UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ENGENHARIA DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO FEB/UNESP ALINE GABRIELA FERRARI ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS DE ECOSSISTEMAS CIRCULARES: UM ESTUDO DE CASO NO SETOR DE ALIMENTOS ORGÂNICOS BAURU/SP 2022 ALINE GABRIELA FERRARI ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS DE ECOSSISTEMAS CIRCULARES: UM ESTUDO DE CASO NO SETOR DE ALIMENTOS ORGÂNICOS Texto de dissertação de mestrado apresentado como exigência para obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Campus de Bauru, sob orientação do Prof. Dr. Daniel Jugend e coorientação do Prof. Dr. Fabiano Armellini. BAURU/SP 2022 F375a Ferrari, Aline Gabriela Análise das características de ecossistemas circulares: um estudo de caso no setor de alimentos orgânicos / Aline Gabriela Ferrari. -- Bauru, 2022 157 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Engenharia, Bauru Orientador: Daniel Jugend Coorientador: Fabiano Armellini 1. Ecossistema circular. 2. Economia circular. 3. Alimentos orgânicos. 4. Estudo de caso. I. Título. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Bauru ATA DA DEFESA PÚBLICA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DE ALINE GABRIELA FERRARI, DISCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, DA FACULDADE DE ENGENHARIA - CÂMPUS DE BAURU. Aos 27 dias do mês de maio do ano de 2022, às 15:00 horas, por meio de Videoconferência, realizou- se a defesa de DISSERTAÇÃO DE MESTRADO de ALINE GABRIELA FERRARI, intitulada ECOSSISTEMAS CIRCULARES EM PRODUTOS DE ALIMENTOS ORGÂNICOS: UMA ANÁLISE DAS PRINCIPAIS BARREIRAS E PRÁTICAS DE COLABORAÇÃO A PARTIR DE UM ESTUDO MULTICASOS. A Comissão Examinadora foi constituida pelos seguintes membros: Prof. Dr. DANIEL JUGEND (Orientador(a) - Participação Virtual) do(a) Departamento de Engenharia de Producao / Faculdade de Engenharia de Bauru UNESP, Profª. Drª. MARLY MONTEIRO DE CARVALHO (Participação Virtual) do(a) Departamento de Engenharia de Produção / Escola Politécnica da USP, Prof. Dr. SANDERSON CÉSAR MACÊDO BARBALHO (Participação Virtual) do(a) Departamento de Engenharia de Produção / Universidade de Brasília (UNB). Após a exposição pela mestranda e arguição pelos membros da Comissão Examinadora que participaram do ato, de forma presencial e/ou virtual, a discente recebeu o conceito final ___________________ _ . Nada mais havendo, foi lavrada a presente ata, que após lida e aprovada, foi assinada pelo(a) Presidente(a) da Comissão Examinadora. Prof. Dr. DANIEL JUGEND Faculdade de Engenharia - Câmpus de Bauru - Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, , 14-01, 17033360 http://www.feb.unesp.br/posgrad_prod/index.phpCNPJ: 48.031.918/0030-69. PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DO TÍTULO A COMISSÃO EXAMINADORA PROPÕE A ALTERAÇÃO DO TÍTULO DO TRABALHO DA ALUNA: ALINE GABRIELA FERRARI DE: “ECOSSISTEMAS CIRCULARES EM PRODUTOS DE ALIMENTOS ORGÂNICOS: UMA ANÁLISE DAS PRINCIPAIS BARREIRAS E PRÁTICAS DE COLABORAÇÃO A PARTIR DE UM ESTUDO MULTICASOS” PARA: Bauru, 27 de maio de 2022. Prof. Dr. Daniel Jugend Orientador Faculdade de Engenharia de Bauru – Pós-graduação Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01 17033-360 Bauru - SP tel. (14) 3103-6108 spg@feb.unesp.br www.feb.unesp.br Dedico este trabalho aos meus pais, Roseli e Marcos. AGRADECIMENTOS Concluir este mestrado só foi possível com o apoio, energia e força de diversas pessoas que fizeram parte da minha trajetória, a quem eu agradeço e dedico este trabalho: A Deus, por me guiar e iluminar meu caminho e permitir mais essa conquista. Ao meu orientador, Prof. Dr. Daniel Jugend, que durante a minha graduação aceitou me orientar em um projeto de iniciação científica, o qual me levou a conhecer pessoas e projetos que foram essenciais para que eu chegasse até aqui. Sempre depositou muita confiança em mim, me fazendo acreditar no meu potencial como pesquisadora e me mostrando a beleza da área acadêmica. Agradeço toda a paciência, disponibilidade, apoio, confiança e, principalmente, seus ensinamentos e orientações. Ao Prof. Dr. Fabiano Armellini, por aceitar o convite de ser meu coorientador durante esses dois anos e compartilhar seus conhecimentos e experiências comigo. Aos meus pais, Roseli e Marcos, pelo grande amor, paciência, compreensão e incentivo. Por me mostrarem, desde criança, a importância da dedicação aos estudos e por me proporcionarem todas as oportunidades e privilégios que me permitiram priorizar os estudos durante toda a minha vida. À minha prima, Laís, e seu marido, Reginaldo, por serem um exemplo de resiliência e dedicação na área acadêmica em minha família, e que serviram de grande inspiração para mim. Ao meu irmão, Gabriel, por me motivar a sempre dar o melhor de mim. Também aos meus demais familiares, que sempre estiveram ao meu lado nesta caminhada. Às amizades que construí durante a graduação: Letícia, Vitória, Lara, Estela e Tainá, por sempre me apoiarem e serem minha segunda família na cidade de Bauru, tornando dos últimos anos os melhores da minha vida e me incentivando a acreditar no meu potencial para iniciar a pós- graduação. À minha amiga Letícia, por ser a pessoa que me conhece mais do que qualquer outra pessoa e por trazer calmaria aos momentos difíceis que enfrentei durante essa jornada. A todos os colegas e professores da pós-graduação, pelo compartilhamento de experiências, conhecimentos e vivências, em especial à Marina e Jacqueline, pelo caminho que traçamos juntas. À Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, por todas as oportunidades e aprendizados que me permitiram chegar até aqui. “Tell me, what is it you plan to do with your one wild and precious life?” Mary Oliver “The Summer Day” RESUMO Apesar de a economia circular estar sendo muito investigada nos últimos anos, não apenas no Brasil, mas no mundo, ainda são poucas as pesquisas que têm abordado o tema perante a abordagem dos ecossistemas circulares. Estudos recentes já têm sinalizado a importância em aprofundar as investigações de como a economia circular pode ser impulsionada pelos ecossistemas. Considerando os ecossistemas circulares, o setor de alimentos orgânicos possui relevância uma vez que, além de apresentar demanda crescente em todo o mundo, visa produzir alimentos de uma maneira ambientalmente amigável, preservando a saúde do solo, do meio ambiente e dos consumidores. Visando contribuir com este tema, este trabalho teve como objetivo investigar como os atores presentes em um ecossistema de alimentos orgânicos podem construir e orquestrar ecossistemas circulares. Para isso, foram identificados e analisados em um ecossistema de alimentos orgânicos: (i) os seus atores e o papel de cada um deles; (ii) as principais formas de colaboração; (iii) as formas de governança entre eles; e (iv) as principais barreiras enfrentadas nessas relações. Como método de pesquisa, adotou-se o procedimento qualitativo realizado por meio de um estudo de caso realizado com os seguintes atores que compõem o ecossistema de alimentos orgânicos concentrados, sobretudo, na região de Botucatu, SP: associação, agricultores, empresa produtora de orgânicos, instituto de fomento e clientes. Dentre os principais resultados, observou-se a importância do orquestrador de rede, responsável por difundir informações técnicas e de mercado, além de reunir e coordenar os atores do ecossistema investigado. Notou-se também a convergência de objetivos entre os atores do ecossistema em direção aos princípios da produção orgânica, os quais são alinhados com aqueles propostos pela economia circular. A relação de confiança entre os atores do ecossistema mostrou-se também como elemento facilitador para a colaboração e a troca de recursos tangíveis e intangíveis entre os membros do ecossistema. Palavras-Chave: Ecossistema circular; Práticas de ecossistemas circulares; Alimentos orgânicos; Revisão bibliográfica; Estudo de caso. ABSTRACT Although the circular economy has been intensively studied in recent years, not only in Brazil, but in the world, few studies have addressed this topic in the face of circular ecosystems. Recent studies have highlighted the importance of further research into how the circular economy can be driven by ecosystems. Considering circular ecosystems, the organic food sector is relevant, since besides the growing demand for its products around the world, it aims to produce food in an environmentally friendly way. Preserving, therefore, the health of the soil, the environment, and the consumers. To contribute to the topic, this work aimed to investigate how actors present in an organic food ecosystem can build and orchestrate circular ecosystems. To this end, it was identified and analyzed in an organic food ecosystem: (i) its actors and the role of each them; (ii) the main forms of collaboration; (iii) the forms of governance between them; and finally (iv) the main barriers faced in these relationships. As a research method, it was adopted the qualitative procedure carried out through a case study with the following actors that compose the organic food ecosystem, concentrated mainly in the region of Botucatu, SP: association, producers, organic company, funding institute and customers. Among the main results, it was observed the importance of the orchestrator, which is responsible for disseminating technical and market information, in addition coordinate the actors of the investigated ecosystem. It was also noted the convergence of objectives among ecosystem actors towards the fundamentals of organic production, which are aligned with the principles proposed by the circular economy. The trust relationship between ecosystem actors also proved to be a facilitating element for collaboration and for the exchange of tangible and intangible resources among the ecosystem members. Keywords: Circular ecosystem; Circular ecosystem practices; Organic food; Literature review; Case study. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Estrutura da dissertação ..................................................................................................23 Figura 2: Modelo de EC .................................................................................................................26 Figura 3: Motivadores para a adoção da EC ..................................................................................31 Figura 4: Framework conceitual do ecossistema circular ..............................................................51 Figura 5: Fatores para avaliar a prontidão do ecossistema em direção à EC .................................53 Figura 6: Etapas referentes ao roteiro de pesquisa .........................................................................62 Figura 7: Etapas para análise de dados do estudo de caso .............................................................66 Figura 8: Nós criados para análise de conteúdo no NVivo ............................................................67 Figura 9: Exemplo de visualização das referências codificadas no NVivo ...................................83 Figura 10: Codificação dos nós no Nvivo ......................................................................................86 Figura 11: Fontes internas no software Nvivo ...............................................................................87 Figura 12: Nós comparados por número de itens codificados .......................................................88 Figura 13: Nuvem de palavras mais frequentes .............................................................................89 Figura 14: Fontes em cluster por similaridade de codificação .......................................................90 Figura 15: Nós em cluster de acordo com a similaridade de palavras ...........................................91 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Síntese da estrutura ReSOLVE .....................................................................................28 Quadro 2: Barreiras para a adoção da EC ......................................................................................30 Quadro 3: Critérios para existência de ENs ...................................................................................36 Quadro 4: Atores em um Ecossistema de Negócios ......................................................................37 Quadro 5: Atores de um Ecossistema de Inovação ........................................................................41 Quadro 6: Formas de colaboração em ESCs ..................................................................................45 Quadro 7: Fases para mapeamento de um ESC .............................................................................49 Quadro 8: Resumo dos principais trabalhos em ESC ....................................................................56 Quadro 9: Informações gerais dos entrevistados............................................................................64 Quadro 10: Quadro resumo dos atores do ecossistema ..................................................................81 Quadro 11: Principais citações dos atores ......................................................................................83 Quadro 12: Quadro síntese dos principais resultados ....................................................................98 Quadro 13: Práticas de EC no ESC de orgânicos.........................................................................103 Quadro 14: Características do ESC alinhadas à literatura............................................................106 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABD – Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica BECE - Backcasting and eco-design for the circular economy EC – Economia Circular EI – Ecossistema de Inovação EIP - Parques ecoindustriais EN – Ecossistema de Negócios ESC – Ecossistema Circular IBD – Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural Instituto EDDEC - l’Institut de l'environnement, du développement durable et de l'économie circulaire ISO - Organização Internacional de Normalização MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ONG - Organização não governamental ONU – Organização das Nações Unidas P&D - Pesquisa e desenvolvimento SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SI – Simbiose industrial SPG – Sistema de certificação participativa TI - Tecnologia da informação SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................17 1.1. Contextualização ...............................................................................................................17 1.2. Justificativas .....................................................................................................................20 1.3. Objetivo de Pesquisa .........................................................................................................22 1.4. Problema de Pesquisa .......................................................................................................22 1.5. Estrutura da Dissertação ...................................................................................................22 2. REVISÃO TEÓRICA .......................................................................................................24 2.1. Economia Circular ............................................................................................................24 2.2. Ecossistemas de Negócios ................................................................................................34 2.3. Ecossistemas de Inovação .................................................................................................38 2.4. Ecossistemas Circulares ....................................................................................................42 2.4.1. Formas de governança em ESCs ......................................................................................51 2.4.2. Quadro resumo de ESC ....................................................................................................55 3. MÉTODO DE PESQUISA ...............................................................................................61 3.1. Caracterização da pesquisa ...............................................................................................61 3.2. Condução do estudo de caso .............................................................................................62 3.2.1. Procedimentos de coleta de dados ....................................................................................63 3.2.2. Análise dos dados e codificação com software NVivo ....................................................65 4. RESULTADOS ................................................................................................................69 4.1. Características do ecossistema de orgânicos investigado .................................................69 4.2. Caracterização dos atores e projetos relatados .................................................................70 4.2.1. Ator A - Associação para agricultura biodinâmica ...........................................................70 4.2.2. Ator B – Agricultor produtor de orgânicos do interior de São Paulo ...............................72 4.2.3. Ator C – Agricultor produtor de orgânicos de Minas Gerais ...........................................73 4.2.4. Ator D – Empresa produtora de alimentos orgânicos .......................................................75 4.2.5. Ator E – Instituto de fomento à agricultura biodinâmica .................................................76 4.2.6. Ator F – Cliente I ..............................................................................................................78 4.2.7. Ator G – Cliente II ............................................................................................................79 4.3. Quadro resumo dos atores do ecossistema .......................................................................81 4.4. Análise de conteúdo: resultados obtidos com o NVivo ....................................................83 4.4.1. Quadro resumo das citações dos atores ............................................................................83 4.4.2. Mapa de árvore .................................................................................................................87 4.4.3. Nuvem de palavras ...........................................................................................................88 4.4.4. Análise de cluster ..............................................................................................................90 5. DISCUSSÕES ..................................................................................................................92 6. CONCLUSÕES ..............................................................................................................108 6.1. Principais resultados obtidos ..........................................................................................108 6.2. Implicações teóricas e gerenciais ....................................................................................109 6.3. Limitações da pesquisa e direcionamentos futuros ........................................................111 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................112 APÊNDICE A – Transcrição da entrevista realizada com o Ator A ..........................................124 APÊNDICE B – Transcrição da entrevista realizada com o Ator B ..........................................130 APÊNDICE C – Transcrição da entrevista realizada com o Ator C ..........................................135 APÊNDICE D – Transcrição da entrevista realizada com o Ator D ..........................................142 APÊNDICE E – Transcrição da entrevista realizada com o Ator E ...........................................144 APÊNDICE F – Transcrição da entrevista realizada com o Ator F ...........................................148 APÊNDICE G – Transcrição da entrevista realizada com o Ator G ..........................................152 APÊNDICE H – Questionário elaborado para as entrevistas .....................................................155 17 1. INTRODUÇÃO Dividido em cinco partes, este capítulo introdutório apresenta o contexto em que se baseou este trabalho, iniciando-se pela contextualização. Em seguida, discorre-se sobre as suas justificativas, os objetivos e o problema de pesquisa. Por fim, a última parte expõe o panorama geral da dissertação, com o delineamento dos capítulos que a compõem. 1.1. Contextualização Com o objetivo de aumentar sua responsabilidade e desempenho ambiental e social, cada vez mais as empresas têm buscado incorporar ações e práticas em direção à sustentabilidade ambiental em seus modelos de negócios (LANDRUM, 2018). No entanto, o atual modelo predominante nas indústrias e mercados, denominado linear (extrair-produzir-usar-descartar) tem representado uma “desconexão” entre modelos de negócios sustentáveis e preservação ambiental (KORHONEN et al., 2018), mostrando ter atingido o limite da extração, transformação e descarte sustentado pelo meio ambiente. Como consequências da linearidade, pode-se ressaltar o “desperdício”, o consumo excessivo de recursos não renováveis e impactos ambientais negativos (LIEDER; RASHID, 2016), tais como: aumento da poluição, esgotamento dos recursos naturais, redução da biodiversidade, alterações globais no clima, aumento dos preços das commodities, mudanças climáticas, entre outros impactos ambientais e econômicos, os quais têm tornado este modelo de produção inviável (GONÇALVES; BARROSO, 2019). Neste contexto, a economia circular (EC) tem se apresentado como uma abordagem alternativa à linear, uma vez que, de maneira geral, visa à redução do consumo de matérias-primas e de desperdícios por meio da desaceleração, fechando e estreitando os ciclos (loops) de produtos, componentes, materiais e energia (ZUCCHELLA; PREVITALI, 2019). Influenciada pelas abordagens conceituais do cradle to cradle, ecologia industrial e blue economy (HOFMANN, 2019), a EC tem chamado cada vez mais a atenção de acadêmicos e profissionais de todo o mundo, uma vez que propõe a adoção de um sistema de produção e consumo que foca essencialmente em manter produtos, componentes, materiais e energia em circulação o maior período possível (JABBOUR et al., 2019; SIHVONEN; PARTANEN, 2016). A implementação da EC pode ser analisada a partir de três níveis: micro (produtos, empresas e consumidores), meso (cadeias de suprimentos, parques eco-industriais, ecossistemas) e macro (cidades, países) (GHISELLINI et al., 2016). Recentemente, e no nível meso, os ecossistemas circulares têm sido analisados e propostos como uma maneira para a adoção da EC (PARIDA et al., 2019) sob o ponto de vista sistêmico. Neste contexto, vale ressaltar a ideia inicial 18 da análise de ecossistemas no ambiente gerencial, proposta por Moore (1993), e que comparou as redes de negócios com os ecossistemas biológicos. Este autor definiu o conceito de ecossistemas de negócios como um conjunto de organizações que não são vistas como componentes isolados, mas como um conjunto de atores que “coopetem”, isto é, trabalham de modo cooperativo e competitivo com o objetivo de conjuntamente atenderem e satisfazerem os consumidores, desenvolverem novos produtos e inovarem. Os conceitos de “ecossistemas de negócios” (EN) (LI, 2009; MOORE, 1993; FONTELL; HEIKKILÄ, 2017; ADNER, 2006), e de “ecossistemas de inovação” (EI) (MAZZUCATO; ROBINSON, 2018; BELTAGUI et al., 2020; TORLIG; RESENDE JÚNIOR, 2018; IKENAMI et al., 2016; TEIXEIRA et al., 2016) já têm sido investigados há muitos anos. O EI emergiu como uma abordagem promissora na literatura sobre estratégia, inovação e empreendedorismo, e baseia- se na literatura do EN (DE VASCONCELOS GOMES et al., 2018). Entretanto, enquanto o EN está relacionado principalmente à captura de valor, o EI foca a criação conjunta de valor (DE VASCONCELOS GOMES et al., 2018). Apesar de os conceitos de EN e EI já serem bem