UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Trabalho de Graduação Curso de Graduação em Geografia O DIÁRIO DO RIO NEGRO: MEMÓRIAS DA VIAGEM FILOSÓFICA DE ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA (1783 – 1792) E SUAS CONTRIBUIÇÕES AO SABER GEOGRÁFICO BRASILEIRO Lucas Pellegrini Elias Prof. Dr. Paulo Roberto Teixeira de Godoy Rio Claro (SP) 2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro LUCAS PELLEGRINI ELIAS O DIÁRIO DO RIO NEGRO: MEMÓRIAS DA VIAGEM FILOSÓFICA DE ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA (1783 – 1792) E SUAS CONTRIBUIÇÕES AO SABER GEOGRÁFICO BRASILEIRO Trabalho de Graduação apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia. Rio Claro - SP 2018 LUCAS PELLEGRINI ELIAS O DIÁRIO DO RIO NEGRO: MEMÓRIAS DA VIAGEM FILOSÓFICA DE ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA (1783 – 1792) E SUAS CONTRIBUIÇÕES AO SABER GEOGRÁFICO BRASILEIRO Trabalho de Graduação apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia. Comissão Examinadora Prof. Dr. Paulo Roberto Teixeira de Godoy (orientador) Profa. Dra. Angelita Matos Souza Profa. Dra. Rosa Maria Feiteiro Cavalari Rio Claro, 07 de Dezembro de 2018. Assinatura do(a) aluno(a) assinatura do(a) orientador(a) RESUMO Em meados do século XVIII, entre os anos 1783 e 1792, Alexandre Rodrigues Ferreira realizou a mais importante expedição científica empreendida pela Coroa lusitana para reconhecimento e domínio de suas colônias além-mar. Em sua Viagem Filosófica pelos sertões do Brasil, o naturalista teceu análises a respeito do uso e ocupação do território, elaborou descrições etnográficas e efetuou coletas de materiais dos reinos minerais, animais e vegetais, percorrendo no período em que esteve à frente desta empreitada, aproximadamente 40.000 km. Alexandre Rodrigues Ferreira, sob a égide do pensamento iluminista em voga à época e sob a constituição da História Natural, buscou descrever os diversos aspectos naturais e sociais do território brasileiro, elaborando memórias e descrições a respeito de cada povoação e região que estudara. Seus escritos são de suma importância para as mais diversas áreas do conhecimento, inclusive para o saber geográfico, pois suas descrições sobre as paisagens brasileiras e suas variadas singularidades são minuciosas e elucidativas para a historiografia do período colonial. Com isso, este estudo busca apresentar as contribuições de seus relatos de viagem, sobretudo de seu diário, escrito no período de exploração das regiões do rio Negro, os objetivos que estavam implícitos nessa viagem e a importância das descrições elaboradas pelo naturalista luso-brasileiro a respeito dos aspectos relacionados aos meios natural e sócio-histórico do Brasil. Palavras-chave: Viagem Filosófica. Naturalista. Expedição. Relatos. ABSTRACT In the middle of the eighteenth century, from 1783 to 1792, Alexandre Rodrigues Ferreira accomplished the most important scientific expedition undertaken by the Lusitanian crown for the recognition and domination of its colonies overseas. In his Philosophical Journey through the “sertões” of Brazil, the naturalist made analysis about the use and occupation of the territory, elaborated ethnographic descriptions and collected materials from the mineral , animal and vegetable kingdoms, traveling in the period in which he was ahead of this journey, approximately 40,000 km. Alexandre Rodrigues Ferreira, under the aegis of Enlightenment thought in vogue and under the constitution of Natural History, sought to describe the various natural and social aspects of the Brazilian territory, elaborating memories and descriptions about each village and region he had studied. His writings are of great importance for the most diverse areas of knowledge, including for geographic knowledge, since his descriptions of Brazilian landscapes and their varied singularities are meticulous and elucidative for the historiography of the colonial period. This study seeks to present the contributions of his travel reports, especially his diary, written during the exploration period of the Rio Negro regions, the objectives that were implicit in this expedition, and the importance of the descriptions elaborated by the naturalist regarding aspects related to the natural environment and socio-history of Brazil. Keywords: Philosophical Journey. Naturalist. Expedition. Reports. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................06 2 O PRIMEIRO NATURALISTA ..........................................................................….11 3 O NATURALISTA ILUMINADO .......................................................................…..18 4 O DIÁRIO DE VIAGEM: MEMÓRIAS DO RIO NEGRO .................................…...22 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................…...32 REFERÊNCIAS ..................................................................................................…...34 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ………………………………........…………………...37 ANEXOS .......................................................................................................…..…...41 ANEXO A - ROTEIRO E CRONOGRAMA DA VIAGEM FILOSÓFICA, SEGUNDO O DIÁRIO PARTICULAR DE ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA …………........41 6 1 INTRODUÇÃO Anteriormente à sua sistematização como saber científico nos meados do século XIX, a Geografia já buscava através de seus teóricos explicitar e concretizar o seu objeto de estudo por meio de métodos e variadas maneiras de representações no espaço geográfico, especialmente nas manifestações humanas relacionadas ao meio no decorrer dos séculos. Bem se sabe que a Geografia e a Literatura são conhecimentos que transpassam milênios e a influência do saber literário na ciência geográfica é evidente, sobretudo como parte de análise do processo histórico. Na Geografia, especificamente sob a luz de sua fase de consolidação, pôde-se analisar a grande influência das correntes germânicas do Romantismo e do Idealismo nas ideias de um dos principais teóricos responsáveis por consolidar a tradicional escola geográfica alemã: Alexander von Humboldt (1769 – 1859). Visto que estas manifestações literárias e ideológicas se mantiveram presentes nas mais variadas escolas do saber geográfico, este projeto pretende apresentar uma análise geográfica abrangendo importantes contribuições da arte literária, ressaltando os relatos de viagens no período anterior à consolidação da ciência geográfica. Portanto, essa reflexão partirá de momentos anteriores a esses eventos, frisando a análise dos documentos e relatos do naturalista luso-brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira (1756 – 1815), que realizou, no período entre 1783 e 1792, uma expedição científica pelas regiões centro-norte do Brasil, que seria tão extensa quanto às expedições de Humboldt e Bonpland pela América Latina (1799 – 1803) e de Spix e Martius pelo Brasil (1817 – 1820). Sabe-se que a relação entre a Geografia e a arte literária perpassam séculos e devido a esse elo surgiram inúmeras contribuições para o estudo das categorias do conhecimento geográfico e compreensão de mundo. Este diálogo entre os saberes podem ser representados na literatura através do espaço e do lugar, expressando ideias, descrições e representações dos territórios e das regiões, apresentando a paisagem física, social e as suas inter-relações, sejam elas em uma abordagem mais idealizada ou realista. É no entendimento destes elementos que se promove a interação entre esses saberes, que segundo Lustosa e Bispo (2014, p. 149) ocorrem através das 7 [...] representações, das imagens construídas pelos sujeitos ou indivíduos sobre os lugares, os personagens, os elementos constituintes do espaço, presentes nas obras literárias, na musicalidade, na literatura de cordel e em outras formas de arte. A Literatura dá sentido ao espaço, o analisando, descrevendo-o e representando-o. Contudo, a arte literária já se encontrava presente nas civilizações da Antiguidade antes mesmo da consolidação dos saberes geográficos e literários através do gênero “narrativas de viagem”, que permaneceu em voga até meados do século XIX e que, segundo Gomes (1996, p. 130) “[...] O gosto pela descrição de aventuras e de epopeias vividas em terras desconhecidas explica em grande parte o interesse por essas narrativas”. Na segunda metade do século XIX, a Geografia surge como saber científico e sua eclosão se dá devido a dois teóricos prussianos que são frequentemente citados como os principais sistematizadores da ciência geográfica. São eles, Alexander von Humboldt e Karl Ritter, que através de suas obras colaboraram para o aperfeiçoamento e a sistematização do saber descritivo da superfície terrestre, contribuindo assim para os estudos da fisionomia do planeta, dos quais se analisavam as suas dinâmicas e seus aspectos físicos e antrópicos no espaço-tempo. Como se sabe, uma vasta fundamentação filosófica (séculos XVII, XVIII e XIX) forneceu as bases da disciplina geográfica e para Moraes (1989, p. 23-24) [...] O desenvolvimento das ciências naturais sistemáticas, tematizando os variados fenômenos da paisagem, a existência de ciências sintéticas, visando fornecer explicações de conjunto, e a legitimação filosófica das questões geográficas (seja pela inserção de tais questões em sistemas amplos, seja pela explicação de seu conteúdo político) propiciavam o surgimento da Geografia moderna. No entanto, antes de se prosseguir com esta proposta, cabe fazer uma advertência: o estudo não pretende fazer um levantamento minucioso acerca das inúmeras questões relacionadas à história do pensamento geográfico e de seus principais teóricos, mas sim, buscar a relação entre os saberes geográficos com os relatos de viagem elaborados pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira em períodos anteriores à consolidação científica da Geografia moderna, analisando assim, a importância desses documentos para a historiografia da época. 