UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PARA A CIÊNCIA MESTRADO ANDRÉIA FERNANDES PRADO O QUE HÁ NESTE DIÁRIO? A MOBILIZAÇÃO DE SABERES DOCENTES DURANTE UM CURSO DE ASTRONOMIA PARA PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Bauru 2019 ANDRÉIA FERNANDES PRADO O QUE HÁ NESTE DIÁRIO? A MOBILIZAÇÃO DE SABERES DOCENTES DURANTE UM CURSO DE ASTRONOMIA PARA PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre, em Educação para a Ciência – Área de Concentração: Ensino de Ciências e Matemática, sob a orientação do Prof. Dr. Roberto Nardi. Bauru, 22 de fevereiro de 2019. Bauru 2019 Prado, Andréia Fernandes. O que há neste Diário? A mobilização de saberes docentes durante um curso de Astronomia para professores dos anos iniciais do ensino fundamental / Andréia Fernandes Prado, 2019. 101 f. Orientador: Roberto Nardi Dissertação (Mestrado em Educação para a Ciência) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2019 1. Ensino de Astronomia. 2. Formação em exercício. 3. Diário do Céu. 4. Saberes docentes. 5. Análise de discurso. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. ANDRÉIA FERNANDES PRADO O QUE HÁ NESTE DIÁRIO? A MOBILIZAÇÃO DE SABERES DOCENTES DURANTE UM CURSO DE ASTRONOMIA PARA PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre, em Educação para a Ciência – Área de Concentração: Ensino de Ciências e Matemática, sob a orientação do Prof. Dr. Roberto Nardi. BANCA EXAMINADORA Presidente: Prof. Dr. Roberto Nardi - Orientador Instituição: UNESP – Faculdade de Ciências – Campus de Bauru Titular: Prof. Dr. Rodolfo Langhi Instituição: UNESP – Faculdade de Ciências – Campus de Bauru Titular: Prof. Dr. Gustavo Iachel Instituição: UEL – Universidade Estadual de Londrina – CCE - Departamento de Física Bauru, 22 de fevereiro de 2019 DEDICATÓRIA A todos os amigos professores, na incansável arte de aprender para ensinar. Para Adilson e Mariana, pelos sábados e domingos de ausência e por sempre acreditarem em mim. Amo vocês. “Diante da vastidão do tempo e da imensidão do universo, é um imenso prazer para mim dividir um planeta e uma época com você.” Carl Sagan AGRADECIMENTOS Ao finalizar este período de dois anos de intenso aprendizado, considero de extrema importância lembrar e agradecer a todos aqueles que torceram, apoiaram e me auxiliaram; enfim, foram essenciais no caminhar deste mestrado. Ao Prof. Dr. Roberto Nardi, meu orientador, pelos momentos de aprendizado, por sua dedicação, empenho e, acima de tudo, por sua paciência, ao longo deste trabalho, cujas orientações foram de grande relevância, não somente para este trabalho, mas, sobretudo, para minha formação como pesquisadora. Ao Prof. Dr. Rodolfo Langhi, por todo conhecimento em Astronomia compartilhado durante as aulas, pelo acolhimento carinhoso antes mesmo do ingresso no mestrado, por sua amizade e pela valiosa contribuição na avaliação deste trabalho. Ao Prof. Dr. Gustavo Iachel, por todas as contribuições e o conhecimento compartilhado durante a realização e avaliação deste trabalho. Ao Prof. Dr. Sergio Bisch e à Prof.ª Dra. Fernanda Bozelli, por aceitarem participar da Banca Examinadora. À Direção, Coordenação, Professores e Funcionários do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, Faculdade de Ciências, Unesp, Campus de Bauru. Agradecimento especial à CAPES, Coordenação de Apoio ao Pessoal do Ensino Superior, por oportunizar as atividades desenvolvidas no Programa de Pós- Graduação em Educação para a Ciência. Aos amigos do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (GPEC), pelas discussões, aprendizado e cafés partilhados. À Prof.ª Dra. Telma Fernandes, pelo incentivo e apoio, mesmo a distância. À Prof.ª Dra.Nicoleta Lanciano, por permitir que seu projeto original Diário Del Cielo fosse compartilhado neste projeto de cooperação entre o Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências da UNESP e o Gruppo de Ricerca sulla Pedagogia Del Cielo, pertencente ao Movimento di Cooperazione Educativa (MCE) da Universitá di Roma “La Sapienza”. Aos Professores participantes da pesquisa e à Secretaria Municipal de Educação de Bauru, por sempre acreditar na formação em exercício de seu Corpo Docente. Aos amigos, presentes do mestrado, em especial à Sione, pela paciência, ombro amigo nos momentos de angústia e preciosas sugestões e incansáveis leituras (mesmo em véspera de Natal). Obrigada amiga. A meus pais, Nivaldo e Iramai, pelo incentivo à educação. A minha irmã Daniele, que além da torcida, comemorou comigo as vitórias e sempre esteve presente. Ao meu irmão Victor, onde quer que esteja, tenho certeza de que sempre olha por nós. A meu esposo Adilson, por estar sempre ao meu lado, acreditando, incentivando e, em algumas vezes, até me empurrando. Obrigada por nunca dizer o que eu realmente queria ouvir. Seu apoio e incentivo foram essenciais para este meu caminhar. Sem você a meu lado, esta vitória não seria possível. A minha filha Mariana, por se orgulhar de minhas conquistas. Dou o melhor de mim por você, sempre. Você é a minha melhor parte. A todos que, direta ou indiretamente, me auxiliaram nesta pesquisa, meu muito obrigado. PRADO, Andréia Fernandes. O que há neste Diário? A mobilização de saberes docentes durante um curso de Astronomia para professores dos anos iniciais do ensino fundamental. 2019. 101f. Dissertação (Mestrado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências – UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Bauru, 2019. RESUMO A presente pesquisa foi desenvolvida durante o ano de 2017, no decorrer do curso de extensão em Astronomia “Diário do Céu”, ministrado a professores da educação básica, vinculados a Secretaria Estadual de Ensino (SEED) e a Secretaria Municipal de Educação (SME), ambas da cidade de Bauru, São Paulo, Brasil. Buscou-se responder a seguinte questão de pesquisa: Quais saberes docentes foram mobilizados pelos professores da educação básica ao participarem do curso de formação “Diário do Céu”, durante o aprendizado de conteúdos relacionados à demanda curricular dos anos iniciais do ensino fundamental? Os professores, pertencentes à SME, tornaram-se os sujeitos da pesquisa, pois são atuantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Desta forma, analisou-se o Currículo Comum para esta modalidade de ensino, a fim de identificar quais demandas são apresentadas em relação aos conteúdos de Astronomia e quais foram subsidiadas por meio das atividades práticas do referido curso. A pesquisa também investigou quais os saberes docentes mobilizados por professores dos anos iniciais durante a realização de um curso de formação em Astronomia. Para a fundamentação teórica, foram utilizados os referenciais da área de Ensino de Ciências, da Formação de Professores em Exercício, bem como da Educação em Astronomia, além da Análise de Discurso da linha francesa. Os resultados indicam que há uma necessidade de formação, no que tange aos conteúdos de Astronomia, uma vez que os professores são polivalentes, com formação inicial em curso de Pedagogia e licenciaturas afins, e, não foram contemplados com tais conteúdos, em suas estruturas curriculares. Do mesmo modo, evidenciam a mobilização de diversos saberes docentes, entre os quais podemos citar os saberes disciplinares. Palavras-chave: Ensino de Astronomia; Formação em Exercício; Diário do Céu; Saberes Docentes; Análise de Discurso PRADO, Andréia Fernandes. O que há neste Diário? A mobilização de saberes docentes durante um curso de Astronomia para professores dos anos iniciais do ensino fundamental. 2019. 101f. Dissertação (Mestrado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências – UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Bauru, 2019. ABSTRACT The present research was developed in 2017, during the Astronomy course "The Diary of Sky", taught to teachers of basic education, linked to the State Department of Education (SDE) and the Municipal Department of Education (MDE), both of the City of Bauru, São Paulo, Brazil. The following research question was sought: Which teachers' knowledge were mobilized by the teachers of basic education when participating in " The Diary of Sky " course, during the learning of contents related to the curricular demand of the initial years of Elementary Education? The teachers, belonging to the MDE, became the subjects of the research, since they are active in the initial years of Elementary Education. In this way, the Common Curriculum for this modality of education was analyzed, in order to identify which demands are presented in relation to the contents of Astronomy and which were subsidized through the practical activities of said course. The research also investigated the teachers' knowledge mobilized by teachers of the initial years during the course of training in Astronomy. For the theoretical basis, reference was made to the areas of Science Teaching, In-Service Teacher Training, and Astronomy Education, as well as the Discourse Analysis of the French line. The results indicate that there is a need for training regarding the contents of Astronomy, since the teachers are polyvalent, with initial training in Pedagogy and related degrees, and were not contemplated with such content in their curricular structures. Likewise, evidence of the involvement of several teaching knowledge, among which we can mention the disciplinary knowledge. Keywords: Astronomy Teaching; In-service education; Diary of Sky; Teacher’s knowledge; Discourse Analysis LISTA DE QUADROS Quadro 01 – Conteúdos de Astronomia propostos para o eixo Ambiente no Currículo Comum do Município de Bauru ................................................................................. 30 Quadro 02 – Características sociais e acadêmico-profissionais dos professores da SME de Bauru, participantes do curso de extensão O Diário do Céu – Introdução à Astronomia para Professores da Educação Básica – Etapa 2 - 2017 ....................... 66 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Capa do Catálogo de Formação Continuada 2018-1 da Secretaria Municipal de Educação de Bauru .............................................................................. 44 Figura 2 – Material Didático "Diário do Céu 2017" ................................................... 59 Figura 3 – Indicação da disposição dos participantes ............................................. 69 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Cursos de Formação Continuada ofertados aos professores da SME do município de Bauru – SP ........................................................................................... 45 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AD Análise de Discurso CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico EF Ensino Fundamental EM Ensino Médio FC Faculdade de Ciências GPEC Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências IES Instituição de Ensino Superior OBA Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica PPGEDC Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência SEED Secretaria do Estado de Educação – Diretoria de Ensino - Regional de Bauru SME Secretaria Municipal de Educação de Bauru SNEA Simpósio Nacional de Educação em Astronomia UE Unidade Escolar UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15 1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE ASTRONOMIA NO BRASIL ........... 19 1.1. Breve histórico ................................................................................................ 19 1.2. O Ensino de Astronomia nos anos iniciais do Ensino Fundamental ............... 22 1.3. O A pesquisa no Ensino de Astronomia no âmbito do GPEC ........................ 31 2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SABERES DOCENTES NO CONTEXTO DESTA PESQUISA ................................................................................................... 