estabelecidos, percebe-se que ainda são poucos os estudos que investigam ecossistemas circulares. O conceito de ecossistemas circulares tem chamado a atenção de pesquisas recentes na área de EC (ZUCCHELLA; PREVITALI, 2019; ALHOLA et al., 2019; KONIETZKO et al., 2020b; FONTELL; HEIKKILÄ, 2017), ou seja, o seu conceito ainda é novo e pouco explorado, seja em nível nacional ou, até mesmo, internacionalmente. Além disso, não há uma definição clara quanto ao papel dos seus atores (tais como: empresas, institutos de pesquisa, fornecedores e clientes); formas de governança entre eles; e estímulos e barreiras para a colaboração. Segundo Fontell e Heikkilä (2017), os ecossistemas circulares podem se basear no conceito de EN já definido na literatura, ao mesmo tempo em que aplicam os princípios da EC em sua maneira de operar e fazer negócios. De acordo com o Instituto EDDEC (2018), a EC visa otimizar a utilização dos recursos em todas as fases do ciclo de vida de um bem ou serviço, numa lógica circular, reduzindo a pegada ambiental e contribuindo para o bem-estar das pessoas e comunidades que fazem parte desses ecossistemas, por meio de dois mecanismos principais: • Repensar métodos de produção-consumo para consumir menos recursos e proteger os ecossistemas que os geram; • Otimizar o uso dos recursos que já circulam em nossas sociedades. Nesta linha, pode-se definir ecossistema circular (ESC) como um conjunto de atores autônomos, mas interdependentes, que colaboram e formam parcerias com o objetivo de criar um ambiente propício à transformação, permitindo que cadeias de valor inteiras (uma região, cidade ou zona operacional específica) criem modelos de negócios circulares e entreguem uma proposta de valor circular ao cliente (LACY et al., 2020; HOFMANN et al., 2021). Diante deste debate contemporâneo sobre ESCs e EC, esta pesquisa visa investigar 19 características de ESCs presentes em um ecossistema de alimentos orgânicos. O modelo de produção de alimentos orgânicos tem sido considerado como alternativa para o alcance da produção limpa, uma vez que possui potencial para contribuir com a redução do impacto ambiental e substituir o modelo tradicional de produção agrícola (CASEMIRO; TREVIZAN, 2009), o qual pode gerar desequilíbrios ambientais devido ao uso excessivo de insumos químicos tóxicos que resultam em problemas ambientais, tais como: erosão, desmatamento, poluição da água e do solo e perda de biodiversidade (DA SILVA; DA SILVA, 2016). Neste sentido, o setor orgânico busca não apenas produzir alimentos saudáveis, seguros e acessíveis para uma demanda crescente de pessoas, mas também minimizar perdas e desperdícios de alimentos, garantindo distribuição justa do valor mínimo produzido entre os atores, utilizando energias renováveis e nutrientes reciclados de maneira eficiente (ZANOLI et al., 2019). Ao mesmo tempo em que a Ellen MacArthur Foundation (2017) identificou o setor de alimentos no Brasil como um dos mais sensíveis à adoção da EC, percebe-se um alinhamento entre o modelo de produção de alimentos orgânicos com os princípios desta abordagem, uma vez que o modelo orgânico visa produzir alimentos de uma maneira ambientalmente amigável, preservando a saúde do solo, do meio ambiente e de seus consumidores (SEUFERT et al., 2012; KISS et al., 2019). Além disso, o modelo de produção de alimentos orgânicos objetiva também adaptar-se naturalmente à terra, preservar os recursos naturais dos ecossistemas ao mesmo tempo em que evita a utilização de fontes não renováveis de matéria-prima e energia. Neste contexto, vale o destaque que alimentos orgânicos se referem a itens produzidos sem o uso de pesticidas e fertilizantes sintéticos e de recursos da bioengenharia (CASEMIRO; TREVIZAN, 2009; MOLINILLO et al., 2020). Além da demanda crescente por alimentos de qualidade, saudáveis e ambientalmente conscientes (ESGUÍCERO et al., 2019), destaca-se o desafio enfrentado pela produção agrícola global de alimentos, dado o aumento estimado da população de 9,7 bilhões até 2050 (ONU, 2019), pressionando a agricultura global devido à diminuição da terra arável, urbanização crescente e condições climáticas extremas provocadas pelo aquecimento global. Assim, os produtores também têm sido pressionados a aumentar o rendimento das culturas usando práticas agrícolas ambientalmente amigáveis (FOGARASSY et al., 2020), dentre as quais se destaca a orgânica. Por fim, ressalta-se que o interesse por alimentos saudáveis e sem contaminantes tem impulsionado o crescimento do consumo de produtos orgânicos no Brasil e no mundo. Em menos de uma década, triplicou o número de produtores orgânicos registrados no país. Segundo levantamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA, 2019b), esse consumo chegou a mais de 22 mil unidades de produção regularizadas, uma variação de mais de 300% neste período. O Brasil também é apontado como líder do mercado de orgânicos da América Latina, e a escolha dos brasileiros pelos orgânicos é justificada principalmente pela questão da 20 melhoria na saúde da população do país (MAPA, 2019a). Tendo em vista esses argumentos, entende-se que a indústria de alimentos orgânicos, especialmente no Brasil, possa ser um dos setores cujas características mais se aproximem dos princípios que sustentam o conceito dos ecossistemas circulares, o que motivou a escolha deste setor para o estudo exploratório conduzido nesta pesquisa. 1.2. Justificativas O Brasil tem se mostrado um cenário atraente para explorar as oportunidades da EC considerando o setor alimentício, uma vez que conta com características únicas de biodiversidade, mercadológicas e sociais, como por exemplo: plataformas colaborativas, avanços tecnológicos e a aceitação de modelos de negócios alternativos, além de apresentar um capital natural e biodiversidade incomparáveis (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017). Isso pode ser explicado pela enorme extensão do território brasileiro, com uma grande variedade de climas, que favorece a plantação de todos os tipos de culturas; além da grande disponibilidade de recursos naturais (tais como: minérios, recursos vegetais e hídricos), não só em quantidade como também em variedade. O objeto de estudo desta pesquisa são atores de um ecossistema do setor de alimentos orgânicos. O modelo de produção orgânica surgiu como uma proposta ao tradicional modelo de agricultura predominante no século XX, cujo objetivo era a produção em larga escala de um único tipo de cultura (SAWYER et al., 2008), o que acarretava uma série de impactos ao solo e ao ecossistema ambiental. Em contrapartida, a produção orgânica busca a qualidade e a saúde do solo, da população e dos ecossistemas ambientais, utilizando controle biológico e evitando o uso de agrotóxicos, fertilizantes, pesticidas de síntese química, hormônios de crescimento e antibióticos (IFOAM, 2011). A demanda por alimentos orgânicos aumentou substancialmente nas duas últimas décadas, o que ocorreu, principalmente, devido às preocupações dos consumidores sobre questões relativas à saúde e ao meio ambiente (OROIAN et al., 2017), evidenciando uma evolução no comportamento do consumidor na busca por alimentos saudáveis. Indivíduos que acreditam que seu comportamento ecologicamente correto impactará positivamente o meio ambiente têm uma atitude mais favorável em relação aos produtos orgânicos (LAVURI et al., 2022). Até mesmo os supermercados convencionais ao redor do mundo passaram a ofertar esses alimentos de forma progressiva, incorporando tais produtos ao mercado tradicional de alimentos (PAUL; RANA, 2012). Este trabalho visa, portanto, investigar características de um ecossistema circular no setor de alimentos orgânicos. Neste sentido, a indústria de alimentos orgânicos tem gerado atenção 21 crescente, pois pesquisas recentes (MARTINS et al., 2019; CANDIOTTO, 2018; FEIL et al., 2020; GONÇALVES et al., 2019) têm indicado uma demanda crescente por alimentos orgânicos, não só no Brasil, mas no mundo, com uma taxa de crescimento anual muito superior ao mercado de alimentos convencionais. Os motivos que têm levado muitos consumidores a optarem pelos alimentos orgânicos estão relacionados à qualidade, sabor, segurança alimentar, estilo de vida saudável, preocupações com o meio ambiente e o bem-estar dos animais (MARTINS et al., 2019). Conforme observado por Gonçalves et al. (2019), muitos desses consumidores acreditam que estes alimentos sejam mais seguros e mais nutritivos, devido à ausência de substâncias nocivas, especialmente agrotóxicos. Além disso, a transição da economia linear para a EC implica em mudanças significativas na empresa individual, em seus modelos de negócios e de seus parceiros ecossistêmicos (PARIDA et al., 2019). De acordo com Moggi e Dameri (2021), essa transição não significa apenas ajustes que visam reduzir os impactos negativos da economia linear, mas sim uma mudança sistêmica que constrói resiliência de longo prazo, gera oportunidades comerciais e econômicas e fornece benefícios ambientais e sociais. Por isso, faz-se relevante considerar e aprofundar a compreensão do ecossistema, examinando o ambiente externo para tecnologias emergentes, regulamentos e políticas governamentais. Isso garante que as empresas obtenham um entendimento mais profundo de seus próprios modelos de negócios e do escopo necessário para a transformação do ecossistema em direção ao modelo de negócios circular (PARIDA et al., 2019). Esse trabalho mostra-se importante ao explorar, em um ecossistema do setor de alimentos orgânicos, como ocorre a coordenação entre as partes interessadas; quais são os motivos que as levam a interagir e a originar os ESCs; como esses sistemas são orquestrados e evoluem; e quem são os atores e orquestradores destes ecossistemas. O ecossistema escolhido para o estudo de caso deste trabalho fica localizado na região de Botucatu, no interior do estado de São Paulo. De acordo com o professor Adilson Dias Paschoal, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), esta região é destaque no movimento de produção orgânica do Brasil, pois é onde encontra-se a Estância Demétria, a mais antiga instituição de agricultura não convencional implantada no Brasil (MARZOCHI, 2020). A atividade de certificação orgânica e biodinâmica do Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural (IBD), localizado na Demétria, foi iniciada em 1991. Hoje, a instituição é a maior certificadora da América Latina de produtos orgânicos e a única brasileira com aceitação em todo planeta, incluindo mercados considerados exigentes como o bloco europeu e os Estados Unidos (MARZOCHI, 2020). A instituição é formada pela Associação de Certificação Instituto Biodinâmico (IBD Certificações), e a Associação Brasileira de 22 Agricultura Biodinâmica (ABD), as quais realizam pesquisas, cursos e assessoria técnica a agricultores, principalmente da agricultura familiar. 1.3. Objetivo de Pesquisa Esta pesquisa visa investigar como os atores presentes em um ecossistema de alimentos orgânicos têm atuado conjuntamente em um ESC. Entende-se que este objetivo geral pode ser desdobrado nos seguintes objetivos específicos: • Identificar e analisar quem são os atores presentes e o papel de cada um deles nesse ecossistema de alimentos orgânicos (por exemplo: produtores de alimentos orgânicos, universidades, órgãos governamentais, institutos de fomento, clientes, fornecedores, comunidade, dentre outros). • Identificar e analisar quais são as principais formas de colaboração entre estes atores. • Identificar e analisar as formas de governança entre esses atores (como organizam as suas interações sociais e econômicas e que são relacionadas à EC). • Identificar e analisar os principais estímulos e barreiras enfrentadas por estes atores para colaborarem em um ESC. 1.4. Problema de Pesquisa Considerando as particularidades da indústria de alimentos orgânicos, a presente proposta de pesquisa parte da seguinte questão de pesquisa: “Em que medida as características e formas de colaboração já presentes em um ecossistema de alimentos orgânicos se aproxima do conceito de ecossistemas circulares?”