UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara CONCORDÂNCIA VERBAL E VARIAÇÃO: UMA FOTOGRAFIA SOCIOLINGÜÍSTICA DA CIDADE DE SÃO CARLOS ALEXANDRE MONTE Araraquara – SP 2007 ALEXANDRE MONTE CONCORDÂNCIA VERBAL E VARIAÇÃO: UMA FOTOGRAFIA SOCIOLINGÜÍSTICA DA CIDADE DE SÃO CARLOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Lingüística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Lingüística e Língua Portuguesa. Orientadora: Profa. Dra. Rosane de Andrade Berlinck ARARAQUARA 2007 Monte, Alexandre Concordância verbal e variação: uma fotografia sociolingüística da cidade de São Carlos / Alexandre Monte – Araraquara: UNESP, 2007. 118 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Lingüística e Língua Portuguesa) – Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara, Universidade Estadual Paulista, 2007. Orientadora: Profa. Dra. Rosane de Andrade Berlinck 1. Lingüística. 2. Língua Portuguesa. 3. Língua Portuguesa – Concordância. 4. Sociolingüística. 5. São Carlos (SP). I. Título. ALEXANDRE MONTE CONCORDÂNCIA VERBAL E VARIAÇÃO: UMA FOTOGRAFIA SOCIOLINGÜÍSTICA DA CIDADE DE SÃO CARLOS BANCA EXAMINADORA ___________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Rosane de Andrade Berlinck UNESP – Araraquara ________________________________________ Profa. Dra. Maria Marta Pereira Scherre UnB – Brasília UFRJ – Rio de Janeiro ________________________________________ Profa. Dra. Marymarcia Guedes UNESP – Araraquara Araraquara, 12 de abril de 2007 Aos meus pais, Ana Maria e Antonio, pelo amor incondicional e por me ensinarem, sempre, a dar valor aos estudos. Esta é uma conquista nossa! Aos meus sobrinhos, Juninho e Giovanna, com todo meu amor. Aos meus avós, pelo exemplo de vida. AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus, amigo f iel em todos os momentos. À minha grande famíl ia, em especial à minha mãe e ao meu pai, pelo apoio e incentivo constante, pela dedicação e pelas orações. Amo muito todos vocês. À professora, pesquisadora e orientadora Rosane de Andrade Berl inck, de modo todo especial, por ter sido tão dedicada, atenciosa, paciente e, acima de tudo, competente. O seu envolvimento com os estudos l ingüíst icos, com paixão e seriedade, desperta, em todos que a conhecem, sentimentos de admiração e respeito. Obrigado por tudo. A você, devo esta conquista acadêmica. À Profa. Dra. Marta Scherre, à Profa. Dra. Marymarcia Guedes e à Profa. Dra. Beatriz Nunes de Oliveira Longo, pela leitura atenta do trabalho e pelas valiosas sugestões. Ao meu irmão Fabio e à minha cunhada Vanessa, por fazerem parte da minha história. Ao meu irmão Rodrigo e à minha cunhada Antonise, por me presentearem com dois sobrinhos maravilhosos, o Juninho e a Giovanna. Aos meus amigos – Osmair, Nalva e Rosemary (Rosinha) – que parti lharam comigo as minhas angústias e sempre me apoiaram nos momentos dif íceis. Obrigado pela amizade, pelo amor e pela dedicação. À Rosinha, a bibliotecária mais generosa deste universo, também pela disponibi l idade em organizar comigo as referências. Aos amigos que conheci na escola Deriggi, por todos os momentos de descontração. Aos colegas do Programa de Pós-Graduação e a todos os integrantes do NEVAR da UNESP de Araraquara – Núcleo de Estudos sobre Variação Lingüística – coordenado pela Profa. Dra. Rosane de Andrade Berl inck, pela troca de conhecimentos e pelas discussões estimulantes. À Zelma (Zelmita), pela generosidade e por sua alegria contagiante. Aos funcionários da Seção de Pós-Graduação, principalmente à Diana e à Rita, pelo trabalho competente. À Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, pelo incentivo. Em especial à Maria Tereza de Castro Pirágine Fiorell i (Terê), Dirigente Regional de Ensino da Diretoria de Jaú, pela total compreensão. A você, minha eterna gratidão! À Maude, à Regina Bauer e à Silvana Salmazo, funcionárias da Diretoria de Ensino de Jaú, e à Maria Eliza, Supervisora de Ensino, por todo o carinho e apoio. À Débora Gonzalez Costa Blanco, Dir igente Regional de Ensino da Diretoria de São Carlos, e aos Supervisores de Ensino, por acreditarem no meu trabalho. Aos meus informantes, que me receberam gentilmente e me deram a oportunidade de conhecer um pouco das suas vidas. Agradeço a disponibi l idade, generosidade e por terem me ensinado tanto. Sem eles, esta pesquisa não exist ir ia. São pessoas especiais que sonham em viver num mundo melhor, mais justo, sem preconceitos e discriminação. Estamos juntos nesta luta! “Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: “Não há mais que ver”, sabia que não era assim. O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.” José Saramago MONTE, Alexandre. Concordância verbal e variação: uma fotograf ia sociolingüística da cidade de São Carlos. 2007. Dissertação (Mestrado em Lingüíst ica e Língua Portuguesa) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara. RESUMO Pesquisas sobre concordância verbal de terceira pessoa do plural no português brasi leiro têm mostrado que esse fenômeno constitui uma variável l ingüíst ica que abrange duas variantes: a presença ou a ausência de marca formal de plural no verbo. A presente pesquisa também analisa esse fenômeno variável part indo da relação sujeito / verbo, objetivando compreender os fatores lingüísticos e sociais que condicionam / determinam a variação lingüíst ica no âmbito da concordância verbal. Dessa forma, adotamos os pressupostos teórico- metodológicos da "Teoria da Variação e Mudança Lingüíst ica" ou "Sociol ingüíst ica Quantitativa". Os dados foram obtidos de uma amostra de l íngua falada de uma comunidade periférica da cidade de São Carlos, local izada no interior do Estado de São Paulo. A amostra uti l izada é constituída de 20 entrevistas entre informante e documentador. Do total de 1.000 ocorrências de terceira pessoa do plural estudadas no nosso corpus, 753 (75%) não trazem a marca formal de plural nos verbos, sendo que apenas 247 (25%) apresentam a marca formal de plural. Apesar de predominar a não-concordância, os resultados evidenciam que estamos diante de um caso de variação. Dentre os fatores l ingüíst icos atuantes, destacamos a saliência fônica verbal , o paralel ismo formal e a presença/ausência do pronome ‘que’ relat ivo . Já, dentre os fatores sociais, a escolaridade se mostrou a variável mais relevante. Palavras-chave: Concordância verbal. Português brasi leiro. Sociol ingüíst ica. Variação l ingüíst ica. Língua falada. MONTE, Alexandre. Subject/verb agreement and variation: a sociolinguist ic picture of São Carlos city. 2007. Thesis (Master degree in Linguist ics and the Portuguese Language) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, São Paulo, Brazi l. ABSTRACT Research regarding subject/verb agreement in the third person plural in Brazil ian Portuguese has shown that this phenomenon constitutes a l inguist ic variable that encompasses two variants: the presence or absence of the plural desinence in the verb. The present research also analyses this variable phenomenon from the relation subject/verb, aiming to understand the l inguist ic and social factors that condit ion / determine such subject/verb agreement l inguistic variation. Thus, we have adopted the theoretical/methodological framework cal led “Linguist ic Variat ion and Change Theory" or "Quantitative Sociol inguistics”. The data was obtained from a sample of spoken language in a suburban community in the city of São Carlos, located in the interior of São Paulo State. The sample used contains 20 interviews between the “informer/ interviewee” and the “interviewer/researcher”. From a total of 1,000 occurrences of the third person plural studied in this corpus, 753 (75%) do not use the plural desinence in the verbs, with only 247 (25%) presenting it . Despite the predominant non- agreement, the results clearly show that this is a variat ion case. Among the prevail ing linguist ic factors, we can highlight the phonetic salience of the verb , the formal parallelism and the presence/absence of the relat ive pronoun ‘que’ (that/who /which). Among the social factors, schooling was found to be the most relevant variable. Keywords: Subject/verb agreement. Brazi l ian Portuguese. Sociol inguistics. Linguistic variat ion. Spoken language. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................11 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................15 2.1 Teoria da variação e mudança.............................................................................15 2.2 Contribuições da Sociolingüística.........................................................................21 3 O UNIVERSO DESTE ESTUDO............................................................................26 3.1 O quadro social e geográfico do estudo..........................................................26 3.1.1 Considerações sobre a cidade de São Carlos..................................................27 3.1.2 Considerações sobre a comunidade estudada.................................................29 3.1.3 Educação de Jovens e Adultos no Brasil (um pouco de história).....................33 3.2 Procedimentos metodológicos da pesquisa...................................................36 3.2.1 O corpus sob análise.........................................................................................36 3.2.2 A coleta dos dados............................................................................................38 3.2.3 A seleção dos dados.........................................................................................44 3.2.4 Critérios de exclusão.........................................................................................47 3.2.5 Grupos de fatores..............................................................................................52 3.2.5.1 Grupos de fatores lingüísticos........................................................................53 3.2.5.2 Grupos de fatores sociais...............................................................................62 4 ANÁLISE DOS DADOS: APRESENTANDO E DISCUTINDO OS RESULTADOS.......................................................................................................67 4.1 Notas introdutórias...............................................................................................67 4.2 Apresentação do resultado geral..........................................................................68 4.2.1 Grau de saliência fônica da oposição entre as formas verbais do singular e do plural.........................................................................................................69 4.2.2 Paralelismo formal no nível oracional................................................................73 4.2.3 Presença/ausência do sujeito pronominal.........................................................77 4.2.4 Presença/ausência do que relativo enquanto elemento interveniente entre o sujeito e o verbo...................................................................................81 4.2.5 Posição e distância do sujeito em relação ao verbo.........................................86 4.2.6 Distância entre o sujeito e o verbo em número de sílabas...............................92 4.2.7 Gênero...............................................................................................................95 4.2.8 Escolaridade......................................................................................................96 4.2.9 Procedência.....................................................................................................105 