Comportamento dos nucléolos e mitocôndrias durante a ovogênese de peixes teleósteos de àgua doce (*) Resumo Os ovócitos de peixes teleósteos em fa~e pré-v•te­ logênica apresentam numerosos nucléolos localizaoos periferic::~mente no núcleo . Existem evidências morfo­ lógicas da passagem do material destt:s nucléolos pa­ ra o citoplasma onde se associa a mitocôndnos e se dispersa, mantendo sempre a associação . Este mate­ rial pode ser detectado no ovócito mesmo após o ini· cio da deposição de vitelo possivelmente vindo a cons­ tituir o plasma germinativo. INTRODUÇÃO Vários estudos têm sido realizados sobre o comportamento e função dos nucleolos du­ rante a ovogênese. A observação mais geral a respeito, indica papel proeminente deste orgânulo nuclear na armazenagem do ANA ribossômico necessário para atender à sínte­ se de proteínas nos estágios iniciais do de­ senvolvimento embrionário (Brown & Littna. 1964; Perry, 1966). G3nsen & Schram (1968) estudando a ul­ tra-estrutura e citoquímica da vesícula germi­ na! do ovócito de Xenopus Jaevis descreveram três tipos de nucléolos que correspondem a variações durante o ciclo ovogênico: 1) gran­ des nucléolos típicos, geralmente em número de um por célula; 2) alguns nucléolos com protuberânci3s; 3) número variável de micro­ nucléolos . Basicamente estes nucléolos não diferem nos seus componentes ultra-estrutu· rais ou químicos e apresentam-se na célula em uma seqüência temporal. Todos os nucléo­ los são constituídos de fibrilas com 1 - 2 nm de diâmetro e grânulos de 20 nm de diâmetro e apresentam composição de ANA e proteínas. sendo a única diferença entre eles a distribui ção espacial dos elementos estruturais e a Carminda da Cruz-land im (**) M ar ia Alice da Cruz-Hõfling (H*) presença de DNA nos nucléolos grandes Müller (1966) por sua vez, relata a presença de centenas de nucléolos localizados perife­ ricamente no núcleo de ovócitos de salaman­ dra, destac::~dos dos cromossomos, os quais correspondem aos micronucléolos menciona­ dos acima . Segundo o autor, estes nucléolos apresentam um componente membranoso sob 3 forma de túbulos achatados que teria impor­ tância na transferência ou transformação in­ tra-nuclear das moléculas precursoras do ANA ribossômico após sua transcrição do DNA. Já Dallai (1967) e Hinsh (1970). des­ crevem a presença de membranas intranuclea­ res, associados aos nucléolos, cujo papel po­ deria ser no transporte do material nucleolar para o citoplasma . Esta transferência de ANA ribossômico do núcleo para o citoplasma apesar de universa!­ mente aceita, permanece obscura quanto ao modo da passagem . embora várias maneiras tenham sido sugeridas por diferentes autores (Hinsch, 1970) . No caso dos ovócitos é bastante comum encontrarem-se acúmulos de material seme­ lhante ao dus nucléolos do lado citoplasmáti· co do envelope nuclear (Lewis & McMillan, 1965; Droller & Aoth, 1966; Eddy, 1975; Clérot, 1976). O aparecimento desse material no citoplasma próximo ao envelope nuclear é freqüentemente acompanhado por modifica­ ções nos nucléolos, como por exemplo vacuo­ lização (Esper, 1965) e mais tarde por modifi ­ cações citoplasmáticas que ocorrem associa­ das a mitocôndrios (Ciérot, 1976) . O presente estudo refere-se à ultra-estru­ tut a dos micronucléolos presentes em ovóci­ tos de peixes e à análise das evidências ( • ) - Pesquisa financiada pelo CNPq e NSF - Grant n.o BNS 75-10457A01 ( • • ) - Instituto de Biociências - UNESP - Rio Claro, SP . r•••) - Instituto de Biologia - UNICAMP - Campinas, SP. · AcrA AMAZONICA 9(4): 723-728. 