37 2.1. Formação de professores das séries iniciais para o Ensino de Astronomia ... 40 2.2. A Formação em Exercício dos professores da Rede Municipal de Educação de Bauru ......................................................................................................................... 43 2.3. Saberes docentes .......................................................................................... 46 3. A PESQUISA ........................................................................................................ 52 3.1. Referenciais teóricos e metodológicos que embasam a pesquisa ................. 52 3.2. Dispositivo analítico ........................................................................................ 55 3.3. Constituição dos dados .................................................................................. 56 3.3.1. O curso .................................................................................................... 57 3.3.2. Sujeitos da pesquisa ............................................................................... 65 3.3.3. Grupo Focal ............................................................................................. 67 3.3.4. Questionário exploratório ........................................................................ 70 4. ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................................ 73 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 83 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 86 ANEXOS ................................................................................................................... 90 APÊNDICES .............................................................................................................. 91 12 APRESENTAÇÃO Minha jornada acadêmica no Ensino Superior iniciou-se tardiamente (nunca tarde demais!). Cursei o Ensino Fundamental em uma escola municipal na cidade de Bauru, era a mais bem-conceituada na cidade, já que crianças de várias partes vinham, de longe, para estudar ali; os professores se dividiam entre lecionar nesta escola e, no período contrário, nos colégios particulares de Bauru. A escola era a Santa Maria (Escola Municipal de Primeiro e Segundo Grau). Já o Ensino Médio, cursei em um colégio estadual, no período noturno. No último ano deste segmento, conciliei as aulas com um curso preparatório para o vestibular, à tarde. Porém, infelizmente, não consegui entrar no Ensino Superior público, como necessitava (Faculdades privadas eram muito caras e fora de nossa realidade, naquele momento). Tentei o vestibular da Unesp mais um ano, novamente sem sucesso. Assim, sem ter ingressado no Ensino Superior, fui trabalhar, mas este sonho nunca foi esquecido. A Educação já me perseguia. Meu primeiro emprego foi em uma escola de idiomas, onde aproveitei a oportunidade (e as bolsas de estudo a que tinha direito) e voltei a estudar. Ali permaneci por quase onze anos. Nos dois últimos anos, trabalhando nessa escola, decidi cursar o Ensino Superior em uma Faculdade particular. O curso escolhido fora Letras, porém, como não havia formado turma naquele ano, foi necessário que eu escolhesse outro curso para iniciar os estudos no Ensino Superior. Assim iniciei a Pedagogia, e mesmo sendo convidada a voltar para Letras no semestre seguinte, já era tarde, o ensino para as séries iniciais já havia me conquistado. Seis meses após finalizar a Graduação, já havia sido aprovada em um concurso público da Prefeitura Municipal de Bauru, para o cargo de professor do Ensino Fundamental. Agora, já professora, ouvia constantemente de meus alunos a mesma pergunta: “Professora estuda?”. Pergunta que sempre era respondida da forma: “Sim, e muito!”. Uma verdade que constatei, logo no início da carreira, à medida em que percebia que teria que ensinar conteúdos que nem, ao menos, me lembrava de ter 13 estudado! Realmente, comprovei o que pesquisas da área da Educação afirmam, de que é somente na ação em sala de aula, com a mão na massa, que o pedagogo constrói seus saberes docentes. Felizmente, para os professores do sistema municipal de ensino, existe uma grande facilidade. Todo semestre, a Secretaria Municipal de Educação de Bauru (SME) oferece, a todos os funcionários desta pasta, cursos de formação continuada dos mais diversos assuntos: matemática, alfabetização, conselho escolar, história de Bauru, entre tantos outros. No primeiro semestre de 2016, a SME em parceria com a Faculdade de Ciências (FC) e o Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência (PPGEDC) ofertaram um curso sobre Astronomia. Diferentemente dos demais cursos, este tinha a duração de dois semestres, e finalizaria somente em dezembro, o que levou alguns professores a desistirem de participar. Eu (e vários outros), no entanto, fiquei instigada pela temática. Astronomia é um assunto que fascina a todos e, no meu caso, não era diferente. Além de ser o conteúdo das aulas de Ciências, nas séries iniciais do EF, o mais aguardado pelas crianças, sem dúvida alguma. Apesar de dominar o assunto em sala de aula (assim eu acreditava...), resolvi participar. As aulas aconteciam no Laboratório de Instrumentação de Física, nas dependências da FC. Já nos primeiros encontros, descobri que estava completamente equivocada, que na realidade eu não sabia coisa alguma de Astronomia, o que me levou “quase” ao desespero, pois como seria possível reverter isto em sala de aula? Como dizer aos alunos que o que eu havia ensinado não estava “de acordo”? Sabemos que, nessa fase de ensino, as crianças tendem a acreditar que seus professores são especialistas em todos os assuntos; que o dito, em sala de aula, geralmente, é verdade absoluta para eles e, muitas vezes, quando contrariamos alguma informação dada por eles, as crianças choram e se irritam, pois não admitem que possam ter falado ou ensinado algo errado. Aquele foi um ano de atividades maravilhosas, com as crianças trabalhando o material didático “Diário do Céu”. A (re)descoberta do trabalho pedagógico utilizando a observação direta do céu, durante o dia; as observações da Lua no meio da tarde; a alegria das crianças ao desenvolverem, autonomamente, estratégias para medir suas sombras; os e-mails recebidos da Itália, com fotos das crianças em Roma, realizando as mesmas atividades, foram experiências indescritíveis. O prazer 14 estampado no rosto dos alunos, ao se darem conta da importância do Projeto, ao qual faziam parte, enchia-nos de orgulho. Foi, sem dúvida, um ano repleto de aprendizagens significativas, tanto para meus alunos como para mim e para minha família, já que, ao chegar em casa, após os encontros na FC, ávida por ensinar o que havia aprendido, minhas cobaias iniciais eram marido e filha. Aquele ambiente acadêmico na FC, os textos científicos, que a Professora Telma nos enviava, os encontros em que o Professor Nardi participava, foram me encantando e me envolvendo. Era o bichinho da “Academia” acordando dentro de mim novamente. Resolvi que seria interessante continuar estudando Astronomia. Decidi, dessa forma, participar do Processo Seletivo para o Mestrado do PPGEDC da FC. E passei, sem, ao menos, acreditar que conseguiria. Nessa minha intensa e breve jornada pelo Mestrado, descobri que mais do que estudar e aprender intensamente sobre Astronomia, acima de tudo, aprendi muito sobre o Ensino de Ciências. As disciplinas cursadas, as reuniões do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (GPEC) e os debates ali desenvolvidos, as amizades construídas e os conhecimentos compartilhados, fizeram-me crescer como pessoa e como profissional, e me levaram a perceber que queria mais: mais aprendizado e mais conhecimento. Os Congressos e Simpósio, a que participamos foram experiências ímpares. Como relatar a emoção em conhecer nossos referenciais teóricos? Perceber que são “gente como a gente”, foi algo indescritível. O que vivenciei no V SNEA foi inimaginável, minhas referências, que até então havia somente citado em meus textos, estavam ali, tomando café conosco, participando de oficinas, sentados ao nosso lado, ouvindo-nos e compartilhando conhecimento, observando a Lua e nos mostrando planetas visíveis naquela noite. Hoje entendo o porquê de ser a aula de Ciências a mais esperada pelas crianças (também é a minha!) e tenho certeza de que é este o caminho que quero continuar seguindo e pesquisando: o fascinante mundo da Educação para a Ciência! 15 INTRODUÇÃO O ensino de Ciências, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, tem se apresentado deficiente e um grande desafio para a Educação Básica atual. Vários são os fatores para este cenário educacional, entre os quais, podemos citar a desvalorização do profissional docente e os cursos de Formação de Professores (Inicial e Continuada). Não considerar a significância de uma formação profissional específica para atuar na área é o mesmo que não determinar a ocupação de professor como uma profissão. Tal problemática pode reforçar a concepção de senso comum de que ensinar não é um trabalho complexo. No caso do ensino de ciências, alguns autores comentam que estas são tradições docentes e sociais extremamente enraizadas, constituindo-se em uma falsa visão que consideram o ensino como uma tarefa essencialmente simples, para a qual basta conhecer a matéria, ter alguma prática docente e ter alguns conhecimentos “psicopedagógicos” de caráter geral. (LANGHI, 2013, p. 49- 50) Os professores polivalentes, graduados em Pedagogia, devem ministrar conteúdos específicos, para os quais não foram preparados para ensinar. Isto pode conduzir o ensino a situações preocupantes e reais em sala de aula, como, por exemplo, a utilização de concepções espontâneas dos professores para a explicação de fenômenos da ciência (LANGHI, 2013) ou, em casos extremos, a exclusão de tal conteúdo do plano de aula do professor. Se o ensino de Ciências nos apresenta este quadro preocupante, quando observamos assuntos mais específicos desta área, como é o caso da Astronomia, a situação torna-se inquietante. Segundo Langhi (2013), estudos apresentam um cenário de falhas ligadas à formação inicial dos professores em relação a esses tópicos. De acordo com o autor (LANGHI, 2013, p. 93), ‘É preocupante imaginar quais noções de astronomia tais docentes revisaram em sua formação para se sentirem competentes e habilitados ao trabalhar com conteúdos dessa natureza com seus alunos.” Assim, tais reflexões nos levam a questionar se, no caso do ensino da Astronomia, os docentes atendem, suficientemente, às necessidades fundamentais de aprendizagem de seus alunos relacionadas à compreensão, interpretação, produção textual e aplicação dos conceitos e princípios básicos frente às situações práticas cotidianas. 