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................107 6 REFERÊNCIAS....................................................................................................113 11 1 INTRODUÇÃO Sabendo que é na l íngua efetivamente uti l izada por falantes brasi leiros que podemos buscar os elementos identif icadores das variedades do português do Brasil, estudaremos, nesta pesquisa, o fenômeno da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português popular. Os exemplos (1-4) i lustram a realização variável da concordância, foco do presente estudo: (1) os menino qué coisa boa viu? (FNI)1 (2) eles não querem respeitá o nossos direito... (FEP) (3) eles foi buscá a gente lá... (MNC) (4) aí:: ... eles foru a gente f icô né?... (MEA) Escolhemos a concordância verbal por ser um fenômeno variável que atrai muito a atenção social e, conseqüentemente, é um dos tópicos gramaticais que os professores de Língua Portuguesa, de um modo geral, mais se empenham em corrigir nos seus alunos. Do ponto de vista exclusivamente lingüíst ico, não há diferença de signif icado entre as formas singulares e plurais dos verbos i lustrados acima. Mas, de acordo com Faraco (2003), esse é um dos pontos mais complexos da nossa relação com as variedades da nossa língua. E isso porque essa diferença lingüíst ica (muito mais do que geográf ica) se transformou – num país socialmente tão desigual como o nosso – num pesado fator de discriminação. Esse fenômeno começou a ser estudado no Brasil na década de setenta por Anthony Naro e Miriam Lemle e, desde então, vários trabalhos sobre a variação na concordância verbal já foram realizados em diversas regiões de nosso país. Em todos os trabalhos analisados pudemos constatar que é possível correlacionar a aplicação variável de concordância entre 1 A codif icação que segue os exemplos indica as seguintes informações sobre o informante: a pr imeira le tra refere-se ao sexo (F – femin ino ou M – mascul ino) ; a segunda à escolar idade (N – não-alfabet izado ou E – EJA ) e a ú lt ima ao nome. 12 sujeito e verbo tanto a fatores internos (l ingüísticos), como a fatores externos (sociais). Estamos seguros de que a concordância verbal é um fenômeno lingüístico que não pode ser analisado apenas em termos de suas relações internas na gramática, mas deve ser visto como parte de um contexto sociocultural mais amplo, no qual ele ocorre. Considerando que a Sociolingüística é uma das sub-áreas da Lingüística que estuda a l íngua em uso no seio das comunidades de fala, correlacionando aspectos dos sistemas l ingüíst icos e aspectos dos sistemas sociais, podemos af irmar que nosso estudo sobre a concordância verbal consti tui uma pesquisa que se inscreve de forma geral dentro da perspectiva teórica denominada “Teoria da Variação e Mudança Lingüística” ou “Sociol ingüística Quantitat iva” (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1994, 2001). Sendo a fala corrente, do dia-a-dia, a melhor fonte para o estudo da variação, nosso corpus foi const ituído a part ir de uma amostra de 20 entrevistas entre informante e documentador numa comunidade periférica da cidade de São Carlos no interior do Estado de São Paulo. São cinco homens e cinco mulheres que estavam terminando o ensino fundamental na Educação de Jovens e Adultos2 e cinco homens e cinco mulheres não alfabetizados. Todos adultos entre 20 e 40 anos. Um dos interesses deste trabalho é verif icar em que medida ocorreram mudanças na l inguagem oral de indivíduos que freqüentaram a escola até a últ ima série do ensino fundamental, não se esquecendo que parte dessa escolaridade se deu no ensino supletivo. Sabemos que interpretar e produzir textos, tanto na modalidade oral como na modalidade escrita, constituem os dois objetivos maiores do ensino de português. Apesar da relevância desses objetivos, caberia ao professor real izar uma outra tarefa: a de levar os alunos a adquir irem as regras que são próprias à variedade de prestígio. Pode- se dizer, no entanto, que o maior ou menor sucesso do professor de l íngua portuguesa em relação ao ensino-aprendizagem da variedade de prestígio encontra-se na dependência do desempenho lingüíst ico dos 2 A denominação “Educação de Jovens e Adul tos” subst i tu i o termo ens ino suplet ivo. Expl icaremos melhor essa questão na segunda seção. 13 falantes. Nesse sentido, o trabalho do professor de português será maior quanto maior for a distância entre a modalidade oral e a modalidade escrita de seus alunos. Sendo assim, além de compreender os fatores lingüísticos e sociais que condicionam / determinam a variação lingüística no âmbito da concordância verbal, temos como objetivo, também, fornecer suporte teórico e prático aos professores da EJA (Educação de Jovens e Adultos), principalmente os que trabalham nessa comunidade. Esses professores, muitas vezes carentes de informações sobre a realidade oral do português do Brasi l, se vêem com dif iculdades para a elaboração de material adequado aos seus alunos. Com isso, esperamos que esta pesquisa ultrapasse as paredes da inst ituição acadêmica e chegue até as mãos de professores e demais prof issionais em exercício nas escolas. Um dos fatos fundamentais a respeito das l ínguas vivas é que elas estão sempre mudando. Para uma língua viva, é absolutamente impossível evitar a mudança. É importante enfatizar que não estamos trabalhando com mudança lingüística, e sim com variação, mas por meio do estudo da concordância verbal, enquanto exemplo de variável l ingüística , talvez seja possível captar alguns fatores que atuam no processo da mudança, além de revelar os caminhos pelos quais uma mudança se difunde. O trabalho apresenta-se dividido em três seções. Na primeira, expomos a fundamentação teórica. Destacamos a grande contribuição que os estudos sociolingüísticos podem oferecer às questões pedagógicas. Na segunda seção apresentamos o universo de nossa pesquisa: em que contexto social e geográf ico foi estudado o fenômeno variável e quais foram os procedimentos metodológicos adotados para que a invest igação fosse desenvolvida. É nessa seção que esclarecemos como foi a coleta e a seleção dos dados e apresentamos todos os grupos de fatores: l ingüíst icos e sociais. 14 Por f im, na últ ima seção, realizamos a análise dos dados, apresentando e discutindo os resultados. Na seqüência, apresentamos as considerações f inais a que se chega com esta investigação. Não podemos deixar de ressaltar que se trata da primeira fotograf ia sociol ingüística da cidade de São Carlos. Sabemos que não é uma grande fotograf ia, no máximo “10x15”, ou seja, abarca uma pequena parcela da cidade, de um de seus aspectos, pois, como veremos, não representa todo o município. Mas não se pode negar a importância de descrever os fenômenos comprovadamente variáveis do português do Brasil no maior número e diversidade de comunidades. Esperamos que a realização desta pesquisa contribua para uma melhor caracterização e compreensão do fenômeno de concordância verbal de terceira pessoa do plural no português do Brasi l, juntamente com os demais trabalhos que já compõem um conjunto referencial sobre o tema. 15 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA The existence of variat ion and heterogeneous structures in the speech communit ies invest igated is certainly wel l-establ ished in fact. I t is the existence of any other type of speech community that may be placed in doubt. (LABOV, 1972, p. 203)3. 2.1 Teoria da variação e mudança Dois dos principais modelos teóricos da Lingüíst ica contemporânea, a Gramática Gerat iva e a Sociol ingüíst ica, surgem no f inal da década de 50 e no início da década de 60, respectivamente, em contraposição ao modelo teórico então hegemônico na Lingüíst ica até meados de 1950: o Estruturalismo. Nosso estudo está sendo realizado com base nos princípios teóricos da “Teoria da Variação e Mudança Lingüíst ica” (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1994, 2001). Para esse modelo, a natureza variável da l íngua é um pressuposto fundamental, que orienta e sustenta a observação, a descrição e a interpretação do comportamento l ingüíst ico. A concepção de língua como um sistema heterogêneo consti tui o ponto crucial da ruptura epistemológica que a Teoria da Variação e Mudança Lingüística opera em relação ao modelo estrutural ista, como vem expresso em seu texto fundador: Muito antes de se poder esboçar teor ias predit ivas da mudança l ingüíst ica, será necessário aprender a ver a l íngua – seja de um ponto de vista diacrônico ou sincrônico – como um objeto constituído de heterogeneidade ordenada. Os fatos da heterogeneidade, até agora, não se harmonizaram bem com a abordagem estrutural da l íngua. (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 2006, p.35). Segundo Paiva e Duarte (2006), o ponto de ruptura estabelecido por Weinreich, Labov e Herzog, em relação aos modelos dialetológicos 3 “A ex istência de var iação e estruturas heterogêneas nas comunidades l ingüíst icas invest igadas é uma real idade bem estabelec ida. É a exis tênc ia de outro t ipo de comunidade l ingüíst ica que pode ser colocada em dúvida.” (LABOV, 1972, p. 203, tradução nossa). 16 anteriores e aos modelos estrutural istas vigentes na época, está na concepção de língua como um sistema heterogêneo ordenado, condição sine qua non para o estudo da mudança l ingüística. A análise da variação é pert inente, na medida em que esta é interpretada como uma condição indispensável para entender a mudança l ingüíst ica. Weinreich, Labov e Herzog, no f inal do texto Empirical Foundations for a Theory of Language Change , de 1968, explicitam algumas coordenadas teóricas sobre a natureza da mudança lingüística que podem ser tomadas como centrais para sua proposta: 1.A mudança l ingüíst ica não deve ser identif icada com deriva aleatória procedente da variação inerente na fala. A mudança l ingüíst ica começa quando a general ização de uma alternância part icular num dado subgrupo da comunidade de fala toma uma direção e assume o caráter de uma diferenciação ordenada. 2.A associação entre estrutura e homogeneidade é uma i lusão. A estrutura l ingüíst ica inclui a diferenciação ordenada dos falantes e dos est i los através de regras que governam a variação na comunidade de fala; o domínio do falante nativo sobre a l íngua inclui o controle destas estruturas heterogêneas. 3.Nem toda variabil idade e heterogeneidade na estrutura l ingüíst ica impl ica mudança; mas toda mudança implica var iabi l idade e heterogeneidade. 4.A generalização da mudança l ingüíst ica através da estrutura l ingüíst ica não é uniforme nem instantânea; ela envolve a covariação de mudanças associadas durante substanciais períodos de tempo, e está ref let ida na difusão de isoglossas por áreas do espaço geográf ico. 5.As gramáticas em que ocorre a mudança l ingüíst ica são gramáticas da comunidade de fala. Como as estruturas var iáveis contidas na l íngua são determinadas por funções sociais, os idioletos não oferecem a base para gramáticas autônomas ou internamente consistentes. 