Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 113 ACONSELHAMENTOS DE AUTO-AJUDA: UM CASO DE CAPTAÇÃO DO GÊNERO PROVERBIAL Anna Flora BRUNELLI1 • RESUMO: Neste trabalho, que está baseado nos princípios da Análise do Discurso francesa, seguindo especialmente o pensamento de Maingueneau, analisamos a relação que há entre o discurso de auto-ajuda e os provérbios, o que nos permitiu verificar que o discurso em questão pode ser considerado como um caso de captação do gênero proverbial. • PALAVRAS-CHAVE: Análise do discurso francesa; discurso de auto-ajuda; provérbios. Introdução Dispersos nos textos dos livros de auto-ajuda, há uma série de enunciados que se assemelham muito a provérbios e a frases feitas.2 Parece que tais enunciados poderiam ser destacados do contexto original para integrar-se a outros, isto é, assim como os provérbios, eles parecem inseríveis em vários contextos. Aliás, a esse respeito, notamos que, embora isto não seja a regra, muitos deles estão destacados com alguma marca tipográfica (aspas, negrito e/ou itálico) que os distingue dos demais enunciados do texto. A partir dessa observação, neste trabalho, numa tentativa de caracterizar o discurso de auto-ajuda, analisamos em que medida esse discurso se aproxima dos provérbios, procurando destacar seus efeitos de sentido. Para tanto, comparamos as propriedades desses enunciados do discurso de auto-ajuda que se assemelham a provérbios com as dos próprios provérbios, apresentadas por Rocha (1995), que os investiga do ponto de vista da 1 UNESP – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – Departamento de Estudos Lingüísticos e Literários – 15054-000 – São José do Rio Preto – SP – Brasil. Endereço eletrônico: anna@ibilce.unesp.br 2 Embora haja diferenças entre esses tipos de enunciados, neste trabalho, vamos tomá-los apenas por provérbios,Embora haja diferenças entre esses tipos de enunciados, neste trabalho, vamos tomá-los apenas por provérbios, mais ou menos como fez Lysardo-Dias (2001), que, analisando materiais semelhantes, sem objetivos taxionô- micos, propôs a designação “enunciação proverbial” para dar conta da série de enunciados que diz respeito a provérbios, frases feitas, ditados, etc. Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 114 lingüística da enunciação e do discurso, e por Obelkevich (1997), que os investiga adotando um ponto de vista histórico-social. Para essa comparação, selecionamos os enunciados oriundos de uma obra que consideramos representativa do discurso de auto-ajuda, o livro O sucesso está em suas mãos, de Lair Ribeiro (1992). Embora haja, nesse livro, um conjunto bastante rico de enunciados que, em função de suas características, podem fazer parte do conjunto de ocorrências a serem investigadas, selecionamos para tanto especialmente os enunciados que, espalhados por toda a obra, aparecem separados do corpo do texto, em negrito. Posteriormente, vamos sustentar que o discurso de auto-ajuda, em função de suas características, pode ser considerado como um caso de captação do gênero proverbial, segundo designação proposta por Grésillion e Maingueneau (1984), o que justifica a existência, em seus textos, de enunciados como esses, que, conforme veremos a seguir, apresentam as mesmas propriedades dos provérbios. Os provérbios e a lingüística da enunciação Rocha (1995) investiga os provérbios do ponto de vista da lingüística da enunciação e do discurso. Partindo do conceito de subjetividade de Benveniste, segundo o qual a enunciação é produto da atividade do sujeito falante, a autora analisa uma coletânea de provérbios em francês seguidos de seus correspondentes em português, investigando suas marcas enunciativas e as relações que promovem entre os interlocutores, sempre considerando o fato, “essencial, de que o provérbio constitui uma frase feita, o discurso do Outro, sempre citado ou reenunciado, e reennunciável” (ROCHA, 1995, p.14). Apresentando-se como verdades gerais e atemporais, os provérbios costumam ter uma formulação impessoal. Entretanto, como existem alguns com marcas pessoais, Rocha discute em seu trabalho o estatuto dessas marcas, o que a leva a investigar também dêiticos, formas verbais e a questão da referência. Seu principal intuito é indicar que os provérbios, por não serem produzidos no ato da enunciação (são reenunciados ou citados), “não referem aos seres presentes no universo da enunciação, ou o fazem indiretamente, de maneira ambígua e proveitosa para as intenções do locutor” (ROCHA, 1995, p.15). Uma das primeiras considerações feita pela autora a respeito dos provérbios é a sua identificação como um caso de conotação autonímica, tendo em vista que acumulam duas semióticas: a de frase empregada e citada ao mesmo tempo. Esta última ocorre no modo do como se diz, no modo do como diz o outro, etc. Acerca desse modo de dizer, Rocha afirma que se trata do modo que integra o enunciador na comunidade, uma vez que é o modo da norma da língua. Além disso, esse modo representa a língua tal qual ela é falada, caracterizando-se pela Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 115 freqüência; nesse sentido, “esse modo