,1 1,8 1996 114,0 1,7 1997 119,2 4,6 Fonte: KUPFER (1998) 2.3.2 Produtividade A década de 90 marcou uma quebra na tendência de declínio ou estagnação da taxa de produtividade observada ao longo dos anos 80. O incremento de produtividade verificado foi muito grande. Perdas muito significativas de eficiência no período pré-1990 são associadas à presença de barreiras não tarifárias. Quanto maior a tarifa nominal e/ou a taxa de proteção efetiva, menor é o crescimento da produtividade. Além do mais, o aumento da razão importações/PIB exerceu um efeito positivo e significativo sobre o crescimento da produtividade, reafirmando a importância da liberalização comercial para o aumento da produtividade. (MARKWALD, 2001) 2.3.3 Emprego A taxa de crescimento do emprego mostrou um crescimento modesto e a demanda de mão-de-obra do setor industrial sofreu uma drástica contração. A liberalização comercial 34 gerou intensa pressão competitiva, a indústria respondeu com redução dos custos, adoção de novos métodos de produção e introdução de tecnologias poupadoras de mão-de-obra. A terceirização, o outsourcing e o downsizing contribuíram para elevar a competitividade da indústria local e promover um incremento da produtividade do trabalho, mas ambos ocorreram ao custo da redução do emprego como pode ser observado na figura 1. Houve um aumento da produtividade, mas graças à queda do emprego; ou seja, a produtividade não aumentou por causa da maior eficiência na produção, mas sim porque inúmeros postos de trabalho foram perdidos. O volume de emprego perdido em virtude da maior penetração das importações foi equivalente a 7,2% do emprego na indústria de transformação. O setor industrial foi o setor que mais perdeu empregos e o setor de serviços foi o que mais cresceu percentualmente. A tabela abaixo mostra a participação dos macro-setores no emprego durante toda a década de 90. A desagregação setorial das perdas mostrou que o ajuste do emprego recaiu principalmente nos setores intensivos em capital e mão-de-obra qualificada. (MARKWALD, 2001) TABELA 8 – Participação dos Macro-Setores no Emprego: 1990-1999 Fonte: HILGEMBERG (2003) Macro setores 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Média Agropecuária 25,45 25,86 26,40 26,11 25,44 24,77 23,27 22,75 21,88 23,01 24,49 Extrativa Mineral (exceto combustíveis) 0,51 0,47 0,44 0,45 0,41 0,38 0,35 0,34 0,34 0,30 0,40 Ext. petróleo, gás natural, carvão e outros comb. 0,06 0,06 0,06 0,05 0,05 0,05 0,04 0,04 0,04 0,06 0,05 Indústria 15,52 14,63 13,92 13,86 13,78 13,54 13,38 12,98 12,56 12,24 13,64 Serviços Industriais de Utilidade Pública 0,55 0,52 0,49 0,53 0,47 0,42 0,39 0,39 0,39 0,35 0,45 Construção Civil 6,72 6,24 5,82 5,95 5,77 5,60 5,89 6,16 6,64 6,26 6,10 Serviços 51,19 52,22 52,87 53,05 54,08 55,25 56,68 57,34 58,15 57,78 54,87 TOTAL 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 35 GRÁFICO 1 – Relação Produto Emprego de 1985-1999 Fonte: KUPFER (1998) 2.3.4 Investimento A taxa média de investimento foi inferior à da década de 1980. Isto é explicado pelo fato de que as reformas estruturais no Brasil se estenderam durante toda a década de 90, a hiperinflação da década de 80 ainda assombrava no início dos anos 90 e as privatizações atingiram seu auge somente no biênio 1997-98. A redução dos níveis de proteção estimulou o investimento voltado para a redução dos custos e a melhoria da qualidade, pela via da modernização. GRÁFICO 2 - Taxa de Investimento — FBCF/PIB — 1980/1997 (Em porcentagem) Fonte: LAPLANE E SARTI (1999) No período