UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro ELIAS MENDES OLIVEIRA A IMPLANTAÇÃO DE GRANDES INDÚSTRIAS DE CAPITAIS NACIONAIS E INTERNACIONAIS NA CIDADE PEQUENA DE EXTREMA (MG): PROCESSOS, FATORES E AGENTES Rio Claro - SP 2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro ELIAS MENDES OLIVEIRA A IMPLANTAÇÃO DE GRANDES INDÚSTRIAS DE CAPITAIS NACIONAIS E INTERNACIONAIS NA CIDADE PEQUENA DE EXTREMA (MG): PROCESSOS, FATORES E AGENTES Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Geografia (Organização do Espaço). Orientador: Prof. Dr. Auro Aparecido Mendes Rio Claro - SP 2018 O48i Oliveira, Elias Mendes A implantação de grandes indústrias de capitais nacionais e internacionais na cidade pequena de Extrema (MG) : processos, fatores e agentes / Elias Mendes Oliveira. -- Rio Claro, 2018 292 f. : il., tabs., fotos, mapas Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientador: Auro Aparecido Mendes 1. Industrialização. 2. Dinâmica locacional das indústrias. 3. Cidades pequenas. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro ELIAS MENDES OLIVEIRA A IMPLANTAÇÃO DE GRANDES INDÚSTRIAS DE CAPITAIS NACIONAIS E INTERNACIONAIS NA CIDADE PEQUENA DE EXTREMA (MG): PROCESSOS, FATORES E AGENTES Comissão Examinadora Prof. Dr. Auro Aparecido Mendes (Orientador) Prof.ª Dr.ª Sílvia Selingardi-Sampaio Prof. Dr. Paulo Roberto Teixeira de Godoy Prof. Dr. Pierre Alves Costa Prof. Dr. Eli Fernando Tavano Toledo Conceito: APROVADO Rio Claro/SP, 17 de outubro de 2018. Aos cidadãos da cidade pequena de Extrema e aos meus alunos no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Câmpus de São João da Boa Vista (SP). AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Auro Aparecido Mendes, para sempre um exemplo de profissional e de dedicação à geografia, pela orientação acadêmica, pela confiança e pela amizade; À minha companheira, Glaziela Aparecida Franco, pela cumplicidade e motivação, sobretudo nos momentos mais árduos da pesquisa, e pela construção de alguns esquemas gráficos contidos na tese; Aos meus pais, irmãs, familiares e amigos pelo apoio incondicional e irrestrito; À Prof.ª Dr.ª Sílvia Aparecida Guarnieri Ortigoza pelos apontamentos no Exame Geral de Qualificação, os quais foram extremamente valiosos na elaboração da tese; À Prof.ª Dr.ª Sílvia Selingardi-Sampaio, ao Prof. Dr. Paulo Roberto Teixeira de Godoy, ao Prof. Dr. Pierre Alves Costa e ao Prof. Dr. Eli Fernando Tavano Toledo por integrarem a Comissão Examinadora da tese, enriquecendo, com suas ponderações, a presente investigação científica; À administração do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo por incentivar a formação de seus servidores por meio do programa de afastamento para qualificação strictu sensu, benefício sem o qual seria extremamente penoso desenvolver a tese; Ao Secretário de Desenvolvimento Econômico e Empreendedorismo, Adriano Luís de Carvalho, e à Secretária de Turismo, Dora Ribeiro, da Prefeitura Municipal de Extrema, pela prontidão em atender-me, pela liberação de dados e documentos e pela participação nas entrevistas; Aos diretores do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Mecânicas e de Materiais Elétricos de Cambuí, Camanducaia, Extrema e Itapeva - Gilmar Abrahão e Sílvio Cesarino - pela participação em entrevistas. Agradeço, ainda, à funcionária Raquel da Silva Almeida, por disponibilizar informações sobre as indústrias do sindicato patronal; Aos representantes do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Extrema, Itapeva e Camanducaia - Alexandra Fernandes do Amaral Marques, Luís Fernando Palazzi de Souza, Vanderlei Pereira Marques e Aparecido dos Reis - pela participação em entrevista e, por gentilmente, permitirem acesso aos dados relativos aos trabalhadores da indústria, de seu acervo; Ao representante do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados, Vestuário, Confecções de Lonas, Encerados, Guarda-Chuvas, Chapéus, Bolsas, Cintos, Tricô, Crochê, Malharias e Similares de Pouso Alegre e Região, Márcio Mário Faria, pela concessão de entrevista durante o trabalho de campo; Ao Gilberto Donizetti Henrique e ao Matheus Martins Lopes pela elaboração dos mapas contidos na tese. À Ana Carolina Bonfitto Gonçalves Negrini pela amizade e profissionalismo; A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa. Com todos vocês, compartilho a satisfação de concluir mais essa etapa em minha trajetória profissional. Muito obrigado! HINO DO MUNICÍPIO DE EXTREMA Salve Extrema nossa terra, pérola da Mantiqueira, és orgulho dos teus filhos, que desejam ver-te altaneira. Tuas belezas naturais, são obras do sublime Criador, és uma tela colorida, feita com pincéis do Deus do Amor. Teus laços estão presos no passado, das pessoas que fizeram tua história, teus filhos têm deveres a cumprir, continuar tua conquista de vitória. Unida aos braços fortes dos imigrantes, dos operários e da tua mocidade, com o trabalho de toda comunidade, terra amada serás uma realidade. RESUMO A compreensão das mudanças recentes na repartição geográfica das unidades produtivas demanda a abordagem multiescalar dos eventos que condicionam a dinâmica locacional das indústrias nas diferentes escalas geográficas. Na escala global, a internacionalização do capital e da produção, a reestruturação produtiva das empresas e a globalização acentuaram a disjunção espacial do processo produtivo e possibilitaram a conformação de circuitos espaciais de produção e de círculos de cooperação coordenados pelas multinacionais. Simultaneamente, a desconcentração industrial e a guerra fiscal dos lugares integraram novas áreas ao processo produtivo, modificando o padrão regional de distribuição das indústrias no Brasil. Tais processos aprofundaram a divisão territorial do trabalho da indústria na direção de algumas cidades pequenas brasileiras, tradicionalmente concebidas como últimos elos na transição urbano-rural e associadas às atividades agrícolas. Nesse sentido, a implantação de grandes indústrias nacionais e internacionais em Extrema, nas últimas décadas, revela a complexidade crescente das relações e do espaço industrial no Brasil. De modo geral, os grandes investimentos da indústria foram motivados pela localização estratégica da cidade, às margens da Rodovia Fernão Dias (BR 381), pelos baixos salários e pelos esforços de diversos agentes sociais - Governo de Minas Gerais, Prefeitura Municipal de Extrema, sindicato patronal etc. – na criação de condições propícias para o desenvolvimento industrial no município. Na prática, esses fatores locacionais contribuem para a reprodução ampliada dos capitais da indústria, porque reduzem os custos das fases mais padronizadas da produção, como a transformação e a montagem industrial. Assim sendo, a emergência de Extrema como lócus da produção propriamente dita de grandes indústrias revela a capacidade dos agentes hegemônicos de proceder ao uso corporativo do território no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção. Entre os principais efeitos do atual ciclo de crescimento industrial em Extrema destacam-se: a diversificação econômica, a expansão demográfica e urbana, a elevação da capacidade tributária, os movimentos migratórios (êxodo rural, deslocamentos pendulares e inter- regionais), o acréscimo de centralidade na rede urbana, o aumento da especulação imobiliária, a sobrecarga nas infraestruturas e serviços urbanos e a elevação dos custos médios de vida. Os principais procedimentos metodológicos utilizados no desenvolvimento desta investigação científica foram: revisão bibliográfica de temas como industrialização e cidades pequenas, levantamento e análise de dados primários e secundários sobre a economia, a demografia e o uso industrial do território em Extrema, aplicação de entrevistas semiestruturadas junto ao Poder Público Municipal, aos sindicatos dos trabalhadores e ao sindicato patronal das indústrias e formação de acervo cartográfico e fotográfico dos espaços industriais no município. Palavras-chave: Industrialização. Dinâmica locacional das indústrias. Cidades pequenas. ABSTRACT The understanding of the recent changes in the geographical distribution of productive units demands the multiscale approach of the events that condition the locational dynamics of the industries in the different geographic scales. At the global scale, the internationalization of capital and production, the productive restructuring of enterprises and globalization have accentuated the spatial disjunction of the productive process and enabled the formation of space production circuits and cooperation circles coordinated by multinationals. Simultaneously, the industrial de- concentration and fiscal war of the places integrated new areas to the productive process, modifying the regional pattern of distribution of the industries in Brazil. Such processes have deepened the territorial division of labor in the industry towards some small Brazilian towns, traditionally conceived as the last links in urban-rural transition and associated with agricultural activities. In this sense, the implantation of large national and international industries in Extrema in recent decades reveals the increasing complexity of relations and industrial space in Brazil. In general, the great investments of the industry were motivated by the strategic location of the small town, on the margins of Fernão Dias Highway (BR 381), the low salaries and the efforts of various social agents - Minas Gerais Government, Extrema City Hall, employers etc. - creating favorable conditions for industrial development in the municipality. In practice, these locational factors contribute to the expanded reproduction of industrial capitals, because they reduce the costs of more standardized production phases, such as transformation and industrial assembly. Therefore, the emergence of Extrema as the locus of the actual production of large industries reveals the ability of hegemonic agents to proceed to the corporate use of territory in the current stage of development of productive forces and social relations of production. Among the main effects of the current cycle of industrial growth in Extrema are: economic diversification, demographic and urban expansion, rising tax capacity, migratory movements (rural exodus, commuting and interregional movements), centrality in the urban network, increased real estate speculation, overburden in urban infrastructure and services, and rising average living costs. The main methodological procedures used in the development of this scientific research were: bibliographical review of topics such as industrialization and small towns, survey and analysis of primary and secondary data on the economy, demography and industrial use of the territory in Extrema, application of semi-structured interviews along with the Municipal Public Power, to the workers' unions and to the employers union of the industries and the formation of cartographic and photographic collection of the industrial spaces in the municipality. Keywords: Industrialization. Locational dynamics of industries. Small towns. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figuras Pg. Figura 1. Inserção de Extrema (MG) na rede urbana polarizada por São Paulo (SP) e com ramificação em Pouso Alegre (MG) – 2007.......................... 95 Figura 2. Inserção de Extrema (MG) na rede urbana polarizada por São Paulo (SP) e com ramificações em Campinas (SP) e Bragança Paulista (SP) – 2007................................................................................................................ 96 Figura 3. Cronologia das fases de industrialização em Extrema (MG) – 1901/2018.......................................................................................................... 115 Figura 4. Dinâmica socioespacial durante a fase incipiente de industrialização em Extrema (MG) – 1901/1972................................................ 