Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro Análise complexa e aplicações Marcos Afonso da Silva Rio Claro 2018 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro Análise complexa e aplicações Marcos Afonso da Silva Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação – Mestrado Profissional em Mate- mática como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre Orientadora Profa. Dra. Suzete Maria Silva Afonso Rio Claro 2018 Silva, Marcos Afonso da Análise complexa e aplicações / Marcos Afonso da Silva. - Rio Claro, 2018 220 f. : il., figs. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientadora: Suzete Maria Silva Afonso 1. Funções de variáveis complexas. 2. Número complexo. 3. Análise complexa. 4. Função complexa. 5. Função analítica. 6. Integral complexa. I. Título. 517.8 S586a Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP - Ana Paula S. C. de Medeiros / CRB 8/7336 TERMO DE APROVAÇÃO Marcos Afonso da Silva Análise complexa e aplicações Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Matemática Universitária do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, pela seguinte banca examinadora: Profa. Dra. Suzete Maria Silva Afonso Orientadora Profa. Dra. Eliris Cristina Rizziolli Departamento de Matemática - Unesp/IGCE - Rio Claro/SP Prof. Dra. Luciene Parron Gimenes Arantes Departamento de Matemática - UEM - Maringá/PR Rio Claro, 20 de abril de 2018 Agradecimentos Agradeço primeiramente a DEUS por todo Seu infinito amor, Seus ensinamentos, pois Tu, Oh! Deus, disseste “Eu darei a você perspicácia e o instruirei no caminho em que deve andar. Eu o aconselharei com os meus olhos fixos em você.” (Salmos 32:8) e Seu constante perdão para com esse filho. À Professora Dra. Suzete Maria Silva Afonso, minha orientadora, o meu mais sincero agradecimento por todos os ensinamentos, orientação, paciência, dedicação, compreensão e pela amizade. Sem suas valiosas contribuições, esse trabalho não se realizaria. Os momentos de reflexão em nossos encontros fizeram de mim uma pessoa melhor. Muito obrigado! Agradeço aos meus pais, Sergio e Luiza, pela educação que me deram, pelo amor infinito proporcionado desde os anos iniciais para que os estudos fossem a chave do sucesso em minha vida e pelo apoio incondicional dado em todos os momentos da minha caminhada por essa estrada. Agradeço aos meus irmãos, Marcelo e Fernanda, pelo amor, apoio total e por tomarem à frente nas minhas ausências para que eu pudesse realizar esse sonho. Agradeço aos meus tios Aparecido, Gonçalo, João e Lourival por serem mais do que tios em minha vida e concederem todo amor necessário para me tornar uma pessoa melhor nesse mundo. Agradeço aos meus amigos Elígio e Thalita por estarem comigo nessa caminhada desde os tempos de graduação e pelo apoio sincero em todos os momentos que estivemos juntos. Agradeço à Professora Dra. Eliris Cristina Rizziolli e à Professora Dra. Renata Zotin Gomes de Oliveira pelas valiosas contribuições fornecidas no exame de quali- ficação. Agradeço à Professora Dra. Luciene Parron Gimenes Arantes e à Professora Dra. Eliris Cristina Rizziolli por aceitarem o convite para estarem presente na banca examinadora e pelas valiosas contribuições para este trabalho. Agradeço à coordenação, corpo docente e funcionários do curso de Mestrado em Matemática pelo imenso profissionalismo em nos tornar pessoas e profissionais cada vez melhores. Agradeço ao Professor Dr. Henrique Marins de Carvalho pela amizade, pelos grandes momentos de ensinamentos e por sempre me incentivar a fazer esse curso de Mestrado em Matemática. Agradeço a todos os meus companheiros de turma pela luta conjunta e as inúmeras situações em que estávamos nos ajudando nos momentos de estudos. São eles: Bruna, Daniel, Elígio, Flaviani, Gregório, João, José Renato, José Vinícius, Laís, Rebeca e Thalita. Agradeço à minha diretora Lígia e minha coordenadora Márcia pelos imensos esforços para que eu pudesse fazer o curso de Mestrado em Matemática. A amizade de vocês sempre me enriquece pessoalmente e profissionalmente. Agradeço aos meus amigos professores e funcionários da Escola Santa Tereza pelo imenso apoio todos os dias. Agradeço aos meus amigos Marcos, Roque e Thiago pelo companheirismo e pelas inúmeras viagens a Rio Claro que fizemos durante o curso. Resumo O objetivo principal deste trabalho é desenvolver um estudo introdutório, porém detalhado, sobre Análise Complexa e algumas de suas aplicações. Apresentamos o corpo dos números complexos, exploramos as funções complexas de uma variável complexa, exibimos parte da teoria das funções analíticas e parte da teoria de integração complexa. Provamos importantes resultados, tais como o Teorema de Cauchy, o Teorema de Taylor, o Teorema dos Resíduos, entre outros igualmente relevantes. Como aplicação da teoria, destacamos a utilização do Teorema dos Resíduos para determinar a transformada inversa de Laplace de uma função F (s). Palavras-chave: Número complexo, Análise complexa, Função complexa, Função analítica, Integral complexa. Abstract The main objective of this work is to develop an introductory but detailed study on Complex Analysis and some of its applications. We present the field of the complex numbers, explore the complex functions of a complex variable, exhibit part of the theory of analytic functions, and part of the complex integration theory. We prove important results, such as Cauchy’s Theorem, Taylor’s Theorem, Residue Theorem, among others equally relevant. As an application of the theory, we highlight the use of the Residue Theorem to determine the inverse Laplace transform of a function F (s). Keywords: Complex number, Complex analysis, Complex function, Analytic function, Complex integral. Lista de Figuras 1.1 Representação de z no plano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 1.2 Conjugado de z. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 1.3 Módulo de z. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 1.4 Coordenadas polares. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 1.5 Raízes cúbicas da unidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 3.1 Partição de [a, b]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 3.2 Caminho suave. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 3.3 Caminho suave por partes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 3.4 Caminho fechado simples. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 3.5 Caminho fechado não simples. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 3.6 Representação gráfica do caminho γ. . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 3.7 z(t) = x(t) + iz(t). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 3.8 Partição de [a, b]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 3.9 Caminho γ do Exemplo 3.13. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 3.10 Disco D = {z ∈ C : |z| < 1}. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106 3.11 Caminho triangular ∆. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 3.12 Princípio da Deformação de Caminhos. . . . . . . . . . . . . . . . . 116 3.13 Caminho γ do Exemplo 3.34. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 3.14 Fórmula Integral de Cauchy. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 4.1 Região anelar A. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 5.1 Pontos singulares no interior da região A. . . . . . . . . . . . . . . . 184 6.1 Caminho γ que envolve todas as singularidades. . . . . . . . . . . . 203 6.2 Caminho γsc fechado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209 6.3 Polo z = 1 + i envolvido no caminho γsc. . . . . . . . . . . . . . . . 210 6.4 Mola em estado estacionário. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213 Sumário Introdução 15 1 Sobre o corpo dos números complexos 19 1.1 O corpo C dos números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 1.2 Forma polar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 1.3 Raízes n-ésimas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 1.4 Conceitos básicos da topologia de C . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 1.5 Exercícios propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2 Funções analíticas 45 2.1 Funções de uma variável complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 2.2 Funções elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 2.2.1 Função Exponencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 2.2.2 A função potência z1/n . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 2.2.3 Logaritmo complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 2.2.4 Funções trigonométricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 2.2.5 Funções hiperbólicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 2.3 Limite e continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 2.4 A derivada complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 2.5 Exercícios propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 3 Integração complexa 83 3.1 Integrais reais e integrais de linha no plano . . . . . . . . . . . . . . 83 3.2 Integração no plano complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 3.2.1 Integração de funções complexas de uma variável real . . . . 96 3.3 Integral complexa ao longo de um caminho . . . . . . . . . . . . . . 99 3.4 Exercícios propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126 4 Sequências e séries 129 4.1 Sequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 4.2 Séries de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 4.2.1 Série geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 4.3 Séries de potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 4.4 Exercícios propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164 5 Singularidades e Resíduos 169 5.1 Classificação de singularidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 5.2 Zeros de uma função analítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174 5.3 Resíduos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180 5.4 Exercícios propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193 6 Algumas aplicações 197 6.1 Aplicações do Teorema dos Resíduos . . . . . . . . . . . . . . . . . 197 6.1.1 Transformada de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197 6.1.2 Cálculo de integrais reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205 6.2 Solução de equações diferenciais ordinárias . . . . . . . . . . . . . . 