pós-reforma, a incerteza predominava. Os agentes ainda não tinham certeza da credibilidade das reformas e esse quadro levou a uma cautela exagerada que adiou 36 o investimento. Depois, quando as mudanças começaram a ganhar credibilidade, a incerteza começou a diminuir, e aí os empresários pensaram em modernizar o seu parque produtivo e reduzir custos. Por último, tudo voltou ao normal e as decisões de investir voltaram a objetivar o longo prazo. Esse ciclo mostra bem o que ocorreu no momento pós-abertura no Brasil e ajuda a exemplificar a demora em investir por parte dos agentes econômicos. A hiperinflação atrapalhou muito, pois aumentou a incerteza dos agentes e havia a perda de valor do investimento com a rápida desvalorização do dinheiro. As privatizações representaram exatamente a melhora e o aumento do investimento no Brasil, pois o governo estava insolvente e não tinha condições de manter e investir nas instituições subordinadas a ele. Foi aí que entrou o setor privado, entretanto, como citado acima, o auge desse processo só aconteceu três, quatro anos depois do Plano Real, o que ajuda a explicar o atraso na resposta dos investimentos à nova política brasileira. O quadro abaixo mostra como o investimento reagiu na década de 90 até o ano de 2000. (MARKWALD, 2001) TABELA 9 - Taxa de Investimento, Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF) e Investimento na Industrial Discriminação 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Taxa de Investimento (preços de 1980) (%do PIB) 15,2 14,0 14,4 15,2 16,7 16,5 17,9 17,5 16,1 15,7 Taxa de Crescimento da FBKF (em %) -1,8 -8,6 7,2 12,5 13,7 2,5 12,4 -1,8 -7,0 Nd Prod. Física de Bens de Capital (Base: 1991 = 100) 100 93 102 121 122 104 109 108 98 111 Coef. De Importação de Bens de Capital (em %) 13,5 14,4 17,0 26,1 36,9 52,0 65,5 63,8 63,3 57,6 Índice de Investimento na Indústria (Base: 1991 = 1) 1,00 0,95 1,02 1,26 1,58 1,78 2,42 2,17 1,93 2,00 Fonte: MARKWALD (2001) 2.3.5 Tecnologia A competição internacional proporcionada pela abertura comercial pressionou os empresários locais no sentido da inovação; a liberalização do regime de comércio estimulou o fluxo de idéias, contribuindo para a expansão da base tecnológica doméstica e a integração comercial aumentou o mercado potencial, criando a possibilidade de se explorar economias de escala associadas a gastos em P&D. De modo geral, a avaliação do impacto da abertura comercial no comportamento tecnológico das empresas e do setor privado brasileiro foi positiva. As cifras globais mostraram expressiva expansão nos gastos de P&D das empresas e um aumento muito significativo na compra de tecnologia externa, evidenciada pelo balanço de pagamentos tecnológicos. (MARKWALD, 2001) 37 2.3.6 Exportações O aumento do número de empresas (industriais e não industriais) exportadoras passou de 8,5 mil em 1990 para pouco mais de 16 mil em 2000. Houve o aumento sustentado do quantum, o alargamento da base exportadora e o up grading da pauta de exportação de manufaturados, graças principalmente ao fim do viés anti-exportador, que tornava desvantajoso exportar, pois se vendia a preços superiores no mercado interno e ao acesso a bens de capital e insumos mais desenvolvidos e produtivos, possibilitado pela abertura. Os surtos de expansão da base exportadora são explicados pelas desvalorizações cambiais ocorridas em 1991-92 e 1999 e do conseqüente aumento da rentabilidade exportadora. Porém, deve-se ressaltar a mudança observada na intensidade tecnológica das exportações de produtos