6.A mudança l ingüíst ica é transmit ida dentro da comunidade como um todo; não está conf inada a etapas discretas dentro da família. Quaisquer descontinuidades encontradas na mudança l ingüíst ica são os produtos de descontinuidades específ icas dentro da comunidade, mais do que os produtos inevitáveis do lapso geracional entre pais e f i lhos. 7.Fatores l ingüíst icos e sociais estão int imamente inter-relacionados no desenvolvimento da mudança l ingüíst ica. Expl icações conf inadas a um ou outro 17 aspecto, não importa quão bem construídas, falharão em explicar o r ico volume de regular idades que pode ser observado nos estudos empír icos do comportamento l ingüíst ico. (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 2006, p. 125-126). Para Lucchesi (2004), os princípios empíricos do texto permitem- nos resolver a oposição paradoxal entre estrutura e mudança. A mudança lingüística não é vista como exterior ao sistema, mas parte integrante do seu caráter normalmente heterogêneo. Como se pode observar, a variação é sistemática, não-aleatória e constitui uma característica intrínseca da língua e fonte da mudança. Os estudos realizados por Labov têm como principal característica a análise de discursos concretos, objetivando descrever a gramática efetiva de uma determinada comunidade lingüística, bem como depreender as relações entre padrões l ingüíst icos e sociais. Para Labov (1972), o termo “sociol ingüíst ica” é redundante, uma vez que não se pode conceber uma lingüística que não seja social: This type of research has somet imes been label led as “sociol inguist ics” , although it is a somewhat misleading use of an oddly redundant term. Language is a form of social behavior.. . (p. 183)4. A Sociolingüística atua nas fronteiras entre l íngua e sociedade, focalizando os empregos concretos da l íngua. Os fenômenos de variação l ingüíst ica são condicionados, não só por fatores internos à estrutura lingüística, mas também por fatores extral ingüíst icos, de natureza social, l igados ao próprio falante e à situação em que a comunicação se processa. Em qualquer comunidade de fala, independentemente de seu tamanho, há uma variação considerável entre os indivíduos: as mulheres não falam como os homens, os avós falam de modo diferente dos f i lhos e dos netos, e assim por diante. Além disso, mesmo os indivíduos considerados em sua singularidade não estão limitados a uma única variedade da língua. Sabemos que a rede social de um 4 “Este t ipo de pesquisa tem sido às vezes rotu lado como “soc iol ingüís t ica” , embora se trate de um uso de a lgum modo equivocado de um termo estranhamente redundante. A l inguagem é uma forma de comportamento socia l. . . ” (LABOV, 1972, p. 183, tradução nossa). 18 indivíduo, const ituída pelas pessoas com quem esse indivíduo interage nos diversos domínios sociais, também é um fator determinante das características de seu repertório sociol ingüíst ico. Assim, os falantes adquirem as variedades lingüísticas próprias à sua região, à sua classe social, etc. De uma perspectiva geral, podemos descrever as variedades lingüísticas a part ir de dois parâmetros extralingüísticos básicos: a variação geográf ica (ou diatópica) e a variação social (ou diastrática). A variação geográf ica ou diatópica está relacionada às diferenças lingüísticas distribuídas no espaço físico, observáveis entre falantes de origens geográf icas dist intas. A variação social ou diastrática, por sua vez, relaciona-se a um conjunto de fatores que têm a ver com a identidade dos falantes e também com a organização sociocultural da comunidade lingüística. Dos possíveis fatores externos (extralingüíst icos) pert inentes ao estudo da variação, os que mais têm sido discut idos são o est ilo de fala, o gênero, a idade, a escolaridade, a prof issão, a classe social, a região ou zona de residência e a origem do falante. Incorporando a variação na descrição e na teoria l ingüísticas, Labov (1972) introduz alguns conceitos teórico-metodológicos de extrema importância para nossa pesquisa. Segundo o autor, todo sistema lingüístico é dotado de um conjunto de regras que não podem ser violadas, sob pena de dif icultar ou mesmo inviabi l izar a compreensão dos enunciados. A esse conjunto de leis internas se costuma dar o nome de regras categóricas (i.e. regras l ingüíst icas que sempre se aplicam). Mas, além das regras categóricas, existem em abundância as regras variáveis – conceito que é uti l izado para substituir a noção de regra opcional do Estruturalismo, na medida em que não pressupõe variação l ivre, mas, sim, sistemática. Segundo Monteiro (2000), as primeiras intenções de se delimitar o campo da sociolingüíst ica foram infrutíferas, pois nem mesmo Bright (1966) e Fishman (1972), que foram os pioneiros, conseguiram defini- la com precisão. Mas, a respeito da variação livre, Fischer e Bright comparti lham as mesmas concepções de Labov: 19 “Variação l ivre” é naturalmente uma denominação e não uma explanação, pois não nos mostra a or igem das var iantes e nem porque os falantes as usam em proporções divergentes. A variação l ivre é, antes, um meio de se excluir tais questões da esfera da pesquisa imediata. (FISCHER, 1974). . . . os sociolingüistas rompem incisivamente com uma tendência l ingüíst ica: a de tratar as l ínguas como sendo completamente uniformes, homogêneas ou monolít icas em sua estrutura; sob este ponto de vista, que vem sendo reconhecido atualmente como pernicioso, as diferenças encontradas nos hábitos de fala de uma comunidade eram encobertas como “var iação l ivre”. Uma das maiores tarefas da sociol ingüíst ica é demonstrar que na verdade tal var iação ou diversidade não é “ l ivre”, mas correlacionada a diferenças sociais s istemát icas. (BRIGHT, 1974). As formas lingüísticas em variação em uma determinada comunidade de fala são denominadas variantes l ingüíst icas. Estas são definidas como formas alternativas de se dizer a mesma coisa, em um mesmo contexto. Embora sejam idênticas em seu valor referencial, as variantes podem opor-se quanto ao seu signif icado social e/ou esti l íst ico. Ao conjunto de variantes dá-se o nome de variável l ingüística . Assim, a concordância verbal no português do Brasi l constitui precisamente uma regra variável, ou uma variável l ingüíst ica que abrange duas variantes: a presença ou a ausência de concordância. Como podemos perceber, a sociol ingüística não aceita a visão da variabil idade como um fato aleatório e insiste na necessidade de um controle sistemático e empírico dos fatores estruturais (internos) e sociais que motivam o uso de uma ou outra variante. De acordo com Neves (2001), um dos dois grandes marcos de alteração da história da consideração da gramática (e, por extensão, da norma), no Ocidente, l igado ao desenvolvimento da ciência l ingüística, foi o aparecimento dos estudos variacionistas (sociol ingüíst ica), que passaram a vincular padrões a usos , usos a registros , registros a eficácia , com isso obtendo reverter a avaliação, no campo da atuação lingüística, de diferença , como possível 20 deficiência , para diferença , como garantia de eficiência de comunicação. Tal como não se pode falar de “inferioridade” ou “superioridade” entre l ínguas, mas apenas de diferenças, não se pode falar de inferioridade ou superioridade entre as variedades geográf icas ou sociais. Como ocorre em relação às l ínguas, cada variedade é adequada às necessidades e características do grupo a que pertence o falante, ou à situação em que a fala ocorre: todas elas são, pois, igualmente vál idas como instrumentos de comunicação; também não há nenhuma evidência l ingüíst ica que permita af irmar que uma variedade é mais “lógica” que qualquer outra. São sistemas lingüíst icos igualmente complexos, lógicos, estruturados. A homogeneidade lingüíst ica é um mito, que pode ter conseqüências graves na vida social. Pensar que a diferença lingüística é um mal a ser erradicado justif ica a prática da exclusão. É importante enfatizar que, do ponto de vista da qual idade lingüística, todas as variedades se equivalem: l ingüist icamente não há uma variedade melhor, mais bonita, mais correta do que a outra. No entanto, algumas vezes acontece que a diferença se transforma em discriminação e as pessoas que não falam de acordo com a variedade padrão passam a ser alvo de pesados preconceitos sociais. É claro que os primeiros lingüistas perceberam essa variação, mas eles se inclinaram a desqualif icá-la, por entender que se tratava de um fato marginal e sem conseqüências, ou mesmo como um estorvo atravessado no caminho das boas descrições. Hoje, de acordo com Trask (2006), “reconhecemos que a variação é uma parte integrante e essencial da l íngua, e que a ausência de variação é quase patológica”. 21 2.2 Contribuições da Sociolingüística Evidentemente, o reconhecimento do PB como heterogêneo, uma conjunção de falares social e geograf icamente diferenciados, antecede e em muito estudos baseados nos postulados de WLH. A inovação possibi l i tada pelos autores está exatamente no termo “ordenada”, que permite atr ibuir à variação um caráter s istemático e controlado que até então lhe fora negado. Cabe ao l ingüista entender, descrever e expl icar essa sistemat ic idade, depreender os padrões que a governam. (PAIVA e DUARTE, 2006, p.133)5. No Brasil , vivemos em uma área total de 8.511.965 Km2 e somos uma população de aproximadamente 180 milhões de habitantes, o que torna a diversidade lingüística inevitável. Al iás, num território bem menor seria inevitável, pois o princípio da heterogeneidade pode ser constatado em todos os níveis l ingüíst icos em todas as l ínguas naturais. Sendo assim, cabe perguntar qual é o papel da Sociol ingüíst ica em nosso país, tendo em vista sua especif icidade, que é estudar as relações existentes entre sociedade e l íngua, bem como as inf luências que aquela exerce sobre esta. De acordo com I lari e Basso (2006), a variação existe, quer gostemos disso, quer não. Mas há muita gente para quem esse fato é um problema: essas pessoas se sensibil izam com a variação diastrát ica e tendem a achar que falar uma variedade diferente da variedade padrão é um problema sério para a sociedade e para quem o faz. Sempre que isso acontece, a l íngua torna-se um veículo de preconceitos e exclusões, uma função na qual, infelizmente, pode ser extremamente ef icaz. Os estudos sociol ingüíst icos têm mostrado que a variação não é de maneira alguma aleatória. Ao contrário, é altamente estruturada. A abordagem quantitat iva revolucionou o estudo da língua, demonstrando que o comportamento l ingüíst ico é ainda mais fortemente estruturado do que se havia suspeitado anteriormente. 5 A s ig la PB se refere ao Português do Bras i l e WLH são as in ic ia is dos pesquisadores Weinre ich, Labov e Herzog. 