UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ZOOLOGIA Dissertação de Mestrado Siriboia ou tamburutaca (Crustacea: Stomatopoda): morfologia das garras raptoriais e sua relação com acidentes em humanos Antonio Lucas Sforcin Amaral Orientador: Prof. Dr. Antonio Leão Castilho Coorientador: Prof. Dr. Vidal Haddad Junior Botucatu – São Paulo 2020 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ZOOLOGIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Siriboia ou tamburutaca (Crustacea: Stomatopoda): morfologia das garras raptoriais e sua relação com acidentes em humanos Antonio Lucas Sforcin Amaral Orientador: Prof. Dr. Antonio Leão Castilho Coorientador: Prof. Dr. Vidal Haddad Junior Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Câmpus Botucatu, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Mestre em Ciências Biológicas, curso de Pós-graduação em Ciências Biológicas (Zoologia). Botucatu – São Paulo 2020 “A natureza não é cruel, apenas implacavelmente indiferente. Esta é uma das lições mais duras que os humanos têm de aprender.” Richard Dawkins À minha esposa Ana Luiza, portadora da mais infinita paciência, e à minha família, alicerce do meu presente. Agradecimentos Agradeço ao meu professor e orientador Antonio L. Castilho, por ter aceitado me orientar e pela parceria de entrar na parte clínica da biologia. Ao meu coorientador e mentor Vidal Haddad Junior pelas ideias, sugestões e broncas que, sem dúvida, foram cruciais para que eu chegasse até aqui. Agradeço ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico) pelo apoio financeiro através da bolsa de mestrado concedida. Aos colegas de laboratório de maneira geral, pelos momentos positivos e negativos que contribuíram para minha jornada. À Aline Nonato e ao Diego Arcanjo, pelos ensinamentos em sala de aula. Agradeço à sra. Débora Lucatelli, pesquisadora do grupo dos Stomatopoda, e que cuidadosamente me ajudou com algumas informações muito importantes sobre o grupo. Aos meus pais Otoni e Angela e meu irmão Thiago, pela luta e batalha ao longo da vida para me trazerem até aqui, pelos braços abertos o tempo todo, para qualquer situação. À minha cunhada Juliana pela presença nesses anos todos, e ajuda com questões acadêmicas. Aos meus sogros Flávio e Márcia, pelo acolhimento e apoios diversos. Aos meus amigos, com destaque ao pessoal do grupo Caninana: Gilberto, Jefferson e Alessandra, pelas inúmeras conversas, esclarecimentos e apoio moral. Edinaldo, Bruna e Alef que estiveram à disposição para reclamar e comemorar, e fazer terapia nos sábados à noite. À Marina Borges e Daniela Pinheiro, que estavam presentes para as conversas mais e as menos cultas. Incluo a Deborah e o Paulo, que de maneiras distintas e contrastantes, mas importantes, estiveram presentes nesta etapa. Também à Priscila Tamarozzi, pelo seu importante papel nos últimos anos. E com especial carinho à minha esposa Ana Luiza de Sá Sforcin, pela presença nos melhores e piores momentos, e cumplicidade incondicional. Essa etapa não teria sido alcançada da maneira que foi sem seu apoio. Sumário Resumo ............................................................................................................................... 1 Abstract ................................................................................................................................ 2 1. Introdução ...................................................................................................................... 3 2. Objetivos ...................................................................................................................... 13 3. Material e métodos ...................................................................................................... 15 4. Resultados ................................................................................................................... 17 5. Discussão ..................................................................................................................... 28 Referências ........................................................................................................................ 34 Apêndice ............................................................................................................................ 