119 Fotografias Pg. Fotografia 1. Distrito industrial criado em parceria com a CDI-MG, no Bairro do Rodeio, em 1975 - 2018................................................................................ 194 Fotografia 2. Distrito industrial criado em parceria com a CDI-MG, no Bairro dos Pessegueiros, em 1995 - 2018................................................................... 194 Fotografia 3. Vista parcial do Distrito Industrial dos Pires, em Extrema (MG) – 2018................................................................................................................... 197 Fotografia 4. Vista parcial do Distrito Industrial dos Pessegueiros I, em Extrema (MG) – 2018......................................................................................... 197 Fotografia 5. Imagem aérea do Distrito Industrial dos Pessegueiros II, em Extrema (MG) – 2018......................................................................................... 198 Fotografia 6. Localização intraurbana das indústrias em Extrema (MG) – 2017................................................................................................................... 199 Fotografia 7. Localização da Fagor Ederlan em Extrema (MG) – 2018................................................................................................................... 200 Gráfico Pg. Gráfico 1. Balança comercial de Extrema (MG) – 2000/2016............................ 160 Mapas Pg. Mapa 1. Localização de Extrema (MG) na microrregião de Pouso Alegre (MG) – 2018....................................................................................................... 92 Mapa 2. Posição geográfica de Extrema (MG) no território brasileiro – 2017.. 93 Mapa 3. Localização dos grandes estabelecimentos industriais de capitais exógenos em Extrema (MG) – 2018.................................................................. 166 Mapa 4. Infraestrutura logística de Extrema no território nacional – 2018......... 185 Mapa 5. Rede de distribuição de gás natural da Gasmig – [201-]..................... 188 Mapa 6. Posição geográfica de Extrema (MG) em relação às principais montadoras de automóveis da Região Sudeste – 2017.................................... 189 Quadros Pg. Quadro 1. Rotas e principais atrativos turísticos em Extrema (MG) – 2016...... 108 Quadro 2. Características das fases de industrialização em Extrema (MG) – 1901/2018.......................................................................................................... 116 Quadro 3. Grandes indústrias de capitais exógenos em Extrema (MG) – 2015/2016.......................................................................................................... 164 Quadro 4. Fatores locacionais importantes para a localização industrial em Extrema (MG) – 1996/2018................................................................................ 180 Quadro 5. Agências estatais de fomento à atividade econômica em Minas Gerais – 2018..................................................................................................... 217 Quadro 6. Grandes indústrias de capitais exógenos contempladas com os benefícios concedidos pela Prefeitura Municipal de Extrema – 2000/2017....... 232 LISTA DE TABELAS Pg. Tabela 1. VAB por atividade econômica e PIB-M a preços correntes de Extrema (MG) – 2015......................................................................................... 105 Tabela 2. PIB-M por atividade econômica em Extrema (MG) com base nos preços em reais do ano 2000 – 1920/1959........................................................ 118 Tabela 3. População urbana e rural em Extrema (MG) – 1920/1960................ 120 Tabela 4. Organização industrial em Extrema (MG) – 1955.............................. 124 Tabela 5. PIB-M por atividade econômica em Extrema (MG) com base nos preços em reais do ano 2000 – 1970................................................................. 126 Tabela 6. Número de estabelecimentos e pessoal ocupado por gênero industrial em Extrema (MG) – 1970................................................................... 128 Tabela 7. População urbana e rural em Extrema (MG) – 1970......................... 129 Tabela 8. PIB-M por atividade econômica em Extrema (MG) com base nos preços em reais do ano 2000 – 1975/1985........................................................ 132 Tabela 9. População urbana e rural em Extrema (MG) – 1980/1991................ 135 Tabela 10. Número de estabelecimentos e pessoal ocupado por gênero industrial em Extrema (MG) – 1975................................................................... 138 Tabela 11. Número de estabelecimentos e pessoal ocupado por gênero industrial em Extrema (MG) – 1980................................................................... 139 Tabela 12. PIB-M por atividade econômica em Extrema (MG) com base nos preços em reais do ano 2000 – 1996/2010........................................................ 148 Tabela 13. População urbana e rural em Extrema (MG) – 1996/2016.............. 150 Tabela 14. Número de estabelecimentos e pessoal ocupado por gênero industrial em Extrema (MG) – 2015................................................................... 155 Tabela 15. Mão de obra ocupada por atividade econômica em Extrema (MG) - 31/12/2016....................................................................................................... 202 Tabela 16. Profissões com maior oferta de empregos formais em Extrema (MG) – 31/12/2016............................................................................................. 203 Tabela 17. Remuneração média dos empregos formais por atividade econômica em Extrema (MG) - 31/12/2016....................................................... 205 Tabela 18. Remuneração média das profissões com maior oferta de empregos formais em Extrema (MG) - 31/12/2016............................................ 205 Tabela 19. Remuneração média da indústria de transformação em municípios selecionados – 31/12/2016.............................................................. 207 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Abralatas Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio ALMG Assembleia Legislativa de Minas Gerais Anfavea Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores APA Área de Proteção Ambiental APL Arranjo Produtivo Local BDMG Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais BR 381 Rodovia Fernão Dias CDI-MG Companhia de Distritos Industriais de Minas Gerais Clia Centro Logístico Industrial e Aduaneiro Cnae Classificação Nacional de Atividades Econômicas Codemig Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais Copasa Companhia de Saneamento de Minas Gerais Dnit Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes Faex Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Extrema FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço Fiemg Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais Firjan Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro FJP Fundação João Pinheiro FPM Fundo de Participação dos Municípios Gasmig Companhia de Gás de Minas Gerais IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IDH-M Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IEDs Investimentos Externos Diretos IEF Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais Indi Instituto de Desenvolvimento Industrial de Minas Gerais Agência de Promoção de Investimento e Comércio Exterior de Minas Gerais INSS Instituto Nacional do Seguro Social Ipea Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano ISS Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza MET Ministério do Trabalho e Emprego NFIs Novas Formas de Investimentos NCIs Newly Industrialized Countries PEA População Economicamente Ativa PIB Produto Interno Bruto PIB-M Produto Interno Bruto Municipal PPSA Programas de Pagamentos por Serviços Ambientais PSDB Partido da Social Democracia Brasileira Rais Relação Anual de Informações Sociais Regic Região de Influência das Cidades RMC Região Metropolitana de Campinas RMSP Região Metropolitana de São Paulo Sebrae Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Sebrae-MG Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais Secex Secretaria de Comércio Exterior Sedectes Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais SEF-MG Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais Sesi Serviço Social da Indústria Senai Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial Sindalex Sindicato das Indústrias de Alimentação e Panificação de Extrema e Região Sindicavespar Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados, Vestuário, Confecções de Lonas, Encerados, Guarda-Chuvas, Chapéus, Bolsas, Cintos, Tricô, Crochê, Malharias e Similares de Pouso Alegre e Região Sinmec Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Mecânicas e de Materiais Elétricos de Cambuí, Camanducaia, Extrema e Itapeva Stimeic Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Extrema, Itapeva e Camanducaia Stiquimi Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Ramo Químico, Petroquímico, Farmacêutico, Plásticos, Tintas, Vernizes, Resinas, Sintéticas e Produtos do Toucador de Extrema, Itapeva, Munhoz e Toledo Sudam Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia Sudeco Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste Sudene Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste Suframa Superintendência de Desenvolvimento da Zona Franca de Manaus Unesp Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho VAB Valor Adicionado Bruto SUMÁRIO Pg. INTRODUÇÃO................................................................................................... 15 CAPÍTULO 1. DINÂMICA LOCACIONAL DAS INDÚSTRIAS E CIDADES PEQUENAS....................................................................................................... 26 1.1. Dinâmica locacional das indústrias em escala global................................. 31 1.2. Dinâmica locacional das indústrias em escala regional.............................. 44 CAPÍTULO 2. INDUSTRIALIZAÇÃO EM CIDADES PEQUENAS: PRINCIPAIS ABORDAGENS............................................................................. 58 2.1. Definição e caracterização de cidades pequenas....................................... 61 2.2. Cidades pequenas e divisão territorial do trabalho no Brasil...................... 72 2.3. Industrialização em cidades pequenas brasileiras: estudos empíricos...... 80 CAPÍTULO 3. A INDUSTRIALIZAÇÃO EM EXTREMA: ASPECTOS GEOGRÁFICOS E HISTÓRICOS...................................................................... 91 3.1. Aspectos geográficos em Extrema............................................................. 91 3.2. Aspectos históricos e socioeconômicos em Extrema................................. 98 3.3. Fases da industrialização em Extrema....................................................... 113 3.3.1. Fase incipiente (1901 – 1972)................................................................. 117 3.3.2. Fase de expansão industrial (1973 – 1995)............................................ 131 3.3.3. Fase de diversificação industrial (1996 – 2018)...................................... 142 CAPÍTULO 4. USO INDUSTRIAL DO TERRITÓRIO EM EXTREMA............... 153 4.1. Dinâmica locacional e caracterização dos grandes estabelecimentos industriais de capitais externos em Extrema..................................................... 154 4.2. Fatores locacionais de atração das indústrias em Extrema....................... 178 4.2.1. Localização estratégica em Extrema....................................................... 181 4.2.2. Mão de obra abundante e barata............................................................ 201 4.2.3. Ações do governo estadual..................................................................... 