8 Pretende-se trazer como contribuição para o saber geográfico uma investigação interdisciplinar entre a Geografia e a Literatura de viagem com o intuito de aprofundar a discussão e realizar estudos sobre a compreensão das questões levantadas acerca da natureza e do povoamento por meio da obra Viagem Filosófica ao Rio Negro de Alexandre Rodrigues Ferreira (1756 – 1815), vinculando a essa análise conceitos geográficos e investigações minuciosas da região norte do Brasil, identificando e levantando informações sobre as questões históricas dessa localidade no contexto dos séculos passados, descrevendo a região e os duros embates do homem com as condições de seu ambiente. Deste modo, através de um recorte espaço- temporal, pretende-se apresentar as dinâmicas ambientais e históricas evidenciadas na obra. Com isso, a Viagem Filosófica ao Rio Negro aparece como um importante documento narrativo que abrange as mais variadas relações historiográficas locais. Feito este breve levantamento, busca-se ainda, tratar acerca da biografia e memória do naturalista luso-brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira (1756 – 1815), que como membro da Academia de Ciências de Lisboa, liderou esta expedição científica pela região norte do Brasil colonial no período de 1783 – 1792, registrando a viagem através de manuscritos e desenhos dos quais buscavam definir as peculiaridades daquela determinada parte do território brasileiro. Visa-se também identificar e analisar quais eram os pressupostos filosóficos que norteavam o pensamento deste naturalista e os objetivos dessa expedição científica, trazendo para discussão questões relacionadas à região e especificidades físicas e humanas desse recorte espacial através da Viagem Filosófica ao Rio Negro e a contribuição desta narrativa para a historiografia do Brasil, antes mesmo da ciência geográfica estar totalmente consolidada, enfatizando a importância deste diálogo para se compreender questões acerca da espacialidade, as particularidades da época e os elementos que a constituíam. A Literatura, de acordo com Marandola (2006, p. 64) “[...] constitui-se, portanto, num documento que conta, cria e recria um momento espaço- temporal, trazendo elementos para se pensar a sociedade e o espaço que constituam o ambiente do escritor”. Muitas das obras, diários e relatos de viagens possuíam um caráter ficcional, exagerado e muitas vezes idealizado, 9 buscando trazer as mais diversas expressões relacionadas às sociedades da época, apresentando questões acerca do urbano, do rural e das características referentes aos aspectos físicos e sociais de ambas as localidades, atribuindo assim, à literatura e aos seus representantes um importante papel no processo histórico-social de determinado território. Como citado anteriormente, as narrativas de viagem estiveram presentes ao longo dos séculos, sendo de suma importância tais relatos para se aprofundar o conhecimento das dinâmicas e dos elementos da natureza próxima. De acordo com Eckardt (2009, p. 72), estes relatos possuíam duas correntes distintas, sendo caracterizadas pelo seu “cunho objetivo, com conteúdo científico, ou de cunho subjetivo, contendo impressões pessoais dos viajantes”. Com isso, segue a proposta de se analisar e identificar as possíveis contribuições para o saber geográfico através dos relatos de Alexandre Rodrigues Ferreira (1756 – 1815), buscando apresentar, através de sua narrativa as características regionais brasileiras e a configuração espacial em que a mesma se encontrava, introduzindo na discussão nuances acerca da natureza, dos hábitos e dos costumes, pois para Gomes (1996, p. 310 - 317), “[...] o espaço é sempre um lugar, isto é, uma extensão carregada de significações variadas” e “[...] como uma dimensão da experiência humana dos lugares”, seja então, apresentada e analisada de maneira científica ou subjetiva. Assim sendo, na referida proposta, serão apontadas as possibilidades de se fazer uma análise da ciência geográfica através das artes literárias, sobretudo a odepórica, aproximando a discussão para a demonstração das possíveis contribuições que a Literatura traz para a ciência geográfica através do estudo relacionado ao documento histórico, que compreende a Viagem Filosófica ao Rio Negro, enfatizando a descrição da paisagem proposta pelo seu autor e trazendo à luz os contextos identificados na leitura, questionando em seguida como seria possível extrair desse documento informações referentes à região e quais os interesses implícitos e explícitos que vigoravam a época na produção dessa narrativa. Para elucidar estes questionamentos serão feitos levantamentos biográficos sobre Alexandre Rodrigues Ferreira (1756 – 1815), auxiliado por Goeldi (1895; 1982) e Coelho (2010), a fim de explanar quais os pressupostos filosóficos que norteavam o pensamento do naturalista 10 luso-brasileiro e quais ideais do mesmo podem ser evidenciados através de sua obra. A narrativa historiográfica será interpretada pelas memórias do referido naturalista em seu diário de viagem, com o intuito de apresentar questões territoriais evidentes em seus estudos pela capitania de São José do Rio Negro, procurando compreender as heranças do nosso passado colonial, pois como assinala Monbeig (1940) “Descrever a paisagem da região estudada é a primeira fase do trabalho geográfico. [...] Começa por descrevê-las e tem por missão, em seguida, explicá-las”. Estes diários de viagem muitas das vezes eram dotados de intenções que visavam apresentar questões relacionadas às características do território, os aspectos sociais presentes e a identidade nacional, portanto, através da análise dessa obra, há de se buscar compreender quais ideais se mostravam presentes na narrativa, a fim de analisar sob a contribuição conceitual geográfica os relatos deste documento e a importância do mesmo como fonte de dados da época. Por isso, espera-se desse registro literário um importante aporte para o conhecimento historiográfico, analisando através desta obra as especificidades territoriais à época, ressaltando os aspectos regionais e a descrição dos atores locais neste espaço. 11 2 O PRIMEIRO NATURALISTA Nascido na Capitania da Bahia em 24 de abril de 1756, Alexandre Rodrigues Ferreira fora destinado à vida eclesiástica desde muito cedo, por vontade de seu pai, o comerciante lusitano Manoel Rodrigues Ferreira. Inicialmente prepara-se para isto, tomando ordens menores (aos doze anos) em sua província, na cidade de Salvador. Sendo assim, com quatorze anos de idade, no ano de 1770, o jovem luso americano parte para Portugal e lá se estabelece com o intuito de concluir a sua formação na Universidade de Coimbra, a fim de receber maiores instruções para o exercício das funções eclesiásticas. Contudo, atraído pelas Ciências Jurídicas, Alexandre Rodrigues Ferreira não dá continuidade aos seus estudos eclesiásticos e opta por se matricular, inicialmente em Instituta (primeiro ano jurídico) e posteriormente na Faculdade de Leis (1773), porém não comparece no auto de encerramento desta última. Sua chegada a Portugal coincide com as reformas propostas por Sebastião José de Carvalho e Melo – O Marquês de Pombal, o então primeiro- ministro do reinado de Dom José I (1750-1777), que tinha por intuito promover a reestruturação do ensino superior no país, introduzindo cadeiras que abordassem e trabalhassem o conhecimento científico conforme os pressupostos do Iluminismo, em voga à época (COELHO, 2010, p. 40). Sendo assim, […] a reforma levada a cabo pelo Marquês de Pombal em diversos setores do Estado português, vinha atender não só as necessidades político-econômicas do reino, mas aos anseios de uma elite intelectual muito próxima da esfera iluminista (GUIMARÃES, 2007, p. 76). Naquele momento, a especialização em Filosofia Natural dava conta, segundo Coelho (2010, p. 40) de “um conjunto enorme de conteúdos, como a física experimental, a química, a história natural (compreendendo as áreas de zoologia, da botânica e da mineralogia), a lógica, a ética e a metafísica”. Com isso, inserido naquela esfera acadêmica, Alexandre Rodrigues Ferreira volta sua atenção para as Ciências Naturais e a partir de 1774 inicia seus estudos na Faculdade de Filosofia Natural, formando-se após três anos. 12 Decorrido o ano de 1778, o então Ministro e Secretário de Estado de Negócios e Domínios Ultramarinos, Martinho de Melo e Castro, juntamente com Domenico Vendelli, naturalista italiano e Catedrático em História Natural na Universidade de Coimbra, planejam uma grande expedição ao Brasil, tendo por início a exploração dos territórios do Pará e do Rio Negro. Outro fato que viria a dar maior ênfase a essa expedição no reinado de Dona Maria I, foi, conforme aponta Carvalho (1983, p. 06), “[…] a criação, em Lisboa, da Academia de Ciências (1779)”. Por indicação de Domenico Vendelli, o Ministro Martinho de Melo e Castro designa Alexandre Rodrigues Ferreira como o naturalista-chefe responsável por tal empreendimento, liderando a expedição que ficou conhecida como Viagem Filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá, sendo assim, de acordo com Silva (2006, p. 131) […] nomeado pela Rainha D. Maria I como “o primeiro naturalista português” e encarregado da expedição científica denominada “Viagem Filosófica” (que complementou a Comissão de Demarcação de Limites entre as fronteiras dos domínios de Portugal na América), indubitavelmente o maior empreendimento científico realizado no Brasil pela Coroa Portuguesa em todo nosso período colonial. Neste período em que estava no aguardo dos preparativos da expedição, Alexandre Rodrigues Ferreira permaneceu na capital portuguesa e ali concluiu o seu doutoramento, recebendo as suas insígnias correlatas no ano de 1779 (COELHO, 2010, p. 41). No ano posterior, em 1780, Alexandre Rodrigues Ferreira é nomeado membro da Academia de Ciências de Lisboa, fato este que lhe conferiu maior prestígio em círculos governamentais (CARVALHO, 1983). Nesta época, atuou também como assistente de Vandelli no Museu de História Natural e Jardim Botânico da Ajuda, passou também a desenvolver experiências como naturalista no Real Gabinete d’ Ajuda classificando produtos naturais e ainda percorreu, realizando pesquisas e experimentos, sob as ordens do ministro do Ultramar, as regiões de Setúbal e as minas da região de Buarcos, sendo esta última considerada como a sua primeira missão técnico-científica em Portugal. A decisão final da Viagem Filosófica só veio em 1782 (CARVALHO, 1983, p. 06). Em 1783, quando todos os preparativos da expedição estavam concluídos, o naturalista, juntamente com sua equipe técnica que consistia nos desenhistas Joaquim José Codina e José Joaquim Freire e no jardineiro 13 botânico Agostinho José do Cabo, partem de Lisboa na charrua Águia Real e Coração de Jesus com destino a Belém, capital do Grão-Pará. Durante a viagem oceânica que durou 51 dias, o naturalista, como cita Carvalho (1985, p. 8) “[…] escreveu notas sobre peixes marinhos