Universidade Estadual Paulista Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais Allan Victor Ribeiro Cálculos de estrutura eletrônica de materiais mediante combinação linear de orbitais atômicos Bauru 2010 Allan Victor Ribeiro Cálculos de estrutura eletrônica de materiais mediante combinação linear de orbitais atômicos Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação Institucional em Ciência e Tecnologia de Materiais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito à obtenção do t́ıtulo de Mestre em Ciência e Tecnologia de Materiais, sob a orientação do professor Dr. Alexys Bruno Alfonso. Bauru 2010 Ribeiro, Allan Victor. Cálculos de estrutura eletrônica de materiais mediante a combinação linear de orbitais atômicos / Allan Victor Ribeiro, 2010. 119 f. Orientador: Alexys Bruno Alfonso Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2010 1. Tight binding. 2. Semicondutor. 3. Cadeias atômicas. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. Em memória de meu filho, Matheus Barbosa Ribeiro, um presente de Deus em minha vida. Agradecimentos Agradeço ao prezado professor Alexys Bruno Alfonso pela orientação, paciência e pelas ricas discussões realizadas ao longo deste trabalho e que muito contribúıram à minha formação pessoal e profissional. Agradeço também a oportunidade de convivência e pela amizade e grande admiração que se firmou ao longo deste trabalho. Agradeço à minha mãe, Maria Luiza Monteiro, pelos valores e exemplos de superação e perseverança. Aos meus irmãos Lucas Henrique Ribeiro e Luiz Gustavo Ribeiro pelos bons momentos e a constante motivação. À minha namorada, Ellen Cristina Barbosa, pelo carinho e a compreensão. Agradeço também aos amigos que de certa forma contribúıram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho. Em especial, agradeço a Denis R. Nacbar, Gustavo Vanin B. de Souza, Marco Aurélio E. Maria, aos amigos do LFS (Laboratório de Filmes Semicondutores) e aos professores José Humberto Dias da Silva e André Luiz Malvezzi. Agradeço ainda aos colegas de trabalho do Sesi-Bauru pelo constante incentivo e mo- tivação, à Faculdade de Ciências, aos amigos técnicos de laboratório pelo companheirismo, aos professores Ladir Cândido da Silva, Jeverson Teodoro Arantes Junior e Andrea Brito Latgé, pelas valiosas sugestões para melhoria deste trabalho, e ao Departamento de F́ısica da Unesp - Campus de Bauru. Ao Programa de Ciência e Tecnologia de Materiais (POSMAT) agradeço as oportu- nidades. v Ribeiro A. V. Cálculos de estrutura eletrônica de materiais mediante com- binação linear de orbitais atômicos 2010. Dissertação (Programa de Pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais). UNESP, Bauru, 2010. RESUMO São calculadas as estruturas eletrônicas de arranjos atômicos periódicos unidimensio- nais, bidimensionais e tridimensionais, através do método de combinação linear de orbitais atômicos (método tight binding). Esses orbitais correspondem aos átomos isolados das espécies qúımicas que compõem o arranjo atômico sob investigação. Combinações lineares deles, com coeficientes apropriados, aproximam a forma das funções de onda eletrônicas do arranjo atômico. Nos casos em que a sobreposição dos orbitais é desprezada, a contribuição de cada orbital atômico para cada função de Bloch é mostrada nas representações gráficas das estruturas de bandas calculadas. Após uma breve apresentação do método tight binding, são calculadas as estruturas de bandas de cadeias lineares de átomos de Carbono que têm um ou dois átomos por célula unitária. Essas cadeias são chamadas de cumuleno e poliino, respectivamente. Dentre os arranjos atômicos bidimensionais de interesse, é calculada a estrutura de bandas do grafeno. Essas energias são comparadas com resultados dispońıveis na literatura. Para este material é realizada uma breve discussão sobre as bandas π provenientes dos orbitais pz e sobre como a sobreposição dos orbitais atômicos afeta a forma das bandas. O método também é aplicado na modelagem de cristais tridimensionais. São calculadas as estruturas de bandas do diamante, Germânio (com estrutura de diamante), Arseneto de Gálio (com estrutura zincblend) e Nitreto de Gálio (com estrutura de wurtzita). Os resultados obtidos são comparados com aqueles reportados por outros autores que usaram métodos ab initio. Palavras chave: tight binding, semicondutor, cadeias atômicas, grafeno, wurtzita. vi Ribeiro A. V. Calculation of the electronic structure of materials by linear combination of atomic orbitals 2010. Dissertation (Program of Masters Degree in Science and Technology of Materials). UNESP, Bauru, 2010. ABSTRACT The electronic structures of periodic arrangements of atoms in one, two and three di- mensions are calculated by a linear combination of atomic orbitals (tight binding method). Those orbitals correspond to the isolated atoms of the chemical species composing the atomic arrangement under investigation. Suitable linear combinations of such states ap- proximate the shape of the electronic wave functions of the atomic arrangement. When the overlapping of the atomic orbitals is disregarded, the contribution of each orbital to the Bloch state is displayed in the graphs of the band structures. After a brief description of the tight binding method, the band structures of linear chains of Carbon atoms are calculated. The cases of one and two atoms per unit cell are considered. They correspond to cumulene and polyyne, respectively. Among the two-dimensional atomic arrangements of interest, we focus the calculation of the band structure of graphene. The calculated bands are compared with available results. Some attention is devoted to the π bands associated to the pz orbitals is presented. The effects of the overlapping of the atomic orbitals are discussed. The method is also applied to model three-dimensional crystals. The band structures of diamond, germanium (with diamond structure), Gallium Arsenide (with zincblende structure) and Gallium Nitride (with wurtzite structure) are obtained. The results are compared with those reported by other authors who applied ab initio methods. Key words: tight binding, semiconductor, atomic chains, graphene, wurtzite. Sumário Sumário vii 1 Introdução 9 2 Orbitais atômicos 16 2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2.2 Representação dos orbitais atômicos através de superf́ıcies de ńıvel . . . . . 17 3 O método da combinação linear de orbitais atômicos 20 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 3.2 Função de Bloch do elétron no cristal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 3.3 Bandas de energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 3.4 Funções de Bloch e peso dos orbitais atômicos . . . . . . . . . . . . . . . . 28 3.5 Integrais simples envolvendo orbitais s e p . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 4 Cálculo tight binding para cadeias atômicas 32 4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 4.2 Cadeia linear com um átomo por célula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 4.3 Cadeia linear com dois átomos por célula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 4.4 A estrutura do cumuleno como caso particular do poliino . . . . . . . . . . 48 4.5 Conclusões parciais do caṕıtulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 5 Cálculo tight binding para planos atômicos 52 5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 5.2 Estrutura cristalina do grafeno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 5.3 Matrizes do método tight binding para o grafeno . . . . . . . . . . . . . . . 57 5.4 Estrutura eletrônica do grafeno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 vii viii 5.4.1 Bandas associadas aos orbitais s, px e py. . . . . . . . . . . . . . . . 67 5.4.2 Bandas associadas aos orbitais pz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 5.4.3 O grafeno como semicondutor de gap nulo . . . . . . . . . . . . . . 70 5.4.4 Influência dos parâmetros tight binding na estrutura de bandas . . 72 5.5 Conclusões parciais do caṕıtulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 6 Cálculo tight binding para cristais tridimensionais 75 6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 6.2 Estrutura cristalina do Germânio e do Arseneto de Gálio . . . . . . . . . . 76 6.3 Matrizes do método tight binding para um cristal com estrutura zincblend 76 6.3.1 Método 1: Rotação do sistema de coordenadas no espaço . . . . . . 79 6.3.2 Método 2: Tratamento vetorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 6.4 Estrutura de bandas de cristais com estrutura zincblend. . . . . . . . . . . 89 6.4.1 Estrutura de bandas do diamante e do germânio. . . . . . . . . . . 89 6.4.2 Estrutura de bandas do Arseneto de Gálio . . . . . . . . . . . . . . 92 6.5 Geometria do Nitreto de Gálio com estrutura de wurtzita . . . . . . . . . . 94 6.6 Matrizes do método tight binding para GaN com estrutura de wurtzita . . 96 6.7 Estrutura de bandas do nitreto de gálio com estrutura de wurtzita . . . . . 101 6.8 Conclusões parciais do caṕıtulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 7 Conclusões e Perspectivas 106 A Tabela do Estado Sólido 108 Referências Bibliográficas 112 Caṕıtulo 1 Introdução A grande demanda por tecnologias inovadoras e a real necessidade de se propor e desenvolver novos materiais, fizeram com que pesquisadores de diversas áreas da ciência somassem seus esforços. Boa parte desses esforços tem sido dedicada à investigação de materiais nanoestruturados. Neles, uma ou mais dimensões lineares da estrutura estão na faixa de 1 a 100 nm. A proposta destes novos materiais nanoestruturados tem crescido vertiginosamente nos últimos anos, devido à expectativa de se explorar propriedades não usuais da matéria. A cont́ınua diminuição das dimensões f́ısicas dos dispositivos combinadas com o me- lhor desempenho das propriedades mecânicas e de transporte, constitui a chave para o sucesso da nanoeletrônica. Como salientam Calzolari e colaboradores [1]: “O caminho para produzir dispositivos menores tem levado a pesquisa atual na direção de novas formas de eletrônica, nas quais objetos em nanoescala e dispositivos moleculares substituem os transistores de hoje e sua tecnologia atual baseada no siĺıcio.” Como propostas de novas e promissoras tecnologias pode-se se destacar a chamada eletrônica orgânica, que utiliza compostos a base de carbono. Das vantagens advindas da eletrônica orgânica destacam-se a versatilidade dos circuitos eletrônicos orgânicos fabri- cados sobre substratos plásticos, finos e flex́ıveis [2], como apresentado na Figura 1.1. Outra evidência das tendências inovadoras para estabelecer um novo modelo de eletrô- nica, não mais baseada no siĺıcio, pode ser verificada na confecção dos chamados transis- tores orgânicos (esquema apresentado na Figura 1.2) e de chips, ambos confeccionados a base de grafeno, como apresentado pela IBM, podendo operar com freqüências na ordem de grandeza dos terahertz (THz). 