44 1 RESUMO Os siriboias são crustáceos pertencentes à ordem Stomatopoda e conhecidos pelo segundo toracópode modificado em garra raptorial, capaz de golpear e quebrar conchas de moluscos, e capturar suas presas. Podem ser separados em dois grupos de acordo com a morfologia das garras: o grupo esmagador, que desfere golpes em sua presa similares a socos de alta potência, e o outro grupo, perfurador, que perfura a presa com as projeções pontiagudas localizadas no dáctilo, último segmento da garra. Existem frequentes relatos anedóticos sobre acidentes em humanos causados por esses crustáceos, mas as informações são imprecisas e muitas vezes o animal não é corretamente identificado pelas vítimas. Este estudo apresenta o relato de 23 pescadores de Ubatuba - São Paulo, que afirmam considerar o siriboia perigoso e que evitam contato direto por conhecerem o risco que o animal oferece, e que os acidentes costumam acontecer com pessoas pouco familiarizadas com o crustáceo. Inclui um relato de lesão causada pelo urópode, informação não documentada anteriormente, e quatro relatos documentados de lesões causadas pelas garras em seres humanos. O estudo resultou ainda em um material informativo sobre os siriboias e prevenção dos acidentes. Palavras chave: Tamburutaca, crustáceos, lacerações, Stomatopoda, pescadores 2 ABSTRACT Siriboias are crustaceans belonging to the order Stomatopoda that are known for the second thoracopods modified to raptorial claws, capable of striking and breaking shells of molluscs and capturing their prey. They can be classified in two groups according to the morphology of the claws: the smasher group, which strikes its prey similar to high-powered punches, and the spearer, which pierces the prey with pointed projections located in the dactyl, last segment of the claw. There are frequent anedoctal reports of human injuries caused by these crustaceans, but the information is inaccurate and often the animal is not correctly identified by the victims. This study presents tertimony of 23 fishermen from Ubatuba - São Paulo, which claim to consider the siriboia as dangerous animals and avoid direct contact, due to know the risk offered. The injuries usually happen in people unfamiliar with the crustacean. It includes one report of an injury caused by the uropod, previously undocumented information, and four documented reports of human injuries caused by the claws. The study proposes informative material about the siriboias and the prevention of injuries. Key-words: Mantis shrimp, crustaceans, lacerations, Stomatopoda, fishermen 3 1. Introdução Os siriboias (figura 1A) são crustáceos marinhos pertencentes à ordem Stomatopoda Latreille, 1817, conhecidos popularmente como tamarutacas, tamburutacas, lagosta- boxeadora, esquila e camarão-louva-a-deus, podendo ser encontrados em sua maioria em águas rasas, com cerca de 200 m de profundidade, mas com algumas espécies habitando até 1500 m de profundidade. Possuem ampla distribuição global e ocorrem em águas tropicais e subtropicais, como na costa Atlântica da América do Sul e da África, mar do Caribe, mar Mediterrâneo, Oceano Pacífico incluindo China, México e Costa Rica, com extensão até a parte Índica nas Filipinas, Madagascar e Índia, porém algumas poucas espécies ocorrendo em águas mais frias, como na costa Pacífica do Japão (Abelló & MacPherson, 1990; Abelló & Martín, 1993; Humann, 1993; Campos, 1995; Kawamura et al., 1997; Brusca & Brusca, 2011; Hernáez et al., 2011; deVries et al., 2012; Anderson et al., 2014; Cox et al., 2014; deVries et al., 2016). Atualmente existem sete superfamílias de Stomatopoda, abrigando 17 famílias e cerca de 450 espécies. No Brasil ocorrem 43 espécies de 10 famílias, pertencentes às superfamílias Bathysquilloidea, Eurysquilloidea, Gonodactyloidea, Lysiosquilloidea, Parasquilloidea e Squilloidea, com ampla distribuição geográfica no litoral, desde o Amapá (latitude 03º N) até Rio Grande do Sul (latitude 30º S) (Manning, 1969; Coelho & Koening, 1972; Ahyong & Harling, 2000; Martin & Davis, 2001; Amaral et al., 2003; Bento, 2009; Barreto & Silva, 2011; Boos et al., 2012; Lucatelli et al., 2012). 1.1 Garra raptorial O animal destaca-se por ter a habilidade de golpear as presas com seu segundo par 4 de pernas torácicas (segundo toracópode), modificado em garra raptorial (figura 1) (Brusca & Brusca, 2011; deVries et al., 2016). Tais garras apresentam diferenciações anatômicas e fisiológicas que os tornam capazes de quebrar conchas de moluscos bivalves, por exemplo, com um único golpe (deVries et al., 2016). É composta por quatro artículos principais: mero, carpo, própodo e dáctilo (da região proximal para a distal) (figura 1B); o mero produz e armazena a energia que será desferida no golpe, o carpo e o própodo transferem essa energia, e o dáctilo choca-se contra o alvo (Zack et al., 2009; Kagaya & Patek, 2015; Rosario & Patek, 2015; Anderson et al., 2016). Figura 1: A – Stomatopoda em vista lateral com detalhe da garra raptorial (contorno preto) Foto de Dr. Vidal Haddad Jr.; B – Garra raptorial com os artículos destacados: I-mero (azul), II-carpo (vermelho), III-própodo (verde), IV-dáctilo (roxo). Foto de Antonio L. S. Amaral. 