UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS JACQUELINE MARINHO DE SOUSA CONTRIBUIÇÕES DO PNLD AO ENSINO DE SOCIOLOGIA: ANÁLISE DOS GUIAS DE LIVROS DIDÁTICOS Marília 2020 JACQUELINE MARINHO DE SOUSA CONTRIBUIÇÕES DO PNLD AO ENSINO DE SOCIOLOGIA: Análise dos Guias de Livros Didáticos Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Sociologia em Rede Nacional (ProfSocio) da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília, para a obtenção do título de Mestre em Sociologia. Área de Concentração: Práticas de ensino e conteúdos curriculares. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lídia Maria Vianna Possas. Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Sueli Guadelupe de Lima Mendonça. MARÍLIA 2020 S725c Sousa, Jacqueline Marinho de Contribuições do PNLD ao ensino de Sociologia : análise dos Guias de Livros Didáticos / Jacqueline Marinho de Sousa. -- Marília, 2020 106 p. : il. Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Orientador: Lídia Maria Vianna Possas Coorientador: Sueli Guadelupe de Lima Mendonça 1. Sociologia. 2. Livros didáticos. 3. Guias. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. CONTRIBUIÇÕES DO PNLD AO ENSINO DE SOCIOLOGIA: Análise dos Guias de Livros Didáticos Dissertação para obtenção do título de Mestre em Sociologia, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília, na área de concentração Prática de ensino e conteúdos curriculares. BANCA EXAMINADORA Orientadora: ______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Lídia Maria Vianna Possas. UNESP – Marília (SP). 2º Examinador: ___________________________________________________ Prof.º Dr. Marcelo Augusto Totti. UNESP – Marília (SP) 3º Examinadora: ___________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Eva Aparecida da Silva. UNESP – Araraquara (SP). Marília, 29 de outubro de 2020. Dedico aos docentes de Sociologia da Educação Básica pela luta diária pelo Ensino de Sociologia. AGRADECIMENTOS Agradeço a minha mãe, Francisca Jane e a minha avó Lenira Maria que tanto me incentivaram a trilhar o caminho da pesquisa. Pelo apoio que me deram para que viajasse semanalmente de São Paulo a Marília; pelas palavras de conforto, carinho e afeto. Em especial a minha mãe, pelas longas conversas sobre a vida, discussões sobre texto e por sempre me entender em todos os momentos. A meu irmão Gustavo, que me apoiou nos momentos felizes e difíceis durante destes dois anos. Às pessoas incríveis Álvaro, Hainra, Felipe, Sayonara, Maria Cecília, Elaine e Nadya, que tive a oportunidade de conhecer graças ao ProfSocio, e se tornaram amigos do peito. Obrigada pelas conversas durante horas de viagem, pelas discussões nos jardins do campus, pelas risadas e histórias que acalentaram meu coração e me faziam enfrentar os desafios do mestrado de forma mais leve. Sem vocês esta jornada seria mais árdua. Aos amigos de coração: Sérgio e Joilma Patrícia pelos diálogos, incentivo e contribuição com a pesquisa. Às colegas de mestrado: Ariad, Marina e Rivelino pelas conversas e apoio que tanto me ajudaram a finalizar este trabalho. Às colegas do Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero (LIEG) que através de nossas discussões enriqueceram minhas reflexões sobre a pesquisa. A minha orientadora, Dr.ª Lídia Maria Vianna Possas pela atenção, compreensão e produtivas discussões no LIEG. E minha coorientadora, Dr.ª Sueli Guadelupe de Lima Mendonça, que contribuiu com meu crescimento intelectual através de seus apontamentos sempre de forma gentil e compreensiva com esta estudante-trabalhadora. Ambas, professoras admiráveis que terei como exemplo na minha trajetória como docente. A meu companheiro Eder Lucas, que me apoiou e me incentivou para que finalizasse esta pesquisa em meio a pandemia COVID -19. Sem ele, certamente, o final desta trajetória seria menos iluminada! Por fim, agradeço ao ProfSocio e aos docentes do Mestrado Profissional da Unesp Marília, pelo empenho e compreensão com os e as estudantes da primeira turma deste programa de pós-graduação. Imensamente grata a todos e todas! "O que me proponho contar parece fácil e à mão de todos. Mas a sua elaboração é muito difícil. Pois tenho que tonar nítido o que está quase apagado e que mal vejo. Com mãos de dedos duros enlameados apalpar o invisível na própria lama" (LISPECTOR, C., 1988, p.19). RESUMO Este trabalho se debruçou sobre o ensino de Sociologia na perspectiva da análise dos Guias de Livros Didáticos do PNLD de Sociologia e seus respectivos Editais. O objetivo foi verificar como os Guias contribuíram para a consolidação da Sociologia no currículo do Ensino Médio tendo como hipótese a investigação dos Guias do PNLD, possibilitando traçar um panorama das mudanças e avanços dos livros didáticos nele indicados. Para tanto fizemos um retrato do “estado da arte” do Ensino de Sociologia e sistematizamos as referências que orientaram a pesquisa. Abordamos o processo histórico que originou o PNLD e a consolidação do Programa, incluindo suas transformações recentes. Analisamos os Editais do PNLD 2009, 2012 e 2015 os quais direcionaram a confecção dos Guias do PNLD de 2012, 2015 e 2018. Elaboramos um quadro comparativo dos documentos. Contamos com a aplicação de um questionário online para oitenta e um docentes de Sociologia da rede pública em treze estados e o Distrito Federal para observamos as impressões e apropriações sobre os Guias e livros didáticos de Sociologia. Considerou-se que os Guias apresentam ponderações significativas para o ensino de Sociologia. São materiais que, se utilizados pelos docentes, podem resultar na escolha do livro didático que seja mais adequado à realidade da unidade escolar. O PNLD instituiu um modelo de avaliação que favoreceu e fortaleceu a qualidade das obras didáticas de Sociologia. Assim, a presente pesquisa discute brevemente a situação precária atual e a qualidade das obras didáticas selecionas pelo PNLD a partir do Decreto nº 9.099/2017 e a Sociologia após a Reforma do Ensino Médio. Palavras-chave: Ensino de Sociologia. Guia de Livros Didáticos. PNLD. ABSTRACT This work focused on the teaching of Sociology from the perspective of the analysis of the Textbook National Program (PNLD) of sociology and their respective public notice. The objective was to verify how the Guides contributed to the consolidation of Sociology in the High School curriculum. Taking as hypothesis that the research of the PNLD Guides would make it possible to draw an overview of the changes and advances of textbooks. To do so, we made an understanding of "state of art", from sociology teaching and systematized the references that guided the research. We approached the historical process that originated the PNLD and the consolidation of the Program, including its recent transformations. We analyzed 2009, 2012 and 2015 of the PNLD public notice, which directed the preparation of 2012, 2015 and 2018 of the PNLD Guides. We have prepared comparative board of the documents. An online survey questionnaire was applied to eighty-one Sociology teachers from public schools on thirteen states and the Federal District to observe impressions and appropriations on Sociology Guides and textbooks. It was considered that the Guides present significant considerations for the Sociology teaching. They are materials that if used by teachers, may result in the choice of the textbook that is more appropriate to the reality of the school unit. PNLD established an evaluation model that favored and strengthened the quality of Sociology textbook. In this way, the present research briefly discusses the recent instable situation and quality of the textbook selected by the PNLD from the Decree 9.099/2017 and the Sociology after the High School Reform. Key words: Sociology teaching. Textbook Guide. PNLD. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Avaliadores e suas respectivas regiões do país ........................................................ 69 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126048 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1– Livros didáticos aprovados no PNLD .................................................................... 68 Gráfico 2 – Livros didáticos escolhidos pelas escolas no PNLD 2012 .................................... 75 Gráfico 3 – Livros didáticos escolhidos pelas escolas no PNLD 2015 .................................... 76 Gráfico 4 – Livros didáticos escolhidos pelas escolas no PNLD 2018 .................................... 76 Gráfico 5 – Professores que conheciam o Guia de Livros Didático do PNLD de Sociologia. 77 Gráfico 6 – Professores que acessaram o Guia de Livros Didático do PNLD de Sociologia .. 78 Gráfico 7 – Professores orientados pela gestão escola a utilizar o Guia do PNLD .................. 79 Gráfico 8 – Critérios utilizados pelos professores para a escolha do livro didático ................. 80 Gráfico 9 – Avaliação dos professores sobre as mudanças ocorridas nos livros didáticos ...... 81 Gráfico 10 – Temáticas acrescentadas aos livros didáticos segundo os professores............... 82 Gráfico 11 – Utilização do livro didático do PNLD e outros materiais pelos docentes .......... 86 Gráfico 12 – Avaliação dos docentes sobre o último PNLD de Sociologia ............................ 86 Gráfico 13 – Contribuição do PNLD para a consolidação da Sociologia no Ensino Básico. . 87 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126408 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126409 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126410 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126411 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126412 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126413 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126414 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126415 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126416 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126417 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126418 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126419 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52126420 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Critérios avaliativos gerais do PNLD ................................................................... 59 Quadro 2 - Princípios de Ciências Humanas ........................................................................... 60 Quadro 3 – Critérios específicos para Sociologia ................................................................... 61 Quadro 4 - Guia de Livros Didáticos do PNLD Sociologia 2012 ........................................... 64 Quadro 5 - Guia de Livros Didáticos do PNLD Sociologia 2015 ........................................... 64 Quadro 6 - Guia de Livros Didáticos do PNLD Sociologia 2018 ........................................... 65 Quadro 7 - Critérios específicos de avaliação dos livros didáticos de Sociologia .................. 