unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” JOSÉ WILSON DE JESUS SILVA RESISTÊNCIA À CORROSÃO DE LIGAS Ni-Cr-Mo EM MEIOS FLUORETADOS PARA APLICAÇÕES ODONTOLÓGICAS Guaratinguetá 2011 2 JOSÉ WILSON DE JESUS SILVA RESISTÊNCIA À CORROSÃO DE LIGAS Ni-Cr-Mo EM MEIOS FLUORETADOS PARA APLICAÇÕES ODONTOLÓGICAS Tese apresentada à Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, para a obtenção do título de Doutor em Engenharia Mecânica na área de Materiais. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Norberto Codaro Co-Orientador: Prof. Dr. Roberto Zenhei Nakazato Guaratinguetá 2011 3 S586r Silva, José Wilson de Jesus Resistência à corrosão de ligas Ni-Cr-Mo em meios fluoretados para aplicações odontológicas / José Wilson de Jesus Silva. - Guaratinguetá : [s.n.], 2011 129 f.: il. Bibliografia: f. 108 Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, 2011 Orientador: Prof. Dr. Eduardo Noberto Codaro Co-orientador: Prof. Dr. Roberto Zenhei Nakazato 1. Ligas de aço 2. Corrosão I. Título CDU 669.194 4 5 DADOS CURRICULARES JOSÉ WILSON DE JESUS SILVA NASCIMENTO 16.10.1966 – Canto do Buriti / PI FILIAÇÃO Francelina Rosa de Jesus 1989/2000 Curso de Graduação em Engenharia Civil UNESP - Campus de Guaratinguetá 2001/2003 Curso de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica - Mestrado UNESP - Campus de Guaratinguetá 2009/2011 Curso de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica – Doutorado - UNESP - Campus de Guaratinguetá 6 Dedico este trabalho À minha esposa Ray, que sempre me ajudou e me deu apoio nos momentos difíceis. Às minhas filhas Abisag Hadassa, Adna Natalie e Achsah Elisamma que estão sempre me fazendo acreditar em um mundo melhor. A todos aqueles que sempre acreditaram em mim. 7 AGRADECIMENTOS A Deus, porque a Sua Palavra mais uma vez se cumpriu e se fez verdadeira em minha vida. À minha mãe (in memoriam), porque mãe é sempre mãe, mesmo já tendo partido. Ao pastor José Benedito de Almeida e família, pelo apoio antes e durante esta etapa de vitória em minha vida. Aos Professores Orientadores: Eduardo Norberto Codaro e Roberto Zenhei Nakazato, pela paciência, dedicação e principalmente pelo incentivo ao me orientarem, que no decorrer dos trabalhos, da simples relação orientador e orientado, tornou-se admiração e respeito de minha parte, resultando em sólida amizade. Aos professores do DFQ, Hamilton de Felipe, José Marques Luiz, Sandra Aparecida Vestri Alvarenga, Ronaldo Spezia Nunes e Heloisa Andrea Acciari pelo apoio e companheirismo dedicados. À Profª Heloisa Andrea Acciari, pelo apoio e paciência que teve comigo, me explicando e me ajudando nas correções. Aos professores da UNESP/FEG, pela dedicação demonstrada durante a convivência nos cursos por eles ministrados. Ao estagiário Lucas de Toledo Silva, pela ajuda na parte experimental e nas correções nesses últimos meses de finalização da tese. Aos amigos do curso de Pós Graduação, Marinalda Claudete Pereira, Conceição Aparecida Matsumoto Dutra, Nilo Antônio Sampaio, Flávia Cristina Zenith Ferreira e Dimas Luiz Torres pelo incentivo e companheirismo em todas as fases da pesquisa. À seção de pós-graduação, pela amabilidade e diligência nos períodos de matrículas e término dos trabalhos. Às funcionárias da Biblioteca: UNESP/FEG, pela dedicação e paciência nos trabalhos de pesquisa dos periódicos. Agradecimento a todas as pessoas que, de uma forma direta ou indireta, através de um simples sorriso, ou mesmo um bom dia, à troca de informações e discussões, contribuíram com o enriquecimento deste trabalho. 8 Este trabalho contou com apoio financeiro das seguintes entidades: - FAPESP – através dos processos 98/14969-1 e 01/09664-1 - PROPP-UNESP E CAPES – através do programa de bolsas de doutorado. 9 "O sábio fala porque tem alguma coisa a dizer; o tolo, porque tem que dizer alguma coisa”. Platão 10 SILVA, J. W. J. Resistência à corrosão de ligas Ni-Cr-Mo em meios fluoretados para aplicações odontológicas. 2011. 129 f. Tese (Doutorado em Engenharia Mecânica) – Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá, 2011. RESUMO Um grande número de ligas metálicas é usado na Odontologia para fabricação de próteses fixas e removíveis. Na cavidade oral essas estruturas estão expostas a um meio quimicamente adverso, com a saliva sendo o agente mais corrosivo, devido à alta concentração de íons cloreto que são causadores de corrosão localizada. Além disso, soluções contendo íons fluoreto também são frequentemente utilizadas em agentes profiláticos nos tratamentos dentários para prevenir a formação de placas dentárias e o desenvolvimento de cáries. Neste sentido, considerou-se importante investigar o comportamento eletroquímico e a resistência à corrosão de ligas dentárias Ni-Cr-Mo em meio fluoretado tamponado, que simula a agressividade dos colutórios e dos cremes dentários. Para tanto, foram realizados ensaios eletroquímicos de corrosão, em uma solução tampão HF/NaF, de três ligas avaliadas comercialmente (N, W 99 e SB) que se diferenciam com respeito às mudanças nas suas composições químicas, em especial, nos teores de níquel e de cromo. Para maior compreensão da morfologia das ligas estudadas, foi realizada a análise metalográfica, utilizando-se microscopia óptica e microscopia eletrônica de varredura. Para avaliar o comportamento eletroquímico, foram aplicadas técnicas eletroquímicas tradicionalmente utilizadas nas pesquisas de corrosão, tais como: polarização potenciodinâmica (PDS), polarização cíclica (CP) e espectroscopia de impedância eletroquímica (EIS). De acordo com os resultados obtidos, verificou-se o melhor desempenho para a liga N e o pior para W99, apresentando SB um comportamento intermediário. PALAVRAS-CHAVE: Corrosão. Ligas Ni-Cr-Mo. Colutórios. Materiais dentários. Eletroquímica. 11 SILVA, J. W. J. Corrosion resistance of Ni-Cr-Mo alloys in fluoride media for dental applications. 2011. 129 f. Thesis (Doctorate in Mechanical Engeneering) – Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá. ABSTRACT A great number of metal alloys is used in dentistry to manufacture fixed and removable prostheses. In oral cavity these structures are exposed to a chemically adverse environment, with saliva being the most corrosive agent, due to high chloride ions concentration, which are causing localized corrosion. Moreover, solutions containing fluoride ions are also commonly used in prophylactic agents in dental treatments to prevent dental plaque formation and caries expansion. Thus, it was considered important to investigate the electrochemical behavior and corrosion resistance of Ni-Cr-Mo dental alloys in buffered fluoride medium, which simulates aggressiveness of mouthwashes and dental creams. This being so, electrochemical corrosion tests were carried out in a buffer HF/NaF solution of three commercially evaluated alloys (N, W 99 and SB) which are different in relation to changes in chemical compositions, in particular, in nickel and chromium content. For a better understanding of the studied alloys morphology, it was performed metallographic analysis, by using optical microscopy and scanning electron microscopy. In order to evaluate the electrochemical behavior, it was applied electrochemical techniques traditionally used in corrosion research, such as: potentiodynamic polarization (PDS), cyclic polarization (CP) and electrochemical impedance spectroscopy (EIS). According to the obtained results, it was observed the best performance for N alloy and the worst for W 99, with SB presenting and intermediate behavior. KEYWORDS: Corrosion. Ni-Cr-Mo Alloys. Mouthwash. Dental materials. Electrochemistry. 12 LISTA DE FIGURAS FIGURA 2.1 - Prótese parcial unitária fixa : a) vista lateral; b) corte transversal........24 FIGURA 2.2 - Prótese parcial removível......................................................................24 FIGURA 2.3 - Prótese removível…………………………………..............................25 FIGURA 2.4 - Simplificação de medida de potencial em circuito aberto.....................35 FIGURA 2.5 - Curvas esquemáticas da evolução do potencial em circuito aberto com o tempo..........................................................................................37 FIGURA 2.6 - Curvas de polarização potenciodinâmicas para ligas com diferentes comportamentos eletroquímicos: (1) passiváveis; (2) pseudo-passiváveis; (3) não-passiváveis.......................................38 FIGURA 2.7 - Simplificação do processo de levantamento das curvas de polarização.............................................................................................39 FIGURA 2.8 - (a) Perturbação de potencial/tempo e (b) resposta de corrente/potencial obtidos na técnica de voltametria cíclica.................40 FIGURA 2.9 - Diagrama de Nyquist para um sistema eletroquímico simples.............41 FIGURA 2.10 - Diagrama de Bode e circuito equivalente de uma interface eletroquímica simples..........................................................................43 FIGURA 2.11 - Circuitos Equivalentes Diagrama de Bode Experimental (Δ) e Simulado (⎯)......................................................................................44 FIGURA 2.12 - Modelo Físico-químico…...................................................................46 