UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” CAMPUS DE ILHA SOLTEIRA SANDRA VALÉRIA DE ALMEIDA DESAFIOS MITIGATÓRIOS DA ESCASSEZ HÍDRICA NO BRASIL Ilha Solteira - SP 2024 SANDRA VALÉRIA DE ALMEIDA DESAFIOS MITIGATÓRIOS DA ESCASSEZ HÍDRICA NO BRASIL Produto bibliográfico técnico apresentado à UNESP – Ilha Solteira como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos. Área de Concentração: Regulação e Governança de Recursos Hídricos. Orientador(a): Prof. Dr. José Carlos de Oliveira Ilha Solteira - SP 2024 AGRADECIMENTOS O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, agradeço também ao Programa de Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos - ProfÁgua, Projeto CAPES/ANA AUXPE Nº 2717/2015, pelo apoio técnico científico aportado até o momento. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 6 2.OBJETIVO ............................................................................................................... 8 3.CONTEXTO ............................................................................................................. 9 3.1 CAUSAS DA ESCASSEZ HÍDRICA ...................................................................... 9 3.1.1 Demanda e múltiplos usos .............................................................................. 9 3.1.2 Expansão agrícola .......................................................................................... 11 3.1.4 Indústria .......................................................................................................... 14 3.1.5 Abastecimento público e consumo humano ............................................... 15 3.1.6 Geração de energia ........................................................................................ 16 3.1.7 Outros usos da água ...................................................................................... 17 3.1.8 Conflitos pelo uso da água ............................................................................ 18 3.1.9 Crescimento populacional e urbanização .................................................... 19 3.1.10 Desmatamento e mudanças no uso do solo ............................................ 20 3.1.11 Poluição das águas ...................................................................................... 21 3.1.12 Mudanças climáticas.................................................................................... 22 3.2 CONSEQUÊNCIAS DA ESCASSEZ HÍDRICA ................................................... 24 3.2.1 A escassez hídrica da região metropolitana de São Paulo. ....................... 25 3.3 MEDIDAS E DESAFIOS MITIGATÓRIOS .......................................................... 28 3.3.1Medidas mitigatórias estruturantes ............................................................... 29 3.3.1.1 A política nacional de recursos hídricos (PNRH) e sua ação mitigadora na escassez hídrica 29 3.3.1.2 Instrumentos da política nacional de recursos hídricos como medida de mitigação ..................................................................................................................30 3.3.1.3 A atuação dos órgãos do sistema nacional de gerenciamento hídrico (SINGREH) na mitigação da escassez hídrica. 33 3.3.2 Medidas não estruturantes ............................................................................ 37 3.3.2.1 Alocação de água 37 3.3.2.2 Dessalinização 38 3.3.2.3 Reuso da água 39 3.3.2.4 Aproveitamento de água da chuva 40 3.3.2.5 Controle de perdas 42 3.3.2.6 Controle da poluição 43 3.3.2.7 Medidas mitigatórias na agricultura 44 3.3.2.8 Preservação e recuperação de matas ciliares 46 3.3.2.9 Políticas de incentivo a não desperdício 46 3.3.2.10 Educação ambiental como ferramenta de conscientização 47 6.CONCLUSÃO ........................................................................................................ 49 6 1. INTRODUÇÃO A água, é um elemento essencial à vida, sendo fundamental para a sobrevivência e o desenvolvimento das sociedades humanas. Desde os primórdios da civilização, a disponibilidade hídrica desempenhou um papel central na organização social e no progresso econômico das populações. No entanto, o crescimento populacional exponencial e o consequente aumento da demanda por água, além da sua deterioração têm colocado os recursos hídricos sob pressão intensa, revelando dificuldades que vão além das limitações tecnológicas do passado (Setti,2000). Atualmente, a escassez hídrica se apresenta como um dos principais desafios globais. Segundo a ONU, estima-se que, atualmente, mais de 1 bilhão de pessoas vivem em condições insuficientes de disponibilidade de água para consumo e que, em 25 anos, cerca de 5,5 bilhões de pessoas estarão vivendo em áreas com moderada ou séria falta de água (ONU, 2021). Quando se analisa o problema de maneira global, observa-se que, teoricamente, existe quantidade de água suficiente para o atendimento de toda a população. No entanto, a distribuição não uniforme dos recursos hídricos e da população sobre o planeta acaba por gerar cenários adversos quanto à disponibilidade hídrica em diferentes regiões (Setti, 2000). O Brasil possui situação privilegiada em relação à sua disponibilidade hídrica, porém, cerca de 68% da água doce do país encontra-se na região amazônica, que é habitada por menos de 8% da população (ANA, 2021). Segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a escassez hídrica, tanto no Brasil quanto no mundo, é resultado de uma teia complexa de fatores, incluindo o aumento do consumo, a degradação ecológica, as mudanças climáticas e a gestão inadequada dos recursos (ANA, 2021). A compreensão aprofundada desses fatores é imprescindível à formulação de táticas de mitigação e adequação que visem a efetividade e coerência quanto ao manejo dos recursos hídricos, assim, o presente trabalho está estruturado em capítulos que abordam detalhadamente os diversos aspectos da escassez hídrica e as medidas mitigadoras possíveis. 7 Baseando-se primordialmente na revisão literária e bibliográfica de estudos e artigos científicos acadêmicos, textos de diplomas legais e publicações oficiais, o presente trabalho visa, a partir de uma visão geral dos recursos hídricos em escala global, aprofundar-se na análise da estrutura e dos mecanismos de gestão previstos na Política Nacional de Recursos Hídricos, destacando também os impactos positivos das medidas compreendidas como não estruturantes, contudo, de eficaz importância para a mitigação da escassez hídrica. 8 2. OBJETIVO Apresentar produto técnico bibliográfico, a ser encaminhado para a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, com informações instrutivas sobre a temática da escassez hídrica e os desafios para mitigar seus efeitos. 9 3. CONTEXTO O presente estudo aborda as causas e consequências da escassez hídrica e as medidas mitigadoras possíveis, destacando a importância das medidas estruturantes e não estruturantes, que somadas com a participação civil figuram como meios essenciais de mitigação. 3.1 Causas da escassez hídrica A compreensão das causas multifatoriais da escassez hídrica é fundamental para abordar sua complexidade e seus impactos na sociedade. Fatores naturais, como variações climáticas, secas prolongadas e alterações nos padrões de precipitação, conjugados com fatores antropogênicos, incluindo desmatamento, urbanização, despejos de efluentes sem o devido tratamento, agricultura intensiva e industrialização, afetam adversamente tanto o volume quanto a qualidade dos recursos hídricos (Tucci, 2002), consubstanciando, portanto, em causas ou meio de agravar a escassez hídrica. 3.1.1 Demanda e múltiplos usos A demanda e os múltiplos usos da água têm um impacto direto na escassez hídrica. Cada uma das diversas atividades humanas, como os setores industrial, agrícola e doméstico, requer quantidades específicas de água e diferentes níveis de qualidade, influenciando e sendo influenciadas pelas condições das águas superficiais e subterrâneas. A demanda intensa por água nos diversos setores não apenas contribui para a insuficiência hídrica, mas ainda ameaça a qualidade da água (ANA, 2024a). Os usos da água podem ser classificados em consuntivos e não consuntivos. Usos consuntivos referem-se àqueles em que a água é efetivamente retirada do ambiente natural e consumida, como na agricultura para irrigação, onde a água é em grande parte absorvida pelas plantas e evaporada, ou em processos industriais, onde pode ser incorporada aos produtos ou evaporada durante a produção (ANA, 2024a). No Brasil, o uso consuntivo de água por setor acontece predominantemente na irrigação, fornecimento humano (tanto urbano quanto rural), dessedentação de 10 animal, industrial, geração termelétrica e mineração (ANA, 2024a). A figura 1 demonstra a porcentagem dos usos consuntivos setoriais no Brasil em 2022. Figura 1 – Usos Consuntivos Fonte: ANA, 2023 Usos como navegação, pesca, recreação, turismo e lazer não envolvem a captação direta de água, caracterizando-se, portanto, como uso não consuntivos. No entanto, esses usos estão interligados aos demais usos e dependem da manutenção de condições naturais ou da intervenção da infraestrutura hídrica, como reservatórios, canais e adutoras. Esses setores necessitam de água em quantidades e qualidades específicas para o seu adequado funcionamento (ANA, 2024a). A demanda por água no Brasil apresentou um crescimento exponencial nas últimas décadas. O documento Conjuntura dos Recursos Hídricos (2023) da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), informa que a retirada de água para usos setoriais aumentou em 536 bilhões de litros anuais em média entre 1940 e 1980, acelerando para 781 bilhões de litros entre 1980 e 2000, e atingindo 1 trilhão e 189 bilhões de litros entre 2000 e 2021. Para o período de 2022 a 2040, projeta-se um incremento de aproximadamente 30% nas retiradas de água, o que representará uma 11 expansão de uso de 1 trilhão e 290 bilhões de litros anuais em média, com uma participação significativa da agricultura irrigada (ANA, 2024a). 