16 Nessa perspectiva, frente às dificuldades e desafios enfrentados pelos professores dos anos iniciais do EF, em relação ao Ensino de Astronomia, como reverter este quadro, a fim de propiciar aprendizados consistentes e significativos a nossos alunos? Pesquisas na área (LANGHI, 2009; IACHEL, 2013; FERNANDES, 2018) apontam que cursos de formação continuada são eficazes instrumentos para auxiliar os professores a sanarem as lacunas decorrentes de suas formações iniciais. Sobre isso, pudemos ver que atividades de Educação continuada podem ser uma das poucas oportunidades nas quais os professores possam diminuir as lacunas presentes em seu conhecimento. Suprir esse saber é apenas o primeiro passo para um gradativo desenvolvimento profissional. (IACHEL, 2013, p. 28) Assim, os professores que desejamos formar nas Instituições de Ensino Superior (IES) são aqueles cientes de que, para uma prática docente eficaz, durante sua jornada profissional, faz-se necessário a participação em cursos de formação continuada e cursos de atualização profissional. Segundo Cunha e Krasilchik (2000), os professores somente sentirão os reflexos das lacunas em suas formações iniciais, a partir da prática docente (propriamente dita) em sala de aula. O Ensino de Astronomia deve fazer sentido para o aluno, auxiliá-lo a se reconhecer como cidadão crítico, participante e modificador da natureza, já que seu potencial educativo vai além de simples transmissão de conceitos e fórmulas. O ensino da Astronomia tem potencialidades, que podem articular o trabalho docente entre as diversas áreas do saber, devido a sua característica interdisciplinar (LANGHI; NARDI, 2013). Mas para que isto se concretize, a Astronomia deve, antes de mais nada, fazer sentido também para o professor. Nas escolas, a astronomia promove este excitante papel motivador, tanto para alunos como para professores, pois, ao tocar neste assunto, a maioria dos jovens costuma desencadear uma enxurrada de perguntas sobre buracos negros, origem do universo, vida extraterrestre, tecnologia aeroespacial, etc. Este entusiasmo abre a oportunidade para o professor trabalhar, de modo interdisciplinar, as demais matérias escolares. Além do aspecto motivacional, a astronomia assume um papel diferenciador, que a pode distinguir das outras ciências, conferindo-lhe um certo grau “popularizável”, favorecendo a cultura científica, uma vez que o seu laboratório é natural e gratuito, estando o céu à disposição de todos, facilitando a execução de atividades ao ar livre e que não exigem materiais custosos. (LANGHI, 2009, p. 8) 17 Embasados nesses pressupostos e cientes da importância de os cursos de formação continuada contemplarem as reais necessidades dos docentes em exercício (LANGHI, 2004), a presente pesquisa busca responder à seguinte questão: Quais saberes docentes foram mobilizados pelos professores da educação básica ao participarem do curso de formação “Diário do Céu”, durante o aprendizado de conteúdos relacionados à demanda curricular dos anos iniciais do ensino fundamental? Dessa forma, sendo os sujeitos desta pesquisa professores em exercício, na Secretaria Municipal de Educação de Bauru (SME), atuantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental e norteados pela questão central já apresentada, procuramos alcançar os seguintes objetivos: • Estudar quais as demandas do ensino de Astronomia estão presentes no Currículo Comum, para o Ensino Fundamental da Prefeitura Municipal de Bauru. • Identificar os saberes mobilizados por professores dos anos iniciais do EF, em exercício na SME, durante a realização de um curso de formação em Astronomia. • Identificar quais demandas presentes no referido Currículo foram subsidiadas por meio das atividades práticas apresentadas no referido curso de formação. Vale ressaltar que, em grande parte dos referenciais teóricos utilizados nesta pesquisa, o termo Formação Continuada é amplamente utilizado (LANGHI, 2009; LANGHI; NARDI, 2012; LEITE, 2013; IACHEL, 2009; FERNANDES, 2018; CUNHA; KRASILCHIK, 2000). Porém, uma vez que os sujeitos analisados são professores atuantes na SME, participantes de um curso de extensão em Astronomia oferecido, a partir da parceria entre SME e PPGEDC-FC, também será utilizado o termo Formação em Exercício. Dessa forma, a presente pesquisa segue assim estruturada: no Capítulo 1, apresentamos um breve panorama do ensino de Astronomia no Brasil, bem como a importância destes conteúdos para o Ensino Fundamental. Ainda neste capítulo, contextualizamos este ensino, no Currículo Comum, para o ensino Fundamental do município de Bauru, bem como, traçamos uma breve trajetória das pesquisas na área 18 de formação de professores para o ensino de Astronomia, realizadas no âmbito do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (GPEC), do qual a pesquisadora e seu orientador (líder do GPEC) são membros. No Capítulo 2, tratamos sobre a questão da formação de professores para o ensino de Ciências, nos anos iniciais do EF, refletindo especificamente sobre a Astronomia na referida formação, seja Inicial ou em serviço; apresentamos também, para melhor compreensão do leitor, o trabalho realizado na SME para a formação em exercício dos profissionais docentes atuantes nos anos iniciais; e, finalizamos com reflexões sobre a relação dos professores e seus saberes docentes no ato educativo. No Capítulo 3, descrevemos a metodologia empregada, bem como o aporte teórico para a análise de dados, ou seja, a Análise de Discurso de linha francesa, apresentada por Orlandi (2015), que finaliza o capítulo, ao descrever como ocorreu a constituição dos dados da presente pesquisa: a coleta de dados durante o curso de extensão “Diário do Céu - Introdução a Astronomia para Professores da Educação Básica – Etapa 2 (2017)”; os sujeitos da pesquisa; a realização dos Grupos Focais, durante os encontros presenciais e o questionário exploratório. No Capítulo 4, apresentamos a análise dos dados obtidos. Finalmente, no último capítulo, apresentamos as considerações finais e os desdobramentos futuros da pesquisa aqui desenvolvida, além da apresentação das referências dos aportes teóricos utilizados, durante todo o processo, seguido dos anexos e apêndices. 19 1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE ASTRONOMIA NO BRASIL Nos últimos anos, temos observado uma crescente produção relacionada ao tema Ensino de Astronomia. Um tema extremamente instigante, que motiva e inspira pesquisadores dos mais diversos campos de estudo, mas que foi, lentamente, diminuindo nos currículos escolares e minguando nos livros didáticos, em todos os níveis de escolarização em nosso país. Felizmente, vemos um retorno do conteúdo de Astronomia nas pesquisas relacionadas à educação e uma procura cada vez mais crescente, por parte dos docentes em exercício, por cursos de extensão com esta temática, como forma de preenchimento de lacunas em suas formações iniciais. As pesquisas em Ensino de Astronomia tratam dos mais variados temas, desde formação inicial deficitária dos professores em exercício, erros conceituais em livros didáticos, necessidade de cursos de formação continuada aos professores das séries iniciais, dentre outros. Abordaremos, neste capítulo, um breve histórico do Ensino de Astronomia, no Brasil, as pesquisas sobre formação de professores para o Ensino de Astronomia, desenvolvidas no âmbito do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (GPEC); além de apresentar como este conteúdo é desenvolvido nos anos iniciais do EF, segundo o Currículo Comum do Município de Bauru. 1.1. Breve histórico Os primeiros relatos em relação ao Ensino de Astronomia, no Brasil, datam do período Colonial, por meio do trabalho realizado pela Companhia de Jesus, cujos ensinamentos foram proporcionados pelos jesuítas aos filhos dos senhores dos engenhos, colonos, índios e escravos (LEITE et al., 2013). Apesar dos raros registros sobre a atuação dos jesuítas no Ensino de Astronomia, há relatos de estudos de física, matemática, Astronomia e cosmologia. Segundo Leite et al. (2013): Em vista do exposto, é razoável supor que os conteúdos de astronomia ensinados pelos jesuítas, tanto em Portugal como no Brasil, eram 20 essencialmente de Astronomia de Posição, baseados no sistema ptolomaico, abordando orientação e coordenadas celestes com finalidade de determinação cartográfica e navegação pelo uso de instrumentos. (LEITE et al., 2013, p. 548) Já durante o período imperial e início do período republicano, o Colégio Pedro II servia como modelo às escolas públicas e particulares do Brasil. Naquela época, os conteúdos astronômicos eram encontrados nas disciplinas de física, geografia e cosmografia, mas sofreram algumas variações durante as reformas, entre os anos de 1850 a 1951, citados por Leite et al. (2013), que vão desde a total ausência no programa de 1856, à forte presença num total de cinco disciplinas, no programa de 1898. Durante a República, surgem os primeiros cursos regulares de Astronomia e, em 1958, é criado o primeiro curso de graduação em Astronomia (LANGHI; NARDI, 2009). Contudo, estudos na área (BRETONES, 1999; LEITE et al., 2013) mostram que o Ensino de Astronomia foi perdendo força com o passar do tempo, pois deixou de ser disciplina específica, para ser incorporada aos programas de Ciências Naturais, Geografia e Física. Segundo Langhi (2004): No ano de 1958, foi fundado o primeiro curso de graduação em Astronomia do Brasil, no Rio de Janeiro, na Faculdade Nacional de Filosofia, da antiga Universidade do Brasil. Com o tempo, os cursos de Astronomia foram perdendo força, pois a exigência de mercado estava voltada mais para os graduados em Física. Com o decreto de 1942, do Estado Novo, o ensino foi modificado, e os conteúdos de Astronomia e Cosmografia deixaram de ser disciplina específica. (LANGHI, 2004, p. 19) Em 1961, o governo federal sancionou a 1ª Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o que proporcionou maior autonomia aos estados para a elaboração de seus currículos e finalizou com a obrigatoriedade de um currículo nacional. De acordo com Leite et al. (2013): A ausência de currículo nacional torna o período difícil de análise, uma vez que poucos estados produziram seu próprio material. Nas décadas subsequentes, de maneira geral, o ensino de temas de astronomia na educação básica brasileira continuou bastante restrito, ocorrendo apenas em disciplinas de geografia e em associação ao tópico gravitação, na disciplina de física. (LEITE et al., 2013, p. 564) 21 Contudo, alguns avanços também puderam ser observados durante este período, como a ampliação da obrigatoriedade do Ensino de Ciências a todas as séries ginasiais e, em seguida, estendida as oito séries do primeiro grau (LEITE et al., 2013). Apesar de tais avanços, com a Astronomia incorporada a disciplinas como Ciências e Geografia no Ensino Fundamental e Física no Ensino Médio, ministradas por professores sem a formação adequada para o ensino de tais conceitos, a Astronomia foi perdendo força no currículo brasileiro. A partir das décadas de 1980 e 1990, segundo Leite et al. (2013), tem início uma crescente, apesar de tímida, retomada do desenvolvimento das pesquisas em Educação em Astronomia, principalmente, voltadas para a Educação Básica, uma vez que as reformas educacionais no país continuavam acontecendo. A partir da promulgação da 3ª Lei de Diretrizes e Bases, em 1996, e, consequentemente, a elaboração e publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), apesar de não obrigatórios e nem impostos aos estados e municípios, tinham o objetivo de nortear os currículos do país (LEITE et al., 2013). Os PCN traziam, desta forma, os conteúdos de Astronomia, essencialmente, na disciplina de Ciências, como cita Langhi (2004): Atualmente, pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, a Astronomia está presente essencialmente na disciplina de Ciências, conforme indicam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1997, deixando assim de ser definitivamente uma disciplina específica nos cursos de formação de professores. (LANGHI, 2004, p. 20) Mais recentemente, tem sido apresentada à comunidade educacional a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nela, os conteúdos astronômicos continuam presentes na disciplina de Ciências, especificamente, e se encontra na unidade temática Terra e Universo, e contemplam os nove anos do Ensino Fundamental (PEIXOTO, 2018). Enfim, o Ensino de Astronomia, como vimos até aqui, está presente na história educacional brasileira desde a colonização portuguesa. Apesar de ter perdido força durante as sucessivas reformas no período republicano, volta a tomar fôlego e se estabelece novamente nos currículos, desta vez não como disciplina específica, mas sim como parte da disciplina de Ciências, permanecendo presente, nos dias de hoje, em praticamente todos os anos do Ensino Fundamental. 