FIGURA 2.13 - Diagrama de Bode: efeito da espessura do filme no módulo..............47 FIGURA 2.14 - Diagrama de Bode: efeito da espessura do filme na fase....................47 FIGURA 2.15 - Variação da capacitância e da resistência com o tempo de exposição.............................................................................................48 FIGURA 2.16 – Circuito Equivalente / Modelo Físico-químico..................................49 FIGURA 2.17 - Diagrama de Bode apresentando duas constantes de tempo (τ=RC)......................................................................................49 FIGURA 2.18 - Modelo Físico-químico…...................................................................50 FIGURA 2.19 - Circuito Equivalente…........................................................................51 13 FIGURA 2.20 - Diagrama de Bode: efeito da fração de área corroída por pite............52 FIGURA 2.21 - Modelo Físico-químico…...................................................................53 FIGURA 2.22 - Circuito Equivalente…........................................................................53 FIGURA 2.23 - Bode apresentando uma segunda constante de tempo nas baixas f devido (1-θ).........................................................................................54 FIGURA 2.24 - Circuito Equivalente / Modelo de Pite Passivo...................................54 FIGURA 2.25 - Circuito Equivalente / Modelo de Pite Ativo......................................55 FIGURA 2.26 - Circuito Equivalente e Função de Transferência................................56 FIGURA 2.27 - Diagrama de Nyquist apresentando um semicírculo indutivo............56 FIGURA 2.28 - Diagrama de Bode revelando o comportamento indutivo...................57 FIGURA 2.29 - Circuito Equivalente e Diagrama de Nyquist......................................58 FIGURA 3.1 - Fluxograma para obtenção e estudo das ligas.......................................59 FIGURA 3.2 - Célula eletroquímica convencional termostatizada de vidro borosilicato...........................................................................................64 FIGURA 3.3 - Eletrodo de trabalho utilizado na célula convencional.………..……...65 FIGURA 3.4 - pHmetro DIGIMED modelo DM20 com eletrodo combinado de vidro…………………………………………………………………..66 FIGURA 3.5 - Politriz STRUERS modelo DP-10 empregada para o polimento mecânico das ligas.................................................................................67 FIGURA 3.6 - Microscópio Nikon Epiphot 200 e câmera Diagnostic Instruments Spot Insight QE, para a Microscopia Óptica........................................67 FIGURA 3.7 - Potenciostato MQPG-01…...................................................................68 FIGURA 3.8 - Equipamento Potenciostato/Galvanostato - EG&G PAR – Modelo 283...........................................................................................68 FIGURA 3.9 - Termostato TECNAL modelo TE-184 (FEG/UNESP), utilizado nas medidas de espectroscopia de impedância eletroquímica..............69 FIGURA 3.10 - Potenciostato Autolab acoplado a um computador............................69 FIGURA 4.1 (a) - Micrografia óptica da superfície da liga N, antes do ataque eletroquímico.......................................................................................71 FIGURA 4.1 (b) - Micrografia óptica da superfície da liga N, depois do ataque eletroquímico.......................................................................................72 14 FIGURA 4.2 (a) - Micrografia óptica da superfície da liga SB, antes do ataque eletroquímico...........................................................................72 FIGURA 4.2 (b) - Micrografia óptica da superfície da liga SB, depois do ataque eletroquímico......................................................................73 FIGURA 4.3 (a) - Micrografia óptica da superfície da liga W 99, antes do ataque eletroquímico......................................................................73 FIGURA 4.3 (b) - Micrografia óptica da superfície da liga W 99, depois do ataque eletroquímico......................................................................74 FIGURA 4.4 - Microscopia Eletrônica de Varredura - Caracterização Microestrutural - Micrografia da liga N...............................................74 FIGURA 4.5 - Espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS) da liga N Região: Partícula escura.......................................................................75 FIGURA 4.6 - Espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS) da liga N – Região: Centro do grão.........................................................................76 FIGURA 4.7 - Microscopia Eletrônica de Varredura - Caracterização Microestrutural - Micrografia da liga N................................................76 FIGURA 4.8 - Espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS) da liga N - Região Cinza clara.........................................................................77 FIGURA 4.9 - Espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS) da liga N - Região Cinza escura...............................................................78 FIGURA 4.10 - Microscopia Eletrônica de Varredura - Caracterização Microestrutural - Micrografia da liga SB............................................79 FIGURA 4.11 - Espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS) da liga SB – Defeito central.....................................................................80 FIGURA 4.12 - Espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS) da liga SB – Matriz..................................................................................80 FIGURA 4.13 - Espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS) da liga SB – Defeito central escuro.................................................................81 FIGURA 4.14 - Micrografia da liga W 99: Defeito central..........................................82 FIGURA 4.15 - Espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS) da liga 15 W 99 – Região: partícula clara............................................................83 FIGURA 4.16 - Espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS) da liga W 99 – Região: Matriz........................................................................83 FIGURA 4.17 - Diagrama binário Cr-Mo.....................................................................84 FIGURA 4.18 - Diagrama binário Ni-Mo.....................................................................85 FIGURA 4.19 - Diagrama binário Ni –Cr.....................................................................85 FIGURA 4.20 - Curvas de potencial em circuito aberto com o tempo das ligas estudadas em solução de NaF 0,08 mol/L...........................................87 FIGURA 4.21 - Curvas de polarização das ligas W 99, N e SB em NaF 0,08 mol/L, pH 4,7.......................................................................88 FIGURA 4.22 - Curvas de polarização dos metais puros cobalto, molibdênio, níquel e cromo em NaF 0,08 mol/L, pH 4,7........................................90 FIGURA 4.23 - Curvas de polarização da liga N e do metal puro cromo em NaF 0,08 mol/L, pH 4,7.......................................................................90 FIGURA 4.24 - Curvas de polarização das liga W 99 e do metal puro níquel em NaF 0,08 mol/L, pH 4,7.................................................................91 FIGURA 4.25 - Curvas de Polarização cíclica obtidas para as ligas N, SB e W 99 em NaF 0,08 mol/L, pH = 4,7.............................................................92 FIGURA 4.26 - Sobreposição das curvas de Polarização cíclica obtidas para as ligas N, SB e W 99 em NaF 0,08 mol/L, pH = 4,7.........................93 FIGURA 4.27 - Figura 4.27 – Gráficos de impedância obtidos para a liga N em meio de NaF 0,08 mol/L, pH 4,7: (a) Formato do plano complexo; (b) Variação do ângulo de fase com a freqüência ; (c) Variação do módulo Da impedância com a frequência.................95 FIGURA 4.28 - (a) Modelo de circuito elétrico equivalente proposto para o ajuste dos gráficos de impedância, representação simplificada; (b) o mesmo modelo em outra configuração mais completa......................96 FIGURA 4.29 - Gráficos de impedância obtidos para a liga SB em meio de NaF 0,08 mol/L, pH 4,7: (a) Formato do plano complexo; (b) Variação do ângulo de fase com a freqüência ; (c) Variação do módulo da impedância com a freqüência.............................................98 16 FIGURA 4.30 - Gráficos de impedância obtidos para a liga W 99 em meio de NaF 0,08 mol/L, pH 4,7: (a) Formato do plano complexo; (b) Variação do ângulo de fase com a freqüência ; (c) Variação do módulo da impedância com a frequência..................99 FIGURA 4.31 - Gráficos de EIS obtidos no formato do plano complexo para a liga N em meio de NaF 0,08 mol/L, pH 4,7, variando-se o período de imersão............................................................................102 FIGURA 4.32 - Gráficos de EIS obtidos no formato do plano complexo para a liga W 99 em meio de NaF 0,08 mol/L, pH 4,7, variando-se o período de imersão......................................................103 