3.1.2 Expansão agrícola A expansão agrícola é um fenômeno complexo que tem evoluído ao longo da história, impulsionado por uma interação de fatores socioeconômicos, ambientais e políticos (Hassan, 2005). No contexto moderno, a expansão agrícola no Brasil continua sendo impulsionada pelo aumento da demanda global por alimentos, decorrente do aumento da população e das alterações nos moldes de consumo. Dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) indicam um aumento significativo na produção agrícola global nas últimas décadas, refletindo melhorias na produtividade agrícola e expansão das áreas cultivadas (FAO, 2020b). Entre 1961 e 2018, a produção mundial de cereais triplicou, destacando a essencialidade da agricultura na segurança alimentar global (FAO, 2020b). No Brasil, a expansão agrícola tem sido especialmente notável e impactante, com vastas áreas de ecossistemas naturais, como o Cerrado e a Amazônia, convertidas em terras agrícolas. Estudos recentes destacam a interação complexa entre os sistemas socioeconômicos e naturais, sublinhando o país como um dos principais exportadores globais de commodities agrícolas e minerais (FAO, 2021). Contudo, é necessário salientar a relação entre os commodities agrícolas e a água virtual para avaliar os impactos hídricos globais e regionais associados ao comércio internacional. O conceito de água virtual, introduzido por Allan (1993) e posteriormente desenvolvido por Hoekstra e Hung (2002), refere-se ao volume de água utilizado na produção de bens e serviços que são comercializados entre países. O Brasil é líder mundial na exportação de produtos como soja, carne bovina, açúcar, café e frango, que utilizam volumes de água virtual significativos. A soja, por exemplo, é a principal cultura de exportação brasileira. De acordo com Mekonnen e Hoekstra (2011), a produção de um quilograma de soja no Brasil consome, em média, 2.300 litros de água, considerando água verde (chuva), azul (irrigação) e cinza (necessária para diluir poluentes). Em 2020, o país exportou aproximadamente 83 12 milhões de toneladas de soja (USDA, 2021), resultando em uma exportação virtual de cerca de 190 trilhões de litros de água. No caso do açúcar, o Brasil é o maior produtor e exportador mundial. A produção de um quilograma de açúcar de cana requer cerca de 1.500 litros de água (Gerbens-Leenes & Hoekstra, 2009). Com exportações anuais próximas a 29 milhões de toneladas (UNICA, 2021), isso implica em uma exportação virtual de aproximadamente 43,5 trilhões de litros de água. A produção de café também é significativa, com o Brasil respondendo por cerca de 40% das exportações mundiais. O volume de água virtual do café é extremamente alto; para produzir um quilograma de café torrado são necessários cerca de 21.000 litros de água (Chapagain & Hoekstra, 2007). Com exportações anuais em torno de 2,5 milhões de toneladas (CONAB, 2021), a exportação virtual de água pelo café alcança cerca de 52,5 trilhões de litros. O comércio global de alimentos resulta, portanto, em uma significativa transferência de água entre países exportadores e importadores, com a água sendo indiretamente comercializada por meio dos produtos. O Brasil ocupa a 4ª posição entre os maiores exportadores de água virtual no mundo, exportando trilhões de litros de água doce anualmente, volume suficiente para abastecer 1,5 bilhão de pessoas (Fundação energia e saneamento, 2023), evidenciando as disparidades socioeconômicas. Outra questão da agricultura que acaba por contribuir com a escassez está relacionada com a poluição dos corpos d'água devido ao uso indiscriminado de adubos sintéticos e agrotóxicos. Esses produtos químicos são contaminanates do solo e ao serem transportados pela água da chuva para os rios, acabam por ocasionar prejuízos aos ecossistemas aquáticos e à saúde do homem (Moreira, 2002). 3.1.3 Irrigação A irrigação, conforme os dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), é o principal uso da água no Brasil, sendo responsável por aproximadamente 72% do montante de água no país. Esta prática é essencial para suplementar o regime de chuvas, possibilitando a agricultura em regiões caracterizadas pela escassez hídrica, como o Semiárido brasileiro, e em áreas que 13 enfrentam estações específicas de seca, como ocorre na área central do Brasil (ANA, 2021b). O "Atlas Irrigação: Uso da Água na Agricultura Irrigada" publicado pela ANA em 2021, detalha que o Brasil tem 8,5 milhões de hectares abastecidos para irrigação. Deste total, 35% são utilizados para fertirrigação com água de reuso, abrangendo 2,9 milhões de hectares, enquanto os 65% restantes, equivalentes a 5,5 milhões de hectares, empregam água proveniente de mananciais (ANA, 2021b). Além disso, o Atlas destaca a existência de Pólos Nacionais de Agricultura Irrigada, os quais apresentam diferentes tipologias predominantes de cultivo. Nos nove polos onde a irrigação por inundação é empregada, o arroz é o principal cultivo. Em contrapartida, em quinze outros polos, a irrigação por pivôs centrais é a técnica mais utilizada (ANA, 2021b). Segundo o IBGE, alguns dos mais importantes polos de agricultura irrigada no Brasil incluem: • Vale do São Francisco: Este é um dos principais e mais importantes polos de agricultura irrigada no Brasil, especialmente para a produção de frutas, como uvas, mangas e bananas. A irrigação nessa região é possível graças ao rio São Francisco, vital para a agricultura na área semiárida do Nordeste. • Oeste da Bahia: Esta região se destaca pela produção de soja, milho e algodão, usando técnicas de irrigação, transformando o Oeste da Bahia em uma área altamente produtiva. • Matopiba: Abrangendo áreas do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, esse polo é uma fronteira agrícola em expansão, conhecida pela produção de soja e outros grãos. A irrigação tem sido essencial para sustentar a agricultura nessa região de clima variável. • Norte de Minas Gerais: Similar ao Vale do São Francisco, esta região utiliza intensivamente a irrigação para a produção de frutas e outros cultivos, aproveitando as águas do rio São Francisco. 14 • Pivôs Centrais no Cerrado: Espalhados pelo Cerrado brasileiro, especialmente em Goiás e Mato Grosso, os sistemas de pivô central são utilizados para irrigar grandes extensões de terras onde se cultivam soja, milho e algodão. • Área Central do Rio Grande do Sul: Conhecida pela irrigação de arroz por inundação, esta área depende significativamente deste sistema de irrigação para a produção deste cereal. Ademais, o desperdício alimentar, que é um problema global, tem implicações profundas não apenas na segurança alimentar, mas também na gestão dos recursos hídricos. Estima-se que cerca de 30% dos alimentos produzidos mundialmente são desperdiçados, o que corresponde a aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas de alimentos por ano (FAO, 2012). Este desperdício representa uma perda significativa de água virtual, termo que se refere ao volume de água utilizado na produção de alimentos que acabam sendo descartados. A água virtual desperdiçada devido no descarte de alimentos contribui para a pressão sobre os recursos hídricos, exacerbando os desafios relacionados à escassez de água, especialmente em regiões onde a água é um recurso limitado (WWAP, 2012). 3.1.4 Indústria A demanda de água na indústria, influenciada pelos processos industriais utilizados, representa o terceiro maior consumo de água no Brasil, representando 9,4% do total nacional. As indústrias são geralmente classificadas em dois grupos principais: extrativa e de transformação (ANA, 2023d). Em 2022, a indústria de transformação foi responsável pela retirada de 190,52 m³/s de água, representando 9% do total nacional (ANA, 2023d). Dentro deste segmento, setores como o sucroenergético, papel e celulose, pecuária e produtos cárneos, e bebidas alcoólicas são notáveis consumidores de água. A indústria sucroenergética, por exemplo, não apenas consome grandes volumes de água para a cultura de cana-de-açúcar, mas também no processo de produção de etanol e açúcar (ANA, 2023d). 15 A indústria de papel e celulose utiliza água intensivamente no processamento de madeira e na fabricação de celulose, enquanto a indústria de abate e produtos de carne requer água para processos como limpeza, refrigeração e processamento de carnes (ANA, 2023d). A indústria extrativa mineral, que consumiu 31,62 m³/s em 2022, ou cerca de 2% do total retirado, está igualmente envolvida no consumo hídrico, especialmente nos processos de mineração e beneficiamento de minérios (ANA, 2023d). O Brasil, um dos grandes produtores do mundo de minério de ferro, bauxita, alumina, nióbio e fosfato, enfrenta desafios significativos relacionados à gestão sustentável da água nesses processos. A extração mineral pode gerar significativa poluição hídrica se não for adequadamente controlada (ANA, 2023d). Os desastres ocorridos em Minas Gerais são exemplos importantes da problemática resultante da indústria extrativa mineral. Em 2015, na cidade de Mariana, a ruptura de uma barragem de rejeitos da mineração de ferro, operada pela empresa Samarco, resultou em uma enxurrada de lama que devastou a comunidade de Bento Rodrigues, causou a morte de 19 pessoas e provocou um extenso dano ambiental ao longo do Rio Doce (IBAMA, 2015). Em 2019, o desastre de Brumadinho, marcado como uma das grandes tragédias ambientais e humanitárias da história do Brasil, ocorreu com a ruptura da barragem de rejeitos da Mina Córrego do Feijão, operada pela empresa Vale S.A. Esse evento resultou em um fluxo massivo de lama que devastou comunidades, causou a morte de 270 pessoas e teve impactos ambientais severos, destruindo ecossistemas locais e contaminando o Rio Paraopeba e Rio São Francisco (MPMG, 2019). Esses desastres ilustram como a indústria extrativa mineral pode exacerbar a crise hídrica (ANA, 2023d). 3.1.5 Abastecimento público e consumo humano O abastecimento de água constitui o terceiro maior consumo de água no Brasil, com uma demanda particularmente elevada nas áreas urbanas. Essa concentração impõe uma pressão significativa sobre as nascentes e a sistemática de fabricação de 16 água, dificultando as soluções de abastecimento devido à complexidade e interdependência entre as diversas fontes e métodos de tratamento (ANA, 2023d). Em 2022, a retirada estimada de água para fornecimento urbano foi de aproximadamente 487 m³/s, representando em torno de 24% do montante de água removida no país, segundo dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA, 2023d). O cenário é bastante diferente no meio rural, onde apenas 2% do total de água captada em 2022 foi destinado ao abastecimento humano, equivalente a 32,9 m³/s. Apesar da crescente demanda urbana, o consumo residencial ainda é menor quando comparado ao utilizado por setores produtivos, como a agricultura e a indústria. No entanto, o crescimento populacional e a urbanização impõem que políticas de planejamento urbano, de reuso da água e de gestão de perdas no abastecimento de água sejam implementadas de forma efetiva (ANA, 2023d). Fundamental ainda constar que o despejo de efluentes nos corpos d'água, majoritariamente originários de esgotos residenciais, representa um significativo comprometimento da qualidade dos recursos hídricos. Esse processo não apenas utiliza a água para diluição dos poluentes, mas também compromete a qualidade da água, tornando-a indisponível para outros usos. A poluição hídrica resultante tem profundas implicações ambientais, econômicas e sociais (ANA, 2023d). 3.1.6 Geração de energia O sistema elétrico brasileiro é predominantemente baseado em hidrelétricas, que fornecem cerca de 60% da eletricidade consumida no país, aproveitando a extensa rede hidrográfica e o potencial hidrográfico significativo do Brasil (ANEEL, 2021). Com uma capacidade instalada de aproximadamente 170 GW em hidrelétricas, o país utiliza sua vasta bacia hidrográfica para gerar energia renovável e menos poluente, o que é uma vantagem em termos de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de gases de efeito estufa (EPE, 2022). No entanto, essa dependência das hidrelétricas cria vulnerabilidades notáveis, especialmente em períodos de seca. Durante esses períodos, a redução dos níveis dos reservatórios compromete a capacidade de geração das hidrelétricas e intensifica 17 a competição pela água disponível com outros usos essenciais, como abastecimento humano e irrigação agrícola (ANA, 2023d). Diante da limitação na geração hidrelétrica, há uma necessidade crescente de ativar usinas termelétricas para suprir a demanda energética não atendida. Essas usinas, que utilizam combustíveis fósseis, biomassa e energia nuclear, são acionadas durante períodos de baixa pluviosidade, quando as hidrelétricas não conseguem manter a produção de energia necessária (MME, 2022). Apesar de serem importantes para garantir a continuidade do fornecimento de eletricidade, as usinas termelétricas têm um impacto ambiental considerável. Elas não apenas emitem gases de efeito estufa, mas também consomem grandes volumes de água para os processos de resfriamento (EPE, 2022). Assim, o uso intensivo de água nas usinas termelétricas agrava ainda mais a escassez hídrica durante períodos críticos. A competição por recursos hídricos entre a geração de energia e outras necessidades humanas e industriais pode precipitar crises, especialmente em regiões onde a disponibilidade de água já é limitada. Portanto, embora as usinas termelétricas ajudem a mitigar a falta de geração hidrelétrica, elas também intensificam a pressão sobre os recursos hídricos do país, criando um ciclo de estresse hídrico e ambiental (EPE, 2022). 