9 10 Figura 1.1: Protótipo da memória Flash orgânica flex́ıvel, com um conjunto de 26 por 26 células de memória capazes de reter os dados na ausência de alimentação externa [2]. Novos materiais a base de nitretos vêm se consolidando de forma promissora em aplicações de eletrônica de potência, pois conciliam baixo consumo de energia com maior eficiência nas propriedades de transporte eletrônico, suportando grandes fluxos de cor- rente e tensões elevadas. Podemos destacar os transistores a base de nitreto de gálio (GaN), com uma estrutura de nitreto de gálio-alumı́nio (AlGaN/GaN), os quais apresen- tam uma alt́ıssima condutividade elétrica, ultrapassando a velocidade de chaveamento de 108 GHz [3]. Figura 1.2: Diagrama esquemático do transistor de grafeno que atingiu uma freqüência de 26 GHz [4]. Todo esse avanço tecnológico promovido pela Ciência dos Materiais e áreas afins con- centram esforços nos fundamentos cient́ıficos da correlação entre śıntese e processamento, microestrutura e propriedade dos materiais [5]. Neste sentido pode-se afirmar que grande parte das propriedades dos materiais, e principalmente dos materiais avançados, depende 11 diretamente do arranjo atômico e da estrutura eletrônica resultante. Torna-se imperativo o desenvolvimento de ferramentas capazes de prever as mais diver- sas propriedades destes materiais avançados. Neste contexto, a simulação computacional com o uso de métodos ab initio, semi-emṕıricos e semi-clássicos, nestes últimos anos, tem tido um papel de suma importância no desenvolvimento das mais diversas áreas de conhecimento e, principalmente, no campo da nanotecnologia. O enorme aumento no poder computacional dispońıvel para propostas cient́ıficas nas últimas décadas tem levado à proliferação de métodos computacionais. No campo da modelagem de sistemas cristalinos, no estágio prematuro da revolução computacional, as facilidades computacionais eram raras e caras, levando ao desenvolvimento de esquemas que conservassem a essência das bases da Mecânica Quântica, mas com grande redução do tempo computacional. Um cálculo de estrutura de bandas é geralmente muito laborioso. Aproximações semi- emṕıricas e esquemas de interpolações são freqüentemente utilizadas como ferramentas subsidiárias para o cálculo de estrutura de bandas. Aproximações semi-emṕıricas fazem uso de dados experimentais ou provenientes de outras teorias [6], para determinar quanti- dades dif́ıceis de computar a priori. Neste contexto destaca-se o método tight binding que tem provado ser de cont́ınuo interesse, pois combina a transparência f́ısica e a sofisticação da Mecânica Quântica com alta velocidade computacional e surpreendente precisão [7]. Através de uma breve revisão bibliográfica sobre o desenvolvimento do método tight binding é posśıvel apreciar a importância do mesmo na investigação de vasta gama de propriedade dos sólidos e moléculas. O método tight binding ou LCAO (Combinação Linear de Orbitais Atômicos) foi inicialmente proposto por Bloch, em 1928, e consiste em fazer uma combinação linear de orbitais atômicos localizados sobre os vários átomos do cristal [8]. Em 1946, Wallace investigou a teoria de bandas do grafite através da aproximação tight binding [9]. Esse autor considerou interações de primeiros vizinhos entre os orbitais 2pz centrados nos átomos dispostos em camadas hexagonais, desprezando a sobreposição entre os orbitais. Posteriormente em 1954, Slater e Koster [10] deram um dos passos mais significativos para o desenvolvimento do método tight binding. Eles realizaram uma profunda discussão sobre o método LCAO, onde propuseram a substituição das integrais do hamiltoniano por constantes ajustadas através de outros cálculos mais precisos. Dentre as considerações 12 mais importantes discutidas nesse trabalho estão: (i) as aproximações utilizadas na de- terminação das interações entre as funções s, p e d, (ii) apresentação das integrais de energia para estruturas cúbica simples, cúbica de face centrada, cúbica de corpo cen- trado e diamante, em termos de integrais de dois centros e (iii) o cálculo das bandas de energia do diamante e a comparação dos resultados com os do método de ondas planas ortoganalizadas (OPW). Em 1962 Leman e Friedel [11] investigaram, através da aproximação tight binding, a estrutura de bandas do diamante, do siĺıcio e do germânio, reportando bom acordo com dados experimentais para o gap de energia. Nesse artigo foram utilizadas e discutidas as influências dos orbitais com hibridização sp e interações de primeiros vizinhos. Em 1967, Del Re et al. [12] desenvolveram um formalismo tight binding de campo auto-consistente para investigar poĺımeros tridimensionais com muitos átomos por célula unitária, obtendo expressões para a dependência dos ńıveis de energia e das funções de onda dos poĺımeros em relação ao vetor de onda. Em busca de maior precisão da banda de menor energia do problema de Mathieu unidimensional, Halpern [13] propôs uma modificação na combinação linear de orbitais atômicos. Ele utilizou orbitais atômicos caracterizados por parâmetros internos, determi- nados por um fator de escala em função da distancia da função orbital. Seguindo no ano de 1971, Weire e Thorpe [14] investigaram o Si e Ge amorfos com estrutura tetraédrica. Através de um hamiltoniano tight binding com interações entre estados s e p e interações de primeiros vizinhos, esses autores obtiveram a densidade de estados e determinaram o gap entre os estados ocupados e desocupados. Outra aplicação do método foi reportada por Haydock et al. [15] em 1972, que através do formalismo tight binding obtiveram uma expressão anaĺıtica da densidade local de estados para o estudo de superf́ıcies e impurezas, sem o uso do teorema de Bloch ou da estrutura de bandas. A idéia original desse artigo foi posteriormente redefinida por Haydock et al. [16]. O cont́ınuo desenvolvimento cient́ıfico e a crescente necessidade de investigação das propriedades fundamentais dos sólidos, levaram à determinação de novos parâmetros na implementação do método. Neste contexto um autor de grande importância é Walter A. Harrison que, mantendo o compromisso com a simplicidade inicial do método, contribuiu para o entendimento de diversas propriedades dos sólidos. Em particular, ele analisou 13 ligações qúımicas através do método tight binding [17] e investigou sólidos de coordenação tetraédrica, através de um modelo de ligação entre orbitais h́ıbridos. Em 1974, através de uma reformulação do modelo de ligação orbital, Harrison e Ciraci [18] redefiniram parâmetros mais precisos para determinar a energia de ligação e a energia atômica dos estados s e p. Chadi e Cohen [19], aplicaram o método tight binding para o cálculo das bandas de valência do diamante e cristais com estrutura zincblend. Eles reportaram uma série de parâmetros para interações entre os estados s e p para primeiros e segundos vizinhos. Posteriormente, em 1979, uma nova expressão foi obtida por Froyen e Harrison [20] para o cálculo das interações entre os estados s e p . Essa expressão contém coeficientes ajustados a partir dos resultados obtidos por Chadi e Cohen [19]. Em 1981, Harrison [21] propôs novos coeficientes ajustados por cálculos Hartree-Fock. Estes parâmetros inti- tulados de parâmetros universais, subsidiaram os resultados obtidos por Harrison [22] para energia, o comprimento e o outras propriedades da ligação. A grande variedade de parâmetros propostos por Harrison nas referências [20, 21] e [23] estão dispostos em sua Tabela do Estado Sólido. Essa tabela é apresentada no Apêndice A desta dissertação. Em 1995, Mehl et al. [24] desenvolveram um novo método tight binding, aplicando-o aos metais de transição. Para obtenção do hamiltoniano, eles utilizam idéias baseadas no método de Ondas Planas Aumentadas (APW) no cálculo da energia total. Em particular, aplicaram esse método ao manganês, obtendo corretamente a energia total das estruturas α-Mn, β-Mn, FCC, HCP e BCC e a densidade de estados do manganês na fase α. Outros importantes artigos de revisão do método tight binding foram publicados por Goringe et al. [7], em 1997, e por Papaconstantopoulos et al. [25], em 2003. Nesses artigos os autores discutem de forma detalhada a implementação do método, juntamente com posśıveis adaptações a fim de se obter precisão comparada a métodos de primeiros prinćıpios. Nesses artigos são apresentadas e comparadas as estruturas de bandas de diversos materiais. Devido a dificuldades na obtenção dos parâmetros utilizados no cálculo tight binding, os valores das integrais são determinados através de métodos baseados em primeiros prinćıpios. Recentes propostas vêm estabelecer um método tight binding ab initio [26, 27], fazendo uso da formulação da teoria do funcional da densidade (DFT) estabelecida por Kohn e Sham [28]. Na teoria DFT determina-se a energia total do sistema descrita como um funcional 14 da densidade de elétrons. A minimização deste funcional leva à energia do estado fun- damental do sistema multieletrônico. [29]. O método foi aplicado por Arantes et al. [30], que investigaram as propriedades estruturais e eletrônicas de impurezas de Mn neutro em uma heteroestrutura Si/Ge. De maneira geral, no método tight binding (TB) podemos obter boa precisão nas descrições das bandas eletrônicas e a energia total. Esta aproximação assume uma forma para o hamiltoniano e os elementos da matriz sobreposição (overlaping), sem a necessidade de especificar qualquer coisa sobre os orbitais, exceto sua simetria. Os valores dos elementos de matriz podem ser obtidos, aproximadamente, através de expressões como as reportadas por Harrison [31] (ver Apêndice A), ou podem ser ajustados a partir de resultados experimentais ou de outras teorias (métodos teóricos ab initio). Portanto, o método tight binding pode ser visto como um método rápido e poderoso para cálculos de estrutura eletrônica. Nesta dissertação são realizados cálculos de estrutura eletrônica, utilizando o método tight binding, de arranjos atômicos periódicos unidimensionais, bidimensionais e tridimen- sionais. Os cálculos não levam em conta a interação spin-órbita. Portanto, entende-se que cada energia calculada é duplamente degenerada, devido ao spin. No Caṕıtulo 2 é realizada uma breve discussão conceitual sobre as funções de base utilizadas no cálculo tight binding: os orbitais atômicos. Em seguida, no Caṕıtulo 3, apresenta-se um desenvolvimento detalhado do método da combinação linear de orbitais atômicos (LCAO, em inglês), que é usado para calcular a estrutura eletrônica dos sistemas abordados no decorrer do trabalho. Nesse caṕıtulo também são discutidas as aproximações utilizadas no desenvolvimento do método tight binding. No Caṕıtulo 4, o método tight binding é aplicado para investigar uma cadeia unidimen- sional de átomos de carbono, com um ou dois átomos por célula unitária. Os resultados são comparados com os resultados reportados por Calzolari [1]. No Caṕıtulo 5 aplicamos o método no estudo de um arranjo bidimensional hexagonal de átomos de carbono, focando a estrutura de bandas do grafeno. Consideramos a interação com primeiros vizinhos e desprezamos a sobreposição de orbitais de átomos diferentes. No Caṕıtulo 6 modelamos cristais tridimensionais de Germânio e Arseneto de Gálio, ambos com rede cristalina cúbica centrada nas fases. Nesse caṕıtulo também é realizado o cálculo de estrutura de bandas de um cristal de nitreto de Gálio com estrutura de 15 wurtzita. O Caṕıtulo 7 apresenta as conclusões das diversas situações abordadas neste trabalho, juntamente com as perspectivas de trabalhos futuros. Também é inclúıdo um apêndice que apresenta e discute as formas de obtenção dos parâmetros de interação tight binding através da Tabela do Estado Sólido proposta por Harrison [31]. Caṕıtulo 2 Orbitais atômicos 2.1 Introdução Como ponto de partida para a compreensão dos orbitais atômicos, usaremos os orbitais de um átomo hidrogenóide (átomo ou ı́on formado por um núcleo e um único elétron). Isto é, um elétron de massa m e carga −e interagindo, segundo a lei de Coulomb, com um núcleo de carga +Ze. Com o núcleo fixo na origem de coordenadas, o movimento do elétron é descrito pela seguinte equação de Schrödinger [32]: [ − ~ 2 2m ∇2 − Ze2 4πε0|~r| ] ϕ(~r) = Eϕ(~r). (2.1) Como o Hamiltoniano comuta com o operador do quadrado do momentum angular, L̂2, e com a projeção desse momentum numa direção fixa, associada geralmente ao eixo z, os estados estacionários podem ser escolhidos com essas magnitudes bem definidas [33]. Os autovalores correspondentes são L2 = l(l + 1)~2 e Lz = m~, em que l = 0, 1, 2, . . . e m = −l, . . . ,−2,−1, 0, 1, 2, . . . , l. O espectro energético do átomo tem uma parte cont́ınua (intervalo E ≥ 0) e uma parte discreta (na região E < 0). Para cada par de números quânticos (l, m), os estados estacionários do espectro discreto são ligados e podem ser ordenados, em ordem crescente, pelo número quântico n = l + 1, l + 2, . . .. Os autovalores de (2.1) são: Enlm = En = −Z2 n2 Ry, (2.2) em que Ry ≈ 13.6 eV é a constante de Rydberg. As autofunções correspondentes têm a seguinte forma: ϕnlm(~r) = Rnl(r)Θl,m(θ)Φm(φ), (2.3) 16 17 em que r, θ e φ são as coordenadas esféricas do elétron, sendo r a distância à origem, θ o ângulo polar medido em relação ao eixo z e φ o azimute medido em volta do eixo z. Os fatores em (2.3) são: Rnl(r) = ( 2 an )3/2 √ (n− l − 1)! (n + l)! 