FIGURA 4.33 - Gráficos de EIS obtidos no formato do plano complexo para a liga SB em meio de NaF 0,08 mol/L, pH 4,7.................................104 17 LISTA DE TABELAS TABELA 3.1 - Composição das ligas utilizadas no trabalho........................................60 TABELA 3.2 - Áreas dos corpos de prova utilizados nas medidas..............................64 TABELA 4.1 - Parâmetros quantitativos obtidos a partir das curvas de Polarização.......................................................................................92 TABELA 4.2 - Resultados dos ajustes dos espectros de impedância obtidos para N, SB e W 99 em meio de NaF 0,08 mol/L, pH 4,7.......100 TABELA 4.3 - Resultados dos ajustes dos espectros de impedância para a liga N variando-se o período de imersão.............................................102 TABELA 4.4 - Resultados dos ajustes dos espectros de impedância para a liga W 99 variando-se o período de imersão .............................................104 TABELA 4.5 - Resultados dos ajustes dos espectros de impedância para a liga SB variando-se o período de imersão..........................................105 18 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CST Corrosão Sob Tensão EDS Espectroscopia por dispersão de energia de raios-X SEM Microscopia Eletrônica de Varredura EIS Espectroscopia de Impedância Eletroquímica ECS Eletrodo de Calomelano Saturado FEG Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá MO Microscopia óptica UNESP Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho pH Potencial Hidrogeniônico BEGO Bremer Goldschlägerei Al Alumínio Ni Níquel Cr Cromo Ti Titânio Mo Molibidênio Be Berílio Co Cobalto N Nichrom SB Superbond W 99 Wiron 99 Cr2O3 Óxido de cromo OCP Potencial em Circuito Aberto CP Polarização Cíclica PDS Polarização Potenciodinâmica 19 LISTA DE SÍMBOLOS A Área geométrica (cm2) B Constante de velocidade associada à dissolução do filme C Capacitância C0 Capacitância do filme existente no tempo t=0 Cdl1 Capacitância da dupla camada elétrica Cfilme Capacitância do filme Cg Capacitância Chf Capacitância interfacial metal/filme/eletrólito Clf: Capacitância interfacial CPE ou Q Elemento de fase constante Cp Corpo de prova Cpit Capacitância associada ao pite Cs Capacitância do filme Ct Capacitância total de espessura (cm) F Fração de área corroída por pite (1-θ). jcorr Densidade de corrente de corrosão K Constante P Pressão (Pa) ρ’(d) Resistividade (ohm cm) R Resistência Rp Resistência de Polarização RS Resistência da Solução Rct Resistência de transferência de carga (Rct > Rp) Rhf Resistência do eletrólito no poro do filme e na lamela do substrato Rlf Resistência de transferência de carga Rp Resistência de polarização (limω→0Z(jω)) 20 Rpit Resistência no pite Rs Resistência do eletrólito RΩ Resistência ôhmica do eletrólito RΩ,por Resistência ôhmica dos poros t Tempo ZSR Impedância faradaica. Zimag Componente imaginária da impedância Zreal Componente real da impedância ZW Impedância de Warburg Z Impedância ( ) ZL(jω) Impedância do filme Zcorr(jω) Impedância do processo de corrosão W Linha de transmissão α fase da liga β fase da liga βA Constante de Tafel anódica βA Constante de Tafel catódica ε Constante dielétrica do filme ε0 Permitividade do vácuo (8,854x10-14 F cm-1) θ ângulo de obtenção do raio-x ω freqüência do sinal senoidal ≈ Aproximadamente Θ O elemento de fase 21 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................21 1.1 Objetivo do trabalho................................................................................................22 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA...............................................................................23 2.1 Características Físico-Químicas das ligas dentárias................................................23 2.2 Técnicas eletroquímicas..........................................................................................35 2.2.1 Medidas de potencial em circuito aberto..............................................................35 2.2.2 Potencial em circuito aberto com o tempo (Eca)..................................................35 2.2.2.1 1º Caso: o material sem filme............................................................................36 2..2.1.2 2º Caso: o material com filme..........................................................................36 2.2.3 Curvas de polarização potenciodinâmicas (CP)...................................................37 2.2.4 Levantamento de curvas de polarização...............................................................38 2.2.5 Voltametria cíclica (VC)......................................................................................39 2.2.6 Espectroscopia de Impedância Eletroquímica......................................................40 2.3.7 Processos de corrosão em presença de um filme..................................................45 2.3.7.1 Filme com estrutura não porosa........................................................................45 2.3.7.2 Filme com estrutura porosa ou com pites.........................................................50 3. MATERIAIS E MÉTODOS...................................................................................59 3.1 Materiais..................................................................................................................59 3.1.1 Eletrólitos.............................................................................................................60 3.2 Métodos...................................................................................................................61 3.2.1 Ensaio de imersão................................................................................................62 3.2.2 Microscopia óptica (MO).....................................................................................63 3.3 Ensaios eletroquímicos............................................................................................63 3.3.1 Eletrodos...............................................................................................................64 3.4 Equipamentos..........................................................................................................65 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................................................70 4.1 Técnicas não eletroquímicas....................................................................................70 4.1.1 Microscopia óptica (OM).....................................................................................70 4.1.2 Diagramas de fases...............................................................................................84 22 4.2 Técnicas eletroquímicas.......................................................................................86 4.2.1 Medidas de potencial em circuito aberto (OCP)...............................................86 4.2.2 Curvas de polarização potenciodinâmica (PDS)..............................................87 4.2.3 Curvas de polarização cíclica (CP)...................................................................91 4.2.4 Espectroscopia de impedância eletroquímica (EIS).........................................94 4.2.4.1 Ensaios de impedância variando-se o tempo de imersão.............................101 5. CONCLUSÕES..................................................................................................106 6. REFERÊNCIAS.................................................................................................108 APÊNDICE.............................................................................................................120 21 1. INTRODUÇÃO Ligas metálicas não-ferrosas são frequentemente usadas na Odontologia para fabricação de próteses fixas e removíveis. Na cavidade oral essas estruturas são expostas a um meio quimicamente adverso, sendo a saliva o agente mais corrosivo devido à alta concentração de íons cloreto que são causadores de corrosão localizada. Um outro fator muito importante é o pH, que pode variar de 2 a 11, dependendo do alimento ingerido. Fluoreto de sódio e outros fluoretos são frequentemente utilizados como agentes profiláticos em tratamentos dentários para prevenir a formação de placas dentárias e o desenvolvimento de cáries. O flúor está presente em todos os cremes dentários de uso geral que estão no mercado. Apesar de ser benéfico, ele deve ser usado ou ingerido na dosagem correta, para que não resulte em efeitos nocivos à saúde. Os cremes, géis e os enxaguatórios bucais (colutórios) não são as únicas fontes de flúor existentes, às quais a população tem acesso. Os governos estaduais e o governo federal, por meio de programas de prevenção da cárie dental, utilizam métodos para fazer chegar o flúor a toda a população, inclusive à mais carente, com o objetivo de reduzir a incidência de cárie. Por exemplo, temos: • Adição de flúor à água de abastecimento público (água fluoretada); • Adição de flúor ao leite (geralmente em programas alimentares em escolas públicas) sob a forma de comprimidos ou gotas; • Distribuição gratuita de escovas e cremes dentais. Contudo, a ação profilática pode ter como efeito colateral a corrosão dos materiais metálicos, causada pelo fluoreto. O atrito dos alimentos e a infiltração de saliva contendo fluoreto na estrutura que sustenta o implante, nas coroas e nas pontes são as causas dos ataques corrosivos. Devido às grandes campanhas publicitárias, tem 22 ocorrido aumento na utilização de colutórios contendo fluoretos para a prevenção de cáries dentárias. Fluoretos atacam metais reativos como o titânio, especialmente em meio ácido, causando corrosão devido à destruição de sua passividade e diminuição de propriedades mecânicas. Os colutórios possuem ação química sobre os dentes auxiliando a higiene no restabelecimento ou na manutenção da saúde bucal, pois são soluções anti-sépticas de grande valia como complementação da higiene bucal mecânica. Entretanto, as influências de suas composições e do pH no comportamento da resistência à corrosão das ligas dentárias precisam ser investigadas em meios mais próximos do real. 1.1 Objetivo do trabalho Estudar a influência dos íons fluoreto no comportamento eletroquímico e na resistência à corrosão das ligas dentárias Ni-Cr-Mo num meio ácido que simula uma das condições mais agressivas dos cremes e colutórios dentários (ISO 11.609, 1995; PORTARIA Nº 21, 1989). 