22 Dessa forma, esses estudos podem contribuir no combate ao preconceito l ingüístico tão arraigado na nossa sociedade. No ensino tradicional de Língua Portuguesa, elegem-se o correto e o incorreto como critério único no tratamento da variação, o que, longe de ter qualquer respaldo em fenômenos intrinsecamente lingüísticos, encontra just if icativa em determinações de natureza social. Como, em geral, a variedade padrão é imposta como referencial exclusivo para todas as circunstâncias de interação, negligenciam-se as experiências culturais vivenciadas especialmente pelo aluno provindo de camadas marginalizadas. De um ângulo estr itamente lingüístico, cria-se uma espécie de conflito entre a l íngua de fato ensinada na escola, como referencial exclusivo, a variedade padrão, e a variedade que o aprendiz domina, de acordo com sua origem sociocultural. De acordo com Mattos e Silva (2004), se o professor t iver uma formação sociolingüíst ica adequada, o que acontecerá com uma minoria, terá de trabalhar, por exemplo, com a variação da sintaxe nas suas aulas e saber, na maioria das vezes de maneira intuit iva e tentativa, já que não há materiais prontos para isso, def inir o que será o uso lingüíst ico socialmente aceitável para que seus alunos não fracassem no curso de sua futura vida prof issional em nossa sociedade. Assim, entre as variantes sintát icas em convívio nas falas brasi leiras, o professor terá de dist inguir, pelo menos, as estruturalmente mais salientes e socialmente mais estigmatizadas, para, sem desprestigiar as segundas, selecionar ambas, a f im de treinar o uso formal falado e os usos escritos de seus alunos. Nessa perspectiva, o ensino da variedade padrão continua a ser um dever da escola e um direito do aluno, mas não precisa ser necessariamente substitut ivo e, por isso, não implica a erradicação das variedades não-padrão, como af irma Camacho: 23 As formas alternat ivas de expressão podem conviver harmoniosamente na sala de aula; cabe ao professor o bom senso de discr iminá- las adequadamente, fornecendo ao aluno as chaves para ele perceber as diferenças de valor social entre as var iedades que lhe permitam depois selecionar a mais adequada, conforme as exigências das circunstâncias da interação. O sistema escolar tem um papel polít ico relevante a desempenhar que é o de estender às camadas marginalizadas o acesso a todos os bens simból icos, dentre os quais se inclui indubitavelmente o acesso à variedade padrão. (CAMACHO, 2004, p. 59). Aí está a grande contribuição que os estudos sociol ingüíst icos sobre o português brasi leiro poderão dar para uma efetiva “virada” no ensino da Língua Portuguesa no Brasi l . Labov, no artigo “Stages in the Acquisit ion of Standart English” de 1965, comenta algumas diretr izes para a pesquisa sobre os problemas da escola e conclui que, em muitos dos problemas, os esforços conjuntos de l ingüistas, cient istas sociais e educadores se farão necessários. Para o autor, o método tradicional tem sido registrar os “erros” que os alunos fazem na sala de aula e, evidentemente, isto é importante e deve ser feito. De acordo com suas idéias, os professores em toda e qualquer parte do sistema escolar podem ajudar o l ingüista, fornecendo-lhe uma tabela quantitativa dos “erros” gramaticais e lexicais que os alunos fazem no trabalho escrito ou oral. Para interpretar tais “erros”, certamente é necessário real izar uma descrição exata da forma da língua padrão, e também mostrar que os desvios não são considerados erros, e sim tolerados como variação aceitável. Em outro estudo, “Language in the Inner City”, de 1972 (apud SOARES, 2004), Labov mostra que o fracasso escolar de pessoas desfavorecidas economicamente não resultava de deficiência l ingüística trazida de seu grupo social, como se acreditava, e sim por dif iculdades da própria inst ituição escolar em l idar com as diferenças lingüísticas, priorizando apenas as formas consideradas padrão, dominadas pelas crianças de classes favorecidas. Labov rejeita completamente o conceito de “def iciência l ingüística”, que considera um “mito” sem nenhuma base na real idade social. Segundo o autor, a 24 afirmação de que as crianças dos guetos vivem num contexto de “privação lingüística”, onde recebem pouca estimulação verbal, ouvem uma linguagem mal-estruturada e, por isso, tornam-se lingüisticamente deficientes, é inteiramente falsa. Soares (2005) discute a decisiva contribuição de Labov na desmistif icação da deficiência l ingüística mostrando que: É ao sociol ingüista norte-americano Wil l iam Labov que se deve a mais poderosa e fundamentada contestação da teor ia da def iciência l ingüíst ica e a mais decis iva comprovação de que diferença não é defic iência . (SOARES, 2005, p. 43). Além da contribuição para o ensino, outras tarefas cabem à Sociol ingüíst ica. No estudo int itulado “Brasi leiro fala português: monolingüismo e preconceito l ingüístico”, Oliveira (2002) af irma que, no nosso caso, produziu-se o conhecimento de que no Brasi l se fala o português, e o desconhecimento de que muitas outras l ínguas foram e são igualmente faladas. Para compreendermos a questão, é preciso citar alguns dados: no Brasi l de hoje, além do Português, são falados por volta de 200 idiomas. As nações indígenas do país falam cerca de 170 línguas, e as comunidades de descendentes de imigrantes outras 30 línguas. Somos, portanto, como a maioria dos países do mundo – em 94% dos países do mundo é falada mais de uma língua – um país de muitas l ínguas, pluril íngüe. Hamel (2003, apud OLIVEIRA, 2003) af irma que um enfoque amplo e interdisciplinar da polít ica da linguagem poderia se enriquecer com um conjunto de estudos provenientes da Sociolingüística , da Análise do Discurso, da Antropologia e da Sociologia, para compreender melhor como a polít ica funciona em relação a questões da linguagem e para identif icar o exercício dos direitos l ingüísticos. (grifo nosso). Como se vê, a l íngua se apresenta como uma entidade heterogênea; ou seja, ela é composta por um conjunto de variedades. Tomando por base a língua portuguesa, podemos falar em variedades baiana, rural, paulista, etc. Essa variação está intr insecamente ligada a 25 fatores de ordem social e cultural. Além disso, no território brasileiro, co-existem muitas l ínguas diferentes. Assim, do nosso ponto de vista, cabe à Sociol ingüística (e creditamos tal tarefa também à dialetologia), em nosso país, descrever e analisar, de forma sistemática, a variação aqui existente, demonstrando de que forma os fatores sociais inf luem sobre ela. Deve ainda verif icar o status social a que são submetidas as variantes (posit ivo ou negativo), bem como determinar se as variantes em competição se encontram ou não em processo de mudança. 26 3 O UNIVERSO DESTE ESTUDO Nesta Seção apresentamos o universo de nossa pesquisa: em que contexto social e geográf ico foi estudado o fenômeno variável e quais foram os procedimentos metodológicos adotados para que a invest igação fosse desenvolvida. Dessa forma, organizamos a presente Seção em duas partes, cada uma contemplando um dos aspectos referidos acima. 3.1 O quadro social e geográfico do estudo Nenhuma ação educativa pode prescindir de uma ref lexão sobre o homem e de uma anál ise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das sociedades humanas e não há homens isolados. O homem é um ser de raízes espaço-temporais. De forma que ele é, na expressão feliz de Marcel, um ser “situado e temporal izado”. Paulo Freire A pesquisa foi real izada com a l íngua falada de uma comunidade periférica da cidade de São Carlos, localizada no interior do Estado de São Paulo. É importante ressaltar que os informantes escolarizados eram concluintes do ensino fundamental (8ª série) na EJA (Educação de Jovens e Adultos)6. As informações relativas à cidade, à comunidade estudada e à EJA constituem o “background” para a def inição do nosso corpus de análise e de várias das nossas hipóteses. É o que veremos a seguir. 6 “Por educação de jovens e adul tos , entende-se a modal idade in tegrante da educação bás ica dest inada ao atendimento de a lunos que não t iveram, na idade própr ia, acesso ou cont inuidade de es tudo no ens ino fundamental e médio. A denominação “educação de jovens e adul tos” subst i tu i o termo ens ino suplet ivo da Lei n.º 5.692/71 e atualmente, no Bras i l , compreende o processo de a lfabet ização, cursos ou exames suplet ivos nas etapas fundamental e média. Nos documentos legais per t inentes, a EJA é cons iderada mais do que um dire i to : é a chave para o século XXI, por ser conseqüênc ia do exercíc io da c idadania e condição para a par t ic ipação plena na soc iedade. Argumenta-se que o programa pode auxi l iar na e l im inação das d iscr im inações e na busca de uma soc iedade mais jus ta e menos des igual , a qual resul tar ia da inc lusão do conjunto de bras i le iros ví t imas da h is tór ia exc ludente de nosso país. A EJA é tratada como representação de uma dív ida soc ia l a ser reparada, assumindo a tarefa de es tender a todos o acesso e domínio da escr i ta e da le i tura como bens soc ia is .” (CHILANTE e NOMA, 2004) . 27 3.1.1 Considerações sobre a cidade de São Carlos7 Mapa 1 - Local ização do Município de São Carlos no Estado de São Paulo Fonte: São Car los (2005) Mapa 2 - São Carlos e municípios viz inhos Fonte: São Car los (2005) 7 Dados obt idos do s ite www.saocar los.sp.gov.br e do CD-ROM do Plano Diretor do Municíp io de São Car los (SÃO CARLOS, 2005) . 28 Localizada no centro geográf ico do Estado de São Paulo, a cidade de São Carlos possui características especiais que a tornam um local de destaque sob vários aspectos. Segundo os dados do Censo IBGE 2000 , São Carlos conta com uma população de 192.998 habitantes, sendo 9.565 na área rural e 183.433 na área urbana. Uma pesquisa mais recente, real izada pela Fundação SEADE , mostra que a população de São Carlos em 2005 é de 213.314 habitantes. A cidade surge no contexto da expansão da lavoura cafeeira, que é marcante nas últ imas décadas do século XIX e nas duas primeiras do século XX. A chegada da ferrovia em 1884 propiciou um sistema ef iciente para escoar a produção para o porto de Santos e deu um grande impulso ao desenvolvimento da economia da região. A ferrovia também contribuiu para que a área central da cidade se f irmasse como local de destaque polít ico e econômico. Nas últ imas décadas do século XIX ocorreu o fenômeno social que mais inf luência deixou na região central do Estado de São Paulo: a imigração. São Carlos recebeu imigrantes alemães trazidos pelo Conde do Pinhal em 1876 e, de 1880 a 1904, o município foi um dos principais pólos atrativos de imigrantes do Estado de São Paulo. A grande maioria deles era originária das regiões setentrionais da Itál ia. Os imigrantes vinham para trabalhar nas lavouras de café e, graças às suas habilidades, atuavam também na manufatura e no comércio. O setor industrial desenvolveu-se também a part ir de of icinas que serviam às plantações de café. A fabricação de máquinas de beneficiamento, sapatos, adubos, ferragens, móveis, macarrão e charutos, assim como as alfaiatarias, cervejarias, fundições, serrarias, tecelagem, uma indústria de lápis e olarias marcam a economia de São Carlos nos anos 30. Nas décadas de 50 e 60 a indústria solidif ica-se com a instalação de fábricas de geladeiras, compressores, tratores e uma grande quantidade de empresas pequenas e médias, fornecedoras de produtos e serviços. Na segunda metade do século XX, a cidade recebe um grande impulso para o seu desenvolvimento tecnológico e educacional com a implantação, em abri l de 1953, da Escola de Engenharia de São Carlos, 29 vinculada à Universidade de São Paulo (USP), e, na década de 70, com a criação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O vigor acadêmico, tecnológico e industrial conferiu à cidade o título de Capital da Tecnologia. Suas universidades e centros de pesquisa são reconhecidos pela excelência e diversidade. A Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) oferecem ensino gratuito e de qualidade e já incorporaram à história de São Carlos suas contribuições à ciência e à capacitação prof issional de milhares de alunos. Diante da concentração de universidades e centros de pesquisas, São Carlos apresenta grande concentração de cientistas e pesquisadores: um pesquisador doutor para cada 230 habitantes e um pesquisador para cada 42 habitantes. Se nas últ imas décadas do século XIX houve a imigração, nas últ imas décadas atuais ocorreu um outro fenômeno social: a migração. Muitas pessoas vieram de outras regiões do Brasil em busca de melhores condições de vida. A grande maioria dessas pessoas vive hoje na periferia de São Carlos, cuja população é, geralmente, constituída de trabalhadores rurais, que não deixam de representar uma face do desenvolvimento rural no meio urbano. Foi numa comunidade periférica com essas características que a presente pesquisa foi real izada. 