2n ( 2r an )l e−r/anL (2l+1) n−l−1 ( 2r an ) , (2.4) em que L (l) n (x) é um polinômio associado de Laguerre, aB ≈ 0.529 Å é o raio de Bohr, an = naB/Z, Θlm(θ) = √ 2l + 1 2 (l − |m|)! (l + |m|)!P (|m|) l [cos(θ)], (2.5) em que P (m) l (x) é uma função associada de Legendre, e Φm(φ) = eimφ √ 2π . (2.6) 2.2 Representação dos orbitais atômicos através de superf́ıcies de ńıvel Uma forma de visualizar os orbitais atômicos utiliza as superf́ıcies de ńıvel da densidade de probabilidade |ψ(~r)|2. Para os orbitais em (2.3), temos |ϕnlm(~r)|2 = R2 nl(r)Θ 2 l,m(θ) 2π . (2.7) Na Figura 2.1 são mostradas, para os orbitais 2s (a), 2p0 (b) e 2p± (c), as superf́ıcies de ńıvel representando 10% da densidade de probabilidade máxima. Este tipo de repre- sentação gráfica foi usada recentemente por de Souza [34]. Figura 2.1: Superf́ıcies cujo ńıvel é 10% da densidade de probabilidade máxima: para os orbitais (a) 2s, (b) 2p0 e (c) 2p±. 18 Apesar dos estados atômicos que são autofunções de L̂2 e L̂z serem suficientes para investigar estados moleculares e de sólidos, muitas vezes prefere-se trabalhar com funções de onda reais. De um lado, os estados com m = 0 são reais. Do outro, para m 6= 0, os estados ψn,l,m e ψn,l,−m podem ser substitúıdos pelas seguintes combinações: ψ (c) nlm(~r) = ψn,l,m(~r) + ψn,l,−m(~r)√ 2 = 1√ π Rnl(r)Θlm(θ) cos(mφ) (2.8) e ψ (s) nlm(~r) = ψn,l,m(~r)− ψn,l,−m(~r) i √ 2 = 1√ π Rnl(r)Θlm(θ) sen(mφ), (2.9) com m > 0. Assim, os estados npx, npy e npz são: ψn,px(~r) = ψ (c) n,1,1(~r) = Rn1(r) 2r √ 3 π x, (2.10) ψn,py(~r) = ψ (s) n,1,1(~r) = Rn1(r) 2r √ 3 π y (2.11) e ψn,pz(~r) = ψn,1,0(~r) = Rn1(r) 2r √ 3 π z. (2.12) Essas expressões evidenciam que os estados px, py e pz têm a mesma forma e diferenciam- se pela orientação. Esse caráter direcional é aproveitado no cálculo de estados eletrônicos em moléculas e cristais. Figura 2.2: Imagem obtida através de microscopia eletrônica de emissão de campo (FEEM). Os pontos brilhantes indicam a forma esperada para (a) um estado |s〉 e (b) um estado |p〉 [35]. Para átomos multi-eletrônicos como Carbono, Siĺıcio, Fósforo, é posśıvel usar a aproxi- mação mono-eletrônica. Nesse caso, por conta das interações entre os elétrons, o potencial nuclear efetivo não tem a forma de Coulomb. Porém, ele conserva a simetria radial. Por- tanto, é posśıvel escolher os estados com a mesma dependência angular e Rnl(r) diferente. Dessa forma, a degenerescência em (2.2) é afetada; estados com mesmo número quântico n deixam de ter a mesma energia [36]. 19 Através das Figuras 2.1 (a) e (b) e 2.2 temos uma percepção qualitativa das funções de base utilizadas no Caṕıtulo 3 para o desenvolvimento teórico do método da combinação linear de orbitais atômicos. As imagens dos orbitais atômicos tipo s e p mostradas na Figura 2.2 foram obtidas recentemente por Mikhailovskij et al. [35] do Instituto Kharkov de F́ısica e Tecnologia, na Ucrânia. Esse orbitais correspondem a um átomo de carbono que faz parte de uma cadeia linear. Neste sentido é esperado que a combinação linear de orbitais atômicos seja uma boa aproximação para a função de onda do elétron nos materiais modelados nesta dissertação. Caṕıtulo 3 O método da combinação linear de orbitais atômicos 3.1 Introdução Nesta abordagem, os estados eletrônicos num cristal são calculados a partir de orbitais dos átomos isolados. Supõe-se que, nesses orbitais, os elétrons estão fortemente ligados aos núcleos atômicos da estrutura cristalina. Isso significa que os elétrons ficam praticamente confinados numa região de dimensões lineares pequenas, em comparação com as distâncias inter-nucleares. Portanto, nos textos em ĺıngua inglesa o método é denominado de tight- binding approximation. A função de Bloch do elétron no cristal satisfaz a seguinte equação de Schrödinger: [ − ~ 2 2m ∇2 + V (~r) ] ψ~k(~r) = E(~k) ψ~k(~r), (3.1) em que V (~r) é o potencial cristalino. A idéia central do método tight binding é aproximar ψ~k(~r) por uma combinação linear de orbitais dos átomos que compõem o cristal. Essa abordagem é chamada de LCAO (Linear Combination of Atomic Orbitals). Vamos fixar atenção numa célula unitária primitiva do cristal que contenha a origem de coordenadas. Seja B o número de átomos nessa célula, os quais serão identificados pelo ı́ndice β = 1, . . . , B. O β-ésimo átomo é localizado a partir da origem pelo vetor ~tβ. Ao formar o cristal, segundo a rede cristalina de vetores denotados por ~R, as cópias do β-ésimo átomo ficam nas posições ~ρβ, ~R = ~tβ + ~R. Assim, cada átomo do cristal é 20 21 identificado pelo ı́ndice β e o vetor ~R. Seja Mβ o número de orbitais do β−ésimo átomo, e seja µ o ı́ndice que identifica os diferentes orbitais desse átomo. Cada orbital atômico ϕβ,µ(~r) satisfaz [ − ~ 2 2m ∇2 + Vβ(~r) ] ϕβ,µ(~r) = E(β) µ ϕβ,µ(~r), (3.2) em que Vβ(~r) é o potencial do β-ésimo átomo, com o núcleo está na origem. Os orbitais de cada átomo supõe-se ortonormalizados, isto é: 〈ϕβ,µ(~r)|ϕβ,µ′(~r)〉 = δµ,µ′ . (3.3) A integral é calculada sobre o espaço todo. Os orbitais do átomo identificado por β e ~R têm a forma ϕβ,µ(~r−~ρβ, ~R). No sentido da aproximação tight binding, supõe-se que os orbitais de diferentes átomos do cristal têm sobreposição despreźıvel, ou seja, que |〈ϕβ,µ(~r − ~ρβ, ~R)|ϕβ′,µ′(~r − ~ρβ′, ~R′)〉| ¿ 1, (3.4) para β 6= β′ ou ~R 6= ~R′. 3.2 Função de Bloch do elétron no cristal Devido ao potencial periódico, as funções de onda de um elétron num cristal podem ser escolhidas na forma [37]: ψ~k(~r) = ei~k·~Ru~k(~r), (3.5) onde u~k(~r) é uma função complexa com a periodicidade da rede cristalina, ou seja, u~k(~r + ~R) = ei~k·~Ru~k(~r). (3.6) As funções ψ~k(~r) são chamadas de funções de Bloch. De acordo com as equações (3.5) e (3.6), a densidade de probabilidade dos estados de Bloch é periódica, com a periodicidade da rede cristalina, ou seja |ψ~k(~r + ~R)|2 = |ψ~k(~r)|2 = |u~k(~r)|2. (3.7) Assim, todas as células unitárias primitivas são equiprováveis nas medições da posição do elétron. Portanto, diz-se que as ondas de Bloch representam estados estendidos pelo cristal. 22 Como parte do método LCAO, cada função de Bloch é expressa como combinação linear dos orbitais atômicos, ou seja, ψ~k(~r) = B∑ β=1 Mβ∑ µ=1 ∑ ~R cβ,µ, ~R(~k) ϕβ,µ(~r − ~ρβ, ~R), (3.8) em que ~R varre a rede cristalina. Dessa maneira, na vizinhança de ~ρβ, ~R, ou seja, perto do β-ésimo átomo na célula localizada por ~R, a função de Bloch satisfaz: ψ~k(~r) ≈ Mβ∑ µ=1 cβ,µ, ~R(~k) ϕβ,µ(~r − ~ρβ, ~R). (3.9) Essa aproximação é uma combinação linear dos orbitais do átomo em questão. A mistura desses orbitais é justificada pela ação dos outros átomos da estrutura cristalina. A dependência dos coeficientes cβ,µ, ~R(~k) com o vetor ~R é determinada a partir da condição de Bloch, a qual tem a forma: ψ~k(~r + ~R) = ei~k·~R ψ~k(~r). (3.10) De fato, segundo a Eq. (3.8), o lado esquerdo de (3.10) é: ψ~k(~r + ~R) = B∑ β=1 Mβ∑ µ=1 ∑ ~R′ cβ,µ, ~R′( ~k) ϕβ,µ(~r + ~R− ~tβ − ~R′) = B∑ β=1 Mβ∑ µ=1 ∑ ~R′ cβ,µ, ~R′+~R (~k) ϕβ,µ(~r − ~ρβ, ~R′), (3.11) enquanto o lado direito é: ei~k·~R ψ~k(~r) = B∑ β=1 Mβ∑ µ=1 ∑ ~R′ ei~k·~R cβ,µ, ~R′( ~k) ϕβ,µ(~r − ~ρβ, ~R′). (3.12) Agora, como os orbitais de diferentes átomos são praticamente ortogonais, apro- ximação evidenciada na equação (3.4), pode-se considerar que eles são linearmente in- dependentes. Isso permite concluir que cβ,µ, ~R′+~R (~k) = ei~k·~R cβ,µ, ~R′( ~k), (3.13) para quaisquer ~R e ~R′. Em particular, a igualdade vale para ~R′ = ~0, portanto, cβ,µ, ~R (~k) = ei~k·~R cβ,µ,~0( ~k). (3.14) 23 Convenientemente, escolhemos cβ,µ,~0( ~k) = cβ,µ(~k) ei~k·~tβ e podemos escrever: cβ,µ, ~R (~k) = ei~k·~ρ β,~R cβ, ~R(~k). (3.15) Substituindo na Eq. (3.8), conclúımos que a função de Bloch tem a forma ψ~k(~r) = B∑ β=1 Mβ∑ µ=1 cβ,µ(~k) φβ,µ,~k(~r), (3.16) em que φβ,µ,~k(~r) = ∑ ~R ei~k·~ρ β,~R ϕβ,µ(~r − ~ρβ, ~R) (3.17) é uma função que também satisfaz a condição de Bloch. Porém, φβ,µ,~k(~r) é apenas uma combinação linear das cópias do orbital µ do átomo β. 3.3 Bandas de energia Utilizando o método variacional da Mecânica Quântica [33], a primeira banda corres- ponde aos coeficientes cβ,µ(~k) que minimizam o valor esperado da energia E(~k) = 〈ψ~k(~r)|Ĥ|ψ~k(~r)〉WS 〈ψ~k(~r)|ψ~k(~r)〉WS . (3.18) As integrais são calculadas numa célula unitária primitiva de Wigner-Seitz (WS). Na célula Wigner-Seitz a distância de cada ponto à origem da célula é menor ou igual que a distância a qualquer outro ponto da rede cristalina [37]. Essa propriedade geométrica traz vantagens importantes, pois a forma dessa da célula de Wigner-Seitz depende da rede cristalina mas não depende dos vetores primitivos usados para gerar a rede. Além disso, essa célula apresenta as propriedades de simetria da rede cristalina. A segunda banda é determinada pelo mesmo processo, com a condição de que sua função de Bloch seja ortogonal à da primeira banda. Portanto, seria necessário repetir o processo de minimização, sendo que cada nova função de Bloch deveria ser ortogonal às anteriores. Felizmente, como será explicado a seguir, técnicas de Álgebra Linear permitem realizar todas as minimizações simultaneamente. De acordo com a Eq. (3.16), o denominador da Eq. (3.18) pode ser expresso em função dos coeficientes cβ,µ(~k), isto é: 〈ψ~k(~r)|ψ~k(~r)〉WS = B∑ β=1 Mβ∑ µ=1 B∑ β′=1 Mβ′∑ µ=1 c∗β,µ(~k) S(β,µ),(β′,µ′)(~k)cβ,µ(~k), (3.19) 24 em que, de acordo com a Eq. (3.17), S(β,µ),(β′,µ′)(~k) = 〈φβ,µ,~k(~r)|φβ′,µ′,~k(~r)〉WS = ∑ ~R,~R′ ei~k·(~ρ β′, ~R′−~ρ β,~R ) 〈ϕβ,µ(~r − ~ρβ, ~R)|ϕβ′,µ′(~r − ~ρβ′, ~R′)〉WS = ∑ ~R,~R′ ei~k·(~ρ β′, ~R′−~R −~ρβ,~0) 〈ϕβ,µ(~r − ~ρβ,~0 − ~R)|ϕβ′,µ′(~r − ~ρβ′, ~R′−~R − ~R)〉WS. (3.20) Agora substituindo ~R por ~R− ~R′′ e usando a propriedade ∑ ~R ∫ WS f(~r − ~R)dV = ∫ espaço todo f(~r)dV, (3.21) obtemos: S(β,µ),(β′,µ′)(~k) = ∑ ~R,~R′′ ei~k·(~ρ β′, ~R′′−~ρβ,~0) 〈ϕβ,µ(~r − ~R− ~ρβ,~0)|ϕβ′,µ′(~r − ~R− ~ρβ′, ~R′)〉WS = ∑ ~R ei~k·(~ρβ′ , ~R−~ρβ,~0)s(β,µ),(β′,µ′)(~k), (3.22) em que s(β,µ),(β′,µ′)(~R) = 〈ϕβ,µ(~r − ~ρβ,~0)|ϕβ′,µ′(~r − ~ρβ′, ~R)〉. (3.23) Nessa última expressão a integral é calculada no espaço todo. É importante notar que s(β,µ),(β′,µ′)(~R) mede a sobreposição do µ-ésimo orbital do β-ésimo átomo da célula unitária que contém a origem de coordenadas com o µ′-ésimo orbital do β′-ésimo átomo da célula unitária que contém o ponto ~R da rede cristalina. Pela Eq. (3.3), temos: s(β,µ),(β,µ′)(~0) = δµ,µ′ , (3.24) enquanto, para ~R 6= ~0 ou β′ 6= β, a expressão (3.4), escreve-se da seguinte forma: |s(β,µ),(β′,µ′)(~R)| ¿ 1. (3.25) Para simplificar a notação, convém notar que a Eq. (3.22) contém o vetor ~dββ′(~R) = ~ρβ′, ~R − ~ρβ′,~0 = ~R + ~tβ′ − ~tβ. Esse vetor localiza o β′-ésimo átomo da célula que contém o vetor ~R desde o β-ésimo átomo da célula que contém a origem. Como a cada valor de ~dββ′ corresponde um único vetor ~R, podemos escrever S(β,µ),(β′,µ′)(~k) = ∑ ~dββ′ ei~k·~dββ′ S̃(β,µ),(β′,µ′)(~dββ′) (3.26) 25 S̃(β,µ),(β′,µ′)(~d) = 〈ϕβ,µ(~r)|ϕβ′,µ′(~r − ~d)〉. (3.27) Assim, na Eq. (3.26), a soma é feita sobre todos os vetores que localizam átomos de ı́ndice β′ desde um átomo fixo de tipo β. De maneira análoga, e levando em conta a periodicidade do potencial cristalino, o numerador da Eq. (3.18) toma a forma: 〈ψ~k(~r)|Ĥ|ψ~k(~r)〉WS = B∑ β=1 Mβ∑ µ=1 B∑ β′=1 Mβ′∑ µ=1 