23 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 Características Físico-Químicas das ligas dentárias. A perda da estrutura dentária é uma preocupação antiga na Odontologia devido aos malefícios estéticos, funcionais, fonéticos, nutricionais, de saúde e até psicológicos, causados ao ser humano, que comprometem a qualidade de vida. Por isso a Odontologia tem estado em busca contínua para desenvolver técnicas e biomateriais restauradores que devolvam, além da estética dos elementos dentários perdidos, as funções naturais dos dentes. Historicamente, uma grande variedade de materiais tem sido empregada para substituição de dentes naturais, inclusive osso, dentes de animais, dentes humanos, marfim, conchas marinhas, cerâmicas e metais. Atualmente, os quatro principais grupos dos materiais dentários utilizados para confecções das próteses são as ligas metálicas, as cerâmicas, os polímeros e as resinas compostas (ANUSAVICE, 2005). As próteses dentárias podem ser sustentadas por dentes (prótese parcial unitária fixa, Figura 2.1, e removível, Figura 2.2), implantes (prótese total, parcial e unitária) ou apenas por mucosa (prótese total). De acordo com a necessidade clínica e disponibilidade financeira dos pacientes, determina-se o material com que as próteses serão confeccionadas, podendo ser metaloplásticas, metálicas, metalocerâmicas, cerâmicas ou plásticas. 24 Figura 2.1 – Prótese parcial unitária fixa: a) vista lateral; b) corte transversal. Figura 2.2 – Prótese parcial removível. Os materiais utilizados na aplicação dentária são classificados em dois grandes grupos: ligas de metais nobres e ligas de metais básicos. No primeiro caso, o ouro é sempre o componente em maior percentual com pequenas quantidades de prata, cobre, platina, paládio e zinco (MONDELLI, 1995). No segundo caso, as ligas apresentam formulações níquel-cromo e cobalto-cromo competindo em propriedades mecânicas com as ligas de ouro convencionais. As ligas de metais básicos empregadas na fabricação de próteses parciais foram introduzidas nos anos de 1930. Desde essa época têm-se tornado cada vez mais 25 populares, competindo em propriedades mecânicas com as ligas de ouro convencionais. As vantagens óbvias das ligas de metais básicos são sua densidade e os custos reduzidos. Por essas razões, tanto as ligas de níquel quanto as de cobalto têm substituído amplamente as ligas de metais nobres para próteses parciais removíveis e fixas (ANUSAVICE, 1998). Entre estas, as ligas à base de Ni-Cr merecem uma atenção especial devido ao seu baixo custo, à sua versatilidade e vasta aplicação, que vai desde o uso como restaurações metalocerâmicas, pinos intra-radiculares, coroas a próteses parciais removíveis. Um dos fatores mais importantes que determinam a utilização de uma liga metálica para a confecção de prótese, Figura 2.3, é a sua resistência à corrosão (FRANKER, 1987; LECLERC, 1987). Ligas de metais não preciosos estão sendo utilizadas devido aos baixos custos e às propriedades mecânicas adequadas. Figura 2.3 - Prótese removível. Nos anos de 1960, ligas básicas como níquel-cromo (Ni-Cr) foram desenvolvidas. Basicamente, essas ligas são compostas de 68% a 80% de Ni e de 12% a 27% de Cr (BARAN, 1983), mas é necessária a adição de outros elementos para garantir a obtenção de alta resistência mecânica e adequada resistência à corrosão, além da facilidade de amoldamento e ligação com porcelanas. Molibdênio, ferro, 26 alumínio, silício, berílio, cobalto, carbono, nióbio e titânio são os elementos de ligas mais frequentemente utilizados (BARAN, 1983; ASTM, 1990). A presença de cromo aumenta a resistência à corrosão das ligas em soluções salinas, típicas de meios fisiológicos, com a formação de uma camada superficial de óxidos, principalmente óxidos de cromo (SCHULTZE; LOHRENGEL, 2000; SCHMUKI, 2002). A espessura dessa camada é tipicamente de alguns nanômetros, o que é suficiente para atuar como barreira protetora entre a superfície metálica e o meio agressivo. O filme passivo retarda a velocidade de dissolução dos metais, dificultando a transferência de íons do metal para a solução. A reação do tecido humano para espécies iônicas dissolvidas pode variar de uma simples alergia a uma perturbação severa na região adjacente à prótese (MILOSEV; STREHBLOW, 2000). A maioria dos estudos sobre corrosão de ligas dentárias é efetuada em meio de saliva artificial (HUANG, 2002, 2003; RECLARU et al. 2004; DUFFÓ; CASTILLO, 2004; ESCHLER, et al. 2005). Existem poucos registros de estudos de corrosão utilizando soluções salinas para simular as condições agressivas da cavidade oral. Sun et al. (2002) utilizaram soluções de NaCl (0,9% e 0,09%) como meios para o estudo da corrosão em ligas dentárias nobres e preciosas, utilizando as técnicas de potencial em circuito aberto e polarização potenciodinâmica. Lucas et al. (1991) utilizaram solução de NaCl 0,9% como meio in vitro para o estudo de resistência à corrosão de ligas de Co-Cr e Ni-Cr através de técnicas eletroquímicas. Geis-Geistorfer, Sauer e Passler (1991) analisaram a corrosão de várias ligas Ni-Cr-Mo e Co-Cr-Mo por perda de massa em solução NaCl 0,1 mol/L durante cinco semanas. Sharma, Kumar e Sengh (2008) estudaram o comportamento corrosivo de ligas para implantes dentários em solução de NaCl 3% utilizando técnicas eletroquímicas como estrapolação de Tafel, polarização cíclica e espectroscopia de impedância eletroquímica. 27 Schiff et al. (2004) estudaram a influência de colutórios fluoretados na resistência à corrosão de ligas de titânio usadas na fabricação de fios ortodônticos, utilizando técnicas eletroquímicas. Tais técnicas indicam que os colutórios apresentam maior agressividade que as salivas artificiais isentas de fluoreto. No entanto, a resistência à corrosão parece depender de uma complexa relação entre composição da liga, concentração de fluoreto e pH do colutório. Al-Mayouf et al. (2004), analisando o comportamento corrosivo das ligas de titânio, observaram altas taxas de corrosão em soluções neutras com menores teores de fluoreto e em soluções ácidas com baixos teores de fluoreto. Segundo os autores, o aumento na concentração de fluoreto leva a uma diminuição na espessura e aumento da porosidade na camada de óxidos, que reduz sua proteção à corrosão. Rezende et al. (2007) avaliaram o efeito de três colutórios comerciais na resistência à corrosão de uma liga Ti-10Mo experimental, comparando-a com o comportamento de titânio comercialmente puro. Através de técnicas eletroquímicas, concluíram que a resistência à corrosão depende predominantemente da composição do colutório. Com relação às ligas Ni-Cr-Mo, somente foi encontrada na literatura uma citação não conclusiva de que a solução profilática do fluoreto (pH = 6,5) é um agente reativo e pode causar danos às restaurações metálicas (KEDICI et al., 1998). Nesse contexto, resulta importante aprofundar o conhecimento sobre a reatividade de ligas Ni-Cr-Mo em meios aquosos ácidos contendo íons fluoretos que simulam cremes, géis e colutórios. Segundo Mondelli (1995), a composição básica das ligas comerciais existentes à base de Ni-Cr é de 62,5 a 80% de níquel e 12 a 23% de cromo. É importante ressaltar que o principal responsável pela resistência à corrosão é a formação de uma camada de óxidos nas ligas em estudo, o que se deve à quantidade elevada de cromo e molibdênio (HUANG, 2002). A resistência e a biocompatibilidade de algumas ligas em meios orais são de fundamental importância devido à possibilidade da formação de produtos alérgicos, tóxicos ou mesmo produtos de corrosão carcinogênicos (EFTEKHARI, 2003). A interação destes materiais com os fluidos do corpo humano e outros pode favorecer as degradações de seus constituintes. É fato comprovado que as doenças que acometem a cavidade bucal são de origem infecciosa e o uso de produtos para higiene bucal contendo alta concentração de íons fluoreto e diferentes valores de pH têm 28 aumentado muito nos últimos anos. Todavia, alguns profissionais relutam em empregar os agentes antimicrobianos em seus pacientes, às vezes, por