5 O mero é um artículo com formato similar a um cilindro, que abriga internamente músculos flexores, extensores, e dois escleritos responsáveis por prendê-los para desferir o golpe. Possui também a sela, localizada na parte superior, com capacidade elástica, e o meral-V, que se rotaciona para acomodar os músculos do mero para o golpe (figura 2A e B). Essas estruturas são responsáveis pela geração e armazenamento de energia de impacto da garra. Para se fechar, o músculo flexor contrai-se, juntando o própodo e o mero na posição que desferirá o golpe. Ocorre então a etapa de preparação, quando o meral-V sofre uma pequena rotação contraindo a sela, e os escleritos se deslocam de maneira a segurar o músculo flexor em sua posição contraída (figura 2C). Concomitantemente, o músculo extensor se contrai, mas o movimento de abertura da garra não é feito, pois o músculo flexor está preso pelos dois escleritos, impedindo a abertura da garra. Temos então dois músculos antagonistas fazendo contração, mas sem a movimentação dos artículos. Pode-se comparar este processo ao funcionamento de uma balestra, que possui um arco com corda sobre uma base rígida, onde a corda é esticada e presa em um gatilho, envergando o arco e mantendo a energia do disparo acumulada. Sendo assim, a sela e os músculos atuariam como o arco e a corda, e os escleritos como o gatilho. Quando o golpe é desferido, os escleritos movimentam-se e liberam o músculo flexor contraído, e este relaxa, fazendo com que a sela libere a energia ao assumir sua posição de repouso, e o músculo extensor complete sua contração, culminando com a súbita e veloz abertura da garra (figura 2D). Analogamente, é como o gatilho da balestra ao ser apertado, soltando a corda e liberando no projétil a energia acumulada (Patek et al., 2007; Zack et al., 2009; Patek et al., 2012; Kagaya & Patek, 2015; Rosario & Patek, 2015; Anderson et al., 2016). Há duas conformações morfológicas da garra que lhes conferem usos distintos: nas superfamílias Bathysquilloidea, Erythrosquilloidea, Eurysquilloidea, Lysiosquilloidea, Parasquilloidea e Squilloidea, o dáctilo possui de três a onze projeções pontiagudas 6 semelhantes a pontas de lança, que é lançado de forma aberta à presa e se fecha quando a alcança, agarrando o animal e o perfurando, com as projeções do dáctilo sendo trespassadas no corpo da presa (Ramos, 1951; Manning, 1969; Ahyong & Harley, 2000; Bento, 2009). Com essa conformação, as garras perfuram e aprisionam o animal predado, impedindo sua fuga (figuras 3A e 4A) (deVries et al., 2016). Este grupo é conhecido como spearer e seu golpe pode atingir velocidades de 6 m/s (cerca de 21 km/h), e neste trabalho serão chamados de “perfuradores”. Os representantes dessas espécies costumam ocupar tocas no substrato não consolidado, como em sedimentos arenosos (Anderson et al., 2014; deVries et al., 2016). O segundo grupo, composto por indivíduos da superfamília Gonodactyloidea, é representando por espécies cujo dáctilo possui uma grande saliência calcificada na base onde se articula com o própodo, e choca-se contra o alvo mais rapidamente, em uma velocidade de até 30,6 m/s (cerca de 108 km/h), com um impacto de 1500 N (cerca de 152 kg), o equivalente à força de um projétil disparado de uma pistola calibre .22 (Burrows & Hoyle, 1972; Patek et al., 2004; Patek, 2005; Cox et al., 2014; McHenry et al., 2016; Van Der Wal et al., 2017). Os animais com esta conformação são chamados de smashers, e disparam o golpe mais veloz dentre os Stomatopoda, e neste trabalho serão referidos como “esmagadores” (figuras 3B e 4B). Os indivíduos com esta garra costumam ocupar tocas no substrato consolidado, como em pedras e corais (Humann, 1993; deVries et al., 2012; Anderson et al., 2014). Apesar de possuírem órgãos especializados para quebrar estruturas rígidas, os esmagadores possuem hábito predatório e dieta composta de animais de corpo duro e mole (figura 3), o que sugere que não limitam sua dieta às presas que necessitem do uso das garras (deVries et al., 2016). Existem ainda alguns gêneros onde essa classificação é indistinta, apresentando conformações intermediárias, como na superfamília Hemisquilloidea, que terão suas garras 7 chamadas de “intermediárias” quando necessário neste trabalho (figura 4C) (Anderson et al., 2014). Figura 2: Representações da garra raptorial em repouso e apta a golpear, com a extremidade distal à esquerda, vista interna. A- Garra fechada apta a golpear, com a sela (em verde) contraída e o meral-V (marrom) rotacionado em sentido horário. B- Garra aberta, com a sela relaxada e o meral-V rotacionado em sentido anti- horário. C- Garra fechada apta a golpear; linha pontilhada indica parte interna do mero; o músculo flexor (laranja) está contraído e travado nesta posição pelos escleritos (azuis), enquanto o músculo extensor (vermelho) se contrai e acumula energia para desferir o golpe, impedido de completar o movimento pelo travamento dos escleritos. D- Garra após o golpe, com os escleritos e músculos relaxados e em posição de repouso. Mero (M), carpo (C), própodo (P), dáctilo (D), meral-V (V), sela (S), escleritos (e), músculo extensor (me), músculo flexor (mf). 8 Figura 3: Stomatopoda e o uso das formas da garra. A- Perfurador prendendo a presa nas projeções pontiagudas do dáctilo (adaptado de deVries et al., 2012); B- Esmagador golpeando a presa (adaptado de Cox et al., 2014). Adaptado de Anderson et al., 2014. Figura 4: As três conformações da garra raptorial dos Stomatopoda: A – perfuradora, B – esmagadora, C – intermediária. 