3.1.2 Considerações sobre a comunidade estudada Imagens importadas de uma realidade alheia, que vão tomando forma, encobrindo antigas e originais que, apesar de tudo, ainda se revelam. Ao jeito caracter íst ico do povo do inter ior, seus costumes, sua vocação para o trato com a terra, aos poucos, vai se mesclando uma nova ident idade, moldada pelas demandas e apelos do dito desenvolvimento urbano. Cidade Aracy, um bairro relat ivamente novo na histór ia de São Carlos, situado no l imite do núcleo urbano com a área rural da cidade, que representa bem esta realidade. Com o processo de mecanização da produção agropecuár ia caracter íst ica da região, a conseqüente 30 dispensa de mão de obra e o crescimento industr ial registrado nos últ imos anos, os bairros mais perifér icos da cidade registraram um grande crescimento, devido mesmo a esta população, que migrou do campo para a cidade em busca de emprego. Na Cidade Aracy, hortas nos quintais, galinheiros, bois e vacas pastando denunciam tanto a proximidade com “a roça”, quanto à or igem de sua população. Como na maior ia dos bairros pobres nas grandes cidades – os chamados bairros de perifer ia – a paisagem na Cidade Aracy ref lete uma ocupação desordenada que ocorreu, e continua ocorrendo, em ritmo acelerado, sem que ao passo se dê a inf ra- estrutura adequada. Casas simples, muitas inacabadas. O t ipo de construção ref lete o baixo poder aquisit ivo da população. São escassas alternativas de serviços de saúde, educação e lazer. Mercados, quitandas, açougues, padar ias, farmácias e bares, muitos bares. O comércio atende hoje, pr incipalmente, a produtos de pr imeira necessidade, mas começa a se diversif icar. Mas, como nas grandes cidades, a perifer ia aqui também transborda int imidade nas relações, sol idariedade. Aos f ins de semana as ruas fervilham, ocupam-se todos os campos improvisados de futebol e mesas de sinuca nos bares. Há cr ianças correndo, soltando pipas, brincando em montes de areia. Mulheres nas calçadas, conversando e fazendo crochê. O bairro crescendo, homens nas construções. Hora de convocar os vizinhos para encher a laje, hora das cr ianças ajudarem a guardar t i jolos. Hora do culto em uma das inúmeras igrejas evangél icas que prol iferam no bairro, hora da missa na igreja catól ica. Hora de reunião, os moradores se organizam em uma associação de bairro que discute e encaminha ao poder públ ico os problemas e reivindicações que julgam prior itár ias. [ . . . ]8 Em relação à população que reside na comunidade, tomamos aqui como base as vinte entrevistas realizadas por nós e, também, o relatório de abril de 2006 de uma pesquisa censitária. Essa pesquisa censitária foi solicitada pela Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de São Carlos/SP, com o objetivo de identif icar demandas em educação e construir indicadores sociais mínimos para subsidiar o planejamento de polít icas públicas para a região. A comunidade 8 Texto de autor ia co let iva d isponib i l izado pela Fundação Pró-Memór ia da Prefe itura Munic ipal de São Car los (Projeto Etnofotográf ico “ Imagens dos Bairros de São Car los” de 2003). 31 estudada compreende os bairros Cidade Aracy 1, Cidade Aracy 2, Antenor Garcia e Presidente Collor. Foram realizadas 4.006 entrevistas e o número total de moradores indicados foi de 15.604, distribuídos pelas 4 regiões. Mais de 42% das famíl ias vieram de outras regiões do Estado de São Paulo ou de outros Estados. É possível verif icar que questões relacionadas à moradia, ao emprego, enf im, à condição de vida, são os principais fatores que impulsionaram grupos familiares a deixarem seu local de origem. As dif iculdades neste processo de migração não se encerram quando os ret irantes “encontram” um lugar para se f ixarem. A maior parte das famílias sofre as conseqüências da economia excludente, sobrevivendo do emprego informal e de ajudas de entidades assistenciais ou de voluntários. A População Economicamente Ativa (entre 16 e 60 anos de idade) – PEA – foi mensurada em 9.432 moradores, sendo que 2.683 estão desempregados, sugerindo um índice médio de desemprego de 28,4%. Ou seja, a cada 100 pessoas aptas a trabalhar, quase 30 estão desempregadas. Os dados apontam, também, um índice alto de desemprego estrutural, pois mais de 42% dos desempregados estão nessa condição há mais de 3 anos. Um aspecto importante a destacar é acerca do papel de chefe de família que muitas mulheres chegam a exercer. Tal dado acompanha uma tendência nacional. Segundo os dados da UNICEF (2000 apud MARINI, 2003), referentes à estrutura da famíl ia brasi leira, durante as décadas de 80 e 90, pode-se notar um crescimento relativo nas famílias formadas por mulher sem cônjuge morando com os f i lhos (19,0%), que é explicado por fatores como a participação feminina no mercado de trabalho, a transformação de valores tradicionais que apontavam o casamento como o modelo de vida mais adequado à mulher, etc. Na comunidade estudada, muitas mulheres trabalham fora de casa, principalmente na prestação de serviço, como domésticas e faxineiras. Também não descartam a colheita e o plantio na zona rural e o trabalho em granja. Mesmo inserida no mercado de trabalho, a mãe 32 ainda se apresenta como referência central da casa e do cuidado das crianças. Geralmente, sendo compostas por várias pessoas, as famíl ias se reúnem numa mesma casa. São poucos os cômodos que abrigam pai, mãe e f i lhos, e ainda outros membros l igados a um ou outro progenitor. Pode-se dizer que o tamanho médio das famíl ias está associado à sua situação socioeconômica. As famílias de menor poder aquisit ivo são, normalmente, mais numerosas do que aquelas que possuem melhor padrão socioeconômico. Para i lustrar a condição de fragil idade socioeconômica da população da comunidade, a pesquisa censitária realizada traz um dado bastante signif icativo: há 120 domicíl ios sem geladeira e 240 sem televisão. O nível de escolaridade dos adultos da comunidade é extremamente baixo, sendo que há os que nunca freqüentaram a escola. Para muitos prof issionais da educação, tal fato gera uma desvalorização da escola por parte da criança, mas, por outro lado, há uma supervalorização da escola por parte dos pais, que a vêem como possibil idade de melhora de vida de seus f i lhos. O índice geral de analfabetismo apontado na comunidade foi de 9%, quase 60% maior do que o índice de analfabetismo do município (5,64% - IBGE/2000). Mas é preciso enfatizar que é o analfabetismo da população com mais de 60 anos que puxa esse índice para cima. Hoje, muitos jovens e adultos que não t iveram acesso à escola regular cursam, à noite, o ensino suplet ivo, denominado EJA (Educação de Jovens e Adultos). Para Marini (2003), torna-se relevante dizer que a perpetuidade social da crença na desorganização de famílias de periferias urbanas não deve ser creditada apenas às leituras e interpretações “errôneas”, a que sempre está sujeita a escola, mas às próprias condições que essas famíl ias apresentam enquanto grupo social: 33 A migração, a baixa escolar idade, a baixa renda, são alguns dos fenômenos sociais que expl icam suas trajetórias. Porém, antes de denominá- la desorganizada pela sua modal idade de organização, é preciso descobrir em que consiste essa divergência, de que maneira se organiza e o que a t ip if ica. (MARINI, 2003, p.76). Assim como nas favelas do Carombé, zona norte de São Paulo, comunidades estudadas por Rodrigues (1987), pudemos perceber, também na comunidade focalizada neste estudo, que as pessoas acabam tendo uma forma de vida mais ou menos padronizada, correspondente a trabalho no decorrer da semana e pouco ou nulo lazer nos f inais de semana. Muitas dessas pessoas vão constituir um extenso grupo de usuários de uma variedade popular ou não-padrão, estigmatizada, que se torna, ela mesma, um indicador da classe socioeconômica a que pertencem. 3.1.3 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL (um pouco de história)9 A história da EJA no Brasi l mostra que o analfabetismo, concebido como causa e não como conseqüência da situação socioeconômica, polít ica e cultural do país, legit imou a visão do analfabeto como marginal e incapaz, como um adulto-criança, irresponsável, incapaz de tomar decisões elementares e, portanto, incapaz de contribuir na resolução dos problemas nacionais (PAIVA, 1983). O período de 1959 a 1964 é considerado como um “período de luzes” para a Educação de Adultos, por confrontar velhas idéias e preconceitos com a busca da renovação dos métodos e processos educativos. Incorporando o pensamento de Paulo Freire, discutia-se a necessidade de se entender que a educação da população adulta deveria prepará-la para participar ativamente da vida polít ica do país. 9 A maior ia das informações aqui apresentada se encontra em: MUSSALIM, S. Educação de Jovens e Adultos no Bras i l . In : Ceforp. Iperp. Foreja. Educadores de EJA em ação . R ibeirão Preto, 2005. 34 Dessa forma, a Educação de Adultos passou a ser reconhecida como um poderoso instrumento de ação polít ica que tinha, também, o papel de resgatar e valorizar a cultura popular. O golpe mil itar de 1964, como não poderia deixar de ser, rompeu com os movimentos de educação e resgate da cultura popular existentes, reprimindo ações de natureza polít ica e programas de educação de adultos que contrariavam os interesses impostos pelo regime militar. Como alternativa aos baixos níveis de escolaridade existentes no país, sem contudo ignorar os interesses hegemônicos do modelo socioeconômico implantado, foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). Foi nessa época que os pesquisadores Miriam Lemle e Anthony J. Naro desenvolveram um estudo da língua falada pelos alunos do MOBRAL do Rio de Janeiro, com vistas à verif icação de pontos de discrepância ou de diferenciação entre a variedade de língua portuguesa ut il izada por esse grupo social e a variedade de língua escrita de nível jornalíst ico e da literatura contemporânea mais acessível. Porque na fala do grupo social a que pertenciam os alunos do MOBRAL a concordância do verbo com o sujeito era um fenômeno variável, Lemle e Naro puderam util izar o aparato teórico-metodológico da Teoria da Variação e Mudança Lingüíst ica que introduziu o conceito de regra variável. Ao fazer isso, mostraram a importância de estabelecerem, para uma regra variável, os fatores lingüísticos e extralingüísticos que favorecem ou refreiam a escolha por uma ou outra variante. Vale lembrar que os autores concluíram que o estudo da regra de concordância verbal prova a necessidade de se introduzir, no modelo de funcionamento sincrônico da gramática, o conceito de saliência : uma regra gramatical será mais ou menos aplicada, dependendo da saliência dos efeitos provocados. Quase tr inta anos se passaram e ainda não vemos a grande contribuição desses l ingüistas nas nossas gramáticas e, muito menos, nos nossos l ivros didát icos. Isso nos remete à af irmação de Gameiro (2005) quando observa o sucesso de 35 professores de português que ditam regras na TV e nos jornais e a baixa popularidade dos lingüistas, cuja missão de registrar as formas em variação não é compreendida por muitos intelectuais. A ruptura simbólica com a polít ica de EJA do período mil itar deu- se com a extinção do MOBRAL que, estigmatizado como modelo de educação domesticadora e de baixa qualidade, já não encontrava condições polít icas de acionar com eficácia os mecanismos que util izara anteriormente, motivo pelo qual foi subst ituído, em 1985, pela Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos – Educar. Em março de 1990, como parte de um “pacote” de medidas que visavam a “enxugar” a máquina administrativa e a retirar subsídios estatais, o governo de Collor ext inguiu a Fundação Educar. Esta medida representou um marco no processo de descentral ização da escolarização básica de jovens e adultos, transferindo diretamente a responsabil idade pública dos programas de alfabetização e pós- alfabetização de jovens e adultos da União para os municípios. Dessa forma, no âmbito das polít icas públicas educacionais, após a ext inção da Fundação Educar, o governo federal, que sempre foi o principal articulador das iniciativas de Educação de Jovens e Adultos, ausentou-se, criando um enorme vazio em termos de polít ica para o setor. Para suprir este vácuo, alguns estados e municípios, ou mesmo organizações da sociedade civi l, têm assumido a responsabil idade de oferecer programas na área de EJA, mas a oferta está longe de atender à demanda existente. Muitas dessas experiências ganharam consistência e enriqueceram o modelo de alfabetização conscient izadora dos anos 60, incorporando a visão de alfabetização como um processo que exige continuidade e sedimentação. Elas impulsionaram a realização de vários estudos e, ainda hoje, servem de referência para a real ização de novas pesquisas na área da EJA. 36 3.2 Procedimentos metodológicos da pesquisa In any academic course that deals with research in the speech community, there is always a great deal of interest in the f irst steps to be taken: “What do you say to people?” This is not a tr ivial quest ion. (LABOV, 1972, p. 207)10. Nesta segunda parte da Seção, mais técnica, apresentamos o corpus, a maneira como foi a coleta e a seleção dos dados, bem como os grupos de fatores l ingüíst icos e sociais. 