22 1.2. O ensino de Astronomia nos anos iniciais do Ensino Fundamental As aulas de Ciências, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, são, geralmente, as mais aguardadas pelas crianças. A curiosidade, inerente neste período escolar, aguça a vontade de entender o mundo que as cercam, o funcionamento do corpo humano, o funcionamento das máquinas, os mistérios da natureza, enfim, o porquê de todas as coisas. Assim, faz-se necessário que o professor das séries iniciais aproveite este interesse pelo aprender Ciências e dê início à alfabetização científica; uma vez que, durante as séries iniciais, a criança aprende de forma mais significativa, constrói conceitos sobre o ambiente, através da compreensão dos significados que as Ciências Naturais apresentam e promove a formação crítica e integral das crianças (LORENZETTI, 2000, p. 18). Segundo Lorenzetti (2000): Sabe-se que o acesso ao conhecimento científico se dá de diversas formas, e em diferentes ambientes, mas é na escola que a formação de conceitos científicos é introduzida explicitamente, oportunizando ao ser humano a compreensão da realidade e a superação de problemas que são impostos diariamente. Fica claro que o ensino de Ciências não objetiva preparar cientistas ou preparar para o Ensino Médio, mas para que o educando aprenda a viver na sociedade em que está inserido. (LORENZETTI, 2000, p.18) A alfabetização científica deve ser apresentada aos alunos logo nos primeiros anos de escolarização, e, ela os acompanhará por um longo período, uma vez que é vista como um processo (SASSERON, 2015). Sob essa perspectiva, a Alfabetização Científica é vista como processo e, por isso, como contínua. Ela não se encerra no tempo e não se encerra em si mesma: assim como a própria ciência, a Alfabetização Científica deve estar sempre em construção, englobando novos conhecimentos pela análise e em decorrência de novas situações; de mesmo modo, são essas situações e esses novos conhecimentos que impactam os processos de construção de entendimento e de tomada de decisões e posicionamentos e que evidenciam as relações entre as ciências, a sociedade e as distintas áreas de conhecimento, ampliando os âmbitos e as perspectivas associadas à Alfabetização Científica. (SASSERON, 2015, p. 8) É por meio da alfabetização científica que os alunos aprendem a interagir com os novos conhecimentos e conceitos que lhes são apresentados na escola; a partir daí, são capazes de relacioná-los aos acontecimentos que fazem parte de seu dia a 23 dia, e, assim, modifica-os e se deixa modificar, o que aguça a curiosidade existente em cada aluno (SOUZA; SASSERON, 2012). [...] usaremos o termo “alfabetização científica” para designar as ideias que temos em mente e que objetivamos ao planejarmos um ensino que permita aos alunos interagirem com uma nova cultura, com uma nova forma de ver o mundo e seus acontecimentos, podendo modificá-lo e a si próprios através da prática consciente propiciada por sua interação cerceada de saberes, de noções e conhecimentos científicos, bem como das habilidades associadas ao fazer científico. (SOUZA; SASSERON, 2012, p. 596) A referida curiosidade de que falamos, a sede pelo saber e aprender, que existe nas crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental, deve ser, amplamente, explorada pelos professores, antes que se esgote ou se transforme em aversão ao conhecimento científico, como cita Caniato, 1997, apud Lorenzetti, 2000: O entusiasmo e o gosto por saber, especialmente relacionado com as coisas da ciência, vai declinando. O gosto pela ciência vai diminuindo e frequentemente se extingue. Muitas vezes aquilo que era gosto inerente ao jovem, acaba por se transformar em aversão. (CANIATO, 1997, apud LORENZETTI, 2000, p. 24) Dentre os diversos assuntos de que trata a disciplina de Ciências, optamos, neste trabalho, especificamente, pela Astronomia, conteúdo que faz parte do imaginário infantil e adulto, em diversas épocas da história da humanidade. Mas por que ensinar Astronomia, nas séries iniciais do Ensino Fundamental? Essa é uma das perguntas que habita o pensamento de muitos pedagogos, responsáveis por ministrarem as aulas de Ciências, nas cinco primeiras séries do Ensino Fundamental. Tal pergunta justifica-se pela ausência de conteúdos de Astronomia nos currículos de Formação Inicial destes profissionais e que discutiremos mais adiante. Ensinar Astronomia às crianças pequenas possibilita apresentar-lhes a pesquisa cientifica, iniciando assim o contato com as primeiras investigações, observações e argumentações. Tais possibilidades ocorrem pelo fato de a Astronomia ser uma disciplina motivadora, inspiradora, que, frequentemente, desperta a curiosidade e a fantasia das crianças, que estão iniciando a vida acadêmica. Como afirmam Langhi e Martins (2018): 24 A motivação possibilita a um indivíduo várias opções, oferecendo a ele recursos ideais, que tornarão possíveis suas escolhas autênticas, promovendo resultados satisfatórios, uma vez que ela aumenta o nível de interesse e compreensão, os quais geram aprendizagem. (LANGHI e MARTINS, 2018, p. 68) Outro aspecto interessante relacionado ao ensino de Astronomia é seu papel interdisciplinar, excelente instrumento de auxílio aos docentes, uma vez que possibilita o trabalho e envolve diversas disciplinas em atividades variadas. Segundo Langhi (2009): Nas escolas, a astronomia promove este excitante papel motivador, tanto para alunos como para professores, pois, ao tocar neste assunto, a maioria dos jovens costuma desencadear uma enxurrada de perguntas sobre buracos negros, origem do universo, vida extraterrestre, tecnologia aeroespacial, etc. Este entusiasmo abre a oportunidade para o professor trabalhar, de modo interdisciplinar, as demais matérias escolares. Além do aspecto motivacional, a astronomia assume um papel diferenciador, que a pode distinguir das outras ciências, conferindo-lhe um certo grau “popularizável”, favorecendo a cultura científica, uma vez que o seu laboratório é natural e gratuito, estando o céu à disposição de todos, facilitando a execução de atividades ao ar livre e que não exigem materiais custosos. (LANGHI, 2009, p. 8) Muito além do que somente um conjunto de conteúdo a ser cumprido, a Astronomia, também, se revela motivadora, problematizadora, que promove discussões históricas e filosóficas (GAMA; HENRIQUE, 2010): Acreditamos que a astronomia não cabe como um mero acréscimo de conteúdos a serem tratados em aula, mas oferece alternativas às formas de abordar mesmo outros temas e pode promover ricos debates sobre a história e a filosofia das ciências. (GAMA; HENRIQUE, 2010, p. 13) O fato de ser uma ciência que sempre fez parte do cotidiano das pessoas, influenciando direta ou indiretamente a vida de todos e o desenvolvimento dos povos (PUZZO; TREVISAN; LATARI, 2004), de ter a seu dispor laboratório gratuito e ao alcance de todos (natureza), faz da Astronomia objeto de fascínio para as crianças e importante instrumento de alfabetização científica nas mãos dos professores. Assim como as pesquisas na área (LANGHI, 2004; LEITE, 2013; IACHEL, 2009; FERNANDES, 2018) entre outros pesquisadores da área que discutem a importância da Astronomia na Educação Básica, os documentos oficiais confirmam a necessidade de se trabalhar tal conteúdo. 25 Os documentos elaborados pelo Governo Federal e aprovados pelo Conselho Nacional de Educação, em 1997, a fim de orientar a composição da grade curricular das instituições de ensino brasileiras, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), contemplam a Astronomia na disciplina de Ciências, no eixo Terra e Universo. Nesse documento, trabalha-se a Astronomia desde seu surgimento, o que proporciona aos alunos o contato com a História da Ciência, que os aproxima, assim, dos diferentes modelos de céu e Universo construídos ao longo da história da humanidade, até os mais avançados instrumentos tecnológicos de observação e suas descobertas. O eixo “Terra e Universo” também orienta a observação direta e sistemática do céu. No desenvolvimento desses estudos, é fundamental privilegiar atividades de observação e dar tempo para os alunos elaborarem suas próprias explicações. Por exemplo, nos estudos básicos sobre o ciclo do dia e da noite, a explicação científica do movimento de rotação não deve ser a primeira abordagem sobre o dia e a noite, o que causa muitas dúvidas e não ajuda a compreensão do fenômeno observado nas etapas iniciais do trabalho. Certamente os alunos manifestam a contradição entre o que observam no céu - o movimento do Sol tomando-se o horizonte como referencial - e o movimento de rotação da Terra, do qual já tiveram notícia. As dúvidas dos alunos, contudo, podem ser o ponto de partida para se estabelecer uma nova interpretação dos fenômenos observados. (BRASIL, 1998, p. 62) No referido documento, o eixo Terra e Universo faz-se presente somente no terceiro e quarto ciclos, que compreendem do sexto ao nono ano e são selecionados, como orientação, conteúdos centrais para o desenvolvimento de tais conceitos, procedimentos e atitudes. Observemos, no caso do terceiro ciclo, (BRASIL, 1998, p. 66): • observação direta, busca e organização de informações sobre a duração do dia, em diferentes épocas do ano e sobre os horários de nascimento e ocaso do Sol, da Lua e das estrelas ao longo do tempo, reconhecendo a natureza cíclica desses eventos e associando-os a ciclos dos seres vivos e ao calendário; • busca e organização de informações sobre cometas, planetas e satélites do sistema Solar e outros corpos celestes para elaborar uma concepção de Universo; • caracterização da constituição da Terra e das condições existentes para a presença de vida; 26 • valorização dos conhecimentos de povos antigos para explicar os fenômenos celestes; Já para o quarto ciclo, ainda com a observação direta balizando os temas de trabalho, os conteúdos centrais para o desenvolvimento dos conceitos, procedimentos e atitudes são (BRASIL, 1998, p. 95): • identificação, mediante observação direta, de algumas constelações, estrelas e planetas recorrentes no céu do hemisfério Sul durante o ano, compreendendo que os corpos celestes vistos no céu estão a diferentes distâncias da Terra; • identificação da atração gravitacional da Terra como a força que mantém pessoas e objetos presos ao solo ou que os faz cair, que causa marés e que é responsável pela manutenção de um astro em órbita de outro; • estabelecimento de relação entre os diferentes períodos iluminados de um dia e as estações do ano, mediante observação direta local e interpretação de informações deste fato nas diferentes regiões terrestres, para compreensão do modelo heliocêntrico; • comparação entre as teorias geocêntrica e heliocêntrica, considerando os movimentos do Sol e demais estrelas, observados, diariamente, em relação ao horizonte e o pensamento da civilização ocidental nos séculos XVI e XVII; • reconhecimento da organização estrutural da Terra, estabelecendo relações espaciais e temporais em sua dinâmica e composição; • valorização do conhecimento historicamente acumulado, considerando o papel de novas tecnologias e o embate de ideias nos principais eventos da história da Astronomia, até os dias de hoje. Segundo este documento (BRASIL, 1998): Compreender o Universo, projetando-se para além do horizonte terrestre, para dimensões maiores de espaço e de tempo, pode nos dar novo significado aos limites do nosso planeta, de nossa existência no Cosmos, ao passo que, paradoxalmente, as várias transformações que aqui ocorrem e as relações entre os vários componentes do ambiente terrestre podem nos dar a dimensão da nossa enorme responsabilidade pela biosfera, nosso domínio 27 de vida, fenômeno aparentemente único no Sistema Solar, ainda que se possa imaginar outras formas de vida fora dele. (BRASIL, 1998, p. 41) Ao observar esse fragmento, podemos perceber que, apesar de contemplar as séries finais do Ensino Fundamental, as cinco primeiras séries ficam desprovidas de conteúdos de Astronomia, ou seja, os alunos terão os seus primeiros contatos com tais conceitos, no Ensino Fundamental 2; o