industrializados. A participação dos produtos manufaturados de alta e média-alta intensidade tecnológica foi de 22%, em 1990, para mais de 35% em 2000. A mudança diz respeito, principalmente, às exportações dos setores eletro-eletrônicos e outros veículos (aviões), bem como de alguns segmentos do complexo químico. A abertura comercial foi fundamental para a ocorrência dessa transformação, pois possibilitou o acesso a insumos e componentes sem os quais o up grading das exportações não teria sido possível. (MARKWALD, 2001) TABELA 10 – Coeficientes de Exportação Segundo Macro-complexos e setores. Período 1985-2000 (Série Dólar 2000) Macrocomplexos e Setores 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Construção 11,7 14,7 13,7 14,1 15,2 14,8 14,3 13,2 16,5 17,2 18,2 Minerais Não Metálicos 17,8 21,4 17,4 17,6 18,5 19,0 18,6 15,4 20,1 19,8 20,9 Madeira e Mobiliário 3,6 4,8 7,1 8,9 10,6 9,5 8,9 10,1 10,6 13,3 14,1 Metal-Mecânica 10,1 13,8 15,2 14,6 15,0 14,1 14,7 16,4 19,3 19,0 21,3 Material de Transporte 11,2 12,7 15,7 13,8 14,2 11,6 13,0 17,1 24,4 24,8 29,0 Eletro-Eletrônico 6,3 9,8 14,0 15,1 14,9 13,7 13,7 17,6 22,5 28,9 40,8 Máquinas e Equipamentos 4,6 6,9 6,7 9,2 10,7 10,6 12,3 13,6 13,6 12,4 11,3 Siderurgia e Metalurgia 15,7 21,1 18,8 18,4 18,2 18,8 17,9 16,8 16,6 15,3 15,6 Têxtil 9,0 11,7 16,1 16,8 17,7 18,0 19,7 22,6 22,8 23,1 28,2 Têxtil e Vestuário 4,6 6,1 8,1 7,4 8,5 8,6 8,2 9,3 9,2 9,1 11,2 Calçados 34,2 45,4 57,4 57,2 55,0 50,1 69,4 77,9 85,0 88,6 n/d Agroindústria 12,7 11,9 13,1 13,8 17,2 17,5 16,1 17,6 16,9 16,4 14,4 Abate e Laticínios 4,4 6,2 8,6 9,5 9,1 7,7 8,1 9,0 9,5 11,9 11,7 Óleos e Vegetais 39,3 31,6 35,4 39,0 57,6 55,3 69,3 71,9 46,7 43,3 50,4 Açúcar 19,9 17,0 20,7 31,2 33,2 65,2 50,3 54,1 61,1 62,3 32,6 Café 59,2 87,6 61,1 57,4 89,7 81,4 65,0 94,6 88,9 80,7 57,1 Outros Agroindustriais 9,6 7,4 8,8 8,1 8,4 8,1 8,5 7,9 8,3 7,5 7,6 Papel e Celulose 8,3 9,1 9,9 10,1 13,4 16,0 12,3 13,9 14,6 13,4 13,2 Química 3,8 3,8 4,0 4,2 4,8 5,0 4,9 4,9 4,8 4,2 4,4 38 Produtos Químicos Finais 2,4 3,2 3,7 4,1 4,3 4,6 4,6 4,8 4,9 4,4 4,3 Petroquímica 4,0 3,4 3,3 3,4 4,3 4,1 3,7 3,5 3,2 2,7 3,5 Elementos Químicos 8,5 9,4 10,6 11,3 10,9 14,2 16,2 16,6 18,3 18,3 15,6 Demais 9,2 10,8 13,9 13,1 12,9 11,8 11,2 11,7 13,5 14,9 13,7 Total 9,1 10,5 11,5 11,6 12,9 12,8 12,6 13,4 14,2 13,4 13,7 Fonte: MARKWALD (2001) No complexo construção, mereceu destaque o avanço do setor madeira e mobiliário, que expandiu fortemente suas exportações na década de 90. No complexo têxtil, a elevação do coeficiente decorreu muito mais de uma contração da produção do que do aumento das exportações. O crescimento de US$ 1 bilhão deveu-se ao setor de calçados, já que as exportações de têxtil e vestuário permaneceram estagnadas. Com efeito, o setor têxtil e de vestuário passou por um processo de intensa modernização e registrou um aumento expressivo do coeficiente de exportação, mas essa elevação ocorreu à custa de uma forte contração do valor da produção. No complexo metal-mecânica, o destaque ficou com os setores de material de transporte e, principalmente, com o setor eletro-eletrônico. No caso do setor eletro-eletrônico, o aumento do coeficiente resulta de dois efeitos: o aumento sustentado das exportações e a expressiva contração do valor da produção observada a partir de 1996. Evolução totalmente diferente foi apresentada pela siderurgia/metalurgia, bem como pelo setor de máquinas e equipamentos. O coeficiente de exportação da siderurgia/metalurgia apresentou tendência de queda desde 1995, enquanto