. O capítulo de Método de Pesquisa irá detalhar como serão atendidos esses objetivos e respondida essa questão de pesquisa. 1.5. Estrutura da Dissertação Esse texto de dissertação foi dividido em seis capítulos. Após esta introdução, o presente trabalho está estruturado da seguinte maneira: revisão teórica, método de pesquisa, resultados, discussões e conclusões. A Figura 1 ilustra a estrutura da dissertação, apresentando a sequência das seções e os tópicos tratados em cada uma delas. 23 Figura 1: Estrutura da dissertação Fonte: Elaborada pela autora O capítulo 2 apresenta a revisão de literatura pertinente aos temas a serem abordados, explorando os principais conceitos referentes à economia circular, ecossistemas de negócios, ecossistemas de inovação e, por fim, ecossistemas circulares, realizando uma breve caracterização e comparação das comunalidades e diferenças entre estes ecossistemas. No capítulo 3, são explicados os procedimentos metodológicos desta pesquisa e como foram realizados o planejamento e a condução do estudo de caso para cumprir com o objetivo proposto. Em seguida, o capítulo 4 é destinado à apresentação dos resultados obtidos no estudo de caso com o auxílio de um software de análise qualitativa. O capítulo 5 corresponde à discussão, promovendo a comparação entre os resultados empíricos e teóricos. Finalmente, no capítulo 6, encerra-se o presente trabalho apresentando as conclusões finais, com suas implicações teóricas e práticas, as limitações de pesquisa deste estudo, além de propostas para direcionamentos futuros. 1. Introdução •Contextualização •Justificativas •Objetivo de Pesquisa •Problema de Pesquisa •Estrutura da Dissertação 2. Revisão Teórica •Economia Circular •Ecossistemas de Negócios •Ecossistemas de Inovação •Ecossistemas Circulares 3. Método de Pesquisa •Caracterização da pesquisa •Condução do estudo de caso 4. Resultados •Características do ecossistema de orgânicos investigado •Caracterização dos atores e projetos relatados •Quadro resumo dos atores do ecossistema •Análise de conteúdo: resultados obtidos com o NVivo 5. Discussões •Análise comparativa com a literatura •Análise dos resultados empíricos 6. Conclusões •Principais resultados obtidos •Implicações teóricas e gerenciais •Limitações da pesquisa e direcionamentos futuros 24 2. REVISÃO TEÓRICA Este capítulo inicia-se com uma breve revisão da bibliografia sobre EC; em seguida, sobre Ecossistemas de Negócios, Ecossistemas de Inovação e Ecossistemas Circulares. 2.1. Economia Circular A crescente busca pelas empresas em incorporar ações e práticas sustentáveis em seus modelos de negócios tem chamado a atenção sobre o conceito de EC, um novo modelo econômico que visa dissociar o crescimento econômico do esgotamento dos recursos naturais e os impactos no meio ambiente (INSTITUTO EDDEC, 2018). Kirchherr et al. (2017) definem a EC como um sistema econômico que substitui o conceito de “fim de vida” por reduzir, reutilizar alternativamente, reciclar e recuperar materiais nos processos de produção/distribuição e consumo. Atua nos níveis micro (produtos, empresas, consumidores), meso (parques eco-industriais) e macro (cidades, regiões e nações). Seu principal objetivo é a prosperidade econômica, seguida pela qualidade ambiental; e seu impacto na equidade social e nas gerações futuras é pouco mencionado. Tanto a EC quanto o desenvolvimento sustentável propõem internalizar o custo dos danos ambientais nas atividades produtivas. Desenvolvimento sustentável é um objetivo da sociedade definido a nível macro e inclui noções de sustentabilidade ecológica, econômica e social (BARTELMUS, 2013). O conceito de EC se origina na incapacidade de modelos lineares de produção para conciliar níveis atuais de produção e consumo com a disponibilidade limitada de recursos naturais (BRADLEY et al., 2018). A EC visa promover novos relacionamentos entre empresas, que se tornam consumidoras e fornecedoras de materiais, que são reincorporados em seus ciclos de produção (VAN BUREN et al., 2016), se baseando no princípio de “fechamento do ciclo de vida” (closing the loop) dos produtos, permitindo a redução no consumo de matérias-primas, energia, água e geração de resíduos, diferentemente do modelo linear de produção, no qual a matéria prima é operada de forma a “extrair, transformar e descartar”. Para Den Hollander (2017), a EC visa eliminar o conceito de resíduos, porque produtos e materiais, em princípio, podem ser reutilizados indefinidamente. Nos últimos anos, a EC tem recebido grande atenção nacional e internacional em pesquisas das áreas de sustentabilidade, inovação e desenvolvimento de novos produtos, uma vez que tem como proposta central a redução e a recirculação de recursos materiais, desde a etapa do planejamento de novos produtos (SINGH; ORDOÑEZ, 2016; PRIETO-SANDOVAL et al., 2018). A EC pode ser definida como um modelo de negócios destinado ao uso eficiente de recursos materiais por meio da minimização de resíduos, retenção de valor em longo prazo, redução de 25 recursos primários e fechamento do ciclo de produtos, componentes e matérias-primas dentro dos limites de proteção ambiental e benefícios socioeconômicos (MORSELETTO, 2020). De acordo com a Ellen MacArthur Foundation (2015), a EC pode ser vista como ciclo de desenvolvimento positivo contínuo que visa preservar e aprimorar o capital natural, otimizar a produção de recursos e minimizar os riscos do sistema, gerenciando estoques finitos e fluxos renováveis; visa também transformar resíduos em recursos e realizar uma conexão entre as atividades de produção e consumo (WITJES; LOZANO, 2016). Além disso, a EC normalmente avalia os seguintes elementos: desmaterialização, conservação do capital natural, manutenção, remanufatura, redistribuição, reciclagem, compartilhamento, reuso, externalidades positivas e negativas (BARDERI, 2017). Deste modo, o conceito de EC surge com a proposta de afastar-se das práticas lineares, buscando estimular as organizações a operarem de maneira similar ao ciclo biológico da natureza, prezando por utilizar ao máximo os produtos e materiais, ao mesmo tempo em que promove a eficiência econômica e energética (BRAUNGART; MCDONOUGH, 2009). Este objetivo faz parte de uma transição para um ciclo econômico restaurador e regenerativo, o qual reconhece e possibilita a agregação de valor e evita o uso desnecessário de recursos (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015), garantindo assim a dissociação entre desenvolvimento econômico e consumo de recursos finitos, e eliminando-se as externalidades negativas da economia (ALHOLA et al., 2019). A EC visa o consumo de bens e serviços sem depender da extração de recursos virgens e, assim, garantir loops fechados que, além disso, impedirão o eventual descarte de bens consumidos em aterros sanitários (SAUVÉ et al., 2016). A EC propõe um sistema em que a reutilização e a reciclagem fornecem substitutos para o uso de matérias-primas virgens, o que melhora a capacidade de que as gerações futuras possuam os recursos necessários para atender às suas necessidades, e torna a sustentabilidade mais provável (SAUVÉ et al., 2016). O modelo da EC incorpora várias estratégias e ferramentas que são baseadas, entre outras coisas, em três princípios de mitigação de impacto ambiental: redução da fonte, reutilização e reciclagem. De acordo com o diagrama de EC proposto pelo Instituto EDDEC (2018) e apresentado na Figura 2, essas estratégias e ferramentas devem ser integradas em todas as etapas do processo produtivo, desde os processos de extração, fabricação, distribuição ou consumo. As estratégias visam reduzir a quantidade de recursos virgens consumidos, intensificar o uso dos produtos e prolongar a vida útil dos mesmos. Antes da disposição final dos resíduos, estes são reciclados ou reutilizados, retornando para o planeta, para a indústria ou para os consumidores em forma de recursos para novos produtos ou reutilizados para o mesmo fim (SAUVÉ et al., 2016). 26 Figura 2: Modelo de EC Fonte: Adaptada de Instituto EDDEC (2018) Enquanto a economia linear é caracterizada pelos objetivos, sobretudo, econômicos, desconsiderando temas ecológicos e sociais e com pouca dependência de intervenções de políticas públicas relacionadas, a EC parte do princípio de que o planeta possui recursos finitos e leva em consideração o impacto do consumo de recursos e desperdícios no meio ambiente, visando cumprir objetivos de circuitos fechados alternativos, nos quais os recursos estão em movimentos circulares dentro de um sistema de produção e consumo (SAUVÉ et al., 2016). O modelo da EC se assemelha aos processos que ocorrem em ambientes naturais, no qual pouco recurso é desperdiçado e a maioria é recuperada por outra espécie (SAUVÉ et al., 2016). Nestes ambientes, a competição e a cooperação entre as espécies mantêm os ecossistemas naturais eficientes, flexíveis e adaptáveis. A aplicação dessa metáfora aos sistemas econômicos ajuda a garantir uma concorrência saudável e a máxima eficiência no uso dos recursos disponíveis (GENG; DOBERSTEIN, 2008). De acordo com a Ellen MacArthur Foundation (2015), as aplicações práticas de EC em processos industriais ganharam impulso no final da década de 1970 como resultado dos esforços de acadêmicos, líderes de pensamento e empresas, e seu conceito foi refinado e desenvolvido pelas seguintes escolas de pensamento: • Design Regenerativo: Surgiu na década de 1970, quando John T. Lyle começou a desenvolver ideias de design regenerativo para todos os sistemas; • Economia de Performance: Walter Stahel esboçou, em 1976, a visão de uma economia em ciclos (ou EC) e seu impacto na criação de empregos, redução de recursos, competitividade econômica e prevenção de desperdícios. Objetiva a extensão da vida do produto, 27 recondicionamento, prevenção de desperdício e a ideia da venda de serviços ao invés de produtos. Stahel argumenta que a EC deveria ser considerada um framework, pois se baseia em várias abordagens que gravitam em torno de um conjunto de princípios básicos; • Cradle to Cradle (do berço ao berço): Desenvolvida por Michael Braungart e William McDonough, esta filosofia foca no design para a efetividade em termos de produtos com impacto positivo e aborda não apenas os materiais, mas também as entradas de energia e água e baseia-se em três princípios-chave: eliminar o conceito de resíduos; maximizar o uso de energias renováveis; e gerenciar o uso da água para promover ecossistemas saudáveis e respeitar os impactos locais. Além disso, guia os stakeholders em busca da responsabilidade social; • Ecologia Industrial: É o estudo dos fluxos de materiais e energia por meio dos sistemas industriais, e se concentra no bem-estar social. Roland Clift criou o termo com foco nas conexões entre os operadores dentro do “ecossistema industrial”, visando à criação de processos de ciclo fechado nos quais os resíduos servem como entrada. A ecologia industrial adota um ponto de vista sistêmico, projetando processos de produção de acordo com as restrições ecológicas locais; • Biomimética: Difundida principalmente por Janine Benuys, esta abordagem estuda as práticas da natureza para solucionar problemas humanos, e se baseia em três princípios fundamentais: o Natureza como modelo: estudar modelos da natureza e simular essas formas, processos, sistemas e estratégias para solucionar os problemas humanos; o Natureza como medida: usar um padrão ecológico para julgar a sustentabilidade das nossas inovações; o Natureza como mentora: ver e valorar a natureza não com base no que o ser humano pode extrair do mundo natural, mas sim o que se pode aprender com ele. • Blue Economy: criada por Gunter Pauli, esta abordagem objetiva utilizar os recursos disponíveis em sistemas em cascateamento de forma que os resíduos de um produto se tornam insumos para um novo fluxo. A mudança para os modelos da EC tende a ser moldada também por decisões de gerenciamento de operações, já que o gerenciamento de ciclos reversos, processos em cascata, reutilização e remanufatura exigem mudanças sistêmicas em uma ampla gama de áreas, do desenvolvimento de produtos ao gerenciamento da cadeia de suprimentos e produção (BATISTA et al., 2018). A ênfase dos sistemas é importante na EC, pois pode criar oportunidades de negócios e econômicas que agregam valor, ao mesmo tempo em que geram benefícios ambientais e sociais. A EC não reduz apenas o dano sistêmico produzido por uma economia linear, mas cria um ciclo de desenvolvimento positivo e reforçador (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015). 