70 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52125927 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52125928 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52125929 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52125930 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52125931 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52125932 file:///C:/Users/Jacqueline/Downloads/Dissertação%20%5b1%5d_Jacque%20%5bok%5d%20%20(2).docx%23_Toc52125933 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BNCC – Base Nacional Comum Curricular BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CBS - Congresso Brasileiro de Sociologia CEB – Câmara de Educação Básica CNE – Conselho Nacional de Educação CNLD – Comissão Nacional do Livro COLTED – Comissão do Livro Técnico e Didático COVID-19 – Corona Virus Disease 19 DEB – Diretora de Educação Básica DCNEM – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio ENESEB – Encontro Nacional do ensino de Sociologia na Educação Básica EMC – Educação Moral e Cívica FAE – Fundação de Assistência ao Estudante FENAME – Fundação Nacional do Material Escolar FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FUNDAJ – Fundação Joaquim Nabuco GLD – Guia de Livros Didáticos GT’s – Grupos de Trabalho INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INL – Instituto Nacional do Livro INT – Instituto Nacional de Tecnologia IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação OCNEM – Orientações Curriculares para o Ensino Médio OSPB – Organização Social e política Brasileira PARFOR – Plano Nacional para Formação de Professores PCN’S – Parâmetros Curriculares Nacionais PIBID – Programa Institucional de Iniciação à Docência PL – Projeto de Lei PLID – Programa do Livro Didático PNBE – Programa Nacional da Biblioteca da Escola PNLD – Programa Nacional do Livro Didático PNLEM - Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio PRODOCÊNCIA – Programa de Consolidação das Licenciaturas PROFSOCIO – Programa de Mestrado Profissional em Sociologia PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira PSL – Partido Social Liberal SBS – Sociedade Brasileira de Sociologia SEB – Secretaria de Educação Básica STF – Superior Tribunal Federal UEL – Universidade Estadual de Londrina UFC – Universidade Federal do Ceará UFCG – Universidade Federal de Campina Grande UFPR – Universidade Federal do Paraná UNESP – Universidade Paulista Júlio de Mesquita UNIVASF – Universidade do Vale do São Francisco USAID – United States Agency for International Development UVA – Universidade Federal do Vale do Aracajú SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14 1 ESTADO DA ARTE: ENSINO DE SOCIOLOGIA ........................................................ 21 1.1 O percurso histórico do Ensino de Sociologia no Brasil ................................................ 22 1.2 A Retomada do ensino de Sociologia ............................................................................. 28 2 O PROGRAMA NACIOANL DO LIVRO DIDÁTICO (PNLD) ................................... 35 2. 1 Os livros didáticos.......................................................................................................... 35 2. 2 A criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) ....................................... 40 2. 3 As transformações recentes do PNLD ........................................................................... 49 3 PNLD/SOCIOLOGIA: A ENTRADA TARDIA .............................................................. 52 3.1 Análise dos editais do PNLD – Ensino Médio ............................................................... 53 3.2 Análise dos Guias de Livros Didáticos do PNLD – Sociologia ..................................... 63 3.2.1 Os avaliadores do PNLD de Sociologia ............................................................... 65 3.2.2 Dados do questionário de pesquisa ..................................................................... 72 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 89 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 94 APÊNDICE A – MODELO DO QUESTIONÁRIO DE PESQUISA .............................. 102 14 INTRODUÇÃO Durante a graduação em Ciências Sociais (2009-2012), no Centro Universitário Fundação Santo André (FSA), participei do Programa Institucional de Bolsa e Incentivo à Docência (Pibid) de 2010 a 2012. O Programa foi fundamental para a aproximação entre estudantes de graduação e a escola de Educação Básica. Os anos que fui bolsista do Programa, me dediquei junto aos colegas “pibidianos” a realizarmos projetos da Escola Estadual Dr. Fausto Cardoso Figueira de Mello, em São Bernardo do Campo, bem como nos debruçamos sobre a análise dos Cadernos do Professor e Cadernos do Aluno, implementados através do programa São Paulo faz Escola pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. A análise dos Cadernos, tanto do Professor quanto do Aluno, se fazia necessária, uma vez que a Sociologia tinha retornando a poucos anos ao currículo do Ensino Médio e havia um déficit de materiais didáticos da disciplina. Entre 2010 e 2011, os Cadernos fornecidos pelo Secretaria de Educação Estadual eram o único material didático oficial disponível para a disciplina de Sociologia. Ainda não havia livros didáticos de Sociologia fornecidos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), e o professor de Sociologia que acompanhava meu grupo do Pibid, nos chamou a atenção para a precariedade dos materiais fornecidos aos professores e estudantes da rede pública estadual. O material se mostrava deficiente para com os objetivos da disciplina, com um diálogo limitado sobre Sociologia, Antropologia e Ciência Política e apresentava os conteúdos de forma solta. Restava ao professor preparar o próprio material para ministrar as aulas indo além do Caderno, e elaborar atividades que cumprissem com o propósito de desnaturalizar e estranhar a realidade vivenciada pelos estudantes. Em 20121, ano em que a Sociologia passou a integrar o PNLD, ingressei como docente desta disciplina na rede pública estadual de São Paulo - na periferia da cidade de São Paulo, precisamente na Zona Leste. Dessa forma pude observar de perto como a obra didática era um recurso importante para a prática docente e para os estudantes da rede pública, em uma rede com déficits de materiais e espaços para o trabalho diversificado. Sendo ainda a Sociologia uma disciplina recente no currículo, as atividades e discussões do livro contribuíam para a compreensão de conceitos e temas das Ciências Sociais entre os adolescentes do Ensino Médio. 1 Em 2012 a Sociologia foi incluída no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), sendo a primeira edição de livros didático da disciplina com alcance nacional. 15 Como professora também percebi a importância da formação continuada para o desenvolvimento da docência. As experiências na escola levaram à escolha do Mestrado Profissional em Sociologia, na Unesp Marília. Me encantou a possibilidade da pós-graduação destinada à professores da rede pública e com o objetivo de compreender mais afundo o ensino de Sociologia. A pós-graduação foi uma jornada árdua, afinal, ser estudante e docente da educação básica, e estudar a cerca de 450 km de distância não foi algo simples. Optar por estudar os Guias de Livros Didáticos, foi uma formar de compreender os materiais didáticos oficiais de Sociologia e observar suas transformações desde a implementação. Outro fator que me instigou a pesquisar sobre os materiais do PNLD de Sociologia foram as constantes críticas infundamentadas sobre seus conteúdos da disciplina, feitas, por exemplo, pelo Movimento Escola sem Partido. Ou o próprio governo Bolsonaro, que se posicionou contra os atuais livros didáticos, afirmando que os livros continham muitos textos2. Foram estes os pressupostos que nortearam a escolha do tema e objeto de pesquisa. O trabalho pretendeu analisar, a princípio, as edições dos Guias dos Livros Didáticos do Programa Nacional dos Livros Didáticos (PNLD)3 Sociologia, um conjunto de três documentos que discutem a recente reinserção do ensino de Sociologia no currículo da Educação Básica4 e apresentam uma análise crítica sobre os livros didáticos aprovados para a disciplina de Sociologia. Estes materiais têm a função de orientar e auxiliar docentes da rede pública, de todo o país, na escolha do livro didático utilizado no decorrer de três anos. Buscamos assim refletir sobre o PNLD como uma política pública e educacional que colaborou com a Sociologia. Os Guias dos Livros Didáticos do PNLD indicam os livros didáticos aprovados pela comissão de avaliadores selecionada pelo Ministério da Educação (MEC) (MEUCCI, 2014). Estes materiais são pareceres produzidos a partir da avaliação das obras inscritas na chamada 2 Em 02 de janeiro de 2020 o presidente Bolsonaro se contrapôs aos atuais livros didáticos do PNLD e ao intelectual Paulo Freire como aponta a reportagem da Revista Veja. Bolsonaro critica livros didáticos: ‘Muita coisa escrita’. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/bolsonaro-critica-livros-didaticos-muita-coisa-escrita/. Acesso em: 20 jan. 2020. 3 O Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) é o programa federal de avaliação e distribuição de livros didáticos para escolas públicas de todo o Brasil, a partir de 2017, com o Decreto nº 9.099, teve a nomenclatura alterada para Programa Nacional do Livro e Material Didático, pois passou a incluir as obras literárias e pôs fim ao Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), antigo responsável pela distribuição de obras literárias às bibliotecas públicas de todo o país. Contudo a sigla continuou a mesma PNLD, motivo este que levou a utilização neste trabalho do antigo nome do programa - Programa Nacional do Livro Didático, posto que a pesquisa abrange os anos de 2012, 2015, período anterior a alteração da nomenclatura, e 2018 ano em que o já havia sido alterado o nome do programa. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12391:pnld. Acesso em: 20 maio 2020. 4 Compreende-se como Educação Básico o Ensino Fundamental e o Ensino Médio conforme descrito na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n°9394/96) Artigo 4. https://veja.abril.com.br/politica/bolsonaro-critica-livros-didaticos-muita-coisa-escrita/ http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12391:pnld 16 pública do PNLD que ocorre a cada dois anos. Configuram-se como parâmetros gerais para que professores(as) analisem as propostas didático-pedagógicas e teórico-metodológicas dos livros didáticos, e realizem a escolha da obra mais adequada a realidade escolar. Os Guias, tal qual foram descritos no trabalho, tiveram sua implementação pelo MEC em 2007 como um recurso para expor aos professores da educação básica e para a sociedade como ocorriam as avaliações pedagógicas e classificar os livros inscritos no PNLD. As mudanças político-econômicas da primeira década do século XXI no Brasil fizeram com que os Guias de Livros Didáticos do PNLD se transformassem e assumissem novas funções. Um marco na consolidação do PNLD foi o Decreto n° 7.084/2010 por colocar Universidades Públicas no comando do processo de avaliação junto a avaliadores indicados pelas próprias instituições. Este decreto foi substituído em julho de 2017 pelo Decreto n° 9.099, que impôs algumas mudanças ao PNLD e se mantem em vigor5. São estas as premissas para a análise dos “Guias de Sociologia”, uma vez que podem caracterizar os avanços gerais contidos nos livros didáticos da disciplina, possibilitando conhecer o processo de desenvolvimento das obras didáticas. Além dos Guias recorremos também aos editais do PNLD de Sociologia para verificar os critérios de avaliação dos livros, pois neles estão dispostas as exigências do MEC para a participação das editoras no processo seletivo. Os requisitos contidos nos editais conduzem as avaliações das obras didáticas e direcionam a confecção dos Guias. Tais considerações sobre os Guias e Editais do PNLD demonstram que a análise destes materiais pode trazer contribuições para a manutenção da Sociologia no currículo do Ensino Médio por dois motivos: primeiro, nosso estudo colaborar com a expansão das pesquisas no subcampo do Ensino de Sociologia; segundo, contribuir para demonstrar a importância da disciplina para o Ensino Médio, uma vez que a Sociologia se vê ameaçada devido a Reforma do Ensino Médio presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Deste modo, as questões que mobilizam este trabalho foram: 1) Quais avanços são possíveis verificar nos livros didáticos de Sociologia por meio da análise dos Guias de Livros Didáticos PNLD Sociologia?, e, 2) Em que medida os editais/Guias contribuíram para a consolidação da Sociologia no currículo? Sendo o objetivo desta pesquisa analisar os Guias de Livro Didático do PNLD Sociologia das edições de 2012, 2015 e 2018, elencamos três pontos específicos: a) verificar os 5 Os Guias do PNLD 2015 e 2018 bem como seus respectivos editais são regidos pelo Decreto n° 7.084/2010. 