3.2.1 O corpus sob análise A amostra uti l izada é constituída de 20 entrevistas entre informante e documentador (DID)11. Estamos trabalhando com quatro células, sendo cada célula formada de 5 informantes, de modo a garantir a representatividade da amostra. São cinco homens e cinco mulheres que estavam terminando o ensino fundamental na EJA e cinco homens e cinco mulheres não alfabetizados. Abaixo temos a distr ibuição dos informantes segundo escolaridade e gênero: 10 “Em qualquer curso acadêmico que se ocupa com pesquisa na comunidade l ingüís t ica, sempre ex iste um grande in teresse sobre as pr imeiras etapas a serem real izadas: “O que você d iz às pessoas?”. Essa não é uma pergunta tr iv ia l . ” (LABOV, 1972, p. 207, tradução nossa) . 11 A nomenc latura vem do corpus do Projeto de Estudo da Norma Urbana L ingüís t ica Cul ta (NURC). Esse corpus compõe-se de entrevistas gravadas durante as décadas de 1960/70 nas c inco c idades bras i le iras que t inham então mais de um milhão de habitantes: Rec ife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Por to Alegre. Para documentar essa var iedade, fo i entrevistado um tota l de 2356 pessoas, em 1570 horas de gravação. As entrevis tas , todas com pessoas de formação univers itár ia, seguem três formatos diferentes: e locuções formais – gera lmente aulas univers itár ias –, d iá logos entre o informante e o documentador e d iá logos entre dois informantes, com a part ic ipação marginal de um documentador . 37 gênero escolaridade Homens Mulheres Total não alfabetizados 5 5 10 8ª série - EJA 5 5 10 Total 10 10 20 Devido ao tempo limitado para desenvolver a pesquisa (2 anos), não pudemos incluir no nosso trabalho diferentes faixas etárias, pois teríamos que aumentar muito a nossa amostra. Apenas para termos uma idéia, vejamos como f icaria se fôssemos trabalhar com dois grupos de faixa etária diferente: Gênero Escolaridade Idade 1. Masculino não alfabetizado 15 a 29 anos 2. Masculino não alfabetizado 30 a 45 anos 3. Masculino 8ª série - EJA 15 a 29 anos 4. Masculino 8ª série - EJA 30 a 45 anos 5. Feminino não alfabetizada 15 a 29 anos 6. Feminino não alfabetizada 30 a 45 anos 7. Feminino 8ª série - EJA 15 a 29 anos 8. Feminino 8ª série - EJA 30 a 45 anos Para cada uma das oito células, teríamos de ter um mínimo de 5 informantes, ou seja, uma amostra com 40 informantes, o dobro da nossa. Portanto, no que concerne à faixa etária, estabelecemos um recorte: de 20 a 40 anos. Mas não podemos deixar de destacar a importância dessa variável nos estudos sociolingüísticos. É possível real izar um estudo da mudança mediante a observação do comportamento lingüíst ico de falantes em diversas faixas etárias. É a perspectiva que se convencionou denominar de tempo aparente . 38 No caso de você prever um caso de var iação que já projete uma mudança dentro do sistema, o fator faixa etária é de extrema importância. Na impossibi l idade de fazer um estudo longitudinal (um acompanhamento dos falantes desde a adolescência até a idade madura) sobre a variável, a amostragem da comunidade em grupos etár ios diferentes lhe dará a dimensão procurada. (TARALLO, 2002, p. 47). Segundo Paiva e Duarte (2006), Weinreich, Labov e Herzog (1968) rompem com as fronteiras entre sincronia e diacronia. O entrelace dos dois eixos permite, então, um passo teórico importante: as evidências da variação sincrônica passam a const ituir um excelente laboratório para a compreensão de mudanças já completadas, ocorridas no passado. 3.2.2 A coleta dos dados The elementary steps of locat ing and contact ing informants, and gett ing them to talk f reely in a recorded interview, are formidable problems for students. I t is an error for anyone to pass over these questions, for in the pract ices and techniques that have been worked out are embodied many important principles of l inguist ic and social behavior. (LABOV, 1972, p. 207)12. As entrevistas com os informantes foram realizadas por nós de modo que se aproximassem da língua falada do dia-a-dia. De acordo com Rodrigues (1987), o problema que se coloca ao pesquisador que pretende recolher amostras do vernáculo de qualquer comunidade a que ele não pertence é exatamente o da dif iculdade de se transformar num “igual l ingüístico” com relação ao seu informante. Essa dif iculdade foi expressa por Labov, por meio do que ele denominou “paradoxo do observador”: 12 “As etapas e lementares que cons istem em local izar e contactar os informantes, e depois conseguir levá- los a fa lar com l iberdade em uma entrevista gravada, não são problemas pequenos para os es tudantes. Ser ia um erro passar por a lto nestas questões, pois nos procedimentos e nas técnicas que se e laboraram estão inser idos pr inc íp ios muito importantes de compor tamento l ingüís t ico e soc ia l.” (LABOV, 1972, p. 209, tradução nossa) . 39 . . . the aim of l inguist ic research in the community must be to f ind out how people talk when they are not being systemat ical ly observed; yet we can only obtain these data by systemat ic observat ion. (LABOV, 1972, p. 209)13 . Se o objet ivo da pesquisa no seio da comunidade é descobrir como as pessoas falam quando não são observadas sistematicamente, a mera presença do entrevistador com o seu gravador pode afetar o esti lo de fala do informante. Assim, o pesquisador terá de agir com cautela, para reduzir ao máximo os efeitos do chamado paradoxo do observador. Para Labov (1972), os contextos variam quanto ao nível de formalidade: informal e formal. Já os estilos podem ser de três t ipos, dependendo do contexto: se o contexto for informal, o esti lo de fala será casual, se o contexto for formal, o est i lo de fala poderá ser cuidado ou espontâneo . Context: Informal Formal Style: Casual Careful/Spontaneous Segundo Labov, o corpus ideal para o estudo lingüíst ico é a fala uti l izada em situações cotidianas: “ language as it is used in everyday life by members of the social order, that vehicle of communicat ion in which they argue with their wives, joke with their fr iends, and deceive their enemies” (1972)14. Este constitui o que Labov denomina estilo casual, ou seja, a fala do dia-a-dia das pessoas, usada em situações informais, em que a atenção não está voltada para a l inguagem. No entanto, toda observação sistemática de um falante, como é a situação de uma entrevista, condiciona um contexto formal, em que o 13 “ . . . o objet ivo da invest igação l ingüíst ica na comunidade deve ser descobr ir como as pessoas fa lam quando não estão sendo s istemat icamente observadas; contudo nós somente podemos obter esses dados mediante a observação s istemát ica.” (LABOV, 1972, p. 209, tradução nossa) . 14 “a l íngua como é usada na v ida cot id iana por membros de uma soc iedade organizada; esse veículo de comunicação em que d iscutem com suas esposas, fazem piadas com seus amigos e enganam a seus in imigos.” (LABOV, 1972, tradução nossa). 40 grau de atenção voltado ao discurso é maior. Por isso, diversas técnicas foram util izadas com o objetivo de suscitar o esti lo casual na situação de entrevista. Resumimos, assim, os nossos dois desafios: minimizar ao máximo os efeitos do chamado paradoxo do observador e, dessa forma, conseguir um estilo casual na situação de entrevista. Para isso, no decorrer das nossas leituras, recolhemos um bom número de conselhos a respeito de como agir frente à comunidade. Adotamos vários procedimentos, sendo que muitos deles foram explicitados por Rodrigues (1987), Berl inck (1988) e pelos pesquisadores do Projeto Fi lologia Bandeirante (1998 apud Pereira, 2004). Todos se basearam em Labov (1972): a) não dissemos ao informante que se tratava de uma pesquisa sobre l íngua, mas sim de uma pesquisa sobre aspectos sociais e culturais da comunidade; b) as entrevistas aconteceram na própria comunidade: nas residências ou na escola ali existente; c) não seguimos um roteiro f ixo de perguntas, mas partimos das informações já colhidas na fase do preenchimento da f icha social. Dessa forma, orientamos o diálogo para temas de interesse do informante, l igados à sua rotina de vida, obtendo assim um conjunto signif icat ivo de narrativas pessoais. d) buscamos nos acomodar à l inguagem do informante, minimizando as diferenças de sua fala com relação à do seu interlocutor. O sucesso na obtenção da informalidade nas conversas é evidenciado nas longas histórias contadas pelos informantes. Como muitos são migrantes e já trabalharam na roça, os assuntos foram diversos: narrat ivas sobre sua experiência de vida, religião, f i lhos, família, pobreza, desigualdade social, polít icos, transporte, luz elétr ica, água encanada, acesso a serviços médicos e à escola, etc. Segundo Taral lo (2002), a narrat iva de experiência pessoal é a “mina de ouro” que o pesquisador-sociolingüista procura. Ao narrar 41 suas experiências pessoais mais envolventes, ao colocá-las no gênero narrat iva, o informante desvencilha-se praticamente de qualquer preocupação com a forma. Antes de iniciarmos a gravação da entrevista, como já mencionamos, preenchíamos uma f icha com as característ icas sociais do informante. Esses primeiros momentos foram de extrema importância, pois procurávamos deixar o informante mais à vontade, num clima bem descontraído e de confiança. Sempre dizíamos que, dentre muitos, ele(a) t inha sido o(a) escolhido(a), pois sabíamos que se comunicava bem e era uma pessoa que t inha muitas informações a respeito da comunidade. Essa estratégia foi muito válida, porque a maioria se sentiu importante e privilegiado em conceder a entrevista. Da mesma forma que muitas estratégias dão certo, outras, em determinadas entrevistas, não funcionam. Labov (1972) orienta o pesquisador a tocar em assuntos que deixem o informante emocionado: We can also involve the subject in questions and topics which recreate strong emotions he has felt in the past, or involve him in other contexts. (LABOV, 1972, p. 209)15. Tivemos um caso em que a informante começou a chorar por demais e precisamos interromper a gravação. Quando retomamos, foi dif ícil de se recompor e o clima já não era o mesmo. É claro que o inverso ocorre com mais freqüência: uma informante, por exemplo, se emocionou muito lembrando da morte da sua mãe, trágica por sinal, e isso a levou a um alto grau de descontração. Uma outra sugestão dada por Labov (1972) é em relação ao tema “perigo de morte”: “Have you ever been in a situation where you were in serious danger of being kil led?”16. Segundo Tarallo (2002), Labov provou esta ser uma questão ef icaz durante a coleta de narrativas de 15 “Podemos também envolver o informante em questões e temas que possam reproduzir emoções intensas que e le v iveu no passado, ou envolvê- lo em outros contextos.” (LABOV, 1972, p. 209, tradução nossa) . 