CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO PAULA HILST SELLI Crianças, Museus e ForMação de PúbliCo eM são Paulo CONSELHO EDITORIAL ACADÊMICO Responsável pela publicação desta obra Rita Luciana B. Bredariolli Agnaldo Valente G. da Silva Omar Khouri PAULA HILST SELLI Crianças, Museus e ForMação de PúbliCo eM são Paulo © 2013 Editora Unesp Cultura Acadêmica Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.culturaacademica.com.br feu@editora.Unesp.br CIP – BRASIL. Catalogação na Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ __________________________________________________________________________ S468c Selli, Paula Hilst Crianças, museus e formação de público em São Paulo [recurso eletrônico]/Paula Hilst Selli. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2013. recurso digital Formato: ePDF Requisitos do sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia ISBN 978-85-7983-483-7 (recurso eletrônico) 1. Museus - Aspectos sociais. – 2. Museus - Aspectos educacionais. 3. Museologia. 4. Livros eletrônicos. I. Título. 14-08268 CDD: 069 CDU: 069 __________________________________________________________________________ Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) Editora afiliada: Às crianças, que todos os dias trazem aos museus novas formas de olhar. Sumário Introdução 9 1 Uma história sobre o acesso: contextualização 21 2 O que as crianças dizem 51 3 Acesso e formação de público: outras reflexões 153 Considerações finais 235 Referências 241 Anexos 257 Figura 1 – Desenho de S06. introdução Este livro nasce de uma pesquisa de mestrado que desenvolvi no Instituto de Artes da Unesp, sob orientação da profa. dra. Rejane Galvão Coutinho. Seu ponto de partida foi a confluência de ques- tões até então dispersas, presentes na minha infância, formação e realidade profissional. Desde quando consigo me lembrar, sempre gostei de museus. Fossem eles de Arte, História, Ciência ou qual- quer outro, sempre me senti à vontade dentro deles, atraída pelos objetos, movida por uma curiosidade inata pelas coisas. Isso me fa- zia perguntar por que muitas pessoas não se sentiam à vontade para frequentar esses locais. Tive uma infância criativa; em casa sempre fomos estimulados à descoberta, às atividades artísticas e imaginativas. Minha relação com os museus durante a infância esteve ligada principalmente às viagens que fazíamos em família, quando visitávamos os museus e casas de memória locais. Da cidade de São Paulo, não trago muitas lembranças de museus visitados durante a infância, mas me lembro de contatos com exposições de arte menores em instituições parti- culares, da ida à Bienal e dos museus da aeronáutica e do folclore no Parque do Ibirapuera, os quais eu adorava. 10 PAULA HILST SELLI Minha escolha para o vestibular refletiu essa ligação com a arte e, em 1996, ingressei no curso de Artes Plásticas da Uinversidade de São Paulo (USP). Durante o curso, além das disciplinas sobre Arte e Comunicação, travei contato pela primeira vez com o universo da educação por meio das disciplinas da licenciatura, e me encantei. Meu novo interesse também estava ligado ao trabalho voluntário com crianças, que eu iniciara na mesma época em uma instituição não formal de educação, trabalho que desempenhei por mais de dez anos. Começavam então os primeiros questionamentos sobre a na- tureza, o papel e as relações da educação formal e não formal. No campo profissional, após ter trabalhado com restauro dentro de museu e como professora de Artes nas redes estadual e munici- pal, além de outras atividades, comecei a atuar no final de 2005 em uma instituição cultural que contém museu e exposições variadas, onde realizei trabalhos na área educativa e administrativa. Nesse novo contexto, a questão inicial de por que essas instituições não compõem, geralmente, opção de lazer (e prazer) para a maioria da população retornou com renovada força. Como profissional apaixonada pela educação, reflito sobre essas questões e sou levada a supor (talvez orientada por minhas experiên- cias) que essa formação de público de museus está intimamente liga- da à infância e à experiência construída nessa fase. Será que as crianças hoje frequentam museus? Como? Com quem? O que será que elas pensam ou imaginam acerca desses espaços? Será que nesses ambientes são estimuladas à construção do conhecimento? As crianças são protagonistas ou figurantes das ações educativas? A partir desses questionamentos, ao pensar nas crianças e nos museus, e em como são formados os públicos para museus e insti- tuições culturais na cidade de São Paulo, decidi investigar. Como as crianças veem o museu? Será que é possível refletir a respeito da formação de público desses espaços a partir das falas de crianças so- bre os museus? Como as crianças e os museus se relacionam? Eis a origem e proposta desta pesquisa. O objetivo foi, portanto, investigar o que as crianças pensam a respeito dos museus e como se relacionam com eles, para refletir so- CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 11 bre o acesso e a formação de público de museus e instituições cultu- rais na cidade de São Paulo. Para ajudar a responder esse objetivo geral, desmembrei-o em quatro questões específicas: • Investigar se a criança tem acesso aos museus. Como esse acesso se dá e por meio de quem. • Investigar qual é o papel que o museu assume hoje na vida e no imaginário infantil. • Levantar quem são os principais responsáveis por interme- diar hoje esse contato entre as crianças e o museu. • Relacionar as respostas encontradas para as questões an- teriores com documentos oficiais e estudos históricos, problemati- zando as diferentes responsabilidades no acesso a bens culturais e a realidade atual. Em nosso dia a dia nas instituições culturais, percebemos como o nosso público, em sua maioria, é escolar ou escolarizado. Quando digo escolar me refiro aos estudantes do ensino fundamental, mé- dio ou superior que frequentam as exposições quase sempre junto às escolas/faculdades ou por demanda delas, para realização de um trabalho ou para contabilizar horas de atividades complementares. Ao usar o termo escolarizado refiro-me ao grau de escolaridade dos visitantes espontâneos, em sua maioria, portadores de diplomas de cursos superiores. Para fundamentar o que observo na prática e justificar o início dos trabalhos, examinei duas pesquisas de público que, por suas características, se complementam: a que foi coordenada por Pierre Bourdieu e Alain Darbel nos museus europeus na década de 1960 e a de entorno realizada pela Pinacoteca do Estado no ano de 2007 em São Paulo (Pinacoteca, 2007). Digo que essas pesquisas se complementam, pois a primeira tra- ta de um trabalho de largo reconhecimento, que buscou identificar o perfil do público dos museus na Europa e, embora tenha sido rea- lizada há mais de quarenta anos e em um contexto diverso, traz-nos 12 PAULA HILST SELLI considerações profundamente relevantes. Já a segunda pesquisa nos coloca em contato direto com a nossa realidade pela data (2007) e local (São Paulo). Discute uma das grandes questões dos dias atuais buscando o perfil dos que estão ao redor do museu sem, contudo, estar dentro dele, e os motivos do não acesso. Segundo Bourdieu e Darbel (2007, p.37) “a frequência dos museus – que aumenta consideravelmente à medida que o nível de instrução é mais elevado – corresponde a um modo de ser, quase exclusivo, das classes cultas”. Na pesquisa realizada nos museus franceses em 1964 e 1965, Bourdieu e Darbel (2007) constataram que 55% dos visitantes eram, no mínimo, titulares do vestibular. Em outra pesquisa feita na Pi- nacoteca (2002 apud Pinacoteca, 2007, p.13), constatou-se que 56% dos visitantes desse museu haviam concluído o ensino superior. Por outro lado, a pesquisa realizada nos arredores do museu em 2007 pôde avaliar que, das pessoas entrevistadas, apenas 11% afirmaram ter superior completo, enquanto que, mesmo passando pela região uma ou mais vezes por semana (em 97% dos casos), apenas 19% já haviam entrado nesse museu (Pinacoteca, 2007). Esses números nos indicam o quão antigo, atual e concreto é o problema do acesso à cultura em nossa sociedade. Hoje, quarenta anos depois, as palavras de Bourdieu e Darbel não poderiam ser mais atuais: [...] nossa sociedade oferece a todos a possibilidade pura de tirar provei- to das obras expostas nos museus, ocorre que somente alguns têm a pos- sibilidade real de concretizá-la. Considerando que a aspiração à prática cultural varia como a prática cultural e que a “necessidade cultural” re- duplica à medida que esta é satisfeita, a falta de prática é acompanhada pela ausência do sentimento dessa privação [...] (idem, p.69). A partir das considerações de Fusari e Ferraz (1992) pude con- cluir que a capacidade de apreciação artística é construída aos pou- cos ao longo do tempo, do contexto histórico-social e da educação do espectador. Deve ser desenvolvida, não é de maneira nenhuma uma CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 13 característica inata ou espontânea. Além dos já conhecidos fatores sociais de exclusão, é possível que a falta de práticas educativas ade- quadas durante sua formação também seja responsável por respos- tas que indicam o distanciamento e o desconforto da população em relação aos museus, como vemos abaixo: “Esse palácio não foi feito para o povo e isso não mudou” – reflexão ou- vida no palácio de Versalhes na década de 1960 (Bourdieu; Darbel, op. cit., p.84). “Só vejo gravatinha lá dentro, nunca vi ninguém do povão entrar, é meio restrito” – resposta à questão “Por que não pode entrar?” da pes- quisa realizada pela Pinacoteca nos arredores do museu (Pinacoteaca, 2007, p.69). De onde vêm esses conceitos sobre museus? Quem os reforça e quem os repassa? Até que ponto os próprios museus colaboram (ou lutam contra) a manutenção dessas definições? Todos os dias, em meu trabalho, convivia com a dificuldade que temos, como profissionais de museus e instituições culturais, de trazer uma maior parcela da população para dentro. As exposições, concertos e palestras que não tinham o público que gostaríamos (em quantidade ou mesmo diversidade) me preocupavam. Em discussões com educadores de outras instituições, percebi que essa é uma realidade de todos os lugares e uma inquietação de muitos educadores. As direções das instituições desejam aumentar a quantidade de público atendido. Nós, como educadores, queremos também estender esse atendimento, desde que o possamos fazer com qualidade. Assim, entre as dificuldades sentidas na população que não chega ao museu e as pressões hierárquicas que sofremos em nossas instituições, muitas vezes nos perdemos em ações secundárias, como o oferecimento de ônibus gratuito, por exemplo. Essas situações muitas vezes extrapolam os limites da simples parceria com outras instâncias educacionais e refletem uma clara inversão de responsabilidades. Não sou contra a disponibilização de transporte ou lanche pelos museus, 14 PAULA HILST SELLI nem contra as ações que possam vir a facilitar o acesso de todas as par- celas da população às instituições culturais. Apenas penso que essas ações devam ser refletidas: por que e para que realmente as fazemos? Os resultados obtidos são os que esperávamos? Rejane Coutinho (2009) nos chama a atenção para o perigo de que as próprias práticas de mediação cultural possam aprofundar a distância entre o público leigo e a instituição, fazendo que esse pú- blico não se perceba pertencente àquela instituição. Isso pode acon- tecer, segundo a autora, com a manutenção de posturas e discursos elitizados e, nesse caso, não é o fornecimento de ônibus que sanará o problema. Nós, educadores de museus, vivemos e trabalhamos em um ambiente limitado pelas questões políticas de um lado e sociais do outro, sempre entre a cultura que recebemos e a cultura com a qual gostaríamos de dialogar. Sem uma consciência e um alerta constante para esses conflitos, é quase certo que caiamos numa prá- tica