17 avanços e as permanências temáticas entre as edições do PNLD (2012, 2015 e 2018) de Sociologia por meio do Guia do PNLD; b) analisar quais foram os desafios em torno da confecção dos livros didáticos de Sociologia de acordo com os Guias; e, c) verificar as contribuições dos Guias para o aprimoramento dos livros didáticos de Sociologia. Tendo como lócus do trabalho os Guias de Livro Didático do PNLD Sociologia, material considerado primordial para a orientação docente, no processo de seleção dos livros didáticos de Sociologia. Sabemos, também, que os Guias do PNLD são materiais ainda pouco explorados, e podemos encontrar um número reduzido de pesquisas – artigos, dissertações e teses – que tenham se debruçado sobre esse objeto. Visto que as pesquisas sobre do PNLD se pautam em duas temáticas gerais, vejamos: a) discussões sobre o PNLD como uma política pública e educacional; b) estudos sobre temas contidos nos livros didáticos que pertencem ao PNLD – de diversas áreas de ensino, ambas de extrema relevância (CASSIANO, 2007; HÖFLING, 2000). A relevância da pesquisa se centra no fortalecimento do subcampo de Ensino de Sociologia e na reafirmação da permanência da Sociologia no currículo. Uma vez que os Guias são matérias de cunho histórico, por apresentarem a história do ensino de Sociologia até sua institucionalização em 2008; e político, por ser ganho de uma luta política para a implementação de uma disciplina ao currículo básico nacional e parte de uma política pública educacional de âmbito também nacional. Estes documentos merecem ser mais observados e estudados para compreendermos as próprias transformações do PNLD de Sociologia ao longo de uma década. Fator este que nos levou à hipótese de que os Guias de Livros Didáticos do PNLD – Sociologia permitem traçar um panorama do processo de produção e apropriação bem como de aceitação pedagógica do material didático da disciplina, uma vez que neles estão contidos os temas preferenciais que podem apontar avanços e deficiências contidas nos livros didáticos de Sociologia entre 2012 e 2018. Os Guias possuem uma trajetória ao longo das três edições do programa, que denotam também as mudanças sociais, políticas e culturais vivenciadas no país, pela sociedade e pelos movimentos sociais que exigiam ser estudadas e entendidas. Para este estudo recorremos à análise documental, tendo os Guias e Editais do PNLD como fontes primárias. Realizamos uma análise detalhada destas fontes. Ao referencial teórico, procuramos interpretar os dados e a discussão dos resultados, por comparação entre os Guias e 18 cotejar com outros trabalhos, de modo a qualificar a presente pesquisa. Um levantamento de artigos, trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses constituem também as referências para a análise pretendida. Os estudos acerca do subcampo ensino de Sociologia são recentes, mas com uma produção significativa de trabalhos como indica Handfas e Maçaira (2014). Em geral, as pesquisas na área tendem a abordar temas como: a história da disciplina escolar, os conteúdos dos livros e manuais didáticos, o pensamento social brasileiro nos materiais didáticos, temas recorrentes às Ciências Sociais, o trabalho docente e o sentido do próprio ensino de Sociologia (CIGALES, 2015; ENGERROFF, 2017; MEUCCI, 2000; OLIVEIRA, 2013; SARANDY, 2004). Em consonância com as pesquisas realizadas sobre ensino de Sociologia, e com os objetivos do mestrado profissional em Sociologia, nosso objeto diz respeito aos editais e Guias de Livros Didáticos do PNLD de Sociologia (2011, 2014, 2017) e relevância destes. Observamos ao longo da pesquisa que os Guias do PNLD, bem como os editais, são materiais pouco analisados, tendo sido citados em alguns estudos sobre o livro didático de Sociologia como é caso de Engerroff (2017); Meucci (2014) e Oliveira e Cigales (2015). Optarmos por estudar os editais (2009, 2011, 2013) já que são documentos oficiais de caráter descritivo e determinam o formato do livro didático definido pelo MEC; e os Guias do PNLD (2011, 2014, 2017) pois conterem a apresentação crítica das obras didáticas aprovadas. Nossa intenção foi compreender as mudanças e permanências presentes nos livros de Sociologia do Ensino Médio, através do processo de desenvolvimento e aprovação destes materiais. Outro fator que colaborou para a escolha de nosso objeto de pesquisa foi verificar em que medida ele nos permitiria averiguar a causa da baixa aprovação de livros didáticos na primeira edição do programa – e o aumento nas edições posteriores, já que, os Guias do PNLD são confeccionados a partir dos pareceres dos avaliadores do Programa, além dos editais que elencam as exigências para a avaliação dos livros posteriormente indicados à escolha. Desta forma este estudo está centrado na pesquisa sobre os Guias de Livros Didáticos e editais do PNLD e suas três edições referentes à disciplina de Sociologia. Tais elementos nos possibilitaram elaborar nossa metodologia de pesquisa para uma abordagem que nos permitisse verificar nossa hipótese. Deste modo, construímos uma pesquisa documental, de análise comparativa quantitativa sobre os Guias de Livros Didáticos do PNLD (2011, 2014, 2017) e Editais do PNLD (2009, 2011, 2015), além da comparação destes com um 19 questionário de pesquisa aplicado aos docentes da rede pública de diferentes estados se fez com o auxílio de uma plataforma digital. Analisar os Guias do PNLD e Editais do PNLD foi um desafio para nós. Pois, como define Gil (2002, p. 47) “a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”. Tanto os Guias quanto os Editais demandaram uma leitura sistemática e minuciosa para o levantamento de categorias presentes em ambos os documentos e evidenciadas pelos participantes no decorrer da pesquisa. Ao logo deste estudo fomos elaborando e construindo a análise com a colaboração de quadros e gráficos que veem expostos ao longo destas postulações. Nossa análise dos documentos vai de encontro com a perspectiva apresentada por Bardin (2012, p. 38) ao afirmar que a “(...) técnica de análise de conteúdo adequada ao domínio e ao objetivo pretendidos tem de ser reinventada a cada momento”. Ou seja, o trabalho foi essencialmente fruto do longo processo de leituras dos Guias e Editais já apresentados. E como referencial teórico, nos apoiamos nos principais autores do ensino de Sociologia, presentes no estado da arte deste estudo. Realizamos um questionário online, através do Google Formulário, entre junho e julho de 2020. Utilizar esta ferramental digital para a pesquisa possibilitou que coletássemos dados de regiões distintas do país. Os formulários foram enviados para os participantes do Mestrado Profissional em Sociologia (Profsocio). Contamos com oitenta e um formulários preenchidos, com participantes de treze estados brasileiros e o Distrito Federal. Uma amostra pequena frente a quantidade de docentes de Sociologia do Ensino Básico, mas expressiva para analisarmos e levantarmos indicadores relacionados ao Guia do PNLD e as considerações dos professores sobre o PNLD de Sociologia. A análise dos documentos resultou na extração de categorias presentes nos Guias do PNLD e Editais as quais cruzamos com as informações colhidas do questionário de pesquisa, o que nos permitiu verificar nossas hipóteses. O formulário também contribuiu para que, em meio a Pandemia de Covid-19 (Coronavírus) e o isolamento social que ocorreu em todo território brasileiro (desde meados março de 2020) déssemos continuidade à pesquisa. A pandemia certamente impactou este estudo, ao nos obrigar a nos adaptarmos bruscamente a uma nova rotina de vida. Nela, a jornada 20 de trabalho dos docentes da educação básica dobrou com o ensino remoto. Talvez muitos professores que receberam nosso formulário, não tenham respondido. Deduzimos que alguns dos motivos foram, por exemplo, a maior demanda de trabalho somado a ter que cuidar da casa e dos filhos, uma vez que lar e local de trabalho se confluíam em um só espaço. Durante a pandemia a pesquisa também se readequou para que assim pudesse seguir sem maiores problemas. Reformulamos e reorganizamos a pesquisa, de modo que o corpo do trabalho passou a ser divido em três capítulos. No primeiro, refizemos a trajetória da institucionalização da Sociologia e elencamos algumas das referências bibliográficas, para captar o “estado da arte” por meio de um mapeamento que possibilitou o conhecimento e/ou reconhecimento de estudos que estão sendo, ou já foram realizados no Brasil. São também parte do levantamento bibliográfico prévio, por anteceder a pesquisa e colaborar para o desenvolvimento do tema. No segundo capítulo, procuramos abordar o processo histórico que possibilitou o surgimento do PNLD, e destacamos o processo de consolidação do Programa através do aprimoramento da seleção e avaliação dos livros didáticos, bem como observamos a ampliação do PNLD no início do século XXI. Já no terceiro e último capítulo, analisamos os materiais que se referem a cada Edital e Guias do PNLD (2012, 2015 e 2018), os quais constituíram quadros explicativos onde discriminamos os avanços e/ou permanências, principalmente temáticas observadas na análise documental, juntamente com a análise do questionário aplicado. Por meio destes elementos aprofundamos os conhecimentos acerca do próprio objeto e de seus desdobramentos e suas implicações sociais. Assim temos um estudo centrado na análise dos documentos que orientam a escolha do PNLD e os discute com os autores o quanto houve de contribuições para o ensino de Sociologia, ou não. 21 1 ESTADO DA ARTE: ENSINO DE SOCIOLOGIA Neste capítulo apresentaremos a história do ensino de Sociologia para compreendermos os caminhos percorridos pela institucionalização deste subcampo de estudo. Nosso objetivo é verificar as consequências da trajetória da Sociologia na educação básica para produção de livro didático. Para tanto, faremos um retrato da disciplina na educação básica, desde o início do século XX até a aprovação dos livros didáticos de Sociologia no PNLD, em 2012. Partiremos da seguinte indagação: existe relação entre a intermitência do ensino de Sociologia e entrada tardia dos livros didáticos da disciplina no PNLD? Para responder esta questão, neste capítulo, fizemos a sistematização da história do ensino de Sociologia, configurando-se em um “estado da arte”. Nos pautamos na análise bibliográfica dos principais autores deste subcampo, como Cigales (2014), Jinkings (2017), Machado (1989), Meucci (2000), Mendonça (2017), Moraes (2007), Oliveira (2013), Saranry (2004), entre outros. Estes intelectuais se dedicaram a analisar a história do ensino de Sociologia e o processo recente de reinserção da disciplina na educação básica, ou melhor, no Ensino Médio. Nos apoiamos também em decretos e leis relacionados à educação que, ao longo do século XX, foram responsáveis pela presença e/ou ausência da Sociologia no currículo de nível médio dentro da Educação Básica. Tais legislações, discutidas no decorrer do texto, são reflexos de diferentes contextos políticos e sociais que compreendiam a Sociologia como necessária ou dispensável para a formação intelectual de jovens estudantes. Para discorrermos sobre a história do ensino de Sociologia, dividimos o capítulo em dois subtítulos: 1.1 O percurso histórico do Ensino de Sociologia no Brasil - em que discutiremos o processo de institucionalização da disciplina no início do século XX até a década de 1980; e 1.2 A Retomada do ensino de Sociologia – parte na qual apresentamos a reinserção da Sociologia desde a redemocratização do Brasil até a aprovação da Reforma do Ensino Médio em 2017, e a nova ausência da Sociologia no Currículo. Este capítulo contextualiza a trajetória do ensino de Sociologia para que possamos, nos capítulos seguintes, observar a importância do PNLD para a disciplina na atualidade. 