desconhecimento dos efeitos que os mesmos podem ocasionar ou por apresentarem resolução clínica mais eficaz para o caso. Segundo Baran (1983), ligas à base de níquel-cromo e cromo-cobalto, chamadas de ligas alternativas, começaram a se difundir devido ao alto custo das ligas de ouro, e a partir de então foram feitos vários questionamentos com respeito às propriedades físicas e mecânicas dessas ligas. Somente baixo custo e boas propriedades mecânicas não devem justificar a utilização dessas ligas. Morris et al. (1992) sugeriram uma classificação baseada nas propriedades químicas e no valor econômico. Consideraram como sendo ligas de metais nobres aquelas com resistência à oxidação e reações químicas com o meio bucal; e à base de metais preciosos aquelas classificadas devido ao seu valor econômico. Segundo Phillips (1993), a formulação da maior parte das ligas não preciosas utilizadas atualmente baseia-se no sistema de Ni-Cr, provavelmente devido à semelhança de características de expansão com as ligas de ouro e também pelo tipo bastante conveniente de óxidos formados, que é um dos mecanismos responsáveis pela adesão da porcelana ao metal. Além do custo reduzido, as ligas Ni-Cr apresentavam algumas propriedades mecânicas superiores às ligas de metais nobres. Entre essas propriedades, a rigidez ou módulo de elasticidade e a resistência à ruptura duas vezes maior do que outras ligas, o que ampliava o uso desse material para peças protéticas com maior número de elementos. Wataha (2000) informou que entre as ligas dentárias existentes no mercado a propriedade mais relevante da liga para a segurança biológica é a resistência à corrosão. A toxidade sistêmica e local, alergia, etc., resultam de elementos liberados pela liga dentro da boca durante o processo de corrosão. A ocorrência de efeitos tóxicos locais é de alto risco, embora não bem documentada na literatura. Vários elementos químicos, como o níquel e o cobalto, têm potencial de causar alergia relativamente alta, mas o verdadeiro risco de usar ligas contendo esses elementos continua indefinido. Para minimizar riscos biológicos, dentistas devem selecionar ligas que tenham a mais baixa liberação de elementos químicos, ou seja, a menor corrosão. 29 Esse objetivo pode ser alcançado dando preferência a ligas nobres com fase única. O diagrama de fase binária para o sistema Ni-Cr mostra uma extensa solubilidade sólida do cromo no níquel. O cromo fornece uma resistência à corrosão e o endurecimento da solução sólida, enquanto outros aditivos são usados para fornecer mais endurecimento da solução sólida ou formação de precipitados (BARAN, 1983). Segundo Riesgo, Vasques e Duffó (1996), as ligas de Ni-Cr são amplamente empregadas na odontologia devido à sua alta resistência à corrosão no meio oral, à sua adequada aderência à cerâmica e à sua aceitável biocompatibilidade. No sistema Ni-Cr-Mo, o níquel é o metal base, sendo fundamental na formação de solução sólida com o cromo. O cromo possui a função de criar uma camada óxida passivadora, o que assegura a resistência à corrosão da liga. Em ação com outros elementos, ele age como endurecedor na solução sólida, elevando as propriedades mecânicas da liga. Além do cromo, outros elementos de liga são utilizados como endurecedores efetivos na solução sólida, tais como o molibdênio, o tungstênio, o ferro, o cobre e o berílio. O molibdênio é preferido para reduzir a ductilidade das ligas. O silício, em até 3,5%, tem a função de aumentar a ductilidade da liga. Embora o berílio seja um endurecedor e promova o refino da estrutura granular, a principal função desejada na sua adição é a redução na temperatura de fusão da liga (ANUSAVICE, 2005). Sendo o desenvolvimento da cárie dentária decorrente do acúmulo de bactérias sobre os dentes e da ingestão frequente de açúcar, uma das medidas primárias para o seu controle seria a remoção periódica da placa dentária bacteriana. Entretanto, a medida de maior impacto tem sido atribuída ao uso abrangente de flúor, sob várias formas de utilização. A saliva, por apresentar cálcio e fosfato, os principais minerais componentes da estrutura cristalina dos dentes, protege naturalmente tanto o esmalte como a dentina. Por outro lado, essa propriedade biológica da saliva é dependente do pH. Assim, variações de pH determinarão o limite da capacidade de proteção da saliva, e considerando-se que nos dias atuais as pessoas estão expostas ao flúor, seja pela ingestão de água ou pelo uso de dentifrícios fluoretados, a presença constante de flúor pode mudar nas propriedades da saliva dependendo do pH (CURY, 2001). 30 Geis-Gerstorfer e Greener (1989) investigaram a corrosão galvânica nas próteses confeccionadas em ligas de níquel-cromo em contato com os implantes de titânio, medindo através de análises de soluções eletrolíticas e cálculos de curvas de densidade em acordo com a lei de Faraday, chegando-se à conclusão de uma diferença na corrosão sofrida entre várias ligas de níquel-cromo em contato com o titânio. Wataha et al. (1998) estudaram o efeito do pH sobre a superfície das ligas, expondo ligas nobres e não nobres em soluções ácidas, variando o pH de 1 a 7. Por meio desse estudo eles concluíram que ligas nobres apresentam boa resistência à acidez, permanecendo intactas; contudo, ligas à base de níquel liberaram alta quantidade do metal referido durante sua exposição ao pH ácido, com variação de 1 a 4. Wataha (2000) também estudou as propriedades da biocompatibilidade em ligas dentárias, concluindo que para a minimização dos riscos biológicos o profissional deve selecionar as ligas dentárias com baixa corrosão. Isto pode ser conseguido através do uso de ligas nobres ou seminobres com fase simples na microestrutura. No entanto há exceções, e a escolha da liga deve ser feita caso a caso, usando como base as informações sobre sua corrosão e biocompatibilidade fornecidas pelo fabricante. Os estudos a respeito dos materiais dentários levam sempre a um denominador comum, que é o de apresentar biofuncionalidade. A escolha da liga que fará parte da estrutura metálica da prótese é baseada em vários fatores, dentre os quais podemos citar: biocompatibilidade, facilidade de fusão, fundição, soldagem, polimento, pouca contração na solidificação, boa resistência ao desgaste e deflexão e resistência à corrosão. Estes fatores limitam o uso de ligas para próteses dentárias, e a escolha específica da aplicação deve ser cuidadosamente determinada por profissionais competentes (WATAHA, 2002). Devido à elevada dureza, as ligas Co-Cr e Ni-Cr são difíceis de ser polidas mecanicamente. O fator responsável por isso é a adição de Cr, que, embora aumente a resistência à corrosão, aumenta a dureza. O seu baixo custo, comparativamente ao das ligas de metais nobres, é, porém, um fator decisivo para a escolha desse material pela maioria dos profissionais de odontologia (CRAIG, 1996; MOFFA, 1977). 31 Diversos estudos têm sido realizados para avaliar o efeito de cada elemento químico nas propriedades da liga metálica: A adição do Ni às ligas de Co-Cr promove redução na temperatura de solidificação e reduz a contração das mesmas (EARNSHAW, 1960). A adição de Cr aumenta a dureza (MOFFA, 1977) e a resistência à corrosão (CRAIG, 1996). O Be cria camada de óxido não uniforme nas ligas de Ni-Cr (BUMGARDNER, 1993). A adição de Si aumenta a fluidez (CRAIG, 1996). A adição de Mo aumenta a resistência à corrosão (ANUSAVICE, 1998). Segundo Huang (2002), as ligas Ni-Cr-Mo com maior teor de Cr (≈21%) e Mo (≈8%) tiveram uma faixa passivada muito maior na curva de polarização e foram imunes à corrosão por pite devido à presença de altos teores de Cr (máximo ≈ 31-35%) e Mo (máximo ≈ 12%) no filme passivo da superfície. Para McCabe (1990), ligas usadas para trabalhos de coroas e pontes devem ser duras. Tanto as ligas Ni-Cr como as ligas de ouro têm propriedades mecânicas adequadas, com rigidez maior para as ligas Ni-Cr, sendo uma vantagem para as pontes, principalmente para aquelas com grandes vãos. De acordo com Hoar e Mears (1966), aços inoxidáveis e ligas à base de níquel provavelmente não resistem indefinidamente a falhas por pite quando expostas a fluidos corporais (ou outros meios contendo cloreto). Laurent et al. (2001) compararam a resistência à corrosão de ligas dentárias em uma solução contendo bactérias orais chamadas Actinomyces viscosus e investigaram o comportamento eletroquímico de dois tipos de ligas dentárias, a saber, ligas Ni-Cr e ligas à base de ouro. Matkovic, Matkovic e Malina (2004), a fim de determinar a região de melhor característica para a aplicação biomédica, pesquisaram a influencia da adição de Ni e Mo na microestrutura e nas propriedades de ligas Co-Cr fundidas. 