9 1.2 Télson e urópode Os Stomatopoda são territorialistas, e podem facilmente entrar em combate com outros indivíduos da mesma espécie mesmo fora de período reprodutivo. Quando ocorre um combate intraespecífico, os competidores golpeiam-se com suas garras, mas são capazes de se proteger utilizando uma estrutura na porção terminal do abdome denominada télson (figura 5A), que junto dos últimos apêndices abdominais foram o “leque caudal” (figura 5B) (Green & Patek, 2015). O télson é caracterizado pelo formato similar a um escudo, espesso e resistente. Os urópodes, possuem um par de espinhos pontiagudos cada, e também podem ser utilizados como ferramenta para atacar o adversário. No momento do combate, ambos se enrolam expondo o télson e escondem-se atrás dele, com apenas os olhos e antenas à mostra para manter contato visual e sensorial com o combatente (figura 6). O télson absorve o impacto do golpe desferido pelas garras do adversário, e é lançado com os espinhos dos urópodes posicionados de modo a atingir o inimigo em um contra-ataque. Além de seu uso em combates, o télson pode ser utilizado para sinalizar a ocupação de uma toca no substrato consolidado. O siriboia posiciona-se dentro da toca de modo que o télson fique exposto a tampando, impedindo a entrada de outro indivíduo. Também atua na sinalização luminosa de ocupação do local, pois é capaz de refletir a luz polarizada, visível aos Stomatopoda, que podem reconhecer a ocupação da toca desta forma (Gagnon et al., 2015). 1.3 Acidentes em humanos “Siriboia” é um termo de origem tupi-guarani, originário da junção de “si'ri”: siri, 10 caranguejo; e “mboi”: cobra, serpente (Tibiriçá, 1997). A ideia por trás do nome remete à de um caranguejo ou outro crustáceo perigoso, que oferece algum risco (Melo, 1960). A presença das garras raptoriais os torna conhecidos pelo nome em inglês mantis shrimp (“camarão-louva-a-deus”), devido ao ataque às presas similar a um louva-a-deus (Insecta: Mantidae), que golpeia com seu primeiro par de pernas. A ocorrência desses animais é bem conhecida entre pescadores brasileiros, que reportam com temor os acidentes causados pelo “siriboia”, tanto em suas redes de pesca quanto ao caminhar nas águas rasas dos canais formados na maré vazante. Em certas áreas do Caribe, os Stomatopoda são chamados de thumb splitter shrimp (“lagosta arrancadora de dedão”), o que ressalta a capacidade deste crustáceo de causar ferimentos, que apesar de serem relatados, são identificados de maneira confusa (Haddad Jr., 2000 & 2008). Figura 5: A - Gibbesia neglecta em vista dorsal, com detalhe do télson (contorno vermelho). B – Projeções pontiagudas localizadas no urópode, abaixo do télson. Foto A: Antonio L. Sforcin Amaral; B: Vidal Haddad Jr. 11 Nomura (1996) relatou um acidente causado por siriboia no Rio Grande do Norte: “picado a pessoa por uma siriboia, sofre dores de vinte e quatro horas”, mas associou o nome popular “siriboia” a um peixe: “parece tratar-se do niquim, Thalassophryne nattereri Steindachner, 1876, da família Batrachoididae”, fato que indica a dificuldade na identificação dos acidentes que o Stomatopoda pode causar. Na descrição do animal do caso, nota-se semelhanças ao formato corpóreo de um Stomatopoda, que possui corpo Figura 6: Stomatopoda em posição defensiva com o télson apresentado ao adversário para se proteger dos golpes, com os olhos e antenas à mostra. Os espinhos dos urópodes ficam expostos, e podem ser utilizados para atingir o adversário durante o combate. 12 alongado com oito pares de apêndices ou “pernas” torácicas e outros cinco apêndices abdominais, incluindo as garras: “um pequeno peixe, na forma de uma centopeia, com dois esporões, e que vive na lama”. Porém, as características informadas impedem que se conclua seguramente o agente causador. O relato evidencia que há pouca informação sobre a ocorrência de acidentes por siriboia, além da confusão gerada entre o acidente mecânico que um Stomatopoda pode causar e a potencial inoculação de toxinas de Thalassophryne, que possui espículas venenosas e é capaz de causar acidentes em humanos (Haddad Jr., 2000; Haddad Jr. et al., 2003; Haddad Jr., 2003, 2008 & 2016). A dificuldade de observação dos animais, e a falta de informações sobre acidentes por animais marinhos nas colônias de pescadores abrem espaço para isso, restringindo as descrições à cultura popular nos locais onde ocorrem. Devido a esses fatos, entendemos que há importância em identificar estes acidentes e as lesões causadas pelas garras. Este trabalho visa a obtenção dessas informações, que serão úteis para pesquisadores da vida marinha e habitantes de áreas litorâneas e estuarinas, incluindo pescadores e seus familiares. 