22 1.1 O percurso histórico do Ensino de Sociologia no Brasil Revisitar o percurso da institucionalização do ensino de Sociologia nos permite verificar a trilha intermitente percorrida por esta ciência na educação básica, a qual, no início do século XX, foi considerada indispensável para a formação intelectual das elites. E partir da década de 1940, entendida com dispensável. Teve seu retorno ao currículo de nível médio em meados da década de 1980 e tornando-se disciplina obrigatória para o Ensino Médio em 2008, por força da Lei nº 11. 684. Recentemente a Reforma do Ensino Médio, trouxe novamente instabilidade à disciplina. O preâmbulo do ensino de Sociologia encontra-se no final do século XIX, precisamente com a Reforma Benjamin Constant. Esta reforma baseou-se nos pareceres de Rui Barbosa, que por volta de 1882, prescreveu a Sociologia para as escolas secundária e normais, e para o curso de Direito. Benjamin Constant, na primeira república, esteve à frente do Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. E em meados da década de 1890, pretendeu reformular a educação. Dentre as mudanças propostas estava a inclusão da disciplina de Sociologia no currículo das escolas secundárias. Porém a morte precoce de Constant impediu tal feito (MACHADO, 1987; OLIVEIRA A., OLIVEIRA E., 2017). A disciplina retornou ao currículo em 1925, por meio da reforma educacional proposta pelo ministro João Luiz Alves-Rocha Vaz. Tal reforma ficou conhecida como Reforma Rocha Vaz advinda das mudanças implementadas no campo da educação ainda no período da primeira república. A Sociologia foi instituída, inicialmente, no Ensino Secundário no Colégio Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro, devido aos esforços de Fernando de Azevedo. Em 1928, a disciplina foi implementada nas escolas normais do Recife por intermédio de Carneiro Leão e Gilberto Freyre, e, também, nas escolas normais do Distrito Federal. Dentre os objetivos da reforma estava a centralização dos conteúdos escolares para a construção de um sistema nacional de ensino, e o controle administrativo estruturado sobre o Ensino Secundário e Superior (MEUCCI, 2007; MACHADO, TOTTI, 2013). A disciplina foi incluída no último ano do Ensino Secundário, o qual era composto por seis anos. A conclusão do 6º ano proporcionava ao estudante o título de Bacharel em Ciências e Letras – entretanto aos estudantes interessados em prestar vestibular era obrigatório o curso até o 5° ano (CIGALES, 2014; MEUCCI, 2015). 23 O ensino de Sociologia estava, então, vinculado ao projeto de modernidade do país, uma preocupação recorrente entre a elite. Segundo Meucci (2015, p. 253), a “institucionalização da Sociologia na escola foi um dos primeiros sinais da importância que a disciplina assumiria para a elite brasileira do período”. A Sociologia foi interpretada como um recurso que permitiria à elite compreender a necessidade das regras sociais e as instituições, para o progresso da sociedade brasileira. A partir da década de 1930, o país iniciou um processo de transformações políticas, econômicas e sociais, que ditaram os rumos da educação. No bojo destas mudanças, no período do governo provisório, ocorreu a Reforma Francisco Campos, no ano de 1931. Francisco Campos foi ministro da Educação e Saúde, e a reforma educacional realizada por ele estabeleceu uma série de decretos que mudaram “a maneira pela qual a educação brasileira estava organizada, tendo em vista ter sido esta a primeira vez que se pensou em um projeto único de educação para o Brasil." (AZEVEDO, NASICMENTO, 2015, p. 10-11). O Decreto nº 21. 241 de abril de 1932, parte da reforma Campos, previa a organização e consolidação do ensino secundário. Determinava que os conteúdos curriculares dos colégios secundários tivessem como parâmetro o currículo do Colégio Pedro II, sob fiscalização federal. A nova legislação estimulou a normatização da educação, homogeneizando as práticas didática- pedagógicas (AZEVEDO, NASICMENTO, 2015; MEUCCI, 2015). Elas estipulavam que o ensino secundário fosse divido em: Fundamental, que pretendia a formação geral em um período de cinco anos; e Complementar, composto por um período de dois anos destinado aos interessados em cursar o ensino superior. Bem como aponta os Artigos 5°, 6° e 7° ao definirem que: Art. 5º Para os candidatos à matrícula no curso jurídico são disciplinas obrigatórias: 1ª série: Latim - Literatura - História da Civilização - Noções de Economia e Estatística - Biologia Geral - Psicologia e Lógica. 2ª série: Latim - Literatura - Geografia - Higiene - Sociologia - História da Filosofia. Art. 6º Para os candidatos à matrícula nos cursos de medicina, farmácia e odontologia são disciplinas obrigatórias: 1ª série: Alemão ou Inglês - Matemática - Física - Química - História Natural - Psicologia e Lógica. 2ª série: Alemão ou Inglês - Física - Química - História Natural - Sociologia - Desenho. Art. 7º Para os candidatos à matrícula nos cursos de engenharia ou de arquitetura são disciplinas obrigatórias: 1ª. série: Matemática - Física - Química - História Natural - Geofísica e Cosmografia - Psicologia e Lógica. 2ª série: Matemática - Física - Química - História Natural - Sociologia - Desenho (BRASIL, 1932, p. 1–2). 24 Novamente, a Sociologia, foi posta para os anos finais. A disciplina constava no segundo ano do ensino Complementar, ou seja, era destinada a futura camada intelectual da sociedade. Fator que impôs a necessidade de um discurso que abarcasse as transformações sociais, políticas e econômicas daquele momento histórico (AZEVEDO, NASICMENTO, 2015). Pensando nestes fatores, a Sociologia poderia ser definida como normativa, prescritiva de noções de civilidade, civismo e até higienismo. Mais do que isso, ofereceu uma metáfora da sociedade: a metáfora orgânica, na qual se ocultaram desigualdades sociais sob os argumentos da diferença, da funcionalidade, solidariedade e autoridade (MEUCCI, 2015, p. 254). As transformações educacionais e políticas que atingiram o país na década de 1930, abriram caminho para um processo de institucionalização da Sociologia no ensino superior, com a criação de cursos de Ciências Sociais6 nas seguintes instituições: Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (1933), Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo (1934), Universidade do Distrito Federal (1935), Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná (1938) (MACHADO, TOTTI, 2013; MEUCCI, 2007). A inserção da Sociologia no currículo de escolas normais, colégios, faculdades e universidades proporcionou ações voltadas à sistematização dos saberes sociológicos, bem como colaborou com o processo de institucionalização. Promoveu a produção dos primeiros manuais e livros didáticos de Sociologia escritos por uma dezena de autores que buscavam difundir tal ciência. Os manuais foram escritos por intelectuais como Fernando Azevedo, Delgado de Carvalho, Gilberto Freyre, Carneiro Leão, Alceu Amoroso Lima, entre outros (MEUCCI, 2001; 2015). Os livros didáticos produzidos neste período demostram as condições precárias através das quais a Sociologia se consolidou no Brasil. Segundo Meucci (2007, p.34) os primeiros compêndios indicavam uma face importante do processo de consolidação do campo sociológico entre nós, ao permitir, a um só tempo, o reconhecimento dos primeiros agentes sistematizadores e a identificação de suas expectativas em relação à contribuição da nova disciplina (desde as mais sofisticadas até as mais vulgares) que estiveram na origem dos esforços para a rotinização da sociologia no Brasil. 6 As Ciências Sociais são compostas por três áreas de conhecimento: a Antropologia, a Sociologia e a Ciência Política, as quais compõem a ciência de referência do ensino de Sociologia. 25 A Sociologia no decorrer da década de 1930 obteve estabilidade no currículo do Ensino Secundário e adentrou ao Ensino Superior. Com o Estado Novo (1937-1945), as mudanças políticas e sociais propiciaram uma nova reforma educacional, denominada Reforma Capanema, de 1942, proposta pelo ministro da educação Gustavo Capanema Filho. Seu objetivo foi centralizar e burocratizar a educação, tornando-a ainda mais elitista. A Reforma foi responsável por dividir o ensino secundário em ciclos: Ginasial e Colegial, e criar o ensino profissionalizante (JINKIINGS, 2017; OLIVEIRA, A., OLIVEIRA, E., 2017). Basicamente a Reforma Capanema era composta por oitos decretos, entre eles o Decreto-Lei n° 8.530/1946, o qual determinou a manutenção da Sociologia apenas no currículo das Escolas Normais7. A legislação deixava às escolas a opção de manter a disciplina como obrigatória, intitulada Sociologia Educacional, ou opcional como Sociologia Geral (CIGALES,2014; MEUCCI, 2015; OLIVEIRA, A., OLIVEIRA, E., 2017). De acordo com Oliveira A. e Oliveira E. (2017, p.29) com a “Reforma encerra-se o momento de estabilidade vivenciado pela Sociologia nos currículos escolares, marcado abertamente por uma profunda indefinição de seu papel”. Contudo a Sociologia manteve-se presente nos conteúdos de outras disciplinas. Com o fim Estado Novo, iniciou-se "(...) um período assinalado pela tentativa de construção de um processo democrático, em certa medida inédito em face ao caráter oligárquico da organização democrática (...)" (JINKINGS, 2017, p.43). Um momento marcado pela consolidação das Ciências Sociais no Ensino Superior e o retorno das reflexões sobre a inclusão da Sociologia ao Ensino Secundário. O tema foi debatido de forma sistemática entre os intelectuais da área. O debate teve como expressão máxima o discurso “O ensino da Sociologia na escola secundária brasileira” de Florestan Fernandes (2013), em 1954, no I Congresso Brasileiro de Sociologia. O texto abordava a importância da obrigatoriedade da disciplina na escola regular. E fazia, ainda, uma crítica ao ensino secundário com seus conteúdos enciclopédicos e estáticos, que objetivava o ingresso na universidade. Havia a necessidade de um ensino humanizado, que compreendesse a realidade brasileira, e as relações sociais existentes. A missão de explicar a realidade cabia à Sociologia, por isso tamanha importância da implementação da disciplina (MACHADO, TOTTI, 2013). 