215 4.2.4. Ações do governo municipal.................................................................... 225 4.2.5. Ações das instituições privadas ligadas à indústria................................. 238 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 243 REFERÊNCIAS.................................................................................................. 251 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA......................................................................... 275 Apêndice I.......................................................................................................... 283 Apêndice II......................................................................................................... 285 Apêndice III........................................................................................................ 287 Apêndice IV........................................................................................................ 289 Anexo................................................................................................................. 291 15 INTRODUÇÃO A conjuntura político-econômica delineada pela globalização, marcada pela liberalização e acentuação das trocas mundialmente estabelecidas, intensificou a internacionalização do capital e da produção, a desconcentração industrial e a guerra fiscal dos lugares, tornando mais complexas as relações interindustriais e a divisão territorial do trabalho da indústria. Nesse contexto, algumas cidades pequenas brasileiras passaram a abrigar grandes estabelecimentos nacionais ou internacionais, tornando-se destinos privilegiados para o grande capital da indústria. Obviamente, algumas cidades pequenas exemplificam experiências endógenas de industrialização, com a especialização de suas estruturas produtivas em momentos anteriores. Nesses casos, constata-se a presença de arranjos produtivos locais (APLs) que condicionam a economia, a dinâmica socioespacial e os papéis desempenhados por tais cidades na divisão territorial do trabalho. No entanto, no novo cenário das relações industriais e das trocas internacionais, as cidades pequenas que acolheram grandes estabelecimentos passaram a integrar circuitos espaciais de produção e círculos de cooperação comandados “de fora” de seus territórios, estabelecendo interações espaciais e sinergias produtivas nas escalas nacional e global. Trata-se, pois, de um novo momento, de um novo ciclo de crescimento industrial que se sobrepõe às experiências anteriores de industrialização baseadas em recursos de origem local ou regional. Por conseguinte, a implantação recente de grandes unidades fabris em cidades pequenas revela a maior complexidade da repartição geográfica das indústrias, das relações industriais e da reestruturação urbana no Brasil, no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção. A compreensão das mudanças nos padrões de localização industrial deve basear-se na abordagem multiescalar dos processos que influenciam a distribuição das indústrias no território porque: a) os processos socioespaciais distinguem-se quanto à escala de origem e à escala de realização, revelando os diferenciais de poder entre os agentes 16 sociais que participam do processo produtivo e atuam de forma de distinta no território; b) a articulação única dos processos ao nível dos lugares permite explicar as razões pelas quais algumas cidades pequenas se tornaram destinos para os grandes investimentos da indústria, os quais lhes imprimiram novo (ou inédito) ciclo de crescimento industrial, econômico e urbano. Na escala global, a internacionalização do capital e da produção surgiu como resposta dos agentes hegemônicos – multinacionais e seus aliados no aparelho estatal – para conter a desvalorização cíclica do capital nos países centrais. A desvalorização decorre dos mecanismos de concentração e de centralização do capital intrínsecos ao capitalismo e manifesta-se sob a forma de superacumulação de capital e/ou de força de trabalho. Além disso, a internacionalização do capital e da produção favorece o acesso aos recursos naturais, à mão de obra abundante e barata e ao mercado consumidor expressivo de alguns países da periferia capitalista. Da mesma forma, permite usufruir os incentivos – desonerações fiscais, créditos, dotação de infraestrutura etc. – concedidos pelos governos desses países às indústrias, rebaixando os custos da produção. A internacionalização do capital e da produção consiste, portanto, em uma estratégia para a exploração de vantagens locacionais em lugares diferentes do país de origem do capital, ampliando os horizontes para a acumulação capitalista e o gerenciamento dos insumos, do mercado consumidor e do trabalho em escala global. Embora não seja recente na história do capitalismo, a internacionalização da do capital e da produção adquiriu novo dinamismo na década de 1970, consoante a uma série de transformações técnico-organizacionais que permitiram às grandes corporações segmentar a produção e empregar uma lógica multiterritorial, relativizando os efeitos da distância nas operações industriais. No bojo da reestruturação produtiva das empresas e da globalização, as novas formas de organização e de racionalização da produção estimularam a disjunção espacial dos estabelecimentos industriais. Por sua vez, o sistema de produção industrial, dividido entre diversos lugares, foi assegurado pela modernização e pela disseminação de redes de circulação (transportes, telecomunicações e energia) que conferiram maior fluidez ao território e 17 redimensionaram o peso dos fatores locacionais nas diversas etapas do processo produtivo. Em consequência, as empresas passaram a se estruturar em redes e os circuitos espaciais de produção expandiram-se pelo território, integrando várias cidades, regiões e países ao processo produtivo. Por outro lado, o comando da produção concentrou-se em alguns centros de gestão do território (como algumas metrópoles e cidades grandes), a partir dos quais os agentes hegemônicos coordenam os círculos de cooperação responsáveis pela circulação de capitais, informações e ordens entre os lugares que participam da produção. Na escala regional, verifica-se o fortalecimento da desconcentração espacial da indústria no Brasil. Este processo, que teve início na década de 1960, intensificou-se em 1970, basicamente pela presença de fatores repulsivos à localização industrial nas áreas tradicionais de concentração fabril e de fatores de atração disponíveis no interior do país. As deseconomias de aglomeração começaram a ocorrer nas regiões metropolitanas devido aos seguintes fatores: a elevação dos preços do solo urbano, onerando expansões futuras; as dificuldades logísticas no deslocamento de insumos, mercadorias e pessoas; os altos custos para modernização de fábricas de tempos pretéritos; a sindicalização da mão de obra; os conflitos de vizinhança resultantes das operações industriais (barulho, mau cheiro, manipulação de produtos perigosos, poluição ambiental, movimentação de elevados volumes de carga etc.), entre outros. Na prática, as deseconomias de aglomeração originaram forças centrífugas sobre os estabelecimentos consolidados nos grandes conjuntos urbanos e sobre os novos investimentos, incitando-os a buscar localizações mais favoráveis no território nacional. Os fatores de atração, por sua vez, estão relacionados à disseminação das condições gerais de produção no território desde a década de 1960, fruto das ações do Estado para modernizar o país, da internacionalização da economia brasileira, da urbanização crescente e da difusão de novos hábitos de consumo. Ademais, muitos municípios e estados passaram a fomentar a industrialização por meio de políticas específicas para atração dos estabelecimentos que migravam das metrópoles ou dos novos investimentos estrangeiros na produção. As principais alternativas utilizadas nessas políticas foram a concessão de incentivos fiscais e creditícios, a doação de terrenos e a provisão de benfeitorias ligadas à 18 infraestrutura, principalmente nos espaços planejados para acolher as unidades fabris, como os distritos industriais. Em um primeiro momento (décadas de 1970 e 1980), as cidades médias tornaram-se as principais “beneficiárias” da desconcentração industrial, sobretudo aquelas bem localizadas no Centro-Sul do país, por força de suas economias de aglomeração, da proximidade com os principais mercados consumidores e das políticas locais e estaduais de fomento à industrialização. Entretanto, a partir da década de 1990, algumas cidades pequenas também passaram a competir pelos grandes investimentos industriais, manifestando forças aglomerativas capazes de influenciar os empresários em suas escolhas locacionais. Todavia, a industrialização em cidades médias e pequenas não foi capaz de eliminar as assimetrias que, historicamente, caracterizam o espaço industrial brasileiro. Na realidade, a desconcentração industrial vem promovendo a reestruturação da divisão territorial do trabalho da indústria e redefinindo as hierarquias entre os lugares envolvidos na produção sob o comando da metrópole paulistana, que concentra a sede das principais empresas, bancos e instituições públicas do país. Na escala local, observa-se a periferização ou a suburbanização dos estabelecimentos industriais em espaços não metropolitanos e metropolitanos, respectivamente. Estes processos podem ser espontâneos, quando os empresários (re)localizam as unidades produtivas nas periferias ou subúrbios para evitar problemas identificados nas áreas centrais e pericentrais (congestionamentos, valorização do solo urbano, conflitos com a vizinhança etc.) e/ou explorar vantagens nas áreas periféricas e suburbanas (disponibilidade de terrenos amplos e baratos, incentivos fiscais e creditícios, presença de espaços industriais planejados, facilidades logísticas etc.). Podem ocorrer, também, de maneira induzida pelo Poder Público, através das restrições à localização central nos planos diretores e nas leis de uso e ocupação do solo ou da concessão de benefícios, condicionada à localização periférica ou suburbana das indústrias. No que concerne às políticas de fomento à industrialização, as ações empreendidas pelos estados e municípios para absorver investimentos industriais de procedência exógena permitem explicar a industrialização de muitas cidades pequenas no Brasil, principalmente a partir da década de 1990. 19 A disputa entre estados e municípios para atrair os investimentos industriais utilizando-se da concessão de incentivos fiscais e creditícios configurou a chamada guerra fiscal dos lugares, na qual são criadas condições artificiais de atração da indústria em lugares com menor tradição no setor secundário, interferindo na distribuição espacial da indústria brasileira. Em perspectiva multiescalar, pode-se afirmar que, sob a influência dos processos descritos anteriormente, áreas tradicionalmente industrializadas vêm perdendo sua capacidade de atração e de sustentação de estabelecimentos industriais, os quais são direcionados para áreas mais atrativas, deixando naquelas localidades problemas como o desemprego, a formação de brownfields, a redução da arrecadação municipal e seu consequente repasse para as políticas públicas de conotação social, entre outros. Por sua vez, as cidades que passaram a acolher novos investimentos industriais integraram redes de produção mais amplas, cujas lógicas produtivas extrapolam as escalas local e regional e são ditadas a distância por agentes sociais que operam nas escalas nacional ou global. Nessas cidades, potencializa-se a demanda sobre o solo urbano, tornando mais complexo e dinâmico o processo de produção do espaço. Esse é o caso das cidades pequenas brasileiras, que vêm passando por um intenso ciclo de crescimento industrial, econômico e urbano após a introdução de grandes somas de capitais exógenos na atividade industrial, a partir dos anos 1990. Desde então, essas cidades passaram a integrar amplos e complexos circuitos produtivos, atendendo solicitações advindas das escalas nacional ou global. Nesse sentido, a emergência de algumas cidades pequenas à condição de destinos prioritários para os grandes investimentos na indústria merece destaque na investigação científica porque contraria os estudos clássicos em Geografia Industrial que conferiam às metrópoles e às cidades grandes e, posteriormente, a algumas cidades médias, a supremacia na captação desses recursos. Além disso, rompe-se com a noção de que a estrutura produtiva e a dinâmica socioespacial das cidades pequenas se baseiam fundamentalmente nas atividades agrícolas, de modo que tais lugares não contariam com atributos capazes de atrair grandes investimentos da indústria, diferentes daqueles que mantêm agroindústrias ou complexos agroindustriais. 