3.1.7 Outros usos da água Entre os outros usos da água, destacam-se a dessedentação animal e a aquicultura em tanques escavados, que é uma prática em expansão no Brasil, destinada à criação de espécies aquáticas como peixes, crustáceos e moluscos em um ambiente controlado, onde a água é um recurso capital para a manutenção e crescimento dos organismos aquáticos, a navegação, pesca, aquicultura em tanques- rede, atividades turísticas, recreativas e de lazer (ANA, 2023d). A dessedentação de animal, embora não consubstancie em um uso elevado se parametrizado com os demais acima citados, é fato que a sua importância é inquestionável, pois garante a sobrevivência e o bem-estar animal. No entanto, a produção de carne em geral demanda grandes volumes de água. Por exemplo, a produção de carne bovina pode consumir até 15.000 litros de água 18 por quilograma de carne, considerando todo o ciclo produtivo, que inclui a água necessária para o cultivo de ração animal, o consumo direto pelos animais e os processos industriais envolvidos (Pereira, 2012). Adicionalmente, a indústria de carne utiliza água de forma intensiva, não apenas para o resfriamento e limpeza durante o processamento, mas também para o tratamento dos efluentes gerados (FAO, 2016). 3.1.8 Conflitos pelo uso da água Diante dos múltiplos usos da água e considerando que se trata de um recurso finito e essencial, emergem diversos tipos de conflitos pelo seu uso. Em muitas regiões, o uso intensivo da água na agricultura entra em conflito com as necessidades de abastecimento humano e conservação ambiental. Essa competição pode levar à sobre-exploração de recursos hídricos e degradação ambiental (UNESCO, 2023). Em nível local, a competição entre usos urbanos, industriais e agrícolas pode resultar em conflitos internos. Por exemplo, em áreas urbanas em expansão, a demanda por água potável pode reduzir a disponibilidade para agricultores locais, afetando a produção de alimentos e a subsistência das comunidades rurais (Banco Mundial, 2018). A contaminação de fontes hídricas por resíduos industriais e esgoto não tratado gera conflitos entre empresas poluidoras e populações afetadas. (WHO, 2019). A geração de energia hidrelétrica também pode provocar conflitos pelo uso da água. A construção de barragens e usinas hidrelétricas pode deslocar comunidades, alterar ecossistemas aquáticos e impactar a disponibilidade de água para outros usos, como agricultura e abastecimento urbano, levando a resistência e protestos. A barragem de Belo Monte, no Brasil, é um exemplo notável, enfrentando oposição devido aos significativos impactos socioambientais (International Rivers, 2016). Conflitos também ocorrem entre usuários de água e defensores da conservação ambiental. A necessidade de preservar ecossistemas aquáticos frequentemente confronta-se com as demandas humanas por água, levando a debates sobre a alocação de recursos hídricos e a proteção ambiental (WWF, 2020). A poluição e a degradação dos recursos hídricos agravam ainda mais os conflitos pelo uso da água, pois a qualidade comprometida limita sua disponibilidade para múltiplos usos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a falta de acesso a água 19 potável segura causa tensões sociais e econômicas, especialmente em áreas onde comunidades dependem de fontes contaminadas (OMS & UNICEF, 2019). 3.1.9 Crescimento populacional e urbanização O termo urbanização, segundo Polèse (1998), significa a transição de uma comunidade rural para uma comunidade mais urbana, referindo-se ao crescimento mais acelerado da população urbana em comparação à rural. Assim, a taxa de urbanização é a proporção entre a população das áreas urbanas e a população total. O Brasil, ao longo das últimas décadas, também tem testemunhado um crescimento substancial de sua população urbana. O índice de urbanização no país atinge 76%. Este processo acelerado de urbanização teve início após a década de 60, resultando em uma população urbana frequentemente afetada pela inadequação das infraestruturas. Alguns estados brasileiros já exibem características de urbanização comparáveis a nações desenvolvidas, notavelmente o caso de São Paulo, onde mais de 91% da população reside em áreas urbanas (Tucci, 2010). Os impactos desse processo reverberam diretamente nas infraestruturas urbanas relativas aos recursos hídricos, englobando o suprimento de água, sistemas de condução e o tratamento de águas residuais. Conforme leciona Mota (2008), à medida que a urbanização avança, os corpos hídricos vão sendo assoreados, tendo suas águas degradadas. Leopold (1968) ainda destaca que os impactos da urbanização geralmente englobam os seguintes aspectos: a) Aumento substancial na produção de sedimentos, resultante tanto da desproteção das superfícies urbanas quanto da geração de resíduos sólidos, como o lixo urbano. b) Degradação da qualidade da água por meio da lavagem das vias urbanas, condução de matéria sólida pelo escoamento e presença de ligações clandestinas que combinam esgoto e água pluvial na rede de esgotamento. 20 O processo de urbanização acelerado resulta ainda em uma infraestrutura de tratamento e distribuição de água muitas vezes inadequada, levando a perdas significativas de água e exacerbando a escassez hídrica (UNESCO, 2020). A urbanização não só impacta diretamente os recursos hídricos, como ainda contribui significativamente para o desmatamento ao exigir mais espaço para acomodar o crescimento populacional e infraestrutural (FAO, 2016). À medida que as cidades se expandem, áreas florestais são frequentemente desmatadas para novos desenvolvimentos residenciais, comerciais e industriais. Este processo não só resulta na perda de cobertura florestal, mas também na fragmentação de habitats, afetando a biodiversidade local, o que agrava ainda mais a crise hídrica (Millennium Ecosystem Assessment, 2005). 3.1.10 Desmatamento e mudanças no uso do solo O desmatamento é caracterizado como um processo que resulta na degradação da vegetação natural de uma determinada região, podendo inclusive desencadear um processo de desertificação (UNEP, 2021). No Brasil, a situação do desmatamento em 2023 apresentou uma dinâmica complexa, marcada tanto por avanços quanto por desafios persistentes. O Brasil já desmatou cerca de 19 % da floresta amazônica, no entanto, houve uma redução significativa na taxa de desmatamento, que caiu 22% em relação ao ano anterior, de acordo com os elementos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Esta melhora é evidenciada pelo sistema DETER do INPE, que registrou um total de 4.775 quilômetros quadrados de desmatamento acumulado até outubro de 2023, representando uma diminuição de 50% em relação ao mesmo período do ano anterior (Global Witness, 2024). Por outro lado, o Cerrado continua enfrentando desafios significativos, com um aumento de 43% na taxa de desmatamento comparado ao ano anterior, impactando negativamente este bioma e tudo o que dele depende. Além disso, a exploração ilegal de terras para a pecuária, especialmente em Mato Grosso, permanece como uma das principais causas de desmatamento. Empresas de carne foram vinculadas ao desmatamento ilegal na região, com relatórios indicando que grande parte do 21 desmatamento associado a essas empresas não possuía as autorizações legais necessárias (Global Witness, 2024). O desmatamento, portanto, representa não apenas uma ameaça para a biodiversidade e estabilidade climática, mas também para a segurança hídrica das comunidades locais e regionais, tendo em vista que este processo prejudica a qualidade e a disponibilidade hídrica em várias escalas (Global Witness, 2024). A remoção da cobertura florestal interfere no ciclo hidrológico, reduzindo a capacidade do solo de segurar a água e aumentando a taxa de escoamento superficial. Sem a proteção oferecida pela vegetação, a água pluvial não é retida no solo, resultando em maior erosão e redução da infiltração, o que diminui a recarga dos aquíferos e aumenta o risco de enchentes e secas (Bruijnzeel, 2004). 3.1.11 Poluição das águas A água pode ser contaminada por uma variedade de fontes devido a atividades domésticas, comerciais e industriais, resultando em poluentes que afetam a qualidade dos corpos d'água (Water, 2021). A poluição hídrica pode ser causada por aspectos químicos, físicos e biológicos, com a adição de um tipo de poluente frequentemente influenciando outras características da água (Water, 2021). Em termos gerais, a poluição hídrica decorre da introdução de substâncias ou formas de energia que modificam as propriedades físicas e químicas dos corpos d'água, prejudicando sua adequação para diversos usos (Barlow, 2016). As fontes de poluição podem ser classificadas em atmosféricas, pontuais, difusas e mistas (Tucci, 1998). A poluição atmosférica, que pode ser gerada por fontes fixas como indústrias e fontes móveis como veículos, contribui para a poluição dos corpos d'água ao depositar poluentes atmosféricos que eventualmente chegam aos cursos d'água. A poluição pontual, por sua vez, refere-se a contaminantes lançados em locais específicos e controlados, como esgoto e efluentes industriais, enquanto a poluição difusa ocorre de maneira dispersa e irregular, como escoamento de águas pluviais e drenagem agrícola (Mierzwa, 2001). Fontes mistas combinam características de poluição pontual e difusa. 22 A contaminação química da água pode ser subdividida em poluentes biodegradáveis, que se decompõem com o tempo devido a microorganismos, e poluentes persistentes, que permanecem no ambiente por longos períodos e podem causar impactos graves na saúde e no ecossistema. Exemplos de poluentes persistentes incluem o DDT e o mercúrio, este último utilizado pela atividade garimpeira na Amazônia, que afeta gravemente as comunidades ribeirinhas e os ecossistemas aquáticos (Pereira, 2004). A escassez hídrica e a degradação da qualidade da água estão interconectadas de forma crítica. A poluição hídrica não só compromete a segurança e a qualidade da água para consumo humano, mas também reduz a capacidade dos ecossistemas aquáticos de sustentar a biodiversidade e fornecer serviços ecossistêmicos essenciais. A presença de poluentes aumenta os custos e a complexidade do tratamento da água, resultando em escassez e dificuldade de acesso à água potável (Pereira, 2004). 3.1.12 Mudanças climáticas As mudanças climáticas representam um desafio significativo para o gerenciamento dos recursos hídricos, influenciando tanto a disponibilidade quanto a qualidade da água. Estas mudanças incluem a elevação das temperaturas globais, alterações nos padrões de precipitação e a intensificação de fenômenos climáticos extremos, como secas, inundações e tempestades. Tais fenômenos afetam diretamente a oferta de água doce, um recurso essencial para a agricultura, produção de energia e consumo humano (IPCC, 2021) De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), as mudanças climáticas referem-se a uma modificação no estado climático, que pode ser detectada por meio de análises estatísticas, observando alterações na média e/ou na variabilidade das características climáticas ao longo de períodos prolongados, geralmente décadas ou mais (IPCC, 2021). Esse conceito inclui tanto as mudanças climáticas naturais quanto aquelas induzidas por atividades humanas, como a emissão de gases de efeito estufa (GEE), resultantes da queima de combustíveis fósseis, desmatamento e mudanças no uso da terra (IPCC, 2021). 