e foram feitas aquarelas”. Chegando ao Pará em outubro, Alexandre Rodrigues Ferreira iniciou os seus estudos pela grande ilha de Joannes (ou Marajó), seguindo à Cametá, Baião, Pederneiras e Alcobaça. Ao final do ano de 1784, o naturalista e sua equipe partem para o Rio Negro, percorrendo até a sua fronteira. Em seguida regressa para alcançar o Rio Branco até a Serra de Canauaru (ou Nevada), retornando, por fim, à Barcelos, então capital da Capitania de São José do Rio Negro. Dentre as funções que Alexandre Rodrigues Ferreira deveria exercer na colônia, as principais eram a de descrever, catalogar e ilustrar todos os seres referentes aos três reinos da natureza (mineral, animal e vegetal) encontrados na Amazônia Brasileira, além de inventariar e analisar os aspectos sociais de cada povoamento que visitasse. Essas descrições seriam feitas de três maneiras, como aponta Silva [em]: Soares e Ferrão (2008, p. 192): a) por escrito, através de relatórios denominados de “relações”, “notícias”, “memórias” ou “tratados”, além de uma farta correspondência, com mais de duas centenas de documentos escritos de próprio punho ou encomendados a outros especialistas (como Antônio Vilela do Amaral, Teodósio Constantino de Chermont, Agostinho Joaquim do Cabo ou Antônio José de Araújo Braga) que a Rainha colocou a serviço do famoso naturalista; b) por desenhos (de tipos humanos, animais, objetos, plantas arquitetônicas, cartas geográficas, etc.), com mais de mil obras preparadas principalmente pelos dois “desenhadores” (Joaquim José Codina e José Joaquim Freire) que o acompanharam até a conclusão da expedição, e do arquiteto italiano Antônio José Landi; c) por amostras tecnicamente preparadas aos milhares e cuidadosamente enviadas para o Real Gabinete de História Natural, para as quais contou principalmente com o trabalho do botânico Agostinho José do Cabo (que faleceu durante a expedição, em 1790) e de dois índios por ele escolhidos e treinados para essa atividade. Nesse sentido, as atividades de Alexandre Rodrigues Ferreira no território brasileiro, de acordo com Galvão; Neto [em]: Ferreira (1974, p. 11) eram de “[…] conciliar a insistência oficial em informações úteis ou soluções concretas para os problemas da colônia, com a coleta paralela de materiais que permitissem uma visão menos utilitária ou imediatista da realidade”. Portanto, a expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira pode ser entendida como uma ação que visava mapear as riquezas coloniais (COELHO, 2010, p. 101), 14 compreendendo assim, preocupações de caráter estratégico, político e econômico em relação aos territórios a serem explorados. A preocupação lusitana com a região mais ao norte do país se justificava, de acordo com Coelho (2010, p. 101) por diversos motivos, dos quais: “Primeiramente, havia o desconhecimento da região. […] Em segundo lugar, havia a suspeita de que a imensa bacia hidrográfica guardava riquezas proporcionas à sua grandeza”. Com isso, Coelho (2010, p. 101) discorre que a presença portuguesa na região, apesar de decorridos quase quinze décadas, não era absoluta, pois […] permaneceu, por todo aquele período, território cuja autoridade era disputada por Portugal e Espanha. Inicialmente território espanhol, pelo que dispunha o Tratado de Tordesilhas, de 1494, ele foi sistematicamente ocupado pelos lusitanos, os quais se aproveitaram da União das Coroas Ibéricas. Restabelecido o rei português, as discussões sobre a posse do território se prolongaram por quase setenta anos. Alexandre de Gusmão foi o representante português que concluiu as negociações, das quais resultou o Tratado de Madri, no ano de 1750. Assim, o tratado foi um dos fatores determinantes para a conformação da expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira ao Brasil, pois em função do mesmo, […] a coroa portuguesa colocou em prática um conjunto de medidas que tinha por objetivo reforçar a presença portuguesa na região. O tratado estabelecia que a definição da posse, no imenso território amazônico, respeitaria a ocupação prévia. […] As medidas portuguesas consistiriam em políticas que buscaram não somete fortalecer a sua presença na região, mas ampliá-la. (COELHO, 2010, p. 103) Foram essas medidas, que, decorrentes da assinatura do tratado, como examina Coelho (2010, p. 103), que atribuíram à Viagem Filosófica sua função política. Contudo, no ano da partida da Viagem Filosófica, outras expedições foram lançadas aos domínios lusitanos, com intenções de reconhecimento, ocupação, exploração e demarcação. Foram empreendidas as viagens de Manuel Galvão da Silva em Moçambique, Joaquim José da Silva em Angola e João da Silva Feijó em Cabo Verde, ambos bacharéis em Coimbra e companheiros de Alexandre Rodrigues Ferreira. Porém, em detrimento das outras colônias portuguesas, a Viagem Filosófica ao Brasil foi a mais importante expedição científica portuguesa do século XVIII. Percorrendo por aproximadamente dez anos um trajeto de mais de 39.000 quilômetros pelo 15 interior do território (Fig. 1), a produção de Alexandre Rodrigues Ferreira resultou em um rico acervo composto por manuscritos, documentos referentes às estratégias geopolíticas de demarcação e delimitação do território, mapas populacionais e agrícolas, além de pranchas contendo ilustrações e memórias relacionadas às respectivas regiões. Desse modo, duas fases podem ser reconhecidas na presente expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira: A primeira, realizada na Amazônia, nos territórios do Grão-Pará e Rio Negro, teve a maior duração (1783 – 1788), tendo sido coletado um riquíssimo acervo biológico e efetuado um grande número de registros. A segunda, reconhecida pelo próprio naturalista como uma “viagem mineralógica”, percorreu em três anos (1789 – 1792) os rios Madeira, Mamoré e Guaporé, nas capitanias do Mato Grosso e Cuiabá. Praticamente não existem anotações sobre essa etapa da viagem. As aquarelas e desenhos realizados pelos dois riscadores que acompanharam a expedição, José Joaquim Freire e Joaquim José Codina, somaram cerca de 2.000 na primeira etapa da viagem, se restringiram a cerca de 200 na segunda (STEHMANN; SOBRAL [em]: FERREIRA, 2008, p. 12). 16 Figura 1: Rota da expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira no período de 1783 a 1792 Fonte: LEITE; LEITE, 2010. Com isso, os documentos resultantes ao longo desta expedição pelos sertões do Brasil também interessavam a vastas áreas do conhecimento científico, apresentado por Silva [em]: Soares e Ferrão (2008, p. 192), destacando-se as análises do naturalista relacionadas a: Medicina e Farmácia, Biologia, Zoologia, Botânica, Agricultura e Ecologia, História (Social, Política, Militar, Religiosa, etc.), Geografia (Humana, Física), Geologia, Mineralogia, Etnografia, Antropologia, Artes Plásticas, Arquitetura, Arqueologia, Linguística (Língua Portuguesa, Línguas Indígenas), Filologia, Literatura (Literatura de Viagem, Retórica, Oratória), Política e Administração Pública. As descrições elaboradas por Alexandre Rodrigues Ferreira em seus referidos documentos são minuciosas quanto a analise e que se atentam às particularidades da vida civil, eclesiástica e militar, relatando ainda, todo o panorama físico daquelas regiões. No intervalo de suas “Participações”, 17 elaborava “[…] memórias avulsas que denotavam sua ampla curiosidade pesquisadora e incomum capacidade de trabalho” (SILVA [em]: SOARES; FERRÃO (2008, p. 195)). E enquanto permanecia em Belém, passava a examinar tudo quanto lhe chamasse a atenção, pois “[…] tudo merecia referência e reflexões” (SILVA [em]: SOARES; FERRÃO (2008, p. 195)) e quando se recolhia em Barcelos, depois de cada expedição, […] a colheita de amostras e as observações ilimitadas, era-lhe necessário reduzi-las a escrito mais concateado do que as simples notas avulsas. Dali se originaram quase todas as Participações que constituíram o Diário de sua viagem e as monografias destinadas a acompanhar as remessas, que não cessava de despachar para Lisboa, sem nada lhe escapar ao campo de observação (SILVA [em]: SOARES, J. P. M.; FERRÃO (2008, p. 195). Ademais, de todo o esforço de Alexandre Rodrigues Ferreira e de seus auxiliares em relação ao conhecimento da Amazônia, aponta Neto [em] Ferreira (1983, p. 35) que “[…] a parte mais substancial seria as coleções de História Natural e a de Etnografia que, em seu volume e representatividade, constituíam uma primeira amostragem sistemática das coisas e gentes da Amazônia”. Outrossim, em cada uma das treze participações que constituem o seu diário de viagem ao alto e baixo Rio Negro, “[…] informa-nos de tudo o que julga mais útil de saber sobre aquela parte [...]” (SILVA [em]: SOARES; FERRÃO, 2008, p. 196, v. 3), representando grande valor como fonte de conhecimentos, evidenciados pelo naturalista nas inúmeras páginas que contém os seus documentos, não medindo esforços para investigar exaustivamente as ações do homem na natureza e as questões geográficas relacionadas com a ocupação e o uso do território, descrevendo também os inúmeros aspectos regionais relacionados aos estudos fitogeográficos, zoogeográficos, hidrográficos e limnológicos. Com isso, torna-se evidente, então, que os trabalhos de Alexandre Rodrigues Ferreira buscaram estabelecer os interesses administrativos, diplomáticos e estratégicos da coroa portuguesa aos do filósofo natural (MORAES; SANTOS; CAMPOS, 2012, p. 77). 