reprodutora e impensada do que recebemos outrora; por isso a importância dessa reflexão. Ainda assim, com o intuito de aproximar a instituição mu- seológica da população, já surgiram várias iniciativas, frutos do interesse de educadores de museus ou de sala de aula. No final da década de 1980, Ana Mae Barbosa, como diretora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), pensava, junto à sua equipe, a política cultural do museu. Elaborou e colocou em prática ações que buscavam ampliar o público dali: projetos como “Arte e Minoria” e “Es- tética das Massas” focavam o diálogo entre instituição e públi- co a partir dos universos estéticos de populações comumente excluídas da cultura formal, trazendo suas produções, e assim aspectos de suas vidas, para dentro do museu. O MAC foi pioneiro nesse tipo de ação e já naquela época percebera a im- portância do sentimento de pertencimento para a formação de um público verdadeiro, que ultrapassasse os limites das ações pontuais. Ações como essas, e outras que desafiavam a frieza CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 15 da arquitetura,1 merecem destaque como forma de sair do lu- gar estabelecido e chegar até o outro, aquele que não consegue chegar até nós (museus) (Barbosa, 1990). Hoje, em São Paulo, museus e instituições culturais apresentam diversas ações com o objetivo de atrair uma parcela mais expressiva da população e estender o acesso aos bens culturais a todos. É possí- vel observar o crescimento dos setores educativos dos museus e a di- versificação das atividades oferecidas. Cursos e atrações que buscam um público específico como professores, idosos ou adolescentes e a adaptação de alguns espaços e acervos para recebimento de deficien- tes são exemplos que vão além da simples gratuidade de entrada e transporte. A divulgação das ações educativas também tem ganhado destaque, apresentando-se muitas vezes separada da programação geral das instituições, com material gráfico próprio. Chamo a atenção também para os programas educativos da Pinacoteca do Estado, que tem se consolidado como exemplo na área. Em seu planejamento existem equipes e ações específicas para a inclusão sociocultural, o atendimento a pessoas com deficiência e o trabalho com o próprio corpo funcional do museu, entre outras. No Museu Lasar Segall as atividades para as famílias procuram esti- mular a visita ao museu como um programa familiar, um espaço de aprendizagem para ser desfrutado no momento de lazer. Iniciativas como essas mostram que a preocupação em estender esse acesso é uma constante nas instituições culturais paulistanas. Reuni todos esses exemplos para demonstrar como a questão da ampliação do acesso aos bens culturais tem sido foco de anseios, discussões e ações nos últimos tempos e como, principalmente, ain- da necessita de reflexões cuidadosas e medidas concretas, pautadas nessas reflexões. Acredito que a formação e as práticas da infância são funda- 1 Em outro projeto da mesma época a equipe do MAC-USP ultrapassou os limites das pare- des do museu espalhando pequenas obras pela Praça do Relógio, na Cidade Universitária. Essas obras formavam um caminho que levava até o museu, e convidava o público a entrar. Esse trabalho foi muito interessante pela possibilidade de quebra das barreiras arquitetô- nicas que separavam o público dos arredores do público do museu (Barbosa, 1990). 16 PAULA HILST SELLI mentais para o adulto que será formado. Que a criança habituada a visitar museus pode desenvolver maior afinidade com essas ins- tituições, aprendendo a explorar seus produtos e espaços, e saber buscar ali o que procura. Percebo isso na clara diferença entre os grupos de crianças que visitam frequentemente instituições cultu- rais e aqueles que nunca ou raramente o fazem. A naturalidade e rica exploração das primeiras contra as atitudes condicionadas ou desordenadas das segundas. Penso que essas práticas, se comuns na infância, podem refletir, de alguma forma, nas práticas da vida adulta. Que uma criança ha- bituada ao espaço e linguagens museológicas tem uma maior chance de se tornar um frequentador de museus quando adulto, e transmitir esse hábito a outros. Para refletir sobre essa relação entre a criança e o museu hoje em São Paulo é que me dediquei a esta investigação. Esta pesquisa traz a voz da criança para refletir sobre as repre- sentações de museus e sobre a formação de público. Busquei, a partir delas, traçar reflexões que contribuíssem para o conhecimento que vem se formando nessa área. Além disso, acredito que os resultados desta pesquisa nos pos- sibilitam um maior entendimento sobre o acesso a bens culturais na infância – como se dá esse acesso: qual o papel dos pais, qual o papel da escola, qual o papel do governo, da sociedade e das pró- prias instituições culturais. Por fim, espero que esses dados possam nos apontar possíveis caminhos para garantir em um futuro próximo um museu mais aberto, presente e prazeroso na vida de adultos e crianças. Contextualização geral do campo de pesquisa: a cidade de São Paulo O município de São Paulo contava em 2000 (São Paulo [Município], 2010),2 com um total de 10.434.252 habitantes, 2 Histórico Demográfico do Município de São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 29 jul. 2010. 3 Central de Atendimento – Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. 4 Esses depoimentos serão abordados no Capítulo 3, ao falarmos sobre o Programa Cultura é Currículo, da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. 18 PAULA HILST SELLI Os capítulos Os capítulos deste livro organizam-se da seguinte forma: No Capítulo 1, apresento um breve histórico sobre os museus no Brasil e o acesso público a esses espaços. De maneira cronológica, o texto traz dados sobre a criação dos primeiros museus, a relação deles com as escolas e o público em geral, os primeiros registros de público e a diversificação de espaços e metodologias após a década de 1980. Simultaneamente, inserimos a esse histórico alguns docu- mentos oficiais em relação à cultura e ao acesso aos bens culturais patrimoniais no Brasil. O Capítulo 2 traz a voz da criança ao registrar e discutir as res- postas, falas e desenhos coletados durante a pesquisa de campo. An- tes de entrar nas falas das crianças propriamente ditas, o capítulo apresenta a metodologia e o instrumental utilizados na pesquisa, além das escolas e turmas envolvidas. O Capítulo 3, intitulado “Acesso e formação de público: outras reflexões”, traz à discussão os pontos percebidos como os mais re- levantes na pesquisa de campo, oportunizando a relação entre eles e deles com outras pesquisas e textos de diversos autores. Aborda especialmente a representação de museu, a relação entre essas ins- tituições e a infância e a questão do acesso da formação de público para esses espaços. Para completar as reflexões, serão citadas e discutidas algumas ações recentes, tanto pontuais, de instituições ou iniciativa privada, quanto públicas, a partir de políticas culturais. Dentro desse qua- dro, tomaremos para análise o exemplo de uma ação específica em curso pelas mãos da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que visa levar estudantes e professores da rede estadual de ensino a museus e instituições culturais em todo o estado. Enfim, convido todos a conhecer mais essa história de crianças e de museus, contada por meio das falas das próprias crianças e pensa- da junto a outras pesquisas, histórias e falas que continuam a se so- mar, ontem e hoje, na construção da relação entre infância e museus. Figura 2 – Desenho de B24. 1 uma hiStória Sobre o aceSSo: contextualização O texto a seguir traz um breve levantamento histórico sobre a criação dos museus no Brasil e o acesso público a esses espaços. A proposta não é apresentar uma história abrangente das instituições museológicas no país, mas buscar nesse percurso indícios de uma maior ou menor aproximação com as escolas e com o público em geral, suas motivações e resultados nas diferentes épocas. Em que situação essa aproximação se deu a partir dos esforços continuados de uma ou outra parte? Em que momentos houve inter- ferência das políticas públicas? O que significou o termo “acesso” em cada período? Acesso a quê? E de quem? O objetivo desse mapeamento histórico é ajudar a situar e com- preender os resultados encontrados hoje para perguntas semelhan- tes, e colaborar para a reflexão sobre a relação entre a infância e o museu, que se fará a partir dos dados da pesquisa de campo, relata- dos no próximo capítulo. 22 PAULA HILST SELLI Notas sobre o período colonial Não há muitos registros sobre os museus no Brasil no período colonial, já que as primeiras ações nesse sentido acontecem após a chegada de D. João VI e a corte portuguesa ao Brasil em 1808. Já a arte produzida na Colônia, até o século XVIII, era voltada à finalida- de religiosa, e era por meio das missas e eventos sacros que a popula- ção conseguia entrar em contato com ela (Silva, 2008). Vale lembrar que a Europa já havia registrado momento se- melhante, quando a arte era predominantemente voltada aos con- teúdos religiosos, por volta dos séculos XV e XVI. Nos séculos que se seguiram, nos países europeus, houve uma abertura gra- dual aos diversos temas e públicos da arte, incluindo o mercado. O século XIX (época da chegada de D. João VI ao Brasil), por sua vez, ficou marcado no velho continente como o século dos gran- des museus nacionais e das grandes exposições abertas ao público (ibidem; Suano, 1986). No Brasil, no início do século XIX, dada a nossa condição de co- lônia, encontraríamos um quadro com séculos de atraso em relação aos países europeus no que diz respeito ao ensino da arte e sua visibi- lidade e ao estabelecimento e desenvolvimento dos museus. A chega- da da corte portuguesa e os acontecimentos que se deram em seguida fizeram com que esse desenvolvimento e abertura fossem acelerados – se os compararmos com o tempo que levaram para acontecer na Europa, por exemplo. Ainda assim, o Brasil continuou sempre um passo atrás, e a aceleração por si só não se mostrou suficiente para equipararmo-nos ao estágio já desenvolvido nos países europeus. Com a corte instalada no Rio de Janeiro, chegou ao Brasil a Missão Francesa, e foi fundada a Academia Imperial de Belas Ar- tes no ano de 1816, tendo começado a funcionar dez anos depois. A fundação da Academia, já com seu nome e conteúdos modificados em relação ao projeto inicial,1 constituiu a primeira formalização do 1 O projeto inicial de Lebreton previa organizar a Escola de Ciências, Artes e Ofícios de objetivos primordialmente técnicos (Barbosa, 2006, p.25). CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 23 ensino de Artes no país, mas trouxe com ela também muitos proble- mas e contradições, já que impunha uma estética neoclássica a um ambiente onde se desenvolvia o barroco. Nessa mesma época, pelas mãos de D. João VI, começava a funcio- nar o primeiro museu no Brasil. O Museu Real (hoje, Museu Nacio- nal), que herdou o que restou da coleção da antiga Casa dos Pássaros2 junto a uma de mineralogia proveniente da Alemanha, começou a fun- cionar em 1818 (Suano, op.cit.; Trigueiros, 1955), com uma vocação inicialmente voltada às Ciências Naturais. Sobre a abertura do Museu Real, Köptcke e Pereira (2010, p.814) ponderam que: Os objetivos de identificar e classificar os recursos naturais e a pro- dução cultural brasileira e contribuir para o desenvolvimento das ciências, das artes e da indústria deixam claro que, num primeiro mo- mento, o público-alvo da instituição constituía-se de pesquisadores, viajantes e estudiosos. Köptcke e Pereira (ibidem) informam-nos também que entre 1818 e 1821 a visita ao Museu Real era privilégio de “curiosos, estudiosos e autoridades”. Somente em 1821 viria a acontecer a primeira exposição pública do museu. Mesmo assim, apenas quatro salas poderiam ser visitadas, permanecendo a maior parte do acervo inacessível ao público. Para acesso a outras áreas, era necessária uma solicitação por escrito, o que já reduzia bastante a possibilidade de esse acesso ocorrer para a maioria das pessoas. A Portaria de 1821, citada por Köptcke, Lopes e Pereira (2007), ainda definia quem era o visitante digno de entrar no museu: pes- soas “dignas pelo seu conhecimento e qualidades”, ou seja, os já educados. O mesmo documento estabelecia o comportamento adequado a ser adotado dentro do museu: ambiente calmo, de es- tudo e contemplação respeitosa. 