23 O aumento das temperaturas globais, registrado em cerca de 1,1°C em relação aos níveis pré-industriais, é um dos principais indicadores dessa mudança climática. Esse aquecimento global é amplamente atribuído às atividades antrópicas, que intensificaram a concentração de GEE na atmosfera, agravando o efeito estufa (IPCC, 2021). O aquecimento global provoca uma série de mudanças nos padrões climáticos, afetando diretamente o ciclo hidrológico. O aumento da temperatura intensifica a evaporação e altera os padrões de precipitação, resultando em maior variabilidade na distribuição da água. Regiões tradicionalmente úmidas podem enfrentar chuvas mais intensas e frequentes, enquanto áreas secas se tornam mais áridas, exacerbando a escassez hídrica (IPCC, 2021). Essa variabilidade afeta não apenas a quantidade de água disponível, mas também sua qualidade. Eventos climáticos extremos, como chuvas intensas, aumentam o escoamento superficial, que carrega poluentes agrícolas e urbanos para corpos d'água, contribuindo para a contaminação e eutrofização de rios e lagos. Além disso, a água que não infiltra no solo escoa para os rios e, eventualmente, para o mar, tornando-se água salgada e reduzindo o reabastecimento dos aquíferos subterrâneos, o que agrava a escassez hídrica (IPCC, 2021). No Brasil, apesar de sua abundância em recursos hídricos, as mudanças climáticas representam um desafio significativo, especialmente devido às variações climáticas regionais. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) destaca que as alterações nos padrões de chuvas e temperatura podem impactar drasticamente a disponibilidade hídrica, afetando tanto o volume quanto a qualidade da água (ANA, 2021c). Regiões como o Nordeste, Sudeste e Sul do país são particularmente vulneráveis. No Nordeste, as secas frequentes e severas reduzem a disponibilidade de água, comprometendo a agricultura e o abastecimento urbano. O Sudeste, com seus grandes centros urbanos, enfrenta riscos de enchentes e deslizamentos de terra, enquanto o Sul é impactado por secas e enchentes, que afetam tanto a produção agrícola quanto a geração de energia hidrelétrica (ANA, 2021c). 24 3.2 Consequências da escassez hídrica De acordo com Castro et al. (2016), todos os setores que dependem da utilização da água são afetados pela degradação da qualidade da água, impulsionada por poluentes químicos, biológicos e físicos, aumentando a incidência de doenças transmitidas pela água e agravando problemas de saúde pública. Referido autor destaca que a poluição hídrica pode resultar em um ciclo vicioso, onde a deterioração da qualidade da água resulta em escassez hídrica, tornando o acesso à água potável mais difícil e caro, o que, por sua vez, agrava problemas de saúde e reduz a qualidade de vida (Castro et al.,2016). A escassez hídrica impacta severamente todos os setores usuários da água, na agricultura ocorre a diminuição da produção agrícola e o aumento dos custos de produção. Isso se deve à menor disponibilidade de água para irrigação, que reduz a produtividade das safras e eleva os preços dos alimentos. Além disso, a poluição por nutrientes, como nitrogênio e fósforo, é especialmente problemática em áreas agrícolas intensivas, levando à eutrofização e degradação dos corpos hídricos (Castro et al.,2016). No setor industrial, a escassez hídrica eleva os custos operacionais e pode levar à interrupção de processos produtivos que dependem de grandes volumes de água, como resfriamento e limpeza. A diminuição na oferta de água impacta negativamente a competitividade industrial e pode resultar em perdas econômicas significativas, além de possíveis fechamentos de fábricas e aumento do desemprego (World Bank, 2016b). No contexto do abastecimento humano, a escassez de água afeta diretamente a qualidade de vida, especialmente nas populações mais vulneráveis, que muitas vezes não possuem poder aquisitivo para enfrentar o aumento dos preços, resultando em uma deterioração da qualidade de vida (ANA, 2023d). A redução na disponibilidade e na qualidade da água pode levar a crises de saúde pública, com aumento na incidência de doenças transmitidas pela água, como diarreias e infecções intestinais (ANA, 2023d). A escassez de água compromete ainda gravemente as condições de higiene, prejudica o acesso à educação, ao restringir a disponibilidade de instalações sanitárias adequadas nas instituições de ensino, e 25 impõe uma sobrecarga de tempo às populações afetadas, sobretudo em regiões onde a obtenção de água se torna uma tarefa cotidiana, limitando a realização de outras atividades fundamentais (ANA, 2023d). A geração de energia também é afetada pela escassez hídrica, especialmente em regiões que dependem de usinas hidrelétricas. A diminuição nos níveis dos reservatórios reduz a capacidade de geração de energia, levando à necessidade de recorrer a fontes mais caras e com maior potencial para a poluição, a exemplo das termelétricas, aumentando o custo da eletricidade e contribuindo para a emissão de gases de efeito estufa (IEA, 2018). A escassez hídrica ainda pode forçar o deslocamento de populações, criando fluxos migratórios e crises humanitárias. De acordo com a ONU, até 2050, mais de 200 milhões de pessoas poderão ser deslocadas devido à escassez de água e às mudanças climáticas (ONU, 2022). Por fim, a escassez hídrica afeta severamente os ecossistemas, levando à degradação de habitats e à perda de biodiversidade. Segundo o relatório da Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), a redução do fluxo dos rios e a diminuição dos níveis de água nos lagos e aquíferos contribuem para a desertificação e a extinção de espécies (IPCC, 2021). 3.2.1 A escassez hídrica da região metropolitana de São Paulo. A título de tornar factível, o presente estudo recorre ao exemplo da grande crise hídrica experienciada no ano de 2014/2015 na Região Metropolitana (RMSP) de São Paulo. A escassez pluviométrica severa, aliada à gestão ineficaz dos recursos hídricos ao longo dos anos, precipitou uma redução acentuada na produção de água tratada nesta região, impondo a necessidade de intervenções rigorosas para garantir a continuidade do abastecimento (SABESP, 2015). O sistema de abastecimento da RMSP, sustentado por uma rede interligada de mananciais, reservatórios e estações de tratamento de água, que permite a transferência de recursos hídricos entre diferentes sub-sistemas produtores. Em 2013, ano que antecedeu a crise hídrica, a produção média anual de água tratada atingiu 69,12 m³/s. Contudo, a precipitação irregular e a consequente redução nos níveis dos reservatórios resultaram em uma diminuição dessa produção para 61,21 m³/s em 26 2014. Em 2015, o agravamento da crise hídrica reduziu ainda mais a produção, que caiu para 52,04 m³/s, refletindo uma queda acumulada de 24,71% em relação a 2013 (ANA, 2015). A crise foi precipitada por uma combinação de fatores climáticos adversos, notadamente uma estiagem prolongada, que afetou severamente o nível dos principais reservatórios da RMSP. O Sistema Cantareira, responsável por grande parte do abastecimento da região, registrou uma diminuição de 39,66% em sua produção de água tratada, caindo de 23,7 m³/s em 2014 para 14,3 m³/s em 2015, atingindo valores próximos a 5% de sua capacidade total, obrigando a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) a utilizar o chamado volume morto, uma reserva abaixo dos níveis das comportas do reservatório (SABESP, 2015). De forma semelhante, o Sistema Alto Tietê sofreu uma redução de 12,32% na produção, passando de 13,8 m³/s para 12,1 m³/s no mesmo período. Esse declínio na produção, somado ao aumento da demanda por água, gerou uma grave restrição de oferta, especialmente durante os meses de maior temperatura (CETESB, 2016), conforme demonstra o gráfico da figura 2 a seguir: Fonte: Sabesp, 2016. Para mitigar os efeitos da crise, foram implementadas diversas ações emergenciais. O Programa Bônus, por exemplo, foi criado para incentivar a redução do consumo de água entre os usuários, oferecendo descontos na tarifa de água para 27 aqueles que conseguissem reduzir significativamente seu consumo. Este programa foi responsável por uma redução média de 17% no consumo de água em 2015, comparado a 2013, o que resultou em uma economia de 5,9 m³/s na produção anual de água tratada (SABESP, 2016). Adicionalmente, houve um esforço concentrado na redução das perdas de água ao longo do sistema de distribuição. A intensificação das ações de combate às perdas em 2015 resultou em uma economia de 3,52 m³/s, representando 34,61% da redução total na produção de água tratada. A reconfiguração do sistema de transferência de água entre os diferentes mananciais, incluindo obras de transposição entre a bacia Billings e a Represa Taiaçupeba, também foi fundamental para a gestão dos recursos hídricos durante a crise, aumentando a vazão de água tratada em 4 m³/s (CETESB, 2017). Entre as medidas adotadas, o Programa Bônus destacou-se como a mais eficaz, sendo responsável por 58,01% da redução observada na produção de água em 2015. O combate às perdas de água durante a distribuição também teve um impacto significativo, contribuindo com 34,61% da economia de água. Por fim, a redistribuição de água entre os sistemas, embora complexa de quantificar de maneira isolada, foi essencial para equilibrar a oferta e a demanda, especialmente em sistemas críticos como o Alto Tietê (SABESP, 2016). Ao observar os dados mais recentes, é possível perceber que, apesar das intervenções realizadas durante a crise de 2014/2015, a RMSP continua enfrentando desafios no gerenciamento de seus recursos hídricos. Em agosto de 2024, o Sistema Cantareira apresentava 59,9% de sua capacidade, uma queda em relação aos 75,7% registrados no mesmo período de 2023. Já o Sistema Alto Tietê mostrava uma situação ainda mais crítica, com 52,5% de sua capacidade, comparado aos 65% no ano anterior (SABESP, 2024). O gráfico apresentado a seguir e os dados citados demonstram a extensão da crise hídrica de 2014/2015 e indicam que, embora as medidas emergenciais tenham sido eficazes na mitigação da crise de 2014/2015, o contexto da região exige uma abordagem contínua e mais preventiva para a mitigação da escassez hídrica (SABESP, 2024). 28 Figura 3 – Comparação dos níveis dos Reservatórios da RMSP (2014 vs. 2023) Em resumo, a crise hídrica de 2014 na RMSP evidenciou a necessidade de uma gestão mais proativa e sustentável dos recursos hídricos. As medidas emergenciais adotadas, especialmente a redução do consumo e o combate às perdas, foram fundamentais para mitigar os impactos da crise, assegurando a continuidade do abastecimento para a população e destacando a importância de estratégias preventivas para enfrentar futuras adversidades climáticas (SABESP, 2017). 3.3 Medidas e desafios mitigatórios Medidas mitigadoras são intervenções projetadas para reduzir ou eliminar os impactos negativos das atividades humanas sobre o meio ambiente e a sociedade. Elas desempenham um papel fundamental na gestão de riscos, especialmente em contextos de vulnerabilidade ambiental (IEMA, 2011). Essas medidas são divididas em duas categorias principais: medidas estruturantes e medidas não estruturantes. A combinação dessas abordagens é essencial para a criação de uma estratégia eficaz de mitigação que considere tanto as necessidades imediatas quanto as de longo prazo (IEMA, 2011). 