20 Na presente investigação científica, analisou-se a industrialização em Extrema (MG), partindo da tese de que, no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção, algumas cidades pequenas podem oferecer vantagens locacionais às indústrias, tornando-se lócus privilegiado para a implantação de grandes estabelecimentos de origem exógena (nacional e internacional). O município de Extrema, pesquisado, localiza-se no Sul e Sudoeste de Minas Gerais, na microrregião de Pouso Alegre (MG) (IBGE, 1972). O território local é entrecortado pela Rodovia Fernão Dias (BR 381), importante corredor logístico nacional. A cidade dista 484 km de Belo Horizonte (MG), 100 km de São Paulo (SP), 500 km do Rio de Janeiro (RJ) e 1.194 km de Brasília (DF) (ALMG, 2017). De acordo com o IBGE (2010), Extrema possuía 28.559 habitantes em 2010, com estimativa de 34.344 habitantes para 2017 (IBGE, 2017). A experiência recente de industrialização em Extrema chamou a atenção porque nas últimas três décadas foram instalados grandes estabelecimentos de origem exógena na cidade, os quais atuam em diversos gêneros da indústria de transformação e exploram grandes mercados, como a Delo Indústria e Comércio LTDA, a Panasonic do Brasil LTDA, a Multilaser Industrial S/A, a Pandurata Alimentos LTDA (Bauducco), a HBA Hutchinson Brasil Automotive LTDA, o Grupo CRM Indústria e Comércio de Alimentos LTDA (Kopenhagen e Brasil Cacau), a Dalka do Brasil LTDA (Acqualimp), a Barry Callebaut Brasil Indústria e Comércio de Produtos Alimentícios LTDA, a Kidde Brasil LTDA, a Ball do Brasil LTDA, entre outras. O crescimento industrial, econômico e urbano em Extrema é amplamente difundido no meio político, na mídia especializada em assuntos econômicos e nos veículos de imprensa regional e estadual, motivando esta pesquisa científica sobre a industrialização do município, segundo os pressupostos teórico-metodológicos da Geografia Industrial. A pesquisa procurou responder as seguintes questões: a) que vantagens ou fatores locacionais presentes no território local justificam os investimentos do grande capital da indústria em Extrema, a partir de meados da década de 1990? b) quais são e como atuam os agentes sociais diretamente envolvidos com a industrialização local? 21 c) como se processa o uso industrial do território em Extrema, no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção? d) quais os papéis desempenhados por Extrema na divisão territorial da indústria, atualmente? e) qual o significado da industrialização recente em Extrema no âmbito das estratégias para a reprodução do grande capital? O objetivo geral da pesquisa consistiu em compreender o processo de industrialização em Extrema em perspectiva histórico-geográfica, destacando os processos socioespaciais, os fatores locacionais e os agentes sociais envolvidos no atual ciclo de crescimento industrial no município. Em outras palavras, procurou-se explicar o papel desempenhado atualmente por Extrema, uma cidade pequena, na atual divisão territorial do trabalho da indústria. Os objetivos específicos da pesquisa foram:  examinar os processos socioespaciais relacionados às mudanças recentes nos padrões de localização das indústrias, nas escalas global e regional;  discutir o uso industrial do território nas cidades pequenas brasileiras a partir de estudos empíricos desenvolvidos por outros pesquisadores;  periodizar o processo de industrialização em Extrema segundo a origem principal dos capitais investidos no setor secundário;  analisar o espaço e a dinâmica industrial vigente em Extrema de acordo com os seguintes critérios: quantidade e tamanho dos estabelecimentos, gêneros industriais, início das operações das indústrias no município, origens dos capitais investidos, perfil da mão de obra, especialização versus diversificação industrial, entre outros;  avaliar os fatores locacionais que vêm sendo determinantes para a implantação de grandes estabelecimentos de origem exógena em Extrema nas últimas três décadas. O método empregado foi o materialismo histórico e dialético, porque permitiu analisar a evolução histórica das relações entre indústria e território, bem como a criação das condições gerais de produção para a reprodução do capital da indústria em cidades pequenas. 22 Neste sentido, a análise das continuidades e rupturas nos padrões de localização das indústrias baseou-se no desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção, na disseminação desigual – no tempo e no espaço – das condições gerais de produção, nos diferentes graus de integração entre os lugares e nas mudanças nos papéis do Estado, sobretudo no contexto da globalização neoliberal e da guerra fiscal dos lugares. Em outras palavras, a emergência de algumas cidades pequenas como destinos privilegiados para o grande capital foi avaliada a partir da dinâmica locacional das indústrias, a qual expressa as tentativas históricas de valorização do capital no território. Ao longo da pesquisa, foram empregados os seguintes procedimentos metodológicos: a) levantamentos e análises de bibliografias – livros, artigos acadêmicos, teses e dissertações, anais de congressos científicos etc. – que abordam os seguintes temas: industrialização, localização industrial, relações interindustriais, internacionalização do capital e da produção, reestruturação produtiva das empresas, globalização, desconcentração industrial, guerra fiscal dos lugares, políticas industriais, industrialização no Brasil, em Minas Gerais e no Sul e Sudoeste de Minas Gerais, rede urbana, cidades pequenas, história e economia de Extrema; b) levantamentos e análises de dados secundários que caracterizam a indústria, a economia, a demografia e a sociedade de Extrema em diferentes contextos históricos, como a quantidade de pessoal ocupado na indústria, a participação da indústria no conjunto das atividades econômicas, a população economicamente ativa (PEA) por atividade econômica, os gêneros industriais em funcionamento no município, a quantidade e o tamanho dos estabelecimentos industriais, as origens dos capitais investidos, o ano de início das atividades das indústrias, o Produto Interno Bruto Municipal (PIB- M), o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), a balança comercial do município, o número total de habitantes, a população urbana e a população rural, entre outros. Tais informações foram obtidas junto: i) aos órgãos oficiais de governo das esferas federal ou estadual, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ministério do Trabalho e Emprego (MET), o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), a 23 Secretaria de Comércio Exterior (Secex), a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais (Sedectes), a Fundação João Pinheiro (FJP), entre outros; ii) às instituições privadas de fomento à indústria e à atividade empresarial em âmbito estadual, como a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae-MG), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), entre outros; iii) ao próprio município, em interlocução com o Poder Público Municipal (Prefeitura e/ou Câmara Municipal); iv) às páginas eletrônicas das indústrias e dos sindicatos (patronais e dos trabalhadores) que atuam em Extrema; c) levantamentos e análises de estudos técnicos e relatórios oficiais sobre a industrialização, a economia, a demografia e a infraestrutura de Minas Gerais e de seus municípios, emitidos pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), pela Agência de Promoção de Investimento e Comércio Exterior de Minas Gerais (Indi), pela Companhia de Distritos Industriais de Minas Gerais (CDI-MG), pela Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) e pela FJP; d) aquisição do Cadastro de Empresas Ativas da Prefeitura Municipal de Extrema (versão atualizada em dezembro de 2017), documento-base a partir do qual se filtraram as indústrias em funcionamento na cidade, atualmente (PREFEITURA MUNICIPAL DE EXTREMA, 2017a). A partir desta relação, procedeu-se à classificação dos estabelecimentos por tamanho e gênero industrial, cujo resultado subsidiou a confecção dos mapas e dos quadros que qualificam as grandes indústrias em funcionamento em Extrema. A categorização das indústrias por porte baseou-se no critério do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que define como estabelecimentos de micro, pequeno, médio e grande porte aqueles que empregam, respectivamente, entre 1 e 19, 20 e 99, 100 e 499 e 500 ou mais trabalhadores (SEBRAE, 2013). A quantidade de funcionários por indústria foi extraída de documento fornecido pelo Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Mecânicas e de Materiais Elétricos de Cambuí, Camanducaia, Extrema e Itapeva (Sinmec), referente ao biênio 2015/2016 (SINMEC, 2016). 24 As informações sobre o gênero industrial e o início das atividades das indústrias em Extrema foram extraídas do Cadastro de Contribuintes do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), constante na página eletrônica da Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais (SEF- MG, 2018); e) aquisição e análise das normas que regulamentam a promoção da indústria e o ordenamento territorial em Extrema, como a Agenda 21 e as leis que concederam benefícios locais às indústrias. As legislações foram adquiridas junto à Prefeitura ou à Câmara Municipal de Extrema; f) realização, transcrição e análise de entrevistas semiestruturadas junto à Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Empreendedorismo e à Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Extrema, ao Sinmec, ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados, Vestuário, Confecções de Lonas, Encerados, Guarda-Chuvas, Chapéus, Bolsas, Cintos, Tricô, Crochê, Malharias e Similares de Pouso Alegre e Região (Sindicavespar), e ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Extrema, Itapeva e Camanducaia (Stimeic)1. As entrevistas totalizaram mais de 10 horas e constituíram a principal fonte de dados primários sobre as indústrias, as relações industriais e o uso industrial do território em Extrema. Os roteiros das entrevistas semiestruturadas constam dos Apêndices I, II, III e IV. g) formação de acervo cartográfico sobre aspectos relevantes para as discussões contidas na tese, como a posição geográfica e a infraestrutura logística de Extrema, a disposição das grandes indústrias no perímetro urbano, a localização do município em relação às principais montadoras de automóveis na Região Sudeste, a rede de distribuição de gás natural da Companhia de Gás de Minas Gerais (Gasmig) etc. Alguns mapas foram compilados da internet, enquanto outros foram desenvolvidos especialmente para esse trabalho, a partir do programa Quantum GIS 2.18.16 ‘Las Palmas’. h) formação de acervo fotográfico dos espaços industriais do município; 1 Além do Stimeic, existem outros dois sindicatos dos trabalhadores das indústrias sediados em Extrema: o Sindicato das Indústrias de Alimentação e Panificação de Extrema e Região (Sindalex) e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Ramo Químico, Petroquímico, Farmacêutico, Plásticos, Tintas, Vernizes, Resinas, Sintéticas e Produtos do Toucador de Extrema, Itapeva, Munhoz e Toledo (Stiquimi). Durante a realização do trabalho de campo, ambos os sindicatos não retornaram aos contatos para agendamento de entrevista semiestruturada com algum de seus representantes. 