o coeficiente do setor de máquinas e equipamentos veio declinando desde 1998. Em ambos os setores, a evolução das exportações a partir de meados da década de 90 foi, de fato, decepcionante. O complexo agroindustrial, por sua vez, foi prejudicado pela evolução dos preços internacionais das commodities de exportação, no final da década. Por último, o complexo químico enfrentou uma restrição de investimento, e o coeficiente de exportação permaneceu baixo e estável ao longo da década. (MARKWALD, 2001) Quando se analisa a propensão a exportar, a discriminação por tamanho da empresa mostrou que a propensão a exportar aumentou, mas pouco. Com relação à freqüência exportadora, ela é relevante na explicação da propensão a exportar. A conclusão foi que a propensão a exportar foi muito maior nas empresas que assim já faziam regularmente nos anos anteriores do que nas empresas esporádicas ou iniciantes. (MARKWALD, 2001) 39 2.3.7 Importações Na década de 90, o coeficiente de penetração das importações da indústria brasileira mais que duplicou. Essa evolução é explicada pelo padrão extremamente fechado que caracterizou a evolução industrial brasileira até fins da década de 80. O processo de abertura também foi influenciado pela sobrevalorização cambial registrada entre 1993 e 1998, explicando o explosivo crescimento do coeficiente nesse período. (MARKWALD, 2001) TABELA 11 - Composição da Pauta de Importações em % Categorias de Uso 1990 1996 1997 Bens de capital 18,7 23,3 27,2 Intermediários 38,7 46,9 45,0 Combustíveis 25,1 11,5 9,5 Bens de consumo não duráveis 7,3 9,7 9,0 Bens de consumo duráveis 3,7 8,4 9,3 Outros 6,5 0,2 - Fonte: KUPFER (1998) De acordo com a tabela acima, a evolução dos bens de produção (bens de capital e intermediários, exclusive petróleo e demais combustíveis) que ampliaram a participação de 57,4% para 70,2% das importações totais no período evidenciaram a natureza do processo de reestruturação praticado pelas empresas pós abertura. (KUPFER, 1998) TABELA 12 – Coeficiente de Penetração das Importações Segundo Macro-complexos e Setores. Período 1990-2000 (Série Dólar 2000) Macrocomplexos e Setores 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Construção 2,5 2,9 2,5 2,4 3,0 4,1 4,1 4,4 4,3 3,8 4,2 Minerais Não Metálicos 4,3 4,9 3,7 3,6 4,7 6,5 6,3 6,2 5,5 5,4 6,0 Madeira e Mobiliário 0,5 0,4 0,5 0,7 0,8 1,2 1,5 2,1 2,4 1,6 1,7 Metal-Mecânica 6,6 8,8 9,0 10,3 13,9 18,8 19,2 23,3 27,0 24,9 24,4 Material de Transporte 4,9 6,6 7,4 9,1 13,5 17,6 15,0 19,8 26,9 24,4 23,3 Eletro-Eletrônico 9,6 13,2 17,8 22,6 29,1 33,8 35,7 45,2 52,0 57,6 66,1 Máquinas e Equipamentos 9,5 13,2 13,0 12,8 16,8 23,8 28,9 32,7 34,2 31,0 25,0 Siderurgia e Metalurgia 3,3 4,4 3,7 3,8 4,6 7,1 6,8 8,6 9,7 7,2 7,4 Têxtil 2,3 3,2 3,5 6,5 8,4 13,2 14,1 16,6 15,4 12,2 13,6 Têxtil e Vestuário 1,7 2,4 2,7 5,8 7,6 11,9 12,7 14,8 13,6 10,6 11,2 Calçados 7,1 11,0 11,8 12,6 14,6 24,7 28,4 38,8 45,7 47,3 n/d Agroindústria 3,0 3,4 2,8 3,6 4,8 7,1 6,1 7,1 7,3 5,4 5,1 Abate e Laticínios 3,4 2,6 1,6 1,8 3,1 5,1 4,1 4,3 4,7 3,9 3,6 Óleos e Vegetais 1,5 2,5 2,7 4,3 11,4 11,0 18,6 22,7 11,9 7,5 9,3 Açúcar 0,0 0,0 0,8 0,7 0,7 1,0 0,4 0,1 0,0 0,0 0,0 Café 0,0 0,0 0,0 0,2 0,0 0,4 0,2 2,2 0,4 0,2 0,1 Outros Agroindustriais 3,6 4,3 3,9 5,0 5,6 7,5 5,8 6,8 7,2 5,6 5,4 40 Papel e Celulose 2,6 3,2 2,2 2,7 4,2 8,4 8,6 10,0 10,6 6,7 6,4 Química 10,4 10,6 9,6 10,2 11,8 14,8 15,8 15,7 14,6 13,3 13,9 Produtos Químicos Finais 4,5 5,4 5,2 6,0 7,9 9,7 10,5 11,6 12,3 11,8 11,7 Petroquímica 13,0 12,1 10,9 11,1 12,0 15,5 17,1 