32 Iwama e Preston (1997) ligaram o titânio elementar puro com cobalto e cromo diluído em 4%, 5% e 6% para avaliar a adequação da liga resultante para estruturas de próteses parciais removíveis. As propriedades físicas das ligas de Co-Cr-Ti foram comparadas com as propriedades do titânio comercialmente puro e do vitálio. Johansson, Lucas e Lemons (1989) investigaram o comportamento da corrosão de ligas de cobre, níquel e ouro comercialmente disponíveis para a fundição dentária usando curvas de polarização e ensaios de imersão em saliva artificial. Von Fraunhofer (1997) apresenta uma breve visão da teoria da corrosão e da formação de pares galvânicos, seguida por uma discussão sobre metais e ligas usadas para a fabricação de aparelhos e dispositivos odontológicos. Células galvânicas podem ser criadas quando próteses feitas de ligas de cobalto-cromo são colocadas em dentes com restaurações metálicas. O poder de tais células foi avaliado em um ensaio in vitro utilizando amálgamas galvânicas, liga de ouro e níquel-cromo (GJERDET, 1980). Bayramoglu et al. (2000) determinaram os efeitos do pH do meio bucal na corrosão de metais e ligas dentárias com diferentes composições, usando métodos eletroquímicos. A dissolução dos íons ocorreu em todos os estados dos pH’s testados. Kocijan et al. (2004) realizaram um trabalho com o objetivo de prover um melhor entendimento da biocompatibilidade de ligas à base de cobalto no meio fisiológico. Como o número e em especial a diversidade em tipos e composições de ligas usadas na odontologia estão aumentando, reforçando assim a necessidade de ensaios prévios de corrosão, Holland (1991) usou 18 tipos diferentes de ligas dentárias, aplicando polarização anódica dentro de uma faixa de potencial de –700 mV a 1000 mV (SCE) e usando saliva artificial e solução de sulfeto de sódio como eletrólito. Svistanova (1994) considerou o efeito dos elementos de base (Mo, Cr), ligantes (V, Nb, Fe, W, Ti), e de impureza (C, Si, P, Fe) sobre as transformações de fase e estruturais nas ligas de Ni-Mo e Ni-Cr. Com base nas regularidades observadas, regras gerais foram formuladas para o desenvolvimento de ligas à base de níquel resistentes à corrosão, deformáveis e soldáveis com uma combinação de propriedades exigidas. 33 Sharma, Kumar e Sengh (2008) estudaram várias ligas dentárias, tais como Ni-Cr, Co- Cr, Cu-Ni-Al e titânio comercialmente puro em meio de NaCl 3% usando Tafel, polarização cíclica e microscopia eletrônica de varredura. Betova et al. (2002) apresentaram um modelo cinético generalizado de dissolução transpassiva das ligas industriais à base de níquel em soluções de cloreto com uma faixa de pH variando de 2 a 7. Os procedimentos de acabamento superficial de ligas dentárias, segundo Kaneko et al. (2000), podem influenciar o seu comportamento eletroquímico, que é usado para avaliar sua resistência à corrosão. Souza et al. (2000) investigaram a microestrutura e a dureza de uma liga de Ni- Cr em próteses odontológicas soldadas com brasagem e a laser. Para Frankel (1998), a corrosão por pite é localizada em dissolução acelerada do metal que ocorre como resultado de um colapso, assim como a proteção passiva do filme na superfície do metal. A fenomenologia da corrosão por pite foi discutida incluindo os efeitos da composição da liga, meio, potencial e temperatura. As ligas à base de níquel, com mais de 80% de Ni, são altamente sensíveis para todos os tipos de corrosão. Porém, o aumento da concentração de Cr e Mo nas ligas Ni-Cr pode sinergicamente diminuir as taxas de dissolução destes metais e consequentemente diminuir a citotoxicidade destas ligas. Tuna et al. (2009), estudando a influência dos componentes puros nas propriedades eletroquímicas de quatro ligas diferentes de fundição, selecionaram para seu estudo quatro ligas utilizadas em próteses dentárias (Ni-Cr, Co-Cr, Pd, Au). Para isso, foi montada uma célula eletrolítica de polarização potenciodinâmica a 37º C em uma solução de saliva artificial. Os resultados mostraram que as ligas Ni-Cr e Co-Cr possuem potenciais superiores aos encontrados para o níquel puro e o cobalto puro, comprovando a formação de uma camada passivadora pelo óxido de cromo nessas ligas. Para as ligas à base de Pd e de Au, os potenciais encontrados por suas ligas são parecidos com os encontrados para os seus elementos puros. Quanto à liberação de íons, para as ligas à base de Au e Pd a liberação foi cerca de 20 vezes inferior quando comparada com as ligas à base de Ni-Cr e Co-Cr, como esperado. Estudando também a liberação de íons das ligas Ni-Cr, Jones et al. (2010) pesquisaram o comportamento de seis ligas comerciais à base de níquel imersas em 34 solução tampão de fosfato (0,4 g/L de KCl, 0,218 g/L K2PO4, 1,192 g/L NaHPO4) a 37º C por sete dias. As análises indicaram que as diferenças composicionais interferem significativamente na taxa de corrosão e consequente liberação de níquel. A liga que apresentou a pior resistência à corrosão possuía baixo teor de Cr e ausência de Mo, o que revela um papel fundamental do teor de cromo na formação da camada passivadora tanto como a presença do Mo na composição das ligas na formação de seus óxidos. Outras pesquisas costumam avaliar a influência das células e seus componentes no processo corrosivo das ligas para implantes orais. Este método procura simular o ambiente da cavidade oral. Para esta metodologia de estudo, Venugopalan (2005) avaliou a corrosão em soro, soro e antibióticos, microcarregadores e microcarregadores com células cultivadas. Foram utilizadas ligas comerciais Ni-Cr- Mo e Ni-Cr-Be. Os resultados obtidos foram reprodutíveis com 95% de confiança, indicando uma precisão na montagem da configuração ou instalação do ensaio de corrosão e das condições ambientais. Esses estudos preliminares também mostraram que os meios com soro e antibióticos induziram uma taxa significativamente mais elevada de corrosão (nível de confiança de 95%) para ambos os materiais, comparados às demais condições. De todos os constituintes, o carbono é o mais crítico. Pequenas variações na composição deste elemento têm um efeito pronunciado na resistência, dureza e ductilidade da liga. A precipitação de carbetos é um fator importante no aumento de resistência; portanto, se ocorrer a formação em excesso, irá aumentar consideravelmente a fragilidade destas ligas. Portanto, pequenas mudanças na concentração do carbono podem ser um fator importante na alteração das propriedades do material (PHILLIPS, 1993). 35 2.2 Técnicas eletroquímicas 2.2.1 Medidas de potencial em circuito aberto com o tempo A Figura 2.4 representa esquematicamente o arranjo experimental de uma medida de potencial em circuito aberto em que o potenciostato registra Ecorr vs. Tempo para sistemas em corrosão e, no caso de um metal que permanece imune, o multímetro mede o potencial de equilíbrio EeM+n/M. Figura 2.4 – Representação esquemática de medida de potencial em circuito aberto O objetivo desta medida é avaliar a estabilidade de um material metálico num determinado meio aquoso, sem passagem de corrente elétrica. O potencial de corrosão é uma medida da estabilidade e o estudo da sua variação com o tempo de imersão é particularmente importante nos estágios inicias do ensaio. Assim, para um determinado material, o potencial mudará com o tempo conforme mude a concentração iônica na interface eletroquímica. 36 2.2.1.1 1º Caso: o material sem filme No início, a solução está livre de íons do material. A corrosão gera esses íons e outros produtos formados a partir deles, os quais podem acumular-se na interface material/solução. O potencial aumentará até que algum produto da corrosão comece a precipitar sobre a superfície metálica, já que nesse momento a concentração de íons ficará constante num valor determinado pelo produto de solubilidade (Kps). 2..2.1.1 2º Caso: o material com filme No início, o material está passivado e quando imerso, o filme se dissolve. A velocidade de dissolução dependerá da solubilidade do filme no meio e dos coeficientes de difusão dos íons à temperatura de trabalho. A concentração iônica na interface diminuirá e o material voltará ao seu estado ativo. Na Figura 2.5 estão esquematizados os comportamentos de um material em diferentes meios ou, mais frequentemente, de diferentes materiais no mesmo meio. As curvas podem ser interpretadas a priori como: (a) dissolução inicial do filme e corrosão generalizada; (b) espessamento inicial do filme seguido de sua ruptura e corrosão localizada; (c) diminuição da área ativa do material por formação e crescimento de filme. Quanto menor for a diferencia entre o potencial inicial e o final maior é a tendência do material passivar-se. 37 Figura 2.5 – Curvas esquemáticas da evolução do potencial em circuito aberto com o tempo (HOARS; MEARS, 1966). Das curvas mostradas na Figura 2.5, os metais ou ligas que se comportam conforme a curva (c) são os mais resistentes à corrosão. 2.2.2 Curvas de polarização potenciodinâmicas (PDS) Em sistemas aerados e deaerados, a corrosão eletroquímica de um determinado material em um certo meio pode ser estudada qualitativamente, quantitativamente ou de ambas as formas. Por meio destas curvas procura-se estabelecer uma relação entre o tipo de ataque corrosivo que sofre o material e sua resistência à corrosão. A Figura 2.6 representa três situações distintas de corrosão (BABOIAN, 1976): 1) Ligas passiváveis, onde o produto de corrosão reage com a superfície metálica do eletrodo de trabalho, ficando totalmente aderido a esta superfície (passa a fazer parte deste eletrodo). Esse material se interpõe entre a superfície metálica e o meio, assim a velocidade de corrosão é pequena na região de passivação; 2) Ligas “pseudo- passiváveis”, onde parte do produto da corrosão torna-se semi-aderente à superfície metálica do eletrodo de trabalho e parte desse produto passa para o meio. Assim a 38 velocidade de corrosão é maior que no caso de ligas passiváveis; 3) Ligas não- passiváveis, o produto de corrosão não é aderente e nem semi-aderente à superfície metálica do eletrodo de trabalho, passando totalmente para o meio. Como consequência a velocidade de corrosão é maior que no caso das ligas “pseudo- passiváveis”. Figura 2.6 - Curvas de polarização potenciodinâmicas para ligas com diferentes comportamentos eletroquímicos: (1) passiváveis; (2) pseudo-passiváveis; (3) não-passiváveis (BABOIAN, 1976). Na obtenção das curvas de polarização, o potenciostato impõe ao eletrodo de trabalho (ET) um potencial constante com relação ao de referência (ER). Para cada potencial aplicado, é medida a corrente que circula na célula entre ET e o contraeletrodo (CE), Figura 2.7. 