1.4 Colônia de pescadores O município de Ubatuba (23°26′2″ S, 45°5′9″ O) está localizado no litoral norte do estado de São Paulo, região sudeste do Brasil, e possui áreas de mar aberto e estuários (figura 7A). Nele está localizada a Colônia Z10 de pescadores, que possui cerca de 2400 associados e abriga o Mercado de Peixes, incluindo um dos principais portos de desembarque de pescados do município (figura 7B) (Prefeitura Municipal de Ubatuba, 2019). Os profissionais desse local são acompanhados pelo projeto “Perfil das doenças 13 cutâneas em uma comunidade de pescadores no litoral norte do estado de São Paulo: o esperado e o surpreendente”, de autoria do Prof. Dr. Vidal Haddad Junior desde 2012 (Haddad Jr, 2019). Prof. Dr. Vidal Haddad Jr. é professor associado (livre docente) da Faculdade de Medicina de Botucatu – Universidade Estadual Paulista, e chefe do Departamento de Dermatologia e Radioterapia. Relatos de acidentes por siriboia já haviam sido reportados pelos profissionais da colônia, e devido à familiaridade prévia dos pescadores com o pesquisador supracitado somado à proximidade do local ao câmpus do Instituto de Biociências de Botucatu, esta foi selecionada para investigação dos potenciais acidentes causados por siriboia. 2. Objetivos Objetivo geral: Identificar os Stomatopoda que ocorrem no Brasil e o potencial risco de causar lesões em humanos. Objetivos específicos: 1. Levantar as espécies de Stomatopoda com ocorrência no Brasil e identificar o tipo de garra de cada uma através de sua descrição na literatura; 2. Identificar e descrever a ocorrência de acidentes previamente registrados na literatura ou ainda não publicados por autores especializados na área de acidentes com animais marinhos; 3. Identificar e descrever por entrevistas a ocorrência de acidentes na colônia Z10 de pescadores localizada em Ubatuba/SP; 4. Elaborar métodos para a prevenção dos acidentes. 14 Figura 7: A - Município de Ubatuba no estado de São Paulo. B - Colônia Z10 de pescadores em Ubatuba, São Paulo. Obtido de Google LLC. 15 3. Material e métodos 3.1 Levantamento bibliográfico Através de pesquisa bibliográfica foi feito levantamento das espécies de Stomatopoda com ocorrência no Brasil. Foram incluídos os artigos e notas publicadas em periódicos que apresentasse a ocorrência de espécies do grupo para a costa brasileira, bem como trabalhos de revisão de material depositado em museus que incluísse os Stomatopoda coletados no Brasil. As espécies levantadas tiveram suas descrições morfológicas analisadas a fim de compreender sua morfologia corpórea e reconhecer as estruturas com potencial para causar lesões em humanos. Com a identificação das espécies e suas estruturas, foram diferenciadas quanto à morfologia de suas garras (esmagadora e perfuradora) e identificado o local de ocorrência de cada espécie no Brasil. Conjuntamente foi feita busca por relatos de acidentes em humanos na literatura, registrados por profissionais da área médica e/ou zoológica com histórico de atuação em colônias de pescadores. Os relatos obtidos foram identificados quanto às circunstâncias do acidente e aspecto da lesão, a fim de compreender como os acidentes ocorrem e quais sequelas podem causar. 3.2 Coleta de dados A Colônia Z10 de pescadores de Ubatuba, São Paulo, foi escolhida para a aplicação de questionário estratificado nos seus profissionais devido à maior facilidade de abordagem 16 aos pescadores. Os profissionais presentes na colônia no momento da entrevista foram convidados a responder as questões, que era iniciada após consentirem e confirmarem que trabalhavam como pescadores no local. Aqueles que não atuavam como pescadores não foram incluídos nos resultados. Também foram entrevistados pescadores indicados pelos entrevistados que atendiam aos mesmos critérios. O questionário utilizado foi elaborado com questões sobre acidentes causados por Stomatopoda, com a finalidade de ser aplicado pelo autor aos pescadores, conjuntamente com imagens dos animais para correta identificação. As perguntas aplicadas foram: - Conhece o siriboia/tamburutaca? - O siriboia/tamburutaca é perigoso? - Sofreu acidente por siriboia/tamburutaca? - Em caso positivo, como e onde aconteceu? - Apresenta alguma sequela devido ao acidente? - Conhece alguém que tenha se acidentado com o siriboia/tamburutaca? As respostas obtidas foram registradas através de anotações manuscritas e contabilizadas ao final das entrevistas. Informações que não eram diretamente referentes à pergunta aplicada foram registradas quando forneciam fatos relevantes a respeito do Stomatopoda e da interação com humanos. 3.3 Comitê de Ética em Pesquisa Prof. Dr. Vidal Haddad Jr. (coorientador deste trabalho) dispõe de autorização para estudos com os pescadores da colônia do Mercado de Peixes de Ubatuba e do bairro de 17 Picinguaba foi concedida pelo Comitê de Ética em Experimentação Humana da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, sob o registro CAAI 59887316.5.0000.5411, número de parecer 1.759.505 e pela Secretaria de Saúde do Município de Ubatuba, São Paulo. 