25 i) tabulação e sistematização das informações obtidas por meio de esquemas representativos diversos, como gráficos, quadros, tabelas, cartogramas etc. j) redação final da tese, contendo a análise crítica dos dados primários e secundários à luz da literatura especializada, bem como as conclusões obtidas. A presente pesquisa encontra-se estruturada em quatro capítulos. No primeiro capítulo, apresenta-se revisão bibliográfica sobre os processos socioespaciais responsáveis pelas transformações recentes na configuração e na dinâmica do espaço industrial brasileiro, como a emergência de algumas cidades pequenas como destinos privilegiados para a reprodução do grande capital da indústria. Os processos discutidos são: a internacionalização do capital e da produção, a reestruturação produtiva das empresas e a globalização, em escala global; a desconcentração industrial e a guerra fiscal dos lugares, em escala regional. No segundo capítulo, avaliam-se a definição e a caracterização das cidades pequenas, as quais são compreendidas como particularidade do fenômeno urbano no Brasil, que reúne singularidades resultantes de um processo complexo de diferenciação socioespacial do território. Em seguida, analisam-se diferentes abordagens sobre o uso industrial do território em cidades pequenas, devidamente exemplificadas com estudos empíricos. No terceiro capítulo, são discutidos os aspectos locacionais, históricos, socioeconômicos e demográficos de Extrema. Na sequência, propõe-se uma periodização da industrialização local como forma de apreender, em perspectiva histórico-geográfica, como se processa o uso industrial do território e os diferentes papéis desempenhados pelo município na divisão territorial do trabalho da indústria. No quarto capítulo, aprofunda-se o exame sobre o atual ciclo de crescimento industrial no município, representado pela última das fases de industrialização propostas no capítulo anterior. Para tanto, analisam-se a estrutura e a dinâmica do espaço industrial em Extrema, bem como os fatores locacionais que exercem influência sobre o grande capital da indústria no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção. 26 CAPÍTULO 1. DINÂMICA LOCACIONAL DAS INDÚSTRIAS E CIDADES PEQUENAS A compreensão das transformações recentes na atividade industrial - inclusive a emergência de algumas cidades pequenas à condição de lócus da produção de grandes unidades fabris - requer a abordagem multiescalar dos processos socioespaciais responsáveis pela reestruturação da divisão territorial do trabalho da indústria. De acordo com Silveira (2010, 2011a, 2011b), as abordagens orientadas para os processos permitem apreender a própria dinâmica dos territórios, na medida em que esses são os portadores do “novo”, da sociedade e do espaço geográfico em movimento. Desse modo, [...], cada período produz suas forças de aglomeração e dispersão, resultado da utilização combinada de condições técnicas e políticas, que não podem ser confundidas com as de momentos pretéritos e que redefinem os limites. Hoje, verifica-se a difusão do sistema técnico comandado pelas técnicas informacionais que cria uma concentração e uma dispersão combinadas. Dão-se, no território e na sociedade, bruscas mudanças de papéis, que são ao mesmo tempo mudanças de lugares. De tal modo, os chamados equilíbrios precedentes se rompem e muda o conteúdo dos lugares e do território como um todo, indicando novos fatores de localização (SILVEIRA, 2011b, p. 5). Além disso, a abordagem multiescalar dos processos evidencia os diferenciais de poder na apropriação das riquezas geradas pela indústria, explicitando relações de complementaridade e de conflito entre os agentes sociais e os lugares que integram o processo produtivo. Para Santos (2008), os eventos dinamizam o território e diferem quanto à escala de origem e à escala de realização. No primeiro caso, porque se distinguem de acordo com o agente social (governos, empresas, instituições, classes sociais, indivíduos, sindicatos, outros grupos sociais organizados etc.) e sua respectiva capacidade de transformar a sociedade e o espaço geográfico. No segundo caso, porque a manifestação de um fenômeno no território depende da sobreposição e da coexistência de múltiplos eventos em nível local, em um processo contínuo de reestruturação territorial e de diferenciação socioespacial. 27 Nesse sentido, a noção de escala se aplica aos eventos segundo duas acepções. A primeira é a escala da “origem” das variáveis envolvidas na produção do evento. A segunda é a escala do impacto, de sua realização. Além do mais, os eventos históricos não se dão isoladamente. Esse não isolamento se traduz por dois tipos de solidariedade. O primeiro tem como base a origem do evento, sua causa eficiente, cuja incidência se faz, ao mesmo tempo, em diversos lugares, próximos ou longínquos. Trata-se, aqui, de eventos solidários, mas não superpostos: sua ligação vem do movimento de uma totalidade superior à do lugar em que se instalam. O outro tipo de solidariedade tem como base o lugar da objetivação do evento, sua própria geografização. Aqui os diversos eventos concomitantes são solidários porque estão superpostos, ocorrendo numa área comum. No primeiro caso, temos a escala das forças operantes e no segundo temos a área de ocorrência, a escala do fenômeno. [...]. Assim, a escala de origem do evento tem o que ver com a força do seu emissor. [...]. Esses vetores de diferentes níveis hierárquicos se combinam para solidariamente constituir uma área comum de ocorrência, que é a sua escala de realização (SANTOS, 2008, p. 152 – 153). Nessa perspectiva, é possível constatar a vigência de uma dinâmica locacional das indústrias nas diferentes escalas geográficas, resultante das ações de agentes sociais e instituições que visam explorar no território os fatores que proporcionem maior rentabilidade ao capital da indústria. Entretanto, não basta situar ou descrever os processos separadamente, em suas escalas de origem e de realização. À Geografia interessa, sobretudo, uma visão integradora dos eventos, ou seja, a manifestação conjunta e singular destes nos lugares, renovando especializações, fragmentações e hierarquias que (re)estruturam a divisão territorial do trabalho. Santos (2008) afirma que cada lugar assimila as virtualidades dos processos hegemônicos de forma específica devido a sua constituição prévia, ou seja, às heranças de múltiplas e sucessivas divisões territoriais do trabalho anteriores. Para o autor, a cada momento, cada lugar recebe determinados vetores e deixa de acolher muitos outros. É assim que se forma e mantém a sua individualidade. O movimento do espaço é resultante deste movimento dos lugares. Visto pela ótica do espaço como um todo, esse movimento é discreto, heterogêneo e conjunto, “desigual e combinado”. Não é um movimento unidirecional. Pois os lugares assim constituídos passam a condicionar a própria divisão territorial do trabalho, sendo-lhe, ao mesmo tempo, um resultado e uma 28 condição, senão um fator. Mas é a divisão territorial do trabalho que tem precedência causal, na medida em que é ela a portadora das forças de transformação, conduzidas por ações novas ou renovadas, e encaixadas em objetos recentes ou antigos, que as tornam possíveis (SANTOS, 2008, p. 133). No caso da indústria, os lugares oferecem possibilidades distintas para a valorização do capital devido à sua constituição prévia. Por conseguinte, cada lugar integra-se de forma diferenciada aos processos que dinamizam o espaço industrial e que visam explorar as condições mais propícias para a reprodução do capital no território. Lencioni (2007, 2017) considera que as relações entre indústria e território se fundamentam na disseminação desigual, no tempo e no espaço, das condições gerais de produção, as quais variam conforme o tipo de indústria. A diversidade no território irá condicionar os padrões de localização (concentração ou dispersão) atuais e futuros dos estabelecimentos e dos fluxos industriais de acordo com as possibilidades que os lugares oferecem à valorização do capital. Assim sendo, as condições gerais de produção articulam o particular ao geral, estabelecendo nexos entre o processo imediato de produção (transformação industrial) e o conjunto da produção e da circulação do capital (valorização do capital) (LENCIONI, 2007, 2017). No Brasil, a divisão territorial da indústria vem sendo continuamente reestruturada com a incorporação diferenciada de parcelas de seu território aos processos que dinamizam seu espaço industrial na contemporaneidade. Os principais processos que ajudam a explicar as mutações recentes na atividade industrial e na divisão territorial do trabalho da indústria são a internacionalização do capital e da produção, a reestruturação produtiva das empresas e a globalização, em escala global; a desconcentração espacial da indústria brasileira e a guerra fiscal dos lugares, em escala regional. Tais processos aprofundaram a divisão territorial do trabalho da indústria no país, inclusive com a inserção de algumas cidades pequenas - tradicionalmente consideradas como últimos elos na confluência do urbano e do rural (CORRÊA, 2011) - aos circuitos espaciais de produção e aos círculos de cooperação de grandes indústrias, geralmente como lócus da produção propriamente dita (transformação e montagem industrial). 29 Frederico e Castillo (2003, p. 237) consideram que os circuitos espaciais produtivos pressupõem a circulação de materiais (fluxos materiais) no encadeamento das instâncias geograficamente separadas da produção, distribuição, troca e consumo de um determinado produto num movimento permanente; os círculos de cooperação no espaço, por sua vez, tratam da comunicação consubstanciada na transferência de capitais, ordens e informação (fluxos imateriais), garantindo os níveis de organização necessários para articular lugares e agentes dispersos geograficamente, isto é, unificando, através de comandos centralizados, as diversas etapas, espacialmente segmentadas, da produção. Desse modo, os circuitos espaciais de produção e os círculos de cooperação expressam a racionalidade capitalista no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção. Tal racionalidade envolve, simultaneamente, a fragmentação do processo produtivo e o controle, direto ou indireto, dos lugares envolvidos na produção pelos agentes sociais hegemônicos (SILVEIRA, 2010, 2011a, 2011b). Por meio dos circuitos espaciais de produção e dos círculos de cooperação - cujo alcance e complexidade dependem da capitalização, do domínio tecnológico e do poder de barganha dos agentes sociais que definem a produção –, as corporações procedem ao uso corporativo do território (SILVEIRA, 2010, 2011a, 2011b). É corporativo porque dita aos lugares as necessidades corporativas, induzindo o Poder Público e a sociedade civil a proverem as infraestruturas e a criarem um ambiente institucional e normativo necessário às atividades e aos interesses empresariais. Obviamente, as corporações não atuam com a mesma qualidade e intensidade nas diferentes parcelas do território; ao contrário, as empresas fixam uma topologia entre os lugares incluídos no processo produtivo, direcionando-lhes diferentes volumes de capitais e informações ou fases específicas da produção (SILVEIRA, 2010, 2011a, 2011b). Consequentemente, com o uso corporativo do território, cada lugar assume papel distinto na geração de valor para as grandes corporações. Nesses termos, a integração de áreas com pouca tradição