212 6.3 Exercícios propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214 Referências 217 Introdução Desde o século XVIII, a Análise Complexa tem se mostrado uma das mais profícuas teorias no contexto global da Matemática. Através dela foi possível, por exemplo, dar um sentido à afirmação “toda equação polinomial possui ao menos uma solução”, estabelecer relações importantes entre funções elementares (como eix = cosx + isenx), compreender melhor as funções definidas por séries de potências, entre outros feitos igualmente relevantes. Dentre os matemáticos importantes que contribuíram para o seu avanço, podemos mencionar Euler, Gauss, Cauchy, Abel, Riemann, Weierstrass, Picard, Poincaré, Hilbert, entre outros. A Análise Complexa destaca-se no desenvolvimento de outras áreas do conheci- mento, como Engenharias e Física. Neste sentido, podemos citar sua importância para a dinâmica dos fluidos, para a teoria do potencial, para as funções harmônicas, para a eletrostática e para a gravitação. Além disso, a Análise Complexa tem contribuído para o desenvolvimento de outras áreas da matemática, como Equações Diferenciais Parciais, Cálculo das Variações, Análise Harmônica, entre outras. Com este trabalho, temos a pretensão de fornecer um estudo introdutório à teoria de Análise Complexa, porém detalhado. O texto foi escrito de modo a poder ser utilizado tanto por alunos e profissionais de Matemática quanto por alunos e profissionais de Engenharia ou Física. Isto se deve ao objetivo de transformar a versão final da dissertação, após revisada e lapidada, em material didático. O texto está organizado da seguinte forma: Capítulo 1. Na Seção 1.1, apresentamos o corpo C dos números complexos e 15 16 suas propriedades. Em seguida, definimos a unidade imaginária i, exibimos a relação entre um número complexo e um par ordenado (x, y) de números reais, apresentamos a chamada forma algébrica x+ i y e como são dadas as operações de adição e multiplicação nesta última forma. Na sequência, definimos o conjugado de um número complexo z, denotado por z̄, mostramos sua representação geométrica (reflexão em torno do eixo imaginário), sua utilidade na divisão de dois números complexos e demonstramos suas propriedades. Para finalizar essa seção, definimos o valor absoluto de um número complexo (módulo) e expomos suas propriedades, tais como a desigualdade triangular. Na Seção 1.2, definimos o argumento de um número complexo e sua forma polar, e apresentamos as operações de multiplicação, divisão e potenciação de um número complexo em sua forma polar. Na Seção 1.3, mostramos como determinar a raiz n-ésima de um número complexo e provamos que todo número complexo não nulo possui exatamente n raízes n-ésimas para cada n ∈ N∗. Por fim, na Seção 1.4, destacamos alguns conceitos básicos da topologia de C. Capítulo 2. Na Seção 2.1, apresentamos o conceito de uma função complexa de uma variável complexa. Na Seção 2.2, estudamos algumas funções complexas elementares, a saber: funções exponencial, logarítmica, potência, trigonométrica e hiperbólica complexas. Na Seção 2.3, apresentamos as definições de limite e continuidade de uma função complexa e resultados importantes envolvendo esses conceitos. Na Seção 2.4, definimos a derivada complexa, exibimos o conceito de diferenciabilidade e apresentamos exemplos e propriedades de diferenciação. Além disso, definimos o conceito de função analítica (ou holomorfa), provamos as equa- ções de Cauchy-Riemann e apresentamos uma condição necessária e suficiente para que uma função complexa f seja analítica em um ponto z0. Capítulo 3. Na Seção 3.1, revisamos parte da teoria básica da integral definida em R (ou integral de Riemann) e o Teorema Fundamental do Cálculo. Apresentamos o conceito de curvas em R2, revisamos o conceito de integral de linha no plano e apresentamos exemplos computacionais para ilustrar esse conceito. Nas Seções 3.2 e 3.3, apresentamos a teoria de integral complexa ao longo de um caminho. Na Seção 3.3 recebem destaque os importantes resultados: Teorema de Cauchy, Teorema de Cauchy-Goursat, Fórmula Integral de Cauchy, Fórmula Integral de Introdução 17 Cauchy para Derivadas, Teorema de Liouville, Teorema Fundamental da Álgebra, Princípio do Módulo Máximo e Teorema de Morera. Capítulo 4. Nas Seções 4.1 e 4.2, desenvolvemos estudos breves sobre sequências e séries de números complexos, respectivamente. Na Seção 4.3, apresentamos as séries de potências, vemos como estabelecer o raio de convergência desse tipo de série e exemplificamos os desenvolvimentos em série de potências de funções em torno de um ponto z0. Mostramos que toda série de potências define uma função analítica no seu disco de convergência e provamos o importante Teorema de Taylor. Por fim, apresentamos o conceito de série de Laurent e mostramos que toda função analítica definida em um anel tem uma representação em série de Laurent (Teorema de Laurent). Capítulo 5. Na Seção 5.1, definimos as singularidades isoladas de uma função complexa juntamente com suas classificações: removíveis, tipo polo e essenciais. Na Seção 5.2, estudamos os zeros de uma função analítica. Na Seção 5.3, apresentamos o conceito de resíduo de uma função complexa e vemos como determiná-lo. Ademais, demonstramos o Teorema dos Resíduos, que foi estabelecido por Cauchy, e algumas de suas consequências, como o Princípio do Argumento, o Teorema de Rouché e o Teorema Fundamental da Álgebra. Capítulo 6. Este capítulo é dedicado a algumas aplicações da teoria da Análise Complexa. Na Seção 6.1, aplicamos o Teorema dos Resíduos para determinar a transformada inversa de Laplace de uma função F (s) e para calcular integrais reais da forma ∫ 2π 0 F (cos θ, sen θ) dθ e integrais impróprias reais. Finalizamos o trabalho com a Seção 6.2, na qual apresentamos a solução geral de uma equação diferencial ordinária linear de segunda ordem quando as raízes de sua equação característica são números complexos. Para a leitura do texto, são requisitos as disciplinas de Cálculo Diferencial e Integral I e Cálculo Diferencial e Integral II no que tange o conhecimento dos conceitos de limite, continuidade, derivada ordinária e parcial, integral, sequências numéricas e séries. Os conceitos de integral foram brevemente revisitados aqui para um melhor entendimento das integrais de funções complexas. 18 Todas as referências bibliográficas, [1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16], foram de grande valia para a elaboração do texto. Por fim, informamos que as figuras e os gráficos presentes no texto foram elaborados com auxílio dos softwares AutoCAD e GeoGebra. 1 Sobre o corpo dos números complexos Ao longo da história, um dos fatos que mais instigou os matemáticos foi a solução de equações. No século XVI, talentosos matemáticos italianos descobriram, de forma algébrica, a solução das equações cúbicas e quárticas. No início do século XVI, Scipione del Ferro (1465 - 1526), solucionou algebri- camente a equação cúbica da forma x3 + px = q. Não publicou suas descobertas, mas repassou a seu discípulo Antônio Fior seu feito. Em meados de 1530, Tartaglia, cujo nome era Nicolo Fontana de Brescia (1499 - 1557), descobriu uma maneira de solucionar a equação cúbica da forma x3 +px2 = q. Porém, o praticante de medicina que ensinava Matemática, Girolamo Cardano (1501 - 1576) publicou em seu livro Ars Magna o feito de Tartaglia. Anos mais tarde, Rafael Bombelli (1526 - 1572), de forma notável, contribuiu para as soluções de equações cúbicas de forma a considerar as raízes quadradas de números negativos. É sabido que a fórmula de Cardano-Tartaglia para equações do tipo x3 + px+ q = 0 é dada por x = 3 √√√√−q2 + √ q2 4 + p3 27 + 3 √√√√−q2 − √ q2 4 + p3 27 . Por exemplo, a solução da equação x3 = 15x+4 é x = 3 √ 2 + √ −121+ 3 √ 2− √ −121 e, por substituição direta, nota-se que x = 4 é a única raiz positiva da equação. Nesta época, soluções do tipo x = 3 √ 2 + √ −121 + 3 √ 2− √ −121 eram chama- das de casos irredutíveis, porém Bombelli foi o pioneiro em considerar as raízes quadradas de números negativos. Se x = 4 é uma solução real, então as outras 19 20 Sobre o corpo dos números complexos duas seriam, como conhecemos hoje, números imaginários, um conjugado do outro. A partir de então, não era mais possível negar que os números reais tornaram-se insuficientes no tratamento de soluções de equações algébricas. René Descartes (1596 - 1650) estudou as equações algébricas e no seu livro O Discurso do Método escreveu que nem sempre as raízes positivas ou negativas de uma equação são reais; às vezes elas são imaginárias. Leonhard Euler (1707 - 1783) foi um dos matemáticos que ajudou na melhoria da simbologia. A unidade imaginária i foi dada por Euler para representar √ −1. Já Carl Friedrich Gauss (1777 - 1855) juntamente com Jear Robert Argand (1768 - 1822) e Caspar Wessel (1745 - 1818) notaram que era possível associar os números da forma a + b √ −1, ou a + bi, a pontos reais do plano. Como o reconhecimento dos feitos de Wessel veio tardiamente, hoje conhecemos o plano complexo por Argand-Gauss. Ao definir um número complexo da forma a + bi (que também denotaremos por a + ib) e sua associação a pontos do plano em que o eixo das abscissas são representados pela parte real e o eixo das ordenadas pela parte imaginária, os matemáticos poderiam visualizar tais números também como vetores e, assim, operá-los geometricamente da mesma maneira que operavam algebricamente. No século XIX, o matemático irlandês William Rowan Hamilton escreveu um artigo em que a álgebra dos números complexos era definida como uma álgebra de pares ordenados de números reais a partir do ponto de vista físico, pela conveniência de trabalhar com vetores e rotações no plano. A partir de então, notou que o sistema dos números reais está imerso no sistema de números complexos. Assim, se um número complexo da forma a+ bi é identificado com o par ordenado (a, b), então um número real é identificado com o par ordenado (a, 0). Após esse breve relato histórico, estudaremos o corpo C dos números complexos. 1.1 O corpo C dos números complexos Tomando por base a definição de Hamilton, temos a definição a seguir. Definição 1.1. Definimos o corpo dos números complexos como sendo o conjunto C = ( R2,+, · ) = {(x, y) : x ∈ R e y ∈ R}, O corpo C dos números complexos 21 com as seguintes operações de adição e multiplicação: se z1 = (x1, y1) e z2 = (x2, y2) pertencem a C, então z1 + z2 = (x1 + x2, y1 + y2) e z1 · z2 = (x1x2 − y1y2, x1y2 + y1x2). (1.1) Os elementos de C são denominados números complexos. Como consequência das operações de adição e multiplicação em C dadas em (1.1), temos o próximo resultado. Proposição 1.2. As seguintes propriedades se verificam para quaisquer z, z1, z2, z3 ∈ C: (i) z1 + (z2 + z3) = (z1 + z2) + z3 - propriedade associativa da adição; (ii) z1 + z2 = z2 + z1 - propriedade comutativa da adição; (iii) (0, 0) + z = z - elemento neutro da adição; (iv) z(1, 0) = z - elemento identidade da multiplicação; (v) se z = (x, y), então existe −z = (−x,−y) tal que (x, y) + (−x,−y) = z + (−z) = (0, 0) - simétrico aditivo; (vi) z1z2 = z2z1 - propriedade comutativa da multiplicação; (vii) se z = (x, y) 6= (0, 0), então existe um inverso multiplicativo z−1 = ( x x2 + y2 , −y x2 + y2 ) tal que z · z−1 = (x, y) ( x x2 + y2 , −y x2 + y2 ) = (1, 0); (viii) z1(z2 +z3) = z1z2 +z1z3 - propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição. Demonstração. (i) Sendo z1 = (x1, y1), z2 = (x2, y2) e z3 = (x3, y3), utilizando a associatividade de números reais, temos: z1 + (z2 + z3) = (x1, y1) + [(x2, y2) + (x3, y3)] = (x1, y1) + (x2 + x3, y2 + y3) = = ( x1 + (x2 + x3), y1 + (y2 + y3) ) = ( (x1 + x2) + x3, (y1 + y2) + y3 ) = (z1 + z2) + z3. 22 Sobre o corpo dos números complexos (ii) Sejam z1 = (x1, y1) e z2 = (x2, y2). Utilizando a comutatividade de números reais, temos: z1 + z2 = (x1, y1) + (x2, y2) = (x1 + x2, y1 + y2) = (x2 + x1, y2 + y1) = (x2, y2) + (x1, y1) = z2 + z1. (iii) Se z = (x, y), então (0, 0) + z = (0, 0) + (x, y) = (0 + x, 0 + y) = (x, y) = z, em que utilizamos o elemento neutro da adição de números reais. (iv) Se z = (x, y), então z(1, 0) = (x, y)(1, 0) = (x · 1− y · 0, x · 0 + y · 1) = (x− 0, 0 + y) = (x, y) = z, em que utilizamos o elemento identidade da multiplicação de números reais. (v) Para todo z = (x, y), temos z + (−z) = (x, y) + (−x,−y) = (x− x, y − y) = (0, 0), em que utilizamos o elemento oposto da adição de números reais. (vi) Se z1 = (x1, y1) e z2 = (x2, y2), então z1z2 = (x1, y1)(x2, y2) = (x1 · x2 − y1 · y2, x1 · y2 + y1 · x2) = = (x2 · x1 − y2 · y1, y2 · x1 + x2 · y1) = (x2, y2)(x1, y1) = z2z1, em que utilizamos a propriedade comutativa da multiplicação de números reais. (vii) Sendo z = (x, y) e z−1 = ( x x2 + y2 , −y x2 + y2 ) , temos zz−1 = (x, y) ( x x2 + y2 , −y x2 + y2 ) = ( x2 x2 + y2 + y2 x2 + y2 , −xy x2 + y2 + xy x2 + y2 ) = O corpo C dos números complexos 23 = ( x2 + y2 x2 + y2 , −xy + xy x2 + y2 ) = (1, 0), em que utilizamos o elemento unidade da multiplicação de números reais. (viii) Se z1 = (x1, y1), z2 = (x2, y2) e z3 = (x3, y3), então z1(z2 + z3) = (x1, y1) [(x2, y2) + (x3, y3)] = (x1, y1)(x2 + x3, y2 + y3) = ( x1(x2 + x3)− y1(y2 + y3), x1(y2 + y3) + y1(x2 + x3) ) = (x1 · x2 + x1 · x3 − y1 · y2 − y1 · y3, x1 · y2 + x1 · y3 + y1 · x2 + y1 · x3) = (x1 · x2 − y1 · y2 + x1 · x3 − y1 · y3, x1 · y2 + y1 · x2 + x1 · y3 + y1 · x3) = (x1, y1)(x2, y2) + (x1, y1)(x3, y3) = z1z2 + z1z3, em que utilizamos a propriedade associativa da multiplicação de números reais. Observação 1.3. Um conjunto no qual estão definidas operações de adição e multiplicação que satisfazem as propriedades mencionadas na Proposição 1.2 é denominado corpo. Por esta razão é que chamamos C de corpo dos números complexos, assim como nos referimos a R como corpo dos números reais. Tendo definido as operações de adição e multiplicação em C, podemos definir as