4. Resultados 4.1 Espécies com ocorrência no Brasil O registro de ocorrência das espécies de siriboia no Brasil foram analisados de maneira estatística descritiva, demonstrando que das 43 espécies de Stomatopoda que ocorrem no Brasil, foi identificado que 34 possuem garras do tipo perfuradora, 8 do tipo esmagadora e apenas uma do tipo intermediária. A quantidade de espécies por estado foi contabilizada, sendo o estado do Rio Grande do Norte com maior número, totalizando 26 espécies, seguido de Bahia e Pernambuco (24 espécies); Espírito Santo (21); Paraíba e Ceará (20); Alagoas (19); Rio de Janeiro (18); Sergipe (17); Pará (16); Maranhão e São Paulo (13); Piauí (12); Amapá (10); Santa Catarina (7); Paraná (5); e o estado com menor número, Rio Grande do Sul, com apenas duas espécies (quadro 1, Material Suplementar 1) (Ramos, 1951; Manning,1969; Fausto-Filho & Castro, 1973; Gomes-Correa, 1986; Müller, 1994; Tavares & Mendonça, 1997; Cappola & Manning, 1998; Bento, 2009; Albuquerque, 2010; Barreto & Silva, 2011; Boos et al., 2012; Lucatelli et al., 2012; Lucatelli et al., 2013; WoRMS, 2015). O estado que apresentou maior número de espécies com garra do tipo perfuradora foi o Rio Grande do Norte, com 18 espécies (figura 8; quadro 1), e com garra do tipo esmagadora foram Ceará, Pará e Rio Grande do Norte, com 8 espécies (figura 9). A única 18 espécie com garra do tipo intermediária, Hemisquilla braziliensis, possui registro nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo (figura 10) (Ramos, 1951; Manning,1969; Fausto-Filho & Castro, 1973; Gomes-Correa, 1986; Bento, 2009; Albuquerque, 2010; Barreto & Silva, 2011; Lucatelli et al., 2012; Lucatelli et al., 2013). 4.2 Relatos de acidentes previamente registrados Foram encontrados quatro registros de acidentes causados por siriboia, que haviam sido documentados anteriormente à elaboração deste trabalho. Dois deles foram publicados em literatura específica sobre acidentes com animais aquáticos (Haddad Jr., 2000; 2003; 2008 & 2016), e outros dois foram obtidos através de contato com os autores dos registros, que cederam informações sobre o ocorrido e os registros fotográficos. 19 Figura 8: Quantidade de espécies de Stomatopoda com garra do tipo perfuradora nos estados litorâneos brasileiros. 1 spp. = 7 px. 20 Figura 9: Quantidade de espécies de Stomatopoda com garra do tipo esmagadora nos estados litorâneos brasileiros. 1 spp. = 7 px. 21 Figura 10: Quantidade de espécies de Stomatopoda com garras do tipo intermediária nos estados litorâneos brasileiros. 1 spp. = 7 px. 22 Quadro 1: Lista de espécies de Stomatopoda com ocorrência no Brasil por estado. Células marcadas com “x” indicam ocorrência da espécie no estado. Garra P: perfuradora; I: intermediária; E: esmagadora (continua). Superfamília Família Espécie Garra Estado AP PA MA PI CE RN PB PE AL SE BA ES RJ SP PR SC RS Bathysquilloidea Bathysquillidae Bathysquilla microps P x Eurysquilloidea Eurysquillidae Eurysquilla petronioi P x Eurysquilla plumata P x x Gonodactylloidea Hemisquillidae Hemisquilla braziliensis I x x x Gonodactylidae Neogonodactylus austrinus E x x x x x x x x x x Neogonodactylus lacunatus E x x x x x x x x x x x Neogonodactylus minutus E x x x x x x x x x Neogonodactylus moraisi E x x x Neogonodactylus oerstedii E x x x x x x x x x x x x x x Neogonodactylus spinulosus E x x x x x x x x x Neogonodactylus torus E x x x x x x x x x x x Neogonodactylus wennerae E x x x x x x x x x x x Odontodactylidae Odontodactylus havanensis P x x x x x x x x x x x x Pseudosquillidae Pseudosquilla ciliata P x x x x x x x x x x x x x x Pseudosquillisma oculata P x x x x x x x Lysiosquilloidea Lysiosquillidae Lysiosquillina glabriúscula P x x x x x x x x x x Lysiosquilla scabricauda P x x x x x x x x x x x x x Nannosquillidae Alachosquilla digueti P x Alachosquilla floridensis P x x x Bigelowina biminiensis P x x Coronis scolopendra P x x Nannosquilla dacostai P x x Nannosquilla potiguara P x 23 Quadro 1 (continuação): Lista de espécies de Stomatopoda com ocorrência no Brasil por estado. Células marcadas com “x” indicam ocorrência da espécie no estado. Garra P: perfuradora; I: intermediária; E: esmagadora. Superfamília Família Espécie Garra Estado AP PA MA PI CE RN PB PE AL SE BA ES RJ SP PR SC RS Squilloidea Squillidae Alima hildebrandi P x x x x x x x x Alima neptuni P x x x x Cloridopsis dúbia P x x x x x x x x x x x x x x x Gibbesia neglecta P x x x x x x x x x x x x x Gibbesia prasinolineata P x x x x x x x x x x x x x x x Meiosquilla quadridens P x x x x x Meiosquilla schmitti P x x x x x x x x x x x x x Meiosquilla tricarinata P x x x x Rissoides calypso P x Squilla brasiliensis P x x x x x x Squilla deceptrix P x Squilla discors P x Squilla edentata P x x Squilla empusa P x Squilla grenadensis P x x x Squilla lijdingi P x x Squilla obtusa P x x x x x x x x x x Squilla surinamica P x x x Parasquilloidea Parasquillidae Parasquilla meridionalis P x Parasquilla boschii P x 24 Relato 1: Acidente registrado por Dr. Vidal Haddad Jr. em Salinópolis, Pará, com informações cedidas pelo autor. O registro descreve o caso de um pescador de 24 anos que foi ferido enquanto manipulava uma rede de pesca no "curral" (estruturas de madeira que prendem os peixes, facilitando a captura). O animal, que ele não percebeu na rede, golpeou sua mão com as garras, atingindo o quinto