representa a língua como uso” (ROCHA, 1995, p.68). Tendo qualificado os provérbios como frases de conotação autonímica, Rocha parte para a sua descrição enunciativa, iniciando-a pelo exame das marcas pessoais. Dado o pequeno número de provérbios que encontra com marcas pessoais, constata que há neles uma forte tendência à expressão impessoal. Por outro lado, nota que há também uma reversibilidade em termos de expressão pessoal e impessoal, o que pode ser verificado nas variantes de um mesmo provérbio. Como todos os provérbios podem assumir uma formulação pessoal, embora a maioria deles traga uma formulação impessoal, Rocha (1995, p.172) conclui que eles “visam atingir o alocutário, mas indiretamente, sob o disfarce de uma expressão impessoal”. A esse respeito, afirma: [...] tudo se passa de um modo muito indireto, quando se trata do uso de provérbios em discurso: o locutor não fala com suas palavras, já que usa o discurso do Outro, em cuja autoridade se apóia, e dirige-se indiretamente ao alocutário, pois mesmo que o provérbio traga um nítido tu, trata-se sempre de um tu de percurso, que designa todo mundo em geral e ninguém em particular. (ROCHA, 1995, p.172) No caso do discurso de auto-ajuda, dentre as 23 ocorrências que foram selecionadas do corpus (RIBEIRO, 1992) e que acreditamos ter valor de provérbio, cinco são impessoais e 18 apresentam marcas pessoais. Dessas, em apenas uma há marca de primeira pessoa do singular; as outras todas trazem marcas de segunda pessoa (“você” e/ou formas correlatas). Exemplos: 1) Se você mudar, o mundo muda com você. (p.42) 2) Trabalhe o seu ponto forte, que o resto se fortalece. (p.52) 3) Se o único instrumento que você tem é martelo, todo problema você pensa que é prego. (p.89) O pronome você, presente nesses enunciados, pode ser entendido com um caso de pessoa subvertida, nos termos de Fiorin (1996), ou seja, trata-se de um exemplo de neutralização de uma oposição no interior da categoria de pessoa que resulta no emprego de uma pessoa (no caso, a 2a), com o valor de outra (no caso, a 3a indeterminada). Para ilustrar esse fenômeno, Fiorin cita o seguinte exemplo: “[...] eu me senti, como quando o professor te interroga em grego dois dias seguidos”, a que acrescenta: Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 116 Nesse exemplo, a segunda pessoa do singular substitui uma terceira indeterminada: “eu me senti como se sente alguém quando o professor o interroga em grego dois dias seguidos”. É o caso do chamado tu genérico, que tem por função “pessoalizar enunciados impessoais [...]”. (FIORIN, 1996, p.90) Embora o autor se refira ao “tu”, é óbvio que o comentário que tece também se aplica ao pronome de tratamento “você”, que, como sabemos, substitui o “tu” na interpelação da segunda pessoa em várias regiões do Brasil. De fato, Ilari et al.De fato, Ilari et al. (1996), analisando o comportamento dos pronomes pessoais no português falado no Brasil, referem-se ao emprego desse pronome com valor indeterminado. Nas palavras dos autores: “Notável [...] é o emprego de você, exatamente um pronome referente ao alocutário, como recurso para uma forte indeterminação do sujeito” (p.101). Desse modo, podemos concluir que, no caso das ocorrências de que estamos tratando, assim como Rocha observou para o caso dos provérbios, seus eventuais pronomes são termos metalingüísticos, isto é, referencialmente vazios, ou ainda, são pronomes de percurso que, ao invés de permitir a identificação de um único objeto, levam o alocutário a percorrer todos os indivíduos a que o pronome possa se referir. A esse respeito, Rocha afirma que o tu e o vós, que normalmente designam de modo claro a segunda pessoa, nos provérbios funcionam de modo peculiar, percorrendo todos os valores possíveis no interior de um domínio sem se fixar em um valor específico. Desse modo, como os provérbios, os enunciados em questão podem passar da expressão pessoal à impessoal, assim como o inverso pode ocorrer com aqueles que não trazem marcas pessoais. Vejamos alguns exemplos: 4) Você não pode obter bastante naquilo que você não quer. (p.79) ↔ “Não se pode obter bastante naquilo que não se quer”; ou “Não se consegue obter bastante naquilo que não se quer”. 5) Quem assume para si uma meta que não é sua, está comprando sua própria infelicidade. (p.83) ↔ ↔ “Quando você assume para si uma meta que não é sua, está comprando sua própria infelicidade”; ou “Se você assumir para si uma meta que não é sua, estará comprando sua própria infelicidade”. Quanto aos dêiticos espaciais e temporais que porventura aparecem nos provérbios, Rocha constata que eles também não se referem a um lugar ou a um tempo específico, mas a qualquer lugar ou tempo em que o provérbio possa ser reenunciado. Nesse sentido, são também termos metalingüísticos, referencialmente vazios, que permitem sempre a reinserção do provérbio em novas situações de comunicação. Outra característica dos provérbios investigada por Rocha é a ausência de “expressões referenciais definidas”. Por isso, nos provérbios, os sintagmas Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 117 nominais, inclusive os complexos