29 3.3.1 Medidas mitigatórias estruturantes 3.3.1.1 A política nacional de recursos hídricos (PNRH) e sua ação mitigadora na escassez hídrica A Lei nº 9.433/1997 estabelece um marco legal fundamental para a mitigação da escassez hídrica no Brasil, ao introduzir princípios, objetivos e diretrizes que promovem uma gestão eficiente e sustentável dos recursos hídricos (ANA, 2023b). Conforme apontado por Setti et al. (2000), a referida lei garante uma alocação equilibrada e racional dos recursos hídricos, especialmente em tempos de escassez, por meio dos seguintes princípios: a) Bacia Hidrográfica: A adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento permite a análise precisa das disponibilidades e demandas hídricas, essencial para o estabelecimento do balanço hídrico. b) Usos Múltiplos: O princípio dos usos múltiplos da água assegura igualdade de condições para todas as categorias usuárias. c) Água Finita e Vulnerável: A água é reconhecida como um bem finito e vulnerável, destacando-se a necessidade imperativa de sua utilização de maneira preservacionista. d) Valor Econômico: O reconhecimento do valor econômico da água surge como um poderoso incentivo ao uso racional e fundamenta a instituição da cobrança pela utilização dos recursos hídricos. e) Gestão Descentralizada e Participativa: A gestão descentralizada promove que as decisões sejam tomadas em níveis governamentais mais próximos, enquanto a gestão participativa permite a influência direta dos usuários, da sociedade civil e das ONGs no processo decisório. Ademais, entre os principais objetivos da lei estão a garantia da disponibilidade de água para as atuais e futuras gerações, a prevenção contra eventos críticos e o incentivo ao aproveitamento de águas pluviais (ANA, 2023b). 30 As diretrizes da lei incluem a gestão sistemática e integrada, permitindo uma gestão que considera as particularidades regionais, promovendo respostas mais eficazes à escassez de água (ANA, 2023b). A lei 9.433/1997 ainda ressalta a importância da integração entre as políticas, evidenciando que a gestão não deve ser vista de forma isolada entre apenas alguns setores, mas sim como uma rede mais ampla de políticas públicas interrelacionadas, que juntas podem promover um desenvolvimento mais sustentável e resiliente, necessitando ainda considerar as ações e tratados internacionais, dada a natureza transfronteiriça dos recursos hídricos e os desafios compartilhados que eles representam (Brasil, 1997). 3.3.1.2 Instrumentos da política nacional de recursos hídricos como medida de mitigação Os instrumentos da Lei 9433/1997, conforme destacado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), desempenham um papel essencial na mitigação da escassez hídrica ao garantir uma gestão eficiente e integrada dos recursos hídricos. Esses instrumentos promovem a utilização sustentável da água, a conservação dos mananciais e a adaptação às mudanças climáticas, abordando a crise hídrica de forma abrangente e estratégica (ANA, 2021c). Cabe destacar que os Planos, conjuntamente com o Enquadramento, são abordagens relacionadas ao planejamento, enquanto as práticas de outorga e cobrança atuam na esfera do controle dos usos, indicando a necessidade de implementação integral de todos os instrumentos disponíveis para um gerenciamento eficaz (ANA, 2021c). Os Planos de Recursos Hídricos (PRH), são fundamentais para o gerenciamento eficiente e sustentável dos recursos hídricos, contribuindo, indiscutivelmente, para a mitigação da escassez hídrica (Gleick, 2000). Eles oferecem uma abordagem integrada que considera as diversas demandas e disponibilidades hídricas, promovendo a equidade na alocação dos recursos entre os setores (Pereira et al., 2009). Através de uma análise detalhada das condições hidrológicas e das necessidades regionais, os PRH estabelecem diretrizes para otimizar o uso da água, reduzir perdas, implementar tecnologias de reuso e assegurar a sustentabilidade dos mananciais (ANA, 2021c). 31 Além disso, os PRH incorporam medidas de adequação às alterações climáticas e às flutuações hidrológicas, permitindo a identificação precoce de riscos e a implementação de ações preventivas e corretivas. Ao promover a participação das comunidades locais e a articulação entre diferentes níveis de governo e setores da sociedade, os PRH garantem soluções sustentáveis e amplamente aceitas, contribuindo para a resiliência das regiões afetadas pela escassez de água (ANA, 2021c). O enquadramento como medida de mitigação estabelece metas claras de qualidade da água, direcionando ações de recuperação e proteção, promovendo o uso sustentável e fornecendo uma base sólida para a implementação de políticas públicas eficazes (ANA, 2020). Além disso, o enquadramento atua como um mecanismo de controle do uso e ocupação do solo, ao restringir a implantação de empreendimentos cujos usos não permitam a manutenção da qualidade da água na classe em que o corpo d'água foi enquadrado (ANA, 2023a). Isso reforça a importância do enquadramento como ferramenta de gestão ambiental e de ordenamento territorial, garantindo que o desenvolvimento ocorra de forma compatível com a preservação dos recursos hídricos (ANA, 2023a). O sucesso do enquadramento dos corpos hídricos está intrinsecamente ligado à eficácia de outros instrumentos de gestão de recursos hídricos, como os planos de ação, o sistema de outorga de direitos de uso de recursos hídricos e o mecanismo de cobrança pelo uso desses recursos (ANA, 2023a). No entanto, a concretização dos processos de enquadramento enfrenta desafios significativos, entre os quais se destaca a ausência de planos de bacia hidrográfica (PBH) consolidados. Mesmo nos casos em que tais planos existem, frequentemente não incluem ações concretas que contribuam para o alcance das metas estabelecidas no enquadramento, o que compromete sua eficácia (ANA, 2023a). Outro desafio relevante é a falta de engajamento e conhecimento da população, o que dificulta a participação ativa no processo de consolidação desses instrumentos de gestão (ANA, 2023a). Além disso, a ausência de um sistema abrangente de monitoramento das condições das águas representa um obstáculo crítico, pois 32 compromete a capacidade de avaliar o sucesso do enquadramento dos corpos hídricos. A inexistência de métodos eficientes para monitorar e analisar as variações na qualidade da água ao longo do tempo impede uma avaliação precisa dos avanços e limita a eficácia das ações implementadas (ANA, 2020). De igual forma, as outorgas do direito de uso da água são instrumentos importantes na mitigação da escassez hídrica, pois asseguram que a quantidade de água removida não exceda a capacidade de reposição dos corpos hídricos. Além disso, as outorgas promovem a otimização do consumo de água ao exigir que os usuários solicitem autorização e demonstrem a necessidade e a eficiência de seu uso, incentivando práticas mais sustentáveis e responsáveis. Isso pode incluir a implementação de métodos de irrigação mais eficientes na agricultura e a redução de desperdícios no sistema de abastecimento urbano, bem como a adoção de processos industriais que minimizem o consumo de água (WWAP, 2019). Ademais, as receitas geradas pelas outorgas são frequentemente utilizadas para financiar programas de gerenciamento e conservação dos recursos hídricos. Esses fundos podem ser investidos em infraestruturas de armazenamento, projetos de recuperação de bacias hidrográficas e iniciativas de educação ambiental, contribuindo para a sustentabilidade a longo prazo dos recursos hídricos (ANA, 2023b). Os sistemas de cobrança ajudam na garantia da sustentabilidade financeira autônoma tanto do sistema quanto dos comitês correspondentes, além de apoiar a execução dos planos de ações definidos nos planos de bacia hidrográfica (ANA, 2023b). A implementação da cobrança pelo uso da água é um marco significativo no gerenciamento dos recursos hídricos, refletindo o estágio de maturidade alcançado pelo sistema de gestão. Além disso, a definição dos valores e a metodologia de cobrança são discutidas em fóruns participativos que envolvem usuários da água, sociedade civil e governos locais, assegurando que o processo seja transparente e adaptado às necessidades específicas de cada região (WWAP, 2019). A relevância do Sistema de Informações é inerente ao próprio processo de concepção e implementação dos demais instrumentos que compõem o arcabouço do SNRH. Tais instrumentos não apenas fornecem informações essenciais, mas também 33 dependem das informações geradas pelo SNIRH como base para direcionar a efetivação de suas próprias ações. Isso, por sua vez, possibilita que os diversos usuários, gestores e membros da sociedade civil possam contribuir com suas perspectivas e tomar decisões embasadas (ANA, 2023b). A complexidade em sistematizar as informações de forma eficaz e abrangente, a fim de implementar plenamente esse instrumento, é atribuída, em grande parte, à vasta extensão territorial do país e à diversidade geográfica que caracteriza as diferentes regiões hidrográficas (ANA, 2023b). 3.3.1.3 A atuação dos órgãos do sistema nacional de gerenciamento hídrico (SINGREH) na mitigação da escassez hídrica. O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), criado pela Lei nº 9.433/1997, é uma estrutura fundamental para a gestão integrada e sustentável dos recursos hídricos no Brasil. O SINGREH foi concebido para enfrentar os desafios relacionados à escassez hídrica por meio de um modelo que promove a coordenação entre diferentes níveis de governo e a participação da sociedade civil (ANA, 2023b). Sua estrutura inclui órgãos federais, estaduais e regionais, além de comitês e agências responsáveis pela implementação e supervisão das políticas e práticas de gestão (ANA, 2023b). A base do SINGREH é formada pela articulação entre o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), que define as políticas nacionais, e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que coordena a execução dessas políticas. O sistema também conta com comitês de bacia hidrográfica que elaboram e implementam planos regionais, adaptando as diretrizes nacionais às necessidades locais (ANA, 2023b). O Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) é o órgão de maior hierarquia no SINGREH e exerce um papel essencial na formulação de políticas públicas e na resolução de disputas relevantes no setor hídrico. Segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o CNRH é responsável por decidir sobre questões de grande magnitude relacionadas à gestão dos recursos hídricos, bem como por mediar e dirimir contendas de significativa importância entre os diversos setores envolvidos. Essa atribuição coloca o CNRH em uma posição central na 34 coordenação de políticas integradas que buscam assegurar a distribuição equitativa da água e a prevenção de conflitos que possam surgir devido à escassez hídrica (ANA, 2023b). O documento Pacto pela Governança das Águas (2024) demonstra o compromisso da ANA com a gestão descentralizada e participativa por meio de acordos com as Unidades Federativas visando o aprimoramento da gestão dos recursos hídricos (ANA, 2024c) e evidencia a importância da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico no gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil, por meio de ações divididas em 6 subcomponentes: 1. Regulação e Fiscalização ● Outorga: A ANA é a responsável pela emissão das outorgas de uso dos recursos hídricos de domínio da União; ● Fiscalização: A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) realiza essa atividade nos corpos hídricos sob jurisdição da União, enquanto os órgãos gestores estaduais de recursos hídricos são responsáveis por conduzi-la nos corpos d'água de suas respectivas jurisdições. O objetivo dessa prática é identificar e regularizar os usuários de água, além de garantir que os termos e condições estabelecidos nas outorgas ou nas regulamentações relacionadas ao uso dos recursos hídricos sejam cumpridos (ANA, 2024c). ● Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos - CNARH: A ANA é responsável pela manutenção e cadastro dos usuários. 