2 Segundo Köptcke e Pereira (2010, p.814), a Casa dos Pássaros, na verdade Casa de História Natural, era uma pequena construção que servia de entreposto das peças (espécimes de fauna brasileira, principalmente aves) que seguiriam posteriormente para Lisboa. 24 PAULA HILST SELLI Enquanto isso, o que seria a Escola Real, já chamada Academia Imperial de Belas Artes, recebia doações de obras da coleção parti- cular de D. João VI, oriundas de Portugal. Com a fundação da Aca- demia, surgia também a necessidade de expor as obras de alunos e professores, e em 1829 foi organizada a primeira mostra oficial de arte no Brasil, já independente (Moura, 2007). A curta monarquia brasileira Cerca de 2 mil visitantes estiveram na primeira mostra oficial de arte no Brasil, um número bastante modesto se pensarmos que no Rio de Janeiro havia, na primeira metade do século XIX, mais de 79 mil pessoas (Naves, 1996 apud Silva, 2008, p.126). A partir de então, as mostras de arte aconteciam, salvo exceções, anualmente e, segundo Luz (2005, apud Silva, op. cit.), passaram a constituir eventos importantes para a vida cultural da cidade. Seguindo essa linha, no ano de 1843 foi fundada a Pinacoteca da Academia Imperial de Belas Artes. A coleção somou às doa- ções de D. João VI e da família real obras trazidas da Europa por Lebreton, outras provenientes de premiações de salões realizados e algumas da coleção de Antônio Araújo de Azevedo, o Conde da Barca. Porém, a instituição só receberia o status oficial de mu- seu em 1937, a partir da Lei n. 378 decretada por Getúlio Vargas (Moura, op. cit.). A primeira Pinacoteca do país recebia, além dos estudantes, um público espontâneo, especialmente durante as “Exposições Gerais” (Silva, op. cit.). Nesse âmbito, na segunda metade do século XIX, as exposições públicas, junto à crescente cobertura da imprensa, acabariam por re- fletir em uma mudança de hábitos na elite carioca. Tanto o mercado quanto as exposições de arte se aqueceram. O interesse da população pela arte também estava relacionado ao maior acesso por meio da comercialização de litografias que, como na França, assumiram um papel decorativo e de divulgação importante por serem mais acessí- veis do que as pinturas. CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 25 Surgia simultaneamente a essa movimentação um embate entre defensores da arte acadêmica e seus opositores, contexto em que a Exposição Geral de 1879 “foi importante, tanto pela polêmica des- pertada pelos críticos, quanto pela curiosidade que disseminou na sociedade carioca” (ibidem, p.129). Já o Museu Nacional promoveu, em 1882, a Exposição Antro- pológica Brasileira, que traria ao museu cerca de mil visitantes em três meses. Foi a primeira exposição daquele museu com o que pode- ria se chamar “grande público”, embora menor que a primeira mos- tra de artes ocorrida em 1829 e ainda muito menor que a de 1879. É importante lembrar que, a essa altura, o Museu Nacional ainda não era aberto todos os dias. O acesso ficava restrito a um ou alguns dias da semana, e ainda havia exceções, como as dos feriados religiosos (Köptcke; Pereira, op. cit.). Primeira República O Museu Nacional mudou para a Quinta da Boa Vista em 1892, quando seus registros marcam cerca de 40 mil visitantes por ano, es- tando o museu naquela época aberto às sextas, sábados e domingos. O livro de visitantes foi inaugurado em 1893, passando a registrar o número de visitantes por dia e por mês. Mais adiante, haveria queda nesses números, com recuperação nos primeiros anos do século XX, anterior ainda ao decreto que estabeleceria a abertura do museu seis dias por semana, em 1911 (ibidem). Também data do final do século XIX a criação de dois importan- tes museus: O Museu Paulista, inaugurado oficialmente em 1894, mas cuja história oficial remonta à construção de um monumento come- morativo da independência, a qual só conseguiu ser realizada quando a economia paulista, já plantada sobre o café, assim permitiu quase findo o século XIX; e o Museu Paraense Emílio Goeldi, que se originou da antiga Associação Filomática do Pará, fundada em 1866 graças à ini- ciativa de intelectuais da região. Essa associação foi transformada em museu, mas passou à órbita administrativa da província em 1871, en- 26 PAULA HILST SELLI frentando terríveis dificuldades financeiras nos anos que se seguiram. O ano de 1891 marcou a reabertura do museu, impulsionado pela eco- nomia da borracha que ia muito bem (Schwarcz, 1989). Ambos eram voltados às Ciências Naturais, destacando-se Zoologia, Botânica e Geologia, entre acervo e artigos produzidos pelas instituições. Sobre esse início dos museus no Brasil, o sr. Alcindo Sodré, organizador do museu de Petrópolis na década de 1930, afirmou, de forma bastante romântica, mas interessante: No Brasil, os primeiros museus foram de natureza científica. A natu- reza do país, pela sua exuberância, feria profundamente a retina dos estudiosos e dos naturalistas estrangeiros que largamente nos visita- ram no decorrer do século passado. Desse modo, foram de ciências naturais, logo na sua fundação, os museus Paulista, Nacional e Goel- di. Por essa época, a nossa bagagem histórica não justificaria talvez os museus que surgiriam em nossos dias, e de forma promissora.3 Quando menciona “museus que surgiriam em nossos dias”, o autor se refere aos museus históricos. É interessante pensar que houve época no Brasil em que as áreas do conhecimento presen- tes nos museus eram principalmente as que estão relacionadas às Ciências Naturais. Elias (1992, p.141) destaca o fato de a criação desses primeiros grandes museus ser concomitante à vinda de cientistas estrangeiros ao país, lembrando que isso não se deu por acaso, já que o Brasil há tempos era objeto de estudo e coleções em instituições estrangeiras. Essa análise reforça a citada declaração do sr. Alcindo Sodré e as ob- servações de Schwarcz (op. cit.) sobre as tipologias e a estruturação das coleções como um acervo variado, predominantemente ligado às Ciências Naturais. Para Elias (op. cit.) ainda, ao contrário do que afirma Schwarcz (op. cit.), “os projetos dos museus são muito pare- cidos: nascem da necessidade de uma parcela da classe dominante afirmar-se enquanto tal, ostentando sua riqueza e saber.” (p.142). 3 Da conferência realizada em Petrópolis por iniciativa do Instituto de Estudos Brasi- leiros em 25 de março de 1939 (Venâncio Filho, 1939, p.69). CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 27 Se fizermos um resumo do acesso à arte e aos museus de uma forma geral, até esse momento da história do país observaremos que até o início do século XIX no Brasil não havia instituições museoló- gicas, e o acesso à arte se dava por meio dos ritos e espaços religiosos, sendo o estilo nacional o barroco, já com características próprias em relação ao original português. A instalação da corte portuguesa gerou novas demandas culturais, portanto foi a partir dela que ocorreu a formalização do ensino da arte e a primeira mostra artística no Rio de Janeiro, além da criação do Museu Real e da Pinacoteca da Academia Imperial de Belas Artes. Ainda durante o século XIX, que assistiu ao Brasil passar de colônia a república, surgiram os grandes museus dos estados, especialmente o Paulista e o Paraense, que viriam a formar, junto ao antigo Museu Real, o início da museologia brasileira, volta- da naquela época principalmente às Ciências Naturais.4 No que diz respeito ao acesso público aos museus e seus regis- tros, é possível observar, já nos primeiros anos dos museus Paulista e Goeldi, a preocupação em registrar o número de visitantes. Köptcke e Pereira, em seu texto Museus e seus arquivos: em busca de fontes para estudar os públicos (op. cit.) nos oferecem um panorama inte- ressante sobre a visitação dos três grandes museus brasileiros entre os anos de 1894 e 1907. Notam-se nesses registros que, embora o aumento de visitação não tenha constituído uma linha regular ascendente (todos os mu- seus passaram por períodos de queda em sua visitação), ele ocorreu nas três instituições, sendo os anos entre 1903 e 1906 os de maior crescimento. Nesse período, o Museu Nacional foi o que teve maior oscilação, variando entre 12 e 36 mil visitantes ao ano. Já o Museu Paraense Emílio Goeldi foi o que atingiu maior público, ultrapas- sando os 100 mil visitantes no ano de 1906. No âmbito dos museus, é possível destacar ainda, em São Pau- lo, a criação da Pinacoteca do Estado, ligada ao Liceu de Artes e 4 Além do Museu Paulista e do Museu Paraense Emílio Goeldi, mais documentados, Suano (op. cit., p.33-34) cita a criação de outros importantes museus no século XIX: Museu do Exército (1864), Museu da Marinha (1868), Museu Paranaense (1876), Museu do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia (1894). 28 PAULA HILST SELLI Ofícios e que começou a funcionar a partir de 1905 com um acervo de 26 peças, vindas do Museu Paulista, e mais algumas adquiridas para a inauguração. No ano de 1922, enquanto acontecia em São Paulo o Movimen- to Modernista, no Rio era criado o Museu Histórico Nacional. Tri- gueiros (op. cit.) destaca, sobre a criação desse museu, a proposta de curso para futuros profissionais da área que este ofereceria, mas que só viria a funcionar após a década de 1930. No campo da educação, nos primeiros anos do século XX, o estado de São Paulo destacou-se por investir no ensino primário e na Escola Normal. A presença estrangeira trouxe a cientifi- zação, a psicologia e os institutos antropométricos. A natureza da criança começou a ser estudada, assim como seu desenvolvi- mento. Foi a primeira vez que se estudou o grafismo infantil no país, e o desenho da criança começou a ser visto a partir de pres- supostos científicos e pedagógicos (Barbosa, 2006, p.97-115). Esses avanços pedagógicos posteriormente contribuiriam para os campos da arte, dos museus e da aproximação entre público e bem cultural. Anos 1920 a 1960: modernismo, expansão e desenvolvimento dos museus e a formalização da relação com a escola Segundo Schwarcz (op. cit., p.69-72) os anos 1920 marcam o fim da chamada “era dos museus” dentro e fora do país. Quando trata dos grandes museus nacionais do fim do século XIX como o Museu Nacional, o Museu Paulista e o Museu Paraense Emílio Goeldi, a autora relaciona o final de seu período áureo tanto ao afastamento de D. Pedro II, que era “seu mecenas mais comum”, quanto à cria- ção das novas instituições científicas de maior aplicabilidade prá- tica, que acabaram por se firmar como novo espaço da ciência no país. Dessa forma, a autora comenta a consequente necessidade de mudança que esses museus enfrentaram em relação ao seu modelo CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 29 original. Posteriormente, os mesmos museus seriam incorporados a outras instituições, no caso do Museu Paulista, a recém-criada Uni- versidade de São Paulo. Para além do fim de uma época marcava-se também o início de outra. Muitas ideias desenvolvidas no final do século XIX, principalmente na Europa e Estados Unidos, contribuíram para o nascimento do movimento modernista no Brasil. O pensa- mento modernista caracterizou-se como uma ruptura com o que era estabelecido, ruptura sem a qual não seria possível a futura abertura de visões, culturas e possibilidades, característica do pensamento pós-moderno. O Modernismo provocou reflexões e mudanças nas áreas de artes, cultura, sociedade e, é claro, tam- bém na educação brasileira. Desde o final do século XIX a cidade de São Paulo começou a des- pontar como