28 O modelo da EC enfatiza a colaboração em toda a cadeia de valor, tendo potencial para compartilhar valor mais igualmente e aumentar a transparência em todo o ciclo de vida do produto; para isso, baseia-se em três princípios (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017): • Preservar e aprimorar o capital natural controlando estoques finitos e equilibrando os fluxos de recursos renováveis; • Otimizar o rendimento de recursos fazendo circular produtos, componentes e materiais no mais alto nível de utilidade; • Estimular a efetividade do sistema revelando e excluindo as externalidades negativas desde o princípio. Estes três princípios da EC podem se traduzir em seis ações de negócios: regenerar, compartilhar, otimizar, ciclar (fazer um loop), virtualizar e trocar - juntos, a estrutura ReSOLVE (Regenerate, Share, Optimise, Loop, Virtualise, and Exchange), uma estrutura proposta pela Ellen MacArthur Foundation (2015) e utilizada para auxiliar as organizações na implementação de produtos e processos circulares. Cada uma das seis ações descritas no Quadro 1 a seguir representa uma oportunidade de negócio de EC que reforça e acelera o desempenho das demais ações, e que pode ter como resultado um forte impacto em diferentes setores econômicos (MENDOZA et al., 2017). Quadro 1: Síntese da estrutura ReSOLVE Ação Descrição Exemplos REGENERATE Regenerar Busca fontes renováveis e biodegradáveis, para que os nutrientes biológicos de materiais usados e residuais possam ser integrados nos sistemas de produção ou devolvidos à biosfera. • Utilizar fontes de energia renováveis; • Recuperar, reter e restaurar a saúde dos ecossistemas. SHARE Compartilhar Envolve duas estratégias: a primeira delas é o design para a durabilidade (com base em serviços de manutenção e atualização, por exemplo); a segunda é considerar o produto como serviço, o que permite aos consumidores utilizar produtos ou serviços sem comprar a propriedade deles. • Compartilhar ativos (automóveis e eletrodomésticos, por exemplo); • Reutilizar produtos usados; • Prolongar a vida dos produtos por meio de manutenções e atualizações. OPTIMISE Otimizar Busca a eficiência energética, a redução de desperdício na cadeia de suprimentos e o uso de tecnologias digitais para monitorar e gerenciar em tempo real o fluxo de • Aumentar o desempenho e eficiência dos produtos; • Remover resíduos na produção e na cadeia de 29 materiais para promover o uso eficiente dos recursos naturais e evitar a geração de resíduos. suprimentos. LOOP Ciclar Visa reintroduzir produtos, subprodutos e resíduos pós-consumo aos sistemas de produção como insumos por meio de atividades de reparo, reutilização, reforma, remanufatura e reciclagem, de forma que o valor dos materiais e da energia continue circulando nas cadeias de abastecimento. • Remanufaturar produtos e componentes; • Reciclar materiais; • Usar digestão anaeróbia e extrair substâncias bioquímicas dos resíduos orgânicos. VIRTUALISE Virtualizar Visa desmaterializar os produtos e oferecer virtualmente como serviços, de forma a entregar valor sem a necessidade de materializar o ativo físico. • Desmaterializar diretamente (livros, músicas) e indiretamente (compras online) EXCHANGE Trocar Objetiva criar tecnologias disruptivas para substituir tecnologias antigas e materiais não renováveis. • Substituir materiais não renováveis por outros mais avançados; • Aplicar novas tecnologias, como impressão 3D; • Optar por novos produtos e serviços, como transportes multimodais. Fonte: Adaptado de Ellen MacArthur Foundation (2015) De maneiras diferentes, todas essas ações propostas pela Ellen MacArthur Foundation (2015) tendem a aumentar a utilização de ativos físicos, prolongar a vida útil e utilizar fontes renováveis para substituir os recursos finitos. Cada ação reforça o desempenho das demais, criando um forte efeito de composição. A estrutura ReSOLVE possui potencial também para oferecer às empresas um método para gerar estratégias circulares e iniciativas de crescimento (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015). Entretanto, embora a estrutura ReSOLVE facilite a geração de ideias em um nível conceitual, ainda falta orientação sobre a implementação destas ideias na prática. Neste sentido, Mendoza et al. (2017), propuseram a estrutura BECE (backcasting e eco-design para a EC), a qual visa garantir que as empresas consigam implementar os requisitos da EC mais facilmente. A estrutura BECE visa capacitar as organizações a lidar com a EC de forma holística, incorporando o conceito na tomada de decisões corporativas e reunindo o pensamento operacional e de sistemas, aumentando assim a probabilidade de que a implementação seja bem-sucedida. Além disso, a 30 estrutura BECE visa garantir que as soluções identificadas sejam sustentáveis ao longo dos ciclos de vida dos produtos e cadeias de suprimentos. Ao combinar backcasting e eco-design, a estrutura preenche a lacuna entre os níveis estratégico e operacional, fornecendo ferramentas para traduzir uma visão estratégica de EC em ações específicas e implementáveis, o que pode ajudar as empresas a entender a importância da EC e estarem comprometidas com sua adoção (MENDOZA et al., 2017). Sauvé et al. (2016) observam que muitas empresas normalmente enfrentam uma série de desafios e barreiras para a adoção da EC, e necessitam de especialistas de diversas disciplinas para resolvê-los. Essa dificuldade se dá porque a adoção da EC requer mudanças nos processos de produção e desenvolvimento de novos produtos, comportamento do consumidor, políticas governamentais e práticas de negócios (RITZÉN; SANDSTROM, 2017; VAN BUREN et al., 2016), e os desafios para a adoção da EC variam do nível social ao organizacional (KORHONEN et al., 2018). Nesse sentido, Ritzén e Sandstrom (2017) estabelecem cinco barreiras para a adoção da EC, de acordo com o Quadro 2. Quadro 2: Barreiras para a adoção da EC Barreira Descrição Financeira Dificuldade em medir os benefícios financeiros e a lucratividade potencial derivada da adoção da EC devido ao baixo preço de muitos materiais virgens, o que impede que os produtos da EC superem seus equivalentes lineares. Estrutural Dificuldades de comunicação entre departamentos e em toda a cadeia de abastecimento, bem como falta de clareza quanto às responsabilidades dos diferentes departamentos. Operacional Falta de capacidade operacional e infraestrutura para adotar a EC. Existem gargalos operacionais para a adoção da EC, como dificuldades na atualização de equipamentos e instalações de logística e manufatura. Atitudinal Algumas pessoas têm uma compreensão superficial da EC e não percebem a sua importância, porque tendem a evitar mudanças (aversão ao risco). Tecnológica Dificuldade em integrar a EC no design do produto e nos processos de produção, além da falta de acesso à tecnologias apropriadas, como por exemplo para rastrear resíduos e emissões dos produtos. Fonte: Adaptado de Ritzén e Sandstrom (2017) Com o objetivo de fechar os loops, a EC visa fornecer incentivos econômicos para garantir que os produtos pós-consumo sejam reintegrados à montante no processo de fabricação. Neste 31 sentido, um dos obstáculos que a EC enfrenta é que fabricar um bem duradouro é mais caro do que uma versão rápida e descartável equivalente (SAUVÉ et al., 2016). De acordo com Stegmann et al. (2020), ainda existe pouco foco no fim da vida útil de produtos de base biológica, ou seja, no design circular de produtos, reciclagem e cascata. Para estes autores, os principais desafios para a implementação de estratégias circulares são políticas regulamentais, custos e o pequeno tamanho atual dos mercados de base biológica. Para Jabbour et al. (2020), as barreiras para a EC estão relacionadas, principalmente, à falta de pessoas qualificadas, processos administrativos, regulamentos, soluções e capacidades técnicas e falta de recursos financeiros. Além disso, Jabbour et al. (2020) mostram que as ações do governo têm um papel importante no enquadramento de políticas institucionais para a adoção da EC, e que os governos já reconhecem a importância de implementar a EC mediante estruturas institucionais que regulam riscos ambientais e promovem a adoção de tecnologias ambientais. Nesse sentido, as leis e regulamentações motivaram as empresas a adotarem a EC. De Jesus e Mendonça (2018) estabelecem quatro grupos de motivadores para a adoção da EC, enquanto para a Ellen MacArthur Foundation (2014), os motivadores se enquadram em três grupos, que são detalhados na Figura 3: Figura 3: Motivadores para a adoção da EC Fonte: Elaborada pela autora com base em De Jesus e Mendonça (2018); Ellen MacArthur Foundation (2014) De acordo com a Figura 3, um dos motivadores são as preferências do consumidor, os quais podem demandar o acesso a serviços ao contrário da posse dos produtos (como plataformas para locação de roupas, ferramentas, artigos esportivos, transporte, etc); além de avanços tecnológicos Jesus e Mendonça (2018) Econômico, financeiro e de mercado Organizações institucionais e regulatórias Grupos sociais e culturais Organizações técnicas Ellen MacArthur Foundation (2014) Preferências do consumidor Avanços tecnológicos Regulamentos governamentais 32 e regulamentos governamentais que estimulem a adoção de práticas mais circulares. A EC pode oferecer uma estrutura conceitual que permite o desenvolvimento de acordos contratuais entre os usuários e fornecedores de produtos e serviços que podem alinhar melhor os incentivos e levar a usos mais ecoeficientes dos recursos (SAUVÉ et al., 2016). Assim, o consumidor passa a avaliar produtos alternativos em termos de funcionalidade, que dissociam o produto da utilidade que ele fornece. Por isso, Jaca et al. (2018) destacam também as preferências do consumidor por produtos sustentáveis como importantes impulsionadores da EC. Alhola et al. (2019) identificaram quatro abordagens principais em como as entidades públicas podem implementar aquisições circulares que facilitam círculos de material de ciclo fechado: a aquisição de produtos de melhor qualidade; o uso de novos negócios e conceitos de aquisição; a aquisição de produtos e sistemas inovadores; e o desenvolvimento de ecossistemas circulares. Alhola et al. (2019) apontam a necessidade de diálogo de mercado e a cooperação entre compradores e atores nas cadeias de abastecimento; e sugere o uso de certas ferramentas, como compras baseadas no desempenho, abordagem do ciclo de vida e custeio do ciclo de vida e critérios relativos à reutilização e reciclagem de materiais como formas de promover a EC. Jabbour et al. (2019) destacam ainda a importância de tecnologias da Indústria 4.0 para atender às necessidades de empresas e clientes inclinados a escolhas verdes. A disponibilidade dessas novas tecnologias tem motivado as empresas em direção aos princípios da EC, porque permitem que as empresas rastreiem mais facilmente seus impactos ambientais e resíduos, contribuindo para o desempenho de sustentabilidade das empresas (JABBOUR et al., 2019). De Sousa Jabbour et al. (2019) destacam também que o conhecimento nos processos de tomada de decisão em gerenciamento de operações pode apoiar a transição das empresas em direção à EC, e identificam mudanças necessárias na tomada de decisão em relação à capacidade, procedimentos de trabalho, relacionamentos e tecnologias para auxiliar a transição para a EC. Além disso, para que empresas de manufatura consigam de fato implementar os conceitos da EC, faz-se necessário também que transformem suas próprias