c∗β,µ(~k) H(β,µ),(β,µ′)(~k)cβ′,µ′(~k), (3.28) em que H(β,µ),(β′,µ′)(~k) = 〈φβ,µ,~k(~r)|Ĥ|φβ′,µ′,~k(~r)〉WS = ∑ ~R ei~k·(~ρ β′, ~R −~ρβ,~0) h(β,µ),(β′,µ′)(~R), = ∑ ~dββ′ ei~k·~dββ′ h̃(β,µ),(β′,µ′)(~dββ′), (3.29) com h(β,µ),(β′,µ′)(~R) = 〈ϕβ,µ(~r − ~ρβ,~0)|Ĥ|ϕβ′,µ′(~r − ~ρβ′, ~R)〉 (3.30) e h̃(β,µ),(β′,µ′)(~d) = 〈ϕβ,µ(~r − ~tβ)|Ĥ|ϕβ′,µ′(~r − ~tβ − ~d)〉 = 〈ϕβ,µ(~r)|Ĥβ|ϕβ′,µ(~r − ~d)〉. (3.31) Aqui Ĥβ = − ~ 2 2m ∇2 + V (~r + ~tβ) (3.32) e, novamente, a integral é calculada sobre todo espaço. É interessante notar que, fazendo a aproximação de que nas proximidades de cada átomo o potencial cristalino reproduz o potencial daquele átomo, obtemos h̃(β,µ),(β,µ′)(~0) ' 〈ϕβ,µ(~r)| − ~2 2m ∇2 + Vβ(~r)|ϕβ,µ′(~r)〉 = E(β) µ δµ,µ′ . (3.33) É conveniente arranjar os coeficientes cβ,µ(~k) de forma linear. A nossa lista começa com os M1 orbitais do primeiro átomo da base, segue com os M2 orbitais do segundo, e assim, até terminar com os MB orbitais do B-ésimo átomo, isto é: (c1,1(~k), . . . , c1,M1(~k), c1,2(~k), . . . , c1,M2(~k), . . . , cB,1(~k), . . . , cB,MB (~k)) = (c1(~k), c2(~k), . . . , cN(~k)) = c(~k), (3.34) 26 em que N = ∑B β=1 Mβ é o número de orbitais atômicos coletados da célula unitária para realizar o cálculo dos estados eletrônicos no cristal. Dados os ı́ndices β e µ, o ı́ndice do arranjo linear é j = µ + β−1∑ β′=1 Mβ′ . (3.35) A mesma idéia permite construir matrizes quadradas N × N , denotadas por H(~k) e S(~k), tais que Hjj′(~k) = H(β,µ),(β′,µ′)(~k) (3.36) e Sjj′(~k) = S(β,µ),(β′,µ′)(~k). (3.37) É relativamente fácil verificar que essas matrizes são hermitianas. Utilizando o vetor ~c(~k) e as matrizes H(~k) e S(~k), a Eq. (3.18) é escrita da seguinte forma: E(~k) = ~c †(~k)H(~k)~c(~k) ~c †(~k)S(~k)~c(~k) , (3.38) em que ~c †(~k) é o vetor transposto e complexo conjugado de ~c(~k). Segundo o método variacional, deve-se achar o vetor ~c(~k), com componentes com- plexas, que minimiza o valor de E(~k). Como as matrizes H(~k) e S(~k) são hermitianas, pode-se demonstrar que E(~k) tem valor extremo (mı́nimo ou máximo), somente se existe um número ε(~k) tal que H(~k)~c(~k) = ε(~k)S(~k)~c(~k). (3.39) Portanto, o número ε(~k) e o vetor ~c(~k) devem ser, respectivamente, um autovalor e um autovetor generalizado da matriz H(~k) com peso S(~k). Substituindo (3.39) em (3.38), obtemos E(~k) = ~c †(~k) ε(~k)S(~k)~c(~k) ~c †(~k)S(~k)~c(~k) = ε(~k). (3.40) Isto significa que o menor autovalor generalizado é a nossa estimativa da energia da primeira banda. É interessante notar que, dados dois autovetores ~c (j)(~k) e ~c (j′)(~k), a sobreposição das funções de Bloch correspondentes é: 〈φj,~k(~r)|φj′,~k(~r)〉 = [ ~c (j)(~k) ]† ~c (j′)(~k). (3.41) 27 Ao mesmo tempo, os autovetores generalizados de matrizes hermitianas satisfazem (ou podem ser escolhidos de forma que satisfaçam): [ ~c (j)(~k) ]† ~c (j′)(~k) = δj,j′ . (3.42) Isto significa que cada um dos autovetores corresponde a uma função de Bloch ortogonal às outras. Portanto, cada um dos autovalores generalizados do par de matrizes H(~k) e S(~k) fornece uma estimativa de energia de uma banda e dos coeficientes da função de Bloch correspondente. Em outras palavras, a resolução de problemas de autovalores generalizado produz, simultaneamente, soluções variacionais para um conjunto de bandas. Também é muito importante notar que os autovalores e autovetores generalizados satisfazem: [ H(~k)− E(~k)S(~k) ] ~c(~k) = ~0. (3.43) Como o autovetor ~c(~k) não pode ser nulo, a matriz H(~k)−E(~k)S(~k) deve ser singular, ou seja, deve-se cumprir a seguinte condição: det [ H(~k)− E(~k)S(~k) ] = 0. (3.44) Trata-se de uma equação algébrica de grau N (a ordem das matrizes) para a variável E(~k). Como todos os autovalores são reais, a Eq. (3.44) tem N ráızes, algumas das quais podem ser repetidas. Isto significa que o método tight binding fornece N bandas do cristal, em que N é o número de orbitais atômicos da célula unitária que são inclúıdos no cálculo. Na hora de escrever as matrizes H(~k) e S(~k), é conveniente notar que elas podem ser divididas em blocos da forma Hββ′(~k) e Sββ′(~k), em que β = 1, . . . , B e β′ = 1, . . . , B. Esses blocos relacionam os orbitais do β-ésimo átomo com os do β′-ésimo. Em cada bloco, as filas correspondem aos orbitais do β-ésimo átomo, enquanto as colunas, aos do β′-ésimo. Assim, há um bloco para cada par de átomos da célula unitária, o qual contém as integrais correspondentes a cada par de orbitais. Assim, a matriz H(~k) é um arranjo B ×B de blocos, e o bloco Hββ′(~k) é uma matriz Mβ ×Mβ′ . A situação é análoga para a matriz S(~k). Isto tem interesse do ponto de vista computacional e também permite identificar com maior facilidade, nas matrizes, as interações de cada par de átomos. De fato, devido ao 28 caráter hermitiano das matrizes H(~k) e S(~k), os blocos satisfazem Hββ′(~k) = H†ββ′( ~k) e Sββ′(~k) = S†ββ′( ~k). Portanto, basta obter os blocos Hββ′(~k) e Sββ′(~k) para β ≤ β′. Nos caṕıtulos 4, 5 e 6 são enfrentadas algumas dificuldades na implementação do método tight binding para o cálculo da estrutura eletrônica dos arranjos cristalinos pro- postos. O maior desafio é determinar as interações correspondentes aos termos das ma- trizes S(~k) e H(~k), os quais são calculados através das equações (3.26) e (3.29). Após determinados esses termos, a solução da Eq. (3.39) reduz-se a um problema de auto- valores e autovetores generalizado. A baixa ordem das matrizes garante a facilidade de diagonalização destas. Portanto, o problema torna-se simples do ponto de vista computa- cional. 3.4 Funções de Bloch e peso dos orbitais atômicos Uma vez calculados os autovetores ~c (j)(~k), com j = 1 . . . , N , a Eq. (3.16), pode ser usada para calcular os valores da função de Bloch, isto é: ψj,~k(~r) = N∑ j′=1 c (j) j′ (~k) φj′,~k(~r). (3.45) Esta função é, em geral, complexa e fornece a densidade de probabilidade de achar o elétron perto do ponto ~r. Essa densidade é |ψj,~k(~r)|2 e sua representação gráfica tem importância para a descrição dos estados eletrônicos e as ligações qúımicas no cristal. No entanto, para compreender os resultados da aplicação do método tight binding, o maior interesse está em determinar a contribuição de cada orbital atômico para cada função de Bloch. Nesta dissertação, esta análise é feita somente no caso em que a so- breposição entre orbitais de átomos diferentes é desprezada. Nesse caso, S = I e a Eq. (3.42) toma forma: [ ~c (j)(~k) ]† ~c (j′′)(~k) = δj,j′′ . (3.46) Em particular, para j′′ = j, obtemos: N∑ j′=1 |c(j) j′ (~k)|2 = 1, (3.47) Isto indica que |c(j) j′ (~k)|2 expressa o peso do orbital φj′,~k(~r) na composição da função de Bloch ψj,~k(~r). Como φj′,~k(~r) é a combinação dos orbitais ϕj′(~r), esse peso mede a contribuição do orbital atômico ϕj(~r) para ψj,~k(~r). 29 Nos caṕıtulos que seguem, os pesos |c(j) j′ (~k)|2 serão usados para enriquecer os gráficos da estrutura de bandas de cada material. Atribuindo cores diferentes aos vários or- bitais atômicos, a cor correspondente ao orbital ϕj′(~r) será mais intensa naqueles pontos (~k, Ej(~k)) da estrutura de bandas em que |c(j) j′ (~k)|2 for maior. Convém ressaltar que a determinação dos pesos dos orbitais atômicos segue um pro- cesso mais complicado quando a sobreposição entre orbitais de diferentes átomos é levada em consideração [38]. 3.5 Integrais simples envolvendo orbitais s e p Ao calcularmos a estrutura de bandas de muitos materiais pelo método tight binding, muitas vezes é posśıvel utilizar apenas quatro orbitais por átomo: ns, npx, npy e npz, em que n corresponde à camada de valência de cada átomo. A utilização destes orbitais reais apresenta várias vantagens importantes: (i) as integrais de sobreposição são reais, (ii) como o operador hamiltoniano é real, os seus elementos matriciais também são reais e (iii) as representações gráficas dos orbitais são mais simples. Além disso, esses orbitais apresentam simetrias de inversão, reflexão e rotação que permitem simplificar o cálculo das matrizes H(~k) e S(~k). Quando é posśıvel considerar que o arranjo atômico apresenta simetria de rotação em torno do eixo que passa pelos dois átomos de interesse, que denotaremos pelos ı́ndices 1 e 2, as integrais são mais fáceis de calcular [39]. Para fixar as idéias, vamos considerar que o eixo x tem a direção do eixo de rotação. Nesse caso, os orbitais s e px têm momentum an- gular nulo em torno do eixo. Ao mesmo tempo, os orbitais py e pz são combinações lineares de orbitais com momentum angular ~ e −~ em torno desse eixo. Portanto, as integrais 〈s(1)(~r)|Ĥ|p(2) y (~r− ~d)〉, 〈p(1) y (~r)|Ĥ|s(2)(~r− ~d)〉, 〈s(1)(~r)|Ĥ|p(2) z (~r− ~d)〉, 〈p(1) z (~r)|Ĥ|s(2)(~r− ~d)〉, 〈p(1) x (~r)|Ĥ|p(2) y (~r− ~d)〉, 〈p(1) y (~r)|Ĥ|p(2) x (~r− ~d)〉, 〈p(1) x (~r)|Ĥ|p(2) z (~r− ~d)〉 e 〈p(1) z (~r)|Ĥ|p(2) x (~r− ~d)〉 são nulas. Também valem zero, independentemente da simetria do arranjo, as seguintes integrais: 〈s(1)(~r)|p(2) y (~r − ~d)〉, 〈p(1) y (~r)|s(2)(~r − ~d)〉, 〈s(1)(~r)|p(2) z (~r − ~d)〉, 〈p(1) z |s(2)(~r − ~d)〉, 〈p(1) x (~r)|p(2) y (~r − ~d)〉, 〈p(1) y (~r)|p(2) x (~r − ~d)〉, 〈p(1) x |p(2) z (~r − ~d)〉 e 〈p(1) z (~r)|p(2) x (~r − ~d)〉. Por sua vez, as integrais que envolvem orbitais py e pz são proporcionais à diferença entre uma integral que envolve estados com momentum angular ~ e a integral corres- pondente entre os estados com momentum angular −~. Pela simetria de rotação, es- 30 sas últimas integrais são iguais. Portanto, conclúımos que 〈p(1) y (~r)|Ĥ|p(2) z (~r − ~d)〉 = 0, 〈p(1) z (~r)|Ĥ|p(2) y (~r− ~d)〉 = 0, 〈p(1) y (~r)|p(2) z (~r− ~d)〉 = 0 e 〈p(1) z (~r)|p(2) y (~r− ~d)〉 = 0. As integrais não nulas são de dois tipos: (σ) as que envolvem orbitais com momentum angular nulo em torno do eixo e (π) as que envolvem orbitais que são combinações lineares de orbitais com momentum angular ±~ e têm a mesma direção (ver Figura 3.1). Figura 3.1: Configurações simples dos orbitais de tipo s e p de dois átomos. As integrais de sobreposição do tipo σ são denotadas do seguinte jeito: 〈s(1)(~r)|s(2)(~r− ~d)〉 = Sssσ, 〈s(1)(~r)|p(2) x (~r− ~d)〉 = S (1,2) spσ , 〈s(2)(~r)|p(1) x (~r− ~d)〉 = S (2,1) spσ , 〈p(1) x (~r)|p(2) x (~r− ~d)〉 = Sppσ. É interessante notar que, devido à antisimetria dos orbitais px na direção x: valem 〈p(1) x (~r)|s(2)(~r− ~d)〉 = −S (2,1) spσ e 〈p(2) x (~r)|s(1)(~r− ~d)〉 = −S (1,2) spσ . Para os elementos de matriz do Hamiltoniano temos: 〈s(1)(~r)|Ĥ|s(1)(~r − ~d)〉 = Vssσ, (3.48) 〈s(1)(~r)|Ĥ|p(2) x (~r − ~d)〉 = V (1,2) spσ , (3.49) 〈s(2)(~r)|Ĥ|s(1)(~r − ~d)〉 = V (2,1) spσ (3.50) e 〈p(1) x (~r)|Ĥ|p(2) x (~r − ~d)〉 = Vppσ. (3.51) 31 Novamente, se é posśıvel considerar que o arranjo atômico tem simetria de reflexão em relação ao plano que bisecta perpendicularmente o segmento que une os átomos 1 e 2, pode-se demonstrar que 〈p(1) x (~r)|Ĥ|s(2)(~r−~d)〉 = −V (2,1) spσ e 〈p(2) x (~r)|Ĥ|s(1)(~r−~d)〉 = −V (1,2) spσ . Para as integrais de sobreposição do tipo π temos: 〈p(1) y (~r)|p(2) y (~r−~d)〉 = 〈p(1) z (~r)|p(2) z (~r− ~d)〉 = Sppπ. Além disso, as integrais do Hamiltoniano são: 〈p(1) y (~r)|Ĥ|p(2) y (~r − ~d)〉 = Vppπ (3.52) e 〈p(1) z (~r)|Ĥ|p(2) z (~r − ~d)〉 = Vppπ. (3.53) Nos próximos caṕıtulos são calculadas as estruturas de bandas de vários materiais a partir de valores tabelados das integrais Vssσ, V (1,2) spσ , V (2,1) spσ , Vppσ, Vppπ, Sssσ, S (1,2) spσ , S (2,1) spσ , Sppσ e Sppπ. Caṕıtulo 4 Cálculo tight binding para cadeias atômicas 4.1 Introdução A tendência constante à miniaturização na eletrônica e os recentes avanços advindos da eletrônica orgânica vêm estabelecer um novo paradigma industrial: o regime tradicional de materiais tridimensionais será substitúıdo pelo comportamento de sistemas de baixa dimensionalidade. Esta tendência utiliza como suporte as propostas inovadoras de filmes, substratos e peĺıculas cada vez mais finas e menores, tornando imperativo o completo domı́nio desses sistemas. Trabalhos recentes verificaram a transição entre os