ou os que têm um nome próprio por núcleo, nunca designam um objeto singular, independentemente, inclusive, do tipo de determinante que estiver antecedendo o nome núcleo do sintagma. E isso porque o que importa em um enunciado genérico, como é o caso dos provérbios, não é “o tipo de determinante que precede o sintagma nominal sujeito, mas o fato de que a existência desse sujeito não se restringe a um instante ‘t’ em relação com uma enunciação específica” (ROCHA, 1995, p.172), o que é impossível nos provérbios, que dizem respeito a classes ou a indivíduos enquanto representantes de sua classe. No caso das ocorrências de que estamos tratando, notamos que nelas também não há dêiticos espaciais nem temporais, nem mesmo os referencialmente vazios; além disso, não encontramos nelas nenhuma expressão referencial definida. Como no caso dos provérbios que já fazem parte do estoque da língua, os sintagmas nominais desses enunciados dizem respeito a classes ou a indivíduos que as representam, e não a um único referente específico ligado à situação de enunciação, o que, segundo Rocha, se deve à relação muito específica que os provérbios, assim como qualquer enunciado genérico, têm com a situação de enunciação: trata-se da não-referência, isto é, da ausência de referência a um ser específico presente numa situação específica, que é um fator essencial e suficiente “para todo enunciado que vise à generalidade, ou seja, à transcendência da especificidade” (ROCHA, 1995, p.138). Desse modo, quanto à sua referência, os provérbios (e também os enunciados de que estamos tratando), metafóricos ou não, estão situados no universo do discurso. Assim, um provérbio como Brigam as comadres, descobrem-se as verdades, mesmo quando se aplica a comadres bem específicas que se encontram numa situação de enunciação específica, “pertence ao universo do discurso na medida em que vale para todas ‘comadres’ virtuais, e leva o alocutário a uma inferência generalizante, do tipo ‘Brigas revelam segredos’” (ROCHA, 1995, p.139). Como todo enunciado genérico sempre leva o alocutário a uma inferência que contenha um universal (como sempre, jamais, todo, tudo, nenhum, ninguém, etc.), nos provérbios, a ausência de valor referencial específico para os seres mencionados é fundamental, pois nunca se trata de especificidade, mas de universalidade. Conforme observa a autora, isso também é válido para os provérbios metafóricos, cujas expressões, ao constituírem uma metáfora, perdem seu sentido próprio e específico, levando à inferência de uma verdade universal, expressa no presente genérico. Por exemplo: do provérbio metafórico “por um cravo se perde um cavalo”, se infere “por pouco sempre se perde muito”. Desse modo, um enunciado como o exemplo abaixo, 6) Se o único instrumento que você tem é um martelo, todo problema você pensa que é prego. (p.89) Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 118 leva a uma inferência do tipo “se você está pensando como sempre pensou, nunca vai conseguir resolver seus problemas”, ou ainda, para utilizar as próprias palavras de Ribeiro, “você (sempre) tenta encaixar os problemas no paradigma que tem” (p.95). Conforme dissemos no início deste trabalho, para compararmos as propriedades de alguns enunciados do discurso de auto-ajuda com as dos provérbios, selecionamos preferencialmente os enunciados que, na obra considerada exemplar do discurso de auto-ajuda, se encontram em destaque, separados do resto do corpo do texto. Entretanto, existem outros enunciados nessa obra, espalhados pelo texto principal, que também se assemelham a provérbios. A título de exemplificação, apresentamos abaixo dois desses enunciados: 7) Se você é cirurgião, tenta resolver tudo com cirurgia. (p.95) 8) Se você é psicanalista, tende a achar que tudo se resolve com psicanálise. (p.95) Como podemos notar facilmente, esses enunciados parafraseiam o exemplo (6); portanto, levam ao mesmo tipo de inferência. Analisando as formas verbais dos provérbios, Rocha verifica que neles existem tanto verbos de estado quanto verbos de ação e que, apesar da generalidade do emprego do presente, quaisquer outros tempos podem ser usados. E isso porque, nos provérbios, “o essencial não é [...] o uso de tal ou tal tempo, mas que haja um caráter não-pontual, indefinido, que nos impeça de limitar a ação ou o estado a um instante ‘t’ preciso em relação ao momento da enunciação” (ROCHA, 1995, p.173). Nesse sentido, como enunciados não engendrados numa situação de enunciação específica, os provérbios são enunciados não perecíveis cujas eventuais marcas temporais não os situam temporalmente do mesmo modo como o fazem nos enunciados comuns. Rocha também verifica que todos os provérbios, inclusive os metafóricos, podem se reduzir a uma injunção, a uma interpretação imperativa. Assim, o modo verbal esperado nos provérbios deveria ser o imperativo, já que eles encerram sempre uma advertência ou conselho; entretanto, a autora nota que, do ponto de vista formal, a preferência é pelo indicativo presente precedido de um SN na terceira pessoa, que lhes confere a suavidade necessária a quem deseja falar sem dizer. Desse