estratégias e modelos de negócios, e atraiam seus parceiros ecossistêmicos a segui-los nesta transição (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015). Entretanto, a maioria dos estudos a respeito do tema se concentra na percepção dos provedores e não fornece insights sobre como o cliente e outros parceiros do ecossistema podem co-criar valor (PARIDA et al., 2019). O papel das partes interessadas (stakeholders), por exemplo, é relevante na transição para a EC, uma vez que estes podem promover pressões diversas em direção a inovações sustentáveis (SHAHBAZ et al., 2018). Estudos anteriores (GHINOI et al., 2020; JAKHAR et al., 2018; GUPTA et al., 2019; JACA et al., 2018) mostraram que tais partes interessadas, sejam elas governos, atores da cadeia de suprimentos ou consumidores, agem incentivando ou inibindo as ações das empresas em relação à adoção da EC. 33 Ghisellini et al. (2016) propõem que a adoção da EC pode ser analisada a partir de três níveis: micro (consumidores e empresas individuais), meso (parques eco-industriais e relações entre empresas e indústrias), e macro (nações, regiões, províncias e cidades). No nível micro, as práticas de EC são adotadas ao nível de processos empresariais, tais como: programas de produção mais limpa; consumo verde e compras verdes; desenvolvimento de produtos circulares; compostagem, reciclagem e reutilização de produtos, além de políticas corporativas, de modo a gerar benefícios ambientais e econômicos para as empresas à medida que reduz a quantidade de resíduos produzidos e os custos de descarte (GHISELLINI et al., 2016), e diminui sua pegada ambiental. O nível meso inclui conjuntos de empresas e foca no desenvolvimento de uma rede eco- industrial que beneficie tanto os sistemas de produção regionais como a proteção ambiental (BARDERI, 2017) mediante interações complexas de troca de recursos (material, água, energia e subprodutos), denominadas “simbiose industrial” (SI) (GHISELLINI et al., 2016). Os benefícios econômicos decorrentes das trocas simbióticas em um parque eco-industrial, por exemplo, podem ser resumidos como diretos (como a receita da venda de subprodutos, custos reduzidos com taxas de descarga, descarte, substituição de energia e materiais virgens por matérias-primas alternativas) e indiretos, que consideram evitar investimentos, aumentar a segurança e a flexibilidade do suprimento, melhorar a reputação, inovação e resiliência operacional (GHISELLINI et al., 2016). No nível meso, cada uma das indústrias tende a se beneficiar dos subprodutos das demais indústrias como recursos brutos para sua própria produção e é análoga aos conceitos ecológicos da indústria. Na China, por exemplo, esta abordagem é facilitada por diretrizes governamentais que estabelecem os termos de um distrito eco-industrial e subsidiam sua implementação (MATHEWS; TAN, 2011; ZHIJUN; NAILING, 2007), que depois são reforçadas pelos governos locais (LEVY; AUREZ, 2014). Um modelo concreto da abordagem de SI são os parques eco-industriais, parecidos aos ESCs uma vez que são formados por empresas colocadas em uma área definida e parceiros que não são contíguos (ZUCCHELLA; PREVITALI, 2019). Assim, os conceitos de SI estão alinhados aos princípios da EC, e pode-se considerar, portanto, que um ESC também se enquadra em seu nível meso. Porém, diferentemente dos ESCs, a ecologia industrial e as literaturas de SI se concentram na dimensão colaborativa, negligenciando a dimensão estratégica e organizacional, bem como o papel da empresa focal (ZUCCHELLA; PREVITALI, 2019). No nível macro está o desenvolvimento de eco-cidades, eco-municípios e eco-províncias, e envolve a integração e o redesenho de quatro sistemas: o sistema industrial, o sistema de infraestrutura que presta serviços, a estrutura cultural e o sistema social (GHISELLINI et al., 2016). Os esforços em todos os três níveis buscam coordenações públicas e privadas para apoiar as iniciativas de EC (BARDERI, 2017). O nível macro está relacionado a aspectos sociais e é onde a 34 produção e o consumo se integram. Neste nível, os incentivos à EC devem ser incorporados aos interesses da sociedade e das partes interessadas, e é quando os princípios da EC podem se encontrar com o desenvolvimento sustentável (GENG; DOBERSTEIN, 2008). Os ecossistemas naturais fornecem uma série de serviços indispensáveis à sobrevivência humana (COSTANZA et al., 2014), estando associados à qualidade de vida e ao bem-estar da sociedade. Como exemplos destes serviços, pode-se citar: proteção contra desastres naturais, controle da erosão, polinização, fertilização do solo, decomposição de animais e plantas, fornecimento de madeira, alimentos, substâncias medicinais e fibras, além de purificar a água, regular o clima e produzir recursos energéticos. Por outro lado, as atividades humanas têm perturbado o equilíbrio inicial dos ecossistemas (CHEN et al., 2017), à medida que modifica elementos como fauna e flora, além de utilizarem os recursos naturais de maneira que estes não tenham tempo para se regenerar na natureza. Muitas pesquisas sobre serviços ecossistêmicos têm sido realizadas devido à crescente preocupação com a segurança ecológica em todo o mundo (CHEN et al., 2020). Estudos recentes (ZUCCHELLA; PREVITALI, 2019; ALHOLA et al., 2019; FONTELL; HEIKKILÄ, 2017; PARIDA et al., 2019) têm proposto os ESCs como forma de promover a EC. Neste sentido, é importante descrever inicialmente como o conceito de “ecossistema”, notado principalmente na ciência da biologia, passou a aparecer com frequência na literatura relacionada à economia, empregado com a função de explicar as interações entre as empresas e seus stakeholders, e para definir seus modelos de negócios. Esta abordagem que equipara a economia global ao ecossistema biológico se dá, pois ambos são sistemas nos quais há uma interação entre os participantes. Neste capítulo, serão apresentados com maior detalhe os conceitos de ecossistemas de negócios e ecossistemas de inovação, para então poder ser apresentado o novo ecossistema que tem surgido na literatura para explicar a adoção da economia circular: o ecossistema circular, que foi explorado neste trabalho. Cada ecossistema é composto por diferentes atores que interagem em um sistema. 2.2. Ecossistemas de Negócios Os ecossistemas de negócios (EN) são formas organizacionais em que atores independentes trabalham em direção a uma proposta de valor compartilhada e que visam obter benefícios mútuos de atividades de cooperação (TAKACS et al., 2020). Estes atores presentes em um ecossistema compreendem um conjunto de instituições e empresas, tais como universidades, associações de classes, órgãos econômicos, científicos e do governo em todos os níveis. Adner (2006 p.98) define os ecossistemas como “arranjos colaborativos por meio dos 35 quais as empresas combinam suas ofertas individuais em uma solução coerente voltada para o cliente”, sendo compostos por qualquer conjunto de atores (produtores, fornecedores, prestadores de serviços, usuários finais, reguladores e organizações da sociedade civil) que contribuem para um resultado coletivo (KONIETZKO et al., 2020a). Em um ecossistema, a cocriação de valor (ou seja, os esforços em conjunto de diversos atores em busca da criação de valor) deve ser possibilitada pelo fornecimento de novas soluções para as empresas e, para isso, são necessárias inovações (TSOU et al., 2018) que frequentemente se originam como resultado de processos de um desenvolvimento conjunto dos atores que fazem parte das redes (WESTERLUND et al., 2010; BARALDI et al., 2012). Moore introduziu pela primeira vez o conceito de EN em seu trabalho "Predators and Prey" (MOORE, 1993), e postulou que as empresas não deveriam mais ser vistas como parte de uma indústria única e estática, mas sim como parte de um EN intersetorial. As empresas podem colaborar de forma cooperativa e competitiva para desenvolver novos produtos, o que Moore (1993) chama de “coevolução”. O autor enfatiza que todos os participantes de um EN são orientados para a visão de uma ou mais empresas centrais para trabalhar em um produto final comum. Além disso, Moore (1993) afirma que as empresas devem se desenvolver de forma rápida e eficaz para ter sucesso. Ainda, Moore (1993) destaca que os ENs, em contraste com os ecossistemas biológicos, são sistemas sociais que consistem em pessoas reais que podem tomar decisões. Iansiti e Levien (2004) apontam três características críticas típicas das redes de negócios, mas não dos ecossistemas biológicos: (I) a inovação; (II) a conquista de novos atores para competir entre os ecossistemas; e (III) atores inteligentes, os quais cooperam para criar valor. Neste contexto, o desenvolvimento e a inovação de uma empresa tendem a forçar as demais a melhorar continuamente seus produtos e a fortalecer suas capacidades, que caracteriza uma relação cooperativa e competitiva, denominada coalizão e coopetição (MOORE, 1996). A coevolução também se refere à “mutação”, na qual empresas que não conseguem se adaptar a mudanças contínuas e rápidas tendem a morrer, e novas empresas tomam seu lugar no EN (ANGGRAENI et al., 2007). ENs podem fornecer uma nova perspectiva para reposicionar a estratégia de uma empresa, a fim de não apenas promover agressivamente seus próprios interesses, mas também o interesse global do ecossistema - ou seja, as capacidades de rede potencializam a criação e entrega de ofertas próprias de uma empresa (LI, 2009). Adner (2006) indica ainda que os ENs facilitam que as empresas criem valor que nenhuma empresa poderia criar sozinha, uma vez que estabelece uma visão que vai além de suas operações comerciais atuais ou especificações técnicas de um produto, olhando a nível estratégico para os negócios. A literatura referente a gerenciamento estratégico tem tratado ENs como fontes de vantagem competitiva para empresas individuais; afinal, um ecossistema encontra suas “raízes” na 36 ideia de redes de valor (NORMANN; RAMIREZ, 1993) e pode ser visto como um grupo de empresas que criam valor combinando suas habilidades e ativos, o que cria ganhos sinérgicos. Estes ecossistemas, normalmente, são organizados como redes complexas de empresas cujos esforços integrados estão focados em atender às necessidades do cliente final (ZAHRA; NAMBISAN, 2012). Portanto, os ENs e as redes interorganizacionais consistem em relacionamentos colaborativos e competitivos, o que resulta em uma estrutura de “coopetição” (MOORE, 1993). Como resultado, é a competição entre ecossistemas, e não empresas individuais, que alimentam as inovações (CLARYSSE et al., 2014). Wieninger et al. (2020) propuseram três critérios orientados à função dos atores, importantes para analisar os ENs, que são apresentados no Quadro 3: Quadro 3: Critérios para existência de ENs Critério Definição Heterogeneidade A presença de atores com diferentes competências que se complementam em um ecossistema garante a heterogeneidade necessária para a co-evolução do mesmo. Parasitismo A identificação de atores “parasitas” busca prevenir possíveis danos que estes possam causar ao ecossistema, pois estes atores buscam atingir seus objetivos independentemente dos demais atores presentes no ecossistema, buscando um benefício unilateral ou até mesmo o papel de outro ator. Adaptabilidade Os ecossistemas são influenciados pelos sistemas que os circundam, sendo relevante a readaptação do ecossistema de acordo com as necessidades. Fonte: Elaborado pela autora, com base em Wieninger et al. (2020) De acordo com Moore (1993), o EN se desenvolve em quatro etapas. A primeira delas é o nascimento, que se caracteriza pela definição da melhor proposta de valor ao cliente. A segunda é a fase de expansão, onde a preocupação passa a ser atrair outros atores e incorporar novos negócios. A próxima etapa, de liderança, é quando passa a ocorrer competição dentro do ecossistema, visando uma posição de liderança, e quando atores que estão fora querem entrar no ecossistema. Por fim, após estar estabelecido, um ecossistema corre o risco da obsolescência e, por isso, deve tentar se