comportamentos bidimensional e unidimensional em sistemas nanométricos, em especial, em nanofios [40]. Particularmente, as cadeias lineares de átomos de carbono têm sido amplamente investigadas na literatura. Elas representam o limite f́ısico de um fio convencional, possuindo uma propriedade im- portante: a de conduzir corrente elétrica ao longo de um eixo. Dessa forma, estruturas atômicas arranjadas de forma linear podem funcionar como um nanofio, como ilustra a Figura 4.1. Há dois tipos importantes de cadeias lineares de carbono. O primeiro, denominado de cumuleno, consiste de átomos de carbono se ligando através de ligações duplas, como mostrado na Figura 4.2. O segundo, chamado de poliino, conjuga ligações triplas e sim- ples dispostas alternadamente. Estas cadeias são chamadas de carbinos e possuem pouca estabilidade, sendo neste caso o poliino ligeiramente mais estável que o cumuleno [1]. Por- 32 33 Figura 4.1: (a) Ilustração da estrutura cristalina do t-Se composta de uma rede hexagonal compacta, destacando cadeias helicoidais paralelas de átomos de Se. (b) Imagem de microscopia eletrônica de varredura (Scanning Electron Microscopy-SEM) de nanofios de Se com um diâmetro médio de 32nm. (c) Imagem de microscopia eletrônica de transmissão (TEM) em alta resolução da borda de um nanofio. O espaçamento de 0.16nm concorda com a distância interplanar entre os planos {003} da rede cristalina. (d) Imagem TEM de dois nanofios de t-Se, indicando a unidimensionalidade ao longo de cada fio. Acima, uma imagem de difração de elétrons de um nanofio de t-Se (tomado da referência [41]). tanto, essas cadeias são raramente encontradas na natureza [42]. Com a potencialização da condutividade elétrica, os cumulenos e os poliinos podem ser aplicados na nanotecnologia, ou seja, no desenvolvimento de equipamentos em escalas nanométricas [43]. Trabalhos anteriores evidênciam o interesse na descrição das propriedades eletrônicas destas cadeias, como reporta Xu et al. [44] e Laref et al. [45], que obtiveram parâmetros tight binding para o cálculo da estrutura eletrônica destas cadeias. Tais parâmetros apre- sentam boa trasnferibilidade para diferentes estruturas de átomos de carbono, reportando um bom acordo com cálculos ab initio. Outro trabalho de importância no entendimento destes sistemas foi reportado por Calzolari et al. [1]. Eles obtiveram, a partir das estru- turas eletrônicas calculadas, as funções de Wannier de cadeias atômicas de Alumı́nio e de Carbono. Neste caṕıtulo são investigadas cadeias ŕıgidas de átomos de C (carbono). A estrutura de bandas é calculada através do método tight binding e comparada com os resultados 34 Figura 4.2: (a) Moléculas com estrutura de tipo cumuleno: tetraphenylallene (TPA), tetraphe- nylbutatriene (TPBT) e tetraphenylhexapentaene (TPHP) [43]. (b) e (c) representam as su- perf́ıcies de ńıvel das funcões de Wannier dos estados σ do cumuleno e poliino, respectiva- mente [1]. obtidos por outros autores. Ao considerar orbitais de átomos diferentes, as sobreposições são desprezadas e as integrais do Hamiltoniano, com exceção daquelas integrais que en- volvem primeiros vizinhos são tomadas nulas. 4.2 Cadeia linear com um átomo por célula Quando um cristal tem apenas um átomo por célula, temos B = 1. Nesse caso, os átomos podem ser considerados nos pontos da rede cristalina, ou seja, pode-se tomar ~t1 = ~0. Sem perder generalidade, vamos supor que os átomos estão no eixo x, nas posições ~ρn = n~a, em que n é inteiro e ~a = a~ex. O śımbolo ~ex denota o versor na direção e sentido do eixo x. Além disso, o ı́ndice β não é necessário e os ı́ndices µ e j coincidem em valor. As matrizes S(~k) e H(~k) são calculadas a partir das expressões. Sµ,µ′(~k) = ∑ ~d ei~k·~d s̃µ,µ′(~d) (4.1) e Hµ,µ′(~k) = ∑ ~d ei~k·~d h̃µ,µ′(~d), (4.2) em que ~d varre as posições atômicas. Como ~a é o vetor que gera a rede cristalina, ~d toma os valores ~dn = n~a, com n sendo 35 um número inteiro. Além disso, s̃µ,µ′(~d) = 〈ϕµ(~r)|ϕµ′(~r − ~d)〉 (4.3) e h̃µ,µ′(~d) = 〈ϕµ(~r)|Ĥ|ϕµ′(~r − ~d)〉. (4.4) Na hora de construir as matrizes H(~k) e S(~k) são feitas três simplificações: (1) são desprezadas as sobreposições entre orbitais de átomos diferentes. Portanto, levando em conta a Eq. (3.24), obtemos s̃µ,µ′(~k) = ei~k·~0 s̃µ,µ′(~0) = δµ,µ′ . (4.5) Isto significa que a matriz S(~k) é a matriz identidade. Portanto, as bandas correspondem aos autovalores da matriz H(~k). (2) são desprezados os valores das integrais de Ĥ entre orbitais de átomos além dos primeiros vizinhos. Portanto, a expressão (4.2) toma a seguinte forma: Hµ,µ′(~k) = eik(−a) h̃µ,µ′(−~a) + h̃µ,µ′(~0) + eika h̃µ,µ′(~a), (4.6) e levando em conta que ~k = kêx, obtemos: Hµ,µ′(~k) = Eµδµ,µ′ + eika〈ϕµ(~r)|Ĥ|ϕµ′(~r − ~a)〉+ e−ika〈ϕµ(~r)|Ĥ|ϕµ′(~r + ~a)〉. (4.7) (3) Como a estrutura eletrônica de um átomo de carbono isolado é 1s22s22p2, é razoável que os orbitais da camada incompleta sejam os mais importantes na formação das ligações qúımicas no cristal. Portanto, usamos apenas os orbitais 2s, 2px, 2py e 2pz para calcular as bandas pelo método tight binding. Assim, o número de orbitais por átomo é N = 4. Esse número é a dimensão da matriz H(~k) e, portanto, o número de bandas que o cálculo produz. Convenientemente, considera-se µ = 1, 2, 3 e 4 para os estados 2s, 2px, 2py e 2pz, respectivamente. De acordo com isso, também são usadas as seguinte notações: ϕ1(~r) = s(~r), ϕ2(~r) = px(~r), ϕ3(~r) = py(~r) e ϕ4(~r) = pz(~r). Dado que a matriz H(~k) é hermitiana, temos Hµ′µ(~k) = H∗ µµ′( ~k). Portanto, é suficiente determinar os valores de Hµµ′(~k), para µ ≤ µ′. Esses termos têm as seguintes formas: H11(~k) = Hs,s(~k) = Es + eika〈s(~r)|Ĥ|s(~r − ~a)〉+ e−ika〈s(~r)|Ĥ|s(~r + ~a)〉, (4.8) 36 H12(~k) = Hs,px(~k) = eika〈s(~r)|Ĥ|px(~r − ~a)〉+ e−ika〈s(~r)|Ĥ|px(~r + ~a)〉, (4.9) H13(~k) = Hs,py(~k) = eika〈s(~r)|Ĥ|py(~r − ~a)〉+ e−ika〈s(~r)|Ĥ|py(~r + ~a)〉, (4.10) H14(~k) = Hs,pz(~k) = eika〈s(~r)|Ĥ|pz(~r − ~a)〉+ e−ika〈s(~r)|Ĥ|pz(~r + ~a)〉, (4.11) H22(~k) = Hpx,px(~k) = Ep + eika〈px(~r)|Ĥ|px(~r − ~a)〉+ e−ika〈px(~r)|Ĥ|px(~r + ~a)〉, (4.12) H23(~k) = Hpx,py(~k) = eika〈px(~r)|Ĥ|py(~r − ~a)〉+ e−ika〈px(~r)|Ĥ|py(~r + ~a)〉, (4.13) H24(~k) = Hpx,pz(~k) = eika〈px(~r)|Ĥ|pz(~r − ~a)〉+ e−ika〈px(~r)|Ĥ|pz(~r + ~a)〉, (4.14) H33(~k) = Hpy ,py(~k) = Ep + eika〈py(~r)|Ĥ|py(~r − ~a)〉+ e−ika〈py(~r)|Ĥ|py(~r + ~a)〉, (4.15) H34(~k) = Hpy ,pz(~k) = eika〈py(~r)|Ĥ|pz(~r − ~a)〉+ e−ika〈py(~r)|Ĥ|pz(~r + ~a)〉 (4.16) e H44(~k) = Hpz ,pz(~k) = Ep + eika〈pz(~r)|Ĥ|pz(~r − ~a)〉+ e−ika〈pz(~r)|Ĥ|pz(~r + ~a)〉, (4.17) em que Es e Ep são, respectivamente, as energias dos orbitais 2s e 2p. Para determinar os valores desses elementos matriciais é importante levar em conta que o potencial da cadeia linear é: (i) periódico na direção x, com peŕıodo a, (ii) simétrico em relação aos planos de coordenadas x = 0, y = 0 e z = 0. Além disso, deve-se considerar as simetrias dos orbitais atômicos. 37 Dessa maneira, chega-se nos seguintes resultados: 〈s(~r)|Ĥ|s(~r ∓ ~a)〉 = Vssσ, (4.18) 〈s(~r)|Ĥ|px(~r ∓ ~a)〉 = ±Vspσ, (4.19) 〈s(~r)|Ĥ|py(~r ∓ ~a)〉 = 〈s(~r)|Ĥ|pz(~r ∓ ~a)〉 = 0, (4.20) 〈px(~r)|Ĥ|px(~r ∓ ~a)〉 = Vppσ, (4.21) 〈px(~r)|Ĥ|py(~r ∓ ~a)〉 = 〈px(~r)|Ĥ|pz(~r ∓ ~a)〉 = 0, (4.22) 〈py(~r)|Ĥ|py(~r ∓ ~a)〉 = 〈pz(~r)|Ĥ|pz(~r ∓ ~a)〉 = Vppπ (4.23) e 〈py(~r)|Ĥ|pz(~r ∓ ~a)〉 = 0. (4.24) Portanto, os elementos da matriz H(k) tomam as seguintes formas: H11(k) = Es + g0Vssσ, (4.25) H12(k) = g1Vspσ, (4.26) H13(k) = H14(k) = H23(k) = H24(k) = H34(k) = 0, (4.27) H22(k) = Ep + g0Vppσ, (4.28) e H33(k) = H44(k) = Ep + g0Vppπ, (4.29) em que g0 = exp(ika) + exp(−ika) = 2 cos(ka) (4.30) 38 e g1 = exp(ika) − exp(−ika) = 2i sen(ka). (4.31) A matriz do Hamiltoniano tem a seguinte forma: H(k) =   Es + g0Vssσ g1Vspσ 0 0 g∗1Vspσ Ep + g0Vppσ 0 0 0 0 Ep + g0Vppπ 0 0 0 0 Ep + g0Vppπ   . (4.32) Basta diagonalizar a matriz H(k), para determinar as energias em função do vetor de onda k. Essa matriz evidência que os orbitais py e pz estão desacoplados entre si e desacoplados, também, dos orbitais s e px. Além disso, os autovalores correspondentes a py e pz são idênticos. De fato, Epy(k) = Epz(k) = Ep + g0Vppπ = Ep + 2Vppπ cos(ka). (4.33) Por outro lado, os orbitais s e px ficam acoplados e as energias correspondentes satisfazem: ∣∣∣∣∣∣ Es + g0Vssσ g1Vspσ g∗1Vspσ Ep + g0Vppσ ∣∣∣∣∣∣ = 0. (4.34) Portanto, os autovalores devidos aos orbitais s e px são: E±(k) = Ep + Es 2 + (Vppσ + Vssσ) cos(ka) ± √[ Ep − Es 2 + (Vppσ − Vssσ) cos(ka) ]2 + 4V 2 spσsen2(ka). (4.35) Para o caso unidimensional faremos uma análise de como as bandas se comportam com a mudança dos valores das integrais. Para isso, usaremos os valores listados na Tabela 4.1. É importante salientar que, exceto aqueles fornecidos por Harrison [31], os parâmetros correspondem a cálculos de estrutura eletrônica realizados por métodos ab initio com LDA (Local-Density Approximation) [45, 44]. Para reforçar a idéia da mistura de orbitais na obtenção da estrutura de bandas, a cor de cada ponto das bandas é determinada pelo peso dos orbitais s, px, py e pz. Os pontos mais azuis correspondem aos estados dominados pelos orbitais s; nos pontos vermelhos 39 Tabela 4.1: Parâmetros tight binding para o carbono, em eV. Harrison [31] Harrison [31] Laref [45] Xu [44] Es −17.52 −17.52 −5.16331 −2.99 Ep −8.97 −8.97 2.28887 3.71 Vssσ −4.49823 −5.68384 −4.43338 −5.0 Vspσ 5.91196 7.47019 3.78614 4.7 Vppσ 10.4102 13.154 5.65984 5.5 Vppπ −2.60255 −3.28851 −1.82861 −1.55 d (Å) 1.54 1.37 1.54 1.54 há predominância dos estados px e nos verdes estão caracterizados os estados py e pz. A mudança gradativa de cores mostra que a natureza da função de Bloch depende do vetor de onda. Nas figuras subseqüentes é mostrado, ao lado da estrutura de bandas, o gráfico da densidade de estados. Essa densidade é o número de estados eletrônicos em cada intervalo pequeno de energia dividido pelo comprimento desse intervalo e pela extensão da célula unitária. No caso dos arranjos unidimensionais, essa densidade tem unidades de inverso de energia vezes inverso de comprimento. Nesta seção os gráficos de densidade de estados são obtidos através de um histograma das energias calculadas pelo método tight binding. Estes resultados são apresentados em unidades arbitrárias. A estrutura de bandas apresentada na Figura 4.3 é obtida utilizando os parâmetros indicados na primeira coluna da Tabela 4.1. Eles foram determinados a partir da Tabela do Estado Sólido elaborada por Harrison [31]. O procedimento de obtenção destes parâmetros é descrito no Apêndice A. Nos cálculos realizados nesta seção, foram tomados valores de k entre os pontos de simetria Γ(k = 0) e X (k = π a ) da primeira zona de Brillouin. Aplicando os valores estabelecidos por Laref et al. [45], os quais são indicados na terceira coluna da Tabela 4.1, obtemos a estrutura de bandas e a densidade de estados mostradas na Figura 4.4. Esses resultados apresentam boa concordância com a estrutura de bandas na Figura 4.5, reportada por Laref et al. [45]. A Figura 4.6 mostra a sobreposição das bandas obtidas por Laref et al. [45] (linhas 40 Figura 4.3: Bandas do cumuleno calculadas com os parâmetros indicados na primeira coluna da Tabela 4.1. As cores evidenciam o peso de cada orbital na estrutura de bandas. Ao lado é mostrado a densidade de estados (DOS). Figura 4.4: Estrutura de bandas do cumuleno calculada através do parâmetros indicados na terceira coluna da Tabela 4.1. As cores evidenciam o peso de cada orbital na estrutura de bandas. Ao lado é mostrada a densidade de estados (DOS). sólidas) e resultados obtidos pelo modelo apresentado neste caṕıtulo (linhas pontilhadas). É posśıvel apreciar que existe bom acordo qualitativo entre os resultados. Utilizando o mesmo procedimento para a representação da estrutura de bandas, a Figura 4.7(a) mostra apenas o peso dos orbitais de tipo s e px. A ausência de cor (preto) 41 Figura 4.5: Estrutura de bandas reportada por Laref et al. [45]. Figura 4.6: Comparação entre a estrutura de bandas obtidas por Laref et al. (linhas cont́ınuas) e resultados obtidos pelo modelo apresentado neste caṕıtulo (linhas pontilhadas). evidência a participação de outros estados para o respectivo autovalor. Na Figura 4.7(b) é mostrado o peso dos os orbitais s, px, py e pz. Convém destacar que a linha verde é duplamente degenerada. Isto é, para cada ńıvel de energia, há um estado formado por orbitais py e outro formado por orbitais pz. Finalmente, através dos parâmetros obtidos por Xu et al. [44], indicados na quarta coluna da Tabela 4.1, é obtida a estrutura de bandas do cumuleno. Os resultados são mostrados na Figura 4.8. Para representação das bandas foi adotado o mesmo procedi- mento utilizado anteriormente. Através das Figuras 4.3 e 4.4 verifica-se uma notável mudança de comportamento da banda de menor energia onde os valores mı́nimos de energia estão em diferentes pontos da zona de Brillouin. Nas Figuras 4.4 e 4.8 não se verifica este comportamento para a banda de menor energia. Na Figura 4.8 verifica-se, através da densidade de estados, que 42 Figura 4.7: Estrutura de bandas do cumuleno calculada através do parâmetros indicados na terceira coluna da Tabela 4.1: (a) contribuição dos orbitais s e px, (b) contribuição dos orbitais s, px ,py e pz . Figura 4.8: Bandas do cumuleno calculada através do parâmetros indicados na quarta coluna da Tabela 4.1. As cores evidenciam o peso de cada orbital na estrutura de bandas. Ao lado é mostrada a densidade de estados (DOS). não há cruzamento entre as bandas. 