16 “Você já esteve a lguma vez em uma situação em que est ivesse correndo sér io per igo de morte?” (LABOV, 1972, p. 209-210, tradução nossa) . 42 adolescentes negros do Harlem, gueto de Nova Iorque. No nosso caso, houve um informante que vivenciou uma situação muito triste, a traição de um “amigo” que tentou matá-lo, e durante um bom tempo da entrevista ele narrou essa situação. Vejamos um pequeno trecho da narrat iva: Inf. óia... sim... (aconteceu) um negócio muito/ muito triste que aconteceu na minha vida foi o que aconteceu comigo ali no motel onde eu trabalhava né?... não só pra mim como pro meus amigo... (aliás) pra minha família... em primeiro lugar né?... depois pros amigo... o cara acha de me matá eu dormindo e... entendeu?... aquilo ali... vamo dizê... acabô comigo memo assim... quase não morri porque... né... nóis que samo... temo uma religião... nóis sabe que existe Deus... então Deus quando Deus não qué não tem jeito né?... mais o que o cara me pegô pra me matá ali não foi brincadera... então... pegô foi lá no quartinho... ( ) ele entra lá catá o machado lá... ele pegô o machado... bateu até/ até tirá/ até rancá o machado do cabo ficô só co cabo... aí pegô o facão/ facaozão lá da/ do/ do/ do jardineiro cortá ( ) de grama assim né... pegô... ficô amolando... (ninguém) sabia pra quê... amolando aquele facaozão lá... ( ) (ninguém sabia pra quê... sabe?)... o pessoal começando a trabalhá... a (minha) muié que arrumava quarto lá... tal pá... e ele a::/ (arrumando)... (amolando) aquele facão lá tal... entrô... com certeza as primera que ele me deu foi na cabeça que da onde eu tava desmaiado dormindo... é uma imagem que nunca sai da minha cabeça porque fala que nóis... todos nóis temo nosso anjo da guarda... como de fato nóis tem... eu tava como se eu tô... eu/ eu lembro como se/ como se eu tô em pé aqui eu vendo tudo... vê(ndo) tudo acontecê... vamo supor... eu tô/ eu tô em pé... EU tô em pé aqui... eu tô vendo EU deitado (na)/ ali na/ na minha caminha lá de soltero deitado lá... tô vendo ele... ele é bem alto... mais altão do que eu assim... tô vendo ele lá... PÁ... me/ me espancando com pau sabe? PÁ PÁ... ((onomatopéia)) (eu se sentindo nada) mas eu vendo aquilo né... aí tal...( ) depois dele me deu tanta paulada assim na cabeça nas... onde pegô... nas costela... no maxilar... aqui foi quebrado em dois lugar aqui no maxilar... esse olho aqui... éh... foi quebrado em dois lugar... foi/ tem uma cirurgia ( ) quebrado em dois lugar... esse olho aqui quase foi estorado (fui) procurá o doutor Paulo aqui... éh... no centro de especialidade... éh::... costela quebrada... me arregaçô intero... fiquei todo... entendeu? arregaçado ( ) ainda eu tive traumatismo craniano... derrame celebral... entendeu? então depois de tudo aquilo d/ daquelas paulada... aí ele pensô em me/ me pinicá no facão né... isso aí foi triste pra mim porque daí ele... ele pegô o facão pra me pinicá então ele teve de me dá um golpe... mais ou menos porque... não sei se dá pá::... tenho aqui um... entendeu... por aqui assim... ((mostrando a cicatriz )) (MEV) Como podemos perceber, a estratégia que Labov (1972) nos ensina, usando a questão sobre “perigo de morte”, foi muito ef icaz 43 nessa entrevista, uma vez que levou o informante a se envolver completamente. Confessamos que não só o informante, o documentador também. Mas, quando ouvimos a gravação, percebemos que, em nenhum momento, o fenômeno variável que desejávamos ocorreu. Isso fez com que pensássemos em outras estratégias para suscitar a variável l ingüística desejada. Chegamos à seguinte conclusão: quando o pesquisador- sociolingüista já def iniu o fenômeno variável que deseja estudar, ele tem de propiciar assuntos em que apareça tal fenômeno. Não basta apenas fazer com que o informante fale à vontade, é preciso ter dados suf icientes da variável que se deseja estudar. Na medida em que já havíamos definido como objeto de estudo a concordância verbal de 3ª pessoa do plural, foi preciso perceber se o fenômeno estava sendo recorrente e adaptar as estratégias à nossa situação. Foram muitas as dif iculdades. Houve entrevista em que a conversa foi excelente, com um grande número de dados relativos à variável desejada, mas a qualidade acústica da gravação f icou péssima, sendo necessário voltar à comunidade e repetir novamente todo o processo. Como bem lembra Oliveira e Silva (2004), “o trabalho de regravar outra entrevista é menor do que o de transcrever uma f ita quase inaudível”. Enfim, fazemos das palavras de Taral lo (2002) as nossas: Os módulos cobrem uma série de tópicos para f ins de conversação: dados pessoais do informante (sua histór ia), jogos e brincadeiras de infância, br igas, namoro e encontros amorosos, casamento, perigo de morte, medo, família, rel ig ião, amigos, turmas, serviços públ icos, o cr ime nas ruas, escola e trabalho, interação com outros membros da comunidade, esportes etc. O sucesso da aplicação dos módulos poderá variar para cada comunidade de fala, para cada grupo de falantes ou mesmo para cada indivíduo. Cabe, portanto, ao investigador adaptá-los a cada grupo estudado! (TARALLO, 2002, p. 22, grifo nosso). Não podemos deixar de concordar com Tarallo (2002) quando af irma que “quanto mais tempo você passar no campo, coletando 44 dados, mais criat ivo você se tornará em relação às possíveis maneiras de minimizar o efeito negativo causado por sua participação direta na interação”. O quadro que apresentamos a seguir resume as característ icas dos nossos informantes. Informante Gênero Idade Escolaridade Procedência M F 30 não alfabetizada São Carlos / SP N F 35 não alfabetizada Monte Alto / SP I F 34 não alfabetizada São José de Piranha / PB E F 27 não alfabetizada Arapiraca / AL L F 25 não alfabetizada São Carlos / SP S M 31 não alfabetizado São Benedito do Sul / PE J M 31 não alfabetizado Bernardo Vieira / PE G M 29 não alfabetizado Tamboril / CE D M 35 não alfabetizado Rinópolis / SP C M 35 não alfabetizado União dos Palmares / AL H F 27 8ª série – EJA Morro do Chapéu / BA Z F 23 8ª série – EJA Manhuaçu / MG P F 38 8ª série – EJA Alto Piquir i / PR W F 22 8ª série – EJA Catende / PE R F 34 8ª série – EJA Tanabi / SP A M 22 8ª série – EJA Ortiqueira / PR T M 38 8ª série – EJA Rubelita / MG B M 27 8ª série – EJA Faxinal / PR V M 30 8ª série – EJA Canindé / CE O M 35 8ª série – EJA Sarutaiá / SP 3.2.3 A seleção dos dados Não consideramos todas as ocorrências encontradas no corpus, a f im de obtermos um número mais ou menos equivalente para todos os informantes. São 1.000 ocorrências assim distribuídas: 45 Informante Ocorrências TOTAL E 54 I 51 M 54 N 52 n ã o - e s c o la ri z a d a s L 39 250 P 56 R 44 Z 54 H 54 M U L H E R E S e s c o la ri z a d a s W 42 250 G 52 J 41 S 52 D 54 n ã o - e s c o la ri z a d o s C 51 250 V 40 T 60 O 55 A 60 H O M E N S e s c o la ri z a d o s B 35 250 TOTAL 1.000 A presente pesquisa contempla o estudo com sujeitos simples (de um só núcleo) de estrutura simples de 3ª pessoa do plural representados por: a) Nome substantivo no singular com um ou mais determinantes no plural. (1) tem muitas mãe que fala (FNM)17 (2) das pessoa que t rabalha lá (MNC) 17 A codif icação que segue os exemplos indica as seguintes informações sobre o informante: a pr imeira le tra refere-se ao sexo (F – femin ino ou M – mascul ino) ; a segunda à escolar idade (N – não-alfabet izado ou E – EJA ) e a ú lt ima ao nome. 46 (3) aí no início saiu esses terreno aqui da Cidade Aracy né?... (MND) (4) meus irmão que t iveru ... (MEA) (5) os gavião vai na porta de casa (FER) b) Nome substantivo no plural. (6) as pessoas confia né?... (FEZ) (7) as mulheres são muito discriminada (FER) (8) tem os ônibus que leva pra catá frango... (MEO) (9) tá certo que tem pessoas que bate muito em criança né?... (MET) c) Pronomes pessoais eles / elas (explícito ou oculto) com referência determinada. (10) as menina f ica a vontade... elas brinca inté a noite... então elas vão dormi (FNN) (11) tenho minha irmã e otro irmão que não é ... eles conhece tudo mai num... num chegô a segui (MND) (12) as criança vai crescendo aí a gente vai ensinando as coisa certa... parece que eles só qué aprendê as coisa rui... (FEH) d) Pronome pessoal eles com referência indeterminada. (13) ali eles tão fazendo um:: um recapeamento na pista... eles f izeru uma mão dupra e do lado da/da... assim... a calçada pos pedestre andá né?... (MND) (14) eles tão fazendo aí na creche (FEW) e) Outros pronomes. (15) os otro tão novinho (MNC) (16) tem algumas que num dexa ... (MNG) 47 (17) otros não ganha nada (FEZ) 3.2.4 Critérios de exclusão A elucidação que Pereira (2004) traz, tanto para os critérios de inclusão como para os de exclusão, contribuiu muito para o presente trabalho. Em muitos casos seguimos a mesma orientação. Os critérios aqui adotados são os seguintes: a) Formas verbais que no singular e no plural não se dist inguem na pronúncia por serem homófonas: tem/ têm, vem/vêm. (18) Alexandre... eles vêm/vem por causo do... (MET) (19) os cara vêm/vem jogando em cima do cê (MEB) (20) que eles têm/tem que tê amor em si próprio.. . que eles têm/tem que se amá... (FEP) b) Respostas em que se repete a forma verbal da pergunta feita pelo documentador. (21) Doc. os cursos são divulgados? Inf. são divulgado... (MEO) (22) Doc. certo... eles estão com um f ilme agora Inf. tão ... (FEW) (23) Doc. como que elas estão? Inf. ah... tão bem... tão tudo bem (FNN) c) Frases truncadas e frases com a presença de pausa e/ou hesitações na relação sujeito/verbo. (24) as pessoas pare / vive assim... parece . .. (MEO) (25) eles... abriru essas clínica aí (FNE) (26) esses bandido aí... que mata (FNN) 48 (27) só pos adulto... que já tá entendendo o que é sê evangélico (FEH) (28) os cara já... já tava sabendo (MNS) (29) então eles num/ num respeita a sinalização (MEB) d) Verbo no plural com casa vazia do sujeito indeterminado (sem referente eles no trecho do discurso) – contexto em que a marca de plural do verbo seria condicionada não pelo critério sintát ico (concordância com o sujeito), mas pelo critério semântico (noção de indeterminação do sujeito). (30) inclusive me colocaru pa regê (FEH) (31) é... mai agora desmancharu né?... (MNG) (32) faz tempinho que fecharu já... (MNG) (33) por causa dessa muié quiseru me matá né?