18 3 O NATURALISTA ILUMINADO Apresentada de maneira sucinta no capítulo anterior as questões relacionadas à expedição chefiada por Alexandre Rodrigues Ferreira pelas regiões dos sertões brasileiros e alguns de seus objetivos, serão apontados nesse momento os pressupostos que norteavam o pensamento do naturalista, oriundos de sua formação acadêmica em Filosofia Natural pela Universidade de Coimbra e sob a influência do Iluminismo, movimento este que dominou o mundo das ideias no decorrer do século XVIII. É neste universo ilustrado que esteve inserido Alexandre Rodrigues Ferreira (COELHO, 2010) e com isso Entender o contexto histórico da época e as possíveis motivações da Viagem Filosófica de Ferreira faz-se de fundamental importância para se compreender a expedição em si e para se pensar em suas contribuições para a formação do Brasil (LAMARCA, 2015, p. 17). O percurso, então traçado pelos intelectuais do chamado Século das Luzes propunha uma nova forma de se pensar a filosofia, adotando um caráter pragmático e uma estratégia que compreendia o […] abandono de questões especulativas e centravam atenção nos benefícios que a Razão iluminada poderia trazer ao mundo, evidenciando a crença de que o saber que defendiam – de caráter científico – poderia desenvolver uma sociedade melhor e mais justa (COELHO, 2010, p. 30-31). Assumindo, dessa maneira, uma nova postura frente à sua época, que apontado por Coelho (2010, p. 31) era “baseada no homem e nos seus esforços em buscar a felicidade, a paz e a harmonia”, difundindo ideais que se desenvolvessem na “liberdade de ser e sentir, de forma autônoma, sem qualquer mediação que não fosse a dos sentidos” (COELHO, 2010, p. 31), recusando assim, a existência de qualquer obstáculo que surgisse entre o homem e o seu objeto de conhecimento. Daí se percebe que a razão proposta pelos teóricos iluministas não se confundia com a razão definida pela filosofia cristã, percebendo-se então o caráter revolucionário do pensamento ilustrado na época (COELHO, 2010). Desta forma, para Alexandre Rodrigues Ferreira, […] os relatos dos religiosos traziam uma lacuna insuperável: eram permeados pela influência da superstição e por deduções resultantes de uma compreensão equivocada do que viam. Os relatos 19 considerados dignos de confiança pelos filósofos ilustrados eram os mais recentes. Isto se devia a uma questão de ordem epistemológica. Primeiramente, a importância delegada à experiência pelo ideário ilustrado privilegiava aqueles relatos que resultavam da observação do viajante. Nesse sentido, os relatos antigos eram vistos com significativa reserva à medida que suas considerações decorriam de testemunhos não comprovados. Em segundo lugar, a importância que o conhecimento científico alcançava, dentro do mesmo ideário, levava à seleção daqueles relatos que se mostravam mais objetivos. Assim, o valor do relato era visto como proporcional à sua objetividade, à sua disposição em descrever e informar, concentrando-se no objeto. Recusava-se, portanto, o recurso a esquemas explicativos que extrapolassem o objeto ou buscassem uma lógica externa à sua composição (COELHO, 2010, p. 116). Tratava-se então de afirmar o homem como base do processo de construção do conhecimento, à medida que consigo eram trazidos elementos que o capacitavam a desvendar o mundo. O conhecimento surgiria à vista disso, segundo Coelho (2010, p. 32), através do “[…] uso dos sentidos, tendo no empirismo, na demonstração, na experiência direta e no raciocínio sua concretização. Experiência e razão constituíam o duplo alicerce do saber ilustrado”, permitindo a razão, formada pela experiência, configurar-se em um padrão de discernimento, permitindo juízos, conclusões, conhecimento etc. (COELHO, 2010), visando assim a conquista da felicidade através da razão, privilegiando o conhecimento científico e a observação rigorosa da natureza em detrimento do misticismo (NETO, 2012). Nessa esfera iluminista em que se encontrava o continente europeu no século XVIII, destacava-se um seleto grupo de intelectuais denominados filósofos-viajantes que formulavam “[…] suas considerações ao que presenciavam, ao que a experiência lhes apresentava, produzindo relatos que buscavam descrever o que viam em suas características intrínsecas” (COELHO, 2010, p. 116) e que possuíam uma cultura e uma formação muito mais científicas do que especulativas, privilegiando os conhecimentos concernentes à história natural, astronomia, economia política etc. Alexandre Rodrigues Ferreira fez parte deste distinto grupo de intelectuais e o que o tornava um viajante-filósofo era mais do que a metodologia que aplicava e sim a perspectiva epistemológica que seguia muito integrada ao ideário iluminado (COELHO, 2010). Destarte, o naturalista “[…] afirmava sua objetividade como um fator legitimador de sua condição: não era o que se lhe diziam, ou o que sabia por terceiros, o fundamento de suas considerações, mas o que via, o que 20 testemunhava” (COELHO, 2010, p. 117). Desta forma, o conhecimento construído por Alexandre Rodrigues Ferreira privilegiou aquilo que fora observado a fim de lhe influir o que os sentidos lhe traziam. Foi com base nos dados da experiência que produziu suas reflexões (COELHO, 2010). Ademais, de acordo com Coelho (2010, p. 158) “Alexandre Rodrigues Ferreira operou a partir do binômio chave do pensamento Iluminista: sensibilidade e razão foram os pressupostos de suas reflexões sobre o conhecimento produzido [...]”, considerando que o conhecimento deveria servir para garantir a melhoria da vida do homem no mundo e também deveria garantir o progresso (COELHO, 2010). É com essa conduta que Alexandre Rodrigues Ferreira passa a desvendar os sertões do território brasileiro e as paisagens da Bacia Amazônica, exercendo […] a sua condição de naturalista e filósofo-viajante mesmo ao observar fenômenos estranhos aos que a História Natural elegia como objeto. A postura que adotara ao longo da viagem, ao realizar atividades tão distintas quanto a coleta e a classificação de produtos naturais (dos reinos animal e vegetal); o convívio, a observação, a descrição e a análise de populações indígenas com as quais travou contato; a observação e a descrição do estado em que se encontravam os estabelecimentos portugueses ao longo do Vale Amazônico, e, finalmente, a crítica que perpassa seus relatórios, cartas e memórias obedece ao aprendizado recebido como naturalista. Era sempre um naturalista que observava, coletava, descrevia, classificava e analisava. Era, sobretudo, um homem do iluminismo que elaborava uma crítica contumaz aos processos coloniais. Suas considerações destacavam os vícios das práticas coloniais para apontar soluções que encaminhassem o progresso do reino. Alexandre Rodrigues Ferreira denunciava, então, os vícios da sociedade e as práticas que considerava improdutivas. (COELHO, 2010, p. 91). Dessa maneira, o naturalista formulou suas considerações e juízos decorrentes de longas observações prévias, buscando desvendar as leis gerais e as regras constantes subjacentes à realidade. Portanto, a construção do conhecimento deveria ter esse horizonte como meta (COELHO, 2010). Alexandre Rodrigues Ferreira buscou, ainda, demonstrar que o saber acerca do mundo natural não se resumia apenas às descobertas das leis gerais que o regiam e sim, que o conhecimento deveria contribuir também para o progresso moral das sociedades e, por conseguinte, para o progresso da civilização. Em vista disso, a experiência vivida pelo naturalista em sua expedição, cumpriu, portanto, a função de fundamentar a construção e o desenvolvimento de toda a 21 sua produção (COELHO, 2010). Em relação à metodologia adotada pelo naturalista, chama-se a atenção do modelo sistemático adotado por ele quanto às classificações zoológicas e botânicas, evidenciando que o empreendimento de Alexandre Rodrigues Ferreira é pioneiro no que se refere à adoção do modelo de classificação lineano que, adotado pelas universidades portuguesas à época, enquanto que as francesas, tantas vezes comemoradas como o berço das ciências modernas, ainda se viam às voltas com o modelo buffoniano de classificação (MORAES; SANTOS; CAMPOS, 2012). Como já citado anteriormente, Alexandre Rodrigues Ferreira produziu uma vasta obra alusiva ao território nos decorridos anos em que esteve à frente da expedição pelo Brasil, resultando em inúmeras monografias, manuscritos e o seu diário pelo Rio Negro. E entre uma participação e outra, […] no tempo que lhe restava depois de preparar os materiais descritos nos diários, ou seja, as remessas que levavam espécimes animais, vegetais, minerais e/ou artefatos indígenas para a metrópole, fazia anotações acerca da natureza separadamente. A essas anotações dava-se o nome, no século XVIII, de memórias. Tais memórias resultaram de uma ampla curiosidade investigativa típica dos homens de letras do período (MORAES; SANTOS; CAMPOS, 2012, p. 84). Percorrendo extensas faixas fluviais e realizando investigações em cada povoação, o trabalho de catalogação da Amazônia sob domínio lusitano reuniu dados da maior importância, concentrando valiosas informações sobre a flora, fauna, mineralogia, agricultura, medicina, etnografia e economia da América Portuguesa (MORAES; SANTOS, 2009). À vista disso e com […] todas as dificuldades, percalços e limitações, a Viagem Philosophica foi a única grande expedição científica portuguesa enviada à Amazônia que, em si mesma, evocou o exercício das ciências que se estruturavam a partir do século XVIII (MORAES; SANTOS; CAMPOS, 2012, p. 85) Posto isto, serão destacadas para análise de suas proposições no capítulo seguinte, os relatos evidenciados em seu diário de viagem pelo Rio Negro, ressaltando as observações e memórias referentes às regiões em que a expedição alcançou entre os anos de 1785 e 1786, tecendo variadas considerações acerca das contribuições desses escritos para o campo dos conhecimentos geográficos. 22 4 O DIÁRIO DE VIAGEM: MEMÓRIAS DO RIO NEGRO Devido à produção elaborada por Alexandre Rodrigues Ferreira ser equivalente ao seu trajeto percorrido pelo território brasileiro, foi-se necessário optar por apenas alguns de seus documentos que evidenciassem a expedição realizada. Assim sendo, o texto selecionado para o desenvolvimento deste estudo diz respeito ao Diário da Viagem Filosófica pela Capitania de S. José do Rio Negro que apresenta um único período da viagem, ocorrido entre agosto de 1785 e janeiro de 1786. Durante esses meses, a expedição subiu o rio Negro a partir da Vila de Barcelos, alcançando as fronteiras da Fortaleza de São José de Marabitanas. Sobre essa viagem, “[…] Alexandre Rodrigues Ferreira produziu o que talvez seja a sua obra mais conhecida: trata-se de um diário [...]” (COELHO, 2010, p. 112), concebido na forma de relatórios está na presente edição analisada dividido em duas partes, apresentadas nas “Participações” do alto e baixo rio Negro. A presente edição do Diário da Viagem Filosófica pela Capitania de S. José do Rio Negro a ser analisada neste capítulo é referente às comemorações do bicentenário da expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira pelo Brasil. Esta edição é reprodução fac-similar da primeira edição publicada pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro nos seguintes volumes: tomo XLVIII (1), 1885, pp. 1-234; tomo XLIX (1), 1886, pp. 123-288; tomo L (2). 