que pode ocasionar o surgimento de uma série de concepções espontâneas, uma vez que os fenômenos astronômicos fazem parte do dia a dia dos alunos. Mais recentemente, foi elaborada a nova Base Comum Curricular (BNCC), que está prestes a ser implantada no sistema educacional brasileiro. Neste novo documento oficial, o compromisso dá-se com a formação integral dos alunos (BRASIL, 2018): Portanto, ao longo do Ensino Fundamental, a área de Ciências da Natureza tem um compromisso com o desenvolvimento do letramento científico, que envolve a capacidade de compreender e interpretar o mundo (natural, social e tecnológico), mas também de transformá-lo com base nos aportes teóricos e processuais das ciências. (BRASIL, 2018, p. 319) Nessa concepção, a área de Ciências da Natureza da nova BNCC assegura, aos alunos, o acesso à diversidade de conhecimentos científicos (BRASIL, 2018, p. 319), dentre eles a Astronomia. Estruturada em unidades temáticas, a área de Ciências da Natureza contempla os conteúdos de Astronomia na unidade Terra e Universo e, diferentemente dos PCN, nesta nova Base, os conteúdos contemplam todas as séries do Ensino Fundamental, séries iniciais e finais. Apesar dos documentos oficiais formulados pelo Governo Federal e que norteiam o sistema educacional brasileiro, alguns municípios elaboram seus próprios documentos, conferindo certa particularidade a seu ensino. Este é o caso da Rede Municipal de Educação da cidade de Bauru, que detalharemos a seguir. O município de Bauru está situado na região centro-oeste do estado de São Paulo, a cerca de 350 km da capital do estado e possui uma população de aproximadamente 365 mil habitantes, segundo informações disponíveis no site oficial da Prefeitura Municipal (www.bauru.sp.gov.br). Possui uma rede de ensino que atende desde a Educação Infantil, passando pelo Ensino Fundamental, séries iniciais e finais, até a Educação de Jovens e Adultos. Com relação ao Ensino Fundamental, possui 16 (dezesseis) escolas municipais de 28 Ensino Fundamental (EMEF), dentre as quais, 04 (quatro) atendem também as séries finais do EF. Desde o ano de 2013, o Sistema de Educação do município de Bauru possui um Currículo Comum para o Ensino Fundamental, cuja elaboração contou com a participação de diretores, coordenadores pedagógicos, professores e equipe técnica da Secretaria Municipal de Educação, além de professores e alunos da Universidade Estadual Paulista, campus de Bauru, por meio de grupos de estudos, realizados durante cerca de 03 (três) anos (BAURU, 2016), Durante três anos, de 2010 a 2012, a professora Dra. Thaís Cristina Rodrigues Tezani, do departamento de Educação do campus da UNESP- Bauru, organiza grupos de trabalho com o corpo docente do sistema municipal, grupos de trabalho nas escolas para a discussão acerca dos conteúdos necessários ao Currículo e coordena o levantamento do que era ensinado das escolas. Este movimento permitiu conhecer a realidade e construir coletivamente um novo tecido, que desse conta de unificar o sistema educacional do município. Como resultado foi produzido a primeira versão do Currículo Comum para o Ensino Fundamental Municipal de Bauru e o documento que materializa este trabalho fica pronto em 2012. (BAURU, 2016, p. 22) Desde sua implantação, o Currículo Comum para o Ensino Fundamental de Bauru passou por uma revisão, que resultou no documento que é utilizado nos dias de hoje. Segundo este documento, Indagar questões curriculares nas escolas e na teoria pedagógica demonstra consciência de que os currículos não são conteúdos prontos e acabados a serem transmitidos aos alunos. O currículo é construção, seleção de conhecimentos e práticas que são produzidas em contextos concretos e em dinâmicas políticas, sociais, intelectuais, culturais e pedagógicas. (BAURU, 2016, p. 32) O Currículo preconiza o ensino de Ciências, a partir de uma visão crítica e coerente, a fim de instrumentalizar os alunos para que se tornem agentes de transformação social: Além disso, em uma visão crítica de ciência, são estabelecidas relações entre ambiente, sociedade e conhecimento, reconhecendo-se que suas finalidades atendem à construção de uma sociedade emancipada. A ciência é entendida como uma prática social humana desenvolvida ao longo do tempo, sendo um patrimônio intelectual da humanidade. (BAURU, 2016, p. 426) 29 O referido documento tem sua matriz curricular dividida por áreas, como a área de Ciências Naturais, que tem um olhar voltado ao ensino dos conteúdos clássicos das Ciências Naturais, porém objetivando sua emancipação: Apropriação, pelos alunos, de conhecimentos das Ciências Naturais, articulando-os e considerando as dimensões natural, ética, social, cultural, política e histórica, com vistas a sua formação omnilateral e atuação enquanto agentes de transformação. (BAURU, 2016, p. 431) Tal área foi organizada, assim como os PCN, por eixos temáticos, 03 (três) ao todo, a saber: Ser Humano e Saúde, Ambiente e Recursos Tecnológicos, que estão presentes, durante os nove anos do Ensino Fundamental (ciclos 1 e 2). O eixo Ambiente tem como objetivo geral o conhecimento por parte dos alunos dos fatores naturais, históricos, sociais e políticos que afetam o desenvolvimento do ambiente, bem como levá-los a se sentirem como integrantes e responsáveis pelo ambiente, estabelecendo relações com conhecimentos de outros eixos (BAURU, 2016, p. 439). A Astronomia faz-se presente na área de Ciências Naturais, no eixo Ambiente, e, orienta o planejamento de modo sistemático, o que propicia o aprendizado de forma interligada a outros conteúdos e conhecimentos, permitindo assim um aprendizado de forma integral e completo (BAURU, 2016). Vejamos que esta interligação entre os conteúdos é frequente, como é o caso do conteúdo planeta Terra. Ao estudar sua composição, localização e movimentos o aluno estará fundamentando seus próximos estudos sobre tipos de solo, pontos cardeais, as estações do ano e os ciclos do dia e da noite, proporcionando, assim, um aprendizado integrado e coerente. (BAURU, 2016, p.438) Tal conteúdo está presente em praticamente todas as séries do Ensino Fundamental, com exceção do 8º ano, em pelo menos um bimestre, como mostra o quadro a seguir: 30 Ano Bimestre Conteúdo 1º 4º Sol: Energia; Luz; Calor Lua Estrelas Planeta Terra: Movimento de rotação (dia e noite); Movimento de translação (estações do ano) 2º 1º Características do Planeta Terra: Formato; Composição; Localização no sistema solar; Movimento de rotação e translação Sol (luz e calor) 3º 1º Planeta Terra – características Sol (luz e calor) Lua: fases da Lua Movimento de rotação e translação 4º 1º Sistema solar – planetas, estrelas, satélites naturais Lua: fases da Lua Sol: calor e energia Movimento de rotação e translação 5º 1º A Atmosfera – características Interferências antrópicas na natureza: agricultura, reflorestamento, desmatamento, queimadas, lixo e suas consequências para o meio ambiente. Sol – radiação solar 6º 1º Concepções de Universo: orientação espaço tempo Corpos Celestes: astros, planetas e satélites Distâncias Corpos Celestes – escalas Constelações Galáxia e Universo: modelos Geocêntrico e Heliocêntrico Planetas: movimentação Sistema Terra – Sol – Lua: movimentos, trajetória Estações do ano: influência nos hábitos de povos antigos e atuais, solstício, equinócio, trajetória Sol; características regionais Lua: fases Calendários Lunares: diversidade cultural Ritmos Cíclicos – dia e noite: iluminação, 7º 1º Origem Planeta Terra e sua Evolução Origem da Vida: concepções diversas Teoria da Evolução: Lamarck e Darwin 31 9º 3º Forças Princípios da dinâmica Gravidade 9º 4º Calor Som Ondas Luz Espelhos e Lentes Quadro 1 - Conteúdos de Astronomia propostos para o eixo Ambiente. Fonte: BAURU (2016, p. 443-457) Notamos que, diferentemente dos PCN, que selecionam e orientam os conteúdos centrais para o desenvolvimento dos conceitos astronômicos, com um eixo temático voltado para o ensino de Astronomia (eixo Terra e Universo), o Currículo Comum para o Ensino Fundamental do município de Bauru, na apresentação da matriz curricular de Ciências Naturais, pouco o menciona; apenas o cita como exemplo, ao mencionar a interligação entre os conteúdos, mas sem maiores orientações metodológicas. A falta de tais orientações, aliada a deficiência na formação inicial destes professores para o ensino dos conceitos de Astronomia, leva-os a procurarem cursos de formação, a fim de sanar as lacunas oriundas de suas licenciaturas, assunto que trataremos mais adiante. 1.3. A pesquisa no Ensino de Astronomia no âmbito do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (GPEC) O Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (GPEC) foi criado em 1994 e cadastrado, oficialmente, junto a Pró-Reitoria de Pesquisa da Unesp e no CNPq desde 1999, segundo informações disponíveis no Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil1. É um dos vários grupos de pesquisa ligado ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e mantém colaboração em projetos de pesquisas nacionais e internacionais. 1 http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7581494853521772 http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7581494853521772 32 Formado por docentes orientadores e alunos de graduação e pós-graduação, o GPEC é liderado pelos professores doutores Roberto Nardi e Fernando Bastos, que seguem, basicamente, duas linhas de pesquisa, a saber: Fundamentos e Modelos Psicopedagógicos no Ensino de Ciência e Linguagem, Discurso e Ensino de Ciências. Atualmente, o GPEC é constituído por 17 pesquisadores, 14 alunos de doutorado, 10 alunos de mestrado, 5 alunos da graduação, além de 21 participantes sem formação e/ou em andamento no presente momento. O Grupo instituiu-se, a partir do reconhecimento de objetos de pesquisa comuns ligados à área de Educação em Ciências Naturais entre docentes participantes do Grupo e docentes do Ensino Fundamental e Médio de escolas da região de Bauru. A temática dos projetos no GPEC é a pesquisa sobre a formação de professores da área de Ciências da Natureza. Dentre as diversas ramificações desta importante temática, surge a preocupação em se pesquisar a Educação em Astronomia, por parte de vários participantes do Grupo, que inicia, assim, uma série de produções acadêmicas, no âmbito do GPEC, sobre Formação de Professores para o Ensino de Astronomia, dos quais podemos citar Langhi (2004, 2009), Iachel (2009, 2013), Oliveira (2016), Ulloffo (2018) e Fernandes (2018). Como vimos nos itens anteriores, é evidente a importância do ensino de Astronomia, desde as séries iniciais do EF até os cursos de licenciatura, que formam os professores da Educação Básica. Contudo, vemos um certo descaso em relação a este assunto da Ciência por parte das instituições de ensino e, por outro lado, preocupação por parte dos professores em relação a falta de conhecimento de tais conceitos. Segundo Langhi (2004): A preocupação com o tema é justificada em função do caráter interdisciplinar da Astronomia, uma vez que esta interage facilmente com praticamente todas as disciplinas, possuindo grande potencial educativo, além de se constatar empiricamente uma grande difusão de concepções de senso comum referentes aos fenômenos astronômicos. (LANGHI, 2004, p. 7) Em sua pesquisa de mestrado, Langhi (2004) percorre desde a história do ensino de Astronomia no Brasil, passando pelas concepções alternativas sobre estes conceitos além dos erros comuns sobre Astronomia encontrados em livros didáticos. Segundo Langhi (2004): 33 O estudo está estruturado de maneira a fornecer inicialmente um panorama geral do ensino da Astronomia no Brasil desde os primeiros registros históricos desta Ciência até atingir a atualidade com as principais atividades realizadas numa tentativa de reunir esforços para a melhoria da qualidade de ensino deste tema. A partir deste fundo histórico, apresentam-se as