eixo econômico do país, sediando cada vez mais ativida- des relacionadas à cultura e às artes, e foi nesse contexto que aconteceu a Semana de Arte Moderna. Enquanto o público dos Salões Oficiais de Arte diminuía, atraído por outras opções de entretenimento, em São Paulo os modernistas passaram a explorar outros espaços para ex- por e discutir arte: ateliês, casas, hotéis e estabelecimentos comerciais entraram no circuito. De acordo com Silva (op. cit.), o público ainda era pequeno, mas os novos locais permitiam uma aproximação dife- renciada, atraindo por vezes até alguns transeuntes. Ainda de acordo com a autora, o que movia a maior parte do público era a curiosidade, a possibilidade de estar no evento, mais do que as obras em si. A autora traz a informação de que matérias da revista Paratodos caracterizavam o público das mostras com ad- jetivos como “gente boa”, “inteligentes” etc. Embora a arte estives- se em locais menos institucionalizados do que o museu, ainda servia (e era usada) principalmente como distinção de status. Além de levar as obras de arte para outros espaços, o Moder- nismo, aliado às influências internacionais, também trouxe outras visualidades para o mundo artístico e suas instituições. Foi a partir das ideias modernistas que os desenhos das crianças começaram a ser valorizados, expostos, estudados e colecionados por pessoas que pro- 30 PAULA HILST SELLI duziam conhecimento no Brasil. A própria condição da criança mu- dou: deixava de ser um adulto em miniatura para ser considerada uma pessoa em si, com características, necessidades e expressão próprias. Em várias partes do mundo, desenhos de crianças eram ex- postos em mostras organizadas e dirigidas por e para adultos (Coutinho, 2007). Toda essa movimentação colocou a produção artística da criança em um novo patamar. No mesmo caminho, uma exposição com desenhos de crianças de São Paulo foi promovida em 1933 por Flávio de Carvalho e o Clube dos Artistas Modernos (CAM) na Sema- na dos Loucos e das Crianças (Leite, 2008), onde aconteceram debates e conferências. Ao colocar trabalhos de “não artistas” no museu, o CAM conseguiu levar à apreciação pessoas co- muns, interessadas em ver o próprio trabalho, ou o do colega ou parente, sob um novo status. Há, de certa forma, uma des- mistificação de espaço e obra, e uma aproximação do espaço expositivo com esse público. No ano de 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saú- de Pública. Em 1937, a Lei n. 378 reorganizou o ministério. O Museu Histórico Nacional, já subordinado àquele, passou a ser incluído, junto à Biblioteca Nacional e à Casa de Rui Barbosa, entre outros, na modalidade de educação “extraescolar”. Era o início da menção oficial a respeito da interação museu-escola. Vale lembrar que data do mesmo ano o Decreto-Lei n. 25 de 30 de novembro de 1937, primeiro a organizar oficialmente a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. A proteção ao patri- mônio também aparecia na Constituição Federal de 1937 de forma bastante clara, o que nos leva a pensar sobre como, nos documentos oficiais, a preocupação em guardar e proteger veio antes da preocupa- ção em garantir o acesso, que só apareceria claramente na legislação brasileira em 1988 com a nova Constituição. Ainda no âmbito dos museus, em 1938, foi criado o Museu Histórico de Petrópolis. Nessa mesma cidade, em 1939, foi rea- lizada uma conferência que contou com uma fala de Francisco Venâncio Filho intitulada “A função educadora dos museus”, CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 31 publicada na Revista dos Estudos Brasileiros do mesmo ano. Nesse evento, o autor comentou as chamadas atividades extraclasse, nas quais afirma terem os museus “um lugar de marcado destaque”. Continuando, o autor cita uma palestra com o mesmo tema, rea- lizada dez anos antes por Roquette Pinto, sobre a qual considera: Dizia-se então que os museus, ao lado de outras funções que lhes ca- bem, têm de ser grandes escolas populares, escolas que ensinam tudo, de um determinado setor, a todos, a qualquer momento, sem o interme- diário do livro ou do professor (Venâncio Filho, op. cit., p.51). Além da pretensão de onipotência colocada pelo autor, quando diz serem os museus capazes de tudo ensinar, é interessante notar a relação entre escola e museu presente no pensamento de alguns educadores já no final da década de 1920. Voltando um pouco mais na história, segundo Valente (2003), o Museu Nacional, no ano de 1919 já “realizava atividades com- plementares à escola”. De acordo com Lopes (1997 apud Köptc- ke; Lopes; Pereira, op. cit.), podemos encontrar vestígios de uma possível colaboração entre esse museu e a Instrução Elementar já no ano de 1832, embora não possa ser caracterizada uma ação sis- temática nessa época. Em 1893, após instalação na Quinta da Boa Vista, o Museu Nacional procurou registrar em seu livro de visi- tantes a presença de crianças. Sobre a criação do museu escolar pelo regulamento de 1911, Köptcke, Lopes e Pereira (op. cit.) afirmam: “A relação entre o mu- seu e a educação formal é valorizada, na qual o projeto de criação de um museu escolar revela a percepção de uma relação de complemen- taridade ao ensino”. Quinze anos depois, Edgard Roquette Pinto, em sua gestão como diretor desse museu (1926-1935), criou a Seção de Assistência ao Ensino e, em seguida, a Revista Nacional de Educa- ção, publicada entre 1930 e 1932, o que revela seu interesse pela área educacional (Univeridade Federal do Rio de Janeiro, 2007-2008). Nessa breve pesquisa pela história dos museus no Brasil, a refe- rência de 1832 foi a mais antiga encontrada ao mencionar relação en- 32 PAULA HILST SELLI tre museu e educação formal. De uma maneira mais organizada, foi na década de 1910, no mesmo museu, que as atividades educativas passaram a ser realizadas nesse espaço. Podemos notar a evolução de experiências isoladas em uma instituição (1832) e sua sistematização (1911 e 1919) para o reconhecimento oficial de sua importância nos quadros superiores desse mesmo museu (1926-1935), progredindo posteriormente para o reconhecimento federal da relevância desse tipo de experiência (Brasil, 2010. Lei n. 378/1937). Cerca de uma década depois, deu-se o nascimento do Museu de Arte de São Paulo – Masp, que foi inaugurado no ano de 1947 por Assis Chateaubriant e Pietro Maria Bardi. Essa instituição foi pioneira no que diz respeito à educação em museus, em sua con- cepção moderna, com Curso de História da Arte para monitores e a criação do Clube Infantil de Arte por Suzana Rodrigues logo nos primeiros anos. O museu ofereceu também, desde sua fundação, cursos de Desenho, História da Arte, Escultura, Música, Dança, Cinema, entre outros. Na década de 1960, a sede do museu mu- dou-se para a Avenida Paulista, e as atividades educativas tiveram continuidade. Ainda assim, somente em 1997, no cinquentenário da instituição, é que seria formalizado em sua estrutura o setor cha- mado de “Serviço Educativo”. Também entre as décadas de 1940 e 1960 e, sob a influência dos ideais modernistas, começaram a surgir em todo o país os Museus de Arte Moderna e os Museus de Arte Contemporânea (1948 – MAM/ SP; 1952 – MAM/RJ; 1963 – MAC-USP, entre outros). A primeira Bienal Internacional de São Paulo foi realizada em 1951. De acordo com Rita Alves de Oliveira (apud Silva, op. cit.), já na segunda edição do evento, em 1953, a ação educativa foi consi- derada fundamental como forma de aproximar o público das lingua- gens da arte moderna, em especial do Cubismo e do Abstracionismo. O evento, amplamente divulgado, junto à criação dos museus de arte moderna que ocorreram pouco antes ou pouco depois, contribuiu para uma familiarização do público com a arte da época. A ideia de diminuir o “atraso cultural e educacional” da popu- lação estava fortemente ligada à criação dos principais museus dessa CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 33 época em São Paulo e no Rio de Janeiro (Masp, MAM/SP e MAM/ RJ). Havia uma destinação educativa para esses museus. Silva (op. cit.) ainda compara: A ideia de que a difusão da arte poderia ajudar a desenvolver cultu- ralmente a população brasileira em muito se assemelhava ao papel da missão francesa ao introduzir, no Rio de Janeiro, a cultura clássica um século antes. A elite cultural por trás das instituições de arte ainda de- fendia uma arte erudita a serviço do desenvolvimento da nação brasi- leira (ibidem, p.139). Em seguida, a autora comenta sobre as questões sociais envol- vidas, especialmente as que se referem às desigualdades e restrições das necessidades básicas, e como isso se relaciona ao problema do acesso aos bens culturais no país, em particular ao defendido pela plataforma descrita acima. Ainda no âmbito dos museus e seu desenvolvimento, o comitê Nacional do Icom (International Council of Museums) foi criado em 1948. No ano de 1956 aconteceria o I Congresso Nacional de Museus em Ouro Preto. Nesse evento, a maioria dos trabalhos apresentados estava relacionada ao Serviço Educativo das insti- tuições, o que demonstra o reconhecimento e relevância do setor. Em 1958, no Rio, o Seminário Regional da Unesco sobre a Função Educativa dos Museus engrossou as discussões na área junto a di- versas publicações sobre o assunto (Brasil. Ministério da Cultura, 2007; Alencar, 2008). É interessante perceber que, ainda hoje, o destaque da educação em eventos sobre museus surpreende a muitos profissionais da área museológica, como se a relevância da educação para o museu e do museu para a educação não houvesse sido foco de atenção e debate desde os anos 1950 (com mais intensidade) ou até antes, nos início do século XX, em seus primeiros brados. 34 PAULA HILST SELLI Décadas de 1970 e 1980 – novas experiências Em meados da década de 1970 aconteceu o primeiro encontro nacional de dirigentes de museus no Recife. A partir deste e outros encontros na mesma época, começou a ser formulada uma proposta para a criação do Sistema Nacional de Museus (Santos, 1994; Bra- sil, 2007). No final da mesma década foi criada em âmbito federal a Fundação Nacional Pró-Memória (FNPM). Foi no âmbito da FNPM que, em 1983, instalou-se o Programa Na- cional de Museus, que desenvolveu projetos especiais visando à re- vitalização dos museus brasileiros. O panorama museológico entre os anos 70 e 80 estava em ebulição e compunha-se de novas ideias, encontros, debates e novas propostas de uma museologia ativa, parti- cipativa e democrática. Na esteira das discussões de política museoló- gica surgiria, em 1986, o Sistema Nacional de Museus. Seu objetivo: articular e apoiar financeiramente projetos museológicos (Brasil. Mi- nistério da Cultura, op. cit., p.18). A partir do Boletim do Programa Nacional de Museus que co- meçou a circular em 1983 é possível conhecer suas linhas programáti- cas que destacam, entre outras coisas, a participação da comunidade, tanto no processo educacional quanto na produção e preservação cul- tural. No primeiro fascículo da publicação Museu Educação, de 1985, que oferecia subsídios para o planejamento de atividades educativo- -culturais dos museus, é evidenciada a diretriz da garantia de acesso da Política Cultural do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Ao mesmo tempo, fica apontada a necessidade de os museus defi- nirem clientelas prioritárias para o atendimento educativo-cultural, principalmente por não haver infraestrutura para ações em massa, além de esta não ser, segundo o documento, a vocação do museu. Segundo documentos oficiais,5 as experiências internacionais (re- latadas e discutidas, por exemplo, na Mesa Redonda de Santiago do 5 BRASIL. Ministério da Cultura, op.cit. CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 35 Chile – 1972 e na reunião internacional de Quebec – 1984) no campo da museologia “produziram impactos teóricos e práticos no Brasil”. Sobre esse tipo de influência, Maria Célia Santos (1994 e 2008) cita o movimento para a democratização da cultura, iniciado na Europa na