39 Figura 2.7 – Representação esquemática do arranjo experimental para uma medida de polarização. 2.2.3 Polarização cíclica (CP) A voltametria cíclica (CP) ou voltametria de varredura linear de potenciais (VVLP) constitui-se em um dos métodos mais adequados para a obtenção de informações sobre a reversibilidade de um sistema, seus potenciais formais, ocorrência ou não de reações acopladas aos processos de transferência de elétrons, bem como sobre a carga elétrica envolvida no processo, e a reprodutibilidade da superfície (MARINO, 1997). Esta técnica é caracterizada pela aplicação de uma variação linear de potenciais entre o eletrodo de trabalho e o de referência, obtendo-se como resposta à corrente que flui entre o eletrodo de trabalho e o auxiliar, em função do potencial. Na voltametria cíclica, é usual partir-se de um potencial inicial (Ei) e varrer o potencial até um potencial final (Ef) mais anódico que Ei e, então, inverter o sentido da varredura retornando-se ao potencial inicial. Para o estudo das reações de redução, faz-se o contrário. A varredura na voltametria pode ser iniciada próxima ao potencial em circuito aberto onde geralmente não se observa processo faradaico até um potencial onde ocorre oxidação ou redução da espécie eletroativa em estudo. As correntes resultantes dos processos de eletrodo, isto é, de modificações da superfície e de reações presentes na interface, são registradas nos voltamogramas e analisadas por modelos cinéticos (MARINO, 1997). A resposta do sistema eletroquímico à 40 perturbação depende da velocidade de varredura e da amplitude do intervalo de potenciais estudados. Por esta razão, a voltametria é uma técnica bastante versátil no estudo de mecanismos de reações e de outras complicações, como a adsorção (SAMPAIO, 2010). A Figura 2.8 mostra de forma genérica a perturbação de potencial/tempo aplicada (a) e resposta de corrente (b) sob a forma I versus E. Os parâmetros como corrente de pico anódico, Ip,a, e catódico Ip,c e os valores de potenciais correspondentes aos máximos de corrente, Ep,a e Ep,c, obtidos a partir dos perfis voltamétricos, são importantes na caracterização do sistema. Figura 2.8 – (a) Perturbação de potencial/tempo e (b) resposta de corrente/potencial obtidos na técnica de voltametria cíclica. 2.2.4 Espectroscopia de Impedância Eletroquímica (EIS) A espectroscopia de impedância eletroquímica é extensivamente usada para o estudo dos mecanismos dos processos de corrosão e inibição de metais e ligas. A técnica permite calcular ou estimar, de uma maneira rápida, a velocidade de corrosão através da medida de Rp, a qual ainda nos mecanismos mais complexos, representa a resistência total da célula eletroquímica. Nas medidas de impedância, uma perturbação no potencial de pequena amplitude, ΔE(ω), é superimposta ao potencial existente entre o eletrodo de trabalho e o de referência, neste caso o potencial de corrosão. Da 41 corrente resultante a esta perturbação ΔI(ω), o valor da impedância [Z(ω)=ΔE(ω)/ΔI(ω)] pode ser calculado : Z(ω)=(⏐ΔE⏐/⏐ΔI⏐)ejθ=⏐Z⏐ejθ (1) com ω=2πf, j=(-1)1/2, θ: diferença de fase entre ΔE(ω) e ΔI(ω) O equipamento utilizado para efetuar medidas de EIS consiste de um analisador de resposta de frequência que gera e recebe o sinal alternado, o qual está acoplado a um potenciostato e ambos interligados a um computador que programa e registra os dados. O gerador produz um sinal da forma [ΔE sen(ωt)] com amplitude usualmente de 10 mV para assegurar a linearidade entre ΔE(ω) e ΔI(ω) (análogo à polarização linear), e frequência variável geralmente entre 100 kHz e 1 mHz. O sinal senoidal é sobreposto ao potencial constante do potenciostato e ambos são aplicados ao sistema em estudo. A resposta da interface eletroquímica do eletrodo ao sinal de estímulo do gerador retorna ao analisador como [ΔI sen(ωt+θ)], o qual calcula, a cada frequência e em forma simultânea, a componente real (Z’) e imaginária (Z”) da impedância do sistema eletroquímico [Z(jω) = Z(ω)’ - jZ(ω)’’], Figura 2.9. -Z” ω(max Z’’) Figura 2.9 - Diagrama de Nyquist para um sistema eletroquímico simples 42 A análise deste gráfico, Figura 2.9, revela que a frequência alcança seu máximo à esquerda no final do semicírculo, onde o mesmo intercepta o eixo real em RΩ. No limite a baixas frequências, a célula eletroquímica também se aproxima de uma resistência pura, mas agora o valor é (RΩ+Rp). Estas resistências estão definidas das seguintes formas: i) do eletrólito RΩ = limω→∞ Z(ω)’ ii) total da célula (RΩ+Rp) = limω→0 Z(ω)’ O diagrama de Nyquist possui algumas desvantagens: i) a frequência não aparece de forma explícita, ii) embora a resistência ôhmica e de polarização possam ser facilmente lidas, a capacitância do eletrodo [C = Rp -1 ω(max Z’’) -1] pode ser calculada somente após conhecer a frequência no máximo da componente imaginária. Essa capacitância pode atribuir-se à dupla camada elétrica (15≤Cdl≤40μF cm-2) ou a um adicional efeito provocado por uma camada de espécies adsorvidas, fenômeno conhecido como pseudocapacitância (≥10Cdl). Outro tipo de representação é o Diagrama de Bode, Figura 2.10, que organiza os dados como módulo da impedância |Z| e a mudança de fase θ, ambos como ordenadas em função da frequência ω. Este diagrama apresenta algumas vantagens sobre o diagrama de Nyquist. O diagrama Bode usa o logaritmo da frequência para permitir uma ampla visualização dos efeitos resistivos e capacitivos. A curva log|Z| vs. logω pode fornecer valores de Rp e RΩ. A altas frequências, a resistência ôhmica domina a impedância e log(RΩ) pode ser lido no patamar inferior da curva. A baixas frequências, a Rp também contribui e o log(RΩ+Rp) pode ser lido no patamar superior da curva. Em frequências intermediárias se reflete o comportamento capacitivo, e a curva se apresenta como uma linha reta com inclinação igual a -1. Extrapolando a reta para o eixo log|Z| a ω=1 (logω=0 f=0,158 Hz) obtém-se novamente um valor de capacitância a partir da relação log⏐Z⏐= -log C C=|Z|-1. Este método é particularmente utilizado para obter as capacitâncias de revestimentos orgânicos 43 (≤1nFcm-2) onde Rp>>RΩ. O Diagrama de Bode também mostra a variação da fase Θ. Nos limites de altas e baixas frequências, onde o comportamento da célula é puramente resistivo, a fase é 0o. ⏐Z⏐ -Θ c-1 90o ωωωω=1 rad/s Figura 2.10 - Diagrama de Bode e circuito equivalente de uma interface eletroquímica simples. (No diagrama, o módulo e a frequência estão em escala logarítmica) Em frequências intermediárias, θ aumenta com o aumento da componente imaginária, Z”, e atinge um valor máximo de 90o quando o comportamento da célula é puramente capacitivo. Em ângulos menores que 90o, detecta-se uma resposta resistiva- capacitiva (RC). A frequência onde a fase é máxima, equação (2), também indica o ponto de inflexão da reta. ω(Θmax) = (1/CRp)[(1+Rp/RΩ)]1/2 (2) A confiabilidade nas medidas de impedância pode ser avaliada através da análise de Kramers-Kronig (K-K). Os dados experimentais podem ser interpretados com o auxílio de um programa que possa simular os espectros a partir de: 1) uma função de transferência construída a partir das supostas etapas 44 envolvidas no mecanismo de reação, procurando sempre a melhor aproximação teórica-experimental; 2) um circuito elétrico equivalente constituído por elementos do tipo RC baseado em um modelo físico-químico da interface eletroquímica. Cabe mencionar que diferentes circuitos, principalmente os constituídos por muitos elementos, podem simular a mesma resposta eletroquímica, provocando, assim, uma certa ambiguidade em termos de equivalência. Como exemplo, se apresentam dois circuitos frequentemente utilizados para interpretar processos de corrosão, onde os mesmos parâmetros não necessariamente são atribuídos aos mesmos fenômenos. Para certa combinação de valores (R2>R1 e Q1>Q2), as duas constantes de tempo (τ=RC) observadas no diagrama de Bode, Figura 2.11, podem ajustar-se com a mesma precisão. Figura 2.11 - Circuitos Equivalentes Diagrama de Bode Experimental (Δ) e Simulado (⎯) Linguagem Boukamp: Circuito (1) Rs(Q1(R1(R2Q2))) e Circuito (2) Rs(R1Q1)(R2Q2) As medidas de impedância podem revelar as diferentes etapas de um mecanismo: 1) Cada etapa de um mecanismo eletroquímico tem uma constante de velocidade; 2) Cada constante de velocidade está associada com um elemento RC; 3) Após a aplicação de uma perturbação, cada elemento RC tem um tempo de relaxamento. À frequência característica, o tempo de relaxamento se conhece como constante de tempo (τ). 