principais concepções alternativas de estudantes e professores sobre fenômenos astronômicos encontradas na literatura especializada, bem como os erros conceituais de Astronomia presentes em livros didáticos, conforme mostram as publicações sobre a pesquisa na área. (LANGHI, 2004, p. 11) Nessa perspectiva, verificam-se ainda, em sua pesquisa de mestrado, as exigências dos documentos oficiais em relação aos conteúdos para o ensino de Astronomia, as justificativas para o ensino desta Ciência, além da inserção destes conceitos na formação inicial de professores dos anos iniciais do EF: Levando-se em conta que os conteúdos de Astronomia devem fazer parte do ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a formação do docente precisa fornecer no mínimo condições para que o futuro professor se sinta capacitado para ensiná-los, o que pode ser garantido em parte pela inclusão dos fundamentos teóricos e práticos sobre o tema, seja na formação inicial ou continuada. Em poucas palavras: para se ensinar conteúdos, é necessário conhecer bem esses conteúdos. Contudo, eles precisam ser trabalhados adequadamente, o que pode ser conseguido por uma transposição didática e metodologias de ensino apropriadas para cada realidade. (LANGHI, 2004, p. 173) Já em sua pesquisa de doutorado, Langhi dá continuidade a esse trabalho, desta vez, faz uma análise da influência de um curso de formação continuada em Astronomia na prática docente de professores das séries iniciais do EF. Segundo o autor (LANGHI, 2009): Conforme mostraram os resultados dessa pesquisa, segundo seus objetivos, a formação de professores precisa sofrer alterações se desejarmos que processos efetivos de ensino-aprendizagem em astronomia aconteçam com mais frequência e qualidade. Expressando esta preocupação, debruçamo- nos sobre a busca dos principais elementos formativos que um programa de educação continuada em astronomia poderia contemplar a fim de fornecer subsídios para a construção da autonomia nos professores dos anos iniciais do ensino fundamental. (LANGHI, 2009, p. 319) Os resultados desta pesquisa evidenciaram que cursos de curta duração, baseados na área de educação em Astronomia, podem fornecer experiências exitosas para a construção de saberes docentes (LANGHI, 2009). 34 Seguindo a linha de formação de professores, outro participante do GPEC, que realizou pesquisas nessa temática foi Iachel (2009). Em sua pesquisa de mestrado, investigou quais contribuições promoveriam o desenvolvimento profissional dos docentes participantes de um curso de formação continuada, voltado ao ensino de Astronomia, (IACHEL, 2009). Uma das primeiras constatações foi a necessidade de entender quais são as reais necessidades formativas dos professores quando trabalhamos com a sua formação inicial ou continuada. [...] Além disso, a notória falta de preparo dos docentes para o ensino da Astronomia faz com que esses profissionais encontrem dificuldades até mesmo no momento de selecionar fontes confiáveis de conteúdo relacionado a Astronomia. (IACHEL, 2009, p. 15) Mais adiante, em sua tese de doutorado, a formação inicial e continuada de professores para o ensino de Astronomia continuou a ser o mote de sua pesquisa, tendo neste momento como objetivo geral, segundo o autor: Indicar, com base na análise das falas de pesquisadores considerados referenciais nacionais no campo de ensino de Astronomia, quais são e como poderão se desdobrar os caminhos da pesquisa e da formação inicial e continuada de professores. (IACHEL, 2013, p. 13) Ao final deste estudo (mas não o finalizando), o autor oferece aos leitores a seguinte reflexão, em forma de sugestão: Ofereçam aos professores em exercício reais condições de se formarem continuamente. Vemos alguns casos de formação continuada ocorrendo de forma mais adequada em alguns estudos, que autorizam os professores a solicitar licença remunerada para esse fim. Essa solução possibilita ao docente estudar de forma mais adequada por ter suas demandas diminuídas como, por exemplo, preparar e ministrar aulas, corrigir trabalhos e avaliações, etc. Como entendemos, essa ação seria um primeiro passo em busca da profissionalização da carreira docente, melhorando a formação dos professores que já atuam e incentivando os novos ingressos no ofício. (IACHEL, 2013, p. 124) Também seguindo essa linha de pesquisa, Oliveira (2016) buscou analisar os indícios do desenvolvimento de práticas reflexivas emergentes, durante um curso de formação continuada em Astronomia. Por meio dessa pesquisa foi possível explorar os encaminhamentos de um curso de formação continuada em astronomia, no que diz respeito a uma formação voltada ao favorecimento de práticas reflexivas. Embora a necessidade de uma abordagem conteudista, constatada pela área e 35 fundamentada neste trabalho, o curso partiu da problematização das condições de ensino vivenciadas pelos professores, proporcionando ao professor o envolvimento enquanto autor do processo formativo imbuído ao longo do curso. (OLIVEIRA, 2016, p. 76) Astronomia observacional foi o mote das discussões em grupo realizadas por Oliveira, onde os professores participantes relacionavam tais discussões com suas práticas em sala de aula, já que um dos objetivos do curso era subsidiar o professor quanto à abordagem da astronomia, em uma perspectiva reflexiva e não apenas conteudista (OLIVEIRA, 2016, p. 76). Segundo a autora, a reflexão coletiva foi essencial nos debates entre professores e pesquisadora, pois proporcionou a todos, um espaço de aprendizagem mútua. [...]estes momentos propiciaram, a partir das falas dos professores, aspectos que consideram pertinentes ao seu ensino e relativos ao contexto prático e social de seu trabalho. Dessa forma, os professores foram atuantes em seu processo formativo e desenvolvimento profissional, estabelecendo um diálogo entre o contexto real e as aulas de conceitos de astronomia as quais foram fundamentadas em produções acadêmicas. A partir desse movimento em prol de um diálogo, encontrou-se como significante para os professores não apenas a abordagem dos conteúdos de astronomia, mas sobre como ensinar esta ciência, enquanto as estratégias e as metodologias de ensino. (OLIVEIRA, 2016, p. 76) Ainda dentre os integrantes do GPEC, também na temática Astronomia, Ulloffo (2018) buscou comparar o Discurso Oficial, advindo dos Documentos Oficiais da educação brasileira, com o Discurso do Professor, docente de física, na primeira série do Ensino Médio, a fim de discutir o que é possível dizer acerca do ensino de temas relacionados à Astronomia (ULLOFFO, 2018): [...] embora os professores aleguem conhecer as propostas e orientações trazidas pelos documentos oficias, não parece, olhando para um contexto geral, que esse conhecimento é verdadeiro. Uma vez que em diversos momentos do discurso dos professores é possível identificar posicionamento que não estão em sintonia a aquilo que é abordado de fato pela proposta. (ULLOFFO, 2018, p. 125) Tal análise entre o Discurso Oficial e o Discurso do Professor leva-nos à reflexão da importância de se rever a Formação Inicial de professores da Educação Básica e da grande necessidade em se ofertar cursos de Formação Continuada aos professores em exercício. 36 Na mesma vertente, apresenta-se a tese de Fernandes (2018), que analisa os saberes docentes mobilizados durante um curso de Formação Continuada em Astronomia, durante a utilização de uma estratégia de ensino. A pesquisa justifica-se, dentre outros argumentos, aos estudos realizados no âmbito do GPEC, que evidenciam o distanciamento entre a produção acadêmica da área de Educação em Astronomia, os saberes e práticas de licenciandos e professores em exercício da Educação Básica (FERNANDES, 2018): No caso específico do ensino de Astronomia, estudos realizados no domínio do GPEC mostram que este distanciamento negligencia a presença dos estudos de Astronomia nas salas de aula do ensino básico, quase sempre comprometendo a atuação do professor, em termos de qualidade do ensino ministrado nesse nível escolar. (FERNANDES, 2018, p. 9) A Formação Inicial deficitária em relação aos conceitos de Astronomia, aliada a falta de hábito em realizar observações diretas dos fenômenos que ocorrem no céu, faz com que tais conceitos sejam pouco explorados na escola (FERNANDES, 2018): [...] parece importante ressaltar o valor fundamental do ensino da Astronomia que, devido ao seu caráter altamente interdisciplinar, possibilita a integração das diferentes ciências na escola, a fim de que seus protagonistas aprendam a distinguir observações, identificações, descrições e interpretações [...]. (FERNANDES, 2018, p. 30) Além das pesquisas acima citadas, outras de grande relevância e extremamente importantes vêm sendo desenvolvidas no âmbito do GPEC, no tocante a Formação de Professores. Nesse sentido, trataremos, no próximo capítulo, sobre essas e tantas outras pesquisas, que verificam e comprovam a importância do Ensino de Astronomia na Educação Básica, bem como a necessidade de um olhar cuidadoso e reflexivo para a inserção de conceitos de Astronomia, na Formação Inicial e em Exercício dos professores deste nível de ensino. 37 2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SABERES DOCENTES NO CONTEXTO DESTA PESQUISA A partir do exposto, no capítulo anterior, acerca da importância de se refletir sobre a Formação Inicial e em Exercício dos professores da Educação Básica e com o intuito de analisar como ela tem acontecido, estrutura-se este capítulo. Uma vez que a tônica dessa pesquisa é o professor das séries iniciais do EF, seguiremos este caminho na discussão, que aqui iniciamos. O professor dos anos iniciais do EF, geralmente, é Pedagogo, ou seja, é um professor generalista e polivalente, já que é o responsável por ministrar todas as disciplinas da matriz curricular do 1º ao 5º ano, com exceção às aulas de Educação Física, Arte e Língua Estrangeira (nos Sistemas de Ensino, em que esta disciplina é contemplada nas séries iniciais). Assim, é papel do professor, em nosso caso do Pedagogo, mediar o encontro dos alunos com os objetos de conhecimento (LIBÂNEO, 2001). O professor introduz os alunos no mundo da ciência, da linguagem, para ajudar o aluno a desenvolver seu pensamento, suas habilidades, suas atitudes. Sem professor competente no domínio das matérias que ensina, nos métodos, nos procedimentos de ensino, não é possível a existência de aprendizagens duradouras. Se é preciso que o aluno domine solidamente os conteúdos, o professor precisa ter, ele próprio, esse domínio. Se os alunos precisam desenvolver o hábito do raciocínio científico, que tenham autonomia de pensamento, o mesmo se requer do professor. Se queremos alunos capazes de fazer uma leitura crítica da realidade, o mesmo se exige do professor. Se quisermos lutar pela qualidade da oferta dos serviços escolares e pela qualidade dos resultados do ensino, é preciso investir mais na pesquisa sobre formação de professores. (LIBÂNEO, 2001, p. 22) Porém, inquieta-nos a seguinte questão: no caso do Ensino de Ciências, estará o Pedagogo sendo formado adequadamente, em seu curso de graduação, para desenvolver uma prática docente eficiente? Se existe um ponto em que há um consenso absolutamente geral entre os professores – quando se propõe a questão do que nós, professores de Ciências, devemos “saber” e “saber-fazer” – é, sem dúvida, a importância concedida a um bom conhecimento da matéria a ser ensinada. (CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2011, p. 21) Carvalho e Gil-Pérez (2011) enfatizam ainda que, o conhecimento do conteúdo a ser ministrado deve partir de aspectos mais profundos, desde a história das 38 Ciências, associando-o com os problemas, que lhe deram origem e, consequentemente, relacioná-los às orientações metodológicas empregadas na construção de tais conhecimentos. Desta forma, segundo os autores, os professores são capazes de