(MNJ) (34) aí foru lá (MNS) (35) foi isso que me falaru ... que eu não vô pagá... (FNE) (36) l iberaru ele... ele pegô foi embora (MEA) e) Verbo ser em estruturas clivadas. (37) não sei se é eles que não qué invest i (MEO) (38) não são os cara que cantam não (MEO) (39) acho que não é todos que pensa assim não (FNM) f) Verbo ser em orações com valor existencial. (40) não tinha força... era aquelas lamparina (FEW) (41) ah era poquíssimas pessoa aqui (FER) g) Orações com o verbo ser, nas designações de tempo, distância, quantidade, valor – casos em que as gramáticas prescrevem a concordância com o predicat ivo no plural. Segundo Rocha Lima (1998), 49 quando é usado impessoalmente, a concordância dá-se com o predicat ivo. (42) quando tá ruim é cinco caxa (FEW) (43) era cinco horas da manhã (FEZ) (44) é trinta... é t rinta e o passe (FEZ) h) Orações com verbo ter com valor existencial. Segundo as lições da gramática tradicional, o verbo ter não deve ser usado no sentido de “haver” (existencial). Entretanto, a construção é usual, especialmente na linguagem menos formal. (45) antigamente t inha uns tiroteio (FEW) (46) era... só terra... t inha algumas casinha (FEW) (47) não t inha essas coisa não (FEH) i) Sujeito representado pelo pronome indefinido tudo remetendo a um SN de 3ª pessoa do plural. (48) graças a Deus já tão tudo aposentado (FNI) (49) aí que eles sai tudo correndo (FEH) (50) e foru tudo contra mim... tudo contra mim (FEW) (51) e os’otro mora tudo em Santos... tudo casado (FNL) (52) eles f ica tudo num cantinho lá... (MEO) j) Sujeito representado por substantivo coletivo no singular que pode desencadear a chamada concordância semântica. (53) o pessoal lá são / acho que são muito alegre... o pessoal da Bahia... (FEH) (54) o pessoal vai pra se diverti memo (MEV) (55) o pessoal vive lá naquela redondeza (MEV) (56) o povo bobo vai lá... bobo não coitado... são manipulados né?... ( MEO) 50 (57) as criançada me xingava (FNM) (58) tem muitos pessoal que volta ca criança (FNM) k) Sujeito const ituído por expressão partit iva. Segundo a tradição gramatical, quando o sujeito é constituído por expressão part it iva e um substantivo ou pronome plural, o verbo pode ir para o singular ou para o plural. A cada uma destas possibi l idades corresponde um novo matiz da expressão. Deixamos o verbo no singular quando queremos destacar o conjunto como uma unidade. Levamos o verbo ao plural para evidenciarmos os vários elementos que compõem o todo (CUNHA e CINTRA, 2001). (59) a maioria dos cara lá é trabalhadô (MNS) (60) a maioria das molecada qué fazê arte (MNG) (61) a maioria são gente boa que trabalha... (MEA) l) Sujeito representado pelo pronome de tratamento vocês. Como não consideramos todas as ocorrências, foi possível eliminar esses casos. Mas ressaltamos que não há problema incluí-los nos estudos de concordância verbal, pois, segundo a gramática normativa, o pronome vocês exige verbos com marca formal de 3ª pessoa do plural. (62) cêis tão no caminho certo (FEP) (63) vocêis f ica enganando a gente (FNI) Além dos casos enumerados acima, não foram incluídos alguns outros casos, a saber: sujeito simples de estrutura complexa, sujeito numeral no plural e sujeito composto. A princípio, nós estávamos considerando todos os casos mencionados, mas como na nossa amostra aparecem poucas ocorrências deles, não sendo um número signif icat ivo quantitativamente, achamos melhor excluí- los. 51 m) Estruturas de sujeito simples de estrutura complexa, cuja configuração sintagmática se apresenta na forma de um núcleo, seguido de sintagma preposicional ou, até mesmo, de uma oração relat iva. (64) aqueles pedaço de pau que t inha uns gancho (FNI) (65) as brincadera dos f i lho hoje em dia não é que nem naquela época não (FNI) (66) os peito dela endurece ... que ela l ibera o leite (MNJ) (67) tem muitos deles que ajuda (MNG) (68) tem uns par deles que mora (MND) (69) e todas que a gente passa em frente tá cheia (FEH) (70) as pessoa muito boa que eu trabalhei me ajudaru muito (MET) (71) todas as pessoa que morava ali perto de mim ia pa escola e eu não fui (FNE) n) Numeral no plural. Eliminamos da amostra todos os sujeitos que apresentam numeral, independentemente se está anteposto ou posposto. (72) os dois estuda (FNE) (73) agora vai pa Deriggi os dois (FNE) (74) foi t reis padrinho né?... (MNC) (75) vai quarenta e cinco pessoa (FEW) (76) eu tenho a minha irmã que mora no Cruzeiro do Sul e treis que mora em Santos (FNL) o) Sujeito composto. (77) meu pai minha mãe me ensinô ( FEZ) (78) minha cunhada e meu cunhado são católico (MNC) (79) quando minha mãe e meu pai saia de charrete pa cidade (FNN) (80) ele e o irmão dele tão trabalhando junto (FER) 52 3.2.5 Grupos de fatores Nossa variável dependente é binária, ou seja, se constitui de duas variantes: ocorrência de concordância verbal e ausência de concordância verbal. Tendo em vista o pressuposto teórico de que a variação lingüística não é aleatória, é fundamental identif icar conjuntos de circunstâncias l ingüíst icas e sociais que tendem a favorecer ou desfavorecer o uso de uma ou outra variante. Esses conjuntos de circunstâncias l ingüíst icas e sociais são denominados grupos de fatores. Muitos estudos analisados foram fundamentais para a def inição dos grupos de fatores l ingüíst icos e sociais, como também para várias das nossas hipóteses ( cf. NARO e LEMLE, 1977; MOTTA, 1979; NARO, 1981; BORTONI-RICARDO, 1981; RODRIGUES, 1987; 1989, 2000; NARO e SCHERRE, 1991, 1999a, 1999b, 2000, 2003a, 2003b; SCHERRE e NARO, 1993, 1998a, 1998b, 2000, 2005; MONGUILHOTT e COELHO, 2002; PEREIRA, 2004; PEREIRA e RODRIGUES, 2004; CARVALHO, 2005; GAMEIRO, 2005). Abaixo segue a descrição dos grupos de fatores l ingüíst icos e sociais estabelecidos para a análise da variação da concordância verbal da terceira pessoa do plural. 53 3.2.5.1 Grupos de fatores lingüísticos Grupos de Fatores Fatores 1) Grau de saliência fônica da oposição entre as formas verbais do singular e do plural R – fala / falam V – quer/querem L – vai /vão E – falou /falaram F – teve /t iveram W – é /são 2) Paralelismo formal no nível oracional C – forma de plural explícita no últ imo (ou único) elemento A – forma zero de plural no últ imo elemento 3) Presença/ausência do sujeito pronominal (eles, elas) P – sujeito pronominal explícito N – sujeito não-pronominal O – sujeito pronominal nulo 4) Posição e distância do sujeito em relação ao verbo A – anteposto imediatamente ao verbo D – anteposto distante P – posposto 5) Distância entre sujeito/verbo em termos do número de sílabas 0 – zero sílaba 1 – uma sílaba 2 – duas sílabas 3 – três ou mais sílabas 6) Presença/ausência do pronome que relat ivo Q – presença do que relat ivo S – ausência do que relat ivo ► GRAU DE SALIÊNCIA FÔNICA DA OPOSIÇÃO ENTRE AS FORMAS VERBAIS DO SINGULAR E DO PLURAL A escala de saliência fônica uti l izada na análise, proposta por Naro e Lemle (1977) e adotada também por Motta (1979), Rodrigues (1987) e Pereira (2004), compreende dois níveis (conforme a intensidade dos segmentos fonéticos que realizam a oposição), e seis classes (conforme a crescente diferença material entre as formas verbais do singular e do plural): 54 1° NÍVEL (menos saliente): contém os pares cujos segmentos fonéticos que real izam a oposição são inacentuados (não marcados) em ambos os membros. Estão em sílaba átona. CLASSE R: verbos regulares. A diferença entre singular e plural reside na nasalidade (envolve só nasalização ou nasalização e mudança na qualidade da vogal na forma plural). Exs.: fala /falam; come /comem; era /eram; sai/saem. CLASSE V: a diferença entre o singular e o plural reside numa vogal f inal átona, possivelmente nasalada18 (nasalização e acréscimo de segmento na forma plural). Exs.: faz/ fazem; quer/querem; diz/dizem; t raz/t razem. 2° NÍVEL (mais saliente): contém os pares cujos segmentos fonéticos com valor mórf ico são acentuados (são marcados) em pelo menos um membro da oposição. CLASSE L: elemento vocálico tônico oral no singular, em contraste com ditongo tônico nasal no plural. Envolve ditongação e/ou mudança na qualidade da vogal na forma plural. Exs.: está/estão; dá/dão; vai/vão . CLASSE E: Pretéritos Perfeitos regulares, independentemente da conjugação; o acento recai na vogal temática. Exs.: falou / falaram; vendeu /venderam; partiu /part iram. CLASSE F: Pretéritos Perfeitos irregulares, com variação no grau de abertura da vogal tônica, em ambas as formas do singular e do plural. Exs.: t rouxe /trouxeram; fez/ f izeram; teve /t iveram; veio /vieram; deu /deram. CLASSE W: forma completamente dist inta para o singular e o plural. Ex.: é /são . A expectativa do efeito da saliência fônica foi estabelecida por Naro e Lemle (1977) e, assim como os pesquisadores, acreditamos que quanto maior for a diferença entre as formas verbais do singular e do 18 Cons ideramos p lural , também, a forma verbal que apresenta uma vogal f ina l átona, mas sem a nasal ização. Ex.: e les nunca FAZE (FEZ) / eu acho que eles QUERE passá na f rente dos cató l ico (FNE) 55 plural, maior será a probabil idade de real ização da concordância e, por outro lado, quanto menor essa diferença, menor a chance de realização da concordância. ► PARALELISMO FORMAL NO NÍVEL ORACIONAL Esse grupo de fatores se baseia no estudo de Scherre e Naro (1993). Os pesquisadores analisaram o paralel ismo formal no nível oracional (marcas no sujeito) e no nível discursivo (marcas no verbo). Em nossa pesquisa, estamos analisando apenas o paralel ismo formal no nível oracional, que abrange duas categorias, i lustradas a seguir: a) presença da forma de plural explícita no último (ou único) elemento do SN sujeito: (81) tem umas que bate (MNG) (82) eles num gosta dos pobre (FNL) (83) nas pessoas que tão dormindo debaixo da ponte... (FEP) (84) meus pais obrigô eu trabaiá (MNJ) (85) os professores num sabe dá aula (MEO) b) presença da forma zero de plural no último elemento do SN sujeito: (86) as criança vai querê fazê também né?... (FNM) (87) mais já os menino é mais espertos do que ela (FEH) (88) os cara fei de qualquê jeito (MNG) (89) e os médico não achava o pobrema... (MET) Estamos postulando a mesma hipótese de Scherre e Naro (1993), ou seja, “marcas levam a marcas e zeros levam a zeros”. Esperamos mais concordância verbal quando os sujeitos apresentarem marcas de plural explícitas no últ imo (ou único) elemento. 56 ► PRESENÇA/AUSÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL A proposta do grupo de fatores presença/ausência do sujeito pronominal (eles, elas) se baseia nos estudos de Rodrigues (1987) e Pereira (2004) e compreende três categorias: a) sujeito pronominal explícito – representado pelos pronomes pessoais eles, elas : (90) eles tão ali na missa (MEB) (91) eu sei que elas visita as casa (MND) b) sujeito não-pronominal19 – representado por um nome lexical ou outros pronomes, como i lustram os exemplos: (92) as criança não sabe o que que é brincá hoje em dia (FEZ) (93) então... chegava os moleque... (MEV) (94) t inha alguns que caia (MNG) (95) otos inda mora lá no norte né? (FNI) c) sujeito pronominal nulo – sujeito não-explícito, sujeito zero, em que a referência é recuperada no contexto anterior. Exemplos: (96) e as criança chegô e tão aí até hoje (FEZ) (97) só vi eles falando que/ que eles são muito bom... t rata as criança super bem... e assim vai indo... (FNL) (98) e já começaru falá papai mamãe né?... (MNC) A hipótese estabelecida é a de que o sujeito pronominal nulo favorece a concordância, pois se o sujeito não se encontra explícito na 19 Talvez o nome “não-pronominal” não seja o mais adequado, já que inc luímos outros pronomes nessa categor ia. No entanto, o objet ivo fo i permit ir iso lar os pronomes pessoais eles /elas das demais ocorrênc ias de suje i to lex ical izado. 57 f rase, a f lexão não é redundante e tende a ser uti l izada. Já o sujeito explícito levaria ao uso de formas verbais não-marcadas, pois a perda da informação causada pelo apagamento da desinência número- pessoal dos verbos é compensada pelo uso do pronome lexical. ► POSIÇÃO E DISTÂNCIA DO SUJEITO EM RELAÇÃO AO VERBO Levamos em conta a posição e distância do sujeito em