industrial, como algumas cidades pequenas brasileiras, aos circuitos espaciais de produção e círculos de cooperação de multinacionais e grandes indústrias nacionais, demonstra 30 a complexidade crescente do espaço e das relações industriais no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção, exacerbando a divisão territorial do trabalho da indústria nas múltiplas escalas geográficas. Essa realidade contrasta com os estudos clássicos em Geografia Industrial, que conferiam às metrópoles e às cidades grandes e, posteriormente, a algumas cidades médias, o status de destinos preferenciais para o grande capital da indústria, em função do volume de economias de aglomeração presentes nesses lugares. Esse capítulo apresenta uma revisão bibliográfica das principais mudanças em curso no espaço e nas relações industriais e encontra-se subdividido em duas seções. Na primeira seção, discute-se a dinâmica locacional das indústrias em escala global, com ênfase nos processos de internacionalização do capital e da produção, de reestruturação produtiva das empresas e de globalização, os quais intensificaram a dispersão dos estabelecimentos e a reprodução do grande capital da indústria em escala global, a partir de 1970. Na segunda seção, avaliam-se os principais desdobramentos da desconcentração industrial e da guerra fiscal no Brasil, processos que condicionam a dinâmica locacional das indústrias em escala regional. Em conjunto, ambas as dinâmicas locacionais da indústria2 são responsáveis por modificar a configuração e a dinâmica do espaço industrial brasileiro e auxiliam a compreensão do crescimento industrial, econômico e urbano verificado em algumas cidades pequenas após o ingresso de capitais exógenos (nacionais e internacionais) da indústria, nas últimas décadas. 2 Além da dinâmica locacional das indústrias na escala global e na escala regional, há a dinâmica locacional das indústrias em escala intraurbana ou intrametropolitana. A periferização ou suburbanização dos estabelecimentos industriais, respectivamente, consistem nas principais tendências de localização das unidades produtivas no território. Tais processos podem ocorrer espontaneamente ou de forma induzida, tendo como causas principais: a) as restrições à localização industrial nas áreas centrais e pericentrais, devido aos problemas logísticos, à sobrecarga das infraestruturas urbanas e aos conflitos de vizinhança decorrentes do processo de produção industrial; b) a valorização dos imóveis nas áreas centrais e pericentrais, dificultando a modernização e/ou expansão física das unidades industriais; c) a disponibilidade de terrenos amplos e baratos nas periferias e subúrbios; d) a presença de espaços industriais planejados, como os distritos industriais, nas periferias e subúrbios (MENDES; SELINGARDI-SAMPAIO, 1987; SPOSITO, 1986; SAILER, 2010; OLIVEIRA, 2012). A análise aprofundada dos padrões de localização dos estabelecimentos industriais em Extrema não constitui objetivo específico desta pesquisa, motivo pelo qual a dinâmica locacional intraurbana das indústrias não será examinada de maneira minuciosa nas discussões seguintes. 31 1.1. Dinâmica locacional das indústrias em escala global Na escala global, o movimento das indústrias resulta das forças centrífugas e centrípetas que agem de forma descontínua setorial, temporal e espacialmente sobre os estabelecimentos e os fluxos industriais, (re)estruturando a divisão internacional do trabalho da indústria. A conformação de um sistema mundial de produção industrial, em que a produção se estrutura em redes que integram diversas cidades, regiões e países, constitui a principal característica da dinâmica locacional das indústrias em escala global. A constituição deste sistema ocorreu de modo progressivo, conforme o desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção, que possibilitou a dispersão espacial das indústrias e a fragmentação do processo produtivo entre diversos lugares. A internacionalização do capital, intrínseca ao capitalismo, constitui a lógica subjacente à dinâmica locacional das indústrias, na escala global. A internacionalização do capital diz respeito às ações que empresas estabelecem nos diversos países onde atuam, através dos fluxos de investimentos, da exploração dos insumos, da mão de obra e do mercado consumidor, da produção e da transferência de informações e de tecnologia, da concorrência intercapitalista etc. Singer (1976, p. 81) explica que a história do capitalismo enquanto sistema mundial é “[...] a história da internacionalização do capital, ou seja, da criação de um espaço econômico internacional no qual o capital em suas diversas formas – capital- dinheiro, capital-meios de produção e capital-mercadoria – pode circular livremente”. Gonçalves (1992) argumenta que a internacionalização do capital se manifesta desde os primórdios do capitalismo, porque esse sistema econômico é essencialmente um processo de acumulação de capital. Desse modo, “[...] não existe capitalismo sem relações econômicas internacionais, e [...] as condições da produção capitalista e suas crises levam à concentração e centralização do capital” (GONÇALVES, 1992, p. 20). Harvey (2005) interpreta a internacionalização do capital como estratégia dos agentes hegemônicos para superar as crises que acometem periodicamente o capitalismo. Fruto das relações contraditórias entre capital e trabalho, as crises manifestam-se pela geração de excedentes de capital, de trabalho, ou de ambos, os 32 quais tendem a se desvalorizar. Para conter a desvalorização cíclica do capital, existem dois tipos complementares de ajustes - o temporal e o espacial – responsáveis pela absorção dos excedentes e por postergar os efeitos das crises. O ajuste temporal implica na realização de grandes obras de infraestrutura, com liquidez a médio ou longo prazo, na criação de capital fictício e no aprimoramento dos mecanismos de especulação financeira. Pressupõe restrições mínimas à circulação do capital, estimulando o desenvolvimento dos sistemas bancário e financeiro (HARVEY, 2005). O ajuste espacial ocorre através da busca contínua por novas frentes geográficas para a acumulação capitalista. Em sua disposição expansionista, o capitalismo tende a beneficiar-se das diferenças espaciais preestabelecidas, aprofundando-as, pois os investimentos são direcionados para as áreas que lhe tragam maior rentabilidade. Em consequência, potencializam-se o desenvolvimento desigual e combinado e a diferenciação socioespacial no território, pois a economia dos lugares que recebem os maiores volumes de capital tende a se tornar mais dinâmica (HARVEY, 2005). Harvey (2005) conclui que os referidos ajustes se efetivam através da internacionalização do capital. No entanto, ambos oferecem soluções temporárias para as crises porque não superam a dicotomia capital-trabalho, que constitui o fundamento do sistema capitalista. As multinacionais são os principais agentes da internacionalização do capital e da produção. De acordo com Corrêa (1996), as grandes corporações são os agentes privilegiados da gestão do território em função do poderio econômico, tecnológico e político que lhes capacita extrair mais-valia globalmente. As grandes corporações desempenham papel crucial na organização do espaço, porque o conjunto de práticas por elas efetuadas tem uma necessária espacialidade, influenciando a divisão internacional do trabalho. As principais características das grandes corporações são: a ampla escala de operações, a natureza multifuncional, a segmentação da corporação, as múltiplas localizações e o poder de pressão econômica e política (CORRÊA, 2010). 33 Harvey (2005, p. 142 – 143) define a empresa multinacional como aquela: [...] capaz de deslocar capital e tecnologia rapidamente para diversos lugares, controlando diferentes recursos, mercados de trabalho, de consumo e oportunidades de lucro, enquanto organiza sua própria divisão territorial do trabalho, e obtém muito do seu poder devido a sua capacidade de dominar o espaço e usar os diferenciais geográficos de maneira que a empresa familiar não o faz. Silveira (2010, 2011a, 2011b) esclarece que a grande corporação atua em redes, com as quais coordena fluxos significativos de mercadorias, pessoas, capitais, informações, ordens, valores etc. e faz o uso corporativo do território, impondo aos lugares sua própria divisão territorial do trabalho. À semelhança do processo de internacionalização do capital, a gênese e a evolução das grandes corporações devem ser compreendidas à luz do processo dinâmico e orgânico de concentração e centralização do capital, característico do capitalismo (GONÇALVES, 1992). Gonçalves (1992) assevera que a origem das grandes corporações remonta à primeira fase de internacionalização do capital, nas últimas décadas do século XIX, durante a expansão imperialista. No decurso do capitalismo, algumas indústrias diversificaram suas atividades, conquistaram mercados e eliminaram concorrentes, transformando-se nas grandes corporações que, atualmente, comandam as estruturas oligopolizadas de mercado. Nesse sentido, o avanço das empresas multinacionais decorre do acirramento da concorrência não só na escala nacional, mas também na mundial. No front interno, as empresas e grupos promoveram um forte movimento de concentração e centralização, ao passo que, no front externo, adotaram uma estratégia de concentração mediante novos investimentos em países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Essas diferentes estratégias estão relacionadas à emergência de constrangimentos à acumulação nos países capitalistas e ao imperativo capitalista de acumulação ampliada (SPOSITO; SANTOS, 2012, p. 25). Sposito e Santos (2012) ressaltam que existem diferentes formas de internacionalização do capital sob o comando das grandes corporações, a saber: a) o comércio exterior de bens e serviços; b) os Investimentos Externos Diretos (IEDs) (fusão e aquisição de empresas, os novos investimentos e joint ventures); 34 c) os investimentos em portfólios (títulos públicos e privados); d) e as Novas Formas de Investimentos (NFIs) (acordos de licença, de assistência técnica, de franshising e de terceirização internacional). As modalidades de internacionalização do capital se alteram em importância e, consequentemente, no volume de transações econômicas dependendo da conjuntura histórico-geográfica da sociedade capitalista, como mencionam Sposito e Santos (2012, p. 23 – 24): a internacionalização do capital pode ocorrer de diferentes maneiras, de acordo com cada momento histórico. Cada período é marcado pela predominância de um aspecto da internacionalização, o que não significa que as outras facetas sejam negligenciadas. [...]