operações de subtração e divisão da maneira usual: se z1, z2 ∈ C, então z1 − z2 = z1 + (−z2) e z1 z2 = z1z −1 2 , se z2 6= 0. Além disso, a potenciação também é definida da maneira usual: se z ∈ C, então z0 = 1, zn = z · · · z︸ ︷︷ ︸ n vezes e z−n = z−1 · · · z−1︸ ︷︷ ︸ n vezes , se z 6= 0 (n ≥ 1). Decorre da Proposição 1.2 que diversas propriedades das operações aritméticas de números reais são válidas para números complexos. Por exemplo, a soma e o produto de duas frações z1 w1 e z2 w2 de números complexos podem ser obtidas pelas fórmulas: z1 w1 + z2 w2 = z1w2 + z2w1 w1w2 e z1 w1 z2 w2 = z1z2 w1w2 . Ademais, temos o seguinte princípio de inclusão: podemos encarar R como um 24 Sobre o corpo dos números complexos subconjunto de C, ou seja, todo número real é considerado um número complexo. Isso ocorre quando denotamos qualquer número complexo (x, 0), com x ∈ R, simplesmente por x. Ou seja, através dessa convenção, podemos inferir que todo elemento de R é um elemento de C da forma (x, 0). A soma dos números reais x e a ou a soma dos números complexos x e a leva ao mesmo resultado; o mesmo ocorre com o produto dos números reais x e a e dos números complexos x e a. (x, 0) + (a, 0) = (x+ a, 0) = x+ a e (x, 0)(a, 0) = (xa− 0.0, x.0 + 0.a) = (xa, 0) = xa. Portanto, não existe ambiguidade nas notações x+a e xa, com a adoção da inclusão apresentada acima. Chamamos o número complexo (0, 1) de unidade imaginária e o representa- mos pela letra i. Observemos que i2 = i · i = (0, 1)(0, 1) = (0 · 0− 1 · 1, 0 · 1 + 1 · 0) = (−1, 0). O número complexo (−1, 0) é identificado com o número real −1. Assim, podemos escrever i = √ −1. Observemos que (y, 0)(0, 1) = (0, y). Então, para qualquer número complexo z = (x, y), temos (x, y) = (x, 0) + (0, y) = (x, 0) + (y, 0)(0, 1) = x+ y i. Portanto, o par ordenado (x, y) e as expressões x + y i e x + i y representam o mesmo número complexo. As operações da adição e multiplicação de dois números complexos são dadas na forma algébrica da seguinte forma: se z1 = x1 + y1 i e z2 = x2 + y2 i, então z1 + z2 = (x1 + y1 i) + (x2 + y2 i) = (x1 + x2) + i (y1 + y2) e O corpo C dos números complexos 25 z1z2 = (x1 + y1 i)(x2 + y2 i) = x1 · x2 + x1 i · y2 + x2 i · y1 + i2 y1 · y2 = = x1 · x2 + i x1 · y2 + i x2 · y1 + (−1)y1 · y2 = x1 · x2 − y1 · y2 + i (x1 · y2 + x2 · y1). Se z = x+ y i e z1 = x− y i, então zz1 = (x+ y i)(x− y i) = x2 − (yi)2 = x2 − y2(−1) = x2 + y2. O número complexo z1 = x−y i é denominado conjugado do número complexo z = x+y i e denotado por z̄. Assim, se z = x+y i é um número complexo, z̄ = x−y i é o seu conjugado. O conjugado de um número complexo nos permite escrever o quociente de dois números complexos na forma algébrica. De fato, sendo z = a + bi e w = c + di, w 6= 0, dois números complexos, temos z w = a+ bi c+ di · c− di c− di = ac+ bd+ (bc− ad) i c2 + d2 = ac+ bd c2 + d2 + bc− ad c2 + d2 i, que é a forma algébrica da divisão de dois números complexos. Exemplo 1.4. Sendo z = 1 + 2i e w = 3− 4i, então z w = 1 + 2i 3− 4i · 3 + 4i 3 + 4i = 3 + 4i+ 6i+ 8i2 32 + 42 = −5 + 10i 25 = −1 5 + 2 5 i. Seja z = x+ i y um número complexo. Definimos Re(z) = x como a parte real do número z e Im(z) = y como a parte imaginária do mesmo. Se Re(z) = 0, dizemos que z é um número imaginário puro. Como todo número complexo pode ser representado por um par ordenado (x, y), então podemos representá-los como pontos no plano cuja abscissa é x e a ordenada é y. Podemos representar z, também, como um vetor posição. A este plano denominamos plano complexo ou plano de Argand-Gauss. O eixo das abscissas recebe o nome de eixo real e o eixo das ordenadas de eixo imaginário. O número complexo z̄, o conjugado de z, é, graficamente, a reflexão de z em relação ao eixo real. 26 Sobre o corpo dos números complexos Figura 1.1: Representação de z no plano. Figura 1.2: Conjugado de z. Algumas propriedades se verificam com relação a z̄. É o que apresentamos a seguir. Proposição 1.5. Sejam z, z1, z2 ∈ C. Então, (i) z1 ± z2 = z1 ± z2. O corpo C dos números complexos 27 (ii) z1 · z2 = z1 · z2. (iii) ( z1 z2 ) = z1 z2 , z2 6= 0. (iv) z + z̄ = 2Re(z) e z − z̄ = 2i Im(z). (v) z é um número real se, e somente se, z̄ = z. (vi) z é um número imaginário se, e somente se, z̄ = −z. Demonstração. (i) Sendo z1 = x1 + i y1 e z2 = x2 + i y2, temos que z1 + z2 = (x1 + i y1) + (x2 + i y2) = (x1 + x2) + (y1 + y2) i = = (x1 + x2)− (y1 + y2)i = (x1 − i y1) + (x2 − i y2) = z1 + z2. Para z1 − z2 a demonstração é análoga. (ii) Se z1 = x1 + i y1 e z2 = x2 + i y2, então z1 · z2 = (x1 + i y1) · (x2 + i y2) = x1x2 + i x1y2 + i y1x2 + i2 y1y2 = = (x1x2 − y1y2) + i (x1y2 + y1x2) = (x1x2 − y1y2)− i (x1y2 + y1x2) = = x1x2 − y1y2 − i x1y2 − i y1x2 = x1x2 − i x1y2 + i2 y1y2 − i y1x2 = = x1(x2 − i y2)− i y1(x2 − i y2) = (x1 − i y1)(x2 − i y2) = z1 · z2. (iii) Sendo z1 = x1 + i y1 e z2 = x2 + i y2, z2 6= 0 + i 0, temos ( z1 z2 ) = ( z1 z2 · z2 z2 ) = ( x1x2 − i x1y2 + i y1x2 − i2 y1y2 x2 2 + y2 2 ) = = [ x2(x1 + i y1)− i y2(x1 + i y1) x2 2 + y2 2 ] = [ (x1 + i y1)(x2 − i y2) x2 2 + y2 2 ] = 28 Sobre o corpo dos números complexos = ( 1 x2 2 + y2 2 ) · (x1 + i y1) · (x2 − i y2) = x1 − i y1 x2 − i y2 · x2 + i y2 x2 + i y2 = = z1 z2 · z2 z2 = z1 z2 . (iv) Se z = x+ i y e z̄ = x− i y, então z + z̄ = x+ i y + x− i y = 2x = 2Re(z) e z − z̄ = x+ i y − (x− i y) = x+ i y − x+ i y = 2y i = 2i Im(z). (v) Se z é um número real, ou seja, se z = x, então z̄ = x. Portanto, z̄ = z. Por outro lado, se z̄ = z e z = x+ i y, isto é, se x− i y = x+ i y, então y = 0, de onde segue que z é um número real. (vi) Se z é um número imaginário puro, ou seja, se z = i y, então z̄ = −i y, o que implica z̄ = −z. Agora, se z̄ = −z e z = x + i y, então x− i y = −x− i y, o que implica x = 0. Logo, z é um número imaginário puro. Omódulo de um número complexo z é a distância da origem do plano complexo ao número z; também é chamado de afixo e é denotado por |z|. Então, |z| = √ (x− 0)2 + (y − 0)2 = √ x2 + y2. Observemos, também, que z · z̄ = (x+ i y)(x− i y) = x2− (i y)2 = x2 +y2 = |z|2. Portanto, |z|2 = z · z̄. Se z 6= 0, podemos reescrever esta igualdade da seguinte forma: |z|2 = z z−1 , ou seja , z−1 = z |z|2 . (1.2) A Figura 1.3 é a representação gráfica do módulo de um número complexo z. Por meio do próximo resultado, demonstraremos as propriedades do módulo de um número complexo. Proposição 1.6. Sejam z = x + iy, z1 = x1 + i y1 e z2 = x2 + i y2 números complexos. Então, (i) Re(z) ≤ |Re(z)| ≤ |z|; O corpo C dos números complexos 29 Figura 1.3: Módulo de z. (ii) Im(z) ≤ |Im(z)| ≤ |z|; (iii) |z̄| = |z|; (iv) |z1 · z2| = |z1| · |z2|; (v) ∣∣∣∣z1 z2 ∣∣∣∣ = |z1| |z2| , para z2 6= 0; (vi) |z1 + z2| ≤ |z1|+ |z2| - desigualdade triangular; (vii) |z1 + z2| ≥ ||z1| − |z2||; Demonstração. (i) Primeiramente, observemos que se x ≥ 0, então x = |x| e, se x < 0 então x < |x|. Portanto, x ≤ |x|, ou seja, Re(z) ≤ |Re(z)|. Agora, notemos que x2 ≤ x2 + y2, o que implica √ x2 ≤ √ x2 + y2 = |z|, ou seja, |x| = |Re(z)| ≤ |z|. 30 Sobre o corpo dos números complexos Assim, Re(z) ≤ |Re(z)| ≤ |z|. (ii) Basta proceder como em (i). (iii) De fato, |z| = √ x2 + y2 e |z̄| = √ x2 + (−y)2 = √ x2 + y2. (iv) Vimos que |z|2 = z · z̄. Então, para z1, z2 ∈ C, temos |z1 · z2|2 = (z1 · z2) · (z1 · z2) = (z1 · z1) · (z2 · z2) = |z1|2 · |z2|2. Extraindo a raiz quadrada de ambos os lados da igualdade, obtemos |z1 · z2| = |z1| · |z2|. (v) Sejam z1, z2 ∈ C e z2 6= 0. Primeiramente, notemos que ∣∣∣∣ 1 z2 ∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ 1 z2 · z2 z2 ∣∣∣∣ = ∣∣∣∣∣x2 − i y2 x2 2 + y2 2 ∣∣∣∣∣ = √ x2 2 + y2 2 x2 2 + y2 2 = 1√ x2 2 + y2 2 = 1 |z2| . Com isso, temos ∣∣∣∣z1 z2 ∣∣∣∣ = ∣∣∣∣z1 · 1 z2 ∣∣∣∣ = |z1| · ∣∣∣∣ 1 z2 ∣∣∣∣ = |z1| · 1 |z2| = |z1| |z2| . (vi) Para z1, z2 ∈ C, temos que |z1 + z2|2 = (z1 + z2)(z1 + z2) = z1 · z1 + z2 · z2 + (z1 · z2 + z1 · z2) = = |z1|2 + |z2|2 + z1 · z2 + z1 · z2 = |z1|2 + |z2|2 + 2Re(z1 · z2) ≤ ≤ |z1|2 + |z2|2 + 2|z1 · z2| = |z1|2 + |z2|2 + 2|z1| · |z2| = (|z1|+ |z2|)2. Extraindo a raiz quadrada de ambos os lados da desigualdade, obtemos |z1 + z2| ≤ |z1|+ |z2|. Forma polar 31 (vii) Observemos que |z1| = |(z1 + z2)− z2| ≤ |z1 + z2|+ |z2|, de onde segue que |z1| − |z2| ≤ |z1 + z2|. Trocando z1 com z2, obtemos |z2| − |z1| ≤ |z1 + z2|. Fazendo |z1| − |z2| = a, temos que |z2| − |z1| = −a, então a ≤ |z1 + z2| e −a ≤ |z1 + z2|, o que implica |a| ≤ |z1 + z2|, ou seja, ||z1| − |z2|| ≤ |z1 + z2|. 1.2 Forma polar Vimos que um número complexo pode ser definido como um par ordenado de números reais e o mesmo pode ser identificado como um ponto do plano. Figura 1.4: Coordenadas polares. 32 Sobre o corpo dos números complexos Notemos que θ é o ângulo formado pelo vetor posição (x, y) e o eixo das abscissas. Assim, sen θ = y r ⇒ y = r sen θ e cos θ = x r ⇒ y = r cos θ. Identificando r = |z|, temos que (x, y) pode ser descrito em termos de co- ordenadas polares (r, θ). Sendo z = x + i y, podemos escrever z na forma z = r cos θ + i r sen θ, ou seja, z = r (cos θ + i sen θ). (1.3) O ângulo θ é denominado um argumento de z e é denotado por arg(z). Observemos que qualquer ângulo da forma θ + 2kπ, com k ∈ Z, também satisfaz (1.3), uma que vez que as funções seno e cosseno são periódicas1, com período 2π. Assim, o conjunto arg z de todos os argumentos de z é dado por: arg z = {θ + 2kπ : k ∈ Z}. O único argumento de z que pertence ao intervalo (−π, π] é denominado argumento principal de z e é denotado por Arg z. Portanto, o conjunto de todos os argumentos de z é dado por: arg z = {Arg z + 2kπ : k ∈ Z}. Definição 1.7. A identidade z = |z|[cos(Arg z) + i sen (Arg z)] é denominada a forma polar de z. Agora, sejam z1 = |z1|(cos θ1 +i sen θ1) e z2 = |z2|(cos θ2 +i sen θ2) dois números complexos não nulos e θ1, θ2 ∈ (−π, π] . Vamos obter a representação polar para 1Uma função f : R→ R é periódica com período τ , τ > 0, se f(t+ τ) = f(τ), para todo t ∈ R. Forma polar 33 z1z2. Com efeito, z1z2 = |z1|(cos θ1 + i sen θ1) |z2|(cos θ2 + i sen θ2) = |z1||z2|(cos θ1 + i sen θ1)(cos θ2 + i sen θ2) = |z1||z2|[cos θ1(cos θ2 + i sen θ2) + i sen θ1(cos θ2 + isen θ2)] = |z1||z2|[cos θ1 cos θ2 + cos θ1 i sen θ2 + i sen θ1 cos θ2 + i sen θ1 i sen θ2] = |z1||z2|[(cos θ1 cos θ2 − sen θ1sen θ2) + i(cos θ1sen θ2 + sen θ1 cos θ2)], de onde concluímos que z1z2 = |z1||z2|[cos(θ1 + θ2) + i sen (θ1 + θ2)]. Então, z1z2 tem valor absoluto |z1||z2| e tem θ1 + θ2 como argumento. Seja z = |z|[cos(θ) + i sen(θ)] um número complexo não nulo. Vamos, agora, obter a representação polar para z−1, z 6= 0. Sabemos que cos(−θ) = cos(θ) e sen(−θ) = −sen(θ). Portanto, podemos escrever que z = |z|[cos(−θ) + i sen(−θ)]. Também já vimos que z−1 = z |z|2 (veja (1.2)). Então, z−1 = |z|[cos(−θ) + i sen(−θ)] |z|2 . Por conseguinte, a representação polar de z−1 é: z−1 = |z|−1[cos(−θ) + isen(−θ)]. A partir das representações polares encontradas anteriormente, concluímos que z1 z −1 2 = |z1| |z−1 2 |[cos(θ1 + (−θ2)) + sen(θ1 + (−θ2))], de onde se obtém a seguinte fórmula de divisão: z1 z2 = |z1| |z2| [cos(θ1 − θ2) + sen(θ1 − θ2)], z2 6= 0. Agora, em z1 · z2, façamos z1 = z2 = z e |z| = r. Então, z2 = r2 [cos(2θ) + i sen(2θ)] , 34 Sobre o corpo dos números complexos o que nos sugere zn = rn [cos(nθ) + i sen(nθ)] , para qualquer n ∈ Z. Esta última igualdade é verdadeira e é conhecida como Primeira Fórmula de De Moivre e será provada abaixo. Teorema 1.8. Sejam z = r (cos θ+i sen θ) um número complexo não nulo e n ∈ Z. Então, zn = rn [cos(nθ) + i sen(nθ)] . (1.4) Demonstração. Vamos inicialmente provar que a igualdade (1.4) é válida para n ∈ N, usando o Princípio de Indução Finita sobre n. (I) Se n = 0, z0 = 1 = r0(cos 0 + i sen 0). (II) Admitamos que a fórmula seja válida para n = k: zk = rk[cos(k.θ) + i sen(k.θ)]. (III) Agora vamos provar que a igualdade é válida para n = k + 1. Com efeito, usando o item anterior, temos: zk.z = [rk(cos(k.θ) + i sen(k.θ)].[ρ(cos(θ) + i sen(θ)] = (rk.ρ)[cos(k.θ). cos(θ) + i2 sen(k.θ)sen(θ)] + i[(cos(k.θ).sen(θ) + sen(k.θ) cos(θ)] = (rk.