16,0 13,0 11,6 13,3 Elementos Químicos 19,2 22,4 20,0 23,3 27,9 35,6 34,4 35,8 39,3 38,2 33,4 Demais 13,9 15,5 16,9 16,5 19,7 27,5 28,4 28,0 29,1 25,7 25,5 Total 6,4 7,3 7,1 8,1 10,3 13,8 13,9 15,8 16,3 14,3 14,6 Fonte: MARKWALD (2001) Dois macro-complexos, agroindústria e construção, registraram coeficientes muito abaixo dos observados para a média da indústria. Ambos são constituídos por setores industriais intensivos em recursos naturais nos quais o Brasil apresenta claras vantagens comparativas. Isso explica que tenham sido pouco afetados pelo processo de abertura comercial. O complexo têxtil e químico, por sua vez, encerraram a década registrando coeficientes de penetração das importações muito próximos aos da média da indústria. Sua evolução, contudo, aponta para comportamentos muito diferenciados, uma vez que o coeficiente do complexo têxtil aumentou mais de seis vezes no período, passando de 2,3%, em 1990, para 13,6% em 2000, enquanto o indicador do complexo químico registrou um incremento apenas discreto de 3,5 pontos percentuais. O complexo metal-mecânico foi, sem dúvida, o mais afetado pela liberalização comercial: o coeficiente de penetração das importações mais do que triplicou no período, passando de 6,6% em 1990 para 24,4% em 2000. Os setores de material de transporte, máquinas e equipamentos e eletro-eletrônico também foram profundamente afetados pelo processo de liberalização comercial e seus coeficientes de penetração das importações mostraram-se muito superiores aos da média da indústria. (MARKWALD, 2001) A reação das firmas industriais brasileiras em resposta aos desafios e oportunidades promovidos pelo novo ambiente macroeconômico foi muito heterogênea. O tamanho da empresa, a inserção setorial, a origem do capital controlador e a freqüência dos vínculos com o mercado externo explicaram o comportamento diferenciado. (MARKWALD, 2001) As empresas médias e pequenas exploraram as oportunidades criadas pelo processo de liberalização comercial tanto quanto as grandes. Porém, é inquestionável que as multinacionais, bem como as empresas com participação minoritária estrangeira, tiveram maior facilidade para se adaptar ao processo de abertura e tirar proveito de seus vínculos com o mercado externo, aumentando sua propensão a importar com muito mais rapidez que as empresas nacionais. (MARKWALD, 2001) 41 2.3.8 Eficiência alocativa e mark-up O comportamento dos mark-ups setoriais no período 1990-1995 indicou uma queda substancial desse indicador nos diversos setores da indústria de transformação (22,4% em média). Segundo Moreira (1999a), encontrou-se uma correlação negativa entre os mark-ups setoriais e a penetração das importações, e uma correlação positiva entre lucros e o nível de proteção ao mercado interno (tarifa de importação). Esse tipo de evidência aponta não só na direção de ganhos de eficiência alocativa, mas também de ganhos de eficiência técnica derivados do efeito de escala. Isso porque mark-ups menores estão normalmente associados a curvas de demandas mais elásticas e a escalas de produção maiores. Olhando o acumulado 1990-1998, a queda foi liderada pela categoria dos bens intensivos em mão-de-obra, o que chamou a atenção para o grau de ineficiência acumulada nesses setores, apesar das vantagens derivadas da abundância relativa de mão-de-obra. Em seguida, apareceram os setores intensivos em capital e em tecnologia, também com quedas significativas, dado o grau de proteção desfrutado anteriormente por esses setores. Os setores intensivos em recursos