quirodáctilo esquerdo e o segundo quirodáctilo direito, causando laceração dos tecidos e dor intensa, mas que cedeu em cerca de uma hora. Informou ter lavado o local intensamente com água e sabão, e a cicatrização total se processou em cerca de uma semana. Relato 2: Acidente registrado pelo Dr. João Luiz Costa Cardoso (médico Toxinologista clínico do Hospital Vital Brazil, Instituto Butantã) e Dr. Vidal Haddad Jr. em Salinópolis, Pará, com o registro fotográfico publicado em 2008 e demais informações cedidas pelos autores (Haddad Jr., 2008). É descrito o caso de um pescador de 22 anos que se acidentou com siriboia ao desembarcar e retirar a rede com peixes, quando pisou em algo e sentiu uma dor intensa no maléolo medial do pé direito. Informou ter avistado o siriboia pois a água era clara no local, mas não conseguiu capturá-lo. O local sangrou bastante e formou-se uma ferida, que permaneceu por meses (figura 11). No momento do registro havia uma cicatriz extensa no local. 25 Figura 11: Lesão no pé direito de pescador causada por siriboia, descrito no Relato 2. Foto de João L. C. Cardoso 26 Relato 3: Acidente registrado Dr. João Luiz Costa Cardoso e Dr. Vidal Haddad Jr. em Ubatuba, São Paulo, com o registro fotográfico publicado em 2016 e demais informações cedidas pelo autor (Haddad Jr., 2016). É descrito acidente causado pelo siriboia em um pescador de 54 anos, que já se acidentou três vezes nas mãos enquanto pescava camarões. Informou que o animal é encontrado com facilidade nas redes de pesca, e apresentava cicatrizes nos dedos das mãos que haviam sido causadas em contatos anteriores com Stomatopoda (figura 12). Informou que não efetuou nenhum tratamento nas lesões no momento dos acidentes, e estas persistiram por semanas sem cicatrização. Figura 12: Cicatrizes de lesões causadas pelo siriboia, descritas no Relato 3. Foto de Dr. Vidal Haddad Jr. 27 Relato 4: Acidente registrado por Dr. Vidal Haddad Jr. em Ubatuba, São Paulo, com informações cedidas pelo autor. É descrito o caso de um estudante de biologia de 25 anos, que sofreu lesão na mão esquerda por Stomatopoda enquanto manipulava um exemplar em um estudo de campo em Ubatuba, São Paulo (figura 13). As garras provocaram laceração profunda com intenso sangramento e uma úlcera que cicatrizou após cerca de três semanas. O animal não foi coletado para posterior identificação. 4.3 Entrevistas por questionário Dos 23 pescadores entrevistados, 100% (n = 23) informaram conhecer o siriboia/tamburutaca. A totalidade da amostragem afirmou que o consideram perigoso. Figura 13: Lesão na mão esquerda causada por Siriboia, descrita no Relato 1. É possível notar a perda de tecido local no ferimento devido ao acidente. Foto de Dr. Vidal Haddad Jr. 28 Nenhum dos entrevistados havia se acidentado e não havia sequelas. No entanto, 5 pescadores (21,7%) informaram conhecer pessoas que haviam se acidentado com o crustáceo (figura 14). 4.4 Acidente causado pelo urópode Dentre os acidentes descritos pelos entrevistados, foi reportado o caso de um pescador com cerca de 50 anos, que pescou um siriboia em substrato arenoso (substrato não-consolidado, figura 3A) utilizando vara de pesca. Pouco familiarizado com o animal e seus riscos, ao tentar retirá-lo do anzol, segurou-o pelas garras para evitar ser golpeado, mas o animal atingiu sua mão com a cauda, causando perfurações pelos espinhos presentes no urópode, tendo sangramento e dor (Material Suplementar 2). 5. Discussão 5.1 Espécies com ocorrência no Brasil Figura 14: Gráfico indicando as respostas às perguntas aplicadas pelo questionário. 29 Foi contabilizada a ocorrência de 43 espécies de Stomatopoda na costa brasileira, número maior que a contagem mais recente, que apresentava 41 espécies (Lucatelli et al., 2012). Há pouco conteúdo disponível sobre o grupo no Brasil, e informações sobre sua ocorrência são escassas. O aumento de espécies registradas pode ser um reflexo da maior disponibilidade de trabalhos na forma digital ao longo dos anos. É provável que artigos e registros publicados apenas de forma impressa tenham sido digitalizados e disponibilizados entre o período da última publicação contendo a contagem e a data de execução deste trabalho. Foi observada maior ocorrência de espécies na costa da região Nordeste, com predomínio de espécies com garra do tipo perfuradora. A região Sudeste mostrou-se a única com ocorrência de espécies com as três formas das garras. Tais fatos despertam dúvidas sobre os hábitos de vida do siriboia, e demandam posteriores estudos para a sua compreensão. 