7 As escolas Normais eram voltadas à formação de professores habilitados a lecionar para o ensino primário – atual Ensino Fundamental I. 26 O discurso de Florestan (1954) repercutiu no meio acadêmico por criticar o sistema de ensino da época e demostrar o quão a Sociologia seria inovadora para os estudantes da educação básica. Mas na prática a disciplina se manteve restrita às Escolas Normais. A Sociologia tinha um passado que de certo modo a condenava pelo que tinha de antidemocrática, [...] [embora] sua atualidade acadêmica reconhecia sua contribuição (não obstante difícil) para a democratização. Esse fenômeno pode ter favorecido para que não se constituíssem, no período, agentes capazes de protagonizar sua reintrodução no ensino (MEUCCI, 2015, p.255). A Sociologia foi mantida distante do currículo das escolas regulares, mesmo após o fim da Reforma Capanema em 1961, a qual foi substituída pela Lei nº 4.024/1961, a primeira Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEN) (BRASIL, 1961). A LDBEN (1961) estabeleceu um currículo diversificado composto por disciplinas obrigatórios e optativas. Novas disciplinas foram indicadas pelo Conselho Federal de Educação, como: Organização Social e Política Brasileira (OSPB), obrigatória para o ginasial; Estudos Sociais e Elementos de Economia, optativas para o colegial. Sem embargo, a Sociologia ficou a cargo da decisão dos Conselhos Estaduais de Educação, que poderiam incluí-la nos currículos como: obrigatória complementar ou optativa8 (MACHADO, 1987; MACHADO, TOTTI, 2013). A Sociologia foi progressivamente posta a margem dos currículos o que proporcionou a diminuição de manuais e livros didáticos em circulação. Em 1964, o golpe militar, trouxe consigo a repressão e impôs barreiras ao livre desenvolvimento da ciência. A implementação de uma nova reforma educacional atingiu todos os níveis de ensino. A educação básica tinha como objetivo a profissionalização dos jovens. A Sociologia foi completamente excluída dos currículos da educação básica, mas continuou a vigorar nas Escolas Normais. A retirada da disciplina do currículo se deu por dois condicionantes legais principais: a) o Decreto-Lei 869 (BRASIL, 1969) que implementou a obrigatoriedade do ensino de Educação Moral e Cívica (EMC); b) a promulgação da Lei nº 5.692 (BRASIL, 1971) conhecida como Reforma Passarinho, estabeleceu um currículo comum a todo o território nacional sem o ensino de Sociologia (MACHADO, TOTTI, 2013). Meucci, elucida que De certo modo, OSPB e Educação Moral e Cívica cumpriram, para a ditadura nos anos de 1960 e 1970, as funções normativas que antes a Sociologia 8 É interessante notarmos que a Sociologia, entre as décadas de 1950 e 1960, esteve presente no currículo das Escolas Normais. 27 cumpriu. Por isso, ao longo da ditadura, a Sociologia permaneceu muito restrita ao campo de formação de educadores primários (2015, p.255). As disciplinas de OSPB e EMC cumpriam o papel de disciplinar o pensamento dos jovens sobre da sociedade e a cultura. Segundo Jinkings (2017, p. 44) existiam categorias das ciências sociais, nos livros didáticos de OSPB, embora fossem tratados de forma descontextualizada, distorcidas e mistificadas, de modo a pressupor uma sociedade harmoniosa, sem contradições e conflitos. Os livros foram uma forma de dominação ideológica para sustentar o poder vigente. A reformulação da educação atingiu também o Ensino Superior. E em 1968, foi decretada autoritariamente a reforma universitária, responsável por desvincular as faculdades de Ciências Sociais e Educação. O rompimento entre estas áreas de conhecimento contribuiu para que as Ciências Sociais se voltassem mais à pesquisa acadêmica, havendo o declínio da produção científica sobre ensino de Sociologia/Ciências Sociais (OLIVEIRA, 2013). Amurabi Oliveira e Evelina A. F. Oliveira (2017, p.31) afirmam que a ausência da Sociologia na escola se deu de forma concomitante a uma significativa expansão das Ciências Sociais no Ensino Superior, especialmente se considerarmos o último período analisado, a partir dos anos de 1960/1970. Entretanto, naquele contexto "(...) as ciências sociais têm suas potencialidades críticas e emancipatórias profundamente afetadas e esvaziadas nas universidades e nas escolas". Este quadro começou a se transformar na década de 1970 com a crise política e econômica e pôs fim ao "milagre econômico". A crise possibilitou que organizações sindicais e políticas se organizassem. No campo educacional os docentes de nível médio e superior se organizaram em sindicados e movimentaram as reflexões sobre novas concepções de educação junto ao ideal de uma educação pública e de qualidade (JINKINGS, 2017). Com a decadência do Regime Militar, e a reabertura política, a Sociologia pôde ter esperança em retornar às escolas. Logo a redemocratização do país implicaria diretamente na educação alterando a Lei nº 5.692/71 através da Lei n° 7.044/1982 (BRASIL, 1982) que pôs fim a obrigatoriedade do Ensino Profissionalizante no 2° Grau, atual Ensino Médio. A nova legislação possibilitou a volta das disciplinas de Sociologia, Filosofia e Psicologia, em caráter optativo a ser definido pelas secretarias estaduais de educação. E estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Pará e Pernambuco, entre 1983 e 1989 incluíram a Sociologia a seus currículos (OLIVEIRA, 2013, MENDONÇA, 2017). 28 Segundo Mendonça (2017), a agitação política do período somou-se às conquistas declaradas via Assembleia Nacional Constituinte, a qual orientou a redação à nova Constituição Federal promulgada em 1988, assim abriu precedente para novas propostas educacionais e mudanças, como por exemplo, a regulamentação de uma porcentagem mínima de recursos do Estado destinada a investimentos na educação pública. Outro fator determinante para educação, no período, foi o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, organizado para definir os rumos e ações da educação pública. Ainda na década de 1980 iniciaram-se as discussões sobre a elaboração de uma nova LDBEN, e novas propostas curriculares conforme os avanços de suas ciências de referência (OLIVEIRA, 2013, MENDONÇA, 2017). Neste contexto positivo para educação, devido ao rearranjo das políticas educacionais em âmbito nacional, a reinserção da Sociologia parecia próxima. Posto que era uma disciplina que formaria para a cidadania, convergindo com a proposta de redemocratização do país. 1.2 A Retomada do ensino de Sociologia A retomada do ensino de Sociologia, foi uma tarefa árdua e longa. A década de 1990 foi marcada pela luta constante e pelo retorno da disciplina. Um período caracterizado pelas políticas neoliberais, privatizações e diminuição de investimentos financeiros nos setores públicos. Na educação, o ideário de “competências e habilidades” legitimou as propostas da nova ordem social – neoliberal – justaposta a ideia de cidadania9 (MENDONÇA, 2017). Neste contexto, ocorria o processo de discussão da nova LDBEN, iniciado por volta de 1988. O projeto, conhecido como substitutivo Jorge Hage, contou com ampla participação da sociedade civil de forma democrática nos debates políticos. Além da destacada participação do deputado federal Florestan Fernandes o qual uniu esforços para garantir que o projeto representasse uma política pública educacional que convergisse com as necessidades sociais (MENDONÇA, 2017). 9 Mendonça (2017) enfatiza que o conceito de cidadania foi assimilado, por uma fração mais conservadora do legislativo, como sinônimo de um indivíduo ativo e eficiente convergindo com as necessidades apontadas pelo neoliberalismo. Estas ideias de certo modo foram traduzidas para a nova de Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996). 29 Aprovado na Câmara dos Deputados, o substitutivo Jorge Hage teve como relator o senador Darcy Ribeiro que incorporou novas propostas à LDBEN, as quais convergiam com as políticas neoliberais no governo de Fernando Henrique Cardoso, ignorando o projeto aprovado na Câmara, com audiências públicas e ampla participação da sociedade civil. E em 1996, a nova LDBEN foi sancionada como Lei n° 9.394, com texto diferente dos ideias educacionais pautados por seus idealizadores na década de 1980 (MENDONÇA, 2017; MORAES, 2011). A nova LBDEN apresentava, de modo inconclusivo, as disciplinas de Sociologia e Filosofia, ao afirmar no Artigo 36 que § 1°. Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizadas de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: III – domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania (BRASIL, 1996). Apesar do documento indicar que os conhecimentos de Sociologia estivessem vinculados à cidadania, não definia a obrigatoriedade da disciplina. Para Oliveira (2013), o “sentido de cidadania atribuído pela LDB é aquele liberal, abstrato e universalizante, que se encontrava em disputa em meio aos possíveis sentidos que poderiam ser atribuídos ao termo” (2013, p.184). Diante da inconsistência sobre a definição de Sociologia e Filosofia no currículo, foi proposto, logo, em 1997, pelo o deputado federal Padre Roque Zimmerman (PT-PR), o Projeto de Lei (PL) 3.178/97 com o objetivo de tornar as disciplinas obrigatórias no Ensino Médio. O projeto era entendido como “uma medida necessária para a consolidação da base humanista no que se refere aos conhecimentos adquiridos pelo educando” (BRASIL, 1997, p.2). O PL tramitou pela Câmara e Senado sem grandes problemas e foi aprovado como PL n° 09/00. Destarte, em 2001, o então presidente da república e sociólogo Fernando Henrique Cardoso vetou a proposta (MORAES, 2011). Os motivos que provocaram o veto, segundo Moraes (2011), expunham o contexto burocrático no qual o país estava imerso naquele momento, com a construção da LDBEN e o desenvolvimento em curso das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Posto que a LDBEN previa uma educação que fosse interdisciplinar, e menos focada nas disciplinas específicas. E as DCNEM (1998a), propunham, mais abertamente uma pedagogia pautada em competências e habilidades. A partir da promulgação das DCNEM, via Parecer CNE/CEB 15/98, ficou explícito que na área de Ciências Humanas 30 se incluirão também os estudos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania, para cumprimento do que manda a letra da lei. No entanto, é indispensável lembrar que o espírito da LDB é muito mais generoso com a constituição da cidadania e não a confina a nenhuma disciplina específica, como poderia dar a entender uma interpretação literal da recomendação do inciso III do parágrafo primeiro do artigo 36 (BRASIL, 1998b, p. 46). O documento é substancial ao esboçar que as disciplinas de Sociologia e Filosofia teriam os conteúdos como interdisciplinares, e não há a presença como disciplinas específicas. Implicando que estas áreas de conhecimento fossem contempladas por outras disciplinas de Ciências Humanas, o que “justificaria” o veto presidencial (MORAES, 2011). Somada a esta possível justificativa, a presidência argumentou na época sobre o veto que o projeto de inclusão da Filosofia e da Sociologia como disciplinas obrigatórias no currículo do ensino médio implicará na constituição de ônus para os Estados e o Distrito Federal, pressupondo a necessidade da criação de cargos para a contratação de professores de tais disciplinas, com a agravante de que, (...) não há no País formação suficiente de tais profissionais para atender a demanda que advirá caso fosse sancionado o projeto (BRASIL, 1997, s.n.). Tal ato vindo de um sociólogo-presidente foi um choque para os grupos que apoiavam o PL. Porém a “luta pela obrigatoriedade da Sociologia e da Filosofia no currículo do ensino médio continuou” (MENDONÇA, 2017, p.64). Os “anos de luta”, entre 1999 e 2004, as organizações sindicais de docentes e de sociólogos lutaram pelo retorno da Sociologia. As reivindicações destes grupos reverberaram em congressos e seminários que passaram aos poucos a terem Grupos de Trabalho (GT’s) para debaterem o ensino de Sociologia, incluindo a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS). Ainda que houvesse pouco interesse dos pesquisadores de Ciências Sociais pelo subcampo de ensino de Sociologia, este ganhou espaço na academia. Vale lembrar que autores de referência na área como Simoni Meucci (2000) e Flávio Sarandy (2004) defenderam suas dissertações neste período (HANDFAS; MAÇAIRA, 2014). O contexto político e social da época também colaborou para que a luta pela obrigatoriedade da Sociologia avançasse progressivamente. Com o governo Lula (1995 – 2003) e os compromissos firmados com as pautas sociais criou-se um ambiente favorável para novas legislações e demandas educacionais (MENDONÇA, 2017). Fatores que colaboraram com a solicitação, realizada pelo MEC, para a criação de uma equipe de professores universitários envolvidos com o ensino de Sociologia, dentre eles Amaury Moraes (2007), para a elaboração das Orientações Curriculares para o Ensino Médio de Sociologia (OCNEM/Sociologia) o qual iria compor o material da área de Ciências Humanas. 