naturais apresentaram as menores reduções em face das vantagens competitivas do Brasil nessa área. (MOREIRA, 1999a) TABELA 13 – Variação do Mark-up no período 1990-1998 Variação Mark-up 1990/1995 1995/1998 1990/1998 Categorias de Uso Bens de Consumo Não-Duráveis -3,5 13,2 9,2 Bens de Consumo Duráveis -36,8 -12,1 -44,4 Bens Intermediários -13,4 -6,6 -19,2 Bens Intermediários Não-Elaborados -12,8 -12,7 -23,9 Bens de Capital -45,7 -2,5 -47,0 Bens de Capital – Equipamento de Transporte -39,2 -7,3 -43,6 Fonte: MOREIRA (1999) 2.3.9 Fusão e Aquisição O processo de fusões e aquisições foi uma resposta estratégica das empresas a um ambiente com elevado grau de incerteza e acirramento da concorrência. A fusão e a aquisição possibilitam a penetração em novos mercados, em curto período de tempo; a consolidação do market share em nível global; as oportunidades de investimento, em função da desregulamentação dos mercados; a alteração no padrão tecnológico, proporcionando amplas escalas de produção e a redução de custos; a obtenção de sinergias de natureza tecnológica, financeira, mercadológica e organizacional e a possibilidade de ganhos de natureza financeira. 42 Por isso, diante desse quadro, as fusões e aquisições mostraram-se extremamente atrativas no cenário de abertura comercial brasileira. (SIFFERT FILHO E SILVA, 1999) As fusões e aquisições ocorridas no período 1991-1998 foram calculadas em US$ 142 bilhões, incluindo as privatizações, que responderam por mais de 50% desse total. Das características mais marcantes do processo de mudança das empresas nos anos 90, podem ser ressaltados dois aspectos: a expansão do padrão de controle societário, com base no compartilhamento do controle entre sócios nacionais e estrangeiros, e a formação de alianças estratégicas entre grupos nacionais. (SIFFERT FILHO E SILVA, 1999) GRÁFICO 3 - Valor das Transações de Fusão e Aquisição no Brasil entre 1992 e 1998, por Setor de Atividade (US$ Milhões) Fonte: SIFFERT FILHO E SILVA (1999) As fusões e aquisições ocorridas em quatro setores (de energia elétrica, de telecomunicações, financeiro e siderúrgico) representaram cerca de 60% do total observado no período, como pode ser observado no gráfico. A privatização de empresas estatais em 43 setores intensivos em capital justifica os valores mais elevados destas transações. (SIFFERT FILHO E SILVA, 1999) Com relação ao controle acionário, observou-se que a maioria das empresas passou a ter o controle compartilhado misto, um arranjo societário no qual estavam presentes sócios nacionais e estrangeiros. Destacou-se também a presença de consórcios nacionais, como por exemplo, o formado pelo Grupo Votorantim para a aquisição de estatais. Porém, houve um avanço significativo da presença de empresas estrangeiras na economia brasileira, entre as maiores e médias, mas deve-se ter em mente que as transformações, em termos de controle societário, ocorridas no plano das empresas deram-se em um contexto marcado pela retomada do investimento direto externo na economia brasileira, o qual atingiu o patamar acima de US$ 20 bilhões em 1998. Parcela significativa dessas inversões destinou-se à aquisição de empresas, seja através da aquisição do controle integral, seja participando de forma compartilhada do controle. (SIFFERT FILHO E SILVA, 1999) 2.4 As Privatizações O processo de privatização ou desestatização começou em 1981, com a criação da Comissão Especial de Desestatização, mas no início a privatização na obteve sucesso. O processo de desestatização começou a obter