renovar, do contrário correrá o risco de perder recursos e atores e se desarticular completamente, caracterizando a quarta e última fase (autorrenovação ou morte). De acordo com Adner (2012) e Cusumano e Gawer (2002), um EN inclui vários tipos de atores, como complementadores e intermediários, que podem ser indivíduos, organizações ou redes, e seus papéis podem mudar dentro do ecossistema, pois novos atores podem surgir e outros podem desaparecer (ADNER, 2012). Além disso, os complementadores podem ter um papel mais forte do que apenas um papel secundário no ecossistema, oferecendo alavancagem de recursos para 37 o ecossistema (PELTOLA; MÄKINEN, 2015). Wieninger et al. (2020) elencam alguns destes atores que podem estar presentes no EN, conforme o Quadro 4: Quadro 4: Atores em um Ecossistema de Negócios Ator Papel Líder do ecossistema É quem define a proposta de valor central do ecossistema, sobre a qual todos os demais atores irão trabalhar em conjunto. É responsável também por orquestrar os recursos da rede. Atores da cadeia de valor Importantes na cadeia de valor, como o fornecedor ou o prestador de serviços, que fornecem produtos, tecnologias e serviços ao ecossistema. Outro exemplo são os clientes, que definem a demanda e, consequentemente, o sucesso do ecossistema. Atores de nicho São aqueles que contribuem com produtos complementares à plataforma do líder para a capacidade inovadora do ecossistema. Parasitas São atores que desejam assumir o controle do ecossistema (dominantes ou aspirantes à líder) ou até mesmo atores que não conseguem acompanhar o desenvolvimento progressivo da tecnologia, gerando uma influência negativa no ecossistema (colaborador não benéfico). Desenvolvedores Atores importantes durante a fase de “autorrenovação” do ecossistema, para impulsionar a inovação, e são classificados em inovadores (atores que contribuem para o crescimento e desenvolvimento contínuo do ecossistema, como startups ou pequenos e médios empreendedores), patrocinadores (atores que fornecem recursos para as empresas, auxiliando na tomada de decisões e estabelecendo conexões com os atores do ecossistema) e geradores de conhecimento (são responsáveis por aconselhar outros atores sobre tecnologias atuais). Controladores externos Criam a estrutura regulatória do sistema, e são classificados em reguladores (instituições de controle ou política responsáveis por criar as condições estruturais do mercado) e representantes (ONGs, sindicatos e associações, responsáveis por representar os interesses dos atores). Intermediários Atores embaixadores que criam e divulgam projetos, conectando atores relevantes entre si e promovendo a interação entre eles. Fonte: Elaborado pela autora, com base em Wieninger et al. (2020) Em ENs, as empresas podem não apenas compartilhar recursos, mas também colaborar por meio dos esforços de co-desenvolvimento para alcançar as inovações desejadas (TSOU et al., 2018). O co-desenvolvimento de atores em um EN é a capacidade de uma empresa de desenvolver produtos e serviços competitivos e focados no cliente em parceria com outros atores, pois é muito difícil que uma única empresa possua todos os recursos e habilidades necessárias. Ettlie e Pavlou (2006) e Tsou e Chen (2012) propõem três habilidades para explicar o co- desenvolvimento entre as empresas em ENs: • Capacidade de absorção: é a capacidade que a empresa possui em assimilar, identificar, transformar e usar as informações obtidas com seus parceiros, 38 permitindo internalizar os conhecimentos externos (GRUNWALD; KIESER, 2007; MOWERY et al., 1996). • Capacidade de coordenação: é a habilidade de construir uma interface intensiva em conhecimento com outras empresas e organizações (GRANT, 1996), sincronizando recursos e tarefas para gerar novas formas de colaboração (ETTLIE; PAVLOU, 2006). • Capacidade relacional: é a habilidade de aprimorar a troca de conhecimento através das fronteiras (MATUSIK, 2002), possibilitando relacionamentos mais fortes entre os parceiros. Tsou et al. (2018) mostram que estas três capacidades podem desempenhar papéis importantes no desempenho da inovação. De acordo com Li (2009), as principais características de um EN são: simbiose, plataforma e coevolução. A simbiose de um EN compartilha o destino da rede como um todo, independentemente da aparente força dos membros da rede. A “plataforma” refere-se aos serviços, ferramentas ou tecnologias que outros membros do ecossistema podem usar para melhorar seu próprio desempenho (MOORE, 1993). Abordando casos práticos, Moore (1993) destacou a Intel e Microsoft, líderes fortes que desempenham o papel de colaborador ecológico central. Cada membro de um EN compartilha o destino da rede como um todo. A plataforma oferece know-how e serviços para permitir que outros membros alcancem efeitos sinérgicos no desenvolvimento de novos produtos. Apresentando o caso da Cisco, Li (2009) mostra que a empresa concentra seus recursos na criação de um EN, com uma estratégia que faz com que suas cadeias de valor se movam em direção à ecologia de valor por meio da incorporação de fornecedores e parceiros de negócios. A estratégia da Cisco é manter a cultura e os recursos humanos de suas empresas adquiridas, desempenhando um papel de integração na conexão de todos os membros a um novo portfólio de tecnologia. Essa estratégia ajuda os membros do ecossistema a serem independentes, mas eles coevoluem com o roteiro da Cisco. A Cisco criou uma ecologia de negócios que inclui engenheiros de rede treinados em tecnologias Cisco, empresas de hardware que constroem produtos com base no padrão Cisco e desenvolvedores de software que criam aplicativos complementares. 2.3. Ecossistemas de Inovação O conceito de Ecossistemas de Inovação (EI) difere do conceito de EN, pois o primeiro visa abordar o processo de cocriação, ou seja, a criação conjunta de valor, enquanto o EN está relacionado à captura de valor (DE VASCONCELOS GOMES et al., 2018). O EI aborda também a crescente complexidade da inovação, envolvendo a interação entre os atores com o objetivo de atuarem conjuntamente para melhorar os resultados gerais relacionados aos diferentes tipos de 39 inovação (TORLIG; RESENDE JÚNIOR, 2018): produtos, processos, métodos organizacionais e de mercado (OECD, 2005). Um EI é uma forma organizacional composta por atores que trabalham em direção a uma proposta de valor compartilhado (TAKACS et al., 2020) e cuja principal característica é permitir que os membros da comunidade compartilhem ideias e encontrem formas de apoio mútuo, levando em consideração que a continuidade do ecossistema está na criação de uma rede de relacionamentos em que há recompensa mútua (PUCCI et al., 2018). O EI compreende um conjunto de atores em rede interconectados e interdependentes, que incluem a empresa focal, clientes, fornecedores, inovadores complementares e outros agentes reguladores, o que implica no fato de que o EI tem um ciclo de vida em processo de coevolução, e os membros enfrentam cooperação e competição (DE VASCONCELOS GOMES et al., 2018). A importância do EI tem sido ressaltada devido ao aumento da necessidade de alinhamento entre os parceiros, pois cada um dos atores tem um papel para a “coevolução” uns dos outros e do ecossistema, e por isso faz-se necessário entender os relacionamentos que unem os atores de um ecossistema, as razões que os originam e como são formados (BELTAGUI et al., 2020). De acordo com Torlig e Resende Júnior (2018), o EI pode ser compreendido como uma comunidade dinâmica, reunida intencionalmente, com complexos relacionamentos, baseados na colaboração, confiança e cocriação de valor, nos quais os atores (universidades, centros de pesquisa, empresas, instituições e governos) compartilham tecnologias e complementam competências. Além disso, pode ser entendido dentro de uma realidade sistêmica, pois todos os atores e aspectos que fazem parte do ecossistema não devem ser vistos de maneira isolada, mas cada um como parte de um todo, uma vez que crescem dentro de uma rede de relações interorganizacionais, que promovem a inter- relação e a integração do conhecimento de diferentes atores que colaboram e cooperam entre si, compartilhando conhecimentos e experiências, de modo que haja o envolvimento ativo e direto dos usuários em todas as etapas do processo de inovação (TORLIG; RESENDE JÚNIOR, 2018). Uma das principais características do EI é a presença de “plataformas” e “líder” do ecossistema (TORLIG; RESENDE JÚNIOR, 2018). As plataformas são definidas como serviços, ferramentas ou tecnologias que outros membros do ecossistema podem usar para melhorar o seu próprio desempenho, que pode ser um ativo físico ou intelectual. Por sua vez, a ideia do “líder do ecossistema” (Moore, 1993) se coaduna com a noção de “Keystone”, ou seja, de atores integradores que circulam em diferentes grupos sociais, podendo ser pessoas ou instituições que levam informações de um lado para o outro e criam novas conexões (IANSITI; LEVIEN, 2004) e também com a ideia do “líder de plataforma”, que são os atores capazes de articular e coordenar os outros parceiros, de modo que o líder do ecossistema intermedia contatos, fornece incentivos, orquestra colaborações para a criação de alianças estratégicas e fortalece o compromisso de complementaridades (TORLIG; RESENDE JÚNIOR, 2018). A abordagem do EI está localizada 40 no nível meso, enfatizando a forma e função das relações entre os atores do ecossistema e se conecta tanto ao nível macro das políticas espaciais nacionais quanto ao nível micro das atividades individuais de empresas e outros agentes (MAZZUCATO; ROBINSON, 2018). De acordo com Mazzucato e Robinson (2018), sistemas de inovação podem ser definidos como “a rede de instituições de setores públicos e privados cujas atividades e interações iniciam, importam, modificam e difundem novas tecnologias”. O sistema de inovação (setorial, regional ou nacional) incorpora vínculos dinâmicos entre vários atores e instituições de inovação (empresas, instituições financeiras, pesquisa/educação, fundos do setor público e instituições intermediárias), bem como vínculos dentro de organizações e instituições. De acordo com Faissal Bassis e Armellini (2018), o sistema de inovação tende a ser geograficamente centrado e tem uma forte presença em publicações focadas em teorias econômicas, com a perspectiva de formuladores de políticas públicas. Já o EI vai além dos principais agentes de negócios (fornecedores diretos, principais contribuintes e canais de distribuição) para abranger toda a cadeia de suprimentos, bem como outros agentes indiretos e partes interessadas, e é predominantemente encontrado em publicações com foco em conceitos de gestão e tecnologia (sistemas complexos), com a perspectiva da empresa (FAISSAL BASSIS; ARMELLINI, 2018). Dessa forma, pode-se entender EI e sistema de inovação como conceitos complementares. Segundo Mazzucato e Robinson (2018), em um EI, vários atores interagem em um "espaço de interação" delimitado, onde o valor socioeconômico é criado por meio da pesquisa, criação de novidades e atividades tradicionais de mercado. Essa é uma perspectiva meso, onde empresas individuais são vistas como parte de uma rede mais ampla de empresas com as quais cooperam e competem. Da meso perspectiva, a rede de atores e seus relacionamentos é a unidade de análise. De acordo com Torlig e Resende Júnior (2018), os atores dos EI normalmente incluem: (i) os recursos materiais (fundos, equipamentos, instalações); (ii) capital humano (estudantes, professores, funcionários, gestores, pesquisadores, colaboradores, etc.) e (iii) entidades participantes do ecossistema (universidades, empresas, centros, institutos, agências de financiamento e decisores políticos). Em uma visão sistêmica, um EI consiste em agentes e relações econômicas, bem como agentes e relações não econômicas, envolvidos com outras partes, como tecnologias, instituições, interações sociológicas e culturais, de modo que um EI é um híbrido de diferentes redes ou sistemas (TORLIG; RESENDE JÚNIOR, 2018). Teixeira et al. (2016) propõem diversas entidades que se enquadram em diferentes atores de um EI, apresentados no Quadro 5. 