43 4.3 Cadeia linear com dois átomos por célula A estrutura do poliino é mostrada esquematicamente na Figura 4.2(c) e consiste em um arranjo de átomos de carbono que se encontram unidos, alternadamente, por ligações sim- ples e triplas. Portanto, apresenta uma alternância de diferentes distâncias interatômicas. Figura 4.9: Representação de uma célula unitária de dois átomos, com diferentes distâncias interatômicas, ilustrando ligações simples e triplas. O retângulo tracejado delimita a extensão da célula unitária, onde ~d1 e ~d2 indicam os vetores de ligação e a é o parâmetro de rede. A Figura 4.9 ilustra uma célula unitária de dois átomos, com os valores das distâncias interatômicas obtidos por Calzolari et al. [1]. Há dois átomos por célula unitária (B = 2), que identificamos pelos indices β = 1 e β = 2. Cada átomo de ı́ndice 1 tem dois átomos de ı́ndice 2, como vizinhos mais próximos. O vizinho da esquerda à distância d1 = 1.51 Å e o da direita, a d2 = 1.22 Å. Como na seção anterior, são feitas três importantes simplificações: (1) desprezar a sobreposição entre orbitais de átomos diferentes. Isso significa que S(k) é a matriz identidade e as energias são os autovalores de H(k). (2) desprezar as integrais de Ĥ entre orbitais, além dos primeiros vizinhos. Como os primeiros vizinhos de cada átomo de ı́ndice 1 são de ı́ndice 2, e vice-versa, a aplicação da Eq. (3.29) produz: H(1,µ),(1,µ′)(~k) = h̃(1,µ),(1,µ′)(~0) = E (1) µ δµ,µ′ (4.36) e H(2,µ),(2,µ′)(~k) = h̃(2,µ),(2,µ′)(~0) = E (2) µ δµ,µ′ . (4.37) Isto significa que os blocos H11(k) e H22(k) da matriz H(k) são diagonais. Os vetores que localizam os vizinhos do átomo de ı́ndice 1 são ~d (1) 12 = ~d1 = d1êx e ~d (2) 12 = ~d2 = d2êx 44 (ver Figura 4.9). Então, mediante a Eq. (3.29), obtemos: H(1,µ),(2,µ′)(~k) = ei~k·~d1 h̃(1,µ),(2,µ′)(~d1) + ei~k·~d2h̃(1,µ),(2,µ′)(~d2) = e−ikd1〈ϕ(1) µ (~r)|Ĥ|ϕ(2) µ′ (~r − ~d1)〉+ eikd2〈ϕ(1) µ (~r)|Ĥ|ϕ(2) µ′ (~r − ~d2)〉. (4.38) Isto permite construir o bloco H12(k). O bloco H21(k) vale H†12(k). É importante notar que as duas integrais na expressão de H(1,µ),(2,µ′)(k) têm a mesma forma. No entanto, as diferenças na orientação e no módulo de ~d1 e ~d2 devem ser observadas. Em particular, como ~d1 > ~d2, as integrais com ~d1 devem ser menores que aquelas com ~d2. (3) Levando em conta a estrutura eletrônica do átomo de carbono, usamos os or- bitais 2s, 2px, 2py e 2pz de cada um dos dois átomos da célula unitária. Portanto, o número de orbitais na célula unitária é N = 8, que é a dimensão de H(k) e o número de bandas produzidas no cálculo tight binding. Convenientemente, usamos os ı́ndices j = 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 para os orbitais ϕ1,1(~r) = s(~r), ϕ1,2(~r) = px(~r), ϕ1,3(~r) = py(~r), ϕ1,4(~r) = pz(~r), ϕ2,1(~r) = s(~r), ϕ2,2(~r) = px(~r), ϕ2,3(~r) = py(~r) e ϕ2,4(~r) = pz(~r). Com essas simplificações, obtemos H11(k) = H22(k) =   Es 0 0 0 0 Ep 0 0 0 0 Ep 0 0 0 0 Ep   . (4.39) Novamente, levando em conta as simetrias do potencial cristalino e dos orbitais atômicos, obtemos H12(k) =   Vss(k) Vsx(k) 0 0 −Vsx(k) Vxx(k) 0 0 0 0 Vyy(k) 0 0 0 0 Vzz(k)   , (4.40) em que Vss(k) = H(1,s),(2,s)(k) = V (1) ssσ e−ikd1 + V (2) ssσ eikd2 , (4.41) Vsx(k) = H(1,s),(2,px)(k) = −V (1) spσ e−ikd1 + V (2) spσ eikd2 , (4.42) Vxx(k) = H(1,px),(2,px)(k) = V (1) ppσ e−ikd1 + V (2) ppσ eikd2 (4.43) 45 e Vyy(k) = Vzz(k) = H(1,py),(2,py)(k) = V (1) ppπ e−ikd1 + V (2) ppπ eikd2 . (4.44) Os valores dos acoplamentos Vssσ,Vspσ,Vppσ e Vppπ dependem da distância interatômica e são indicados na Tabela 4.2 para as distâncias d1 e d2. A estrutura de bandas resulta de achar os autovalores da matriz: H(k) =   Es 0 0 0 Vss(k) Vsx(k) 0 0 0 Ep 0 0 −Vsx(k) Vxx(k) 0 0 0 0 Ep 0 0 0 Vyy(k) 0 0 0 0 Ep 0 0 0 Vzz(k) V ∗ ss(k) −V ∗ sx(k) 0 0 Es 0 0 0 V ∗ sx(k) V ∗ xx(k) 0 0 0 Ep 0 0 0 0 V ∗ yy(k) 0 0 0 Ep 0 0 0 0 V ∗ zz(k) 0 0 0 Ep   . (4.45) É conveniente notar que os orbitais py e pz estão desacoplados entre sim e desacoplados dos orbitais s e px. De um lado, como Vzz(k) = Vyy(k), as bandas correspondentes são soluções da mesma equação: ∣∣∣∣∣∣ Ep − E Vyy(k) V ∗ yy(k) Ep − E ∣∣∣∣∣∣ = 0, (4.46) isto é, E± py (k) = E± pz (k) = Ep ± |Vyy(k)| = Ep ± |V (1) ppπ e−ikd1 + V (2) ppπ eikd2| = Ep ± √[ V (1) ppπ ]2 + [ V (2) ppπ ]2 + 2V (1) ppπV (2) ppπ cos(ka). (4.47) A Figura 4.10 mostra as bandas devidas aos orbitais py e pz, nos painéis (a) e (b), respectivamente. Vale ressaltar que em relação com as curvas, os painéis são idênticos. A separação em painéis ajuda na contagem do número de bandas calculadas. Do outro lado, as energias das bandas em que os orbitais s e px estão misturados são os autovalores da matriz Hs,px(k) =   Es 0 Vss(k) Vsx(k) 0 Ep −Vsx(k) Vxx(k) V ∗ ss(k) −V ∗ sx(k) Es 0 V ∗ sx(k) V ∗ xx(k) 0 Ep   . (4.48) 46 Figura 4.10: Bandas do poliino que são devidas (a) aos orbitais py e (b) aos orbitais pz. Tabela 4.2: Parâmetros tight binding obtidos através da Tabela do Estado Sólido (ver Apêndice A), para o carbono, calculados para diferentes distâncias interatômicas entre os vizinhos mais próximos, em eV. d1 (Å) 1.51 d2 (Å) 1.22 V (1) ssσ −4.68 V (2) ssσ −7.17 V (1) spσ 6.15 V (2) spσ 9.42 V (1) ppσ 10.83 V (2) ppσ 16.59 V (1) ppπ −2.71 V (2) ppπ −4.15 A Figura 4.11 mostra as quatro bandas devidas aos orbitais s e px, utilizando Es = −17.52 eV e Ep = −8.97 eV juntamente com os parâmetros indicados na Tabela 4.2. Figura 4.11: Bandas do poliino que são devidas aos orbitais s e px. A Figura 4.12 mostra as oito bandas calculadas para o poliino. Essa figura é uma 47 sobreposição das Figuras 4.10 e 4.11. Portanto, deve-se notar que as bandas em negro são duplamente degeneradas. Para reforçar a idéia da mistura de orbitais, a cor de cada ponto da banda é determi- nada pelo peso dos orbitais s, px, py e pz. Os pontos mais azuis (vermelhos) correspondem aos estados dominados pelos orbitais s (px) e os pontos destacados em verde correspondem à contribuição dos estados py e pz. A mudança gradativa de cores mostra que a natureza da função de Bloch depende do vetor de onda. Figura 4.12: Bandas de uma cadeia linear de Carbono considerando dois átomos por célula unitária com diferentes distâncias interatômicas, obtidas com os parâmetros indicados na Tabela 4.2. A informação mais importante nessa figura é que, em temperatura próxima do zero absoluto, as quatro bandas inferiores estão completamente ocupadas. Ao mesmo tempo, as quatro bandas superiores estão completamente vazias. Isto é consequência de haver oito elétrons por célula unitária, enquanto cada estado de Bloch admite dois elétrons, devido ao spin. Assim, o poliino é um material semicondutor. Segundo a Eq. (4.47), a largura do gap é Eg = 2 ∣∣V (2) ppπ − V (1) ppπ ∣∣ ' 2.88 eV. (4.49) Adicionalmente, vemos que as bandas de valência e de condução são degeneradas nas bordas devido aos orbitais py e pz. As massas efetivas de elétrons de condução e de buracos são idênticas e valem m∗ = ~2 a2 ∣∣∣∣∣ 1 V (1) ppπ − 1 V (2) ppπ ∣∣∣∣∣ . (4.50) 48 Portanto, usando os valores da Tabela 4.2, obtemos m∗ m0 ' 0.13, em que m0 é a massa do elétron livre. Figura 4.13: Estrutura de bandas do poliino: (a) obtidas com os parâmetros indicados na Tabela 4.2 (b) obtidas por Calzolari et al. [1]. Através da Figura 4.13 verifica-se uma boa concordância, qualitativa entre os nossos resultados , Figura 4.13(a), e os reportados por Calzolari et al. , Figura 4.13(b). Porém, do ponto de vista quantitativo, as diferenças são apreciáveis. Isto sugere que os parâmetros tight binding podem ser melhor ajustados. 4.4 A estrutura do cumuleno como caso particular do poliino O cumuleno pode ser considerado um caso particular para um arranjo com dois átomos idênticos por célula unitária, com as distâncias interatômicas iguais. Como já discutido no ińıcio desta seção, os valores das integrais de interação variam em função da distância entre os átomos. Sendo assim, para o cumuleno, podemos usar as expressões da seção anterior, com V (1) ssσ = V (2) ssσ , V (1) spσ = V (2) spσ, V (1) ppσ = V (2) ppσ e V (1) ppπ = V (2) ppπ. As estruturas de bandas apresentadas nas Figuras 4.14 e 4.15 foram obtidas utilizando os parâmetros indicados na Tabela 4.1 com distâncias interatômicas de 1.54 Å. A diferença entre as estruturas de bandas apresentadas nas Figuras 4.3, 4.4 e 4.8, e as reportadas nas Figuras 4.14 e 4.15, se dá pelo aumento do número de átomos por célula unitária, que pode ser interpretado como um dobramento da primeira zona de Brillouin. Isso foi 49 realizado para uma comparação direta com resultados reportados por Calzolari et al. [1] (ver Figura 4.16). Figura 4.14: Estrutura de bandas do cumuleno calculadas com dois átomos de carbono por célula unitária e distâncias interatômicas de 1.54 Å. Os valores das integrais de acoplamento listadas (a) na segunda coluna, (b) na terceira coluna e (c) na quarta coluna da Tabela 4.1. Figura 4.15: Estrutura de bandas do cumuleno calculadas com quatro átomos de carbono por célula unitária e distâncias interatômicas de 1.54 Å. Os valores das integrais de acoplamento listadas (a) na segunda coluna, (b) na terceira coluna e (c) na quarta coluna da Tabela 4.1. A Figura 4.17 mostra as estruturas de bandas do poliino (linhas cont́ınuas) e do cumu- leno (linhas tracejadas). Ali é posśıvel apreciar os efeitos mais importantes da alternância das distâncias interatômicas. Dentre eles, destaca-se a quebra da degenerecência das bandas na fronteira da primeira zona de Brillouin, degenerescência que ocorre somente quando as distâncias interatômicas são iguais. Dessas quebras, a mais importante ocorre na energia Ep, onde fica o ńıvel de Fermi do cumuleno, que é condutor. O gap de energia 50 Figura 4.16: Estrutura de bandas do cumuleno com quatro átomos de carbono por célula unitária e distâncias interatômicas de 1.37 Å: (a) utilizando os parâmetros da quarta coluna da Tabela 4.1 (b) reportada por Calzolari et al. [1]. apresentado na Figura 4.17 esta associado a distorção de Peierls [46]. Também vemos que ao alternar as distâncias interatômicas o novo material, o poliino, é um semicondutor. Figura 4.17: Bandas da cadeia linear de átomos de carbono. As linhas cont́ınuas (tracejadas) correspondem ao caso das distâncias interatômicas diferentes (iguais). 