2. Governança e Sustentabilidade financeira ● Capacitação em recursos hídricos: a ANA fornece capacitação em recursos hídricos em vários níveis como maneira de fomento e fortalecimento do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. ● Programa Progestão: o Programa de Consolidação do Pacto Nacional pela Gestão das Águas tem como objetivo o fortalecimento dos sistemas estaduais de gerenciamento dos recursos hídricos, através de 35 premiação financeira para as Unidades Federativas que cumprem as metas pactuadas. 3. Planos, Estudos e Informações ● Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH): a ANA é o órgão responsável pela implementação e coordenação do banco nacional de dados e informações para a gestão das águas. ● Águas Subterrâneas: em relação às águas subterrâneas a ANA atua para a promoção da gestão integrada entre as águas subterrâneas e superficiais entre a União, os estados, os municípios e o distrito federal, visando ainda a aplicação dos instrumentos da PNRH nas águas subterrâneas. 4. Monitoramento Hidrológico ● Rede de Monitoramento Hidrometeorológico: a rede hidrometeorológica nacional coordenada pela ANA realiza o monitoramento das águas no Brasil com o objetivo de fornecer dados contínuos sobre a disponibilidade e a qualidade dos recursos hídricos, tanto superficiais quanto subterrâneos, em todo o território brasileiro. ● Programa de Estímulo à Divulgação de Dados de Qualidade de Água - QUALIÁGUA: a iniciativa, conduzida pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) em parceria com os estados e o Distrito Federal, visa aprimorar a gestão sistemática dos recursos hídricos, promover a padronização dos critérios e métodos de monitoramento da qualidade da água em todo o país, fortalecer e estruturar os órgãos estaduais gestores de recursos hídricos e meio ambiente e implementar a Rede Nacional de Monitoramento da Qualidade das Águas (RNQA) dentro do Programa Nacional de Avaliação da Qualidade das Águas (PNQA). 36 5. Eventos Hidrológicos Críticos e Adaptação à Mudança Climática ● O Monitor de Secas, coordenado pela ANA, é um processo contínuo que avalia a severidade das secas no Brasil, utilizando indicadores climáticos e analisando os impactos em curto e longo prazo. O resultado é um mapa mensal, acessível e padronizado, que facilita a compreensão e a atuação das instituições envolvidas. ● Sistema de Acompanhamento de Reservatórios (SAR): criado em 2013 pela ANA, o SAR é uma plataforma web para acompanhamento da operação dos principais reservatórios do país. ● A Sala de Situação, coordenada pela ANA, monitora e analisa a evolução das chuvas, dos níveis e da vazão dos principais rios, reservatórios e bacias hidrográficas do Brasil. Todas as informações são compartilhadas por meio de boletins e de sistemas de monitoramento, servindo de suporte para a tomada de decisão das autoridades responsáveis pela gestão de secas e inundações. 6. Conservação e uso racional da água ● Programa Produtor de Água: o programa visa incentivar, por meio do apoio técnico e financeiro, o produtor rural a investir em ações para a preservação da água. Os comitês de bacias hidrográficas representam uma inovação na administração dos bens públicos no Brasil. Estes comitês funcionam como fóruns de decisão no âmbito de cada bacia hidrográfica, sendo compostos por uma diversidade de atores, incluindo usuários de água, prefeituras, representantes da sociedade civil organizada e dos governos estaduais e federal (ANA, 2023b). A estrutura participativa dos comitês permite uma gestão mais democrática e adaptada às especificidades de cada bacia hidrográfica, facilitando a implementação de medidas que atendam tanto às necessidades locais quanto aos interesses coletivos. Conforme a ANA, a participação ativa dos diversos atores nos comitês promove uma governança compartilhada e mais eficiente, contribuindo diretamente para a mitigação dos efeitos da escassez de água em áreas específicas (ANA, 2023b). 37 As agências de água constituem outro elemento inovador dentro do SINGREH, com a responsabilidade de gerenciar os recursos financeiros obtidos pela cobrança pelo uso da água. Estas agências têm um papel fundamental na execução das decisões tomadas pelos comitês de bacias hidrográficas, assegurando que os recursos arrecadados sejam investidos em projetos e ações que visem à conservação e ao uso sustentável dos recursos hídricos. A ANA destaca que as agências de água são essenciais para a operacionalização das políticas hídricas, especialmente na aplicação dos recursos em iniciativas de preservação, infraestrutura hídrica e outras atividades que contribuam para a mitigação da escassez e o uso racional da água (ANA, 2023b). Cabe ainda ressaltar que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) poderá delegar, por prazo determinado, o exercício de funções de competência das Agências de Água a organizações sem fins lucrativos, denominadas Entidades Delegatárias com funções de Agências de Água (ANA, 2023b). 3.3.2 Medidas não estruturantes 3.3.2.1 Alocação de água A alocação de água é definida pela Resolução nº 141/2012 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) como um conjunto de ações que envolvem diversos atores e buscam determinar as quantidades de água a serem destinadas aos diferentes usos, considerando diferentes horizontes de tempo e compatíveis com as disponibilidades hídricas, além de levar em conta as incertezas associadas a essas disponibilidades (CNRH, 2012, p. 2). Complementando essa definição, a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) destaca que "a alocação de água é um processo de gestão utilizado para disciplinar os usos múltiplos em regiões onde há conflitos, bem como em sistemas que enfrentam situações emergenciais ou sofrem com estiagens severas" (ANA, 2022). A alocação de água é uma ferramenta de gestão sistematicamente empregada pela ANA desde 2003. Esse processo ganhou maior estruturação especialmente no contexto da escassez hídrica em açudes na região semiárida do Brasil, a partir de 38 2015, com a criação da COMAR (Coordenação de Regulação de Usos em Sistemas Hídricos Locais) (ANA, 2022a, p. 1). Na crise hídrica da Região Metropolitana de São Paulo em 2014, a alocação de água foi uma das medidas fundamentais para garantir a segurança hídrica da população afetada, conforme já observado por este estudo. A gestão de recursos hídricos realizada através da alocação de água visa encontrar soluções e avaliar as opções disponíveis para atender aos usos múltiplos da água e mitigar conflitos, particularmente em áreas que enfrentam emergências ou sofrem com secas intensas (ANA, 2022). 3.3.2.2 Dessalinização Para transformar água salgada ou salobra em água potável, é necessário empregar tecnologias de dessalinização. A dessalinização é um processo que remove ou reduz a concentração de sais e sólidos dissolvidos na água, tornando-a adequada para consumo. Além da eliminação de sais, o processo também deve assegurar a remoção de outros contaminantes químicos, orgânicos e biológicos presentes na água (Gaio, 2016). A dessalinização pode ser aplicada a fontes de água que são tanto superficiais quanto subterrâneas. As fontes superficiais, como mares e oceanos, oferecem grandes volumes de água salgada. Por outro lado, as fontes subterrâneas, como os aquíferos que fornecem água salobra ou salgada, representam aproximadamente 1% da água disponível no planeta (UNEP, 2008). Gaio (2016) salienta que a dessalinização permite que regiões com acesso a grandes quantidades de água imprópria para consumo, principalmente zonas costeiras, possam usufruir das suas condições geográficas privilegiadas. Embora a transformação da água do mar em água potável e sua distribuição para regiões com escassez pareça uma solução quase mágica, há um obstáculo significativo para a implementação desse projeto: o custo. Apesar de a dessalinização já estar sendo adotada em diversas partes do mundo, o investimento necessário ainda é bastante elevado. Para ilustrar, a produção de mil litros de água, quantidade suficiente para atender ao consumo diário de uma 39 residência de três quartos no Brasil, exige aproximadamente 8 quilowatts-hora de energia. Além disso, há também os gastos relacionados à construção das infraestruturas necessárias para a captação e o tratamento da água (BRK, 2022). A BRK Ambiental aponta que o contínuo avanço tecnológico pode reduzir os custos, sendo provável que a população venha a consumir água dessalinizada de forma mais ampla. Essa prática, aliás, já foi implementada no Brasil desde 2004 e atualmente, existem 575 sistemas de dessalinização em operação, distribuídos da seguinte forma: 234 no Ceará, 44 na Paraíba, 29 em Sergipe, 10 no Piauí, 68 no Rio Grande do Norte, 45 em Alagoas e 145 na Bahia (BRK, 2022). 3.3.2.3 Reuso da água O reuso de água, conforme definido por Cunha et al. (2011), refere-se à utilização de água residual ou de qualidade inferior, que pode ou não ser tratada, em aplicações específicas. Rodrigues (2005) destaca que o reuso desempenha um papel essencial na redução do consumo de água potável, atuando como uma ferramenta de controle da demanda e como um recurso hídrico complementar. Embora não seja um conceito novo, a crescente demanda por água torna o reuso uma questão contemporânea de grande relevância (CETESB, 2010) Conforme estipulado pela Resolução nº 54 de 28 de novembro de 2005, emitida pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), o reuso de água representa uma estratégia de racionalização e conservação dos recursos hídricos (CONAMA, 2005). O reuso pode ser categorizado em duas modalidades principais: reuso direto e indireto (Cunha et al., 2011). O reuso direto envolve o uso planejado e imediato da água tratada, sem seu descarte em corpos hídricos. Já o reuso indireto ocorre quando a água é descarregada em corpos hídricos, onde é diluída e posteriormente captada para um novo uso, podendo ser planejado ou não. O reuso pode ser aplicado em diversas áreas, incluindo usos urbanos, industriais, agrícolas, aquicultura e recarga de aquíferos (Hespanhol, 1999). O reuso de água é uma estratégia eficaz para mitigar a escassez hídrica, especialmente em regiões urbanas e industriais. Ao substituir o uso de água potável 40 por água de qualidade inferior em aplicações que não exigem altos padrões de potabilidade, o reuso preserva os mananciais e reduz a pressão sobre os recursos hídricos subterrâneos e superficiais (CETESB, 2010). Além disso, o reuso de esgotos tratados em processos industriais e na irrigação agrícola aumenta a disponibilidade de água para outros fins críticos, como abastecimento público e hospitais, contribuindo para a segurança hídrica (Cunha et al., 2011). Os benefícios do reuso de água são amplos e incluem a redução da poluição hídrica, a preservação dos recursos naturais e a diminuição dos custos de produção (Cunha et al., 2011). No aspecto ambiental, o reuso ajuda a diminuir a carga de poluentes nos corpos d'água, melhorando a qualidade das águas interiores. Economicamente, promove a competitividade industrial ao reduzir os custos operacionais. Socialmente, o reuso gera oportunidades de negócios e empregos, além de promover o reconhecimento de práticas sustentáveis (Cunha et al., 2011). No Brasil, a adoção do reuso de água ainda enfrenta desafios significativos, como a falta de incentivos econômicos, subsídios e uma regulamentação federal específica (Tundisi, 2008). No entanto, alguns estados, como São Paulo, têm avançado com legislações próprias para o reuso não potável (São Paulo, 2015). A educação e a mudança na percepção pública sobre a segurança do reuso também são fundamentais para expandir essa prática (Cunha et al., 2011). Esses elementos destacam o reuso de água como uma solução viável e necessária para a gestão sustentável dos recursos hídricos, com potencial de enfrentar a escassez e promover a conservação ambiental, ao mesmo tempo em que impulsiona o desenvolvimento econômico e social (Cunha et al.,2011). 