1887, pp. 11-141 e tomo LI (1), 1888, pp. 5-166. Sendo assim, torna-se de suma importância, como aponta SILVA (2018, p. 133) “conhecer um pouco mais desse importante pioneiro luso-brasileiro e valorizar o que ele nos legou de informações diversas de sua época e da que o precedeu”, visto a quantidade de materiais produzidos por Alexandre Rodrigues Ferreira no período em que esteve nessa campanha. Além da importância de seus manuscritos e memórias acerca dos aspectos naturais, sociais e etnográficos do Brasil colonial, vale ressaltar também a importância de sua produção iconográfica, auxiliada pelos desenhadores Joaquim José Codina e José Joaquim Freire, pelo jardineiro botânico Agostinho José do Cabo e pelo arquiteto régio Antônio José Landi. A parte referente à iconografia da Viagem Filosófica pode ser dividida em quatro assuntos: geografia, antropologia, botânica e zoologia (CARVALHO, 1983). 23 Entretanto, nesse primeiro momento é importante acentuar que apesar da formação acadêmica do naturalista sob o viés iluminista e seu grande interesse pelos estudos relacionados à História Natural, a Viagem Filosófica formula-se, de acordo com Neto [em] Ferreira (1983, p. 18) como […] projeto, no âmbito dominante do interesse e da política oficial em relação à Amazonas. A natureza do trabalho de Rodrigues Ferreira é, pois, condicionada pela multiplicidade dos temas de interesse político e administrativo sobre que deve informar e, eventualmente, propor soluções. É necessário frisar também que, sob a ótica oficial, a expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira pela Amazônia tinha mais em comum as estratégias de demarcação territorial, o inventário de bens nas povoações coloniais e as operações político-militares naquela região. Esse papel de inspetor colonial, ora exercido, “parecia-lhe encargo trabalhoso e dispersivo que tomava todo o tempo e punha em risco sua obra científica” (NETO [em] FERREIRA, 1983, p. 18). Por conseguinte, apesar das tarefas atribuídas a Alexandre Rodrigues Ferreira, […] a metrópole queria, mais que um relatório, o trabalho de um viajante ilustrado – um naturalista – um homem de visão enciclopédica. O plano de trabalho, elaborado com vistas a essa expedição, acentuava essa demanda. Não se tratava de um documento direcionado a qualquer expedição, nem de um conjunto de ordens ministeriais. Eram instruções ao naturalista e seus assistentes sobre sua prática diária. (COELHO, 2010, p. 106). Com isso, o seu diário de viagem era entendido como o registro da observação enciclopédica desempenhada pelo naturalista (COELHO, 2010). Portanto, não se resumia apenas […] a um documento pessoal, mas, tal qual um mapa, permitiria a qualquer um que dele tivesse conhecimento, transitar pela natureza e sociedade do território coberto pela expedição. Não seria o testemunho, portanto, da visão pessoal do naturalista. Antes, por ser o relato de uma viagem que buscava observar e descrever as coisas na sua constituição intrínseca, seria como um dicionário, garantindo a outros o acesso ao mundo observado. Logo, era visto como um instrumento de socialização do conhecimento construído. (COELHO, 2010, p. 110). Ademais, Alexandre Rodrigues Ferreira deveria, ainda, exercer uma tarefa de suma importância: 24 […] mapear as possessões portuguesas no norte da América lusa, traçando um quadro específico: apontando o estado em que se encontravam tais possessões e descortinando as riquezas que essa região pouco conhecida guardava. Esse quadro deveria apresentar a história da conquista, de forma a garantir a antiguidade da presença portuguesa num momento de acerto dos limites portugueses e espanhóis na região. Deveria, também, enumerar as possibilidades econômicas desse espaço. (COELHO, 2010, p. 111). Apesar de o naturalista tecer diversas reflexões acerca das mais variadas esferas do território, o seu principal campo de conhecimento era a botânica. Seus estudos abarcavam a descrição científica de muitos espécimes que compreendiam “[...] desde os musgos e gramíneas até a grande quantidade de palmeiras, além de descrever plantas como o guaraná, a seringueira, o cupuaçu, os maracujás, a pupunha, as orquídeas e os cactos, entre outras” (SOARES; FERRÃO [em]: FERREIRA, 2008, p. 7, v. 1). Como botânico, esteve encarregado também de examinar quais as plantas locais que melhor se adaptariam ao cultivo, analisando a agricultura do café, do algodão, do arroz, da mandioca e do anil, entre outras (SOARES; FERRÃO [em]: FERREIRA, 2008, v. 1). Botânico entusiasmado pela natureza vegetal, o naturalista expressa que […] a agricultura é uma ciência que ensina a cultivar a terra para tirar dela o maior proveito possível, demonstrando que as produções da terra são o bem mais real que todas as minas, o fundamento mais sólido dos Estados e a verdadeira base do comércio. (SILVA [em]: SOARES; FERRÃO, 2008, p. 196), 2008, p. 194, v. 3). No entanto, a expedição foi resultante de um empreendimento muito mais produtivo e em tudo afeito ao espírito das Luzes (COELHO, 2010), pois mais do que um relato das possibilidades econômicas do território, Alexandre Rodrigues Ferreira […] ofereceu um apanhado crítico de tudo o que viu. Ele exercitou a sua condição de ilustrado na observação da natureza e da ação do homem português (COELHO, 2010, p. 111). Dessa forma, para desenvolver os seus estudos, o naturalista trazia consigo 11 livros, um mapa do rio Amazonas, além de 17 volumes com 424 itens de equipamento (CARVALHO, 1983). A partir desse ponto, tem-se por objetivo analisar os excertos que possuem as possíveis contribuições dos estudos de Alexandre Rodrigues Ferreira no campo da Geografia, através de seu diário de viagem pelo rio Negro, visto que este fora um dos escritos mais significativos produzidos pelo 25 naturalista. As 14 participações pelo território, evidenciadas em seu diário estão destacadas abaixo, trazendo o local e data, conforme Carvalho (1983): Alto rio Negro: 1) Moreira, 17.1.1786; 2) Thomar, 30.1; 3) Lamalonga, 5.2; 4) Santa Isabel, 19.2; 5) São Gabriel, 30.3; 6) Marabitanas, 14.6; 7) Cauaboris, Padauiri e Maracá, 18.6. Baixo rio Negro: 1) Barcelos, 31.10.1786; 2) Poiares, 16.11; 3) Carvoeiro, 12.12; 4) Moura, 4.5.1787; 5) Airão, 7.6; 6) Fortaleza da Barra, 30.6; 7) Rio Negro em geral, 28.10.1787. Empreendendo a viagem pelo rio Negro nesse período, transcreve acidentes geográficos, igreja, casa do diretor, porto das canoas, armazéns, casas de moradia, agricultura (café, cacau, arroz, feijão, mandioca, algodão e anil), manufatura, comércios e detalhes históricos das povoações em que estivera (CARVALHO, 1983). O naturalista evidencia também as características naturais do ambiente, como por exemplo, a chuva demasiada e intempestiva e os aspectos relacionados aos estudos pedológicos, litológicos, hidrológicos e geomorfológicos, além de sintetizar as descrições dos rios que conheceu na Amazônia, apresentando diversas observações a respeito das particularidades limnológicas da região. Dando sequência às explorações do rio Negro, Alexandre Rodrigues Ferreira examina ainda os cursos de água, se atentando aos furos, córregos, lagos, igarapés e às inúmeras cachoeiras presentes, constatando as dificuldades das viagens fluviais por aquele território, sendo descrita pelo naturalista, […] Quanto ao estado do rio, é verdade, que na vasante se amansão mais as correntezas, porém mais se fazem temer as pedras ao lume d’agua, e umas caxoeiras são mais temiveis na vasante. […] A respeito das canôas, quanto menores ellas são, mais acceleradamente escapão do fio das correntezas, e se abrigão nos seus remansos. (FERREIRA, 1983, p. 156). E na importante participação geral do rio Negro, Alexandre Rodrigues Ferreira relata, como compêndio, tudo sobre a região que compreendia o referido rio: […] sua história, cor das águas, navegação, instruções sobre os espanhóis, foz, extensão até Cucuí, direção, largura, profundidade, leito, margens, ilhas, pedrarias, rios que nele desaguam, gentios, fortalezas, povoações, habitantes, governo, população, agricultura, comércio, manufaturas, clima, dietética e enfermidades. Anexa uma relação de animais silvestres caçados ou pescados pelos índios, mapa dos habitantes e lista dos governadores (1758 – 1786). (CARVALHO, 1983, p. 44). Dessa maneira, o naturalista ressalta nesta participação que 26 Concluida a informação, que V. Ex. me encarregou de dar, sobre o estado presente dos estabelecimentos portuguezes nas duas partes superior e inferior do Rio-Negro, e concluida pelo modo, que eu melhor a pude circumstanciar em todas e cada uma das treze participações, que constituem um corpo de historia geral e particular d’este rio, n’esta que é a sétima e a última da segunda parte, desembaraçar-me-ei de uma tarefa que ainda me falta. Ella consiste em resumir tudo o que tenho escripto difuzamente, e substancial-o de modo que, sem ser preciso fatigar-se V. Ex., para ajuntar idéas espalhadas de baixo de determinados pontos de vista, possa vêr e informar-se de tudo o que julgo mais util de se saber sobre aquella parte do Rio-Negro somente, que eu tenho visto e que do dia de hoje continúa a ser navegada e colonizada pelos Portuguezes. (FERREIRA, 1983, p. 589). Em seguida, passa a detalhar as características naturais do referente rio e também as particularidades relacionadas à agricultura da região, os costumes, o povoamento, os habitantes (brancos, índios e pretos), a dietética, as enfermidades etc. Através dessa participação também é possível identificar a ordenação territorial que a região do rio Negro daquela época tinha, sendo constituída por 67 tribos indígenas, 26 povoações e quatro fortalezas. Correlacionando estas informações evidenciadas em seu diário, nota-se a importância dos estudos de Alexandre Rodrigues Ferreira às inúmeras áreas do conhecimento, evidenciando os diversos aspectos daquela porção do território. Em citações anteriores é possível notar os traços de suas reflexões; contudo, devido ao fato de suas reflexões serem abundantes, cabe nesse momento a realização de um recorte de suas análises, atentando-se apenas à determinadas características concernentes àquele espaço. Além dos aspectos naturais, tais como direção, largura, profundidade, leito, margens, ilhas e enseadas, Alexandre Rodrigues Ferreira ainda aborda outras questões acerca do referido rio, enfatizando os seus atributos econômicos, medicinais, químicos e comerciais. Considerando os aspectos físicos do rio Negro e dos outros trinta rios que desembocam no mesmo, nesse momento, na análise de suas águas, o naturalista elabora as suas observações através das treze participações escritas, caracterizando o dito rio de maneira detalhada: Reflectirei agora, que este é um rio, aonde vivem e morrem infinitos quadrupedes, aves, amphibios, peixes, insectos e vermes. Que é um rio bordado de infinitas plantas, cujas raizes, troncos, ramos, folhas, flôres, fructos, gomas, rezinas e gomas-rezinas incessantemente fermentam, apodrecem e se resolvem nos seus principios, como sam os saes, os oleos e as terras, que as compoem. 