ρ)[cos(kθ + θ)] + i[sen(kθ + θ)] = rk+1[cos((k + 1)θ) + i sen((k + 1)θ)] = zk+1. Portanto, a igualdade (1.4) vale para n ∈ N. Finalmente, vamos constatar que a igualdade (1.4) é válida para n ∈ Z. Considerando o caso de interesse n < 0, podemos tomar m = −n. Então, zn = z−m = 1 zm , z 6= 0. Como −n = m ∈ N, a igualdade (1.4) é verdadeira para m, pelo o que foi visto Raízes n-ésimas 35 anteriormente, levando-nos a concluir que: zn = 1 rm[(cos(mθ) + i sen(mθ)] = 1 rm [cos(mθ)− i sen(mθ)] [cos(mθ) + i sen(mθ)][cos(mθ)− i sen(mθ)] = 1 rm [cos(mθ)− i sen(mθ)] cos2(mθ) + sen2(mθ) = r−m[cos(mθ)− i sen(mθ)] = r−m[cos((−m)θ) + i sen((−m)θ)] = rn[cos(nθ) + i sen(nθ)]. Exemplo 1.9. Para aplicar o Teorema 1.8, tomemos z = 1 + i e determinemos z4. O módulo de z é dado por |z| = r = √ 12 + 12 = √ 2 e seu argumento principal é θ = π 4 , pois sen θ = x r = 1√ 2 = √ 2 2 e cos θ = y r = 1√ 2 = √ 2 2 . Com isso, z4 = ( √ 2)4 [ cos ( 4 · π4 ) + i sen ( 4 · π4 )] = 4 (cos π + i sen π) = −4. 1.3 Raízes n-ésimas Dados um número complexo w e um número natural n ≥ 1, diremos que z ∈ C é uma raiz n-ésima de w se zn = w. Se w = 0, é claro que z = 0 é a única solução da equação zn = w. Logo, o número 0 possui uma única raiz n-ésima que é o próprio 0. A seguir, veremos que se w 6= 0, então existirão exatamente n soluções distintas da equação zn = w. 36 Sobre o corpo dos números complexos Teorema 1.10. Seja n ∈ N∗. Todo número complexo não nulo w possui exatamente n raízes n-ésimas complexas distintas, a saber, zk = n √ |w| [ cos ( Arg w + 2kπ n ) + i sen ( Arg w + 2kπ n )] , (1.5) onde k = 0, 2, . . . , n− 1. A igualdade acima é conhecida como Segunda Fórmula de De Moivre. Demonstração. Para cada k ∈ N, seja zk o número complexo dado em (1.5). Escrevemos w = |w|(cosψ + i sen ψ), em que ψ = Argw. O nosso objetivo é procurar todos os números complexos z = |z|(cos θ + i sen θ) para os quais vale a igualdade: zn = w. Pela Primeira Fórmula de De Moivre, a equação acima se transforma em |z|n[cos(nθ) + i sen (nθ)] = |w|(cosψ + i sen ψ), de onde segue que |z|n = |w|, cos(nθ) = cosψ e sen(nθ) = sen ψ. A primeira condição é satisfeita precisamente quando |z| = n √ |w|, enquanto as duas últimas são satisfeitas quando nθ = ψ + 2kπ com k ∈ Z, ou seja, θ = ψ+2kπ n com k ∈ Z. Então, as raízes n-ésimas de w são os números zk dados em (1.5) para k ∈ Z. Fazendo k = 0, 1, . . . , n− 1, obtemos n distintas raízes n-ésimas de w. Os demais valores de k nos dão apenas repetições das raízes z0, z1, . . . , zn−1. Com efeito, tomemos k ∈ Z arbitrário. Digamos que k = qn+ r com q ∈ Z e 0 ≤ r < n. Como ψ + 2kπ n = ψ + 2(qn+ r)π n = ψ + 2rπ n + 2qπ, segue que zk = zr ∈ {z0, z1, . . . , zn−1}. Raízes n-ésimas 37 A raiz n-ésima de w, obtida fazendo k = 0 em (1.5), é denominada raiz n- ésima principal de w. A notação n √ w é reservada para esta raiz. Esta notação é coerente com a notação n √ |w| que indica a única raiz real positiva de |w|. Portanto, n √ w = n √ |w| [ cos ( Arg w n ) + i sen ( Arg w n )] . Observemos que todas as n raízes n-ésimas de w possuem o mesmo módulo, a saber, n √ |w|. Então, elas são representadas por n pontos sobre a circunferência com centro na origem e raio n √ |w|. Além disso, estes pontos estão igualmente espaçados ao longo desta circunferência devido à relação de seus argumentos. Exemplo 1.11. Como exemplo, vemos que as raízes cúbicas da unidade são dadas por 1 = cos 0 + i sen 0, z0 = 3 √ 1 [ cos (0 + 2 · 0 · π 3 ) + i sen (0 + 2 · 0 · π 3 )] = 1, z1 = 3 √ 1 [ cos (0 + 2 · 1 · π 3 ) + i sen (0 + 2 · 1 · π 3 )] = cos 2π 3 + i sen 2π 3 = −1 2 + √ 3 2 i e z2 = 3 √ 1 [ cos (0 + 2 · 2 · π 3 ) + i sen (0 + 2 · 2 · π 3 )] = cos 4π 3 + i sen 4π 3 = −1 2 − √ 3 2 i. Estas raízes representam pontos no plano complexo e são vértices de um polígono regular de 3 lados inscrito em um círculo de centro 0 e raio 1. Veja Figura 1.5. 38 Sobre o corpo dos números complexos Figura 1.5: Raízes cúbicas da unidade. 1.4 Conceitos básicos da topologia de C Nesta seção, apresentaremos alguns conceitos básicos da topologia usual de C que são imprescindíveis para uma discussão sobre teoria de funções de uma variável complexa. Ressaltamos que nossa pretensão aqui é estruturar os pré-requisitos de topologia necessários para futuras referências e não fornecer um aprofundamento no assunto. Dados z0 ∈ C e um número real r > 0, definimos: i) disco aberto de centro z0 e raio r por D(z0, r) = {z ∈ C : |z − z0| < r} ; Conceitos básicos da topologia de C 39 iii) disco fechado de centro z0 e raio r por D(z0, r) = {z ∈ C : |z − z0| ≤ r} ; iii) disco aberto deletado de centro z0 e raio r por D∗(z0, r) = {z ∈ C : 0 < |z − z0| < r} ; iv) círculo de centro z0 e raio r por γ(z0, r) = {z ∈ C : |z − z0| = r} . Sejam ρ1 e ρ2 números reais positivos tais que 0 ≤ ρ1 < ρ2. Dizemos que A(z0, ρ1, ρ2) = {z ∈ C : ρ1 < |z − z0| < ρ2} é uma região anelar aberta ou um anel aberto; A(z0, ρ1, ρ2) = {z ∈ C : ρ1 ≤ |z − z0| ≤ ρ2} é uma região anelar fechada ou um anel fechado; A(z0, ρ1,∞) = {z ∈ C : ρ1 < |z − z0|} e A(z0, ρ1,∞) = {z ∈ C : ρ1 ≤ |z − z0|} são anéis ilimitados. Definição 1.12. Seja A ⊂ C. Dizemos que A é um conjunto aberto se, para cada z0 ∈ A, existe r > 0 tal que D(z0, r) ⊂ A e dizemos que A ⊂ C é um conjunto fechado se o seu complementar C− A é aberto. Um exemplo de conjunto aberto é o disco aberto D(z0, r) e um exemplo de conjunto fechado é o disco fechado D(z0, r). Definição 1.13. Seja A ⊂ C. Dizemos que z0 ∈ C é ponto interior de A se existe r > 0 tal que D(z0, r) ⊂ A. O conjunto de todos os pontos interiores de A é denominado interior de A e é usualmente denotado por IntA. 40 Sobre o corpo dos números complexos Definição 1.14. Seja A ⊂ C. Dizemos que z0 ∈ C é um ponto aderente de A ⊂ C se D(z0, r)∩A 6= ∅ para todo r > 0. O conjunto de todos os pontos aderentes de A é denominado fecho de A e é usualmente denotado por Ā. Definição 1.15. Seja A ⊂ C. Dizemos que z0 é ponto de fronteira de A se todo disco aberto de centro z0 contém pontos de A e pontos do complementar de A. O conjunto de todos os pontos de fronteira de A é denominado fronteira de A e é usualmente denotado por ∂A. Assim, a fronteira de A é o conjunto ∂A = A ∩ C− A. Definição 1.16. Seja A ⊂ C. Dizemos que z0 é um ponto de acumulação de A se, para qualquer r > 0, o disco D(z0, r) contém pelo menos um ponto de A distinto de z0. Simbolicamente, z0 é um ponto de acumulação de A se (D(z0, r)− {z0}) ∩ A 6= ∅ para todo r > 0. Para um estudo mais abrangente sobre o assunto, sugerimos a leitura das referências [10] e [13]. 1.5 Exercícios propostos 1. Escreva o número complexo dado na forma x+ i y. (a) (2 + 4i)(5− 3i); (b) i(6− 4i); (c) ( √ 2 + 3i)( √ 2− 4i); (d) (1− i)4; (e) (3 + 7i) + (4− i); (f) i(−5 + 2i)− (−8 + 7i); (g) (−9− i)− i(2 + 6i); (h) 2i(−3 + i) + i(4 + 2i). 2. Escreva os quocientes a seguir na forma x+ i y. Exercícios propostos 41 (a) 2 1 + 3i ; (b) 1 2− 5i ; (c) 4 −3 + 4i ; (d) 3− 2i 1 + i ; (e) (3− i)(2 + 3i) 1 + i ; (f) 6 + 2i 10− 5i . 3. Sejam z e w dois números complexos. Mostre que |z + w|2 + |z − w|2 = 2 |z|2 + 2 |w|2 . 4. Forneça as condições necessárias e suficientes para que o número complexo a+ i b c+ i d , com c+ i d 6= 0 seja (a) imaginário puro; (b) real. 5. Mostre que o subconjunto do plano complexo {z ∈ C : |z − 2| = |z − i|} é representado graficamente por uma reta. 6. Represente graficamente no plano complexo os seguintes subconjuntos: (a) {z ∈ C : |z| = 2}; (b) {z ∈ C : |z − 4| ≤ 3}; (c) {z ∈ C : |z − 1| = Re(z)}; (d) {z ∈ C : |z − i| = 1}; (e) {z ∈ C : |z − (1 + i)| ≤ 1}. 6. Prove que z = −b± √ b2 − 4ac 2a são as soluções da equação quadrática az2 + bz + c = 0, em que a, b e c são constante complexas e a 6= 0. 7. Determine as soluções da equação z2 + 2z + 2 = 0. 42 Sobre o corpo dos números complexos 8. Determine o módulo e Arg z dos números complexos a seguir e represente-os na forma polar. (a) 2− 2i; (b) 1 + i; (c) 3i; (d) 1 + i √ 3; (e) 5− 5i; (f) 4; (g) −2i; (h) − √ 3 + i; (i) − √ 2 + i √ 3; (j) −5. 9. Sejam z e w dois números complexos arbitrários tais que |z| = |w| = 1 e 1 + zw 6= 0. Prove que z + w 1 + zw é um número real. 10. Determine o menor número n ∈ N para o qual ( − √ 3 + i )n é imaginário puro. 11. Use a fórmula (1.4) para n = 2 e n = 3 e determine as identidades trigono- métricas sen 2θ, sen 3θ, cos 2θ e cos 3θ. 12. Calcule as potências indicadas a seguir. (a) (3− 3i)12; (b) (2− 2i)5; (c) (1 + i √ 3)9; (d) (− √ 3− i)20; (e) ( −1 2 + i √ 3 2 )100 ; (f) (−1 + i)6; (g) ( √ 2 + i √ 2)8; (h) (1 + i)4; (i) (2 + 2 √ 3 i)5; (j) (√ 3 2 − i 1 2 )100 . 13. Calcule as raízes indicadas a seguir. (a) 3 √ 8; (b) √ −9; (c) 4 √ 1; (d) √ 16i; (e) 3 √ −64; (f) √ 3 + 4i; (g) 3 √ 1 + i; (h) √ −16 + 30i; (i) √ 5 + 12i; (j) 4 √ −8 + i 8 √ 3. Exercícios propostos 43 14. Prove que as n raízes n-ésimas da unidade são dadas por cos 2kπ n + i sen 2kπ n , k = 0, 1, 2, . . . , n− 1. 15. Mostre que se z 6= 1, então 1 + z + z2 + . . .+ zn = 1− zn+1 1− z . 2 Funções analíticas No Capítulo 1, introduzimos o conjunto dos números complexos C e apresenta- mos algumas de suas propriedades algébricas e geométricas. No presente capítulo, estudaremos as funções complexas de uma variável complexa, ou seja, funções f : A→ C em que A é um subconjunto de C. Apresentaremos algumas funções elementares. São elas: exponencial, função potência z 1 n , logarítmica, trigonométricas e hiperbólicas, e exibiremos algumas propriedades dessas funções. Definiremos o conceito de limite e continuidade e exibiremos um estudo sobre a derivada complexa e suas consequências. 2.1 Funções de uma variável complexa Com o corpo dos números complexos bem definido, iniciaremos o estudo das funções complexas com uma variável complexa. Em comparação com as funções de variáveis reais, as diferenças estão no domínio e na imagem, que são subconjuntos de C. Dizemos que f é uma função complexa com uma variável complexa ao associar o número complexo z a um único número complexo w, chamado a imagem de z por f . Escrevemos w = f(z). Lembramos que não basta apenas fornecer a lei de formação da função; é necessário especificar seu domínio de definição. Exemplo 2.1. A expressão w = 4z − 5i z − 2i está definida em todo o plano complexo exceto quando z = 2i, ponto em que o denominador se anula. 45 46 Funções analíticas Muitas vezes expressaremos uma função por meio de suas partes real e imaginária. Sendo A ⊂ C e f : A→ C uma função, é possível representar f da seguinte forma: f(z) = u(x, y) + i v(x, y), com z = (x, y), em que u é a parte real de f e v é a parte imaginária de f . Simbolicamente, temos: u(x, y) = Re [f(z)] e v(x, y) = Im [f(z)]. Exemplo 2.2. Se f(z) = z2 − 2z + 7, então u(x, y) = x2 − 2x− y2 + 7 e v(x, y) = 2xy − 2y. 2.2 Funções elementares Nesta seção, apresentaremos exemplos importantes de funções de uma variável complexa. Mais especificamente, estudaremos as funções exponencial, logarítmica, trigonométricas e hiperbólicas. 2.2.1 Função Exponencial No caso de funções reais, a expansão em Série de Taylor centrada em x0 = 0 da função f(x) = ex é dada por ex = ∞∑ n=0 xn n! = 1 + x 1! + x2 2! + x3 3! + . . .+ xn n! + . . . . Temos, também, que as expansões das funções reais seno e cosseno são dadas por cosx = ∞∑ n=0 (−1)n (2n)! x 2n = 1− x2 2! + x4 4! − x6 6! + . . . e sen x = ∞∑ n=0 (−1)n (2n+ 1)!x 2n+1 = x 1! − x3 3! + x5 5! − x7 7! + . . . . Funções elementares 47 Ao substituir x por ix em ex, temos que eix = 1 + ix 1! + (ix)2 2! + (ix)3 3! + . . .+ (ix)n n! + . . . . = 1 + ix 1! − x2 2! − ix3 3! + . . .+ inxn n! + . . . . = ( 1− x2 2! + x4 4! − x6 6! + . . . ) + i ( x 1! − x3 3! + x5 5! − x7 7! + . . . . ) = cosx+ i senx. Portanto, eix = cosx + i senx. Essa igualdade é de grande relevância na Matemática e é conhecida como Fórmula de Euler. Ao fazer x = π, obtemos eiπ = cosπ + i senπ = −1 + i.0 = −1, o que implica a identidade eiπ + 1 = 0, conhecida como identidade de Euler. Dado z ∈ C, z = x+ i y, definimos a exponencial de z como sendo o número complexo ez = ex(cos y + i sen y) = ex cos y + (exsen y) i. Uma das razões pelas quais é natural denominar esta função por exponencial reside no fato desta generalizar a exponencial real, pois se z = x+ i 0 é real, então ex+i 0 = ex(cos 0 + i sen 0) = ex. Na sequência provaremos propriedades da função exponencial. Sejam z1 = x1 + i y1 e z2 = x2 + i y2 números complexos. (PE1.) ez1 · ez2 = ez1+z2 . 