41 Quadro 5: Atores de um Ecossistema de Inovação Ator Contexto do ator Ator público Instituições fornecedoras de mecanismos de programas, regulamentos, políticas e incentivos. Ator de conhecimento Instituições educacionais e/ou de P&D responsáveis por formar pessoas, promover o espírito empresarial e criar empresas futuras. Inclui pesquisadores e estudantes. Ator institucional Organizações públicas ou privadas prestadoras de assistência especializada e conhecimento aos demais agentes. Ator de fomento Fornecedores de mecanismos de financiamento das etapas de fundação do ecossistema de inovação, como bancos e governos. Ator empresarial Empresas fornecedoras de requisitos para avaliação de soluções, desenvolvimento de tecnologias e conhecimento em seus departamentos de P&D. Podem ser incluídos também indivíduos que buscam transformar suas ideias em algo útil e/ou comercializável. Ator de habitat de inovação Ambientes promotores da interação dos agentes locais de inovação, desenvolvedores de P&D e o setor produtivo, colaborando para disseminar a cultura de inovação e empreendedorismo na região. Sociedade civil Indivíduos que criam na sociedade demandas e necessidades, podendo ser ambientais, afetar profundamente os negócios e impactar no desenvolvimento da inovação. Fonte: Adaptado de Teixeira et al. (2016) Segundo Mazzucato e Robinson (2018), o EI não é estático, mas sim construído com base na natureza dos vínculos e parcerias entre os seus atores, sendo um sistema dinâmico. Além disso, as estratégias dos atores podem mudar. Existem diferentes tipos de política em EI, classificadas em verticais e horizontais. Enquanto as políticas verticais são mais direcionais e “ativas”, com foco em direcionar as mudanças, as políticas horizontais estão mais focadas nas condições básicas ou estruturais necessárias para a inovação, permitindo que a direção seja estabelecida pelo setor privado. A partir da análise dos conceitos apresentados neste tópico, pode-se definir EI como sendo uma comunidade dinâmica com relacionamentos construídos na colaboração, confiança e cocriação de valor e especializado em explorar um conjunto compartilhado de tecnologias ou competências complementares. Ainda, o EI é composto por pessoas e instituições interconectadas, e compreende um conjunto de atores da indústria, academia, associações, órgãos econômicos, científicos e do governo em todos os níveis. Sua principal característica é permitir que os membros da comunidade compartilhem ideias e encontrem formas de apoio mútuo, levando em consideração que a continuidade do ecossistema está na criação de uma rede de relacionamentos em que há recompensa mútua. 42 2.4. Ecossistemas Circulares A noção de "ecossistema" tornou-se importante na compreensão de como modelos lineares podem ser transformados em circulares, representando eficiências de recursos e fluxos de materiais tipificados por loops de feedback entre diversos atores (AARIKKA-STENROOS et al., 2021), tais como: empresas, clientes, fornecedores, universidades, centros de pesquisa, órgãos de fomento, etc. O ecossistema circular tem como característica o alto nível de coordenação entre as diferentes partes interessadas necessárias para implementar sistemas circulares, o que aumenta a adequação para analisar, planejar e comunicar sistemas de EC em nível organizacional (KANDA et al., 2021). Alguns exemplos de ecossistemas em que múltiplos atores e interações são necessários para permitir a circularidade são: o ecossistema Kalundborg, baseado em simbiose industrial, que se concentra na circularidade de recursos de diversos fabricantes e outros atores industriais na Dinamarca; o “Ecossistema Telaketju”, em que dezenas de empresas, universidades e institutos de pesquisa colaboram com o objetivo de gerar conhecimento e construir negócios para uma economia circular de têxteis. Outro exemplo é o ecossistema de plataforma da empresa Netlet, que se concentra na redução de resíduos e emissões de carbono na indústria da construção, conectando grandes empresas que têm materiais excedentes e pequenos participantes que precisam destes materiais (AARIKKA-STENROOS et al., 2021). O conceito de ecossistemas circulares provém da EC, uma vez que são sistemas formados por atores que visam criar e melhorar em conjunto: produtos, soluções e serviços com base nos princípios da EC (PARIDA et al., 2019), e que aplicam modelos de negócios circulares em sua maneira de operar e fazer negócios (FONTELL; HEIKKILÄ, 2017). O ESC visa, portanto, coordenar modelos de negócios para criar proposições de valor sustentáveis com loops de recursos fechados (TAKACS et al., 2020). Assim, as inovações em direção à EC também precisam ser conectadas em rede, uma vez que requerem colaboração, comunicação e coordenação dentro de redes de atores que são interdependentes (FONTEL; HEIKKILÄ, 2017). Afinal, o desenvolvimento de soluções para a EC requer a integração de conhecimento e tecnologias também externos às empresas (BROWN et al., 2021; JESUS; JUGEND, 2021). Além disso, Zucchella e Previtali (2019) destacam que, enquanto o EN fornece uma “arquitetura de partes interessadas” por meio de um sistema de atores e seus relacionamentos, o ESC abrange também um sistema de atores e fornece uma “arquitetura operacional e econômica” para tornar o ecossistema viável e sustentável também do ponto de vista financeiro. A transição para a EC requer uma mudança no nível dos sistemas e um novo tipo de mentalidade de criação de valor (FONTELL; HEIKKILÄ, 2017). Eliminar os resíduos e manter os produtos e materiais em seu mais alto nível de utilidade e valor pelo maior tempo possível normalmente requer relações de colaboração estreitas entre toda a rede de valor, o que explica a 43 dificuldade para que uma empresa que atua independentemente (sem ou com pouca colaboração com outros atores) consiga implantar os princípios da EC. Um dos desafios de redesenhar ENs em direção aos circulares consiste justamente em encontrar um ambiente em que os atores sejam beneficiados, de forma que os atores tenham seus interesses atendidos e, consequentemente, consigam moldar cooperativamente o modelo circular de negócios (FONTELL; HEIKKILÄ, 2017). De acordo com Tate et al. (2019), uma pré-condição para a existência do ESC é a necessidade do gerenciamento e armazenamento descentralizado dos fluxos de informação, garantindo transparência em todos os momentos e lugares. Isso é importante porque os fluxos de informação permitem a otimização (a longo prazo) do fluxo de materiais por meio do roteamento otimizado e do estabelecimento de sistemas de loop fechado, nos quais os resíduos de um processo são inseridos em outro processo (TATE et al., 2019). Aarikka-Stenroos et al. (2021) propõem três categorias distintas que definem os ecossistemas de EC com base em suas interações e fluxos no sistema. Estas três categorias, por sua vez, subdividem os ecossistemas em cinco tipos, que possuem características distintas, mas o mesmo objetivo de buscar o resultado sustentável do ecossistema. De acordo com Aarikka- Stenroos et al. (2021), as categorias que definem os ESCs são: 1. Fluxo de Material: Ecossistemas que permitem energia sustentável e fluxos de materiais dentro de um contexto geograficamente definido. Pode ser dividido em dois tipos de ecossistemas: a. Ecossistema Industrial: Uma comunidade regional de grupos heterogêneos hierarquicamente independentes, mas interdependentes, que produzem bens e serviços industriais de forma sustentável em colaboração simbiótica e uso de recursos. Este tipo de ecossistema se concentra nos fluxos de material e energia e são sistemas industriais fisicamente localizados dentro dos quais ocorrem fluxos circulares de recursos e têm produtos industriais sustentáveis por meio da reciclagem e reutilização de recursos como resultado em nível de ecossistema (FROSCH; GALLOPOULOS, 1989). Um exemplo de ecossistema industrial de EC são os parques ecoindustriais (EIPs), que são estabelecidos em regiões para implementar a circularidade de recursos no nível meso, em direção à simbiose industrial. As iniciativas EIP são tomadas pelo setor público para impulsionar métodos sustentáveis de produção em um determinado setor, bem como melhorar o desempenho geral dos negócios. b. Ecossistema Urbano: Refere-se aos ambientes construídos e infraestruturas dentro dos quais ocorrem fluxos circulares de energia e materiais, e que consistem em atores hierarquicamente independentes, mas interdependentes, como serviços públicos, governo local, governo municipal, autoridades de transporte, provedores 44 de serviços e residentes cidadãos-consumidores. Esse tipo de ecossistema se concentra nos fluxos de energia, capital, informação e pessoas. 2. Fluxo de conhecimento: Ecossistemas que possibilitam a produção de conhecimento da EC em um contexto geograficamente definido. a. Ecossistema Empreendedor: Uma comunidade regional de atores hierarquicamente independentes, mas interdependentes e heterogêneos, que facilitam o início e o aumento de escala de novos empreendimentos empresariais focados em oportunidades de negócios sustentáveis. Os ecossistemas empreendedores consideraram como os atores podem cultivar uma base de conhecimento compartilhada sobre “o que funciona” no aproveitamento dos avanços em tecnologias e infraestruturas digitais para desenvolver novos modelos de negócios sustentáveis, e se concentram em oportunidades fora do ecossistema (em vez de serem intrínsecos ao ecossistema). b. Ecossistema de Conhecimento: Refere-se a colaborações em rede, nas quais os atores buscam desenvolver novos conhecimentos relacionados à EC e são, geralmente, formados por grupos de pesquisa regionais compostos por um conjunto de atores hierarquicamente independentes, mas interdependentes e heterogêneos, como universidades, instituições públicas de pesquisa e empresas com fins lucrativos, cujas ações promovem a tradução dos avanços no conhecimento da EC em produtos e serviços sustentáveis. 3. Fluxo de valor: Ecossistemas que permitem a produção sustentável de valor econômico. a. Ecossistema de Negócios/Inovação/Plataforma: Uma comunidade de atores hierarquicamente independentes, mas interdependentes e heterogêneos, que coletivamente entregam uma oferta de valor sustentável tipificada pela reciclagem, reutilização e/ou redução de recursos. Muitas vezes um papel de dominância é alocado ao ator central (o orquestrador), que coordena o ecossistema e impulsiona a atuação de atores individuais. Esta pesquisa de mestrado foca na categoria de ecossistema industrial, uma vez que os ESCs se concentram nos fluxos de material e energia e são sistemas industriais que estão geralmente dentro de um contexto geograficamente definido, dentro dos quais ocorrem fluxos circulares de recursos e têm produtos industriais sustentáveis por meio da reciclagem e reutilização de recursos, como ocorre no setor de alimentos orgânicos, no qual um ator faz uso dos resíduos de outro ator para gerar energia para o seu processo produtivo. Outra justificativa para os ESCs se enquadrarem na categoria de fluxos de materiais é a característica da proximidade física entre os atores, que facilita o contato e a troca de recursos entre eles. Em ESCs, o modelo de negócios é baseado na colaboração entre os atores, tendo como 45 principais características a confiança, comunicação, tomada de decisão compartilhada, objetivos em comum e equilíbrio de poder (BROWN et al., 2018). A confiança depende, sobretudo, de comunicação, ações e comportamentos vivenciados entre as organizações ao longo do tempo, bem como do alinhamento entre visões internas, identidade organizacional, estratégia e capacidade de gestão de relacionamento de negócios (BROWN et al., 2018). Além dos fundamentos de confiança e compartilhamento de informações, Brown et al. (2018) apontam ainda quatro tipos de atividades colaborativas interconectadas que exploram a natureza do comportamento colaborativo dentro das atividades circulare