4.5 Conclusões parciais do caṕıtulo A banda inferior obtida com o uso dos parâmetros fornecidos por Harrison [31] não reproduzem a forma da banda inferior calculada com os parâmetros de Xu et al. [44] e Laref et al. [45]. É bom salientar que a Tabela do Estado Sólido é mais confiável para os cristais tridimensionais. Em prinćıpio, os elementos matriciais dependem da estrutura 51 do cristal, e não somente das espécies atômicas envolvidas. Por outro lado, usando os parâmetros reportados por Laref et al. [45], conseguiu-se bom acordo com os resultados desses autores. Para o cumuleno verificamos que os parâmetros que melhor reproduzem as bandas obtidas por Calzolari et al. [1] são os determinados por Xu et al. [44]. Para o poliino os parâmetros fornecidos por Harrison reproduzem qualitativamente a forma das bandas. Tanto para o cumuleno quanto para o poliino, encontramos poucas diferenças qualitativas com os resultados reportados por Calzolari et al. [1]. O ajuste dos parâmetros do método tight binding e um estudo mais aprofundado das cadeias lineares de átomos ainda é necessário. Caṕıtulo 5 Cálculo tight binding para planos atômicos 5.1 Introdução Os arranjos bidimensionais de átomos, há décadas, vêm sendo estudados e modela- dos através de diversos métodos computacionais. Porém evidências experimentais destes sistemas só foram constatadas há poucos anos. O grafeno é considerado uma importante forma cristalina do carbono e, recentemente vem sendo muito estudado por apresentar propriedades únicas de transporte, bem como uma relativa facilidade em sua fabricação. Ele é utilizado em uma grande gama de aplicações em nano-eletrônica, opto-eletrônica, supercondutividade, junções Josephson e transporte baĺıstico [47]. Como ilustrado na Figura 5.1, o grafeno é formado por uma camada única de átomos de carbono dispostos em arranjos hexagonais e ligados covalentemente, na configuração de ligações entre orbitais sp2. A investigação desta estrutura é justificada pelo grande poten- cial tecnológico associado às suas propriedades e sua importância no estudo dos nanotubos de carbono. Estes, devido às suas propriedades mecânicas, eletrônicas e qúımicas, vêm despertando grandes interesses cient́ıficos e econômicos. Os nanotubos de carbono são constitúıdos por folhas de grafeno enroladas de maneiras especiais. Há três tipos de nanotubos: “armchair”,“zigzag” e “quiral”, cujas estruturas são apresentadas na Figura 5.2. Dependendo da geometria, eles apresentam caracteŕısticas metálicas ou semicondutoras. 52 53 Figura 5.1: Estrutura honeycomb do Grafeno. Figura 5.2: Estruturas geométricas de nanotubos de paredes simples: (a) nanotubo armchair, (b) nanotubo zig-zag e (c) nanotubo quiral. Reproduzidos da Ref. [48]. Historicamente, a primeira descrição tight-binding do grafeno foi dada por Wallace em 1947 [9]. Ele considerou as interações entre vizinhos mais próximos para os orbitais pz, e descartou a sobreposição entre as funções de onda centradas em átomos diferentes. Artigos recentes mostram que a aproximação tight binding é uma boa opção para des- crever as bandas eletrônicas dos nanotubos de carbono e do grafeno. Latgé et al. [49, 50] utilizaram a aproximação tight binding para descrever as propriedades eletrônicas dos nanotubos de carbono de parede dupla. No estudo do grafeno, Reich et al. [51] apresen- taram uma aproximação tight binding de terceiros vizinhos, compararam-na com cálculos de Pseudopotencial de Ondas Planas e verificaram uma boa concordância, principalmente perto do ponto K da zona de Brillouin [32]. Posteriormente, em 2008, Gharekhanlou et al. [47] propuseram uma aproximação tight binding que inclúıa os cinco primeiros vizinhos 54 e, incluindo defeitos, verificaram o comportamento do gap de energia próximo ao ponto K. Para os cálculos apresentados neste caṕıtulo é utilizada uma aproximação de primeiros vizinhos. A primeira constatação experimental do grafeno deu-se em 2004: Novoselov et al. [52] produziram o grafeno através de uma esfoliação mecânica do grafite. Atualmente é posśıvel obter o grafeno por diversas maneiras, tais como; crescimento epitaxial [53], clivagem mecânica [54], deposição qúımica a vapor [55] e esfoliação qúımica [56, 57, 58]. A Figura 5.3, reportada por Lauffer et al. [59] através de um Microscópio de Tunelamento (STM), mostra a estrutura honeycomb do grafeno. Os átomos dispostos em hexágonos foram identificados para (a) uma monocamada de grafeno, (b) uma camada tripla de grafeno sobre o SiC (0001) (c) uma camada dupla de átomos não-equivalentes. Nos casos onde há multicamadas de grafeno, o empilhamento dessas camadas causa a quebra de simetria, levando à não equivalência dos dois átomos de carbono por célula unitária. Figura 5.3: Imagem obtida através de Microscopia de Tunelamento (STM), da estrutura hon- eycomb do grafeno, indicando os átomos dispostos em hexágonos, crescidas sobre o SiC (0001) para (a) uma monocamada de grafeno, (b) uma camada tripla de grafeno com átomos de C não-equivalentes (por célula unitária), (c) uma camada dupla de grafeno com átomos de C não-equivalentes (por célula unitária) [59]. Como salienta Saito [60], a maioria das propriedades eletrônicas mais relevantes nos materiais constitúıdos de carbono remetem-se aos elétrons de valência que participam das ligações π. Esse fato é evidenciado no presente caṕıtulo. 55 Nas próximas seções deste caṕıtulos é obtida, através do método tight binding, a estrutura eletrônica do grafeno. Nos cálculos apresentados são discutidas algumas carac- teŕısticas das bandas π do grafeno e propriedades do ponto K. Na ultima seção é calculado o cone de Dirac, destacando também a influencia dos parâmetros tight binding na estru- tura eletrônica do material. 5.2 Estrutura cristalina do grafeno Um material cristalino, independente do tipo de ligação encontrado no mesmo, caracte- riza-se pelo arranjo ordenado e periódico de seus átomos. O grafite possui uma estrutura cristalina hexagonal de átomos de carbono, como mostra a Figura 5.4. Tal estrutura pode ser melhor visualizada como constitúıda de camadas ou folhas em que os átomos de carbono formam uma estrutura honeycomb. Uma camada desse tipo é chamada de grafite 2D ou grafeno. Figura 5.4: Representação da estrutura cristalina do grafite. Os pontos azuis indicam os átomos da célula unitária do grafite. No grafite tridimensional as interações entre dois planos adjacentes é pequena com- parada com as interações provenientes do mesmo plano atômico [60]. Isso se dá pelo fato de que distância de separação entre os planos, 3.35 Å, como mostra Figura 5.4, é muito maior que a distância entre os primeiros vizinhos no grafeno, que é d = 1.42 Å [61]. A estrutura cristalina do grafeno é chamada de honeycomb e está representada na Figura 5.5 (a). Os centros de todos os átomos estão no mesmo plano, no qual definimos os eixos cartesianos x e y. A estrutura honeycomb tem rede cristalina hexagonal e dois 56 átomos por célula unitária. Esses átomos são identificados pelos ı́ndices 1 e 2 e, sem perder generalidade, as suas posições na célula unitária que contém a origem são escolhidas como ~t1 = ~0 e ~t2 = d êx. Os vetores primitivos da rede hexagonal são escolhidos da seguinte forma: ~a1 = ( a √ 3 2 , a 2 ) e ~a2 = ( a √ 3 2 , −a 2 ) . (5.1) Aqui o parâmetro de rede é a = |~a1| = |~a2| = d √ 3 = 2.46 Å. Conseqüentemente, os vetores geradores da rede rećıproca são: ~b1 = ( 2π√ 3a , 2π a ) e ~b2 = ( 2π√ 3a , −2π a ) . (5.2) Figura 5.5: (a) Estrutura honeycomb do grafeno. Uma célula t́ıpica é delimitada pelo losango pontilhado, onde ~a1 e ~a2 são vetores primitivos . (b) Rede rećıproca do grafeno, o hexágono hachurado corresponde à primeira zona de Brillouin. Nela são mostrados os pontos Γ,M e K. Os vetores ~b1 e ~b2 são vetores primitivos rede rećıproca. Como mostra a Figura 5.5 (b), a direção dos vetores ~b1 e ~b2 está rotacionada em 90◦ dos vetores do espaço real ~a1 e ~a2, respectivamente. Nesta figura, o hexágono hachurado corresponde à primeira zona de Brillouin. Nela são mostrados os pontos de simetria Γ,M e K usados para estabelecer os caminhos na primeira zona de Brillouin. Esses caminhos são usados no cálculo das estruturas eletrônicas do grafeno apresentadas nas seções subseqüentes. 57 5.3 Matrizes do método tight binding para o grafeno Para realizar o cálculo da estrutura eletrônica do grafeno pelo método tight binding, fazemos as seguintes simplificações: (1) desprezar as sobreposições e as integrais do hamiltoniano entre orbitais de átomos além dos primeiros vizinhos. Como os primeiros vizinhos de cada átomo de ı́ndice 1 são de ı́ndice 2, a aplicação das Eqs. (3.26) e (3.29) levam às seguintes expressões: S(1,µ),(1,µ′)(~k) = s̃(1,µ),(1,µ′)(~0) = δµ,µ′ (5.3) e H(1,µ),(1,µ′)(~k) = h̃(1,µ),(1,µ′)(~0) = E(1) µ δµ,µ′ . (5.4) Portanto, o bloco S11(~k) é a matriz identidade de ordem 4, enquanto o bloco H11(~k) é diagonal. Como os primeiros vizinhos de cada átomo de ı́ndice 2 são de ı́ndice 1, as mesmas conclusões valem para os blocos S22(~k) e H22(~k). Figura 5.6: Ângulos entre o eixo x e os vetores ~d1, ~d2 e ~d3. Esses vetores ligam um átomo de ı́ndice 1 aos seus vizinhos de ı́ndice 2. Com os mesmos argumentos podemos construir os blocos S12(~k) e H21(~k). Como ilustra a Figura 5.6, os vetores que localizam os vizinhos de ı́ndice 2 de um átomo de ı́ndice 1 são: ~d (1) 12 = ~d1 = (d, 0), ~d (2) 12 = ~d2 = ( −d 2 , d √ 3 2 ) e ~d (3) 12 = ~d3 = ( −d 2 ,−d √ 3 2 ) . Portanto, aplicando a Eq. (3.29), obtemos S(1,µ),(2,µ′)(~k) = 3∑ j=1 ei~k·~dj 〈ϕ1,µ(~r)|ϕ2,µ(~r − ~dj)〉 (5.5) e H(1,µ),(2,µ′)(~k) = 3∑ j=1 ei~k·~dj 〈ϕ1,µ(~r)|Ĥ|ϕ2,µ′(~r − ~dj)〉. (5.6) 58 Além disso, os blocos que restam são S21(~k) = S†12( ~k) e H21(~k) = H†12( ~k). (2) como fizemos no Caṕıtulo 4, tomamos de cada átomo de carbono os orbitais 2s, 2px, 2py e 2pz. Dessa forma, há N = 8 orbitais por célula unitária. Esse número é a dimensão das matrizes S(~k) e H(~k), e coincide com a quantidade de bandas produzidas pelo método tight binding. Convenientemente, usamos os ı́ndices j = 1, 2, . . . , 8 para os orbitais ϕ1,1(~r) = s(~r), ϕ1,2(~r) = px(~r), ϕ1,3(~r) = py(~r) e ϕ1,4(~r) = pz(~r), ϕ2,1(~r) = s(~r), ϕ2,2(~r) = px(~r), ϕ2,3(~r) = py(~r) e ϕ2,4(~r) = pz(~r), respectivamente. Naturalmente, as matrizes S(~k) e H(~k) são decompostas em quatro blocos 4× 4. Com as simplificações acima, obtemos: S11(k) = S22(k) =   1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1   (5.7) e H11(k) = H22(k) =   Es 0 0 0 0 Ep 0 0 0 0 Ep 0 0 0 0 Ep   . (5.8) A obtenção dos termos de S12(~k) e H12(~k) é um tanto trabalhosa, especialmente ao tratar integrais com os orbitais px e py. Vejamos primeiramente as integrais mais fáceis: (1) pela simetria de rotação do orbital s, a integral 〈s(~r)|s(~r − ~d)〉 não depende da direção nem do sentido de ~d. Denotando essa integral por Sssσ, obtemos: S(1,1),(2,1)(~k) = Sss(~k) = Sssσg0(~k), (5.9) em que g0(~k) = 3∑ j=1 ei~k·~dj . (5.10) Levando em conta a simetria do potencial ante a rotação de 120◦ em torno do eixo z, conclúımos que 〈s(~r)|Ĥ|s(~r − ~dj)〉 não depende do ı́ndice j. Denotando essa integral por Vssσ, obtemos V(1,1),(2,1)(~k) = Vss(~k) = Vssσg0(~k). (5.11) 59 (2) o orbital pz também tem simetria de rotação em torno do eixo z. Portanto em analogia com o caso anterior, obtemos: S(1,4),(2,4)(~k) = Szz(~k) = Sppπg0(~k) (5.12) e V(1,4),(2,4)(~k) = Vzz(~k) = Vppπg0(~k). (5.13) (3) como o orbital s é simétrico em relação ao plano xy, enquanto o orbital pz é anti-simétrico, temos S(1,1),(2,4)(~k) = S(1,4),(2,1)(~k) = 0. (5.14) Além disso, levando em conta que o potencial cristalino é simétrico em relação ao plano xy, obtemos: H(1,1),(2,4)(~k) = H(1,4),(2,1)(~k) = 0. (5.15) (4) como os orbitais px e py são simétricos em relação ao plano xy, em analogia com o caso anterior, obtemos: S(1,2),(2,4)(~k) = S(1,4),(2,2)(~k) = S(1,3),(2,4)(~k) = S(1,4),(2,3)(~k) = 0 (5.16) e H(1,2),(2,4)(~k) = H(1,4),(2,2)(~k) = H(1,3),(2,4)(~k) = H(1,4),(2,3)(~k) = 0. (5.17) Assim, sabemos que os blocos S12(~k) e H12(~k) têm as seguinte formas: S12(~k) =   Sss(~k) Ssx(~k) Ssy(~k) 0 Sxs(~k) Sxx(~k) Sxy(~k) 0 Sys(~k) Syx(~k) Syy(~k) 0 0 0 0 Szz(~k)   (5.18) e H12(~k) =   Vss(~k) Vsx(~k) Vsy(~k) 0 Vxs(~k) Vxx(~k) Vxy(~k) 0 Vys(~k) Vyx(~k) Vyy(~k) 0 0 0 0 Vzz(~k)   . (5.19) 60 A dificuldade para calcular os termos que restam está em que as ligações dadas pelos vetores ~d2 e ~d3, como mostra a Figura 5.6, são obĺıquas em relação aos eixos x e y. Esses, por sua vez, são as direções principais dos orbitais px e py. Então para lidar, de forma geral, com esse desafio, consideramos as integrais entre orbitais com o átomo de ı́ndice 1 na origem e um átomo de ı́ndice 2 localizado pelo vetor dj = (d cos(θj), d sen(θj)). Figura 5.7: Ilustração da disposição dos orbitais px e py dos átomos 1 e 2, estabelecendo uma ligação que forma um ângulo θ em relação ao eixo x. A Figura 5.7 ilustra a disposição dos orbitais px e py desses átomos. Para calcular as integrais que envolvem os orbitais px e py é conveniente introduzir novas coordenadas retangulares x′ e y′, sendo o eixo x′ colinear com o vetor ~d que une os átomos. Assim o eixo x′ forma um ângulo θ com o eixo x. De acordo com a Figura 5.8, obtemos as seguintes relações de transformação de coordenadas [62]:    x = x′ cos(θj)− y′sen(θj) y = x′sen(θj) + y′ cos(θj), (5.20) Figura 5.8: Ilustração de um sistema de coordenadas retangulares x′ e y′, formando um ângulo θ entre o eixos x e x′. 