selecionar conteúdos adequados para a prática pedagógica em suas aulas de Ciências. [...] este conhecimento profundo da matéria é fundamental para um ensino eficaz, e sua aquisição não é possível, obviamente, no período sempre breve de uma formação inicial (e muito menos com a orientação atual da mesma). Deveríamos por isso acrescentar um novo aspecto: a preparação para adquirir novos conhecimentos, em função de mudanças curriculares, avanços científicos, questões propostas por alunos etc. A formação dos professores deveria incluir experiências de tratamento de novos domínios, para os quais não se possui, logo de entrada, a formação científica requerida. Trata-se de uma situação que se apresenta repetidamente ao longo de sua vida profissional e para a qual se requer também uma preparação, tão importante ou mais que o estudo em profundidade de alguns domínios concretos (necessariamente limitados). (CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2011, p. 25-26) Segundo Ovigli e Bertucci (2009), a formação de professores é um fator extremamente relevante no quadro de problemas relativos ao ensino de Ciências. [...]sua prática pedagógica, influenciada diretamente pela formação incipiente que teve nessa área, se traduz em aulas de Ciências predominantemente teóricas, em que se privilegiam livros-textos que, por vezes, são descontextualizados do entorno sociocultural dos alunos. (OVIGLI; BERTUCCI, 2009, p. 196) Tal deficiência na formação inicial leva os docentes em exercício, das séries iniciais, a se sentirem inseguros em relação aos tópicos de Ciências, com os quais devem trabalhar (LORENZETTI, 2000), e, assim, concentram-se, unicamente, nos exemplos encontrados nos livros didáticos ou, em algumas vezes, simplesmente ignoram tais conteúdos. Esta formação deficiente dos professores faz com que estes desempenhem papel secundário na sala de aula, quando não se permite a discussão dos seus planejamentos de ensino, sendo meros executores de planejamentos previamente elaborados pelas Secretarias de Educação que, muitas vezes, não fomentam as discussões e o comprometimento do educador com as mudanças e transformações que a escola e a sociedade necessitam, nas quais o professor tem um papel essencial a desempenhar. A prática pedagógica é influenciada diretamente pela formação deficiente dos professores, tornando as aulas de Ciências teóricas baseadas nos livros textos que estão descontextualizados da realidade dos alunos. As experiências, quando realizadas, não desenvolvem o raciocínio lógico e não 39 contribuem para a construção de outros conhecimentos. (LORENZETTI, 2000, p. 28) Uma vez que os cursos de Formação de Professores deixam tal lacuna, como reverter esta situação e elevar a qualidade do ensino de Ciências, por parte dos docentes dos anos iniciais em exercício, em nossos sistemas de ensino? Segundo o Ministério da Educação (MEC), no documento Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, em Cursos de Nível Superior, “é certo que há uma enorme distância entre o perfil de professor que a realidade atual exige e o perfil de professor que a realidade até agora criou” (BRASIL, 2000). A formação de um profissional de educação tem que estimulá-lo a aprender o tempo todo, a pesquisar, a investir na própria formação e a usar sua inteligência, criatividade, sensibilidade e capacidade de interagir com outras pessoas. (BRASIL, 2000, p. 13) Assim, é certo que os docentes, sejam eles de qualquer esfera da Educação, necessitem, constantemente, de atualizações para aperfeiçoar os conhecimentos e, consequentemente, a prática pedagógica durante a sua caminhada profissional, seja realizando cursos de Especialização, Extensão, Formação Continuada, entre outros (LANGHI e NARDI, 2012). De acordo com Iachel, Scalvi e Nardi, O professor que deseja acompanhar as inovações curriculares através da atualização de seus conhecimentos sempre busca por cursos de formação continuada. Não é o caso somente do ensino da Astronomia, mas sim de qualquer uma das disciplinas. Estes docentes buscam por suas “necessidades formativas”. (IACHEL; SCALVI; NARDI, 2009, p. 5-6) Nesse sentido, iludem-se aqueles que julgam ser, tais atualizações, necessárias somente aos profissionais oriundos das universidades privadas ou de cursos de curta duração. Professores formados em universidades públicas, bem- conceituadas, necessitam igualmente de cursos de atualização. Os cursos de formação continuada se justificam também para aqueles profissionais oriundos de Universidades bem-conceituadas, pois seria ilusório pensar que eles chegam à sala de aula com competência para ensinar. A atrofia dos fundamentos teóricos dos cursos de formação de professores e a consequente atomização e fragmentação dos currículos é uma realidade também nas boas Universidades. Portanto, cursos de formação continuada 40 têm o papel, entre nós, não só de garantir a atualização dos professores, como também de suprir deficiências dos cursos de formação. (CUNHA; KRASILCHIK, 2000, p. 2) Segundo as autoras, a necessidade de atualização por parte dos professores somente fica evidente, a partir de sua prática efetiva em sala de aula, pois, ali, vivenciam suas necessidades. Procurar cumprir as exigências de formação no período inicial conduziria ao prolongamento dos cursos ou a um tratamento superficial dos conteúdos. Por outro lado, muitos dos problemas do processo de ensino-aprendizagem não adquirem sentido até que o professor os tenha enfrentado em sua própria prática. O estabelecimento de uma estrutura de formação continuada, poderia minorar os problemas apontados. (CUNHA; KRASILCHIK, 2000, p. 3) Tais necessidades de formação podem ser apresentadas em todos os conteúdos do currículo trabalhado, não sendo privilégio de uma ou outra disciplina. Desta forma, analisaremos a seguir a formação dos professores das séries iniciais para o Ensino de Astronomia. 2.1. Formação de professores das séries iniciais para o Ensino de Astronomia Se a formação de professores para o ensino de Ciências é comprovadamente deficitária nos currículos de Formação de Professores no Brasil, veremos que, mais especificamente para o ensino de Astronomia, a situação pode ser ainda pior. Como já discutido anteriormente, muitas são as justificativas para o ensino de Astronomia nas séries iniciais do EF. Entretanto, apesar de toda a relevância e importância elencada e a comprovação por meio de pesquisas na área (BRETONES, 1999; LANGHI, 2004; LEITE, 2013; IACHEL, 2009; FERNANDES, 2018) ainda há um longo caminho a se percorrer em relação à inclusão deste conteúdo nos currículos de Formação de Professores. A Astronomia tem forte apelo interdisciplinar, que pode ser utilizada e trabalhada em diversas disciplinas, que motiva a aprendizagem de crianças, adolescentes e adultos, apresentando-lhes conceitos científicos, para ampliar suas visões de mundo. 41 Enfim, voltando nosso olhar ao público analisado neste trabalho, professores das séries iniciais do EF, formados em cursos de graduação de Pedagogia, cujos currículos não contemplam conteúdos de Astronomia, veem-se confrontados e intimidados ao se depararem com tais conceitos nos currículos a serem trabalhados. Um professor de ciências no ensino fundamental, por exemplo, ver-se-á confrontado com o momento de trabalhar com conteúdos de astronomia. No entanto, o docente dos anos iniciais do ensino fundamental geralmente é graduado em pedagogia, e o dos anos finas geralmente em ciências biológicas, e conceitos fundamentais de astronomia não costumam contemplar estes cursos de formação, levando muitos professores a simplesmente desconsiderar conteúdos deste tema em seu trabalho docente. (LANGHI; NARDI, 2012, p. 93) Segundo os autores, uma formação limitada, ou por vezes inexistente, em Astronomia pode levar os docentes a enfrentarem situações de despreparo. A formação inicial limitada em astronomia – e muitas vezes inexistente – dos docentes parece levá-los a situações gerais de despreparo: sensação de incapacidade e insegurança ao se trabalhar com o tema, respostas insatisfatórias para os alunos, falta de sugestões de contextualização, bibliografia e assessoria reduzida, e tempo reduzido para pesquisas adicionais a respeito de tópicos astronômicos. Tentando superar essas dificuldades, os docentes vão em busca das mais variadas fontes de consulta para suas aulas. Dependendo da fonte consultada ou da resposta obtida, suas concepções alternativas podem ser alteradas ou reforçadas, ou ainda novas concepções poderão ser geradas. Algumas dessas concepções alternativas sobre fenômenos astronômicos podem ficar firmemente arraigadas no professor desde o tempo em que ele estudava enquanto aluno, persistindo até durante a sua atuação profissional. (LANGHI; NARDI, 2012, p. 94) Faz-se necessário e urgente um olhar crítico e transformador em relação à formação docente para o ensino de Astronomia, mesmo, e sobretudo, para os conteúdos essenciais, uma vez que concepções espontâneas arraigadas nos professores, desencadeiam o surgimento ou o reforço de concepções espontâneas nos alunos, que constituem um círculo vicioso, extremamente difícil de se quebrar. Caso o professor não domine os saberes disciplinares em Astronomia essencial, devido principalmente a lacunas durante sua formação inicial, é preocupante imaginá-lo trabalhando em sala de aula com saberes disciplinares construídos a partir de outras fontes de consulta (nem sempre seguras), tais como a mídia sensacionalista, livros didáticos contendo erros conceituais, ou sua própria experiência advinda dos anos do ensino fundamental, enquanto aluno. Ao demonstrarmos que, mesmo nestes conteúdos essenciais, há a persistência de concepções alternativas por parte dos docentes, expõe-se a situação de despreparo do professor, que pode 42 proporcionar, durante o processo de ensino e aprendizagem, o surgimento ou o reforço de concepções alternativas sobre fenômenos astronômicos, acarretando em sérios erros conceituais em Astronomia durante as aulas que deveriam contemplar conteúdos de Ciências. (LANGHI; NARDI, 2010, p. 2019) Diante do exposto até aqui, é fato que os professores das séries iniciais do EF possuem grande lacuna em sua formação inicial em relação ao ensino de Ciências e, consequentemente, aos conteúdos essenciais de Astronomia (LANGHI; NARDI, 2010), que serão confrontados com o ensino destes conteúdos no currículo em que trabalham. Assim, uma alternativa para sanar tais lacunas, são os cursos de formação em exercício ofertados aos professores atuantes na Educação Básica. Tais cursos desempenham importante papel, visto que, como afirma Rodrigues (2016), podem promover mudanças conceituais e metodológicas, potencializando assim a práxis pedagógica. É fato que há um grande distanciamento entre o perfil de professor que a realidade atual exige e o que realmente se criou até agora (BRASIL, 2000). Assim, neste cenário, faz-se necessário e indispensável grandes investimentos na formação profissional. A formação de um profissional de educação tem que estimulá-lo a aprender o tempo todo, a pesquisar, a investir na própria formação e a usar sua inteligência, criatividade, sensibilidade e capacidade de interagir com outras pessoas. (BRASIL, 2000, p. 13) Dessa forma, segundo Cunha e Krasilchik (2000), há certas circunstâncias que podem favorecer a eficiência dos cursos de formação, como a participação voluntária, existência de material de apoio, coerência e integração conteúdo-metodologia. Como já mencionado, anteriormente (LANGHI, 2009; LANGHI e NARDI, 2010; OVIGLI e BERTUCCI, 2009), o pedagogo recebe em sua formação inicial fundamentos teóricos superficiais, uma vez que, o aprofundamento de conteúdos específicos elevaria, excessivamente, a duração desta graduação. Assim, os cursos de formação em exercício tendem a ser ferramentas de auxílio na tarefa de minimizar tais lacunas oriundas da graduação. Procurar cumprir as exigências de formação no período inicial conduziria ao prolongamento dos cursos ou a um tratamento superficial dos conteúdos. Por 43 outro lado, muitos dos problemas do processo de ensino-aprendizagem não adquirem sentido até que o professor os tenha enfrentado em sua própria prática. O estabelecimento de uma estrutura de formação continuada, poderia minorar os problemas apontados. (CUNHA; KRASILCHIK, 2000, p. 3) Contudo, segundo as autoras, estes cursos de aperfeiçoamento não são estratégias finais e acabadas; não se esgotam. Tais propostas devem ser frequentemente ofertadas, sejam através de cursos, seminários e/ou conferências, de forma constante e contínua, contemplando conteúdos específicos, além de atualizações metodológicas e tecnológicas. Professores deverão atualizar-se constantemente, de modo que não só se mantenham informados sobre o progresso da Ciência e Tecnologia como também que estejam prontos para discutir o seu significado. (CUNHA; KRASILCHIK, 2000, p. 5) Portanto, a partir do exposto até aqui sobre a importância dos cursos de formação, veremos a seguir a experiência da formação em exercício dos professores da Secretaria Municipal de Educação do município de Bauru, situada no interior do estado de São Paulo. 