48 Funções analíticas Com efeito, (ex1+i y1)(ex2+i y2) = (ex1 cos y1 + i ex1 sen y1)(ex2 cos y2 + i ex2 sen y2) = ex1ex2 cos y1 cos y2 + i ex1ex2 cos y1 sen y2 + i ex1ex2 sen y1 cos y2− − ex1ex2 sen y1 sen y2 = ex1ex2(cos y1 cos y2 − sen y1 sen y2) + i ex1ex2(cos y1 sen y2 + sen y1 cos y2) = ex1ex2 [cos(y1 + y2)] + i ex1ex2 [sen(y1 + y2)] = e(x1+x2) [cos(y1 + y2) + i sen(y1 + y2)] = ez1+z2 . (PE2) ez1 ez2 = ez1−z2 . Com efeito, ez1 ez2 = ex1(cos y1 + i sen y1) ex2(cos y2 + i sen y2) = ex1 ex2 · [ (cos y1 + i sen y1)(cos y2 − i sen y2) cos2 y2 + sen2 y2 ] = ex1 ex2 · (cos y1 cos y2 − i cos y1 sen y2 + i sen y1 cos y2 + sen y1 sen y2) = ex1 ex2 · [cos y1 cos y2 + sen y1 sen y2 + i (sen y1 cos y2 − cos y1 sen y2)] = ex1−x2 [cos (y1 − y2) + i sen (y1 − y2)] = ez1−z2 . (PE3) Para n ∈ Z e z ∈ C, temos que (ez)n = ( ex+i y )n = [ex (cos y + i sen y)]n = enz. Funções elementares 49 De fato, pela Primeira Fórmula de De Moivre, segue que [ex (cos y + i sen y)]n = enx [cos(ny) + i sen(ny)] = enxei ny = en(x+i y) = enz. As três propriedades vistas são também propriedades da exponencial real. A diferença mais surpreendente entre a exponencial real e a complexa está na periodicidade desta última. Como as funções seno e cosseno reais são periódicas de período 2π, pela definição da exponencial complexa, temos: ez+2πi = ez.e2πi = ez (cos 2π + i sen 2π) = ez(1 + i 0) = ez. Portanto, ez é periódica e tem período puramente imaginário igual a 2πi, enquanto que, no caso real, a função exponencial ex não é periódica. A partir desse fato, concluímos que a função exponencial complexa não é injetora, pois f(z) = ez e f(z + 2πi) = ez. Agora, como ez = ex (cos y + i sen y) e as funções f(y) = cos y e g(y) = sen y possuem período igual a 2π, temos que |ez| = ex e arg(ez) = {y + 2kπ; k = 0,±1,±2,±3, . . .}. É sabido que ex > 0 para todo x real. A exponencial complexa, por sua vez, pode tomar valores negativos. Por exemplo, se z = πi, então eπi = e0 (cos π + i sen π) = −1 + 0 = −1 < 0. O conjugado de ez pode ser obtido através de propriedades das funções pares e ímpares. Sabemos que as funções cosseno e seno são par e ímpar, respectivamente, ou seja, f(x) = cosx = cos(−x) = f(−x) e g(x) = sen x = − sen(−x) = −g(−x), para todo x real. Sendo assim, ez = ex cos y − i ex sen y = ex cos(−y) + i ex sen(−y) = ex−i y = ez̄, ou seja, ez = ez̄ para todo z ∈ C. 50 Funções analíticas 2.2.2 A função potência z1/n Agora, vamos analisar as funções z1/n, com n ≥ 2. Para n = 2, temos que as duas raízes quadradas de z são dadas por z 1 2 = √ r [ cos ( θ + 2kπ 2 ) + i sen ( θ + 2kπ 2 )] = √ r ei(θ+2kπ)/2. (2.1) com k = 0, 1. Mas, observemos que (2.1) não define uma função, pois para k = 0 e k = 1, temos dois valores complexos associados ao número z. Porém, ao fixarmos θ = Arg(z) e k = 0, podemos definir uma função que associa o número complexo z a uma única raiz quadrada, a qual chamaremos de principal. Notemos que, para z = 16, temos que r = |z| = |16| = 16 e Arg(16) = 0. Logo, em (2.1), obtemos 161/2 = √ 16 ei(0/2) = 4ei(0) = 4. É importante destacar que, no exemplo acima, utilizamos o argumento principal do número z = 16. Definição 2.3 (Raiz n-ésima principal). A potência z1/n, para n ≥ 2, dada por z1/n = n √ r eiArg (z)/n, (2.2) em que r = |z|, é denominada raiz n-ésima principal. Cabe observar que Arg(z) na definição acima é o argumento principal, dife- rentemente de arg(z) que representa um conjunto infinito de valores e não define uma função, pois um número z fixo admite n raízes n-ésimas. Este fato é chamado na Análise Complexa de funções multivalentes. Apesar de causar estranheza, as funções multivalentes não são consideradas funções, mas são muito utilizadas nesta área da Matemática. Denotaremos tais funções com letras maiúsculas. Por exemplo, F (z) = z1/2 é a função multivalente que determina as raízes quadradas do número complexo z. Dos múltiplos valores de uma função multivalente, pode-se escolher um valor em que a função seja univalente. Se essa escolha for feita por meio do conceito de continuidade (que estudaremos a seguir), obtemos uma função que denominamos ramo de uma função multivalente. Em outras palavras, um ramo de uma Funções elementares 51 função multivalente F é uma função f1, contínua em algum domínio, que associa um dos múltiplos valores de F a cada número z no domínio especificado. 2.2.3 Logaritmo complexo A função exponencial f(x) = ex é bijetora e possui sua inversa definida por f−1(x) = ln x, em que ln x é o logaritmo natural de x. Vimos, na seção anterior, que a exponencial complexa não é definida univocamente em C. Portanto, esta não admite inversa em C. Fixemos um número complexo z 6= 0. Se ew = z, então |ew| = eRe(w) = |z| e arg(ew) = Im (w) = arg(z). Ou seja, ew = z ⇒ w = ln |z|+ i arg(z), (2.3) em que ln |z| é o logaritmo real de |z|. Como há um número infinito de argumentos de z, por (2.3), podemos afirmar que a equação ew = z admite infinitas soluções em C. Definição 2.4. Seja z ∈ C, z 6= 0. O logaritmo complexo de z é denotado por log(z) e definido por log(z) = ln |z|+ i arg(z). Cada número complexo z 6= 0 tem uma infinidade de logaritmos, todos com parte real ln |z|, e diferindo uns dos outros por múltiplos de 2πi. Ou seja, se z = reiθ, então log(z) = ln(r) + i(θ + 2kπ), k ∈ Z. Observação 2.5. Por meio do logaritmo complexo é possível resolver equações do tipo e2z + ez + 1 = 0. Vejamos como. Se x = ez, então a equação e2z + ez + 1 = 0 equivale a x2 + x+ 1 = 0, cujas raízes são x1 = −1 2 + √ 3 2 i e x2 = −1 2 − √ 3 2 i. Para x = −1 2+ √ 3 2 i, temos ez = −1 2+ √ 3 2 i, o que implica z = log ( −1 2 + √ 3 2 i ) . 52 Funções analíticas Chamando w1 = −1 2 + √ 3 2 i, temos |w1| = 1 e arg(w1) = 2π 3 +2kπ, k ∈ Z. Portanto, z1 = ln 1 + i (2π 3 + 2kπ ) , k ∈ Z, de onde segue que z1 = 2πi (1 3 + k ) , k ∈ Z. Para x = −1 2− √ 3 2 i, temos ez = −1 2− √ 3 2 i, o que implica z = log ( −1 2 − √ 3 2 i ) . Chamando w2 = −1 2 − √ 3 2 i, temos |w1| = 1 e arg(w2) = 4π 3 + 2kπ, k ∈ Z. Por conseguinte, z2 = ln 1 + i (4π 3 + 2kπ ) , k ∈ Z, de onde segue que z2 = 2πi (2 3 + k ) , k ∈ Z. Logo, as soluções da equação dada são z1 = 2πi (1 3 + k ) , k ∈ Z e z2 = 2πi (2 3 + k ) , k ∈ Z. Como no caso real, o logaritmo complexo possui propriedades algébricas. Se z1 e z2 são números complexos não nulos e n ∈ Z, então valem as seguintes propriedades: (PL1) log(z1) + log(z2) = log(z1 z2). De fato, log(z1) + log(z2) = ln |z1|+ i arg(z1) + ln |z2|+ i arg(z2) = ln |z1|+ ln |z2|+ i [arg(z1) + arg(z2)] = ln |z1 z2|+ i arg(z1 z2) = log(z1 z2). Funções elementares 53 (PL2) log(z1)− log(z2) = log ( z1 z2 ) . Com efeito, log(z1)− log(z2) = ln |z1|+ i arg(z1)− ln |z2| − i arg(z2) = ln |z1| − ln |z2|+ i [arg(z1)− arg(z2)] = ln ∣∣∣∣z1 z2 ∣∣∣∣+ i arg ( z1 z2 ) = log ( z1 z2 ) . (PL3) log zn1 = n log(z1), n ∈ Z. Realmente, log zn1 = ln |zn1 |+ i arg(zn1 ) = ln |z1|n + n i arg(z1) = n ln |z1|+ n i arg(z1) = n ( ln |z1|+ i arg(z1) ) = n log(z1). Conforme mencionamos acima, o logaritmo complexo de um número real assume infinitos valores. Por exemplo, o logaritmo complexo de 10, log(10), é o conjunto de valores 2, 3026 + 2kπi, com k ∈ Z. Já o logaritmo real de 10, ln 10, é único e vale, aproximadamente, 2, 3026, que pode ser obtido do logaritmo complexo quando k = 0. Tal valor do logaritmo complexo é chamado de valor principal do logaritmo complexo, pois o determinamos por meio do argumento principal de z, Arg(z). Utilizaremos a notação Log (z) para denotar seu valor principal. A relação f(z) = Log z define uma função em C e Log (z) = ln |z|+ i Arg(z) define o logaritmo principal de z. Exemplo 2.6. Para z = i, temos que |z| = 1 e Arg(i) = π 2 . Como ln |i| = ln 1 = 0, 54 Funções analíticas segue que Log i = ln |i|+ Arg(i) = 0 + i π 2 = π 2 i. 2.2.4 Funções trigonométricas Nesta subseção, apresentaremos as funções trigonométricas complexas e suas semelhanças e diferenças com as funções trigonométricas reais. Se x é uma variável real, então eix = cosx + i sen x e e−ix = cosx − i sen x. Somando e subtraindo estas igualdades membro a membro, obtemos cosx = eix + e−ix 2 e sen x = eix − e−ix 2i . Essas fórmulas para as funções seno e cosseno reais podem ser usadas para definirmos as funções seno e cosseno complexos. Definição 2.7. As funções seno complexo e cosseno complexo são definidas por sen z = eiz − e−iz 2i e cos z = eiz + e−iz 2 , para todo z ∈ C, respectivamente. As funções tangente, cotangente, secante e cossecante complexas são definidas como no caso real: se sen z 6= 0 e cos z 6= 0, então tg z = sen z cos z , cotg z = cos z sen z , sec z = 1 cos z e csc z = 1 sen z . Assim como no caso real, as identidades trigonométricas listadas abaixo são válidas. Proposição 2.8. Se z e w são números complexos, então: (i) sen2 z + cos2 z = 1; (ii) sen(−z) = − sen z; (iii) cos(−z) = cos z; (iv) sen(z + w) = sen z cos z + senw cos z; Funções elementares 55 (v) cos(z + w) = cos z cosw − sen z senw. Demonstração. (i) De fato, sen2 z + cos2 z = ( eiz − e−iz 2i )2 + ( eiz + e−iz 2 )2 = −e 2iz − 2eize−iz + e−2iz 4 + e2iz + 2eize−iz + e−2iz 4 = 4eize−iz 4 = e0 = 1. (ii) Pela definição da função seno complexo, temos sen(−z) = e−iz − eiz 2i = −e iz − e−iz 2i = − sen z. (iii) Pela definição da função cosseno complexo, temos cos(−z) = e−iz + eiz 2 = cos z. (iv) Com efeito, notemos que sen(z + w) = ei(z+w) − e−i(z+w) 2i = eizeiw − e−ize−iw 2i . Pela Definição 2.7, temos que eiz = cos z+ i sen z e e−iz = cos z− i sen z. Portanto, sen(z + w) = (cos z + i sen z)(cosw + i senw)− [(cos z − i sen z)(cosw − i senw)] 2i = 2i(sen z cosw + senw cos z) 2i = sen z cosw + senw cos z. 56 Funções analíticas (v) Como na demonstração do item (iv), temos cos(z + w) = ei(z+w) + e−i(z+w) 2 = eizeiw + e−ize−iw 2 = (cos z + i sen z)(cosw + i senw) + [(cos z − i sen z)(cosw − i senw)] 2 = 2 cos z cosw − 2 sen z senw 2 = cos z cosw − sen z senw. Algumas desigualdades satisfeitas por funções trigonométricas reais não são satisfeitas por funções trigonométricas complexas. Por exemplo, sabemos que | sen x| ≤ 1 e | cosx| ≤ 1 para todo x ∈ R, porém não é verdade que | sen z| ≤ 1 e | cos z| ≤ 1 para todo z ∈ C. É o que constataremos nos exemplos a seguir. Exemplo 2.9. Para z = i, tem-se cos i = ei·i + e−i·i 2 = e−1 + e 2 ≈ 1, 5431, de onde segue que | cos i| > 1. Exemplo 2.10. Para z = 1 + i, temos sen(1 + i) = ei(1+i) − e−i(1+i) 2i = eie−1 − ee−i 2i = e−1(cos 1 + i sen 1)− e ( cos(−1) + i sen(−1) ) 2i = −1, 2699 + 2, 5970 i 2i ≈ 1, 2984− 0, 6349 i, de onde se obtém | sen(1 + i)| ≈ 1, 4454 > 1. Funções elementares 57 2.2.5 Funções hiperbólicas As funções seno hiperbólico real e cosseno hiperbólico real são definidas, respec- tivamente, por senh x = ex − e−x 2 e cosh x = ex + e−x 2 , para x ∈ R, que têm como base a função exponencial real. As funções seno hiperbólico complexo e cosseno hiperbólico complexo são definidas de forma análoga a partir da exponencial complexa. Definição 2.11. As funções seno hiperbólico complexo e cosseno hiperbó- lico complexo são definidas, respectivamente, por senh z = ez − e−z 2 e cosh z = ez + e−z 2 . Diferentemente das funções hiperbólicas reais, as funções hiperbólicas complexas são periódicas, pois a função exponencial complexa é periódica. Se cosh z 6= 0, z ∈ C, definimos a tangente hiperbólica de z e a secante hiperbólica de z por tgh z = senh z cosh z e sech z = 1 cosh z , respectivamente. Se senh z 6= 0, z ∈ C, definimos a cotangente hiperbólica de z e a cosse- cante hiperbólica de z por coth z = cosh z senh z e csch z = 1 senh z , respectivamente. Para finalizar esta subseção, exibiremos algumas propriedades das funções senh z e cosh z. Proposição 2.12. Se z e w são números complexos, então: (i) cosh2 z − senh2 z = 1; (ii) senh(−z) = − senh z; 58 Funções analíticas (iii) cosh(−z) = cosh z; (iv) senh(z + w) = senh z coshw + senhw cosh z; (v) cosh(z + w) = cosh z coshw + senh z senhw. Demonstração. (i) Com efeito, cosh2 z − senh2 z = ( ez + e−z 2 )2 − ( ez − e−z 2 )2 = e2z + 2eze−z + e−2z 4 − e2z − 2eze−z + e−2z 4 = 4eze−z 4 = e0 = 1. (ii) Pela definição da função seno hiperbólico complexo, temos senh(−z) = e−z − e−(−z) 2 = e−z − ez 2 = −e z − e−z 2 = − senh z. (iii) Pela definição da função cosseno hiperbólico complexo, temos cosh(−z) = e−z + e−(−z) 2 = e−z + ez 2 = cosh z. (iv) Primeiramente, observemos que senh(iz) = eiz − e−iz 2 = i ( eiz − e−iz 2i ) = i sen z. Portanto, sen iz = −senh z i . Além disso, cosh(iz) = eiz + e−iz 2 = cos z. Limite e continuidade 59 Notemos, também, que cosh z = ez + e−z 2 = e−iiz + eiiz 2 = cos(iz). Assim, pela Proposição 2.8 - (iv), obtemos sen(iz + iw) = sen(iz) cos(iw) + sen(iw) cos(iz) = senh z −i coshw + senhw −i cosh z, o que implica senh(z + w) −i = 1 −i (senh z coshw + senhw cosh z) , que é equivale a senh(z + w) = senh z coshw + senhw cosh z. (v) Conforme vimos na demonstração do item anterior, temos cosh(z + w) = cos(iz + iw) = cos(iz) cos(iw)− sen(iz) sen(iw) = cos(iz) cos(iw) + ( − i sen(iz) )( − i sen(iw) ) = cosh z coshw + senh z senhw, onde utilizamos a Proposição 2.8 - (v). 