31 Tal requisição foi compreendida como uma oportunidade para uma reinvindicação direta e legal da reintrodução da Sociologia ao currículo do Ensino Médio. Deste modo os docentes exigiram do MEC um documento oficial respaldando a obrigatoriedade da disciplina de Sociologia. E o Ministério atribuiu ao grupo a redação de um parecer propondo a inclusão das disciplinas ao currículo formal (MORAES, 2011). O documento foi elaborado por Moraes (2007) em 2005, o qual evidenciou as contradições existentes entre a LDBEN e DCNEM, e apresentou as possíveis contribuições das disciplinas para o desenvolvimento dos estudantes de Ensino Médio. O texto originou o Parecer CNE/CEB n° 38/06, que estabeleceu a obrigatoriedade das disciplinas de Filosofia e Sociologia no currículo, tanto em escolas públicas, quanto de instituições privadas de todo o país. Assim, No dia 7 de julho de 2006, a Câmara de Educação Básica aprovou por unanimidade o Parecer 38/2006 que alterou as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, tornando a Filosofia e a Sociologia disciplinas obrigatórias. A Resolução nº 4, de 16 de agosto de 2006, alterou o artigo 10 da Resolução CNE/CEB nº 3/98, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, incluindo a Filosofia e a Sociologia como disciplinas curriculares obrigatórias. Ainda em 2006, foram publicadas as Orientações Curriculares para o Ensino Médio de Sociologia, aperfeiçoando o texto publicado em 2004 (SILVA, 2010, p.31). No mesmo período tramitava no Congresso Nacional o PL n° 1.641/2003, proposto pelo deputado federal Ribamar Alves (PSB-MA), que propunha a inclusão de Sociologia e Filosofia no currículo de nível médio e a mudança do Artigo 36 da LDBEN. A aprovação do Parecer CEN/CEB n° 38/066 resultou na Resolução CNE nº 04/200610 e potencializou o PL n°1.641/03 pressionando mais o governo federal a aprovar o PL. A despeito da legislação alguns estados, como São Paulo, se negaram a cumprir a Resolução (MENDONÇA, 2017). Os anos de 2005 a 2007, ficaram conhecidos como os "Anos de Campanha", denominação utilizada por Moraes (2011), para definir o movimento em prol do retorno da Sociologia ao Ensino Básico (RÖWER, 2016). O movimento impactou também no Congresso Brasileiro de Sociologia (CBS), o qual criou um GT especificamente para discutir o Ensino de Sociologia. Röwer (2016, p. e129) afirma que Em 2005 o GT 6 intitulado Experiências de ensino em Sociologia: métodos e materiais didáticos inaugura a existência de um GT específico sobre a temática do ensino de Sociologia no CBS. O GT 9 Ensino de Sociologia sobre este título inicia no ano de 2007. 10 A Resolução CNE nº 04/2006 determinava que dentro de um ano a disciplina de Sociologia deveria ser incluída no currículo do Ensino Médio de todos os estados brasileiros. 32 Com isso, aumentou de forma considerável o número de trabalhos completos e aceitos no CBS entre 2005 e 2007, indo de 9 para 19, respectivamente, ou seja, era notável tanto o avanço das pesquisas sobre ensino na área das Ciências Sociais quanto o crescimento incipiente deste subcampo. O contexto se mostrou propício à aprovação pelo Congresso, e a sanção do PL n°1.641/03 em Lei n° 11.684 pelo presidente em exercício José de Alencar em outubro de 2008. A nova lei alterou a LDBEN e promulgou a obrigatoriedade de Filosofia e Sociologia a partir e 2008 (MORAES, 2011; MENDONÇA, 2017; RÖWER, 2016). A retomada da Sociologia no currículo, trouxe outros desafios às disciplinas como a implementação de um currículo mínimo, com os conteúdos característicos das Ciências Sociais. No que se refere a Sociologia, entre 2009 e 2011, as OCNEM auxiliaram pedagogicamente o desenvolvimento da disciplina, por definir sua função no Ensino Médio. Cabia a Sociologia: a) “desnaturalizar [as] concepções e fenômenos sociais”; b) realizar o “estranhamento. (...) observar que os fenômenos sociais que rodeiam todos não são de imediato conhecidos” (BRASIL, 2006, p. 105-106). Os conceitos de desnaturalização e estranhamento tornaram-se os pilares da Sociologia no ensino básico. Outro ponto fundamental do documento são os pressupostos metodológicos que propõem a exposição dos conteúdos segundo três tipos de recortes: teorias, temas e conceitos. As OCNEM se mantem como principal documento orientador do ensino de Sociologia. Seus princípios orientaram, e orientam, a avaliação dos livros didáticos de Sociologia inscritos no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)11 desde a primeira edição em 201212, o principal material didático de Sociologia de alcance nacional. Em 2012, a Sociologia pode contar com mais um documento oficial que assegurasse temáticas como: relações étnico-raciais, desigualdades, diversidade, cultura, entre outros, através da promulgação da Resolução CNE n° 02/2012, a qual aprovou as novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, e fez questão de explicitar a presença de Sociologia e Filosofia em todos os anos do Ensino Médio, bem como listar todos os componentes curriculares, para que não restassem dúvidas ou interpretações enviesadas sobre o currículo em questão (MENDONÇA, 2016, p.17). 11 O PNLD é o programa federal responsável pela: escolha, avaliação, aquisição e distribuição gratuita de livros didáticos para todas as instituições de ensino público do país. 12 As OCNEM foram fundamentais para a construção dos princípios que regem a avaliação do PLND, pois até 2012, os livros de didáticos de Sociologia ainda contavam com um formato de livro escolar para a disciplina consolidado pelo Programa. 33 As diretrizes colaboraram com a consolidação do ensino de Sociologia, bem como a inserção da disciplina no PNLD 2012. Segundo Mendonça (2017, p.69) o período entre 2006 e 2012 foi significativo para a Sociologia, houveram ganhos expressos através de programas educacionais de nível federal, como PNLD, o Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID), Plano Nacional para Formação de Professores (PARFOR), Programa de Consolidação das Licenciaturas (PRODOCÊNCIA) e a criação na Capes da Diretora de Educação Básica (DEB). Somavam-se as contribuições acadêmicas por meio de GT’s nos eventos da SBS (Sociedade Brasileira de Sociologia) e ENESEB (Encontro Nacional do ensino de Sociologia na Educação Básica) que fortaleceram o desenvolvimento da Sociologia na educação básica e os investimentos em pesquisas sobre Ensino de Sociologia e licenciaturas em Ciências Sociais. Os avanços conquistados certamente foram os maiores no decorrer da história da Sociologia. Com a mudança da conjuntura política brasileira a partir de 2016, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e a entrada de Michel Temer para a presidência, em meio a uma crise financeira que se agravava cada vez mais, o país iniciou um período de avanços das pautas neoliberais e desmantelamento dos setores públicos (MENDONÇA, 2017). No âmbito da Educação Básicas, o maior golpe se deu ao Ensino Médio com a aprovação da Lei nº 13.415/2017, conhecida como Reforma do Ensino Médio. A lei modificou por completo o currículo do Ensino Médio e novamente trouxe instabilidade à Sociologia, por apresentar apenas as disciplinas de Português e Matemática como obrigatórias. Para Mendonça (2017, p.74) Subentende-se que os demais conteúdos curriculares não serão tratados como disciplinas, uma vez que as ênfases em quatro grandes áreas de conhecimento e a formação técnica profissional não indicam a presença obrigatória delas. No que compete especificamente à Sociologia, a Reforma define que conforme “A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia” (BRASIL, 2017a, p. 2). Nota-se a diferença entre os termos “obrigatoriedade do ensino de” e “estudo e prática de”, enquanto o primeiro termo afirma que o ensino é obrigatório o segundo deixa indefinido a ação da disciplina, podendo sugerir a incorporação dos conteúdos de Sociologia em outras disciplinas. Estes pontos apresentados podem ser prejudiciais para a formação dos jovens estudantes, que poderão deixar de ter acesso aos conhecimentos científicos produzido nas diferentes áreas de conhecimento. Bem como traz novas incertezas as licenciaturas de Ciências 34 Sociais, que formarão profissionais para um campo educacional inexistente (MENDONÇA, 2017). Assim, este capítulo faz um retrato da história da Sociologia na Educação Básica, uma disciplina intermitente que, de acordo como determinada época, foi entendia pela política nacional como necessária à formação do jovem. Nas últimas três décadas percorreu uma trajetória de luta até ser reincluída ao currículo, manteve por algum tempo certa estabilidade e nos últimos anos foi novamente excluída da educação. Ainda que após a aprovação da Reforma do Ensino Médio os estados tenham mantido a Sociologia no Ensino Médio, sua permanência continua ameaçada. Por isso este trabalho é também uma ferramenta de luta pelo ensino de Sociologia que busca evidenciar a partir do estudo do PNLD de Sociologia, e mais especificamente por meio da análise dos Guias de Livros Didáticos do PNLD e Editais do Programa a importância da manutenção da Sociologia para o Ensino Médio. Para tanto, compreenderemos o processo histórico de formação no PNLD e a inclusão da Sociologia ao Programa. 35 2 O PROGRAMA NACIOANL DO LIVRO DIDÁTICO (PNLD) Abordaremos aqui o contexto histórico que possibilitou a criação Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 1985 e sua atuação como um programa de avaliação, aquisição e distribuição de livros didáticos. Nosso objetivo neste capítulo é de analisar as mudanças do PNLD relacionadas ao processo avaliativo do livro didático e refletir sobre suas possíveis contribuições para com os livros didáticos de Sociologia. Tendo em vista que o PNLD é responsável por estabelecer “critérios que incidem também sobre os processos de produção e editoração –, assegurando as condições para que os estudantes da Educação Básica recebam livros cada vez mais qualificados." (CAIMI, 2018, p. 23). Além de ser um programa de alcance nacional que, somente, em 2018 atendeu 7.085.669 estudantes do Ensino Médio em todo o país, com 89.381.588 livros didáticos, e gastou, naquele ano, 879.770.303,13 de reais13. Deste modo a discussão sobre o PNLD se divide em três subtítulos: 2.1 Os livros didáticos, em que discutimos as características do livro didático e sua importância para o processo de ensino-aprendizagem; 2.2 A criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em que analisamos a história do PNLD até a edição do PNLD 2018; e 2.3 As transformações recentes do PNLD, que apontamos as mudanças ocorridas no Programa a partir de 2017. 2. 1 Os livros didáticos Os livros estão presentes no cotiado de boa parte das escolas brasileiras em diferentes níveis de ensino. Sejam livros para leitura, para treino da escrita, com apenas imagens, impressos ou digitais. Eles compõem o processo de ensinar e aprender, estão impregnados de simbologias e têm se transformado ao longo da história. 