3.3.2.4 Aproveitamento de água da chuva No Brasil, a Lei nº 13.501, sancionada em 30 de outubro de 2017, alterou a Lei nº 9.433/1997, incorporando o aproveitamento de águas pluviais como um objetivo fundamental. Os sistemas de captação de águas pluviais envolvem três etapas principais: coleta, armazenamento e tratamento. A coleta ocorre em superfícies como telhados e áreas pavimentadas, enquanto o armazenamento utiliza tanques para conservar a água coletada. O tratamento, por sua vez, varia conforme a qualidade da água coletada e seu uso final (Cunha et.al, 2011). 41 De acordo com a Articulação Semiárido Brasileiro - ASA (2016), as tecnologias mais comuns para captação e armazenamento de água de chuva para fins não potáveis incluem: cisterna-calçadão, que capta água de chuva por meio de calçadas de cimento; cisterna-enxurrada, onde a água escorre pelo solo antes de ser coletada; e captação de água de chuva pelo telhado, onde a água é capturada e direcionada para um reservatório por meio de calhas e tubulações, conforme figura a seguir: Figura 3 – A- Cisterna–calçadão; B – Cisterna-enxurrada; C – Captação de água de chuva pelo telhado. Fonte: ASA(2016) Essas tecnologias permitem interceptar e armazenar a água da chuva no local de sua ocorrência, promovendo infiltração no solo ou coletando água de escoamento de áreas específicas, como telhados e pavimentos, para posterior utilização. O tratamento da água da chuva depende do uso pretendido. Para fins menos críticos, como irrigação, um tratamento simples com filtração básica e desinfecção é suficiente (Cunha et.al,2011). Os benefícios da captação de água pluvial incluem economia de água e redução do impacto das enchentes. Em regiões como o semiárido brasileiro, essa prática é vital para a agricultura e sobrevivência das comunidades, como exemplificado pelo Programa Cisternas, que tem melhorado a segurança hídrica.Em áreas urbanas, o uso de águas pluviais para fins não potáveis, como irrigação e 42 descarga de sanitários, está se tornando comum, promovendo economia de água tratada e redução de custos operacionais (Cunha et.al,2011). No entanto, a implementação desses sistemas enfrenta desafios, como custos iniciais elevados, necessidade de manutenção e dependência da precipitação, que pode ser variável (Cunha et.al,2011). 3.3.2.5 Controle de perdas As perdas de água, conforme definidas pela Associação Internacional da Água (IWA), incluem tanto as perdas reais, como vazamentos e rupturas na rede, quanto às perdas aparentes, que englobam consumos não autorizados e erros de medição que resultam em aumento dos custos operacionais ou em redução da receita das companhias de saneamento (IWA, 2022). O relatório "Perdas de Água 2023 (SNIS 2021): Desafios para Disponibilidade Hídrica e Avanço da Eficiência do Saneamento Básico no Brasil," do Instituto Trata Brasil (2024), revela que, em 2021, o Brasil registrou um volume de água não faturada de aproximadamente 7,3 bilhões de m³. Esse montante equivale ao desperdício diário de água tratada suficiente para encher cerca de 8 mil piscinas olímpicas, ou mais de sete vezes o volume do Sistema Cantareira, o maior conjunto de reservatórios do estado de São Paulo. Esse dado é alarmante, especialmente considerando que 33 milhões de brasileiros vivem sem acesso regular a esse recurso essencial (Instituto Trata Brasil, 2024). O estudo destaca que focando apenas nas perdas físicas (vazamentos) o volume de 3,8 bilhões de m³ seria suficiente para fornecer água a cerca de 67 milhões de brasileiros em um ano. Esse número corresponde a cerca de duas vezes o número de pessoas sem acesso ao abastecimento de água em 2021, estimado em 33 milhões. Além disso, a simples redução do índice de perdas de 40% para 25% já seria suficiente para garantir o abastecimento de todas as 17,9 milhões de pessoas que vivem nas favelas do Brasil por aproximadamente um ano e meio (Instituto Trata Brasil, 2024). Do ponto de vista ambiental, a redução das perdas de água proporciona maior disponibilidade hídrica para a população sem a necessidade de explorar novos 43 mananciais. Isso traria benefícios significativos para a sustentabilidade dos recursos hídricos do país (Instituto Trata Brasil, 2024). Economicamente, a redução dessas perdas também apresenta vantagens substanciais. Estima-se que o Brasil poderia obter um ganho bruto de R$ 54,8 bilhões até 2034 ao reduzir as perdas de água. Mesmo após considerar os investimentos necessários para essa redução, o benefício líquido projetado é de aproximadamente R$ 27,4 bilhões ao longo de 13 anos, demonstrando a viabilidade e a importância econômica dessa medida para o país (Instituto Trata Brasil, 2024). 3.3.2.6 Controle da poluição Os recursos hídricos possuem a habilidade de diluir e absorver esgotos e resíduos através de processos físicos, químicos e biológicos, permitindo sua autodepuração. No entanto, essa habilidade é limitada pela quantidade e pela qualidade dos recursos hídricos disponíveis (São Paulo, 2023), portanto é essencial preservar a qualidade da água através de medidas eficazes de controle da poluição (Naime, 2019). Essas medidas incluem práticas adequadas de destinação de resíduos sólidos como a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes, evitando depósitos de lixo a céu aberto (São Paulo, 2023). Fundamental também manter uma distância segura entre aterros sanitários e recursos hídricos. Isso é essencial para impedir que líquidos provenientes do solo contaminem as águas subterrâneas (Naime, 2019). Adicionalmente, é necessário controlar o "chorume" produzido em aterros sanitários, para impedir que esse líquido contamine mananciais, lençóis freáticos, águas, solos, plantas e comprometa a qualidade do ar devido à liberação de gases. No estado de São Paulo, grande parte do chorume gerado nos aterros sanitários é encaminhada para tratamento em conjunto com o esgoto em estações especializadas (São Paulo, 2014). Naime (2019) ainda salienta que o controle do uso de defensivos agrícolas também desempenha um papel importante na mitigação da poluição hídrica. É necessário priorizar produtos menos persistentes, como inseticidas fosforados, e 44 proibir a aplicação desses produtos em áreas próximas a mananciais. A obrigatoriedade do uso do receituário agronômico, assim como a aplicação de pesticidas na dosagem correta e no período adequado, são medidas essenciais, no que pertine ao controle da poluição e, consequentemente, possui efeito como medida mitigadora da escassez hídrica. Para minimizar o impacto dos fertilizantes, deve-se evitar sua aplicação em áreas vulneráveis à poluição da água, promovendo o uso de adubos orgânicos como alternativa aos produtos químicos (Naime, 2019). Ainda, o tratamento de esgoto que, conforme conceitua a SABESP, é uma prática essencial de saneamento básico envolvendo a remoção de poluentes da água coletada de residências, comércios e indústrias, com o objetivo de purificá-la antes de sua devolução ao meio ambiente ou para seu reúso, é uma importante medida de controle da poluição, haja vista que de acordo com os dados do Instituto Trata Brasil (2024) 47,8% dos esgotos do país não são tratados, sendo jogados diretamente na natureza, deteriorando a qualidade da água e consequentemente contribuindo para a escassez hídrica (Trata Brasil, 2024). Outras medidas de controle incluem manter uma distância adequada entre fossas sépticas e poços e preservar as áreas adjacentes aos corpos hídricos, adotando faixas de proteção com vegetação ao longo das margens. O uso do solo nas proximidades dos recursos hídricos deve ser disciplinado para prevenir atividades que possam resultar na poluição da água (Naime, 2019). Importante ainda constar a necessidade de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), haja vista sua relação direta com os eventos extremos causados pela mudança climática, sendo que um dos métodos mais eficazes é a florestação e reflorestação, que absorvem CO2 da atmosfera. Além disso, as florestas existentes são essenciais na remoção de carbono, tornando vital o investimento em projetos que promovam sua preservação (CEBRAP, 2023). 3.3.2.7 Medidas mitigatórias na agricultura Considerando o consumo de água na agricultura e a poluição gerada, a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) evidencia que existem várias maneiras de reduzir os impactos da agricultura sobre a qualidade da água. Nas 45 propriedades rurais, práticas como rotação de culturas, adubação verde, compostagem e plantio direto ajudam a diminuir a dependência de insumos químicos. A rotação de culturas evita o esgotamento de nutrientes do solo, enquanto o plantio direto preserva a matéria orgânica, reduzindo a necessidade de fertilizantes sintéticos. A adubação com leguminosas e outras plantas que fixam nitrogênio também enriquece o solo de forma natural (ANA, 2013). O manejo integrado de pragas, que inclui a utilização de métodos naturais como insetos benéficos, armadilhas e barreiras físicas, reduz o uso de agrotóxicos, enquanto técnicas mecânicas e biológicas controlam pragas de maneira sustentável. A irrigação por gotejamento, cada vez mais adotada, diminui o consumo de água e a lixiviação de nutrientes, melhorando a eficiência na distribuição de fertilizantes diretamente nas raízes das plantas. O escoamento superficial dessas atividades pode ser captado e reaproveitado, reduzindo a necessidade de insumos adicionais (ANA, 2013). Em nível de bacia hidrográfica, o controle do escoamento superficial deve considerar a topografia e o uso da terra. Áreas de encostas íngremes são mais propensas à erosão e ao escoamento de sedimentos e produtos químicos, sendo necessário o uso de curvas de nível e terraços para reduzir esses impactos. Essas práticas são fundamentais para minimizar a poluição em áreas mais vulneráveis (ANA, 2013). Em nível nacional, é essencial que os governos estabeleçam normas para limitar poluentes resultantes do escoamento agrícola e facilitem sua implementação e fiscalização. Além de aplicar penalidades em casos de violação, os estados devem fornecer assistência técnica e extensão rural, além de incentivos financeiros para que os agricultores adotem práticas mais sustentáveis e instalem sistemas de irrigação eficientes. Auxílios e créditos para melhorar a infraestrutura também são importantes para promover uma agricultura menos impactante ao meio ambiente (ANA, 2013). 