2.2. A Formação em Exercício dos professores da Rede Municipal de Educação de Bauru para o Ensino de Astronomia A Secretaria Municipal de Educação (SME) do Município de Bauru, semestralmente, oferece a todos os funcionários da pasta cursos de Formação em exercício com variados temas, que visam a melhoria da qualidade educacional e o aperfeiçoamento profissional de todos os servidores da Educação. De acordo com o website2 da Secretaria Municipal de Educação, são ofertadas diversas formas que possibilitam a formação em exercício dos profissionais, que atuam frente a SME – professores e equipe multidisciplinar. As atividades incluem palestras, oficinas e cursos que tem como objetivo a troca de experiências entre os pares, visando a melhoria na prática pedagógica destes profissionais (BAURU, 2014). 2 http://hotsite.bauru.sp.gov.br/formcont/ (acesso em 01/11/2018) http://hotsite.bauru.sp.gov.br/formcont/ 44 Alguns cursos são a título de “convocação”, como por exemplo, os cursos de formação continuada destinados aos coordenadores pedagógicos, porém, a maioria é de participação espontânea e realizado fora do horário de trabalho, com as aulas ministradas nos períodos matutino, vespertino, noturno e, até mesmo, aos fins de semana. Na formação, são ofertadas atividades presenciais e à distância, com duração que variam de 02 até 120 horas. Todos os cursos são certificados e muitos deles são realizados em parcerias com outras instituições, como por exemplo, a Universidade Estadual Paulista – UNESP, campus de Bauru. Os cursos possuem vagas limitadas e as inscrições são realizadas, exclusivamente, via sistema online, com data e horário pré-agendadas e amplamente divulgadas. Alguns deles, mais procurados pelos participantes, esgotam suas vagas em poucos minutos. Figura 01: Capa do Catálogo de Formação Continuada 2018-1 da Secretaria Municipal de Educação de Bauru Nos últimos anos, temos visto uma crescente oferta nos cursos de Formação da SME relacionados a temática de Astronomia. A procura por estes cursos tem se mantido constante, mesmo para os cursos ofertados mais de uma vez. Isto se deve a 45 Astronomia ser conteúdo presente no Currículo Comum para o Ensino Fundamental Municipal de Bauru, na disciplina de Ciências Naturais e contemplar praticamente todos os anos do EF (vide quadro 1, p. 23). Tabela 1 – Cursos de Formação Continuada ofertados aos professores da SME do município de Bauru – SP. Fonte: arquivo pessoal Um desses cursos com a temática Astronomia é O Diário do Céu: introdução à Astronomia e seu ensino para professores da Educação Básica, com carga horária de 120 horas (40h presenciais e 80h de atividade de estudo não presenciais), que está sendo ofertado em 2018 pelo terceiro ano consecutivo, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência (PPGEDC) da Faculdade de Ciências (FC) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Campus de Bauru. Sobre este, trataremos mais adiante. Parcerias escola-universidade são preciosas ferramentas no trabalho de Formação de professores em exercício na Educação Básica, pois têm se mostrado importante instrumento para sanar as lacunas existentes dos cursos de graduação, que formam nossos professores, principalmente, os generalistas. Na SME, várias são as experiências desta natureza que nos mostram como tal parceria, envolvendo as escolas de Educação Básica e a Universidade, podem ser eficazes, promovendo um salto na qualidade de ensino (BASTOS, 2008), principalmente, quando pautados em questões, que surgem a partir de interesses e dificuldades relacionadas à prática docente dos profissionais desta rede de ensino. 46 Nesse sentido, faz-se importante que os professores da Educação Básica tenham claro em mente que, “ao serem convidados pelos formadores de professores da universidade a inovar sua prática, compreendam que isso significa pensar juntos sobre o que fazer e como fazê-lo” (BARCELOS; VILLANI, 2006, p. 93). Assim, exemplos como este, entre parceria universidade-escola, fazem-nos refletir sobre o que corrobora Carvalho e Gil-Pérez (2011), quando afirmam que as lacunas em nossa formação docente não constituem nenhum impedimento invencível, sendo as iniciativas de Formação de professores em exercício excelentes instrumentos para que estes modifiquem e ampliem suas perspectivas e, consequentemente, suas práticas pedagógicas. 2.3. Saberes Docentes Várias são as pesquisas sobre saberes docentes e sobre sua importância no contexto de sala de aula, na interação professor e aluno. Para Pimenta (1996), os saberes dos docentes são mobilizados por meio da experiência: experiência enquanto aluno de outros professores; experiência socialmente acumulada, seja profissionalmente no exercício em diferentes unidades escolares, seja por meio do conhecimento histórico da profissão adquirido em estudos; experiência adquirida em sua própria prática pedagógica e em contato com seus pares. Da mesma forma, Gaulthier et al. (2013) também afirma ser a experiência um dos pilares do saber docente, bem como o conhecimento do conteúdo, a interação com os pares e com os alunos, mediante a imposição do “papel” de professor em sala de aula. Este último nos interessa, uma vez que vem de encontro ao nosso instrumento de análise, que veremos mais adiante. Para Gauthier et al. (2013, p. 17), “O conhecimento desses elementos do saber profissional docente (...) é fundamental e pode permitir que os professores exerçam o seu ofício com muito mais competência”. Assim, para o pedagogo desempenhar um trabalho pedagógico eficiente e comprometido em sala de aula, deve mobilizar um vasto conjunto de saber profissional docente, uma vez que é o responsável por ministrar praticamente todas as disciplinas curriculares, nas séries iniciais do EF. 47 Segundo Langhi e Nardi (2012, p. 65), “chamamos de conhecimento profissional docente aquele conjunto de conhecimentos (ou saberes) que o professor deve dominar para exercer o seu trabalho como um profissional da educação.” Seria simplista e ingênuo demais acreditar que, para ensinar, basta somente conhecer o conteúdo e transmitir este aos alunos. O ensino vai muito além do que simples transmissão de informações (GAUTHIER et al., 2013). O ato pedagógico abrange diferentes ações do educador, como planejar, replanejar, organizar, avaliar, mediar conflitos entre alunos (e também, hoje em dia infelizmente, entre familiares dos alunos), adequar atividades para os alunos com maior dificuldade e também para aqueles com grande facilidade de aprendizagem. Pensar que ensinar consiste apenas em transmitir um conteúdo a um grupo de alunos é reduzir uma atividade tão complexa quanto o ensino a uma única dimensão, aquela que é mais evidente, mas é sobretudo negar-se a refletir de forma mais profunda sobre a natureza desse ofício e dos outros saberes que lhe são necessários. Numa palavra, o saber do magister não se resume apenas ao conhecimento da matéria. (GAUTHIER et al., 2013, p. 20-21) Segundo o autor, diversas são as ideias equivocadas sobre o saber docente necessário nesse nível de ensino (GAUTHIER et al., 2013): basta saber o conteúdo, ter talento, bom senso, seguir a intuição, ter experiência e cultura. Enfim, justificativas para se manter o ensino na ignorância. Da mesma forma, Cunha e Krasilchik (2000), citando Carvalho sobre a importância de cursos de atualização para professores de ciências, afirmam também que não basta conhecer a teoria e aplicá-la. É preciso conhecer a teoria, saber como ela foi construída, passar pelos processos de construção dessa teoria, incorporá-la na sua plenitude, para depois discutir como ela pode ser transmitida a outro nível de ensino, para os alunos com outra idade e outras experiências. (...) Existe muita falha, muita lacuna nos conhecimentos dos professores, falhas estas oriundas não somente dos cursos de Licenciatura, mas também decorrentes do grande avanço do conhecimento nas últimas décadas e da amplitude e diversificação dos conteúdos. (CUNHA; KRASILCHIK, 2000, p. 5) Para Gauthier et al. (2013), os saberes docentes formam um conjunto ou “reservatório de saberes disponíveis” e essenciais para a prática pedagógica, tais como: o saber disciplinar, o saber curricular, o saber das ciências da educação, o saber da tradição pedagógica, o saber experiencial e o saber da ação pedagógica. 48 Sem dúvida, é a partir de sua prática, da ação em sala de aula, da ação pedagógica, que o professor constrói parte de seu saber (LANGHI; NARDI, 2012, p. 65), “A profissão docente exige saberes particulares que servem de base para a prática profissional do ato de ensinar.” Além dos saberes mencionados até aqui, a ação pedagógica também sofre interferência das relações em sala de aula. De acordo com Gauthier et al. (2013), a atividade de ensino em sala de aula é organizada também pela interação social, ou seja, “Nenhum indivíduo aborda uma interação de maneira inteiramente virgem; ele se posiciona, ele toma parte nela a partir daquilo que já conhece, servindo-se de sua história pessoal para orientar sua ação” (GAUTHIER et al., 2013, p. 166). Segundo o autor, são três os paradigmas sobre o ensino, especificamente sobre a Pedagogia: o enfoque processo-produto; o enfoque cognitivista; o enfoque interacionista subjetivista (GAUTHIER et al., 2013, p. 144). Interessa-nos esse último, uma vez que destaca o indivíduo como portador de histórias, que constrói o mundo e seu significado em relação a outros sujeitos e pela reflexão destes (GAUTHIER et al., 2013), que fala e se porta mediante seu “papel” de professor. O enfoque interacionista-subjetivista comporta também uma visão particular do saber dos professores. Ele seria constituído não somente de saberes formais e objetivos (por exemplo, o saber disciplinar), mas também de relações subjetivas nascidas da prática. O saber docente seria assim moldado por relações de diferentes qualidades: qualidades morais, qualidades de atenção aos outros, qualidades críticas e emancipadoras, e até mesmo qualidades estéticas. Essa concepção se apoia no seguinte postulado geral: as realidades objetivas incorporam sempre elementos subjetivos. Assim, só temos acesso ao mundo por meio das representações dos indivíduos. Ao tratar da educação de maneira mais específica, o enfoque interacionista subjetivista adota o postulado de que a estrutura formal das tarefas dentro de uma sala de aula corresponde a uma espécie de transação entre o professor e os alunos. (GAUTHIER e al., 2013, p. 163) Para o autor, os saberes docentes são constituídos além de conhecimentos, das interações que se sucedem em sala de aula, em situações de simulação de papéis (GAUTHIER et al., 2013). Do mesmo modo, Tar