2.3 Limite e continuidade Agora, apresentaremos a definição de limite de uma função complexa, que é formalmente a mesma da Análise Real. Definição 2.13. Sejam A ⊂ C, f : A → C uma função e z0 um ponto de acumulação de A. Dizemos que f tem limite L com z tendendo a z0 se, para todo ε > 0, existe δ = δ(ε, z0) > 0 tal que z ∈ A, 0 < |z − z0| < δ ⇒ |f(z)− L| < ε. 60 Funções analíticas Escrevemos lim z→z0 f(z) = L. Ressaltamos que, na Definição 2.13, não é necessário a função estar definida no ponto z0. É o que veremos no próximo exemplo. Exemplo 2.14. A função complexa f(z) = 2z2 − 3iz + 2 z − 2i não está definida quando z = 2i, mas seu limite existe e é igual a 5i quando z se aproxima de 2i, ou seja, lim z→2i 2z2 − 3iz + 2 z − 2i = 5i. De fato, dado ε > 0, existe δ = ε 2 tal que se z ∈ C, |z − 2i| < δ então ∣∣∣∣∣2z2 − 3iz + 2 z − 2i − 5i ∣∣∣∣∣ = ∣∣∣∣∣2z2 − 8iz − 8 z − 2i ∣∣∣∣∣ = 2 ∣∣∣∣∣z2 − 4iz + 4i2 z − 2i ∣∣∣∣∣ = 2 |z − 2i| < 2 · ε2 = ε. No exemplo acima, mostramos por meio da definição de limite que, quando z se aproxima do número 2i, a imagem de z, f(z), se aproxima de 5i. Porém, nem sempre é possível satisfazer a definição formal de limite. Se ao longo de dois caminhos que passam por z0, f se aproximar de dois números complexos L1 6= L2, dizemos que o limite da função f , ao se aproximar de z0, não existe. Para mostrar este fato, basta apresentar dois caminhos que passam por z0 que corresponderá a dois valores de L distintos. Exemplo 2.15. O limite limz→0 z z̄ não existe. Primeiramente, façamos z se aproximar de zero pelo eixo real, ou seja, quando y = 0. Assim, sabendo que z = x+ yi e que z̄ = x− yi, com x, y ∈ R, temos que lim z→0 z z̄ = lim z→0 x+ 0i x− 0i = lim z→0 1 = 1. Agora, façamos z se aproximar de zero pelo eixo imaginário, ou seja, quando x = 0. Assim, lim z→0 z z̄ = lim z→0 0 + yi 0− yi = lim z→0 (−1) = −1. Como temos dois valores distintos, -1 e 1, para o mesmo limite, concluímos que o mesmo não existe. Com isso, podemos enunciar o próximo resultado. Limite e continuidade 61 Teorema 2.16 (Unicidade do limite). O limite de uma função complexa quando existe é único. Demonstração. Suponhamos, por absurdo, que lim z→z0 f(z) = L1 e lim z→z0 f(z) = L2, com L1 6= L2. Seja ε = |L2 − L1| 2 > 0. Existem δ1 e δ2 positivos tais que |f(z)− L1| < ε sempre que 0 < |z − z0| < δ1 e |f(z)− L2| < ε sempre que 0 < |z − z0| < δ2. Assim, para δ = min {δ1, δ2}, temos |L2 − L1| = |L2 − f(z) + f(z)− L1| ≤ |f(z)− L2|+ |f(z)− L1| < |L2 − L1| 2 + |L2 − L1| 2 = |L2 − L1|, sempre que 0 < |z − z0| < δ. Portanto, |L2 − L1| < |L2 − L1|, o que é um absurdo. Concluímos, então, que L1 = L2. No início desta seção, apresentamos a representação de uma função complexa por meio de suas partes real e imaginária: f(x, y) = u(x, y) + i v(x, y), em que u e v são funções de duas variáveis reais. Com isso, é possível expressar o limite de uma função complexa por meio de suas partes real e imaginária. Exemplo 2.17. A função complexa f(z) = z2 − z̄ pode ser expressa através de suas partes real e imaginária. Sendo z = (x, y), temos f(z) = f(x, y) = (x2 − y2 − x) + i (2xy + y), em que u(x, y) = x2 − y2 − x e v(x, y) = 2xy + y são funções reais de duas variáveis reais. Nessa mesma função, quando z se aproxima 62 Funções analíticas de 2i, temos lim z→2i (z2 − z̄) = lim (x,y)→(0,2) [ (x2 − y2 − x) + i (2xy + y) ] = lim (x,y)→(0,2) (x2 − y2 − x) + i lim (x,y)→(0,2) (2xy + y) = (02 − 22 − 0) + i(2 · 0 + 2) = −4 + 2i. Este fato é garantido pelo seguinte teorema: Teorema 2.18. Sejam f(x, y) = u(x, y) + i v(x, y), z0 = x0 + i y0 e L = u0 + i v0. Temos que lim z→z0 f(z) = L se, e somente se, lim (x,y)→(x0,y0) u(x, y) = u0 e lim (x,y)→(x0,y0) v(x, y) = v0. (2.4) Demonstração. De forma direta, temos lim z→z0 f(z) = L ⇔ lim (x,y)→(x0,y0) f(x, y) = u0 + i v0 ⇔ lim (x,y)→(x0,y0) [u(x, y) + i v(x, y)] = u0 + i v0 ⇔ lim (x,y)→(x0,y0) u(x, y) + i lim (x,y)→(x0,y0) v(x, y) = u0 + i v0 ⇔ lim (x,y)→(x0,y0) u(x, y) = u0 e lim (x,y)→(x0,y0) v(x, y) = v0. Para a prova acima, usamos as propriedades dos limites de funções reais. O teorema anterior nos permite provar as propriedades dos limites de funções complexas a partir das propriedades dos limites de funções reais, conforme veremos na sequência. Limite e continuidade 63 Teorema 2.19. Sejam f e g funções complexas. Se lim z→z0 f(z) = L e lim z→z0 g(z) = M , então (i) lim z→z0 cf(z) = cL, em que c é uma constante complexa; (ii) lim z→z0 [f(z)± g(z)] = L±M ; (iii) lim z→z0 [f(z) · g(z)] = L ·M ; (iv) lim z→z0 f(z) g(z) = L M , se g(z) 6= 0 e M 6= 0. Demonstração. (i) Sendo f(x, y) = u(x, y) + i v(x, y), z0 = x0 + i y0, L = u0 + i v0 e c = a+ bi, temos lim (x,y)→(x0,y0) cf(x, y) = lim (x,y)→(x0,y0) (a+ bi) [u(x, y) + i v(x, y)] . Do Teorema 2.18 segue que lim (x,y)→(x0,y0) [a u(x, y)− b v(x, y)] = a u0 − b v0 e lim (x,y)→(x0,y0) [b u(x, y) + a v(x, y)] = b u0 + a v0, em que a u(x, y)− b v(x, y) e b u(x, y) + a v(x, y) são as partes real e imaginária de c · f , respectivamente. Assim, podemos concluir que lim (x,y)→(x0,y0) cf(z) = (a u0 − b v0) + i (b u0 + a v0) = (a+ bi)u0 + (ai− b)v0 = (a+ bi)u0 + i(a+ bi)v0 = (a+ bi)(u0 + i v0). (ii) Sejam f(x, y) = u1(x, y)+ i v1(x, y), g(x, y) = u2(x, y)+ i v2(x, y), z0 = x0 + i y0, L = u1 + i v1 e M = u2 + i v2. Então, 64 Funções analíticas lim (x,y)→(x0,y0) [f(x, y) + g(x, y)] = lim (x,y)→(x0,y0) {[u1(x, y) + i v1(x, y)] + [u2(x, y) + i v2(x, y)]} = lim (x,y)→(x0,y0) {[u1(x, y) + u2(x, y)] + i [v1(x, y) + v2(x, y)]} . Pelo Teorema 2.18, temos que lim (x,y)→(x0,y0) [u1(x, y) + u2(x, y)] = u1 + u2 e lim (x,y)→(x0,y0) [v1(x, y) + v2(x, y)] = v1 + v2. Daí, lim z→z0 [f(z) + g(z)] = {[u1 + u2] + i [v1 + v2]} = [u1 + i v1] + [u2 + i v2] = L+M. O caso lim z→z0 [f(z)− g(z)] = L−M é análogo. (iii) Sejam f(x, y) = u1(x, y)+i v1(x, y), g(x, y) = u2(x, y)+i v2(x, y), z0 = x0+i y0, L = u1 + i v1 e M = u2 + i v2. Então, lim z→z0 f(z) · g(z) = lim (x,y)→(x0,y0) f(x, y) · g(x, y) = = lim (x,y)→(x0,y0) [(u1(x, y)u2(x, y)− v1(x, y) v2(x, y)) + i (u1(x, y) v2(x, y) + v1(x, y)u2(x, y))] . Pelo Teorema 2.18, temos lim (x,y)→(x0,y0) [(u1(x, y)u2(x, y)− v1(x, y) v2(x, y))] = u1 u2 − v1 v2 e lim (x,y)→(x0,y0) [(u1(x, y) v2(x, y) + v1(x, y)u2(x, y))] = u1 v2 + v1 u2. Limite e continuidade 65 Daí, lim z→z0 f(z) · g(z) = (u1 u2 − v1 v2) + i (u1 v2 + v1 u2) = u1 u2 + i2 v1 v2 + i u1 v2 + i v1 u2 = (u1 + i v1)(u2 + i v2) = L ·M. (iv) Basta fazer lim z→z0 [ f(z) · 1 g(z) ] e aplicar (iii), ou seja, lim z→z0 f(z) g(z) = lim z→z0 [ f(z) · 1 g(z) ] = L · 1 M = L M . Observemos que, a partir das propriedades dos números reais, dos limites de funções reais e do Teorema 2.18, podemos demonstrar as propriedades de limite de uma função complexa sem a necessidade de utilizar ε e δ. Com essa notação, a propriedade (i) do Teorema 2.19 pode ser demonstrada da seguinte forma: para todo ε > 0, existe um δ > 0 tal que 0 < |z − z0| < δ implica |f(z)− L| < ε |c| . Consequentemente, temos que 0 < |z − z0| < δ implica |cf(z)− cL| = |c||f(z)− L| < |c| ε |c| = ε, de onde segue a propriedade. O conceito de limite complexo, como no caso real, auxilia-nos a definir o conceito de continuidade de uma função, conforme poderemos constatar a seguir. Definição 2.20. Sejam f : A → C uma função complexa e A ⊂ C um conjunto aberto. Dizemos que f é uma função contínua em z0 ∈ A se lim z→z0 f(z) = f(z0). Uma função complexa é contínua em A se for contínua em todos os pontos de A. 66 Funções analíticas A função f(z) = 1 z é contínua em todos os pontos de C exceto na origem do plano complexo. As funções polinomiais complexas são contínuas em todo o plano complexo. Como no caso real, podemos definir função contínua de seguinte forma: seja f : A→ C uma função complexa definida em A ⊂ C. Dizemos que f é contínua em z0 ∈ A quando, para todo ε > 0, podemos obter δ = δ(ε, z0) > 0 tal que z0 ∈ A e |z − z0| < δ =⇒ |f(z)− f(z0)| < ε, ou seja, lim z→z0 f(z) = f(z0). Se f não é contínua em z0, dizemos que f é descontínua neste ponto. Neste caso, existe algum ε > 0 tal que, para todo δ > 0, existe z ∈ A de modo que |z − z0| < δ, porém |f(z)− f(z0)| ≥ ε. O Teorema 2.18 relaciona o limite complexo de f(z) = u(x, y) + i v(x, y) e os limites das partes real e imaginária, u e v, respectivamente. Sabemos, da Análise Real, o conceito de continuidade de uma função real de duas variáveis reais: uma função real de duas variáveis reais é contínua em um ponto (x0, y0) se lim (x,y)→(x0,y0) f(x, y) = f(x0, y0). Com isso em mente, podemos estudar a continuidade de uma função complexa também por meio de suas partes real e imaginária, conforme garante o teorema seguinte. Teorema 2.21. Sejam f : A→ C, A ⊂ C e z0 = x0 + i y0. A função complexa f é contínua no ponto z0 se, e somente se, as funções que compõem as partes real e imaginária de f , u e v, são contínuas no ponto (x0, y0). Demonstração. Suponhamos f contínua em z0. Então, por definição, lim z→z0 f(z) = f(z0) = u(x0, y0) + i v(x0, y0). Pelo Teorema 2.18, temos que lim (x,y)→(x0,y0) u(x, y) = u(x0, y0) e lim (x,y)→(x0,y0) v(x, y) = v(x0, y0), ou seja, u e v são contínuas em (x0, y0). Por outro lado, supondo u e v contínuas em (x0, y0), temos que lim (x,y)→(x0,y0) u(x, y) = Limite e continuidade 67 u(x0, y0) e lim (x,y)→(x0,y0) v(x, y) = v(x0, y0). Assim, novamente pelo Teorema 2.18, segue que lim (x,y)→(x0,y0) f(z) = u(x0, y0) + i v(x0, y0) = f(z0), de onde segue que f é contínua em z0. Exemplo 2.22. Para mostrarmos, por meio do Teorema 2.21, que a função com- plexa f(z) = z2 − iz + 3 − 2i é contínua no ponto z0 = 2 − i, basta verifi- car que as partes real e imaginária de f são contínuas neste ponto. De fato, f(z) = (x2 − y2 + y + 3) + i (2xy − x− 2), desde que z = x+ i y, lim (x,y)→(2,−1) (x2 − y2 + y + 3) = 5 e lim (x,y)→(2,−1) (2xy − x− 2) = −8. Além disso, u(2,−1) = 5 e v(2,−1) = −8. Então, u e v são contínuas em (2,−1) e, portanto, f é contínua em z0 = 2− i. Apresentaremos, na sequência, algumas propriedades das funções contínuas. Mas, antes, vamos recordar o conceito de composição de funções. Sejam f : A→ C e g : B → C funções tais que f(A) ⊂ B. A expressão (g ◦ f)(z) = g ( f(z) ) , z ∈ A, é denominada a função composta de f e g. Em símbolos, temos g ◦ f : A→ C z 7→ g ( f(z) ) . Proposição 2.23. Sejam A e B dois conjuntos abertos em C. Consideremos, também, f : A → C, h : A → C e g : B → C funções complexas, com f(A) ⊂ B. Se f e h são funções contínuas em z0 e g é contínua em f(z0), então são contínuas em z0 as seguintes funções: (i) cf : A→ C, em que c é uma constante complexa; (ii) f + h : A→ C; (iii) f · h : A→ C; (iv) f h : A→ C, em que h 6= 0; (v) g ◦ f : A→ C. 68 Funções analíticas Demonstração. Mostraremos (v). Seja ε > 0. Pela continuidade de g em f(z0), existe δg > 0 tal que w ∈ B e |w − f(z0)| < δg implicam ∣∣∣g(w)− g ( f(z0) )∣∣∣ < ε. Da continuidade de f em z0 segue que existe δf > 0 tal que z ∈ A e |z − z0| < δf implicam |f(z)−f(z0)| < δg. Assim, |z−z0| < δf implica ∣∣∣g(f(z) ) − g ( f(z0) )∣∣∣ < ε, provando a continuidade de g ◦ f em z0. As provas das demais propriedades são de fácil construção e, por essa razão, são omitidas aqui. Exemplo 2.24. A função h(z) = 1 z − i é contínua em C−{i}, pois é a composição de g(z) = 1 z , contínua em C− {0}, com f(z) = z − i, contínua em C. 2.4 A derivada complexa Nas seções anteriores, vimos que as definições de limite e continuidade de uma função complexa são exatamente as mesmas que as do caso real. O objetivo desta seção é apresentar a derivada de uma função complexa e suas surpreendentes diferenças interpretativas em relação à derivada de uma