. As diferentes formas de investimento se alteram temporal, setorial e espacialmente. Em finais do século XIX, prevaleciam os investimentos em portfólios por meio de empréstimos entre governos (países desenvolvidos para subdesenvolvidos) e da implantação de infraestruturas em países subdesenvolvidos. É a partir de 1950, com o avanço internacional das empresas estadunidenses, europeias e japonesas, que a prevalência dos investimentos assume a forma de IED. Desde os anos 1970, com o fim do padrão ouro-dólar e a adoção de medidas neoliberais de desregulamentação, as NFIs têm se destacado. Apesar de recorrente na história do capitalismo, a internacionalização do capital conheceu um salto quantitativo e qualitativo na década de 1950. Quantitativamente, porque aumentaram os volumes de capitais em circulação no mercado internacional, consoante ao período de grande liquidez na economia mundial entre o pós-guerra e meados da década de 1970. Qualitativamente, porque se modificou a modalidade preferencial com que se realizava a internacionalização do capital: a partir daquele momento intensificaram-se os IEDs, ou seja, os investimentos na forma de capital-meio de produção (SINGER, 1976) ou a internacionalização do próprio processo produtivo (SPOSITO; SANTOS, 2012). Selingardi-Sampaio (2009) enumera um conjunto de processos e reestruturações que impulsionaram a internacionalização do capital e da produção na década de 1950, quais sejam: a) no plano geopolítico e institucional: o processo de descolonização dos antigos impérios europeus e a construção da bipolaridade político-militar; b) no plano econômico: a criação de organismos internacionais destinados a regular as trocas globais, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco 35 Mundial e a Organização Mundial do Comércio; a consolidação do regime fordista de acumulação, em fase de expansão dos países centrais para a periferia do sistema capitalista; a maior fluidez do território com o desenvolvimento e a disseminação gradual dos avanços tecnológicos nos transportes e telecomunicações; c) na esfera sociopolítica: a intervenção estatal na economia e na organização do território (Estado interventor); d) no domínio da ciência e tecnologia: o desenvolvimento de novas mercadorias. Tais processos e reestruturações repercutiram na divisão territorial do trabalho da indústria com a desconcentração das unidades produtivas no interior dos países industrializados e a transferência de fábricas dos países centrais para a periferia do sistema capitalista (SELINGARDI-SAMPAIO, 2009). Entretanto, os investimentos dos países centrais (Estados Unidos, Japão e países da Europa Ocidental) não foram distribuídos de forma homogênea entre os países da periferia capitalista. Os capitais foram direcionados, principalmente, às nações que detinham importantes reservas de recursos naturais, mão de obra barata e mercado consumidor expressivo ou que tinham atingido certo grau de industrialização, como o Brasil, o México, a Argentina, a Índia, a China e a África do Sul. Em outras palavras, no contexto do fordismo periférico (LIPIETZ, 1989), os investimentos foram distribuídos entre os países que apresentavam melhores condições para a reprodução dos capitais, doravante denominados Newly Industrialized Countries (NCIs) ou Novos Países Industrializados. Os fluxos de investimentos foram amplamente assistidos pelas políticas de substituição das importações empreendidas pelos países da periferia, cujos governos procuravam fomentar a industrialização com aporte de recursos estrangeiros. As principais medidas adotadas para atrair os capitais exógenos abarcavam a concessão de incentivos fiscais e creditícios às empresas, a reserva do mercado interno e a implantação das infraestruturas físicas (energia elétrica, transportes, comunicações, saneamento básico etc.) e sociais (sistema educacional, legislação trabalhista etc.) que dariam suporte à atividade secundária e garantiriam a viabilidade dos empreendimentos industriais. O Brasil tornou-se um dos países que mais receberam IEDs no pós-guerra, motivo pelo qual se configura como um dos mais importantes NICs. A dimensão continental do território, abundante em recursos naturais, aliada ao expressivo 36 mercado consumidor e de mão de obra barata constituem importantes atrativos para os investidores estrangeiros. Além disso, o Estado brasileiro promoveu uma política incisiva de atração de capitais externos a partir da década de 1950, apoiado em seu projeto modernizador de cunho desenvolvimentista, que perdurou até a década de 1980, quando o país enfrentou um grave quadro de crise econômica. De acordo com Mendes (1991, 1997), a implantação de unidades produtivas naquele contexto orientou-se basicamente pelas vantagens comparativas “tradicionais” (amplo mercado interno, volumosos e diversificados recursos naturais, infraestrutura relativamente desenvolvida, certo volume de mão de obra qualificada e barata etc.) e pelas políticas de incentivos adotadas pelo Estado. Como consequência, “[...], as empresas estrangeiras “transplantaram” fábricas completas ao país, segundo um modelo taylorista/fordista, cuja produção se destinava ao mercado externo” (MENDES, 1991, p. 33 – 34). Como efeito das políticas de substituição das importações, instalaram-se no país unidades industriais de grandes corporações (com destaque para a indústria automobilística), que diversificaram e dinamizaram a economia e o território, tornando o parque industrial brasileiro um dos mais densos e representativos do mundo e o maior e mais completo da América Latina. Na década de 1970, a internacionalização do capital e da produção ganhou novo impulso devido à reestruturação produtiva das empresas, que tornou mais complexa a divisão internacional do trabalho da indústria. A reestruturação produtiva das empresas consiste em um conjunto de ajustes técnico-organizacionais pelos quais vêm passando as grandes corporações em resposta à saturação do paradigma fordista e às incertezas macroeconômicas derivadas das crises do petróleo (1974 e 1979) e do acirramento da competição intercapitalista. De acordo com Selingardi-Sampaio (2009, p. 217), naquele momento, [...], o paradigma taylorista-fordista de produção em massa emitia sinais de estrangulamento: havia relativa estagnação tecnológica, assim como da produtividade industrial, que atingira seus limites máximos sob os métodos produtivos vigentes e emperrava a escalada da taxa de acumulação capitalista; a capacidade industrial instalada era mais do que suficiente para abarrotar os mercados consumidores com produtos pouco diferenciados; a forma rígida de organização da produção, com máquinas unidirecionadas e operários monoespecializados, impossibilitava a adoção de novos processos 37 industriais e a obtenção de produtos mais diversificados. Todos esses processos e eventos convergiram para fazer eclodir uma severa crise na economia e na indústria dos países desenvolvidos ocidentais, especialmente nos EUA, daí ocorrendo profundos e múltiplos processos de reestruturação e reorganização industriais, nitidamente delineados após 1980. A reestruturação produtiva das empresas insere-se em um cenário marcado pela emergência de um novo regime de acumulação capitalista, a especialização flexível (PIORE; SABEL, 1984; BENKO, 1996), que se baseia na busca por flexibilidade na produção e nas relações de trabalho. A especialização flexível representa uma descontinuidade em relação ao paradigma taylorista/fordista que estruturou a atividade industrial durante a maior parte do século XX, caracterizado pela rigidez da estrutura produtiva e pelo consumo em massa de produtos estandardizados (PIORE; SABEL, 1984; BENKO, 1996). Benko (1996) assinala que a especialização flexível se fundamenta na automação do processo produtivo, na desintegração vertical das indústrias por meio da externalização das fases mais padronizadas da produção, no adensamento das relações interindustriais ou linkages e no desenvolvimento de novos gêneros industriais, intensivos em tecnologia e informação, e, por conseguinte, de novos espaços industriais, como os tecnopolos. Mendes (1997, p. 38) enumera os elementos-chave da reestruturação produtiva das empresas e da especialização flexível nos países avançados: a) o substancial aumento de gastos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento); b) a promoção e rápida difusão de progressos técnicos; c) as mudanças nas relações comerciais com aproveitamento de economias de escala (técnicas e econômicas) e das economias de escopo, permitidas pelas crescentes interdependências do sistema produtivo; d) o processo de incorporação e fusão de empresas; e) a centralização de capitais; f) a redefinição da divisão do trabalho entre e intraempresas (integração, concentração, desintegração vertical e horizontal da produção, desconcentração); g) a racionalização de certas atividades através de políticas de cooperação tecnológica e associação de empresas para grandes projetos. O desenvolvimento da microeletrônica e das telecomunicações, no âmbito da Terceira Revolução Industrial, forneceu as bases técnicas para a reestruturação 38 produtiva das empresas e, por conseguinte, para internacionalização do capital e da produção que se processou a partir de 1970. A adoção de novos modelos gerenciais, a automação do processo produtivo e a maior fluidez do território permitiram às grandes corporações proceder à disjunção espacial da produção, inserindo vários lugares ao processo produtivo por meio de amplos e complexos circuitos espaciais de produção e círculos de cooperação. Chesnais (1996) pondera que as mudanças estruturais na atividade industrial corroboraram para a conformação da empresa-rede, capaz de reproduzir seus capitais em escala global, utilizando-se do domínio tecnológico, do emprego de uma lógica multilocacional para as unidades produtivas e a exploração de amplos mercados. Assim sendo, as novas formas de gerenciamento e controle, valendo-se de complexas modalidades de terceirização, visam a ajudar os grandes grupos e reconciliar a centralização do capital e a descentralização das operações, explorando as possibilidades proporcionadas pela teleinformática e pela automatização (CHESNAIS, 1996, p. 33). Destarte, tanto a produção quanto a própria corporação passaram a se estruturar em redes. A fragmentação da produção entre diferentes localidades orienta-se pela exploração de vantagens locacionais em pontos distintos do território, capazes de reduzir os custos de operacionalização da indústria e, consequentemente, ampliar a reprodução dos capitais das corporações. Arroyo (2001) reconhece que, apoiadas no desenvolvimento tecnológico, as grandes empresas tornaram-se capazes de estabelecer uma topologia dos lugares que participam da produção, hierarquizando-os segundo seus objetivos de valorização do capital e de inserção competitiva no mercado globalizado. De modo geral, as etapas da produção, intensivas em trabalho ou em insumos, bem como aquelas que empregam tecnologias maduras, foram transferidas aos países periféricos e semiperiféricos, entre os quais o Brasil. Nesses países, persistiu a exploração de vantagens comparativas tradicionais e de incentivos fiscais e creditícios concedidos pelo Estado, reduzindo os custos de produção e aumentando os lucros das empresas. Por outro lado, as atividades capazes de gerar vantagens competitivas, como a gestão, a pesquisa e o desenvolvimento de novos processos e produtos, a 39 publicidade e a propaganda etc., mantiveram-se nos países centrais, onde as empresas contam com mão de obra mais especializada, centros de pesquisa avançados, modais de transporte e telecomunicações mais ágeis e modernos, redes de contatos mais densas etc. Ao contrário da internacionalização do capital e da produção que se verificou entre 1950 e 1970, com a transferência de indústrias completas no formato taylorista/fordista aos países semiperiféricos e periféricos, a dispersão espacial das indústrias tornou-se mais complexa com a reestruturação produtiva das empresas. Etapas diferenciadas da produção foram alocadas em cidades, regiões ou países diversos, explorando, em cada um deles, vantagens locacionais que atendam, de forma eficaz, a prerrogativa de reprodução dos capitais da indústria. Desse modo, o desenvolvimento industrial tem-se caracterizado, [...], por um aprofundamento da divisão técnica e social do trabalho, dando lugar a um sistema produtivo simultaneamente fragmentado e integrado. Na verdade, ocorre uma sobreposição de formas e organização da produção de estruturas industriais. É possível, portanto, a convivência de diferentes modos de produção em um mesmo lugar. O novo não significa a ruptura completa e total com o velho. A antiga ordem das coisas não pode desaparecer e resistir às mudanças (MENDES, 1997, p. 55). As grandes corporações, portanto, impõem aos lugares a sua própria divisão territorial do trabalho, realizando um uso corporativo do território (SILVEIRA, 2010, 2011a, 2011b) e consagrando a lógica do desenvolvimento desigual e combinado através de contínuas reestruturações na divisão internacional do trabalho da indústria. Vale lembrar que a internacionalização do capital e da produção, a partir da década de 1970, veio acompanhada de uma série de reestruturações em outras esferas da sociedade capitalista (economia, política, cultura, organização espacial etc.), as quais maximizaram o intercâmbio global de mercadorias, pessoas, capitais, valores, informações, ordens etc., e possibilitaram a constituição de uma economia informacional e de uma sociedade em rede (CASTELLS, 1996). 