1979 -723 morfológicas da passagem de seu conteúdo para o citoplasma, bem como de sua evolução neste compartimento celular, durante a fase pré-vitelogênica do ovócito. MATERIAL E MÉTODOS Foram estudadas sete espécies de peixes. quatro pertencem à superordem Ostariophysi (Cypriniformes) Serrasalmus sp; Hemiodus gracilis, Hemiodus immaculatus e Semapro­ chilodus sp e 3 pertencentes à superordem Acantopterygii (Perciformes) Crinicichla jo­ hanna e Plegioscion squamosissimus e (Ar­ therimiformss); Pseudotylosurus microps. Os peixes foram capturados nos rios Solimões (lago Janauacá) e Negro (arquipélago Anavi­ lhanas). Amazonas, durante o mês de janeiro. enquanto a bordo do R/V Alpha-Helix da Uni· versidade de La Jolla, Cal ifornia. Fragmentos dos ovários foram fixados em gluta raldeído a 2. 5% em tampão fosfc.to, pH 7 . 2, a 4°C durante 3 - 12 horas. Após lava­ gem em tampão, foi feita a post-fixação com ácido ósmico a 1% no mesmo tampão duran­ te 2 horas. A desidratação foi feita em série crescente de etanóis após o que se procedeu a inclusão em araldite. Os cortes foram ete­ tuados em ultramicrótomo Porter-Bium MT 28 com navalhas de vidros e examinados em mi croscôpio eletrônico Zeiss EM 9-S2. Cortes grossos foram corados com mistura em pêlrtes igu3is de azul de metileno e azur 11. RESULTADOS As gônadas se encontravam em estágios diferentes de desenvolvimento, mas todas apresentaram ninhos de cél~las com ovócitos eiTI fase pré-vitelogênica {designamos fase pré-vitelogên1ca à fase que precede o êlpareci­ mento dos primeiros grânulos de vitelo no citoplasma) . Nesta fase os ovócitos aprtsen­ tam núcleoe relativamente grandes (10 J.Lm de d1âmetro) e citoplasma altamente basoiílico (F1g. 1a) . Em cortes o núcleo se apresenta preenchido por nucleoplasma de baixa densi­ dade eletrônica, contendo alguns grânulos es­ parsos de cromatina e numerosos nucléolos localizados periféricamente (Fig. 1b) . os quais correspondem aos micronucléolos de Gansen 724- e Schram. O número e tamanho dos nucléo­ los é variável, sendo sua forma a princípio predominantemente esférica mas tendendo para irregular à medida que os ovóc1tos se apresentam mais desenvolvidos. Inicialmente os nucléolos se apresentam altamente compactos e constituídos de mate­ rial fibra-granular. Com o desenvolvimento dCJs ovócitos torna-se distinta uma medula compacta com menor eletrondensidade e uma córtex granular mais eletrondensa e mais di­ fusa. cujos prenúncios já podem ser observa­ dos na figure 1 b e também na 2a. O processo de difusão ou dissolução do nucléolo se intensifica podendo atingir a re­ gião medular, deixando uma ma!:>sa compacta em forma de anel ao seu redor tFig. 2b) . Ao microscópio óptico nucléolos desse tipo apre­ sentam-se como se contivessem um vacúolo central. (Fig. 2c) . A característica granular do material em dispersão é bem evidente. me­ dindo os grânulos 30nm de diâmetro (Fig. 3a). Flg . 1 - Ovócltos em fase pré-vltologênica : A) - Ml­ crografia de corte grosso ao microscópio de luz. B) - Mlcrografia eletrônica de pequeno aumento n = núcleo; n= nucléolo: md=materlal denso de origem nuclear; m= mitocôndrlos: oo = ovóclto . (Serrasalmus sp.) Cruz-Landim & Cruz-Hõlling Nesta fase pode observar-se mater:at com o mesmo aspecto morfológico colocado junto ao envelope nuclear, do lado citoplasmático, em pequenos agrupamentos (Figs 1b, 2a e b, 3b e 4a) dando idéia de que o material dos micronucléolos deve ter sido transferido para o citoplasma. Fíg . 2 - A) - Nucléolo (nu) em tose de descompacta­ ção dando origem a fitas anastomosadas de matertal granular (flechas): B) - Nucléolo (nu) em fase de des­ compactação dando origem à vacúolo (va) íntranucleo­ lar; C) - Micrografia de corte grosso ao microscópio de luz mostrando nucléolos vacual izados. oo= ovócitas; en = envelope nuclear; md = m2teria! denso. (Hemiodus immaculatus) O envelope nuclear dos ovócitos apresen­ ta grande quantidade de poros e em alguns casos foi possível observar comunicação en­ tre JJ material do nucléolo e esses poros (Fig . 