função de uma variável real. Sabemos do Cálculo que a derivada da função y = f(x) pode ser interpretada de várias maneiras; por exemplo, a derivada de uma função f no ponto (x0, y0) é a inclinação da reta tangente ao gráfico de f neste ponto. Com isso, podemos analisar, em um determinado intervalo na reta real, se a função é crescente ou não, ou até mesmo se possui valor mínimo ou máximo. Na Física, podemos interpretar a derivada de uma função s = s(t) como a velocidade instantânea de um móvel e denotamos v = s′(t). No contexto complexo, não são aplicáveis essas interpretações. Veremos os conceitos de analiticidade e diferenciabilidade de uma função complexa. O primeiro significa a existência da derivada em z0 e em uma vizinhança em torno deste ponto. Já o segundo significa a existência da derivada no ponto z0. Formalmente, a definição de derivada complexa é a mesma que a do caso real. Por meio do conceito de limite, definimo-la. Definição 2.25. Sejam A ⊂ C um aberto, z0 ∈ A e f : A→ C. Dizemos que f é A derivada complexa 69 diferenciável em z0 se existir o limite lim z→z0 f(z)− f(z0) z − z0 = lim ∆z→0 f(z0 + ∆z)− f(z0) ∆z . O limite acima é denominado derivada de f em z0 e denotado por f ′(z0). Exemplo 2.26. Através da Definição 2.25, determinemos a derivada da função complexa f(z) = z2 + 4z no ponto z0 ∈ C. Com efeito, f ′(z0) = lim z→z0 z2 + 4z − (z2 0 + 4z0) z − z0 = lim z→z0 z2 + 4z − z2 0 − 4z0 z − z0 = lim z→z0 (z + z0)(z − z0) + 4(z − z0) z − z0 = lim z→z0 (z − z0)(z + z0 + 4) z − z0 = lim z→z0 (z + z0 + 4) = 2z0 + 4. Exemplo 2.27. A função f(z) = z̄ está definida para todo z ∈ C. Vamos mostrar que f não é diferenciável em ponto algum do plano complexo. Seja z um ponto qualquer no plano complexo. Sabendo que a derivada de uma função complexa também pode ser determinada por f ′(z) = lim ∆z→0 f(z + ∆z)− f(z) ∆z , (2.5) façamos f(z + ∆z)− f(z) = (x+ ∆x)− i (y + ∆y)− x+ i y = ∆x− i∆y, uma vez que f(z) = z̄ = x− i y e que ∆z = ∆x+ i∆y. Segue que f ′(z) = lim ∆z→0 f(z + ∆z)− f(z) ∆z = lim ∆z→0 ∆x− i∆y ∆x+ i∆y . 70 Funções analíticas Primeiramente, façamos ∆z → 0 ao longo de uma reta paralela ao eixo real, ou seja, quando ∆y = 0. Assim, f ′(z) = lim ∆z→0 f(z + ∆z)− f(z) ∆z = lim ∆z→0 ∆x ∆x = lim ∆z→0 1 = 1. (2.6) Agora, façamos ∆z → 0 ao longo de uma reta paralela ao eixo imaginário, ou seja, quando ∆x = 0. Com efeito, f ′(z) = lim ∆z→0 f(z + ∆z)− f(z) ∆z = lim ∆z→0 ( −i∆y i∆y ) = lim ∆z→0 (−1) = −1. (2.7) Como os valores em (2.6) e (2.7) são diferentes, concluímos que o limite em (2.5) não existe. Portanto, f(z) = z̄ não é diferenciável em ponto algum do plano complexo. Por outro lado, é fácil ver que f(z) = z̄ é contínua em C. Este exemplo nos indica que nem toda função complexa contínua é diferenciável. Porém, toda função complexa diferenciável é contínua, conforme verificaremos abaixo. Teorema 2.28. Se f é diferenciável em z0, então f é contínua em z0. Demonstração. Como f é diferenciável em z0, então existe o limite lim z→z0 f(z)− f(z0) z − z0 . O limite lim z→z0 (z−z0) existe e é igual a 0. Por conseguinte, utilizando o Teorema 2.19, obtemos lim z→z0 [f(z)− f(z0)] = lim z→z0 f(z)− f(z0) z − z0 · (z − z0) = lim z→z0 f(z)− f(z0) z − z0 · lim z→z0 (z − z0) = f ′(z0) · 0 = 0. Concluímos, assim, que f é contínua em z0. A seguir, apresentaremos as regras de derivação que são as mesmas do caso de uma função real. Tais regras são facilmente verificadas através do Teorema 2.19. Proposição 2.29. Sejam A ⊂ C aberto, f : A → C e g : A → C funções diferenciáveis em um ponto z0. Então, A derivada complexa 71 (i) cf é diferenciável em z0, para todo c ∈ C, e (cf)′(z0) = cf ′(z0); (ii) f + g é diferenciável em z0 e (f + g)′(z0) = f ′(z0) + g′(z0); (iii) fg é diferenciável em z0 e (fg)′(z0) = f ′(z0)g(z0) + f(z0)g′(z0); (iv) f g é diferenciável em z0, para g(z0) 6= 0, e ( f g )′ (z0) = f ′(z0)g(z0)− f(z0)g′(z0) [g(z0)]2 . Demonstração. Mostremos (iii). Observemos que f(z)g(z)− f(z0)g(z0) = [f(z)− f(z0)] g(z) + [g(z)− g(z0)] f(z0). Por hipótese, g é diferenciável em z0, logo lim z→z0 g(z) = g(z0). Da mesma forma, f é diferenciável em z0, logo lim z→z0 f(z) = f(z0). Assim, lim z→z0 f(z)g(z)− f(z0)g(z0) z − z0 = lim z→z0 [ f(z)− f(z0) z − z0 · g(z) + g(z)− g(z0) z − z0 · f(z) ] = f ′(z0)g(z0) + f(z0)g′(z0). O resultado abaixo, denominado Regra da Cadeia, exibe uma regra de derivação para a função composta de duas funções complexas. Cabe observar que a mesma regra é válida para funções reais. Teorema 2.30 (Regra da Cadeia). Sejam f : A → C e g : B → C funções complexas tais que f(A) ⊂ B. Se f é diferenciável em z0 e g é diferenciável em f(z0), então a função composta g ◦ f é diferenciável em z0 e (g ◦ f)′(z0) = g′ ( f(z0) ) · f ′(z0). (2.8) Demonstração. Consideremos a função H : B → C definida por H(w) =  g(w)− g(w0) w − w0 , se w 6= w0 g′(w0), se w = w0, 72 Funções analíticas em que w0 = f(z0). Como g é diferenciável em w0, temos que lim w→w0 H(w) = lim w→w0 g(w)− g(w0) w − w0 = g′(w0) = H(w0), o que prova queH é contínua em w0. Como f é contínua em z0, pois f é diferenciável em z0, segue que a composição H ◦ f é contínua em z0. Assim, lim z→z0 (H ◦ f)(z) = (H ◦ f)(z0) = H(w0) = g′(w0). E quando w 6= w0, temos, por definição de H, a igualdade g(w)− g(w0) = (w − w0)H(w), que também é válida quando w = w0. Trocando w por f(z) e sendo w0 = f(z0), temos g (f(z))− g (f(z0)) z − z0 = H (f(z)) f(z)− f(z0) z − z0 , para todo z ∈ A, com z 6= z0. Tomando, em ambos os membros da igualdade, o limite quando z → z0, obtemos (g ◦ f)′(z0) = g′ ( f(z0) ) · f ′(z0), o que completa a prova. Exemplo 2.31. A função h(z) = (z2 + 2z − 7i)2 está definida para todo z ∈ C e h é a composta g ◦ f em que f(z) = z2 + 2z − 7i e g(z) = z2. Como f ′(z) = 2z + 2 e g′(z) = 2z, segue pelo Teorema 2.30, que h′(z) = g′ ( f(z) ) · f ′(z) = 2(z2 + 2z − 7i) · (2z + 2). Definição 2.32. Sejam A ⊂ C um aberto e f : A→ C uma função. Dizemos que f é analítica (ou holomorfa) em z0 se f for diferenciável neste ponto e em todo ponto numa vizinhança de z0. Em outras palavras, diz-se que f é analítica (ou holomorfa) em z0 quando existe r > 0 tal que D(z0, r) ⊂ A e f é diferenciável em todo ponto de D(z0, r). A derivada complexa 73 Exemplo 2.33. A função f(z) = |z|2 é diferenciável em z = 0, mas não é diferenciável em qualquer outro ponto do plano complexo. Portanto, pela Definição 2.32, f não é analítica em z = 0, pois não existe uma vizinhança de z = 0 na qual f é diferenciável. Dizemos que uma função f : A → C é analítica quando é analítica em todo domínio A ⊂ C, ou seja, quando A é um aberto e f é diferenciável em todos os pontos desse domínio. Para que uma função f : A → C seja diferenciável em um ponto z0 ∈ A é necessário que haja uma certa relação entre as derivadas parciais das partes real e imaginária de f neste ponto, que é dada pelas chamadas Equações de Cauchy- Riemann. Teorema 2.34. Seja f : A→ C uma função tal que f(x, y) = u(x, y) + i v(x, y) é a sua representação por meio de suas partes real e imaginária. Se f é diferenciável em um ponto z0 = x0 + i y0, então existem as derivadas parciais ∂u ∂x , ∂u ∂y , ∂v ∂x e ∂v ∂y no ponto z0 e estas satisfazem o par de equações ∂u ∂x (z0) = ∂v ∂y (z0) e ∂u ∂y (z0) = −∂v ∂x (z0). (2.9) Além disso, f ′(z0) = ∂u ∂x (z0) + i ∂v ∂x (z0). ou f ′(z0) = ∂v ∂y (z0)− i∂u ∂y (z0). As equações dadas em (2.9) são chamadas Equações de Cauchy-Riemann. Demonstração. Da diferenciabilidade de f em z0 = x0 + i y0, temos que o limite f ′(z0) = lim z→z0 f(z)− f(z0) z − z0 existe. Neste limite não há restrição sobre a maneira como z se aproxima de z0 no plano complexo. Façamos, primeiramente, z tender a z0 por meio da reta vertical 74 Funções analíticas x = x0. Assim, f ′(z0) = lim y→y0 f(x0 + i y)− f(x0 + i y0) i y − i y0 = lim y→y0 u(x0, y) + i v(x0, y)− u(x0, y0)− i v(x0, y0) i(y − y0) = lim y→y0 u(x0, y)− u(x0, y0) i(y − y0) + i lim y→y0 v(x0, y)− v(x0, y0) i(y − y0) = lim y→y0 v(x0, y)− v(x0, y0) y − y0 − i lim y→y0 u(x0, y)− u(x0, y0) y − y0 = ∂v ∂y (z0)− i ∂u ∂y (z0). Façamos, agora, z tender a z0 por meio da reta horizontal y = y0. Logo, f ′(z0) = lim x→x0 f(x+ i y0)− f(x0 + i y0) x− x0 = lim x→x0 u(x, y0) + i v(x, y0)− u(x0, y0)− i v(x0, y0) x− x0 = lim x→x0 u(x, y0)− u(x0, y0) x− x0 + i lim x→x0 v(x, y0)− v(x0, y0) x− x0 = ∂u ∂x (z0) + i ∂v ∂x (z0). Podemos concluir que f ′(z0) = ∂v ∂y (z0)− i ∂u ∂y (z0) e f ′(z0) = ∂u ∂x (z0) + i ∂v ∂x (z0). Comparando as duas expressões de f ′(z0), obtemos o resultado desejado. A derivada complexa 75 Exemplo 2.35. Utilizaremos o Teorema 2.34 para verificar que a função f(z) = |z|2 = √ x2 + y2 = x2 + y2 não é analítica. Com efeito, as partes real e imaginária de f são, respectivamente, u(x, y) = x2 + y2 e v(x, y) = 0. Portanto, ∂u ∂x (x, y) = 2x e ∂v ∂y (x, y) = 0, para qualquer (x, y) 6= (0, 0), o que mostra que tal função não é analítica, pois ∂u ∂x (x, y) 6= ∂v ∂y (x, y) para (x, y) 6= (0, 0). Porém, em z = (x, y) = (0, 0), temos f ′(z) = 0. Exemplo 2.36. A recíproca do Teorema 2.34 é falsa. Consideremos a função f(z) = √ |xy| definida para todo z = (x, y) ∈ C. Observemos que f se anula na origem do plano complexo, u(x, y) = √xy e v(x, y) = 0. As equações de Cauchy- Riemann são satisfeitas no ponto z = 0. Com efeito, como f se anula em ambos os eixos coordenados, temos que ∂u ∂x (0, 0) = ∂u ∂y (0, 0) = ∂v ∂x (0, 0) = ∂v ∂y (0, 0) = 0. Mas f não é diferenciável em z = 0. De fato, quando z tende a zero pelo caminho y = x, temos lim x→0 f(x+ i x)− f(0, 0) x+ i x = lim x→0 |x| x(1 + i) e tal limite não existe. Portanto f ′(0) não existe. Para que as equações de Cauchy-Riemann tornem-se uma condição suficiente para a diferenciabilidade de uma função f em um ponto z, precisamos estabelecer que as derivadas parciais de primeira ordem de u e v sejam contínuas em z. Com esta hipótese adicional, temos o seguinte resultado: Teorema 2.37. Sejam f : A → C, A ⊂ C aberto e f(z) = u(x, y) + i v(x, y) tal que ∂u ∂x , ∂u ∂y , ∂v ∂x e ∂v ∂y existem em A e são contínuas em z0 = (x0, y0) ∈ A. Uma condição necessária e suficiente para que a função f seja diferenciável em z0 é que as equações de Cauchy-Riemann estejam satisfeitas neste ponto. Demonstração. A condição necessária está provada no Teorema 2.34. Vamos mostrar que a condição é suficiente. Por hipótese, as derivadas parciais de u e v 76 Funções analíticas existem em todo ponto de A. Um ponto na vizinhança de z0 pode ser escrito como (x0 + ∆x, y0 + ∆y), com ∆x→ 0 e ∆y → 0 . Assim, ∆u = u(x0 + ∆x, y0 + ∆y)− u(x0, y0) = ∂u ∂x (x0, y0)∆x+ ∂u ∂y (x0, y0)∆y + ε1∆x+ ε2∆y, em que ε1 e ε2 são funções de ∆x e ∆y, respectivamente, e tendem a zero quando ∆x e ∆y tendem a zero. De forma análoga, para ∆v, temos ∆v = v(x0 + ∆x, y0 + ∆y)− v(x0, y0) = ∂v ∂x (x0, y0)∆x+ ∂v ∂y (x0, y0)∆y + ε3∆x+ ε4∆y, em que ε3 e ε4 são funções de ∆x e ∆y, respectivamente, e tendem a zero quando ∆x e ∆y tendem a zero. A variação de f é dada por ∆f = f(z0 + ∆z)− f(z0) = ∆u+ i∆v = ∂u ∂x (x0, y0)∆x+ ∂u ∂y (x0, y0)∆y + ε1∆x+ ε2∆y + i ( ∂v ∂x (x0, y0)∆x+ ∂v ∂y (x0, y0)∆y + ε3∆x+ ε4∆y ) . Como as condições de Cauchy-Riemann estão satisfeitas em (x0, y0), ou seja, ∂u ∂y (x0, y0) = −∂v ∂x (x0, y0) e ∂v ∂y (x0, y0) = ∂u ∂x (x0, y0), então A derivada complexa 77 f(z0 + ∆z)− f(z0) = ∂u ∂x (x0, y0)∆x− ∂v ∂x (x0, y0)∆y + ε1∆x+ ε2∆y+ + i ( ∂v ∂x (x0, y0)∆x+ ∂u ∂x (x0, y0)∆y + ε3∆x+ ε4∆y ) = ∂u ∂x (x0, y0) (∆x+ i∆y) + i ∂v ∂x (x0, y0) (∆x+ i∆y) + + (ε1 + ε3) ∆x+ (ε2 + ε4) ∆y. Dividindo ambos os membros da igualdade por ∆z = ∆x+ i∆y, temos f(z0 + ∆z)− f(z) ∆z = ∂u ∂x (x0, y0) + i ∂v ∂x (x0, y0) + (ε1 + i ε3) ∆x ∆z + (ε2 + i ε4) ∆y ∆z . Agora, basta mostrar que lim ∆z→0 [ (ε1 + i ε3) ∆x ∆z + (ε2 + i ε4) ∆y ∆z ] = 0. Notemos que |∆x| ≤ |∆z| e |∆y| ≤ |∆z|, então ∣∣∣∣∣∆x∆z ∣∣∣∣∣ ≤ 1 e ∣∣∣∣∣∆y∆z ∣∣∣∣∣ ≤ 1. Assim, lim ∆z→0 [ (ε1 + i ε3) ∆x ∆z + (ε2 + i ε4) ∆y ∆z ] = lim ∆z→0 (ε1 + i ε3) ∆x ∆z + (ε2 + i ε4) ∆y ∆z = 0 + 0 = 0, pois ε1, ε2, ε3 e ε4 tendem a zero quando ∆z tende a zero e ∆x ∆z e ∆x ∆z são funções limitadas. Portanto, f ′(z0) = ∂u ∂x (x0, y0) + i ∂v ∂x (x0, y0) existe e o teorema está demonstrado. Exemplo 2.38. A função f(z) = ez está definida para todo z ∈ C. Escrevendo-a em termos de suas partes real e imaginária, temos f(z) = ex+i y = ex cos y + i ex sen y, 78 Funções analíticas sendo u(x, y) = ex cos y e v(x, y) = ex sen y. Afirmamos que f é analítica em C. De fato, ∂u ∂x (x, y) = ex cos y = ∂v ∂y (x, y) ∂v ∂x (x, y) = ex sen y = −∂u ∂y (x, y), ou seja, as equações de Cauchy-Riemann estão satisfeitas e ∂u ∂x , ∂u ∂y , ∂v ∂x e ∂v ∂y são funções contínuas em todo plano complexo. As funções complexas que são analíticas em todos os pontos de C recebem um nome específico. É o que veremos a seguir. Definição 2.39. Uma função f complexa definida em C e analítica em todos os pontos de C é denominada função inteira. Exemplo 2.40. Como vimos acima, a função f(z) = ez é uma função inteira, pois está definida em C e é analítica em todo plano complexo. Além disso, f(z) = ex+i y = ex (cos y + i sen y) e f ′(z) = ∂u ∂x (x, y) + i ∂u ∂y (x, y) = ex cos y + i sen y = ez. No próximo capítulo, estudaremos a integração complexa ao longo de um cami- nho no plano complexo e demonstraremos o teorema central da Análise Complexa: o Teorema de Cauchy. Esse resultado afirma que se f é uma função sob determina- das condições e γ é um caminho fechado, tem-se ∫ γ f(z) dz = 0. Outros teoremas importantes, consequências do Teorema de Cauchy, serão demonstrados, tais como as Fórmulas Integrais de Cauchy. Exercícios propostos 79 2.5 Exercícios propostos 1. Expresse as funções a seguir em termos de suas partes real e imaginária, u e v, respectivamente. (a) f(z) = z2 + 5z − 4; (b) f(z) = zez − zez; (c) f(z) = iz2 − 3z; (d) f(z) = z z + 1 ; (e) f(z) = ez(z − i); (f) f(z) = ez 2+4z; (g) f(z) = |ez|; (h) f(z) = z + z 2 − z − z 2i . 