40 Conforme Castells (1996, p. 119), uma nova economia surgiu em escala global no último quartel do século XX. Chamo-a de informacional, global e em rede. É informacional porque a produtividade e a competitividade de unidades ou agentes nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma eficiente a informação baseada em conhecimentos. É global porque as principais atividades produtivas, o consumo e a circulação, assim como seus componentes (capital, trabalho, matéria-prima, administração, informação, tecnologia e mercados) estão organizados em escala global, diretamente ou mediante uma rede de conexões entre agentes econômicos. É rede porque, nas novas condições históricas, a produtividade é gerada e a concorrência é feita em uma rede global de interação entre redes empresariais. Essa nova economia surgiu no último quartel do século XX porque a revolução da tecnologia forneceu a base material indispensável para sua criação. É a conexão histórica entre a base de informações/conhecimentos da economia, seu alcance global, sua forma de organização em rede e a revolução da tecnologia da informação que cria um novo sistema econômico distinto, [...]. Esse conjunto de transformações nas relações sociais, econômicas, políticas, culturais e na organização espacial da sociedade capitalista, a partir da década de 1970, conformou o contexto histórico da globalização. De acordo com Diniz (2001, p. 2), as características e a natureza das transformações indicam que a globalização não é um simples aumento da internacionalização mas sim um processo distinto, na forma e no conteúdo. Não se trata de uma simples expansão da atuação das grandes corporações à escala mundial e na ampliação do mercado, acelerada nos 30 anos que se seguiram à II Guerra Mundial, mas de uma mudança nas relações de poder, na criação de cadeias de valor baseadas em novas formas de cooperação e competição, na destruição ou desestruturação das autonomias monetárias nacionais. Neste novo contexto vem ocorrendo mudanças nos padrões de organização industrial com a expansão do horizonte econômico das companhias, decorrente da redução do espaço econômico e do tempo, ampliando as fontes de recursos, o mercado e as tecnologias para além das fronteiras nacionais ou continentais. Pode ocorrer, também, a desincorporação e despersonalização da tecnologia, com o aumento da difusão e integração de soluções plurais e flexíveis, mudanças nas relações entre oferta e demanda, entre produção e consumo, com ampliação e diversificação da cesta de bens e serviços. Amplia- se a interdependência, mas alteram-se as formas de contratação, competição, cooperação e dependência, bem como as relações entre Estados Nacionais, entre Estado e as empresas privadas, em um processo simultâneo de homogeneização e diferenciação. 41 Na década de 1990, a globalização aprofundou-se com a superação da bipolaridade geopolítica, a disseminação das novas tecnologias de informação e a melhoria geral nas condições de circulação material e imaterial da sociedade, com a incorporação de modernos e ágeis sistemas de transportes e de telecomunicações ao território. Ademais, esse período é marcado pela disseminação de políticas neoliberais, que apregoam a intervenção mínima do Estado na economia e a desregulamentação dos mercados como forma de restringir os entraves à circulação do capital. Chesnais (1996, p. 13) descreve a mundialização “[...] como uma nova configuração do capitalismo mundial e nos mecanismos que comandam seu desempenho e regulação”. Trata-se de um contexto histórico que se caracteriza por ações que objetivam reduzir os limites ao movimento e ao acúmulo global de capitais, o que implica, necessariamente, na definição de novos marcos regulatórios para as trocas econômicas e espaciais mundialmente estabelecidas. Os principais mecanismos que comandam o desempenho e a regulação das relações econômicas no contexto da mundialização são: a) as estratégias globais empregadas pelas empresas-líderes da economia mundial; b) a liberalização, a desregulamentação e a integração dos mercados nacionais; c) a difusão do ideário neoliberal; d) a supremacia das finanças nas relações internacionais; e) o desenvolvimento tecnológico (CHESNAIS, 1996). Esses novos marcos regulatórios visam potencializar a geração global de valor e impactam diretamente as relações internacionais, que se tornaram mais densas e complexas. Ao invés de minimizar as diferenças sociais e espaciais, a mundialização reforça as assimetrias internacionais a favor dos países da tríade - Estados Unidos, União Europeia e Japão -, onde se concentram a maior parte dos capitais, as sedes de grandes corporações e os insumos de maior valor (novas tecnologias e informações), bem como os mercados consumidores com maior poder aquisitivo (CHESNAIS, 1996). Assim sendo, a mundialização tem caráter eminentemente político, porque enseja modificações nas estruturas e nas relações de poder. As mudanças incidem, sobretudo, na figura do Estado Nação, cujos papéis e funções são relativizados para 42 garantir a hipermobilidade do capital e a realização da lógica reticular com que passou a se orientar a produção, fragmentada entre diversos lugares. Nesse sentido, nós passamos, no último quarto do século XX, de um sistema econômico internacional a um sistema econômico global. Trata-se de uma importante mutação geopolítica das condições de produção, de competição e de interdependência. O antigo regime internacional era caracterizado pela soberania dos Estados, a quem competia definir, entre outros, suas políticas monetárias e alfandegárias. A ordem que substitui aquela é uma ordem global difusa na qual as relações entre os estados diluem-se, [...], ao proveito das conexões entre economias regionais afastadas, ligadas entre elas por intercâmbios complexos feitos de competição e de colaboração (BENKO, 2001, p. 7). Benko (2001) e Benko e Pecqueur (2001) apontam o “deslizamento de escalas” como importante desdobramento da mundialização. Esse processo caracteriza-se por uma recomposição dos espaços, que se exprime pelo adensamento das relações global-local, pelas políticas “localistas” e pela guerra fiscal tendo como contrapartida a “perda” de funções do Estado Nacional. Nesse contexto, uma nova palavra-chave aparece: a “glocalização”, ou articulação crescente dos territórios locais à economia mundial. [...]. Em geografia, a noção de glocalização é uma maneira de destacar a persistência de uma inscrição espacial de fenômenos econômicos, a localização dos lugares de produção de uma multinacional nos territórios. Este horrível neologismo "glocalização" exprime a sua maneira essa sutil sinergia entre as instituições locais infranacionais e a competitividade estimada nos mercados internacionais (BENKO; PECQUEUR, 2001, p. 35). Essas mudanças tiveram como aspectos centrais: a) a expressiva mobilidade do capital resultante da fragmentação do processo produtivo entre diferentes países e regiões (“multinacionalização”); b) o aumento da concorrência entre Estados, blocos econômicos e grandes empresas por capitais e insumos estratégicos, como as novas tecnologias e a informação; c) a transnacionalização da produção e a globalização dos mercados e do comércio; d) e as mudanças no perfil do Estado Nacional (BENKO, 1996, p. 45 - 47). 43 Por fim, Corrêa (1999) analisa os impactos da globalização sobre a rede urbana. Enquanto fase superior da espacialidade capitalista, resultante do espraiamento do capital produtivo pelas grandes corporações, a globalização suscita reestruturações nas esferas econômica, social, política, cultural e na organização espacial da sociedade contemporânea, as quais se processam de forma seletiva no território. Essa seletividade acarreta refuncionalizações, especializações e fragmentações distintas nos centros que compõem a rede urbana, modificando-os na sua organização e na sua dinâmica socioespacial. Nesse cenário de hipermobilidade do capital e dos estabelecimentos industriais em escala planetária, propiciada pela evolução das condições técnicas de produção e de circulação material e imaterial, algumas cidades pequenas brasileiras despontaram como destinos para investimentos das multinacionais, abrigando grandes indústrias e participando de circuitos espaciais de produção e círculos de cooperação de extensão global. Desse modo, as transformações de ordem técnica, econômica e política que asseguraram a internacionalização do capital e da produção, desde a década 1950, passando pela reestruturação produtiva da década de 1970, alcançaram elevado grau de sofisticação na década de 1990, com a globalização neoliberal e a guerra fiscal dos lugares, tornando viável a inserção de algumas cidades pequenas aos circuitos espaciais de produção e aos círculos de cooperação das grandes indústrias. Essa realidade demonstra a capacidade corporativa de explorar vantagens locacionais em escala global, inclusive em lugares com menor tradição no setor secundário, onde geralmente se exploram a posição geográfica privilegiada no território, os baixos custos da mão de obra, o pequeno grau de sindicalização dos trabalhadores, a doação de terrenos e a concessão de incentivos fiscais e creditícios etc. Assim sendo, a dinâmica locacional das indústrias em escala global revela o aprofundamento e a maior complexidade da divisão internacional do trabalho da indústria, motivada pela reprodução dos capitais, mundialmente. 44 1.2. Dinâmica locacional das indústrias em escala regional Aos efeitos das transformações na atividade produtiva em escala global, conjugaram-se processos e reestruturações em curso na escala regional, aprofundando a divisão territorial do trabalho da indústria no Brasil. A dinâmica locacional das indústrias em escala regional caracteriza-se pela desconcentração espacial dos estabelecimentos, alterando os padrões de localização das unidades produtivas e o direcionamento dos fluxos industriais pelo território brasileiro. Tanto a concentração quanto a desconcentração da indústria estão relacionadas à formação socioespacial brasileira, ou seja, às diferentes temporalidades e espacialidades de uso do território com as quais o país se integrou de forma periférica ao sistema capitalista (MOREIRA, 2004). As causas da concentração industrial no Centro-Sul, notadamente em São Paulo e sua capital, estão associadas ao volume de economias de aglomeração mais expressivo nessa área em detrimento do restante do país. As economias de aglomeração reduzem os custos operacionais da indústria, motivo pelo qual interferem nos padrões de localização das unidades produtivas e contribuem para o desenvolvimento desigual e combinado no território brasileiro. Para Rochenzel (1983, p. 17), a causa primordial deste processo criador de desequilíbrios regionais é a mesma que engendra a concentração de capital. A acumulação do capital, tanto numa empresa, como numa região, faz-se pela reinversão de uma parte do excedente no processo produtivo. Quanto maior o excedente ([...]), tanto maior a reinversão e maior a acumulação. As economias externas oferecidas pelas cidades constituem atrativos à localização industrial e compensam uma maior incidência dos custos de transferência. O poder multiplicador do investimento industrial, por sua vez, repercute intensamente no setor terciário (urbano), ao elevar e diversificar a demanda globa