61 É muito importante notar que, segundo as equações (2.10), (2.11) e (2.12) do Caṕıtulo 3, os orbitais px e py seguem as mesmas relações de transformação, isto é    |px〉 = aj|px′〉 − bj|py′〉 |py〉 = bj|px′〉+ aj|py′〉, (5.21) em que aj = cos(θj) e bj = sen(θj). A Figura 5.9 mostra os orbitais px′ o py′ dos átomos 1 e 2. Figura 5.9: Orbitais px′ o py′ dos átomos 1 e 2. Agora, as integrais envolvendo os orbitais px′ e py′ são mais fáceis de calcular: (1) o orbital s é simétrico em relação ao plano x′z, enquanto o orbital py′ é anti- simétrico. Portanto, 〈s(~r)|py′(~r − ~dj)〉 = 〈py′(~r)|s(~r − ~dj)〉 = 0. (5.22) Além disso, para os três valores da Figura 5.6, o potencial também é simétrico em relação ao eixo x′z. Conseqüentemente, temos 〈s(~r)|Ĥ|py′(~r − ~dj)〉 = 〈py′(~r)|Ĥ|s(~r − ~dj)〉 = 0. (5.23) (2) o orbital px′ também é simétrico em relação ao plano x′z. Em analogia com o item anterior, obtemos: 〈px′(~r)|py′(~r − ~dj)〉 = 〈py′(~r)|px′(~r − ~dj)〉 = 0 (5.24) e 〈px′(~r)|Ĥ|py′(~r − ~dj)〉 = 〈py′(~r)|Ĥ|px′(~r − ~dj)〉 = 0. (5.25) 62 (3) como o grafeno tem simetria de rotação de 120◦ em torno do eixo z, as integrais 〈s(~r)|px′(~r − ~dj)〉 e 〈s(~r)|Ĥ|px′(~r − ~dj)〉 não dependem do ı́ndice j. Seus valores são denotados por Sspσ e Vspσ, respectivamente. Portanto 〈s(~r)|px′(~r − ~dj)〉 = Sspσ (5.26) e 〈s(~r)|Ĥ|px′(~r − ~dj)〉 = Vspσ. (5.27) (4) a mesma simetria do item anterior e a simetria de inversão do grafeno em relação do ponto médio do segmento que une os átomos 1 e 2, permitem escrever 〈px′(~r)|s(~r − ~dj)〉 = −Sspσ (5.28) e 〈px′(~r)|Ĥ|s(~r − ~dj)〉 = −Vspσ. (5.29) (5) em analogia com os ı́tens anteriores, obtemos 〈px′(~r)|px′(~r − ~dj)〉 = Sppσ, (5.30) 〈px′(~r)|Ĥ|px′(~r − ~dj)〉 = Vppσ, (5.31) 〈py′(~r)|py′(~r − ~dj)〉 = Sppπ (5.32) e 〈py′(~r)|Ĥ|py′(~r − ~dj)〉 = Vppπ. (5.33) Agora temos condições de obter os elementos restantes dos blocos S12(~k) e H12(~k): (1) o cálculo de Ssx(~k) e Vsx(~k) envolve os orbitais representados na Figura 5.10(a). Segundo as Eqs. (5.5), (5.21) e (5.26), obtemos: Ssx(~k) = 3∑ j=1 ei~k·~dj 〈s(~r)|px(~r − ~dj)〉 = 3∑ j=1 ei~k·~dj [aj〈s(~r)|px′(~r − ~dj)〉 − bj〈s(~r)|py′(~r − ~dj)〉] = Sspσg1(~k), (5.34) 63 Figura 5.10: Representação das posśıveis interações dos orbitais s com os orbitais px centrados em diferentes átomos. com g1(~k) = 3∑ j=1 aje i~k·~dj , (5.35) e analogamente, pelas Eqs. (5.6), (5.21) e (5.27), temos: Vsx(~k) = Vspσg1(~k). (5.36) Para os termos Sxs(~k) e Vxs(~k), as integrais mudam de sinal. Portanto, obtemos: Sxs(~k) = −Sspσg1(~k) = −Ssx(~k) (5.37) e Vxs(~k) = −Vspσg1(~k) = −Vsx(~k). (5.38) (2) agindo de forma similar à do item anterior, obtemos [ver Figura 5.11(a)]: Ssy(~k) = 3∑ j=1 ei~k·~dj 〈s(~r)|py(~r − ~dj)〉 = 3∑ j=1 ei~k·~dj [bj〈s(~r)|px′(~r − ~dj)〉+ aj〈s(~r)|py′(~r − ~dj)〉] = Sspσg2(~k) (5.39) e Vsy(~k) = Vspσg2(~k), (5.40) com g2(~k) = 3∑ j=1 bje i~k·~dj . (5.41) 64 Figura 5.11: Representação das posśıveis interações dos orbitais s com os orbitais py centrados em diferentes átomos. Igualmente obtemos [ver Figura 5.11(b)], os termos Sys(~k) = −Ssy(~k) e Vys(~k) = −Vsy(~k). (3) as integrais com os orbitais representados na Figura 5.12, segundo as Eqs. (5.5), (5.21), (5.24) e (5.30), têm as seguintes formas: Sxx(~k) = 3∑ j=1 ei~k·~dj 〈px(~r)|px(~r − ~dj)〉 = 3∑ j=1 ei~k·~dj [a2 j〈px′(~r)|px′(~r − ~dj)〉+ b2 j〈py′(~r)|py′(~r − ~dj)〉+ −ajbj〈px′(~r)|py′(~r − ~dj)〉 − bjaj〈py′(~r)|px′(~r − ~dj)〉] = Sppσg3(~k) + Sppπg4(~k), (5.42) e, analogamente, Vxx(~k) = Vppσg3(~k) + Vppπg4(~k), (5.43) com g3(~k) = 3∑ j=1 a2 je i~k·~dj (5.44) e g4(~k) = 3∑ j=1 b2 je i~k·~dj . (5.45) 65 Figura 5.12: Representação das posśıveis interações entre apenas orbitais px e as posśıveis interações entre os orbitais py. Para os orbitais da Figura 5.12(b), obtemos: Syy(~k) = 3∑ j=1 ei~k·~dj 〈py(~r)|py(~r − ~dj)〉 = 3∑ j=1 ei~k·~dj [b2 j〈px′(~r)|px′(~r − ~dj)〉+ a2 j〈py′(~r)|py′(~r − ~dj)〉+ +bjaj〈px′(~r)|py′(~r − ~dj)〉+ ajbj〈py′(~r)|px′(~r − ~dj)〉] = Sppσg4(~k) + Sppπg3(~k) (5.46) e, analogamente, Vyy(~k) = Vppσg4(~k) + Vppπg3(~k). (5.47) (4) os termos Sxy(~k) e Vxy(~k) envolvem os orbitais representados na Figura 5.13(a). De um lado, Sxy(~k) = 3∑ j=1 ei~k·~dj 〈px(~r)|py(~r − ~dj)〉 = 3∑ j=1 ei~k·~dj [ajbj〈px′(~r)|px′(~r − ~dj)〉 − bjaj〈py′(~r)|py′(~r − ~dj)〉+ +a2 j〈px′(~r)|py′(~r − ~dj)〉 − b2 j〈py′(~r)|px′(~r − ~dj)〉] = (Sppσ − Sppπ)g5(~k), (5.48) com g5(~k) = 3∑ j=1 ajbje i~k·~dj . (5.49) 66 Do outro lado, obtemos Vxy(~k) = (Vppσ − Vppπ)g5(~k). (5.50) De forma análoga, chega-se nas expressões Syx(~k) = Sxy(~k) e Vyx(~k) = Vxy(~k). Figura 5.13: Representação das posśıveis interações dos orbitais px com os orbitais py centrados em diferentes átomos. Finalizando esta seção, escrevemos as matrizes constrúıdas: H(~k) =   Es 0 0 0 Vss Vsx Vsy 0 0 Ep 0 0 −Vsx Vxx Vxy 0 0 0 Ep 0 −Vsy Vxy Vyy 0 0 0 0 Ep 0 0 0 Vzz V ∗ ss −V ∗ sx −V ∗ sy 0 Es 0 0 0 V ∗ sx V ∗ xx V ∗ xy 0 0 Ep 0 0 V ∗ sy V ∗ xy V ∗ yy 0 0 0 Ep 0 0 0 0 V ∗ zz 0 0 0 Ep   (5.51) e S(~k) =   1 0 0 0 Sss Ssx Ssy 0 0 1 0 0 −Ssx Sxx Sxy 0 0 0 1 0 −Ssy Sxy Syy 0 0 0 0 1 0 0 0 Szz S∗ss −S∗sx −S∗sy 0 1 0 0 0 S∗sx S∗xx S∗xy 0 0 1 0 0 S∗sy S∗xy S∗yy 0 0 0 1 0 0 0 0 S∗zz 0 0 0 1   . (5.52) 67 5.4 Estrutura eletrônica do grafeno Para obter a estrutura de bandas do grafeno, devemos resolver a Eq. (3.43), com as ma- trizes obtidas na seção anterior. Trata-se de um problema de autovalores generalizado [62] com matrizes hermitianas de ordem 8. Para simplificar a resolução, é conveniente notar que, nas matrizes S(~k) e H(~k), os orbitais pz não estão acoplados com os orbitais s, px e py. Isto permite analisar: (i) as bandas associadas à mistura dos orbitais s, px e py e (ii) as bandas associadas aos orbitais pz. Tabela 5.1: Parâmetros tight binding para o grafeno [60]. Integrais de Ĥ, em (eV) Sobreposição Vssσ −6.769 Sssσ 0.212 Vspσ 5.580 Sspσ −0.102 Vppσ 5.037 Sppσ −0.146 Vppπ −3.033 Sppπ 0.129 Es −8.868 Ep 0 Os parâmetros usados no cálculo da estrutura de bandas do grafeno estão na Tabela 5.1. Vale destacar que os valores dos termos Vspσ, Vppσ, Sspσ e Sppσ, apresentados nessa tabela, possuem sinais trocados em relação aos fornecidos por Saito et al. [60]. Isto ocorre porque esses autores usaram orbitais px invertidos na direção de x. Isso faz com que estas integrais troquem de sinal. 5.4.1 Bandas associadas aos orbitais s, px e py. As bandas devidas aos orbitais s, px e py satisfazem a seguinte equação: [ Hs,px,py(~k)− E(~k)Ss,px,py(~k) ] ~cs,px,py(~k) = ~0. (5.53) 68 em que Hs,px,py(~k) =   Es 0 0 Vss Vsx Vsy 0 Ep 0 −Vsx Vxx Vxy 0 0 Ep −Vsy Vxy Vyy V ∗ ss −V ∗ sx −V ∗ sy Es 0 0 V ∗ sx V ∗ xx V ∗ xy 0 Ep 0 V ∗ sy V ∗ xy V ∗ yy 0 0 Ep   , (5.54) Ss,px,py(~k) =   1 0 0 Sss Ssx Ssy 0 1 0 −Ssx Sxx Sxy 0 0 1 −Ssy Sxy Syy S∗ss −S∗sx −S∗sy 1 0 0 S∗sx S∗xx S∗xy 0 1 0 S∗sy S∗xy S∗yy 0 0 1   (5.55) e ~cs,px,py = (c(1,s), c(1,px), c(1,py), c(2,s), c(2,px), c(2,py)). (5.56) Figura 5.14: Estrutura de bandas do grafeno com uma base de orbitais s, px e py por átomo considerando S 6= I . A Figura 5.14 mostra as seis bandas do grafeno que podem ser associadas aos orbitais s, px e py considerando S 6= I. 69 5.4.2 Bandas associadas aos orbitais pz. Em grande parte da literatura afirma-se que as propriedades mais relevantes do grafeno ocorrem devido a interações entre os orbitais pz. Essas interações são do tipo Vppπ. Nesta seção é realizada uma breve discussão de algumas peculiaridades da estrutura de bandas obtidas destas interações e que as tornam interessantes do ponto de vista f́ısico. As bandas devidas aos orbitais pz são as soluções da equação: (Hpz − ESpz)~cpz = ~0, (5.57) em que Hpz =   Ep Vzz(~k) V ∗ zz( ~k) Ep   =   Ep Vppπg0(~k) Vppπg∗0(~k) Ep   , (5.58) Spz =   1 Szz(~k) S∗zz( ~k) 1   =   1 Sppπg0(~k) Sppπg∗0(~k) 1   . (5.59) e ~cpz = (c(1,pz), c(2,pz)). Portanto, as energias dessas bandas satisfazem:  Ep − E (Vppπ − ESppπ)g0(~k) (Vppπ − ESppπ)g∗0(~k) Ep − E ∣∣∣∣∣∣ = 0. (5.60) As soluções dessa equação são descritas abaixo e também podem ser verificadas na referências [60] e [63]: E±(~k) = Ep ∓ Vppπw(~k) 1∓ Sppπw(~k) , (5.61) com w(~k) = ∣∣∣g0(~k) ∣∣∣ = ∣∣∣ei~k·~d1 + ei~k·~d2 + ei~k·~d3 ∣∣∣ = ∣∣∣∣eikxd + ei(− kx 2 + √ 3ky 2 )d + ei(− kx 2 − √ 3ky 2 )d ∣∣∣∣ = ∣∣∣∣∣e 3ikxd 2 + 2 cos (√ 3kyd 2 )∣∣∣∣∣ . (5.62) Utilizando a Eq. (5.61) e os parâmetros fornecidos na Tabela 5.1 obtemos a estrutura de bandas mostrada na Figura 5.15. Nessa figura os śımbolos π e π∗ referem-se às bandas ligante e anti-ligante [60], respectivamente. 70 Analisando a estrutura de bandas apresentada na Figura 5.15 (a), verifica-se que as bandas π e π∗ possuem degenerescência no ponto K, com energia Ep. Na Figura 5.15(b) constata-se, através da estrutura de bandas calculada sobre todos os pontos da primeira zona de Brillouin, a degenerescência das bandas nos pontos identificados pelo śımbolo K. Esses pontos correspondem aos vetores de onda em que w(~k) = 0. Figura 5.15: Estrutura de bandas do grafeno devido às interações dos estados |pz〉: (a) calculada ao longo dos pontos de simetria Γ,M e K; (b) calculada sobre todos os pontos da primeira zona de Brillouin. A Figura 5.16 permite comparar (a) os nossos resultados com (b) os resultados obtidos por Malard et al. [64]. Esses autores calcularam a estrutura de bandas do grafeno através de método da Teoria do Funcional de Densidade (DFT), utilizando pseudopotencial e um conjunto de funções de base compostas de pseudo orbitais atômicos em uma Aproximação de Densidade Local (LDA). Na Figura 5.16 verifica-se uma boa concordância qualitativa entre os resultados. 5.4.3 O grafeno como semicondutor de gap nulo A Figura 5.17(a) mostra as bandas obtidas com a base de oito orbitais atômicos considerando a sobreposição dos orbitais é desprezada, ou seja, S = I. Essa figura a contribuição de cada orbital atômico nas bandas de energia. Destaca-se que a Figura 5.17(b) é uma sobreposição das Figuras 5.14 e 5.15(a). Como a célula unitária tem 8 elétrons de valência e cada estado de Bloch pode ser ocupado por dois elétrons, devido ao spin, a Figura 5.17 permite concluir que as quatro bandas abaixo do ńıvel Ep ficam completamente ocupadas para temperatura T ' 0 K. Além 71 Figura 5.16: Estrutura de bandas do grafeno devido às interações dos estados |pz〉: Nossos resul- tados (linhas tracejadas) e resultados reportados por Malard et al. [64] (linhas cont́ınuas) obtidos através de método DFT pseudopotencial, usando um conjunto de funções de base compostas de pseudo orbitais at