5.2 Relatos de acidentes previamente documentados Apesar de não possuírem toxinas, as lesões traumáticas causadas por siriboia são graves e os animais fazem parte do imaginário popular, causando temor aos pescadores. As vítimas descrevem sangramentos importantes, dor intensa e perda de tecidos, e tais acidentes são integrados à cultura popular e multiplicam a fama de perigoso do animal. Os casos observados indicam que os acidentes podem ser graves, necessitando de primeiros socorros imediatos e acompanhamento por alguns dias, a fim de se evitar infecções secundárias e demais complicações, que incluem afastamento do trabalho. Nota- se que as lesões são extensas, profundas e exigem cuidados médicos para controle de 30 sangramentos e cicatrização das úlceras resultantes. Embora não sejam comuns, estes traumas ocorrem e não têm qualquer orientação de tratamento ou prevenção. Dessa forma, com base nas informações obtidas neste trabalho e em outros trabalhos sobre acidentes com animais marinhos (Haddad Jr., 2000; 2003 & 2008), é recomendado o seguinte procedimento aos profissionais de saúde no caso de acidente com siriboia: Lavagem intensiva e exploração cirúrgica; Prevenção do tétano; Avaliar antibioticoterapia: Cefalexina 2mg/dia por 10 dias ou Amoxicilina e clavulanato de potássio 1,5mg/dia por 10 dias (Adaptado de Haddad Jr., 2003). As informações sobre os acidentes obtidas neste trabalho foram organizadas em um quadro para auxiliar profissionais de saúde e pesquisadores a encontrarem os dados sobre os acidentes (quadro 2). 31 Quadro 2: Descrição dos casos de acidente com siriboia e seus desfechos. PROFISSÃO IDADE LOCALIDA DE ATIVIDADE NO MOMENTO DO ACIDENTE ESTRUTURA CAUSADORA LOCAL DA LESÃO QUADRO DESENVOLVIMENTO TRATAMENTO REALIZADO Pescador 24 Salinópolis PA Manipulação da rede de pesca Garra Quinto quirodáctilo esquerdo e segundo quirodáctilo direito Laceração tecidual, sangramento, dor Dor cedeu após uma hora, cicatrização após uma semana Lavagem com água e sabão Pescador 22 Salinópolis PA Retirada da rede de pesca do convés Garra Maléolo medial do pé direito Laceração tecidual, sangramento, dor Lesão persistiu por meses até cicatrização Sem informação Pescador 54 Ubatuba SP Pesca de camarões Garra Três vezes nas mãos Laceração tecidual resultando em cicatrizes Lesões persistiram por semanas até a cicatrização Sem informação Estudante de biologia 25 Ubatuba SP Estudo de campo Garra Mão esquerda Laceração tecidual, sangramento, dor Úlcera que cicatrizou em três semanas Sem informação Pescador 50 Ubatuba SP Retirada do Stomatopoda do anzol Urópode Mão Perfurações, sangramento, dor Sem informação Sem informação 32 5.3 Resultado das entrevistas As entrevistas mostraram que os pescadores conhecem a maneira que o crustáceo causa as lesões. Afirmaram que a garra é perigosa, e ao retirá-lo da rede é necessário cautela para não ser golpeado. Este fato mostra que, apesar dos acidentes não serem frequentes, os pescadores conhecem os riscos da manipulação e os evitam, mas que estes podem acontecer com pessoas não familiarizadas com o crustáceo, como no acidente causado pelo urópode descrito nos resultados. Alguns pescadores informaram que quando o siriboia é trazido pela rede de pesca e cai no convés, os empurram para fora do barco com o auxílio de rodo ou outro objeto, a fim de evitar o contato direto. Um dos entrevistados informou que é possível manipular os indivíduos menores, quando necessário, segurando-os pelo abdome e o dobrando de maneira similar à representação da figura 6, de forma que as garras e o urópode fiquem em contato e presos, e não alcancem suas mãos. Para fins educacionais e de prevenção de acidentes, este trabalho utilizou os dados obtidos para elaborar um material informativo na forma de um folheto de linguagem acessível (Apêndice) para ser distribuído à comunidade de pescadores estudada. Este reúne informações sobre o siriboia, os riscos de sua manipulação inadequada e o que fazer em caso de acidentes. O material será disponibilizado em breve, e a iniciativa pretende reduzir a falta de informações e os acidentes causados por estes animais. 5.4 Morfologia corpórea dos Stomatopoda Os resultados evidenciaram que os siriboias são capazes de causar lesões em 33 humanos quando manipulados nas redes ou varas de pesca, ao serem pisados no fundo arenoso e na tentativa de captura manual. Isso é possível devido principalmente à presença de sua garra e à porção final do abdome com quatro espinhos pontiagudos dos urópodes. A estrutura das garras indica que ambas as formas (esmagadora e perfuradora) têm potencial para causar lesões em humanos, uma vez que são órgãos altamente especializados para captura e obtenção da presa, capazes de lesionar animais para alimentação. Somado à estrutura das garras, temos sua grande força e velocidade, que permite inferir que em contato com membros humanos pode causar lesões de maior ou menor gravidade. Isso fica evidente na figura 11, onde é possível ver uma lesão com perda de tecido local, mas é impreciso associar a garra perfuradora ou esmagadora como causa. Na figura 13, a lesão aparenta ser mais profunda e com formato arredondado, o que indica um grande impacto focal, podendo ter sido causada por um espécime com garras do tipo esmagadora. 34 Referências Abelló P. & Martín P., 1993. Fishery dynamics of the mantis shrimp Squilla mantis (Crustacea: Stomatopoda) population off the Ebro delta (northwestern Mediterranean). 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