46 3.3.2.8 Preservação e recuperação de matas ciliares Conforme evidencia a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, as matas ciliares, que recobrem as margens dos rios e nascentes, desempenham um papel essencial na proteção dos corpos d'água. Presentes em todos os biomas brasileiros, como Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Floresta Amazônica, Pantanal e Pampa, as matas ciliares funcionam como esponjas, absorvendo e retendo água, liberando-a gradualmente tanto para o lençol freático quanto para os corpos d’água, essas matas ainda previnem erosões, inundações e desmoronamentos. (Semil, 2024). As matas ciliares influenciam tanto a quantidade quanto a qualidade da água nas microbacias, retendo sedimentos e nutrientes carregados pela água da chuva. Pesquisas indicam que as matas ciliares podem reter parte dos poluentes químicos, como agrotóxicos, prevenindo a contaminação de rios, córregos e lagos, além de reduzir a quantidade de resíduos sólidos que chegam aos mares e oceanos. As raízes das plantas formam uma rede que fixa o solo e estabiliza as margens, ajudando a evitar o assoreamento e os deslizamentos de terra (São Paulo, 2014), o que, por via de consequência, ajuda na mitigação da poluição sedimentar. 3.3.2.9 Políticas de incentivo a não desperdício A cobrança dos serviços de saneamento é realizada por meio de tarifas que variam conforme o tipo de usuário e as faixas de consumo (Lei Federal nº 11.445/2007). Embora o princípio poluidor-pagador da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) seja fundamental, ele tem se mostrado insuficiente para sustentar o sistema de abastecimento, como evidenciado na recente crise hídrica do Sistema Cantareira, em São Paulo. Diante disso, é necessário desenvolver mecanismos complementares, como incentivos econômicos, para a manutenção sustentável desse sistema a longo prazo (Gutierrez et.al, 2017). As políticas públicas de incentivo são fundamentadas no direito ambiental e utilizam princípios como o protetor-recebedor, que incentiva ações positivas através de instrumentos fiscais, creditícios e tributários. Este princípio se destaca por 47 complementar ou substituir o princípio poluidor-pagador, promovendo a motivação financeira de quem protege o meio ambiente (Gutierrez et.al, 2017). Tais instrumentos, de adoção voluntária, têm mostrado eficácia na gestão ambiental, promovendo mudanças comportamentais e resultados positivos a curto prazo. Eles também se mostram menos onerosos do que a correção de degradações futuras, contribuindo para a redução dos gastos públicos e o bem coletivo (Gutierrez et.al, 2017). Exemplos de sua aplicação incluem o IPTU Verde em cidades como Araraquara — Lei Municipal nº 7.152 (Araraquara, 2009), Curitiba — Lei Municipal nº 9.806 (Curitiba, 2000), e Guarulhos, onde são concedidos descontos de até 20% para imóveis que adotam sistemas sustentáveis — Lei Municipal nº 6.793 (Guarulhos, 2010). Em Brasília, foi instituído um desconto de até 20% na conta de água para consumidores que reduzirem o consumo (Lei Distrital nº 4.341/2009). Medidas emergenciais similares foram adotadas durante a estiagem do Sistema Cantareira em 2014, quando foi concedido um desconto de 30% na tarifa de água para quem reduzisse o consumo em 20%, medida que, conforme evidenciado neste estudo, foi a de maior efeito na mitigação da crise hídrica em São Paulo (SABESP, 2014a). Os incentivos econômicos, portanto, podem auxiliar na gestão dos recursos hídricos ao recompensar os usuários com menor consumo de água, além de promover alteração no comportamento da população no sentido do uso consciente e sustentável desse recurso (Gutierrez et.al, 2017). 3.3.2.10 Educação ambiental como ferramenta de conscientização A educação ambiental é uma ferramenta essencial para a conscientização da sociedade sobre a necessidade de preservação do meio ambiente e a adoção de práticas sustentáveis, especialmente no contexto da escassez hídrica. Definida como um processo educacional contínuo e interdisciplinar, a educação ambiental visa capacitar indivíduos e comunidades a compreender as complexas interações entre o ambiente e as atividades humanas, promovendo atitudes e comportamentos que contribuam para a sustentabilidade do planeta (ICMBio, 2024). 48 No que se refere à mitigação da escassez hídrica, a educação ambiental promove uma consciência ecológica que incentiva o uso racional e eficiente da água. Ela forma cidadãos capazes de entender os impactos de suas ações sobre os recursos hídricos, capacitando-os a adotar práticas que reduzam o desperdício e conservem esse recurso vital. Ao fornecer uma compreensão crítica das questões ambientais, a educação ambiental permite que a população participe ativamente na solução de problemas relacionados à escassez de água, contribuindo para a sua gestão sustentável (São Paulo, 2023). Jacobi (2003) ressalta que a educação ambiental é fundamental para a construção de uma sociedade sustentável, onde as pessoas estão conscientes dos desafios da escassez hídrica e comprometidas em minimizar esses impactos por meio de escolhas informadas e responsáveis. Estudos mostram que programas de educação ambiental que combinam teoria e prática são particularmente eficazes na mudança de atitudes e comportamentos em relação ao uso da água. Por exemplo, Sorrentino et al. (2005) demonstram que iniciativas educacionais que envolvem a gestão de recursos hídricos, como a conservação e o reuso de água, tendem a aumentar a conscientização sobre a necessidade de práticas sustentáveis, contribuindo significativamente para a mitigação da escassez hídrica. 49 6. CONCLUSÃO A escassez hídrica, como demonstrado ao longo deste estudo, constitui um dos desafios mais complexos e urgentes na esfera da sustentabilidade global. Apesar da aparente abundância de água no planeta, o acesso à água doce é extremamente limitado, com apenas 2,5% das reservas globais sendo de água doce, e menos de 1% dessas são acessíveis para uso direto. Essa situação é agravada pela distribuição geográfica desigual e pela crescente contaminação dos corpos d'água, tanto por fatores naturais quanto por atividades humanas. Os fatores que impulsionam a escassez hídrica são diversos, destacando-se o crescimento populacional, que aumenta exponencialmente a demanda por água. A agricultura, responsável por cerca de 70% do consumo global de água doce, especialmente por meio da irrigação, e as mudanças climáticas, que alteram os padrões de precipitação e a disponibilidade de água, também desempenham papéis críticos nesse cenário. Outro ponto crítico é o desperdício de água, seja no uso direto, seja na forma de água virtual presente na produção de alimentos que são posteriormente descartados. Para enfrentar esses desafios, é imprescindível adotar estratégias multifacetadas e integradas. A eficiência no uso da água, especialmente na agricultura, é fundamental, assim como a implementação de tecnologias que permitam a dessalinização, o reuso de água, o aproveitamento das águas pluviais e o controle de perdas. Essas medidas são essenciais para ampliar a oferta hídrica sem aumentar a extração das fontes naturais. Na legislação brasileira, a Lei Federal 9.433/1997 estabelece um marco regulatório que favorece a gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos, com instrumentos como a outorga de direitos de uso e a cobrança pelo uso da água, voltados para uma gestão mais responsável e eficiente. Contudo, a eficácia desses instrumentos ainda enfrenta desafios significativos em sua aplicação prática. Ademais, embora os comitês de bacia tenham sido estabelecidos como um espaço para a participação de diferentes atores, incluindo sociedade civil, poder público e usuários de água, na prática, muitos desses comitês sofrem com a baixa representatividade e com a influência desproporcional de setores econômicos, como a indústria e a agricultura, que muitas vezes privilegiam seus próprios interesses em detrimento do bem comum e da sustentabilidade dos recursos. 50 Além disso, a Lei 9.433/1997 não enfrentou de maneira suficientemente abrangente a questão da adaptação às mudanças climáticas, um fator cada vez mais premente na gestão hídrica. A superação dessas deficiências é fundamental para que a Lei cumpra seu papel na preservação dos recursos hídricos e garanta a sustentabilidade das águas no Brasil a longo prazo. A educação ambiental emerge como uma ferramenta primordial para a conscientização e mobilização social em prol da sustentabilidade hídrica. O desenvolvimento de uma cultura de conservação da água pode induzir mudanças significativas no comportamento dos consumidores e nas práticas industriais. Além disso, as políticas de incentivo, ao promover financeiramente a redução do consumo e a adoção de práticas sustentáveis, desempenham um papel importante na mitigação da escassez hídrica. A análise dos dados evidenciados neste estudo, como os relatórios da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Organização das Nações Unidas (ONU), revela que a abordagem fragmentada e a falta de soluções integradas para a gestão dos recursos hídricos corroboram a necessidade urgente de colaboração e cooperação entre múltiplos setores. A redução da poluição, o tratamento de efluentes, o controle de perdas, o manejo dos resíduos sólidos, a promoção de práticas sustentáveis, o investimento em infraestrutura verde, restauração e proteção de florestas e matas ciliares, controle do desperdício alimentar e de todo o tipo de poluição estabelecem uma estrutura robusta e necessária para a mitigação da escassez hídrica. Somente por meio de esforços coordenados e contínuos será possível assegurar a disponibilidade e a qualidade da água para as gerações presentes e futuras. 51 REFERÊNCIAS ABIEC – Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne. Relatório Anual 2021: Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne. São Paulo: ABIEC, 2021. AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA; Encarte especial sobre a crise hídrica, conjuntura dos recursos hídricos do Brasil; 2014; Superintendência de Planejamento de Recursos Hídricos – SPR, 2015. AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA). Atlas das Águas Superficiais do Brasil. 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Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília-DF, janeiro de 2007. BRASIL. Lei Federal nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial da União, Brasília – DF, janeiro de 1997. BRASIL. Lei nº 9.984 de 17 de julho de 2000. Dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh) e responsável pela instituição de normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico. Diário Oficial da União, Brasília – DF, julho de 2000. BRASIL. Resolução Conselho Nacional de Recursos Hídricos nº 54, de 28 de novembro de 2005. Estabelece critérios gerais para reuso de água potável. Estabelece modalidades, diretrizes e critérios gerais para a prática de reuso direito não potável de água, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília – DF, novembro. 2005. BRASIL. Resolução Conselho Nacional do Meio Ambiente nº 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília – DF, março. 2005. BRK AMBIENTAL. Dessalinização da água do mar: afinal, esse projeto é viável? Disponível em : https://blog.brkambiental.com.br/dessalinizacao-da- agua/#:~:text=No%20entanto%2C%20apesar%20de%20transformar,ele%20ainda% 20%C3%A9%20muito%20alto.Acesso em 25/08/2024. BRUIJNZEEL, L. A. Hydrological functions of tropical forests: not seeing the soil for the trees? Agriculture, Ecosystems & Environment, v. 104, n. 1, p. 185-228, 2004. CASTRO, ALMEIDA et.al – Escassez Hídrica. Embrapa, 2016. CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Desafio: mobilidade urbana e mudanças climáticas 6 / [Caetano Patta da Porciuncula e Barros[et al.] ; organização Victor Callil, Daniela Costanzo ; ilustração Gabriela Motta]. -- 1. ed. -- São Paulo, 2023. 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