década de 1960, e o da “Nova Museologia”, iniciado na década de 1980, os quais começariam a influenciar as ações de nossos mu- seus, embora a autora alerte para o fato de que, por conta da ditadura militar, os conteúdos desses documentos (em especial o da Mesa de Santiago) tenham demorado a chegar ao Brasil, o que resultou em uma influência tardia e mais tênue. A Nova Museologia incorporava ações que se opunham de for- ma teórica e prática à museologia clássica (Chagas, 2000). Maria Célia Santos chama a atenção, em seu texto Reflexões sobre a nova museologia (2008, p.84), novamente para as atividades da mesa de Santiago do Chile, onde teria surgido o que ela chama de “marco mais significativo da evolução do processo museológico na contem- poraneidade: a passagem do sujeito passivo e contemplativo para o sujeito que age e transforma a realidade”. Simultaneamente, no campo da arte e da educação no Brasil, co- meçavam a aparecer as primeiras ideias do que levaria, no fim dos anos 1980, à estruturação da Abordagem Triangular (Barbosa, 2002). Enquanto nos anos 1960, 1970 e início dos 1980 imperou a “livre- -expressão”, no final dessa década se aprofundou a discussão sobre a arte não apenas como expressão, mas como conhecimento induzindo a aproximação da arte com a educação. Houve também a partir dos anos 1980 uma tendência à educação para o patrimônio que ajudou bastante o trabalho educativo nos museus. Começavam a florescer as concepções teóricas de arte-educação nas quais nos baseamos hoje. As discussões são ampliadas, discute-se a relação da educação não formal com a formal. É nessa época que, em São Paulo, o MAC- -USP e o Museu Lasar Segall começaram a desenvolver programas educativos mais estruturados e a buscar, eles próprios, o relaciona- mento com a escola. É interessante pensar que, apesar de ser da escola a obrigação formal de educar seus alunos, de lhes propiciar experiências sig- 36 PAULA HILST SELLI nificativas e de formá-los junto às famílias, como indivíduos, são os próprios museus de arte, e não as instituições escolares, muitas vezes, que tomam a iniciativa de estabelecer contato com as esco- las, preparar-se para recebê-las e iniciar as crianças na educação estética. Além da questão econômica da necessidade de formação de público, isso também é explicável pelo fato de os museus es- tarem, desde seu princípio, no centro das discussões sobre arte, educação e cultura; de terem em seu quadro profissional justa- mente pessoas ligadas ao debate dessas questões. Alguns desses profissionais estão ligados às universidades e desenvolvem pes- quisas científicas de diversos fins, o que os mantém mais atuali- zados ou em busca de atualização. Já nas escolas, o ritmo é outro. Uma reforma social ou políti- ca demora muito tempo para chegar à sala de aula, pois o sistema é muito grande e lento; a maioria dos professores não tem acesso às informações, não tem condição de buscá-las e muitos não têm in- teresse em se aprofundar. Mesmo aqueles que têm melhores con- dições e buscam aprimoramento de seu trabalho, muitas vezes, só conseguem fazê-lo com atraso, dada a enorme quantidade de etapas que a informação precisa passar para chegar até eles. Também na década de 1980, novas concepções de espaços des- tinados à arte e à cultura surgiram no cenário nacional, em especial na capital paulista. Em 1982 foi inaugurado o Centro Cultural São Paulo, e, em 1987, o Instituto Tomie Ohtake – espaços múltiplos, que não eram museus, mas centros culturais que também apresen- tavam mostras artísticas, além da possibilidade de agrupar múlti- plas atividades. Esses espaços viriam a desempenhar importante papel na educação não formal na área de artes, pois são espaços por natureza difusores de cultura. Em 1985, como comentado brevemente antes, o Museu Lasar Segall, criado em 1967, implantou o Serviço Educativo, denomina- do hoje como Área de Ação Educativa, preocupado em oferecer um atendimento mais estruturado e dinâmico tanto ao público escolar quanto a outros públicos. É desenvolvido então no museu o Progra- ma de Educação para o Patrimônio (Grinspum, 2000). Na Pinacote- CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 37 ca, nesse período (1975 a 1988), funcionavam os laboratórios de de- senhos coordenados pelo professor Paulo Portella Filho; já o serviço educativo dessa instituição, como é conhecido hoje, com todas as suas especialidades, só viria a ser formatado em 2002 a partir de pes- quisa realizada pela instituição para conhecer o perfil de seu público. Ao acompanhar, ainda que tardiamente, as discussões nas áreas de museologia, arte, educação e patrimônio, na esfera pública, foi no final dos anos 1980 que apareceram de forma clara as primeiras re- ferências ao acesso a bens culturais no Brasil.6 A primeira referência constitucional sobre acesso à cultura deu-se na Constituição Federal de 1988, que afirma ser “competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: proporcionar os meios de aces- so à cultura, à educação e à ciência” (Brasil, 1988, Art.23, V) e que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valori- zação e a difusão das manifestações culturais” (Brasil, 1988, Art.215). Referência sutil à difusão do patrimônio cultural seria feita na Constituição Estadual de São Paulo, (São Paulo [Estado], 1989). No final da década de 1980 também foi possível observar uma série de decretos nos quais foram destinadas verbas para atividades descritas como criação, difusão e dinamização de bens culturais diversos (De- cretos n. 97.971/89; 98.000/89; 98.306/89; e 99.643/90). Ainda assim, com exceção da Constituição Federal, somente a partir dos anos 1990 haveria um enfoque maior e mais específico na questão do acesso da população aos bens culturais patrimoniais. Anos 1990 até hoje – entre políticas, estudos e experiências Nos anos 1990, a situação mudou, e podemos observar nos documentos oficiais uma série de medidas relacionadas à política 6 Com exceção das referências ao acesso encontradas no Programa Nacional de Mu- seus do Ministério da Educação e Cultura, alguns anos antes. 38 PAULA HILST SELLI cultural. A quantidade e relevância dessas medidas, em um curto espaço de tempo, demonstram uma importância dada à área cultural similar a da década de 1930, época de Mário de Andrade e da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), embora com outras preocupações. Ainda em 1990, o Decreto n. 99.600 aprovou a estrutura regimental da Secretaria da Cultura da Presidência da República. Esse foi o primeiro documento no qual a questão do acesso aos bens culturais aparece explícita e repeti- damente, entre os objetivos e ações a serem executados pelo órgão recém-criado, como vemos a seguir: A Secretaria da Cultura da Presidência da República (SEC/PR), órgão de assistência direta e imediata ao Presidente da República, tem por fi- nalidade planejar, coordenar, supervisionar a formulação e a execução da política cultural em âmbito nacional, de forma a garantir o exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura, apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais, promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro (Brasil, 1990a, Art. 1°). Este pode ser considerado, junto à Constituição de 1988, um marco na oficialização do acesso aos bens culturais no país e, embora se saiba que a realidade demora a acompanhar o documento oficial, a menção explícita do assunto em tal documento revela sua impor- tância reconhecida. É interessante também observar que foi preciso cerca de cinquenta anos entre a explicitação em Lei da importância da preservação do patrimônio cultural e o reconhecimento da neces- sidade de garantir acesso a esse patrimônio. Mais interessante ainda é notar que nesse decreto, de 1990, pela primeira vez o objetivo da garantia de acesso às fontes culturais aparece antes do objetivo da proteção dessas mesmas fontes, regulamentada há tanto tempo. Dentro da Secretaria da Cultura, a garantia de acesso ganhou um gestor: competia ao Departamento de Planejamento e Coorde- nação “planejar a política cultural, coordenar e supervisionar sua execução, visando garantir o exercício dos direitos culturais e o aces- so às fontes de cultura” (Art. 6, I). A ação deveria ainda ser com- CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 39 plementada pelo Departamento de Cooperação e Difusão, ao qual competia: “promover a difusão e o intercâmbio da produção e das manifestações culturais brasileiras em todo o território nacional, em articulação com os Governos dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e com as entidades vinculadas à SEC/PR” (Art. 7, I). Lei Rouanet No ano de 1991 é decretada a Lei n. 8.313, ou Lei Rouanet, como é conhecida. A lei restabelecia os princípios da Lei n. 7.505 (também conhecida como Lei Sarney) (Brasil, 1986), que “dispõe sobre be- nefícios fiscais na área do imposto de renda concedidos a operações de caráter cultural ou artístico”. Essa última, de 1986, foi um pri- meiro passo para regulamentar o apoio à cultura no país. É possível encontrar em sua redação alguns trechos nos quais a preocupação com o acesso público aparece, ainda que de forma moderada, como nos momentos em que habilita para recebimento do incentivo fiscal aqueles que contribuírem com instituições culturais de acesso pú- blico como bibliotecas, museus etc., ou os que distribuírem gratui- tamente ingressos para espetáculos artísticos e culturais (Art.2.; III, XI, XVII, XVIII e XIX). Dessa forma, o governo ainda não estava trabalhando para trazer as pessoas aos museus, às bibliotecas ou aos teatros, mas já agia com vistas a qualificar esses lugares e diminuir as barreiras econômicas do acesso. Por sua vez, a Lei Rouanet, que tratou mais rigorosamente o controle dos incentivos fiscais concedidos, apresentou também um grande avanço nesse sentido, uma vez que a questão do acesso públi- co ganharia importância, o que se mostra claramente nos artigos da Lei que lemos nos trechos a seguir: Fica instituído o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor de modo a con- tribuir para facilitar, a todos, os meios para o livre acesso às fontes da cultura e pleno exercício dos direitos culturais (Art 1, I). 