2. Determine o domínio de cada função complexa a seguir. (a) f(z) = 2z2 − 7 ez − 1 ; (b) f(z) = z + 2i z3 + 4z2 + z ; (c) f(z) = sen z z4 + 3z2 − 4 ; (d) f(z) = z |z| − 1 . 3. Mostre que a função f(z) = eiz + e−iz 2 é periódica, com período real 2π. 4. Nas funções dadas a seguir, determine o valor da raiz n-ésima principal no valor especificado para z. (a) z 1 2 e z = −i; (b) z 1 3 e z = −1; (c) z 1 4 e z = −1 + i √ 3; (d) z 1 2 e z = 2 + i. 5. Utilizando a definição de limite de uma função complexa, estabeleça os limites a seguir. 80 Funções analíticas (a) lim z→1+i [(1− i)z + 2i] = 2 + 2i; (b) lim z→−3i (z2 − 5z) = −9 + 15i; (c) lim z→2i (2x+ y2) = 4; (d) lim z→2i (z2 + 3z) = −4 + 6i. 6. Prove que lim z→z0 (az + b) = az0 + b, em que a e b são constantes complexas. 7. Prove que lim z→z0 z = z0. 8. Mostre que lim z→0 ( z z )2 não existe. 9. Calcule o valor dos limites. (a) lim z→i z3 − 27 z − 3 ; (b) lim z→−2i z3 − 81 z + 2i ; (c) lim z→0 √ 1 + z − 1 z ; (d) lim z→1+i z − z z + z ; (e) lim z→πi ez; (f) lim z→0 ez − ez Im(z) ; (g) lim z→z0 (az + b)− (az0 + b) z − z0 ; (h) lim z→3i Im(z2) z + Re(z) . 10. Mostre que as funções abaixo são contínuas nos pontos especificados. (a) f(z) = z3 z3 + 3z2 + z e z0 = i; (b) f(z) = z − 3i z2 + 2z − i e z0 = 1 + i; (c) f(z) =  z3 − 1 z − 1 , |z| 6= 1 3, |z| = 1 e z0 = 1; Exercícios propostos 81 (d) f(z) =  z3 − 1 z2 + z + 1 , |z| 6= 1 −1 + i √ 3 2 , |z| = 1 e z0 = 1 + i √ 3 2 . 11. Use a Definição 2.25 para estabelecer f ′(z) para cada função dada. (a) f(z) = z2 − 5z − 4; (b) f(z) = 9z2 − 3z + 1− 2i; (c) f(z) = z4 − z2; (d) f(z) = 1 2iz . 12. Prove, por indução, que (zn)′ = nzn−1, para todo inteiro n. 13. Demonstre, por meio da definição de derivada, que se f(z) = 1 z , então f ′(z) = − 1 z2 para todo z 6= 0. 14. Utilize as regras de diferenciação para calcular f ′(z) em cada caso. (a) f(z) = 4z3 − 2iz2 + 7z − 4i; (b) f(z) = (z3 − 4iz)4; (c) f(z) = iz2 − 2z 3z + 1− i ; (d) f(z) = 2 + i z2 − 5iz2; (e) f(z) = ez 2−2iz; (f) f(z) = (2z2 − 3i)(z + 2); (g) f(z) = z3eiz; (h) f(z) = z z2 + 3i . 15. [Regra de L’Hospital] Sejam f e g funções diferenciáveis em z0, f(z0) = 0 e g(z0) = 0, com g′(z0) 6= 0. Mostre que lim z→z0 f(z) g(z) = f ′(z0) g′(z0) . 16. Use a Regra de L’Hospital para calcular lim z→2+i z2 − 4z + 5 z3 − z − 10i . 82 Funções analíticas 17. Mostre que a função f(z) = x x2 + y2 − i y x2 + y2 é analítica para todo C−{0}. 18. Mostre que a função f(z) = x x2 + y2 + i y x2 + y2 não é analítica em ponto algum do plano complexo. 19. Verifique, em cada caso, se são satisfeitas as equações de Cauchy-Riemann. Se sim, apresente um domínio apropriado. (a) f(z) = Re(z); (b) f(z) = e−x cos y − ie−x sen y; (c) f(z) = y + ix; (d) f(z) = x− 1 (x− 1)2 + y2 − i y (x− 1)2 + y2 ; (e) f(z) = 3x2 + y + i(y2 − x); (f) f(z) = ey(cosx+ i sen y); (g) f(z) = ez; (h) f(z) = z − 2i z + 2i . 20. Mostre que as funções f(z) = cosh z = ez + e−z 2 e senh z = ez − e−z 2 são inteiras e determine suas derivadas. 21. Mostre que f(z) = z2 = x2 − y2 + 2xyi é uma função inteira em uma região A do plano complexo. 3 Integração complexa Neste capítulo será apresentado um dos mais importantes teoremas da Análise Complexa: o Teorema de Cauchy. Basicamente, ele afirma que se uma função f : A→ C é analítica e γ um caminho em A satisfazendo determinadas condições, então ∫ γ f(z) dz = 0. Estabeleceremos outros resultados importantes que decorrem diretamente do Teorema de Cauchy. Inicialmente, revisaremos os conceitos de integrais reais e integrais de linha no plano e seus métodos de cálculo. Estudaremos integração no plano complexo, integração de funções complexas de uma variável real e integração complexa ao longo de um caminho γ. 3.1 Integrais reais e integrais de linha no plano Nesta seção, iremos revisitar os conceitos de integral definida em intervalos fechados de R e de integral de linha no plano. Para apresentar o conceito de integral definida, consideremos uma função real f definida no intervalo fechado [a, b] e P uma partição deste intervalo, ou seja, P = {x0, x1, x2, . . . xn}, em que a = x0 < x1 < x2 < . . . < xn = b. A partição P considerada divide o intervalo [a, b] em n subintervalos [xi−1, xi], i = 1, 2, . . . , n− 1, n, conforme a Figura 3.1. Denominamos ||P || = max 1≤i≤n ∆xi a norma (ou comprimento) da partição P , em que ∆xi = xi − xi−1, para i ∈ {1, . . . , n}. 83 84 Integração complexa Figura 3.1: Partição de [a, b]. Sendo f uma função definida em [a, b] e P a partição considerada, escolhemos, arbitrariamente, um número ti em [xi−1, xi] e formamos os produtos f(ti)∆xi, i = 1, 2, . . . , n. Somando-os, obtemos a seguinte soma f(t1)∆x1 + f(t2)∆x2 + . . .+ f(tn)∆xn = n∑ i=1 f(ti)∆xi, a qual chamamos de soma de Riemann da função f com relação à partição P . Com essa descrição, definimos a Integral de Riemann (ou integral definida) como segue. Definição 3.1. A integral de Riemann da função f definida em [a, b] é dada por ∫ b a f(x) dx = lim ||P ||→0 n∑ i=1 f(ti)∆xi, (3.1) desde que o limite exista. Se o limite em (3.1) existir, diremos que f é integrável no intervalo [a, b]. Se a função f é integrável em [a, b] e admite uma primitiva F em [a, b], ou seja, F ′ = f neste intervalo, temos que ∫ b a f(x) dx = F (b)− F (a), (3.2) fato este garantido pelo Teorema Fundamental do Cálculo. É possível estender o conceito de integral definida num intervalo fechado em R para as funções reais de duas variáveis f(x, y) sobre um caminho γ no plano cartesiano. Essas integrais são chamadas de integrais de linha no plano. Para definirmos o objeto integral de linha, precisamos, primeiramente, relembrar o conceito de caminho, especificamente no plano. Integrais reais e integrais de linha no plano 85 Em R2, um caminho é uma aplicação γ : I → R2, em que I ⊂ R é um intervalo da forma [a, b], a < b, que associa a cada real t ∈ I um único vetor γ(t) ∈ R2. Lembramos que considerar uma aplicação γ : I → R2 significa exibir duas funções reais x : I → R e y : I → R, coordenadas de γ, tais que γ(t) = (x(t), y(t)). À medida que t percorre o intervalo I, o vetor γ(t) descreve o caminho. A imagem ou trajetória de γ é o conjunto γ(I) = { γ(t) ∈ R2 | t ∈ I } , denominado curva, cuja parametrização é γ(t) = (x(t), y(t)). Por abuso de linguagem, chamaremos a curva γ(I) também de caminho. Exemplo 3.2. É fácil ver que a imagem do caminho γ : [0, 2π]→ R2 definido por γ(t) = (cos t, sen t) é a circunferência de raio unitário. Com efeito, se x(t) = cos t e y(t) = sen t, então x2 + y2 = cos2 t+ sen2 t = 1. Suponhamos que γ : [a, b] → R seja um caminho em R2, cujas coordenadas x = x(t) e y = y(t), a ≤ t ≤ b, são funções reais e contínuas. Denotemos por A e B os pontos inicial e terminal do caminho γ, respectivamente. O ponto A é o vetor( x(a), y(a) ) e o ponto B é o vetor ( x(b), y(b) ) . Assim, (i) se x′ e y′, derivadas das funções x e y, respectivamente, forem contínuas em [a, b] e não nulas em (a, b), diremos que γ é um caminho suave; Figura 3.2: Caminho suave. (ii) se o caminho γ consistir em n caminhos suaves γ1, γ2, γ3, . . . , γn unidos um a um por suas extremidades final e inicial, diremos que γ é um caminho suave por partes; 86 Integração complexa Figura 3.3: Caminho suave por partes. (iii) se um caminho γ não tiver auto-interseções, exceto, nos pontos a e b, diremos que γ é um caminho simples; (iv) se os pontos A e B coincidirem, diremos que γ é um caminho fechado; (v) se os pontos A e B coincidirem e se o caminho não tiver auto-intersecções, diremos que γ é um caminho fechado simples. A Figura 3.4 mostra um exemplo de caminho fechado simples. Figura 3.4: Caminho fechado simples. A Figura 3.5 mostra um exemplo de um caminho fechado que não é simples. O processo para definir integrais de linha é semelhante ao processo para definir a integral de Riemann. Assim, consideremos uma função f de duas variáveis reais tal que seu domínio inclui a imagem de um caminho suave γ, ou seja, f é definida em todos os pontos de γ. Ao dividirmos o intervalo [a, b] ao qual pertence o parâmetro t em n subintervalos [ti−1, ti] de comprimento ∆ti, teremos uma partição P de [a, b] que particionará a curva γ([a, b]) em n sub-arcos de comprimento ∆si. Integrais reais e integrais de linha no plano 87 Figura 3.5: Caminho fechado não simples. Denotemos por ∆xi e ∆yi os comprimentos das projeções de cada sub-arco nos eixos das abscissas e ordenadas, respectivamente. Da mesma forma que na integral de Riemann, a norma da partição P , denotada por ||P ||, é o comprimento do maior subintervalo determinado pela partição P . Sendo f uma função de duas variáveis reais, (x∗i , y∗i ) um ponto em cada sub-arco da curva descrita por γ e ∆si o comprimento do i-ésimo arco, formemos os produtos f(x∗i , y∗i ) ·∆si, i = 1, 2, . . . , n. Somando-os, temos f(x∗1, y∗1) ·∆s1 + f(x∗2, y∗2) ·∆s2 + . . .+ f(x∗n, y∗n) ·∆sn = n∑ i=1 f(x∗i , y∗i ) ·∆si. Com essa descrição, definimos a integral de linha da função f ao longo do caminho γ em relação ao comprimento do arco s por: ∫ γ f(x, y) ds = lim ||P ||→0 n∑ i=1 f(x∗i , y∗i ) ·∆si. (3.3) O termo ds no integrando do primeiro membro é o comprimento do arco e é dado por ds = √ [x′(t)]2 + [y′(t)]2 dt. (3.4) Exemplo 3.3. Calculemos a integral ∫ γ 2xy ds, em que a curva descrita por γ é o quarto de circunferência definida parametricamente por x(t) = 5 cos t e y(t) = 5 sen t 88 Integração complexa para 0 ≤ t ≤ π 4 . Como x′(t) = −5 sen t e y′(t) = 5 cos t, temos ds = √ [x′(t)]2 + [y′(t)]2 dt = √ (−5 sen t)2 + (5 cos t)2 dt = 5 dt. Calculando a integral de linha, obtemos ∫ γ 2xy ds = 2 ∫ π 4 0 (5 cos t · 5 sen t · 5) dt = 250 ∫ π 4 0 (cos t · sen t) dt. Fazendo a substituição u = sen t, temos que du = cos t dt. A mudança de variável requer uma mudança nos limites de integração. Quando t = 0 segue que u = 0 e quando t = π 4 segue que u = √ 2 2 . Assim, ∫ γ 2xy ds = 250 ∫ √ 2 2 0 u du = [ 250 · u 2 2 ]√2 2 0 = 250 2 · (√ 2 2 )2 = 125 2 . O exemplo acima mostrou o método de cálculo quando o caminho γ é definido por um par de equações paramétricas. E quando a curva descrita por γ é o gráfico de uma função explícita y = g(x), a ≤ x ≤ b? Neste caso, podemos usar x como parâmetro. Assim, o diferencial de y é dy = g′(x)dx e o diferencial de comprimento de arco é ds = √ 1 + [g′(x)]2 dx. Portanto, a integral ao longo de um caminho γ dado pelo gráfico de uma função do tipo y = g(x) é definida por ∫ γ f(x, y) ds = ∫ b a f(x, g(x)) √ 1 + [g′(x)]2 dx. Exemplo 3.4. Calculemos a integral ∫ γ (3x2 + 6y2) ds em que γ é o gráfico da função y = 2x+ 1, com −1 ≤ x ≤ 0. Com efeito, Integrais reais e integrais de linha no plano 89 ∫ γ (3x2 + 6y2) ds = ∫ 0 −1 [ 3x2 + 6(2x+ 1)2 ]√ 1 + [(2x+