27 Que é finalmente um rio, que arrasta comsigo infinitas particulas de substancias terreas, salinas, sulphureas e metallicas, ou sejam das serras, d’onde elle desce, ou das margens, por onde passa. Que o ferro porem, entre as outras substancias heterogeneas, é a que mais domina n’ella e a que mais concorre para a referida côr, assim como para a que tem a agua dos rios das Amazonas e dos Solimões concorre o barro de innumeraveis terras cahidas, sem ser preciso recorrer desde já a analyses delicadas […] (FERREIRA, 1983, p. 594- 595). Concernente à análise de sua profundidade, Alexandre Rodrigues Ferreira diz que […] em um páo graduado, que pela vazante do rio se fincou perpendicularmente no fundo, subio a agua 2 braças e 8 palmos desde o nivel da maior vazante até ao da maior enchente. Sondando na maior vazante, o fundo que tinha o rio na largura de menos de um quarto de legoa, que é a que intercede a margem austral, e as ilhas fronteiras á villa de Barcellos, mostrou pelas differentes sondas 2, 5 e 7 palmos; 3 braças e 2 palmos, 3 ditas e 7 palmos, 4 braças e 7 ditos, 5 braças e 2 ditos, que foi a maior de todas (sam 10 palmos cada braça) (FERREIRA, 1983, p. 603-604). De acordo com o naturalista, o rio principia a encher no mês de fevereiro e sua vazante se dá no mês de julho. Dando continuidade às suas observações por aquela região, Ferreira (1983, p. 604) descreve o leito do rio sendo, […] de arêa branca, pela maior parte, ainda que pelas praias das amargens, quando vaza o rio, e pelas das pontas e beiradas das ilhas, aparecem grandes porções de arêa de ferro, […] assim como nas barreiras das mesmas margens no fundo dos lagos, pelas beiradas das ilhas, e dentro n’ellas ha o tijuco ou argila vitriolacea, a ochra de ferro, e as mais terras, pedras […] E as suas margens são descritas como […] sombrias, e muitas d’ellas enxutas e altas; aonde eu tenho contado desde 1 até 6 braças de altura. A terra é própria para a cultura dos generos, […] e muito particularmente para o anil, para o café, e para o tabaco. Nem em toda a parte tem pedras. As terras de que constam, sam a arêa, o tijuco, a tabatinga, a ochra, o curi, e á superficie do terreno é que se vêm mais e menos grossas camadas de terra humosa, em que resolvem os troncos e as flôres, de que estam bordados. (FERREIRA, 1983, p. 604). Tece ainda significativos comentários sobre as inumeráveis ilhas encontradas por todo o curso do rio, relatando que Todas sam cobertas de espesso mato, porem razas, ao ponto de se alagarem com as enchentes. Ha dentro n’ellas, e assim mesmo nas terras firmes de ambas as margens, infinitos lagos de um comprimento e largura consideraveis, a onde a agua é muito mais preta do que a demais do rio, e emquanto elle não vaza, habitam 28 muitos peixes, bois, pirarucús, pirahibas, e todo o mais genero de pescados. (FERREIRA, 1983, p. 605). Em meio às suas memórias e reflexões, o naturalista, da mesma forma, registra observações referentes às populações indígenas que habitavam a bacia hidrográfica do rio Negro (Tab. 1), descrevendo os costumes de diversas etnias, suas superstições, vestidos e ornatos, bailes, instrumentos marciais e festivos, suas armas e utensílios domésticos. Tabela 1: Nações indígenas que habitavam a bacia hidrográfica do Rio Negro Fonte: LAMARCA, 2015. (*) indica nações desertadas ou extintas nos rios de sua habitação. Elaborando suas anotações a respeito das características gerais da capitania, o naturalista detalha também o clima da região do rio Negro, apontando que Todo o anno se divide em duas estações, que são o verão e o inverno: este consiste em chuvas abundantissimas, aquelle em calores excessivos: em um só dia se experimentam ambas ellas sem 29 raridade. Geralmente as manhans, e as tardes depois do sol posto são frias como as noites, e os orvalhos abundantissimos: o resto do dia é ardente; donde se vê, que um similhante paiz deve ser extremamente humido, não só pelas chuvas de seis mezes continuos em cada anno, mas tambem por ser todo elle cortado de infinitos rios, em cujas bocas e margens estam situadas as povoações. (FERREIRA, 1983, p. 678). Alexandre Rodrigues Ferreira ainda expõe as moléstias que poderiam ocorrer devido às condições climáticas daquela região, citando como causas as elevadas precipitações, oscilações da temperatura durante o dia e incidência de raios, sugerindo então, que os edifícios do povoamento fossem adaptados de maneira que suportassem aquelas circunstâncias. Além do mais, suas críticas eram constantes a respeito das precárias condições em que se encontravam as vilas e os povoados. (COELHO, 2010). Referentes às suas observações concernentes aos aspectos da terra, durante o seu trajeto aponta a presença de serras e outeiros, descrevendo em cada povoação a formação geológica de suas margens. De acordo com Coelho (2010, p. 129) era-se analisado “[…] a composição dos principais minérios, afirmando que quase toda a pedraria que encontrava possuía ferro na sua composição”. Nesse sentido, registra em seu diário as informações referentes às pedrarias daquela região que Principia a que ha pela margem boreal, desde a foz do Rio-Negro até a do riacho Curiacú, o qual desagoa n’elle pouco abaixo do logar, a que na margem austral lhe corresponde o lugar de Airão. Não é sempre continuada, porém algumas vezes se interrompe; e a qualidade de pedra é de um cóz, e em outras partes de um saxo mais e menos homogeneo, e endurecido; mas quazi todo elle, ou mineralisado de ferro vizivelmente tal, ou tinto da sua ochra metallica, ou amarella, ou avermelhada. (FERREIRA, 1983, p. 607). Como exposto no decorrer desta proposta, a expedição liderada por Alexandre Rodrigues Ferreira produziu um grande volume documental e iconográfico, reunindo inúmeras informações, memórias e coleções dos mais variados prismas do conhecimento, compondo assim, um conjunto de preciosos subsídios que colaboraram para o conhecimento sobre a região amazônica do século XVIII (LAMARCA, 2015). Entretanto, torna-se inviável apresentar nesse momento todas as suas considerações, pelo fato de sua obra acerca desta expedição ser extensa. Contudo, apesar de alguns equívocos cientificamente cometidos e certas omissões a respeito das condições sociais de vida na colônia, sobretudo referentes às populações indígenas e africanas 30 escravizadas no território, a originalidade maior da Viagem Filosófica reside em ser a primeira expedição científica ocorrida na região centro-norte do Brasil, compreendendo as antigas capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (LAMARCA, 2015). Com isso, torna-se fundamental o processo de recuperação das memórias produzidas pelo naturalista luso-brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira e assim, introduzir a sua obra, principalmente o seu diário de viagem, evidenciando a relevância destes documentos produzidos como importantes aportes para o conhecimento historiográfico brasileiro. A Viagem Filosófica teve uma duração de 9 anos e 3 meses e a extensão percorrida nesse período foi de aproximadamente 39.372 quilômetros (CARVALHO, 1983). A partida de regresso do naturalista para Belém, deu-se em 3 de outubro, atingindo aquela cidade em 12 de janeiro de 1792. A sua partida para Lisboa ocorreu em 15 de outubro e a sua chegada a Portugal se deu em fevereiro de 1793 (CARVALHO, 1983). Retornando a Lisboa, o filósofo natural foi recebido com honrarias e recompensado pelos serviços prestados à Coroa. Em um primeiro momento, é designado ao cargo de oficial da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e dos Domínios Ultramarinos (NETO, 2012). No decorrido ano de 1794 é condecorado com o Hábito da Ordem de Cristo pela rainha D. Maria I (MORAES; CAMPOS; SANTOS, 2011) e pouco tempo depois é nomeado administrador interino do Real Gabinete de História Natural, Jardim Botânico e anexos (NETO, 2012). Nesse período, nas horas vagas, Alexandre Rodrigues Ferreira buscava organizar o inventário coletado nos nove anos em que esteve à frente da Viagem Filosófica, estudando-os, corrigindo e os coordenando, pois nos diversos despachos realizados à Portugal, “Etiquetas e legendas foram perdidas ou trocadas, trechos de sua obra foram extraviados, o que favoreceu equívocos e classificações incorretas” (NETO, 2012, p. 221). Porém, devido às circunstâncias que envolviam os seus cargos burocráticos e obrigações administrativas, aos poucos o naturalista fora sendo afastado da incumbência tão almejada que seria a análise aprofundada e a posterior publicação de seus manuscritos acerca dos sertões do Brasil. No entanto, as frustações do naturalista estariam por se intensificar, pois naquele momento Portugal acompanhava de perto a ocupação de seu território pelas tropas de Napoleão, lideradas pelo Marechal Junot. Com isso, os 31 infortúnios de Alexandre Rodrigues Ferreira prosseguiram devido à expropriação de suas coleções pelo naturalista francês Geoffroy Saint-Hilaire, responsável pelo saque e espólio científico às coleções de História Natural do país. Com isso, perdendo a esperança de publicar os seus trabalhos e sendo acometido por sucessivas decepções em consequência da desordem política e pilhagem de suas coleções, Alexandre Rodrigues Ferreira foi afetado por profunda melancolia vindo a falecer a 23 de abril de 1815. Embora alguns de seus manuscritos e iconografias, com a queda de Napoleão, tenham retornado oficialmente a Lisboa, o saque promovido pela ocupação francesa ocasionou um esfacelamento do acervo que compunha a Viagem Filosófica e muitas das peças reunidas pelo naturalista se encontravam dispersas por instituições culturais, contudo sem memória ou menção de quem as coletou (NETO [em]: FERREIRA, 1983). Após a morte do naturalista, inúmeros esforços ao longo dos anos foram feitos através da ação conjunta de diversos institutos e museus, a fim de se recuperar as coleções do naturalista e de seus manuscritos. Hoje, grande parte de sua obra se encontra nos acervos da Biblioteca Nacional e também do Museu Nacional, ambas as instituições localizadas na cidade do Rio de Janeiro, compondo a coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. Coleção esta que constitui-se de seus manuscritos produzidos durante a expedição e também documentos produzidos sobre o naturalista e a sua expedição. Consistem também em 191 documentos textuais e cerca de 1.500 desenhos representando a iconografia produzida pelos dois desenhistas da expedição, retratando a etnografia, a fauna e a flora do Brasil no século XVIII. 