40 PAULA HILST SELLI Os incentivos criados pela presente lei somente serão concedidos a projetos culturais que visem a exibição, utilização e circulação públicas dos bens culturais deles resultantes, vedada a concessão de incentivo a obras, produtos, eventos ou outros decorrentes, destinados ou circuns- critos a circuitos privados ou a coleções particulares (Art. 2, III). No ano de 2008, o Inciso III do Artigo 2° ganharia nova reda- ção, e a intenção de garantir o acesso público aos bens culturais fica ainda mais clara nos dois parágrafos renumerados pela Lei n. 11.646: § 1°. Os incentivos criados por esta Lei somente serão concedidos a projetos culturais cuja exibição, utilização e circulação dos bens culturais dele resul- tante sejam abertas, sem distinção, a qualquer pessoa, se gratuitas, e a público pagante, se cobrado ingresso (Art. 2; III, § 1°). § 2°. É vedada a concessão de incentivo a obras, produtos, eventos ou outros decorrentes, destinados ou circunscritos a coleções particulares ou circuitos privados, que estabeleçam limitações de acesso (Art. 2; III, § 2°) (Brasil, 2008). Vale chamar a atenção nesse momento para a Lei Mendonça (São Paulo [Município], 1990) que, um ano antes da lei federal, instituiu o incentivo fiscal para a realização de projetos culturais na cidade de São Paulo. Isso, mais a regulamentação e alterações que se seguiram durante os anos 1990, na lei federal de incentivo à cul- tura (Dec n. 1.494/95; MP 1.871-27/99) na tentativa de torná-la mais adequada à realidade, são registros de uma época em que os olhos do governo e da iniciativa privada se voltavam para a cultura. A educação e a arte-educação nos anos 1990 Ao mesmo tempo, no campo da educação, eram elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). No campo da arte, especificamente, os PCNs se fundamentaram na abordagem trian- gular. Essa proposta de ensino foi concebida e apresentada aos edu- cadores pela professora doutora Ana Mae Barbosa e baseia-se em três experiências estrangeiras: as Escuelas al aire Libre do México, CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 41 o Critical Studies da Inglaterra e o Discipline Based Art Education (DBAE) americano. No Brasil, desenvolveu-se a partir de experiên- cias realizadas no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, onde era diretora, no final da década de 1980. Basica- mente, a metodologia triangular (como foi inicialmente chamada) defendia a ideia de trabalhar o ensino de artes em três eixos funda- mentais: o fazer artístico, a apreciação de objetos artísticos e a con- textualização dessa produção (Barbosa, op. cit.). A partir do eixo da apreciação explicitado nessa metodologia, os PCNs na área de artes, datados de 1997, deram um passo para apro- ximar a educação formal dos museus – nesse caso, dos museus de arte, mencionando claramente a importância da apreciação de obras de arte no processo educativo da disciplina. O documento é bem claro quando define a arte como área do co- nhecimento, assim como qualquer outra disciplina. Os parâmetros também incentivam a vivência de experiências criadoras, diferentes, transformadoras como ferramentas para a formação de um indivíduo completo. O professor é encorajado, senão levado, a promover essas oportunidades a seus alunos. Além disso, o documento diz que o alu- no também deve conhecer e saber organizar informações em contato com formas variadas de acervos, artistas, que deve visitar museus, bibliotecas, midiatecas, assistir a eventos culturais e assim por diante. Ressalta a importância da convivência do aluno com obras origi- nais (e também com reproduções) e o entendimento de suas concep- ções estéticas nas diferentes culturas. Na parte de valores, normas e atitudes, é esperado que o aluno tenha, ao final do ensino fundamen- tal, “o reconhecimento da importância de frequentar instituições culturais onde obras artísticas estejam presentes”. Os museus e as instituições culturais – seus serviços e públicos Pensemos então nos museus e seus serviços educativos. A cada ano os museus brasileiros vêm se aperfeiçoando no que diz 42 PAULA HILST SELLI respeito a receber o público, oferecer serviço de mediação, pro- mover oficinas, cursos, atualização de professores e tantas outras coisas. É verdade que a todo o momento é preciso enfrentar uma série de questões dentro do museu: pressões burocráticas por nú- meros de visitantes, conflitos entre curadoria e setor educativo, problemas de verba, direitos trabalhistas e outros. Ainda assim, os setores encarregados da educação nos museus têm se multi- plicado e se desenvolvido. Hoje, embora esta não seja a realidade para a maioria das instituições e profissionais, alguns já começam a contar com equipes maiores, contratação adequada e profissio- nais especializados nos diversos públicos, por exemplo.7 Soma-se a esse contexto o destacado papel que vêm assumin- do os centros culturais de empresas, especialmente aquelas liga- das à área financeira, e as megaexposições, um fenômeno cultural dos últimos vinte anos. Lígia Dabul (2008) traz à discussão a criação dos centros culturais no Brasil e no mundo a partir da década de 1970. Comenta sua multiplicidade de atividades e como isso, aos poucos, foi incorporado por diversos museus: Diferindo, de fato, do que até então museus e bibliotecas costumavam ser, os centros culturais desde sua criação agregaram múltiplas ativi- dades, como cinema, teatro e música, exposições e leituras, que antes tendiam a existir em instituições isoladas. O público que aflui a esses centros, por certo também devido a essas distintas atividades ofereci- das, é especialmente diversificado, contrastando com o público rela- tivamente homogêneo que nos grandes centros urbanos frequentava e frequenta cada uma dessas instituições, sobretudo quando isoladas umas das outras (ibidem, p.260). Ao oferecer espaços diferenciados, áreas de convivência, cafés, lojas e uma ampla gama de atividades, essas instituições permitem ao visitan- te que permaneça por mais tempo, retorne mais vezes, consuma mais (esse consumo estando relacionado ao gasto monetário direto ou não). 7 A Pinacoteca do Estado, por exemplo, conta com projetos e profissionais específicos para público com deficiência, pessoas em situação de vulnerabilidade social, entre outros. CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 43 Hoje instituições como o Centro Cultural Banco do Brasil, Centro Cultural dos Correios, Caixa Cultural e Instituto Itaú Cultural, entre outras, são responsáveis por grande movimentação de artistas, espetá- culos, verba e público. Os eventos costumam ser gratuitos ou a preços populares, os horários muitas vezes são estendidos em relação aos de muitos museus, as instituições costumam se localizar em áreas centrais e outras facilidades são oferecidas aos visitantes e grupos. Apesar da complexa rede8 que envolve esse tipo de atividade no país, é inegável o espaço tomado por ela na formação e diversificação de públicos. Já as megaexposições começaram a acontecer no Brasil princi- palmente na década de 1990, embora a exposição de Picasso no Paço Imperial, no Rio de Janeiro em 1986, tenha sido precursora, atrain- do na época um público de 12 mil pessoas. Desde então os recordes de público de vários museus do eixo Rio-São Paulo têm sido regis- trados nas ocasiões desses grandes eventos.9 Myrian Sepúlveda dos Santos (2002) questiona-se sobre essa diferença de comportamento do público em relação às megaexpo- sições em contraponto à atitude deste quando se trata dos mesmos museus em outros períodos. Por que uma exposição chama 400 mil pessoas enquanto outra reúne cerca de 5 mil? A autora comenta uma série de características próprias desses eventos. Essas características podem nos ajudar a pensar sobre o fe- nômeno de público dessas exposições. Segundo Santos, portanto, as megaexposições se caracterizam por: 1) receber grande público; 2) contar com propaganda maciça e interesses empresariais envolvidos; 8 Pensar na dinâmica dos centros culturais de empresas no Brasil não pode ser dissocia- do das questões do marketing, da visibilidade das marcas e dos públicos que cada uma dessas empresas pretende atingir. Tudo isso gera uma série de critérios e expectativas na escolha do que será patrocinado e por quê, o que reflete no trabalho dos profissio- nais envolvidos, no atendimento ao público e na distribuição de oportunidades. 9 Rodin, 1995 (MNBA/Pinacoteca do Estado) – 226 e 100 mil. Monet, 1997 (MNBA/ MASP) – 432 e 380 mil. Picasso, 1999 (MAM RJ/MASP) – 136 e 200 mil (Santos, 2002). 44 PAULA HILST SELLI 3) terem sua produção externa. As mostras não são pensadas pelas equipes dos museus. Os museus que as recebem são somente anfitriões; 4) os curadores não fazem parte do quadro de funcionários do museu, mas são especialistas no tema da mostra e por isso contrata- dos para esse fim específico; 5) as peças expostas não são do acervo do próprio museu que as recebe; 6) as mostras costumam ser itinerantes. A autora comenta ainda sobre a tendência de grandes empresas associarem suas marcas às megaexposições por meio de patrocínios, mesmo em países onde os museus recebem grande subvenção do Estado. Os lucros, para essas empresas, não é de bilheteria, mas de publicidade. A Lei Rouanet, nesse sentido, exerce papel importante na viabilização desses eventos. Os visitantes percebem, nas grandes mostras locais, que podem estar mais à vontade; além de espaços de novidade, sabem que não haverá outra mostra igual àquela. Como acontecia nas primeiras dé- cadas do século XX, querem participar do evento, querem estar lá. O estímulo por guardar lembranças de um evento único ainda movi- menta um mercado paralelo aos grandes eventos: o dos souvenires. Um ponto questionado por Myrian Sepúlveda dos Santos (op. cit.) é o valor dos ingressos. A autora aponta o fato de que, apesar de a Lei Rouanet ser clara sobre a democratização do acesso, as orga- nizações das megaexposições muitas vezes estabelecem estratégias para introduzir preços elevados de ingressos ligados a privilégios, que o visitante que pagou o preço “comum” não pode ter. E afirma, além da enorme adesão de público a esses eventos, que: O público das megaexposições é composto por estudantes, professo- res, artistas, profissionais liberais e todos aqueles ligados às áreas de comunicação, arte e cultura. [...] É importante, ressaltar, portanto, que, no Brasil, um “fenômeno de massas” muitas vezes traduz-se por um “fenômeno de massas elitizadas” (ibidem, p.104). CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 45 No Brasil, os “massificados” pela nova linguagem que associa arte e política são os mais cultos e mais ricos, ficando aqueles que dependem do salário mínimo, que viajam no trem da Central e que morrem nas malhas do tráfico de drogas “livres” dos movimentos de banalização da arte (ibidem, p.111). É importante salientar que Myrian Sepúlveda dos Santos (ibidem), apesar de problematizar uma série de questões refe- rentes ao fenômeno das megaexposições no Brasil, posiciona-se de forma agregadora e sugere a possibilidade de somar, em vez de contrapor, as múltiplas experiências nos campos da arte, bens culturais e museus. Mais articulações e políticas Nas últimas décadas, arte-educadores da educação formal e educadores de museus de diversas tipologias começaram a se ar- ticular para refletir e se posicionar diante das políticas públicas, mercadológicas e novas teorias educacionais. É válido lembrar a criação da Federação dos Arte-Educadores do Brasil (Faeb) em 1987, já pautada na existência de entidades estaduais. Além dis- so, podemos citar a bem mais recente criação da Rede de Educa- dores de Museus (REM) em 2003 no Rio de Janeiro e do Grupo de Estudos Educativos em Rede em São Paulo, no final de 2006, estes últimos a partir dos anseios de educadores que trabalham em museus e centros culturais em se reunir e trocar informações pertinentes ao seu trabalho. Toda essa movimentação é importante, e capaz de tornar a cate- goria profissional cada vez mais consciente, reflexiva e ativa no cená- rio da educação nacional. Na esfera pública, a partir de 2003, o governo dedica gran- de atenção à questão cultural, em especial aos museus. A Política Nacional de Museus (Brasil, 2003), lançada nesse mesmo ano, organiza-se por meio do implemento de sete eixos programáticos, 46 PAULA HILST SELLI sendo um deles o de democratização e acesso aos bens culturais. Seguindo esse documento, uma série de outros são elaborados e colocados em prática nos anos posteriores: em 2004 os decretos que instituem a Semana Nacional de Museus, o Dia do Museó- logo e o Sistema Brasileiro de Museus. Em 2005 o decreto que institui o Sistema Federal de Cultura (SFC). O ano de 2006 é ins- tituído como o Ano Nacional de Museus e, em 2007, é criado o Programa Mais Cultura.10 Embora seja recorrente, nesses documentos, a menção ao acesso público aos bens culturais, oficializando sua importância perante o governo; é o último documento o primeiro a ser destinado especial- mente para esse fim. O Programa Mais Cultura é instituído com os seguintes objetivos: I – ampliar o acesso aos bens e serviços culturais e meios necessários para a expressão simbólica, promovendo a autoestima, o sentimento de pertencimento, a cidadania, o protagonismo social e a diversidade cul- tural; II – qualificar o ambiente social das cidades e do meio rural, ampliando a oferta de equipamentos e dos meios de acesso à produção e à expressão cultural; e III – gerar oportunidades de trabalho, emprego e renda para trabalha- dores, micro, pequenas e médias empresas e empreendimentos da eco- nomia solidária do mercado cultural brasileiro (Art. 1). Todas as suas ações (Art. 2) são voltadas à garantia de acesso da população em geral aos benefícios