modo, “embora tenham por objetivo a injunção, procuram chegar a ela por caminhos disfarçados, mais suaves, menos agressivos” (ROCHA, 1995, p.115). De fato, a maior parte das ocorrências de que estamos tratando também se apresenta assim. Vejamos alguns exemplos: 9) O segredo da vida não é fazer o que você gosta. É gostar do que você faz. (p.101) 10) A vida que você leva foi criada por você. (p.117) Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 119 Esses enunciados, como os provérbios, podem ser parafraseados por uma injunção. Assim, teríamos, respectivamente: - Aprenda a gostar do que você faz (para ser feliz, para se dar bem na vida, etc.). - Assuma a responsabilidade de sua vida (ou) Tome o controle de sua vida. No caso do enunciado metafórico que apresentamos anteriormente (exemplo 6), teríamos a seguinte injunção: “mude seu modo de pensar”, “abandone velhas crenças”, “adote posturas diferentes”, ou ainda, para utilizar termos empregados por Ribeiro (1992), “mude de paradigma”. Para ilustramos melhor o valor de injunção dos enunciados em questão, apresentamos os enunciados (11) e (12): 11) Se você quer jogar no Flamengo, não vista a camisa do Fluminense. (p.69) 12) Se você vive em terreno de peru, é muito difícil você aprender a voar feito águia. (p.55) Conforme podemos notar, esses enunciados metafóricos equivalem a injunções do tipo: “não conviva com pessoas negativas”, “selecione bem suas companhias”, “cerque-se de pessoas positivas e/ou bem-sucedidas”, etc.3 Verificamos, assim, que valer por uma injunção é mais uma das características que aproxima os enunciados em questão aos provérbios. Ainda segundo Rocha (1995), o provérbio, em função de sua natureza de enunciado genérico que nunca faz referência a uma situação específica (embora seja aplicável a ela), “resulta num estratagema em que o locutor se furta a fazer um comentário sem, contudo, deixar de fazê-lo, pois deixando falar o provérbio, ele se faz falar pelo código” (p.150). Afinal, conforme dito antes, como frase citada, o provérbio ocorre no modo de dizer que representa a língua tal como ela é falada. Desse modo, aquele que emprega um provérbio tem mesmo a intenção de atingir um alvo preciso, mas a própria natureza genérica do provérbio dá origem “a uma dubiedade em termo de referência a alvos específicos, o que é, aliás, vantajoso para ambos os parceiros do ato de fala, já que permite ao locutor todo o jogo do “dizer e não dizer” (para lembrar Ducrot), e também do ouvir sem escutar ou receber sem receber, da parte do alocutário” (ROCHA, 1995, p.150). A partir dessa propriedade dos provérbios, a autora analisa, finalmente, seu valor argumentativo. Como se trata de um enunciado do “dizer e não dizer”, está sempre presente nos discursos argumentativos. Mesmo quando não é explicitamente argumentativo, o provérbio joga com a capacidade de inferência do alocutário, 3 Para a construção dessas paráfrases, levamos em conta o contexto em que aparecem os enunciados metafóricos (11) e (12). Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 120 num sutil jogo de subentendidos. Assim, por exemplo, aquele que numa fase tumultuada de sua vida ouve um Depois da tempestade vem a bonança, irá inferir que está sendo aconselhado a não se preocupar. (ROCHA, 1995, p.174) Conforme destaca a autora, a maior virtude do provérbio do ponto de vista da argumentação é que, se empregado no contexto adequado, é um enunciado irrefutável, pois ele constitui uma idéia estabelecida pelo senso comum, que é admitida de longa data como verdadeira e, assim, preexistente à argumentação do locutor particular que o emprega numa situação específica. Como enunciado citado, e não criado no momento de uma determinada enunciação, a argumentação do locutor que o emprega se torna totalmente cerceadora, na medida em que se apóia sobre princípios anteriormente admitidos, que constituem uma verdade de origem anônima, consagrada por toda a comunidade lingüística. Por isso, o provérbio em discurso permite realizar o ideal da argumentação, pois reduz o auditório ao silêncio, criando no outro uma adesão obrigada, e “isto sem que o argumentador aja como se quisesse forçar diretamente o comportamento de seu parceiro, uma vez que se trata de um discurso polifônico” (ROCHA, 1995, p.176). Os provérbios do discurso de auto-ajuda Os enunciados do discurso de auto-ajuda de que estamos tratando, ao assimilarem as características dos provérbios, assumem também os efeitos de sentido associados a essas propriedades. De um ponto de vista mais geral, percebemos que, de uma forma ou de outra, a aparência de provérbios desses enunciados contribui para sustentar a credibilidade do discurso de auto- ajuda. Por se assemelharem a provérbios, os enunciados em questão parecem enunciados citados, isto é, parecem enunciados reempregados, que estariam migrando de um lugar de onde se originariam enunciados inquestionáveis, de validade universal (o que justifica, inclusive, sua capacidade de se desprender do corpo do texto principal), para o texto em que aparecem. Isso confere, automaticamente, o estatuto de discurso citante ao discurso de auto-ajuda. Porém, se nos provérbios a semiótica de citação ocorre simplesmente no modo do “como se diz”, no modo do “como diz o outro” (que pode ser um outro qualquer), ou no modo do “como diz a sabedoria popular”, no caso do discurso de auto-ajuda, podemos dizer que ela ocorre, tendo em vista que o seu sujeito-enunciador é um sujeito-enunciador de saber,4 especialmente no modo do “como diz o outro”, que 4 As características desse sujeito-enunciador são apresentadas no terceiro capítulo de Brunelli (2004). Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 121 é um outro convocado porque é um outro de saber; assim, poderíamos dizer, é o modo do “como diz a verdade”. Nesse sentido, a semelhança que os enunciados de que estamos tratando têm com os provérbios resgata o valor de verdade dos provérbios, posto em destaque, ao passo que sua associação com uma origem popular não é colocada em questão em função das próprias características do discurso citante (o discurso de auto-ajuda), espécie de lente a partir da qual os enunciados em questão devem ser observados. A esse respeito, lembramos uma das principais teses da Análise do Discurso francesa, segundo a qual o sentido dos enunciados se configura no interior dos discursos nos quais se encontram. Dito de outra forma: se se analisam esses enunciados (ou outros quaisquer) independentemente do contexto discursivo que os cerca, não se compreendem exatamente os seus efeitos de sentido, pois o discurso, com as suas coerções semânticas, funciona como uma espécie de filtro que resgata, da heterogeneidade discursiva que o cerca, o que lhe é fundamentalmente constitutivo. Por outro lado, na qualidade de provérbios e, portanto, na qualidade de enunciados que se querem impessoais, os enunciados em questão se revestem de autoridade, como se também fossem, como os provérbios legítimos, oriundos de uma sabedoria anônima e inquestionável. Além disso, esses enunciados conduzem – à semelhança dos provérbios – a uma inferência que contenha um universal, o que também lhes reforça a credibilidade, tendo em vista que seu estatuto de enunciado genérico sinaliza a sua universalidade, isto é, a capacidade de se inserir em vários contextos. Do ponto de vista da argumentação, podemos dizer que tais enunciados reforçam o poder persuasivo do discurso de auto-ajuda, porque, como enunciados que ativam o jogo do “dizer e não dizer”, simulam que o discurso de auto-ajuda está apoiado numa verdade incontestável. O discurso de auto-ajuda: simulacro de provérbios? Grésillion e Maingueneau (1984) consideram o provérbio como um caso de discurso relatado, mais exatamente de polifonia, uma vez que nesse tipo de enunciação “o locutor abandona voluntariamente sua voz e toma emprestada outra para poder proferir um segmento da palavra que não lhe pertence como própria, que ele apenas cita” (GREIMAS, 1970, apud GRÉSSILLION; MAINGUENEAU, 1984, p.112).5 Aliás, segundo Grésillion e Maingueneau, trata-se do discurso relatado por excelência, tendo em vista que 5 A tradução é nossa. Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 122 retoma não o propósito de um outro especificado, mas aquele de todos os outros, fundidos nesse “se” [on] característico da forma proverbial. Não só, como na polifonia ordinária, a responsabilidade da afirmação de um provérbio é atribuída a um personagem diferente do locutor, mas, ainda, ele mistura a voz do locutor a todas as vozes que proferiram, antes dele, o mesmo ditado. (p.112) Nesse sentido, trata-se de um caso de “enunciação-eco”, na medida em que o sujeito-enunciador do provérbio apresenta a sua asserção como uma imitação, o eco ou a retomada de um número ilimitado de enunciações anteriores desse mesmo provérbio. Por isso, nos termos do quadro polifônico da enunciação, podemos dizer que o locutor do provérbio se assimila a seu enunciador, isto é, ele assume pessoalmente a perspectiva do provérbio, “mas não o faz senão escondendo-se atrás de um outro enunciador, ‘SE’, que é o verdadeiro fiador da verdade do provérbio” (GRÉSSILLION; MAINGUENEAU, 1984, p.113). Segundo os autores, esse SE, que representa a opinião comum, a sabedoria das nações, é um “agente verificador”, uma instância capaz de dar validade a uma proposição, enfim, é o suporte de verdade do provérbio. Assim, dentro da ótica polifônica, SE é um personagem que participa do discurso, sustentando uma primeira asserção, E0, cuja verdade é pressuposta por uma segunda, E1. Para os autores, a polifonia do provérbio, isto é, o fato de que nele há uma diluição do locutor atrás da voz de um enunciador distinto, identificado como SE, depende, ao mesmo tempo, de fatores extralingüísticos e lingüísticos. Extralingüísticos tendo em vista que os provérbios pertencem a um estoque de enunciados conhecidos como tais pelos usuários de uma determinada língua, que conhecem o sentido literal dos provérbios e as generalizações que deles derivam. Lingüísticos porque o provérbio não se apresenta como um enunciado de um tipo qualquer que eventualmente teria o privilégio de ser memorizado, pelo contrário, ele tem propriedades específicas, já identificadas pelos lingüistas, por exemplo, o