45 4) Cada constante de tempo está representada por: i) um semicírculo no Nyquist; ii) um pico na fase do Bode; iii) uma inclinação no módulo do Bode. Os dados experimentais podem ser interpretados com o auxilio de um programa de simulação dos espectros através de: 1) um circuito elétrico equivalente baseado um modelo físico-químico; 2) uma função de transferência construída a partir de um mecanismo de reação (equações 3 e 4). Na impedância, segundo Silverman (1993), o elemento de fase (θ) constante Q=[(A(jω)β]-1=R[(jωτ)β]-1 junto com β, compreendido geralmente entre 0,5 e 1, são parâmetros de ajuste que fornecem a contribuição de impedância da capacitância. Circuito em paralelo Função de Transferência: Z= RS + R1R2Q1 + R1Q1Q2 + R2Q1Q2 (3) R1R2 + R1Q2 + R2Q1(1+ Q2/Q1) + Q1Q2 Circuito em série Função de Transferência: Z= RS + R1R2Q1(1+ Q2/Q1) + R1Q1Q2 + R2Q1Q2 (4) R1R2 + R1Q2 + R2Q1 + Q1Q2 2.3. Processos de corrosão em presença de um filme 2.3.1 Filme com estrutura não porosa Considerando que um filme bloqueia o caminho para a superfície metálica, a resposta de impedância estará determinada principalmente pela resistência e capacitância do filme, Figura 2.12. Considera-se a formação de um filme de espessura uniforme a partir de outro preexistente formado espontaneamente. O mecanismo de crescimento do filme passivo não muda com o tempo de exposição, portanto, é esperada uma constante de tempo durante seu espessamento (equação 5). 46 Figura 2.12 - Modelo Físico-químico Função de transferência: Zt = ρ’(d) d A-1 (5) 1+jω ρ’(d) ε0ε ρ’(d), d e ε: resistividade (ohm cm), espessura (cm) e constante dielétrica do filme ε0: permitividade do vácuo (8,854x10-14 F cm-1) A: área geométrica (cm2) Segundo Frers et al. (1990), a capacitância Cg deve representar a interface metal/filme/eletrólito [Cg -1 = Cfilme -1 + Cdl -1]. Burleig e Smith (1991) apresentaram o comportamento capacitivo de um filme de elevada resistividade e diferentes espessuras. 47 Figura 2.13 - Diagrama de Bode: efeito da espessura do filme no módulo Figura 2.14 - Diagrama de Bode: efeito da espessura do filme na fase Al-Kharafi e Badawy (1995), baseados na relação inversa entre a capacitância (C) e a espessura do filme (d), Figuras 2.13 e 2.14, estudaram, no potencial em circuito aberto, a variação da capacitância com o tempo de exposição (t), Figura 2.15, e estabeleceram uma equação (equação 6) para a velocidade de dissolução do filme. C-1 = C0 -1 – Bt1/2 (6) C = |Z|-1 quando f = 0,158 Hz 48 C0: capacitância do filme existente no tempo t=0 (obtida por extrapolação) B: constante de velocidade associada à dissolução do filme Uma mudança na inclinação da reta indica uma mudança na velocidade de dissolução (B’). O fenômeno foi associado com a dissolução de um segundo filme mais compacto. Neste contexto, a resistência de polarização [limω→0Z(jω)] versus t1/2 se comporta de forma inversa à capacitância. Figura 2.15 - Variação da capacitância e da resistência com o tempo de exposição Jüttner (1990) apresenta um modelo de interface denominado estrutura Sandwich, Figura 2.16, onde o filme está constituído por duas camadas, uma interna em contato com o metal (EC) caracterizada por (RL1CL1) e outra externa em contato com o eletrólito (lC) caracterizada por (RL2CL2) tendo como função de transferência a equação (7). 49 Figura 2.16 - Circuito Equivalente Modelo Físico-químico ZL(s) = ZL1(s) + ZL2(s) (7) Figura 2.17 - Diagrama de Bode apresentando duas constantes de tempo (τ=RC) Segundo Mansfeld et al. (1989), uma função de transferência alternativa é a seguinte: Zt(jω) = RΩ + RL2 [1+(jω RL2CL2)α2]-1 + RL1 [1+(jω RL1CL1)α1]-1, onde 0<α≤1 é uma medida do afastamento do comportamento capacitivo, originado pela heterogeneidade superficial (Figura 2.17). 50 2.3.2 Filme com estrutura porosa ou com pites Considerando a presença de um filme com certa descontinuidade, a resposta de impedância dependerá das frações relativas de área coberta pelo filme/superfície ativa. Diferente do caso imediatamente anterior, os circuitos equivalentes serão combinações em paralelo de elementos que representam os processos que acontecem em cada fração. Mansfeld et al. (1990) caracterizaram a resposta de impedância de um sistema que apresentou corrosão localizada após um determinado tempo de exposição. Através de um modelo físico-químico, Figura 2.18, de uma superfície parcialmente corroída [(θZp)-1+((1-θ)Zu)-1], foi proposto um circuito equivalente, Figura 2.19, o qual está sustentado pelo ótimo ajuste das curvas simuladas com as experimentais. Para alcançar esta aproximação foi necessária a utilização do elemento de fase constante (CPE ou Q). Figura 2.18 - Modelo Físico-químico 51 Figura 2.19 - Circuito Equivalente Função de Transferência: Zt(jω) = {Rp/[1+jωRp(Cp+FCpit)]} Zpit(jω) (8) {Rp/[1+jωRp(Cp+FCpit)]}+Zpit(jω) com Zpit(jω)=Rpit/F+W(jω) Rs: resistência do eletrólito Rp s: resistência de polarização Cs: capacitância do filme Cpit: capacitância associada ao pite Rpit: resistência no pite (proporcional à profundidade do pite, lpor em Juttner, Lorenz e Paatsch 1989). F: fração de área corroída por pite (1-θ). Neste caso foi considerada menor que 0,05 (5%). W: linha de transmissão que domina a Z(jω) nas baixas ω onde os pites são detectados W = K F-1(jω)n, onde –1 ≤ n ≤ 0 e K são constantes que dependem do sistema de eletrodo. Segundo Macdonald (1990), a impedância em um poro varia com a frequência como um circuito de múltiplas malhas, conhecido como linha de transmissão. 52 A capacitância total, de acordo com o circuito equivalente, é Ct = Cs(1-F) + FCpit com tempos de exposição muito curtos F≈0 (o filme cobre a superfície metálica), Ct≈Cs e Rp s(1-F)≈Rp s são a capacitância e a resistência do filme, e Z(jω) = Rs + Rp s [1+(jω Rp sCs)α]-1 é a função de transferência. Com maiores tempos, os parâmetros devem ser calculados através do procedimento descrito por Shih e Mansfeld (1989). Assim como em Juttner (1990), cada elemento constituinte do circuito equivalente não pode ser desacoplado de F ou θ para realizar a simulação, portanto, essas frações devem ser medidas para estudar as dependências dos parâmetros com o tempo. Conhecida a variação de F com t, através de Rpit/F é possível determinar a lei de crescimento do pite, Figura 2.20. Figura 2.20 - Diagrama de Bode: efeito da fração de área corroída por pite Similar como em Al-Kharafi e Badawy (1995), Ct aumenta e Rp s diminui com o tempo de exposição. No presente caso, após um tempo de indução FCpit e F-1Rpit começam a contribuir significativamente provocando a diminuição da fase e do módulo. Juttner (1990) também estudou a resposta de impedância de uma superfície parcialmente coberta por um filme tridimensional, Figura 2.21. 53 Figura 2.21 - Modelo Físico-químico Neste caso, a Função de Transferência Z(jω)-1=[θZL(jω)]-1+[(1-θ)Zcorr(jω)]-1 será a soma da impedância do filme ZL(jω)=RL(1+jωCLRL)-1 e da impedância do processo de corrosão Zcorr(jω)=RΩ,por+ZSR[1+(jωCdlZSR)α]-1, onde ZSR é a impedância faradáica. Como o processo de ativação é suposto acontecer na interface metal/eletrólito no fundo do poro ZSR ≈ Rp, Figuras 2.22 e 2.23. Figura 2.22 - Circuito Equivalente 54 Figura 2.23 - Bode apresentando uma segunda constante de tempo nas baixas f devido (1-θ) - Jüttner, Lorenz e Paatsch (1989) também consideraram a formação de filmes com estrutura Sandwich, com duas camadas de diferentes características (RLCL). • Modelo de Pite Passivo, Figura 2.24, formado por uma camada interna não porosa denominada barreira (L1) e uma externa porosa de igual ou maior espessura (L2). Figura 2.24 - Circuito Equivalente Modelo de Pite Passivo 55 • Modelo de Pite Ativo, Figura 2.25, formado por duas camadas porosas (L1 e L2) que permitem a dissolução do metal (ZSR). Figura 2.25 - Equivalente Modelo de Pite Ativo Circuito Função de Transferência: ZL(jω)-1 = [θZL1+L2(jω)]-1 + [(1-θ)Zcorr(jω)]-1 (9) Como uma primeira aproximação, os parâmetros RL1CL1 e RL2CL2 são calculados a partir do circuito constituído pelo ramo superior dos circuitos equivalentes, que na prática significa tempos curtos de exposição onde supostamente o pite não foi iniciado (1-θ) ≈ 0, equação (9). Segundo Mansfeld e Kendig (1988), quando na camada externa a fração de área ativa [F=(1-θ)] está constituída por poros abertos, RΩ,por é desprezível e pode ser eliminada do circuito equivalente. A mesma consideração pode ser feita para pequenos valores de (lpor/Apor). Mansfeld (1993) estudou o comportamento capacitivo-indutivo associado com processos de corrosão por pite. A ocorrência de um semicírculo indutivo na região de baixas frequências é característica de filmes porosos, em particular, sistemas com 56 grande tendência à corrosão localizada (Epit-Ecorr → 0). Resultados publicados por Barbucci et al. (2000), conduzem à mesma conclusão. Figura 2.26 - Circuito Equivalente e Função de Transferência Rs: resistência do eletrólito Rp: resistência de polarização (limω→0Z(jω)) Rct: resistência de transferência de carga (Rct > Rp) Cdl1: capacitância da dupla camada elétrica (Rp - Rct) e Cdl2: resistência e capacitância associadas com a resposta de impedância a baixas frequências. a1 e a2: parâmetros de ajuste 0