e serviços culturais, ao patri- mônio cultural e instituições de mesmo gênero. O Programa prevê ainda atenção especial às áreas com indicadores de baixo desenvol- vimento, entre elas as regiões do semiárido e do rio São Francisco. Nos anos seguintes, a Lei Rouanet passou por diversas modifica- ções com vistas a distribuir mais amplamente seus benefícios. Uma delas, datada de 2006, cita em diversos momentos a questão do acesso 10 Respectivamente: Decreto não numerado de 31 de maio de 2004; Decreto n. 5.264/2004; Decreto n. 5.520/2005; Lei n. 11.328/2006; Decreto n. 6.226/2007. CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 47 aos bens culturais, de maneira mais específica e complementando a Lei (Brasil, 2006). Essa mudança é resultado de um processo iniciado em 2003 com os Seminários Cultura para Todos e que visavam, além de melhorias no procedimento de análise e concessão de incentivo fis- cal, uma maior democratização e melhor distribuição geográfica do acesso aos recursos da Lei. Já em 2004 foi registrado grande avanço de resultados, com aumento de benefícios em todas as regiões, com destaque para as regiões Norte e Centro-Oeste. O processo de modernização da Rouanet continuou e, em 2009, foi aberta consulta pública para o projeto de mudança na Lei. Essa consulta ficou no ar de 23 de março a 6 de maio de 2009 e, nes- se período, recebeu cerca de 2 mil sugestões. Em diversas capitais aconteceram debates com participação de representantes do Minis- tério da Cultura (MinC); artistas, produtores, empresas e profis- sionais da cultura opinaram sobre o assunto. Foi uma das maiores discussões e movimentações da área cultural dos últimos tempos, com destaques constantes na mídia. No que diz respeito ao acesso aos bens culturais, o projeto de lei previa a implementação do Vale- -Cultura (Brasil, PL 2009; Art 2, III), para ser utilizado em espetá- culos de artes visuais, cinema, música, teatro e patrimônio cultural, e ainda “a ampliação do acesso da população à fruição e à produção dos bens e serviços culturais e sua plena liberdade de expressão” (Brasil, PL 2009; Art 3, IV). Exceto estas, o projeto de lei mantém orientações semelhantes à lei original no que diz respeito ao acesso a bens culturais e seus benefícios. No ano de 2010, após um ano de discussões, o projeto anterior foi substituído pelo Projeto de Lei n. 6.722/2010. Este último enfati- za a importância de canalizar investimentos para áreas normalmente não atendidas (Brasil, PL 6.722/2010; Art 3, III), estimulando o de- senvolvimento cultural em todo território nacional. De uma maneira geral, embora mais detalhado, mantém as propostas anteriores. No mês de julho de 2010, esse projeto de lei ainda estava tramitando pela Câmara dos Deputados, sendo analisado por diversas comissões. Até abril de 2011, quando esse texto foi fechado, nenhuma outra movi- mentação havia sido registrada pela Câmara dos Deputados. 48 PAULA HILST SELLI O ano de 2009 foi produtivo para a área de museus no Brasil, com a publicação de mais três importantes documentos: Decreto n. 6.835/09, que aprova a estrutura regimental do Ministério da Cultu- ra; o Estatuto de Museus; e a criação do Instituto Brasileiro de Mu- seus (Ibram) (Brasil, 2009. Decreto n. 6.835/09; Lei n. 11.904/09 e Lei n. 11.906/09). O Decreto n. 6.835/09 é importante porque insti- tui a Diretoria de Acesso à Cultura, parte integrante da Secretaria de Cidadania Cultural e responsável por planejar, coordenar, executar e fomentar ações e projetos destinados ao acesso à cultura no país. Além dela, a Diretoria de Programas Integrados, que deve planejar e coor- denar ações para cidadania e inclusão social por meio do acesso a ser- viços e bens culturais e geração de emprego e renda na área da cultura. Quanto aos outros dois documentos que vêm completar e institu- cionalizar a Política Nacional de Museus (BRASIL, 2003), podemos perceber que, em ambos, a questão do acesso ganha espaço, seja como difusão, processos educativos, identitários ou simplesmente de acessi- bilidade dos diferentes públicos a essas instituições e acervos. O público Para além de toda essa movimentação política, profissional e intelectual, os estudos de público mais recentes realizados em mu- seus e instituições culturais no Brasil mostram que o perfil de seus visitantes continua sendo principalmente de pessoas com alto grau de escolaridade e renda, embora este seja inversamente proporcional ao perfil da população (PNAD, 2006 apud Observatório de Mu- seus, 2008). Apesar dos esforços dos museus e centros culturais, da inclusão da questão do acesso na legislação de cultura e educação e de ações específicas, tanto por parte do governo quanto das institui- ções, este continua distante de atingir a maior parte da população. Todavia, pode-se e deve-se aproveitar a corrente de novos es- tudos na área, a multiplicação e especialização dos profissionais e a receptividade política à questão do acesso para a concepção e concre- tização de novas pesquisas. Se o acesso público aos bens culturais no CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 49 Brasil parece não conseguir ultrapassar certos limites, talvez seja um bom momento para refletir e elaborar novas abordagens. Procurar esmiuçar o sentido de museu, de público e de acesso nos diversos contextos e para os diversos grupos sociais, etários e étnicos pode contribuir para essa construção de uma colcha reflexiva. É nesse sentido que surgiu esta pesquisa, pretendendo ser mais um pedaço dessa colcha. Ao trazer a criança, como público que é, para falar sobre sua relação com o museu, a pesquisa propõe outro ponto de partida para a reflexão sobre o acesso e a formação de públi- co de museus e instituições culturais em São Paulo. A partir das falas das crianças podemos ver a chegada ao museu com outros olhos, e refletir sobre ela. Assim, quem sabe ao final do trabalho costurare- mos mais um retalho. Figura 3 – Desenho de B08. 2 o que aS criançaS dizem O contato com as crianças que participaram da pesquisa foi, sem dúvida, a parte mais significativa deste trabalho. Não somen- te pelas manifestações sinceras, entusiasmadas e tantas vezes sur- preendentes que pude testemunhar durante todo o processo, mas também pelos resultados, esperados e inesperados, e por tudo a que me chamaram a atenção esses pequenos cidadãos com suas coloca- ções simples e diretas. Conversar com crianças sobre qualquer assunto que as interesse é sempre apaixonante, desde que as deixemos falar. As crianças, de uma maneira geral, gostaram da proposta e aceitaram a tarefa de dei- xar suas opiniões sobre museus. Este segundo capítulo pretende falar sobre elas: as falas das crianças e os resultados obtidos a partir delas. Para iniciar, faço uma apresentação da proposta de trabalho e metodologia de pesquisa. Em seguida, procuro situar o leitor no contexto das turmas e escolas participantes. Quem são essas crianças que participaram da pesquisa? De onde são? O que há de comum ou diferente entre cada uma das turmas? A terceira parte e coroação deste capítulo traz a coletânea e aná- lise das falas das crianças. É a parte mais longa, justamente por ser 52 PAULA HILST SELLI o cerne de toda a pesquisa. Por esse motivo a dividi de acordo com grupos de perguntas: em primeiro lugar, vamos conhecer a relação dessas crianças com o museu, se elas já o conhecem, a frequência de visitação e se gostam de ir. Em segundo lugar, conheceremos quem intermedeia essa relação. Em terceiro, quais são os museus que co- nhecem, que referências são essas. Em quarto lugar queremos saber que museu é este que habita o imaginário da criança: para que serve, como é, o que encontramos dentro dele. Para terminar, pretendemos investigar como a criança percebe o acesso público ao museu. Metodologia de pesquisa A pesquisa de campo que originou esta publicação aconteceu no ano de 2009 em quatro escolas de ensino fundamental do município de São Paulo. Ela foi planejada e realizada por meio de uma dinâmi- ca de coleta de dados com grupos de crianças do Ensino Fundamen- tal I e teve como objetivo identificar como as crianças de diferentes escolas e realidades veem o museu, qual seu contato com ele e quem proporciona esse contato. Para realização da atividade foram contatadas quatro escolas de Ensino Fundamental de São Paulo, sendo duas da rede pública (uma estadual e outra municipal) e duas particulares (uma de pedagogia tra- dicional e outra de pedagogia Waldorf). Centrei a pesquisa em apenas uma das séries, envolvendo cerca de uma classe de cada uma das esco- las, todas pertencentes ao atual 4º ano do ensino fundamental. Ao final a pesquisa foi realizada com 95 crianças, com idade mé- dia de 9 anos, divididas em quatro escolas da seguinte maneira: • Escola Estadual Artur Sabóia com 22 crianças da então ter- ceira série, provenientes de duas classes, em dois grupos de trabalho, um de 9 e outro de 13 crianças; • Escola Municipal Eurico Gaspar Dutra com 28 crianças da então terceira série, provenientes de uma única classe, em dois gru- pos de trabalho, com 14 crianças em cada um; CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 53 • Instituto de Educação Beatíssima Virgem Maria com 28 crianças do quarto ano (Ensino Fundamental de nove anos), pro- venientes de duas classes, em dois grupos de trabalho, um de 10 e outro de 18 crianças; • Colégio Waldorf Micael de São Paulo com 17 crianças da então terceira série, provenientes de uma única sala em um único grupo de trabalho. A dinâmica empregada na pesquisa levou em conta a faixa etária dos participantes e procurou ser instigante, objetiva e compreensível para esses. Ela consistiu em três atividades das quais todos os gru- pos participaram: Jogo de Perguntas, Roda de Conversa e Desenho. No dia da realização das atividades, trabalhei com grupos que con- tinham, em média, quinze alunos cada, em espaço à parte da sala de aula das crianças. Apenas o desenho foi realizado na sala. O Jogo de Perguntas O Jogo de Perguntas consistiu em uma atividade lúdica, na qual cada uma das crianças tornava-se um entrevistador e um en- trevistado e assim respondia, individualmente, a onze perguntas essenciais sobre os museus, trazendo suas opiniões e experiências a respeito. As onze perguntas essenciais feitas às crianças foram: 1. Você já foi a um museu? 2. Se você já foi a um museu, quem te levou? 3. Você lembra do nome de um museu? Você já foi a esse museu? 4. Quantas vezes você já visitou museus? 5. Você pode descrever como é um museu? Se você ainda não foi, como imagina que seja? 6. Para que serve um museu? 7. Você gosta (ou gostaria) de ir a museus? Por quê? 8. O que encontramos dentro do museu? 