3a) . É também muito freqüente em cor­ tes transversais dos poros, observar-se mate­ rial granular na sua luz. Comportamento dos . Estruturas membranosas, formando vesí­ culas ou enovelados irregulares (figuras mie­ línicas) intranucleares foram também obser­ vados nesta fase de transferência do material do núcleo para o citoplasma (Figs. 3a e b e 4b) . No citoplasma o material eletrondensc- pe­ rinuclear se associa a mitocôndrias (Figs. 3b, 4a e b, 5a e b e 6) . Inicialmente os mitocôn­ drias se colocam ao redor da massa de mate­ rial, enquanto esta ainda está justaposta ao envelope nuclear (Fig. 3b). A massa a princí­ pio compacta (Fig. 4a) passa por um processo de àifusão semelhante ao que ocorre no nu­ cléolo formando-se um retículo de fitas cons­ tituídas por material granular (Fig. 4b) . A me­ dida que isto acontece o material se dispersa pelo citoplasma afastando-se do núcleo (Figs. Fig. 3 - A) - Nucléolo (nu) em corte tangencial m'ls­ trando a natureza granular dos componentes e pr(\íe­ ções (flechas) deste material para os poros (po) do en­ velope nuclear (en): B) - Associação do material (md) denso a mitocõndrios (m) do lado citoplasmático . ve=vesículas, rb= ribossomos , fm = figuras mielimcas. (Piagioscion squamosissimus) - 725 Fig 4 - A) - Material denso (md) c.nvolv;do por mito­ cõndrios (m); B) - Dispersão do material denso ao se afastar do núcleo (n) . fm = figuras mlelínicas). (Serra· salmus sp) 4b e 5a e b) . A dispersão vai se tornando cada vez maior, desfazendo-se o retículo (Fig. Sa). mas conservando-se o material denso, de pro­ vável origem nucleolar, associado aos mito­ côndrias (F1g. Sb). Em alguns ovócitos foram também obser­ vadas lamelas anuladas (Figs. Sb e c) asse· ciadas aos mitocôndrias e ao material ele­ trondenso. As lamelas anuladas têm estrutura semelhante à do envelope nuclear, apresenta do poros . O aparecimento destas i ameias não foi muito freqüente nas espécies estuda· das e a sua origem não pôde ser determinada. Em alguns pontos as lamelas anuladas apre­ sentam dilaraçôes nas extremidades (Fig. Se) dando origem a membranas a que ficam ade­ ridos ribossomos, originando assim, os pou­ cos perfis de retículo endoplasmático granular presentes no ovócito. Como já foi dito, o ci­ toplasma dcs ovócitos nesta fase inicial do desenvolvimento, antes da deposiçiío de vitelo 726 - é muito basofílico e concordantemente muito rico em ribossomos . Cisternas de retículo endoplasmático são no entanto, muito raras e os ribossomos geralmente apresentam-se li­ vres ou sob a forma de polissomos . Em fase posterior, quando a deposição de vitelo já se acha em processamento ainda po­ dem ser observadas as fitas de material den· so granular, no citoplasma intersticial ao vite­ la, sempre nas proximidades de mitocôndrias (Fig. 6) . DISCUSSÃO A formação de numerosos nucléolos du­ rante a ovogênese é fato bem conhecido . Esses nucléolos aparecem durante a profase I da meiose, concomitantemente aos cromosso- Fig . 5 - A) - Dispersão do material denso (md) com fragmentação do retlculo inicial; B) - Associação de mitocôndrlos (m) materitJI denso (md) e lamelas anula­ das (ta); C) - Lamelos anulaóas (ta) em corta tangen­ cial mostrando a ocorrência de poros (po) e alguns pontos que parecem dar origem a membr~nas do retí­ culo . rb = rlbossomos. fm figuras mlelínicas (Serra­ salmus sp.) Cruz-Landim & Cruz-Hõfling Fig. 6 - Citoplasma de ovócito mostrando já alguns grãos de vitelo (gr) e por entre estes o material derso (md) ainda associado a mitocôndrios (m). gl = glicogê. nio (Crencichla johanna) mos plumulados e muito