estatuto genérico do enunciador e do enunciatário, a ausência de embreagens temporais, a referência dos grupos nominais a classes e não a indivíduos, os laços estreitos que alguns mantêm com a função poética de Jakobson (as estruturas binárias, que são quase sempre breves e simetrias fonéticas e prosódicas). Como enunciado ligado à sabedoria das nações, que é uma autoridade indiscutível, com essas características, o provérbio se diferencia da massa dos enunciados profanos e contingentes. Quanto à questão da autoridade de que desfrutam os provérbios, os autores afirmam que o SE do predicado “SE-verdadeiro” que os fundamenta, em vez de variar numericamente e qualitativamente ao infinito, conforme os contextos enunciativos, tende a coincidir com o conjunto de locutores da língua, cuja competência inclui um estoque de provérbios; nesse sentido, eles se diferenciam dos casos de citação de autoridade, nos quais, embora não haja também distância visível entre as duas Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 123 enunciações, a original e a citada, há variação da autoridade conforme o contexto. Assim, o locutor que enuncia um provérbio maximiza a validade de seu dizer, remetendo-a para além da diversidade e da relatividade das autoridades. Por se tratar de um caso de autoridade inquestionável, entendem os autores que os provérbios constituem um modelo do mais alto interesse para aqueles que procuram fundamentar a autoridade de seus enunciados, ou ainda, um antimodelo ideal para os que se voltam para a destruição das verdades já estabelecidas. Desse ponto de vista, definem um procedimento discursivo, por eles nomeado de distorção,6 que consiste justamente em produzir um enunciado que tem as marcas lingüísticas da enunciação do provérbio, mas que não faz parte do conjunto dos provérbios de uma língua. A distorção pode ser aplicada sob dois regimes bem diferentes: um lúdico outro militante.7 O primeiro ocorre quando a distorção entra no quadro inocente dos jogos de palavras, sem pretensões ideológicas, políticas, etc. Por outro lado, a distorção é militante quando se destina a dar autoridade a um enunciado ou a destruir aquela do provérbio em nome de interesses de vários tipos. A distorção militante, a que mais interessa aos analistas do discurso, por sua vez, segue duas orientações opostas, conforme conteste a autoridade do provérbio ou a utilize a seu favor: no primeiro caso, trata-se de uma estratégia de subversão, que suscita uma contradição entre o sentido transmitido pela enunciação da estrutura semântica original (indicada E0) e aquela da enunciação da estrutura resultante da distorção (indicada E1). Já no segundo caso, tem-se uma captação, isto é, uma distorção que acompanha, o quanto for possível, o sentido da estrutura semântica utilizada. Os autores ainda acrescentam que essas duas estratégias de distorção podem ocorrer em dois níveis: no primeiro, há distorção das condições genéricas da enunciação proverbial, que envolvem o conjunto das características formais dos provérbios (sintáticas, prosódicas, etc.) e suas condições de uso, isto é, seus traços pragmáticos, que exigem “em particular, que se trate de uma verdade de ‘bom senso’ endereçada a um alocutário universal, de uma verdade que possa ser sustentada pelo SE da sabedoria das nações” (GRÉSSILLION; MAINGUENEAU, 1984, p.115). Desse modo, a distorção nesse primeiro nível constitui um pastiche do gênero proverbial, no qual as condições de emprego podem ser tanto captadas quanto subvertidas. No primeiro caso, o locutor fabrica um pseudo-provérbio inscrevendo seu enunciado na eficácia ideológica ligada às condições de emprego do provérbio. Já no segundo caso, ele produz um enunciado que, embora 6 Alguns lingüistas brasileiros preferem adotar a forma original francesa, “détournement”, tendo em vista que não se encontra nenhuma forma correspondente em português. Aqui, empregamos o termo “distorção”, embora saibamos que o sentido não é o mesmo do termo original. 7 Embora os regimes sejam diferentes, os autores esclarecem que a distinção não deixa de suscitar problemas deEmbora os regimes sejam diferentes, os autores esclarecem que a distinção não deixa de suscitar problemas de fronteiras, pois há distorções militantes que se realizam somente pelo jogo com a língua. Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 124 satisfaça as condições formais, viola as condições de emprego normais, o que leva à construção de enunciados absurdos. No segundo nível, não se distorcem as condições genéricas, mas um provérbio já existente. Aqui há uma modificação no significante de E0 e, conseqüentemente, no seu significado, que pode variar bastante. Assim, enquanto certas distorções se contentem em parasitar um provérbio conhecido, explorando especialmente seu valor fônico, outras produzem provérbios E1 em que a ligação com E0 é clara, tanto nos casos de captação quantos nos casos de subversão. A partir das semelhanças que encontramos entre os provérbios e os enunciados da auto-ajuda e que foram apontadas no primeiro item deste trabalho, podemos considerar que se trata de um caso de captação do