êxito no final da década de 1980, junto com o início da abertura comercial. Ao final do governo Sarney, em 1989, já haviam sido privatizadas 17 empresas, com a arrecadação de US$549 milhões. Verificou-se a forte participação do BNDES neste processo inicial, pois grande parte das firmas privatizadas estava sob controle da BNDESPAR, subsidiária do Banco. Os objetivos desta privatização, estimulada pelo BNDES, eram reduzir gastos, pois 50% do volume dos desembolsos do Banco eram destinados para as empresas controladas pela sua subsidiária e livrar-se de um problema, pois as firmas encontravam-se em estado crítico, com aportes de capital ineficazes, dificuldade de administração e pouca flexibilidade gerencial. O BNDES tinha também o interesse creditício nas empresas privatizadas, que teriam suas contas sanadas pelo setor privado. Pode-se dizer que as privatizações, inicialmente, foram condicionadas pela ação do BNDES que definiu e implementou estrategicamente esta política pública. (VELASCO JR, 1999) O assunto privatização ganhou status de prioridade na agenda pública no período Collor, com a instituição do Programa Nacional de Desestatização (PND), que permitia que as dívidas vencidas das estatais passassem a ser aceitas como forma de pagamento. Os objetivos 44 do programa eram reordenar a posição estratégica do Estado na economia, contribuir para a redução da dívida pública e ampliar a competitividade do parque industrial do país. Entre 1990 e 1994, o governo federal desestatizou 33 empresas, sendo 18 empresas controladas e 15 participações minoritárias da Petroquisa e Petrofértil. Com essas alienações, o governo obteve uma receita de US$ 8,6 bilhões que, acrescida de US$ 3,3 bilhões de dívidas que foram transferidas ao setor privado, alcançou o resultado de US$ 11,9 bilhões. (VELASCO JR, 1999; BNDES, 2002) A partir de 1995, com o início do governo Fernando Henrique Cardoso, a privatização ganhou ainda mais prioridade. O PND continuou sendo um dos principais instrumentos da reforma do Estado, atuando em conjunto com o já criado Conselho Nacional de Desestatização (CND). Iniciou-se uma nova fase da privatização, em que os serviços públicos começaram a ser transferidos ao setor privado. O principal objetivo era proporcionar uma melhoria na qualidade dos serviços prestados à sociedade brasileira, através do aumento de investimentos a serem realizados pelos novos controladores. A participação do capital estrangeiro, na privatização no período 1995-2002, atingiu 53% do total arrecadado. Ao fim do governo FHC, a somatória das receitas da privatização e das dívidas transferidas ao setor privado totalizou US$93,4 bi. (BNDES, 2002) No final do processo de desestatização, foram totalizados US$105,9 bi (juntando os valores dos governos antes de FHC e o seu governo). As empresas privatizadas encontravam- se em vários setores, como elétrico, petroquímico, mineração, portuário, financeiro, informática, ferroviário e de comunicação. No final das contas, foram privatizadas ou vendidas mais de 100 empresas e concessionárias de serviços públicos. Como no caso brasileiro a questão do déficit público teve forte apelo, a privatização caracterizou-se como uma política capaz de contribuir para a redução dos problemas de ordem financeira do Estado. Daí, decorreu o fato de os leilões terem sido adotados como o modelo básico de venda e a importância atribuída aos ágios obtidos nas vendas em relação aos preços mínimos estipulados. (VELASCO JR, 1999) A privatização levou à substancial melhoria no desempe