54 PAULA HILST SELLI 9. Será que todas as pessoas podem ir aos museus? Por quê? 10. As pessoas vão ao museu para quê? O que você acha? 11. Para entrar nos museus é necessário pagar alguma coisa? Foram criadas estratégias de adequação para contemplar gru- pos de diferentes tamanhos e crianças com dificuldade de leitura/ escrita. Em alguns grupos trabalhei com perguntas extras, por con- ta do número maior de crianças, mas essas perguntas não foram consideradas no resultado final por não terem sido respondidas por todas as turmas. Conforme explicado anteriormente, essas perguntas seriam fei- tas por crianças a crianças, em ordem aleatória e uma por vez. Des- sa forma, era importante que os enunciados fossem independentes, ainda que isso desse a impressão, algumas vezes, de haver repetição nos assuntos abordados. As perguntas de 1 a 4 tiveram a intenção de responder ao obje- tivo 1: “Investigar se a criança tem acesso aos museus. Como esse acesso se dá e por meio de quem”. A pergunta 2 pretendeu respon- der também, e de forma mais específica, ao objetivo 3: “Levantar quem são os principais responsáveis por intermediar hoje esse con- tato entre as crianças e o museu”, embora esse também possa ser respondido de forma indireta, por outras questões, pelos desenhos e pelas rodas de conversa. As perguntas de 5 a 11 procuraram abarcar, por meio de vários pon- tos de vista, o objetivo 2, “Investigar qual é o papel que o museu assume hoje na vida e no imaginário infantil”. Dessa forma, a pesquisa de cam- po pôde englobar três dos quatro objetivos específicos desta pesquisa. Cada pergunta era colocada no alto de uma folha de papel com uma tabela de linhas vazias, além de duas colunas: a primeira cor- respondia ao nome de cada criança e, a segunda, a resposta dada por cada uma delas (ver Anexos). No início da dinâmica, cada criança recebeu uma pergunta pela qual ficou responsável. Era sua incum- bência entrevistar todos os colegas e registrar a resposta de cada um deles para aquela única pergunta. Antes de começar, cada criança respondia na primeira linha a pergunta que recebeu. CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 55 Para tornar a atividade mais dinâmica e atrativa, propus um jogo: no chão havia círculos, e em cada um deles somente duas crian- ças podiam permanecer de cada vez. Era dentro dos círculos que eles faziam as perguntas aos colegas, respondiam e anotavam respostas. Os que ficavam de fora (uma ou duas crianças no máximo) perma- neciam uma rodada sem entrevistar ninguém. A cada sinal meu (que só acontecia quando eu percebia que eles haviam terminado), eles deveriam trocar de círculo e de dupla, já que não poderiam entre- vistar duas vezes o mesmo colega. O jogo deu certo, e as crianças mostraram-se não só animadas, como tamém, responsáveis pela pergunta que tinham em mãos. Rodas de conversa Essas onze perguntas procuravam abarcar todos os questiona- mentos do projeto; porém, para complementar sua eficácia, foram utilizados ainda outros meios. A roda de conversa era realizada com cada grupo após o jogo das perguntas. A partir de respostas dadas pelas crianças em algumas perguntas (após o primeiro grupo já per- cebi quais as questões que geravam maior discussão) eu fazia no- vos questionamentos, ou pedia uma explicação mais detalhada de algo. A partir das primeiras falas, a conversa ia se desenvolvendo livremente e, embora eu procurasse pontuar algumas questões para garantir que fossem respondidas, em cada grupo o desenrolar desse bate-papo tomava um caminho novo, revelando os interesses e ca- racterísticas de cada grupo. Desenho Para completar, ainda foi usado o recurso do desenho. Cada turma foi convidada, antes ou após a dinâmica, a fazer um desenho 56 PAULA HILST SELLI com o tema “Como é o museu”.1 Esses desenhos ajudam bastante na compreensão de como essas crianças veem a instituição e foram utilizados de forma a complementar os resultados obtidos no jogo e nas rodas de conversa, principalmente quando falamos de apa- rência e conteúdo do museu. A principal qualidade dessa dinâmica foi unir a escrita com a fala, pois uma expressão complementa a outra. As respostas das perguntas, que foram registradas por escrito pelas próprias crian- ças, dão-nos uma visão geral, abarcam todos os assuntos e, como são objetivas, permitem a tabulação. Já no momento de expor os resultados e discutir a respeito com o grupo é que surgiram as falas mais ricas, ilustrando e explicando o que foi escrito. Além disso, os três momentos juntos (entrevista, conversa e desenho) deram oportunidades diferenciadas à expressão de cada criança. Isso é importante, já que temos crianças que se colocam melhor indivi- dualmente, outras que têm mais naturalidade para falar no grupo e algumas que se expressam melhor por meio de outros recursos, como o desenho. As escolas e turmas Apresento a seguir um breve descritivo sobre as escolas onde a pesquisa foi realizada e as turmas que participaram. E.E. Artur Sabóia A E.E. Artur Sabóia é uma escola da rede estadual localizada no bairro da Vila Vera (próximo ao Sacomã) e pertencente à Diretoria de Ensino Centro-Sul que atende ao Ciclo I do Ensino Fundamental. A escola não é muito grande (são treze classes) e, até o ano de 2009, 1 Apenas em uma turma a instrução dada foi um pouco diferente e eles receberam a orientação de desenhar o que há dentro do museu. CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 57 quando a pesquisa de campo foi realizada, ainda trabalhava com o Ciclo de quatro anos de duração (primeira a quarta séries). Nessa escola, pude perceber as dificuldades estruturais ineren- tes à rede estadual de ensino, as quais já havia encontrado quando dei aulas na educação formal, como a falta de professores (a primeira turma a participar da pesquisa estava sem aula de Artes há tempos, pois a professora havia saído e não fora substituída de imediato). Por outro lado, conheci o que a escola chamava de “Projeto” ou “Aula de Projeto”: quatro vezes por semana, durante cerca de meta- de do período, as crianças eram remanejadas para suas “Salas de Pro- jeto” – havia salas de primeira, segunda, terceira, e quarta séries. Em cada sala eram desenvolvidos os conteúdos daquela série e os alunos eram reunidos de acordo com as suas dificuldades. Na sala em que eu estava, por exemplo (que era uma sala de terceira série), vi alunos que foram para o projeto da primeira para trabalhar a alfabetização que ainda não dominavam e até um aluno que foi para o projeto da quarta por estar mais adiantado, entre outros casos. Assim, cada criança ti- nha na escola o momento de estar com os colegas da sua idade (na sala convencional) e o momento de trabalhar especificamente de acordo com seu nível de conhecimento e dificuldade (na Sala de Projeto). Achei o projeto admirável. Mais admirável ainda o trabalho dos professores e da coordenadora, que procuraram uma forma inédita de ajudar seus alunos em uma realidade tão precária quanto a que vi- vemos hoje em nossas escolas estaduais. Percebi, claramente, a prio- ridade de sanar essas deficiências (provocadas por fatores que não nos cabe aqui avaliar) quando a coordenadora Vanessa me explicou que não deveríamos utilizar as aulas de projeto para a pesquisa, pois elas eram fundamentais para o progresso dos alunos. Dessa forma, foi-me destinada uma terceira série do período vespertino que estava sem aulas de Artes e ficou acordado que eu po- deria utilizar esse período. Como as crianças que foram autorizadas pelos pais foram poucas em relação ao todo, e várias ainda faltaram no dia da atividade, consegui realizar a pesquisa com apenas nove alunos dessa sala, sendo necessário, portanto, o agendamento de uma segunda sala da mesma escola. A outra sala foi uma da manhã, 58 PAULA HILST SELLI onde também tivemos pouco retorno de autorizações e muitas faltas: desta, participaram 13 crianças, totalizando 22 crianças participan- tes da pesquisa na E.E. Artur Sabóia. As duas turmas diferiram bastante em suas respostas à dinâmica de atividade. A primeira teve uma dificuldade maior em compreen- der como funcionaria o jogo das perguntas e necessitou de ajuda para realizá-lo, mas mostrou-se muito desenvolta nas suas falas e argumentos. Já a segunda turma apresentou um comportamento inverso: entenderam rapidamente o jogo e gostaram de jogar. Suas respostas escritas eram mais elaboradas que as dos alunos da primei- ra turma, porém quase não consegui resultado na roda de conversa. Inibidos com o gravador ou com a situação, essas crianças falaram muito pouco, apesar das minhas constantes solicitações. Sobre a escola e seu público, pude destacar as especificidades das faltas dos alunos (não vi nenhuma vez as salas completas) e a dificuldade de retorno das autorizações dos pais. Funcionárias da escola comentaram que aquelas crianças, de uma maneira geral, não moram nos arredores, o que pode tornar a escola um pouco distante da comunidade a qual atende, dificultando o compromisso das fa- mílias com a instituição escolar. Desde o primeiro dia, também, a coordenadora comentou comigo que seria difícil que a maioria dos pais autorizasse a participação de seus filhos na pesquisa, pois tinha dificuldade para qualquer tipo de autorização com aqueles alunos, o que se confirmou depois. EMEF Eurico Gaspar Dutra Em cada uma das escolas a recepção à pesquisa foi diferente. Na escola municipal fui recebida pela diretora que, mais do que se mostrar interessada em me ajudar – qualquer que fosse meu pro- pósito – mostrou-se especialmente interessada no tema da pes- quisa e logo abriu as portas da escola para que eu ali a realizasse, pedindo apenas para que eu acertasse turma e cronograma com a coordenadora pedagógica. CRIANÇAS, MUSEUS E FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM SÃO PAULO 59 A EMEF Eurico Gaspar Dutra pertence à Diretoria Regional de Educação do Ipiranga e fica no bairro da Vila Brasilina, entre a Av. Tancredo Neves e a região da Saúde. É uma escola razoa- velmente grande, com cerca de 1.200 alunos em três turnos entre Ensino Fundamental I, II e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Até o ano de 2009 também ainda não trabalhava com o Ensino Fundamental de nove anos. Nessa escola me chamaram a atenção os espaços amplos e bem- -cuidados. Ao conversar com a coordenadora pedagógica, pude no- tar a sequência de livros sobre pedagogia que preenchiam a estante; a propósito, a sala era ampla e organizada. Como já havia ocorrido em outras ocasiões, a escola da rede municipal me chamou a atenção em relação à estrutura e organização, em contraponto ao observado na escola da rede estadual. Pareceu-me também que muitos dos alunos residiam no entorno da escola, pois os vi chegando pela rua, muitos deles, no dia em que lá estive no primeiro horário. Ao lado da escola existe a Favela do Boqueirão, que pode ser local de residência de boa parte dos alunos. A turma a mim destinada foi uma terceira série da manhã com 35 alunos no total. A sala estava cheia nos três dias em que estive lá, faltando no máximo uma ou duas crianças. Das 35, 28 participaram da pesquisa, pois levaram as autorizações. Era uma turma considerada “boa” pela coordenação, onde todos os alu- nos escreviam.2 As crianças foram divididas em dois grupos de catorze que participaram ativamente. De uma maneira geral, entenderam ra- pidamente a proposta do jogo e, durante a conversa, falaram bem e defenderam suas ideias. 2 Não fui eu que fiz essa exigência, pois minha proposta de atividade podia ser adapta- da para receber dentro da turma alguns alunos que não escreviam, ou não escreviam bem, junto aos outros. 60 PAULA HILST SELLI Colégio Beatíssima O Instituto de Educação Beatíssima Virgem Maria, o qual cha- maremos de Colégio Beatíssima, é uma escola particular tradicional que está localizada na Avenida Morumbi, próximo à Avenida Santo Amaro, no bairro do Brooklin. Trata-se de uma escola grande que oferece os cursos de Edu- cação Infantil, Ensino Fundamental de nove anos e Ensino Médio. Além disso, conta com a possibilidade de período integral para os pais que assim o desejarem e oferece cursos livres para a terceira idade. O espaço físico é amplo e diversificado, os alunos têm pos- sibilidade de fazer aulas de balé, judô, sapateado e circo, pagos à parte pelos pais em horário imediatamente posterior ao de aulas. De acordo com o site da escola, seus princípios educativos são fundamentados nos valores do Evangelho, promovendo uma educa- ção cristã. A proposta pedagógica para o Ensino Fundamental: [...] Visa ao desenvolvimento da capacidade de aprender, através do do- mínio da leitura, da escrita e do cálculo, da compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos va- lores em que se fundamenta a sociedade, inclusive aqueles que levam à formação de hábitos e atitudes básicas para o trabalho, convívio social e exercício da cidadania (Instituto de Educação, 2010). Apresenta sistema tradicional de classes e avaliação, com notas, recu- perações contínuas e paralelas e possibilidade de retenção do aluno. O ca- ráter religioso tem presença constante no site e no ambiente físico da escola. A direção dessa escola solicitou que eu aplicasse a atividade de pesquisa às três salas de quarto ano (antigas terceiras séries) para que todos os alunos tivessem a mesma experiência. O dia escolhido foi um s