do seu material é originado nas alças destes cromossomos. Es­ tes, são, portanto, nucléolos que provavelmen­ te não contém apenas material da região or­ ganizadora do nucléolo e que não se conser­ vam ligados aos cromossomos de origem. sendo a sua localização na periferia do núcleo, também, bastante conhecida (Müller, 1966). A passagem do material destes nucléolos para o citoplasma tem sido aventada por vá­ rios autores, bem como sua associação a mitocôndrias após atingir o citoplasma (Eddy, 1974; Clérot 1976). Esse fenômeno de trans­ ferência de material de origem nucleolar para o citoplasma é de ocorrência generalizada mas, raramente o fenômeno pode ser morto­ logicamente observado, como acontece no caso dos acúmulos de material eletrondenso perinuclear€·$ nos ovócitos, observados pre­ sentemente. Outras evidências da passagem do material nucleolar para o citoplalsma são: a) a natureza morfológica semelhante dos nucléolos e das massas de material denso Comportamento dos ... citoplasmático: b) a comunicação entre os nucléolos em dissolução e os poros nucleares; c) a presença de estruturas membranosas in­ tranucleares (Dallai, 1967; Hinsch , 1970) . A ocorrência de material eletrondenso com ori­ gem e comportamento semelhante foi descrito por alguns autores, dos quais citamos Russel & Frank ( 1978) durante a espermatogênese . Eddy (1974) e estes últimos autores citados dão a este material a designação '' nuage" justamente por em muitos casos ele se dis­ persar de forma irregular apresentando-se como manchas ou "nuvens" em certas regiões do citoplasma. O trabalha de Eddy consiste numa revisão sobre a relação do plasma ger­ mmativo com a origem da íinhagem germina­ tiva durante o desenvolvimento embrionários em vários animais. Nesta revisão é postulado que a .. nu age n' ou seja, o material 31etronden­ so de origem nuclear vai constituir na célula ovo o plasma germinativo o qual determina o destino de linhagem germinai dos blastôme­ ros que o vierem a conter. No presente caso existem evidências mor­ fológlc:~s da passagem de material do núcleo, mais claramente dos nucléolos para o cito· plasma. Este material, provavelmente ribonu­ cleoproteínas com função ribossômica, se as­ socia a mitocôndrias e pôde ser seguido até depois da deposição de vitela nos ovócitos . Este material apresenta-se morfologicamente e do ponto de vista da evolução na célula, muito semelhante àquele a quem Eddy atribue a função de plasma germinativo. AGRADECIMENTOS Somos gratos aos Drs. Heraldo Britski e Naércia Nascimento, do Museu de Zoologia da USP, pela identificação dos exemplares usa­ dos. SUMMARY The teleostean ovocytes in phase pre-vltelogenic show numerous nucleoli in the nucleus periphery. Morphological evidences indicate that the nucleolar moterial is transfered to the cytoplasm whese it assoei­ ate with mitochondria . Late r this dense m:~terial o f nucleolar origln disperse in the cytoplasm always associated to the mitochondria . This material can be detected even after the yolk deposition and may consti­ tute the ovocyte germ plasm. -727 BIBLIOGRAFIA BROWN, D . D. & LITINA, E. 1964 - Varíations in the synthesis of stable RNA's during oogenesis and development of Xenopus laevís. J. Moi. Biol., 8 : 688 . CLÉROT, J . C. 1976 - Le agroupements mitochondriaux des DALLAI, R. cellules germinaies des poissons teléos­ téens Cypinidés. I . ttude ultrastruoturale. J . Ultrastruct. Res., 54 : 461 . 1967 - lntranuclear vesículation in Collembola. Monitore Zool. l tal., 1 : 101. D ROLLER, M .J. & RoTH, T .F . 1966 - An electron microscope study of yolk formatíon during oogenesis in Lebistes reticulatus Guppyi . J. Cell. Biol., 28 : 209. 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