32 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Através das participações expostas no seu diário de viagem pelo Rio Negro, foi possível identificar as minuciosas descrições elaboradas a respeito dos territórios que explorara, tecendo observações e analisando os diversos aspectos que o compunham. Descrevia o uso, a ocupação e a conservação daqueles ambientes, elaborava inventários das povoações por onde passara, informava a respeito de cada aldeamento indígena e as suas características etnográficas. Quanto às suas observações dos ambientes naturais, o naturalista relatava a fauna e a flora, as particularidades hidrográficas e limnológicas da região. Expunha também as condições climáticas daquela localidade e os diversos aspectos relacionados às morfologias dos terrenos, avaliando as condições do solo, da geomorfologia e da litologia. Como visto no decorrer destas linhas, os materiais produzidos pelo naturalista são inúmeros e as contribuições dos mesmos também. Portanto, foi- se necessário privilegiar certos pontos a serem expostos nessa proposta, pois as memórias elaboradas pelo naturalista continham inúmeras informações a respeito das regiões exploradas, visto que seus objetivos principais em território brasileiro postos pela Coroa lusitana era o de inventariar, descrever, catalogar e coletar materiais referentes ao território e que, através do conhecimento preciso daquela ampla extensão, fosse possível a delimitação de suas fronteiras, a fim de manter assegurada a ocupação territorial lusitana naquela região. Portanto, sua função, enquanto esteve frente à expedição, fora exercida, sendo avaliadas e descritas profusas particularidades daquela porção do território, privilegiando em determinados momentos, tópicos voltados para o desenvolvimento da agricultura local e cultivo de espécimes que contribuíssem para as relações comerciais. Suas narrativas também expunham os conflitos locais, as condições precárias que se encontravam os povoamentos, os regimentos e fortalezas, os aldeamentos e aprisionamento de indígenas, além dos frequentes embates entre determinadas etnias que se voltavam contra os usurpadores europeus. Contudo, apesar de suas análises, Alexandre Rodrigues Ferreira se omite em momentos referentes às condições 33 escravagistas presenciadas naquele momento, privilegiando as políticas postas em prática na colônia em detrimento de sua formação iluminista e libertária. Apesar dos percalços, das dificuldades em transpor as barreiras impostas pelo meio natural e pelas enfermidades ao longo do caminho, pode- se dizer que este naturalista, mesmo em meio aos seus posicionamentos equivocados, dedicou-se aos estudos da Historia Natural e da Geografia das regiões que visitou, assegurando notáveis resultados aos conhecimentos naturais e condições sócio históricas referentes às porções territoriais em que a Viagem Filosófica alcançou. Sendo assim, visto a ciência produzida pelo naturalista, estes documentos se tornam essenciais para o conhecimento e entendimento historiográfico do Brasil colonial. Desse modo, a proposta deste trabalho veio com o intuito de recuperar as memórias do naturalista luso-brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, trazendo à luz parte de sua produção científica, para em seguida apresentar este breve ensaio, a fim de correlacionar os seus estudos desenvolvidos na região norte do Brasil às análises de cunho geográficas, buscando, através da leitura de seu diário de viagem, apresentar algumas das contribuições de seus escritos para o conhecimento das paisagens naturais do Brasil colonial e os aspectos historiográficos daquele período. 34 REFERÊNCIAS CALDAS, Y. P. Acerca do outro: a Viagem Philoshopica de Alexandre Rodrigues Ferreira. Navegações: Revista de Cultura e Literaturas de Língua Portuguesa, Porto Alegre (RS), v. 4, n° 1, jan./jun. 2011. Disponível em: . Acesso em: ago. 2018. CARVALHO, J. C. M. Viagem Filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (1783-1793): Uma síntese no seu bicentenário. 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Deixei a vila de Monforte pelas 7/12 da manhã, e costeando a ilha, água acima, pelas 10 ½ passei pela vila de Monsarás. Naveguei mais 5 léguas até a foz do rio Arari, por onde subi cousa de 24 léguas, até as 5 da tarde de 21. Os vinte e nova dias que decorreram até 29 de dezembro, os empreguei em reconhecer os produtos naturais e a extensão daquela ilha, que achei ter em comprimento L. O. Quasi 40, e de maior largura N. S. 30. N.B. Que as povoações que tinha, entre vilas e lugares, eram 9. Os habitantes de todas elas incluida a freguezia de N. S. da Conceição do Arari, pouco mais de 5.500; fazendas de gado vacum e cavalar 153. Engenhos Reais de açúcas 3. Molinetes de aguardente de cana 11; dezembro 21: Voltei do rio Arari pelas 6 horas da tarde de 24, cheguei à cidade do Pará onde me dispuz a partir para o rio dos Tocantins. 1784 janeiro 15: Rio dos Tocantins. Pela meia noite embarquei na canoa São Francisco, e com 19 léguas de viagem pelo rio Moju acima cheguei ao canal do Igarapemirim, dali numa distância de mais de 11 léguas subi à baia do Marapatá, que é a foz do sobredito Tocantins. Naveguei 13 léguas por ele até o lugar de Azevedo, e a distância de mais 1 légua acima pelas 4 horas da tarde de 19 aportei na vila de Cametá. janeiro 21: Segui viagem pelas 7 horas da manhã e tendo navegado 30 léguas até as 4 horas da tarde de 26, cheguei ao lugar de Alcobaça; 41 N.B. Observei – primeiro que nas altas margens deste rio se criam inumeráveis castanheiras, que além da castanha do Maranhão, também dão a estopa precisa para o calafeto das canoas; segundo que nas mesmas margens se mostrão claros indícios de muito pau-cravo que tem pelos centros de seus sertões; terceiro que as muitas ilhas que há na sua barra, abundam de certa espécie de castanhas de cuja massa se extrai o azeite de andiroba; quarto que nas ditas ilhas principalmente estão situadas os cacauais dos habitantes das suas povoações, as quais não sendo mais do que 4, contém pouco menos de 7.000 almas. Dali regressei para a cidade do Pará, onde cheguei pelas 11 da noite de 20; fevereiro 15: Embarquei pelas 10 horas da manhã na diligência de descobrir sítio apropriado para a plantação de linho canhamo, na conformidade das ordens com que fui instruído pelo Ministério, e achando-me na distância de léguas e meia para baixo da cidade ali me demorei, em mandar roçar o mato, e plantar o referido linho até 3 de março que me recolhi ao Pará; maio 4: Quarta vez sai da cidade pelas 4 horas da madrugada, em viagem às ilhas adjacentes à sua barra, e depois de ter explorado diferentes ilhas, como foram a ilha das Onças, Guarapiranga, Periquitos, Jutuba, Paquetá, Ilha Nova, Cutijuba e Tatuoca, recolhi-me ao Pará pelas 4 horas da tarde de 13; julho 10: Quinta vez parti da cidade pelas 5 horas da manhã em demanda do canal de Carnapijo, navegando 7 léguas até sair a baia de Marajó; dali na distância de 3 léguas e ½ por entre ilhas da costa da parte esquerda cheguei a Vila do Conde, e 2 léguas a ½ cima desta aportei na vila de Beja. Aquele distrito o explorei no espaço de 9 dias, findos os quais, dispuz-me a subir pelo rio das Amazonas, em viagem para o Rio Negro, e pela sobredita viagem nos termos mais resumidos foi a seguinte: setembro 19: Tendo saido da cidade do Pará, embarcado na canoa São José Belém que largou pelas 9 horas da noite andou até o canal de Igarapemirim; dali a baia de Marapatá; travessia desta e da outra baia que segue até o engenho de Limoeiro; andamento do canal de japim, até sair a baia de Maruaru; travessia desta baia; comprimento da segunda até o engenho de Pedro Furtado; defronte do engenho e distante dele 7 léguas, está situado a vila de Oeiras, na margem ocidental, e superior 2 léguas a barra do rio Araticu, cuja disgressão fiz para a examinar até ao dia 23; do mencionado engenho até a bica di canal de Tagipuru; na entrada deste canal estão situadas duas famosas povoações que também quis examinar nos dias 25, 26, a saber: a vila do Melgaço em uma das ilhas que formam a sua entrada, e distante dela 4 légas ao rumo de S.O. e no continente do S. da vila de Portes, distante da vila de Melgaço outras 4 léguas no mesmo rumo; andamento do canal de Tagipuru até sair ao rio das Amazonas; 42 outubro 12: A vila de Porto de Móz, na foz do Xingú; dentro neste rio, visitei as vilas de Veiroz-Pombal, e Souzel, e o lugar de Vilarinho do Monte; outubro 20: Do porto de Móz a boca do canal de Aiquiqui andamento do canal até sair ao Amazonas para a vila de Almeirim, donde subi pelo rio Paru até a Tapera de Belforte; novembro 8: Da saída do Aiquiqui até a boca do rio Guajará; dali até o furo de Uruacá; dali até a boca principal desse rio; daqui pela costa de Curupatuba, até a foz do Cussari estão as suas barreira dentro do ribeiro de Curupatuba, desde 1 de novembro até 9 de dezembro, que visitei por terra a serra de Paitona e todas as imediações daquele distrito; dezembro 9: Do Cussari até a foz do rio Curuá; do Curuá até a boca do canal do Ituqui; andamento do dito canal, até subir no Amazonas defronte do rio Surubiu; dali até a boca do rio Muaicá; e deste até a vila de Santarém na foz do rio dos Tapajós; vi neste rio as vilas de Alter do Chão, vila Franca, Boim e Souzel e o lugar de Aveiro, até 9 de janeiro sai das ditas vilas; 1785 janeiro 10: Da sobredita foz do rio Tapajós, a vila de Óbidos, Bosforo do rio Amazonas; donde desci a examinar o sítio de Paricatuba; janeiro 25: De Óbidos a boca de Tupinambaranas; dali a boca do rio Madeira; atravessei o rio das Amazonas para a vila de Serpa onde estive desde a manhã de 9 até a de 10 de fevereiro; do Madeira a imediata boca do Guataz; ultimamente do Madeira a foz do rio Negro que fica boas 300 léguas acima da cidade do Pará; fevereiro 17: Da sua foz até a Fortaleza da Barra; da dita atá a boca inferior do canal de Anavilhanas; do dito atá a sua saída na margem meridional do rio Negro; dali até a ponte de pedras chamada Igrejinha; rio acima até o lugar de Airão; fevereiro 23: De Airão à vila de Moura; de Moura até a foz do rio