gênero proverbial, dito de outra forma: é uma distorção militante no nível um (aquele que envolve as condições genéricas) que visa dar autoridade a um enunciado. Para usar um termo do próprio Maingueneau, trata-se de caso de simulacro dos provérbios. A esse respeito, afirmam os autores: Captando o gênero proverbial, uma enunciação se apresenta como eco de um número ilimitado de enunciações anteriores, de forma a fazer esquecer seu caráter essencialmente contingente e relativo. Em caso de sucesso, esse simulacro se transforma em verdade que, repetida “por todo o mundo” se instalará solidamente no número das evidências coletivas. (GRÉSSILLION; MAINGUENEAU, 1984, p.117) Inicialmente, podemos dizer que esse é justamente o caso dos enunciados do discurso de auto-ajuda de que estamos tratando. Captando as condições genéricas dos provérbios, esses enunciados constituem um simulacro bem sucedido do gênero proverbial, o que lhes confere o mesmo crédito de que desfrutam os provérbios. Segundo Obelkevich (1997), os provérbios, do ponto de vista da significação, além do conteúdo que veiculam por meio dos signos lingüísticos que os compõem, também têm um sentido latente, pois enquanto meio de expressão eles também significam. A esse respeito, o autor afirma que os provérbios se têm alguma coisa em comum, isso não está no seu conteúdo manifesto, mas no latente – sua anonímia, impessoalidade, recurso à tradição e assim por diante; pelo menos nesse nível, o texto de cada provérbio traz em si um subtexto, e o próprio meio possui uma mensagem. (p.50; os grifos são nossos) E é esse significado latente que é captado pelos enunciados do discurso de auto-ajuda, o que lhes transforma de meros enunciados a “estratégias para situações, mas estratégias com autoridade”. Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 125 Por outro lado, podemos ir além dessa constatação. Levando em conta as características enunciativas dos provérbios discutidas por Obelkevich (1997), notamos que há uma grande similaridade entre eles e o próprio discurso de auto- ajuda, pois o que são ambos se não a manifestação de um saber que resulta num aconselhamento? Vejamos: embora alguns provérbios sejam injunções indiretas, ainda assim se trata de injunções e, nesse sentido, podemos caracterizá-los, assim como fizemos para o discurso de auto-ajuda, pelo traço “direcionamento”.8 Para esclarecemos esse ponto, remetemos a Obelkevich, segundo o qual, os provérbios são definidos especialmente pela sua função externa, ou seja, pelo seu papel didático de fornecer um aconselhamento, o que é exatamente o que faz o discurso de auto- ajuda. Esse discurso, por sua vez, assim como os provérbios, oferece sabedoria e aconselhamento de maneira rápida e incisiva. Logicamente, os provérbios, como são constituídos por um único enunciado, são muito mais incisivos, mas a auto- ajuda é um tipo de discurso que comporta o traço “direcionamento”, tendo em vista que se trata de um discurso voltado muito mais a dizer ao seu destinatário o que fazer ou que atitude tomar em relação a uma determinada situação do que a discutir os eventuais problemas de seus possíveis destinatários, fazendo um levantamento de suas causas, discutindo suas prováveis conseqüências, descrevendo suas condições de emergência, etc. Conforme constatamos, nada disso tem espaço no discurso de auto-ajuda, que se presta mais a aconselhar do que a filosofar. Desse modo, o próprio discurso de auto-ajuda pode ser considerado como um simulacro do gênero proverbial. O que parece distingui-los é que, no caso dos provérbios, as suas propriedades se encontram condensadas num único enunciado. Já no caso do discurso de auto-ajuda, temos as mesmas características numa escala maior. De uma forma ou outra, sempre se trata de apontar um caminho, o que é feito de uma forma segura e embalada em autoridade. Além disso, pela ótica de Obelkevich, não existe uma homogeneidade discursiva entre os provérbios, uma vez que muitos podem apontar diferentes direções (por exemplo, “Deus ajuda a quem cedo madruga” x “Quem espera sempre alcança”).9 A esse respeito, notamos que, dada a abrangência temática do discurso de auto-ajuda, nem sempre há consenso entre enunciados que pertencem a obras diferentes. Parece-nos que, como no caso dos provérbios, tais diferenças não são relevantes, porque, mesmo sustentando idéias mais ou menos distintas, os enunciados do discurso de auto-ajuda também são práticos e também se encaixam nos contextos a que são remetidos. Como os provérbios, 8 Uma discussão mais detalhada a esse respeito se encontra em Brunelli (2004). 9 Segundo Obelkevich, os pares de provérbios contraditórios não são antagônicos, visto que ambos são verda-Segundo Obelkevich, os pares de provérbios contraditórios não são antagônicos, visto que ambos são verda- deiros, embora apenas um será conveniente para uma situação específica. Desse modo, não faz sentido querer resgatar a coerência lógica dos provérbios, como se fossem textos filosóficos. Trata-se de manifestações orais, práticas e ad hoc. Assim, “a verdadeira importância dos provérbios contraditórios é que eles chamam a atenção para situações que provocam dificuldades, ou, ocasionalmente, para forças sociais em conflito” (1997, p.53). Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 126 eles destacam a existência de situações problemáticas, para as quais oferecem soluções. Por isso, podemos dizer que o traço “universalidade” é um dos que podem ser propostos para descrever não só os provérbios (tendo em vista a infinidade de situações em que podem ser empregados), como também o discurso de auto- ajuda. Em função da proximidade existente entre o discurso de auto-ajuda e os provérbios, chama-nos a atenção o fato de que a literatura de auto-ajuda tenha alcançado grande sucesso no mundo ocidental no final do século XX, justamente num momento em que, segundo Obelkevich (1997), os provérbios não desfrutam de muito crédito. Talvez os provérbios não estejam exatamente nessa situação. Ou, quem sabe, a auto-ajuda esteja ocupando uma lacuna aberta nas sociedades ocidentais pela provável redução do prestígio dos provérbios, o que faz se adequando às exigências impostas pelo individualismo moderno.10 Assim, o aconselhamento, como tantas outras coisas, passou a ser um produto comercializável, que vem agora com um revestimento adequado à situação, porque embora o conteúdo dos textos de auto-ajuda possa variar bastante (especialmente em função do tipo de tema que privilegiam; por exemplo, saúde, vendas, casamento, trabalho, etc.), todos trazem alguns pontos comuns: o tom extremamente otimista, uma supervalorização das potencialidades dos indivíduos, a focalização nas soluções a despeito da complexidade dos problemas, a promessa da realização dos sonhos, etc. Quer dizer, assim como os provérbios, trata-se de um aconselhamento, mas um aconselhamento bem ao gosto e, especialmente, às necessidades do individualismo moderno. Das funções dos provérbios, o discurso de auto-ajuda, talvez em função das necessidades do homem moderno, reforça especialmente o valor pragmático que eles têm. A esse respeito, até os provérbios fatalistas chamam os destinatários a uma ação que deve trazer resultados;11 nesse sentido, podemos dizer, há neles uma espécie de “esperança” subjacente. O discurso de auto-ajuda, como um simulacro de provérbios, amplia essa esperança para socorrer o seu destinatário, chamando-o a uma ação que deve resolver os seus problemas. Daí o tom otimista de enunciados como: “podemos criar Sucesso na nossa vida” (RIBEIRO, 1992, p.26), “você pode mudar sua vida” (p.56) ou “todo problema tem solução” (p.96). Sendo assim, vale dizer que o discurso de auto-ajuda, enquanto simulacro dos 10 No segundo capítulo de Brunelli (2004), investiga-se mais detalhadamente a relação entre o discurso de auto- ajuda e o individualismo moderno. 11 Segundo Obelkevich, o fatalismo dos provérbios é, por assim dizer, pragmático, tendo em vista que, quandoSegundo Obelkevich, o fatalismo dos provérbios é, por assim dizer, pragmático, tendo em vista que, quando ocorre, é uma espécie de reação a um mundo cruel e injusto, reação esta combinada com um “chamado à ação, na esfera imediata de cada indivíduo, na qual a ação traz resultados” ( p.55). Alfa, São Paulo, 50 (1): 113-128, 2006 127 provérbios, não é a cópia de um modelo original que estaria se perpetuando no tempo, mas a absorção de certas características que se adaptam às condições de emergência desse simulacro. Ou, dito de um modo que parafraseia Maingueneau (1989, p.120): quando uma formação discursiva faz penetrar seu Outro constitutivo em seu próprio interior, ela “traduz” esse Outro, isto é, interpreta-o por meio de suas próprias categorias. Constatamos, então, que o Outro não é exatamente um produto pronto e acabado, que o discurso apenas reproduz: é matéria-prima a partir da qual o discurso se constitui num trabalho que desfaz a nitidez das fronteiras entre a identidade e a alteridade. BRUNELLI, A. F. Self-help counseling: a case of reproduction of the proverbial genre. Alfa, São Paulo, v.50, n.1, p.113-128, 2006. • ABSTRACT: In this paper, based on French Discourse Analysis, following the theory developed by Maingueneau, we investigate the relations between self-help counseling discourse and proverbs. The analysis reveals that the self-help counseling discourse reproduces some char- acteristics of the proverbial genre. • KEYWORDS: French discourse analysis; self-help counseling discourse; proverbs. Referências bibliográficas BRUNELLI, A. F. O sucesso está em suas mãos: análise do discurso de auto-ajuda. 2004. 149f. Tese (Doutorado em Lingüística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. FIORIN, J. L. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Ática, 1996. GREIMAS, A.J. Les proverbes et les dictons. In: ______. Dus sens. Paris: Seuil, 1970. GRÉSILLION, A.; MAINGUENEAU, D. Polyphonie, proverbe et détournement. Langages, n.73, p.112-125, 1984. ILARI, R. et al. Os pronomes pessoais do português falado: roteiro para análise.Os pronomes pessoais do português falado: roteiro para análise. In: CASTILHO, A. T.; BASILIO, M. (Org.) Gramática do português falado: estudos descritivos. 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