13 Este dados estão disponíveis no site do Funda Nacional de Desenvolvimento (FNDE) no site https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-estatisticos. Acesso em: 10 jan. 2020. O FNDE é órgão responsável pelo PNLD junto ao MEC e a Secretaria de Educação Básica (SEB). https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-estatisticos 36 Convém para este estudo abordarmos um tipo específico de livro: o livro didático. Este livro em especial, destinado aos saberes escolares, nos despertou para o diálogo como nosso objeto de estudo: os Guias de Livros Didáticos PNLD Sociologia. Antes de dialogarmos diretamente com os Guias de Livros Didáticos, discutidos no capítulo 3, se faz necessário elucidarmos a importância do livro didático para campo político educacional e sua relevância no contexto do PNLD. Inicialmente, é essencial a conceitualização do livro ou manual didático14. De imediato poderíamos definir o livro didático com um livro que colabora com o processo de ensino aprendizagem na medida em que fornece meios para auxiliar docentes e discentes no desenvolvimento de exercícios e conteúdos. Porém, nossos estudos sobre o livro escolar nos permitem afirmar que ele tem uma gama maior funções que subsidiam estudantes e professores(as) em sala de aula. Podemos pontuar que o livro didático influencia diretamente o trabalho pedagógico; estabelece o currículo; define tanto metodologias de ensino quanto quadros conceituais; determina, de certo modo, o cotidiano escolar (BATISTA, 2001). O livro didático pode também ser considerado um bem cultural dotado de complexidade, sendo produto e reprodutor de relações culturais e permite compreendermos a produção e circulação do conhecimento (MEUCCI, 2014). Di George et al. ( 2014) e Engerroff (2017), descrevem o livro didático como capital cultural e capital simbólico, enquanto capital cultural, o livro escolar reproduz, por meio dos conteúdos, conceitos e teorias, os saberes institucionalizados, já como capital simbólico, representa em seu formato e por meio dos conteúdos, o contexto social, político, econômico e cultural ao qual pertence. E ainda, de acordo como Choppin (2004, p. 553), o livro didático assume quatro funções essenciais que variam conforme: a época; a disciplina; a metodologia de ensino; e o nível de escolaridade. A primeira função é denominada referencial, nela o livro escolar é um sustentáculo de conteúdos criados por uma camada da sociedade que julga o que é necessário. O conhecimento 14 No decorrer deste estudo utilizaremos o termo livro didático e manual didáticas como sinônimos, embora saibamos que historicamente existem diferenças quando comparados manuais e livros didáticos, aqui utilizamos tais palavras com um recurso linguístico necessário. 37 é visto como um depósito de saberes, habilidades ou técnicas e, geralmente, é realizado por uma equipe de profissionais, educadores especialistas na área de conhecimento específica. A segunda função é instrumental, na qual o livro didático é, basicamente, um meio para expor diversos exercícios com o objetivo de facilitar a sistematização dos conteúdos e seu aprendizado. A terceira função é designada como ideológica e cultural, concepção criada durante o século XIX, e tem o livro escolar como o mediador da cultura, carregado de símbolos nacionais, de uma linguagem específica e de valores admitidos por determinada classe social. A quarta e última função apresenta o livro didático sendo um material com vários tipos de linguagens e que deve proporcionar o desenvolvimento do pensamento crítico. Esta função encontra-se em ambientes escolares que objetivam a autonomia das crianças e adolescentes, e exigem dos docentes uma formação qualificada. Todas as funções expõem o caráter sociocultural deste material que em diferentes períodos históricos, representou e reproduziu os valores da sociedade, com suas múltiplas formas de ensino (MANTOVANI, 2009). Por isso, podemos afirmar que o livro didático exerce uma ação direta na formação cultural dos jovens. É por meio dele que, em alguns casos, tem-se o primeiro contato com o universo da escrita e acesso a outras histórias e culturas. Embora seus conteúdos possam reafirmar ou reproduzir formas de dominação e de relações de poder, conforme a sua utilização e apropriação podem colaborar para a construção de um conhecimento crítico. Devida a complexidade do livro didático, ele pode ser mais um produto do capitalismo, sendo também uma mercadoria. Deste modo, Sua elaboração (documentação, escrita, paginação, etc.), realização material (composição, impressão, encadernação, etc.), comercialização e distribuição supõem formas de financiamento vultuosos, quer sejam públicas ou privadas, e o recurso a técnicas e equipes de trabalho cada vez mais especializadas, portanto, cada vez mais numerosas (CHOPPIN, 2004, p. 552). O manual didático segue a padronização recorrente a todas as mercadorias, normalizando a linguagem e padronizando determinados conteúdos. O livro didático faz parte de uma indústria editorial que diferencia o livro escolar dos demais livros e o torna fruto do trabalho fragmentado de editores, designers, autores, corretores, entre outros profissionais, os quais fazem parte de uma divisão sofisticada do trabalho envolvida com a confecção da mercadoria livro didático (MUNAKATA, 2012; MEUCCI, 2014). 38 No decorrer do processo produtivo ele adquire valor de troca, o qual se realiza por meio do mercado editorial, sendo constituído por grupos editorais nacionais e internacionais. Tendo em vista ainda o valor mercadológico do livro escolar, devido, sua inserção, cada vez maior, na indústria cultural. Meucci (2014) afirma que o livro didático tem se tornado muito semelhante às revistas semanais, com diversos boxes, ilustrações e colunas, com uma aparência semelhante a materiais de entretenimento. Na indústria editorial brasileira o livro didático recebe uma atenção especial, e tem o Estado como principal comprador destes livros15. O fato indica que as grandes editoras estão atentas a programas como o PNLD e as exigências governamentais para participarem do mesmo. “Em outras palavras, a editora produz livros atendendo aos critérios de aprovação (...) e acaba por abastecer o mercado nacional com esses produtos” (MUNAKATA, 2012, p.61). As relações entre governo federal e editoras não se estabeleceram recentemente, uma vez que "o mercado do livro didático, desde que se constituíram os sistemas nacionais de ensino, conta com a participação [do] (...) Estado" (MUNAKATA, 2012, p.60). Demostrar o caráter econômico do livro didático ao lado do caráter cultural reafirma a complexidade deste objeto, que fornece a possibilidade de compreender a forma de se pensar a aprendizagem em determinado período, as influencias ideológicas exercidas sob este material (MUNAKATA, 2012), e o sentido de determinada disciplina no âmbito pedagógico. Ainda, sob ponto vista pedagógico, o manual didático influencia diretamente a prática docente, tendo o potencial de sistematizar os "conteúdos que devem ser trabalhados em classe e de ser instrumento de apoio para o professor e suporte teórico e prático para o aluno" (MANTOVANI, 2009, p.23). No caso do ensino de Sociologia, o livro didático do PNLD, tem sido comumente enumerado pelos professores de sociologia como um material de apoio, aparecendo nas pesquisas que se dedicam a compreender as práticas pedagógicas ou os sentidos de sociologia atribuídos pelos docentes e discentes (ENGENRROFF, 2017, p.65). 15 Segundo informações do site oficial do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), um estudo realizado em 2016, apontou que dos “(...) mais de 200 milhões de livros didáticos produzidos naquele ano, 147 milhões foram vendidos por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)” (BRASIL, 2018). Disponível em: https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/conhecimento/noticias/noticia/livro-didatico. Acesso em: 15 jan. 2020. Mesmo sem os dados recentes da quantidade de livros didáticos produzidos no Brasil entre 2018 e 2019, o FNDE indica que em 2019 o governo federal adquiriu 24.523.891 de obras didáticas para o Ensino Fundamental para o PNLD 2019, e repôs 20.835.977 exemplares para o Ensino Médio. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-estatisticos. Acesso em: 15 jan. 2020. https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/conhecimento/noticias/noticia/livro-didatico http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-estatisticos 39 É evidente que o livro didático não é a única ferramenta didática existente, contudo é um elemento de considerável relevância para o conjunto dos instrumentos educacionais (CHAPPIN, 2004), principalmente nas escolas públicas e de periferia. O livro didático compõe uma série de funções que são de extrema importância para a pesquisa acadêmica. Não obstante, algumas áreas de estudo ainda o consideram como uma produção intelectual de menor importância, embora saibamos que são demasiados os esforços para pensarmos o livro escolar, o qual é produto da institucionalização de uma ciência. O livro didático é resultado do consenso de determinado campo científico sob sistematização de teorias e conceitos (CHOPPIN, 2004; SARANDY, 2004). Em síntese, considera-se que o livro didático é a tradução de saberes acadêmicos em saberes escolares, que para muitos estudantes das escolas públicas brasileiras, sobretudo de regiões longínquas, são praticamente a única fonte de contato com o conhecimento científico. Assim ao ser destinado a espíritos jovens, ainda maleáveis e pouco críticos, e [que] podem ser reproduzidos e distribuídos em grande número sobre todo um território, os livros didáticos constituíram-se e continuam a se constituir como poderosos instrumentos de unificação, até mesmo de uniformização nacional, lingüística, cultural e ideológica (CHOPPIN, 2004, p.560). No que compete aos docentes, este material se torna um instrumento de trabalho de complementação e informações para o planejamento da prática docente e para o processo de ensino-aprendizagem, além de possibilitar o acesso a autoras/es e teorias científicas. Nesse caso, parte dos docentes de Sociologia que trabalham com a disciplina, formados em outras áreas, tem a possibilidade ampliar e conhecer os conteúdos. Portanto, o livro didático, nos permite compreender o processo de regulamentação em que estão inseridos os livros didáticos de Sociologia, uma vez que difere sensivelmente daquela a que são submetidas as demais produções impressas; regulamentação que é geralmente mais estrita, quer ela se exerça no início (elaboração, concepção, produção, procedimentos prévios de aprovação) ou ao final do processo (modos de financiamento, de difusão, procedimentos de escolha, formas de utilização). O estudo sistemático do contexto legislativo e regulador, que condiciona não somente a existência e a estrutura, mas também a produção do livro didático, é condição preliminar indispensável a qualquer estudo sobre a edição escolar (CHOPPIN, 2004, p.560–561). Analisar o PNLD de Sociologia, por meio do Guia de Livros Didático nos possibilita analisar as opções conceituais e informações do livro didático da disciplina. Contudo, antes de compreendermos os Guias, é de suma importância o estudo do processo de desenvolvimento do PNLD ao longo de pouco mais de trinta anos. 40 2. 