Branco; fevereiro 25: Dela ao lugar de Carvoeiro; do Carvoeiro ao lugar de Poiares; março 2: De Poiares à vila capital de Barcelos; onde residi empregado em descrever os produtos recolhidos durante a viagem, e em arranjar as remessas que devia fazer, desde 2 do referido mês de março até 20 de agosto, que segui viagem rio Negro acima a saber; agosto 20: Da vila de Barcelos ao lugar de Moreira; agosto 23: Dali até a foz do rio Guarirá rio acima até a vila de Thomar; 43 setembro 1: Da dita ao lugar de Lamalonga; setembro 5: Do dito à foz do rio Chibaru; do Chibaru à tapera de Santa Isabel; da tapera de Santa Isabel a nova; setembro 11: Da dita até a foz do Maruiá; do Maruiá à foz do rio Juambu; de Juambu à foz do rio Abuará; do Abuará ao lugarejo do Castanheiro Novo; do dito ao lugarejo de N.S. de Loreto de Maçarabi; setembro 2: De Maçarabi ao lugarejo de São Pedro; do dito ao lugarejo de São José; de São José do Castanheiro Velho; dali até a foz do rio Marié; daquele ao outro rio Curicuriari; do dito rio ao lugarejo de São Bernado do Camanau; daquele ao de Nossa Senhora de Nazaré de Curiana; setembro 26: De Curiana à Fortaleza de São Gabriel das Cachoeiras; outubro 18: De São Gabriel ao lugarejo de S. Miguel; dali até a foz do rio Uaupés; aqui se acabaram as quatorze cachoeiras que subi pelo rio Negro; subindo pelo Uaupés naveguei até a sua primeira cachoeira grande; chamada do Ipanoré; outubro 29: Da foz do Uaupés ao lugarejo de Sant´Ana; daquele ao outro lugarejo de São Felipe; daqli até a foz do rio Içana; naveguei neste rio acima de 45 léguas até a sua primeira cachoeira grande; novembro 9: Da foz do Içana até o lugarejo de N. Senhora da Guia; do dito ao de S. João Batista do Mabé; dali até a foz do rio Ixié; entrei neste rio, e naveguei por ele acima 28 léguas; novembro 14: Do rio Ixié ao rio Dimiti; do Dimiti à Fortaleza de S. José de Marabitanas; de Marabitanas até limítrofe da serra de Cucui; Tendo desta forma navegado pelo rio Negro, acima boas 244 léguas sem falar nas que naveguei pelos rios colaterais da sua margem meridional, voltei água abaixo para entrar por alguns outros da margem boreal como foram o rio dos Cauburis em que andei 43 léguas no rio Padauiri 35 e no Aracá 29; 1786 janeiro 7: Recolhendo-se à vila de Barcelos na tarde de 7 de janeiro de 1786, para seguir viagem para o rio Branco; abril 23: Parti da vila de Barcelos, rio Negro abaixo, até o lugar de Carvoeiro, donde atravessei 8 léguas para a foz do rio Branco; da entrada do canal de Amauau por onde subi, com muitas voltas até a sua confluência com o rio Branco, no lugar onde estão as bocas do rio Mereuni naveguei do dito a foz do rio Mereuni; dentro neste rio, gastei 8 dias em explorar; 44 maio 8: Da foz do Mereuni até a povoação de N. Senhora do Monte do Carmo; maio 15: Dali até a foz do rio Catrimani; daquela a outra foz do rio Iniuni; do dito a foz do rio Anoau; dali para cima principiam as vastas campinas da parte superior do rio Branco, as quais para o norte se estendem acima de 50 léguas para poente, acabando em o riacho da Caiacaia, e para o nascente ainda passam além do rio Ropunori; maio 18: Da foz do Andoau até a Cachoeira Grande do rio Branco; dali a foz do rio Mucajari; da dita foz até a falda da serra do Carumani; daquela serra até a povoação de Santa Bárbara; à Fortaleza de São Joaquim na foz do rio Tacutu, em 26 de maior; pelo Tacutu acima naveguei 17 léguas até a foz do rio Maur onde entrando cheguei a sua quarta cachoeira; voltando pelo Tacutu abaixo, entre o rio Surumu, e na distância de um dia de viagem à foz do riacho, onde desembarquei, para marchar a pé como fiz pela campinas do rio Branco até a serra dos Cristais, gastando oito dias nessa jornada. Tendo-me então achado, muito ferido e estropiado, me recolhi à Fortaleza de São Joaquim, onde convalesci de umas febres que me sobreviram, e parti para o rio Uraricuera; junho 11: Da foz do Uraricuera até a boca do rio Serere; da foz do dito a foz do rio Parima; do Parima até a povoação de Nossa Senhora da Conceição; dali até as duas cachoeiras do dito rio; rio acima até a foz do rio Maracá; daquele rio até o riacho do Caiacaia. Neste lugar onde acabam os gerais do rio Branco se tinham estabelecido os espanhóis quando os expulsou dele o governador Joaquim Tinoco Valente. Voltei do rio Branco no dia 29 de julho, tendo navegado por ele acima sem falar nos seus colaterais 131 léguas, e pelas 4 horas da tarde de 3 de agosto me recolhi à vila de Bacelos; 1787 março 1: Segunda vez partiu parte da expedição para o Aracá, onde me demorei todo aquele mês; maio 20: Partiu parte da expedição para o rio Solimões, e por ele acima se navegaram somente 50 léguas, porque a ordem que teve do General Comissário João Pereira Caldas, era de reconhecer os produtos naturais da sua parte inferior, sem se encontrar com a parte espanhola, que estava na vila de Ega para o objeto das demarcações; conclui-se a viagem em 7 de agosto que se voltou ao rio Negro; o ano que decorreu até agosto de 1788 em que parti para o rio Madeira, empreguei a fazer por terra várias excurções botânicas e zoológicas, senão também algumas produções geográficas e hidrográficas de 45 todas as sobreditas, e o documento apenso n. 11 é a prova que apresenta, em como as fiz; 1788 agosto 27: Sai da vila de Barcelos pela 1 hora da tarde, rio Negro abaixo, e descidas 25 léguas do rio das Amazonas e pelas 10 da manhã de 7 de setembro entrei na foz deste rio (Madeira); setembro 18: Da sua foz até a vila de Borba, naveguei 26 léguas; outubro 11: Daquela vila até a boca do furo de Guautaz; outubro 15: Do dito furo até a foz do rio Aripuanã, entrei neste rio, e o explorei pelo espaço de 35 léguas; outubro 22: Do Aripuanã à foz do rio das Araras; também entrei neste, e naveguei 23 léguas, por ele acima; outubro 28: Das Araras à foz do Mataura; dali à foz do rio Anhagatini; daquela foz à foz do rio Manicoré; naveguei neste rio; do Manicoré ao rio Capaná; do Capaná ao rio dos Marmelos; daquele ao rio Aruapiará; do dito ao rio Baetas; do dito até a ilha dos Muras; da dita ilha até a foz do rio das Arraias; do dito ao rio Machado; do Machado ao rio Jamari; do Jamari até a primeira cachoeira de Santo Antonio. Vencida mais 57 léguas de distância que ocuparam as 12 cachoeiras do rio chamado da Madeira, cheguei com 243 léguas de caminho à foz do rio Beni (que é o verdadeiro Madeira), entrando pelo rio Mamoré, que conflue com este na latitude de 10° 22’ 30’’ e na longitude de B. 12° 10’ 32’’; da foz do Beni até a confluência do Mamoré com o rio Guaporé, em cujo espaço venci mais 5 cachoeiras; da foz do Guaporé, até o Forte do Príncipe da Beira; do dito Forte até ao Destacamento das Pedras (ao lugarejo de Guarujus); dos Guarujus ao Sítio das Torres; das Torres às Pitas; das Pitas ao rio Verde; do rio Verde à Vila Bela, capital de Mato Grosso, onde cheguei a 3 de outubro de 1789 com 487 léguas de viagem desde a foz do rio da Madeira, e 592 desde vila de Barcelos. 1790 fevereiro 25: Parti de Vila Bela em jornada por terra a serra de São Vicente, situada ao nascente de Vila Bela, e andei desde Vila Bela ao Sítio Xavier; dali para o Sítio de Buriti; do Buriti a Bocaina da Serra; dali ao pé do morro, ao Sítio de Antonio Rodrigues; dali dirigi a minha marcha por todos os arraiais situados na dita serra, em ordem a examinar todas, e cada uma das lavras de ouro que 46 ali tem os mineiros. Entrei nos arraiais de São Francisco Xavier da Chapada, de São Vicente, Boa Vista, Ouro Fino, Sant´Ana, Pilar, Lavrinhas de Guaporé e Santa Barbara. Reconhecendo em consequencia da minha jornada que a da serra se extende N. S. 30 léguas, tem de ordinário largura 3 ou proximadamente 4, onde ela é maior, e de altura perpendicular um quinto de légua. É cortada pelo rio Guaporé na paragem que ali chamam de Cágado, pela semelhança que tem com aquele anfíbio, tendo a cabeça para o sul, e a cauda para o norte. Feitos estes exames, voltei a vila Bela; junho 28: Dei início a minha jornada por terra para a vila de Cuiabá, e andei de Vila Bela ao sítio do Xavier; do Xavier ao sítio do Buriti; dali ao pé do morro; dali à ponte do rio Guaporé; julho 4: Dali ao arraial de Lavrinhas. Sendo informado por alguns sertanistas que pela terra a dentro em distância de 15 léguas estava uma maravilhosa gruta, que era digna de se observar, puz-me a caminho para ela no dia 14 e tendo marchado a pé todo aquele espaço sempre entre matos, e rochedos cheguei à dita gruta que examinei e descrevi; voltando da dita gruta me sobreveio uma perniciosa (moléstia), com a qual me recolhi ao arraial de Lavrinhas, onde pelo documento apenso n°. 2 se pode ver o estado em que cheguei, pelas 4 horas da tarde de 21; do arraial de Lavrinhas ao sítio da Estiva, estrada de Cuiabá; da estiva ao sítio de Moraes; dali ao registro de Jauru; do Jauru ao sítio do Ferraz; do Ferraz ao Macorizal; dali a Caiçara; de Caiçara à vila Maria no Paraguai. setembro 19: Da vila Maria à Jacobina; dali à fazenda de gado do Leonídio; dali à fazenda do Coutinho; dali ao arraial dos Cocais; dali à vila de Cuiabá. 1791 janeiro 10: Parti da vila em jornada para o arraial de São Pedro d´el Rey que fica 13 léguas ao S. desta a examinar como fiz as lavras de ouro daquele destrito, e me recolhi a 31; fevereiro 3: Parti para o arraial da Chapada na serra de São Jerônimo 12 léguas distante da vila e nela me demorei até 26, que me dispuz a partir para o Paraguai; março 17: Sai da vila embarcando (ilegível); do porto da vila água abaixo até a barra do rio São Lourenço (compreendidas as voltas que girei); rio São Lourenço abaixo até a sua barra no rio Paraguai; do dito até a povoação de Albuquerque; março 30: Dali até a boca principal do rio Taquari; da dita até a foz do rio Mondego; dali até o morro de Albuquerque; do morro até o Presidio de Nova 47 Coimbra. Voltamos Paraguai acima até a confluência do rio São Lourenço, donde continuamos oito léguas mais até a serra do Letreiro, donde entramos nas famosas lagoas da Gaiba Grande, Mirim, e Uberaba; dali até a foz de um rio que se julga vir de Cuiabá, compreendido todo semicírculo que faz o Paraguai; da foz do rio ao morro do Escalvado; do dito ao morro do Jauru; da sua foz águas acima até a serra da Invernada; da dita até a foz do rio Aguapei; do dito ao lugar de Registro; (regresso a vila Velha). * Autógrafo. Anais do X Congresso Brasileiro de Geografia, 2:355, 1945 (J. R. Mendes) e Boletim do Museu Nacional, IX (2): 103-115, 1933 (E. Roquete Pinto). [em]: CARVALHO, 1983, p. 67 – 75.