2 A criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é uma política educacional que orienta e regulamenta o uso do livro didático no Brasil e implica na mobilização de diversos atores, dentre eles o Estado – que seleciona, compra e distribui livros didáticos; as editoras – que confeccionam as obras didáticas conforme os editais do Programa; os docentes da Educação Básica – que escolhem os livros selecionados previamente pelo Estado; e docentes do ensino superior – que avaliam as os obras selecionadas pelo MEC. Do mesmo modo, o Programa compõe políticas curriculares, orienta a confecção dos conteúdo curriculares e avalia o livro didático de todos os componentes curriculares de diferentes níveis de ensino (BATISTA, 2001; ENGERROFF, 2017). O PNLD é fruto do processo de transformações que convergiu nas relações entre Estado e livro didático. No que compete ao ensino de Sociologia, segundo Engerroff (2017, p.71), entre os anos de 2014 e 2016 houve uma atenção especial para o estudo do livro didáticos de Sociologia, o que impactou na ampliação do mercado editorial. Para compreendermos melhor a formação do PNLD e sua relação com ensino de Sociologia, por meio do livro didático, abordaremos o desenvolvimento do Programa, com foco no processo avaliativo do livro didático, que incentivou a criação do Guia de Livros Didáticos do PNLD. Contextualizando o surgimento do PNLD, faremos uma breve retomada das políticas anteriores ao Programa voltadas ao manual didático. Em 1937, durante o Governo de Getúlio Vargas, criou-se o Instituto Nacional do Livro (INL), integrado ao Ministério da Educação e Saúde dirigido pelo ministro Gustavo Capanema Filho. O INL era o órgão responsável pela distribuição e planejamento de livros em geral – como dicionário e enciclopédia – e divulgação do livro didático. A instituição convergia com os interesses políticos do período em promover a “cultura nacional” e criar uma identidade nacional. A partir de 1938, criou-se a Comissão Nacional do Livro (CNLD), integrada ao INL. A CNLD compunha uma comissão com sete membro escolhidos diretamente pela presidência da república conforme “notório preparo pedagógico e reconhecido valor moral” (BRASIL, 1938, p.2). O objetivo era avaliar e fiscalizar os livros escolares, sendo a finalidade principal da 41 Comissão ser um instrumento de controle político e ideológico do Estado das obras didáticas (FREITAG; MOTTA; COSTA, 1987; HÖFLING, 2000)16. Segundo Rota (2014), a CNLD foi a primeira experiência de padronização do livro didático no Brasil e determinava os materiais caracterizados como livros didáticos, assim temos no Decreto-Lei nº 1.006/1938, Artigo 2º Para os efeitos da [...] lei, são considerados livros didáticos os compêndios e os livros de leitura de classe. § 1º Compêndios são os livros que exponham, total ou parcialmente, a matéria das disciplinas constantes dos programas escolares. § 2º Livros de leitura de classe são os livros usados para leitura dos alunos em aula (BRASIL, 1938, p.1). Com o fim do Estado Novo, em 1945, até a década de 1960 surgiu um ambiente propício para debater as necessidades de transformar a educação, além de ampliar o sistema de ensino (FILGUERAS, 2015). Como resultado, a LDBEN foi reformulada e promulgada em 1961, como tratamos no capítulo anterior. Com a implementação da Ditadura Militar no Brasil (1964-1983) as políticas de vigilância sobre os livros escolares aumentaram, ao mesmo tempo que o MEC realiza a expansão da rede pública de ensino. E em 1966, o MEC criou a Comissão do Livro Técnico e Didático (COLTED) com intenção de destinar verbas para a organização, administração da produção e distribuição e, assim, baratear os custos do livro didático. Uma vez que os altos valores dos livros escolares eram apontados pelo MEC como um dos fatores que levava à evasão escolar (FILGUERAS, 2015, p.89). Para complementar a ação da COLTED, em 1967, criou-se a “Fundação Nacional do Material Escolar - Fename -, por meio da lei n. 5.327. O novo órgão do MEC teria a função de produzir e distribuir materiais escolares e didáticos para as escolas”17 (FILGUERAS, 2015, p. 89). Também em 1967, o Brasil assinou o convênio com os Estados Unidos, denominado MEC/USAID. Na prática foi um acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e a United 16 Cabe lembrar que é neste período a Sociologia compunha o currículo do então Ensino Secundário, existia uma quantidade considerável de compêndios da matéria, assim como indica os estudos de Meucci (2000). 17A FENAME tinha por objetivo baixar os preços dos livros didáticos possibilitando que mais estudantes adquirissem o material. A COLTED era o órgão que controlava o mercado do livro didático e viabilizava aperfeiçoamento das obras por meio de coedições entre governo federal e editoras. No sistema de coedição o MEC por meio do INL atuava como coeditor dos livros didáticos junto as editoras, embora tal sistema tivesse a intenção de agir como censor dos livros didáticos (HÖFLING, 2000, p.163). Restava a FENAME administrar a produção e distribuição do livro didático, sendo um órgão meramente administrativo e que não dispunha de recursos financeiros. 42 States Agency for International Development (USAID) que influenciaria diretamente na reorganização e financiamento da educação básica e no ensino superior. No que compete ao livro didático, o convênio favorecia a contratação de editoras privadas para a confecção dos livros escolares (FILGUERAS, 2015). Conforme Batista (2001), o convênio MEC/USAID, ao financiar o processo de editoração dos livros didáticos, possibilitou a “distribuição de 51 milhões de livros, no período de três anos, e estabeleceu a garantia, pelo MEC, da distribuição gratuita.” (2001, p.48). A distribuição dos livros foi uma forma de garantir a ideologia da segurança nacional inculcada pela ditadura militar na sociedade brasileira. Por volta de 1971, a COLTED foi extinta. Filgueira (2015, p.98), sugere que um dos motivos que levou ao fim da comissão foram as denúncias de corrupção e ineficiência na distribuição dos livros didáticos às escolas. Sua função foi assumida por dois órgãos do MEC: INL e FENAME. A FENAME tornou-se uma “editora do Estado”, que fazia parceria com outras editoras para produção e destruição do livro didático. E em 1976, assumiu a gerência do Programa do Livro Didático (PLID)18, sendo o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FNDE) responsável pelo financiamento do Programas (BATISTA, 2001; FILGUERA, 2014; HÖFLING, 2000). Na década de 1980, momento em que a Ditadura Militar, fragilizada pela inflação e resistências sociais, como por exemplo o movimento das Diretas Já, 1983, enfrentava um processo popular para transição democrática, a FENAME foi substituída pela Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) também vinculada ao MEC. Ainda em 1983, em razão da pressão social advinda das inúmeras críticas da esfera acadêmica ao livro didático do PLID, a FAE criou o Comitê de Consulta para Áreas Didático- Pedagógicas. Os membros do comitê consideravam o PLID um programa que centralizava as decisões sobre o livro escolar. Além de não promover a autonomia dos docentes no momento da escolha das obras didáticas. Uma vez que as Secretarias de Educação, nos estados tinham autoridade para escolherem os livros escolares, e em geral os prazos de entrega dos materiais era desrespeitados (FREITAG; MOTTA; COSTA, 1987, p.9). O comitê elaborou um parecer sobre o PLID e os livros didáticos fornecidos pelo Estado, que apesar do caráter pouco deliberativo, sugeriu mudanças como: a “participação dos 18 O PLID foi criado em 1971 e executado pelo INL, “que procurava coeditar e distribuir livros didáticos para as escolas de 1º e 2º graus, com as editoras privadas”(FILGUERAS, 2015, p. 99). 43 professores na escolha do livro didático” e “a ampliação do Programa” (BATISTA, 2001, p. 49). Em resposta ao Comitê, o MEC propôs: em 1984, o Ministério tornou-se comprador de livros didáticos, e se absteve do processo de edição dos materiais; e em 1985, com base no parecer foi criado o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), por meio do Decreto nº 91.542 (BRASIL, 1985). O PNLD foi uma política pública tecida sob a Nova República19, período posterior à Ditadura Militar. Essa mudança conjuntural propiciou a elaboração de uma nova legislação que viesse criar uma nova política do livro didático. O Programa teve como objetivo alcançar todos os estudantes de escolas públicas, em diferentes esferas governamentais, desde a 1° até 8° série - que correspondem atualmente do 1° ao 9° ano do Ensino Fundamental. As prioridades iniciais do PNLD naquele momento foram: atender as disciplinas de Português e Matemática; garantir que o corpo docente escolhesse o livro didático; e tornar o livro escolar reutilizável (BATISTA, 2001; FREITAG; MOTTA; COSTA, 1987; GRAMOWSKI; DELIZOICOV; MAESTRELLI, 2017). A partir de 1988, o PNLD foi assegurado pela nova Constituição Federal, por meio do Artigo 208, VII, que enfatizou a obrigação do Estado para com a garantia do “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde” (BRASIL, 2016, p. 124). O processo de consolidação do PNLD ocorreu durante a década de 1990, momento em que o Programa passou por mudanças devido à constante preocupação com a qualidade do livro didático. Mas muitos estudos indicavam problemas nas obras didáticas adquiridas pelo Estado em relação à qualidade e os conteúdos, de cunho discriminatório, ideológico, desatualizado, com erros conceituais e problemas metodológicos (BATISTA, 2001). Uma das primeiras mudanças foi a criação, em 1993, de uma comissão de especialistas escolhidos pelo MEC para avaliar os livros didáticos adquiridos em 1991. Os avaliadores produziram um documento denominado “Definição de critérios para a Avaliação dos Livros Didáticos”, o qual abordava os problemas metodológicos e de diagramação para a exclusão de obras inadequadas (BATISTA, 2001; ZAMBON; TERRAZZAN, 2013)20. 19A Nova República foi instalada em 1985, o que indica que o PNLD teve como base os valores democráticos que eram os anseios da sociedade na época. 20 Ainda em 1993, o FNDE tornou-se a instituição de financiamento de projetos educacionais incluindo o PNLD (DI GIORGI et al., 2014), fato importante para a centralização do Programa pelo Estado e para a garantia de recursos públicos que contemplasse as necessidades do PNLD, como por exemplo a contratação de equipes 44 Tal contexto levou, a universalização do PNDL, em 1995, o qual passou a atender todas as séries do Ensino Fundamental com obras didáticas de Língua Portuguesa e Matemática. No mesmo ano a avaliação pedagógica foi implementada oficialmente ao processo de seleção PNLD21 (BATISTA, 2001). As primeiras avaliações iniciaram um processo de modificação do livro didático comprado pelo programa22, e, segundo Zambon e Terrazan (2013, p.588) temos a implementação de mecanismos de avaliação das obras inscritas no PNLD e a universalização da distribuição planejada de livros didáticos no ensino fundamental (mediante uma organização cíclica, instituída em 1996) marcam o estabelecimento de um conjunto de procedimentos para desenvolvimento do PNLD, o que permitiu sua consolidação como programa de distribuição de livros. As avaliações do livro didático resultaram na classificação das obras inscritas no PNLD em: Excluídas - livros escolares que continham graves erros conceituais, dotados de preconceitos, diferentes formas de discriminações e conteúdos ultrapassados; Não- recomendadas – livros com conceitos diminutos que prejudicavam o desenvolvimento didático- pedagógico; Recomendadas com ressalvas – obras com problemas conceituais, mas que poderiam ser administrados pelo docente e não acarretariam problemas à aprendizagem; Recomendados – livros que cumpriam de modo satisfatório os critérios avaliativos (BATISTA, 2001; BRITTO, 2011). Para divulgar a avaliação pedagógica, o MEC criou o Guia de Livro Didático – para as obras de 1ª a 4ª série. O objetivo do Guia era divulgar as obras didáticas Não-Recomendadas, Recomendadas com ressalvas e Recomendadas pelo PNLD, para que os docentes escolhessem23 (BATISTA, 2001). As bases criadas para o desenvolvimento do PNLD, apoiadas na avaliação do livro didático, proporcionaram a ampliação do Programa. E em 1997 as primeiras mudanças foram: a) As inscrições dos livros didáticos para o PNLD via Edital, publicado no Diário Oficial da União; técnicas para analisar os livros didáticos inscritos nos editais do Programa. Com o fim da FAE em 1997, o FNDE ficou responsável pela administração e financiamento do PNLD, função que se mantém na atualmente. 21 Em 1996, implantaram avaliações pedagógicas periódicas apenas para livros didáticos das séries iniciais – de 1° a 4° série (BATISTA, 2019). 22 É importante destacarmos o ano de 1996 como um marco para consolidação o PNLD, uma vez que foi estabelecida a avaliação pedagógica, e também