LARISSA LIMA VINHAA PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS INICIANTES DE CRECHES SOBRE O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO São José do Rio Preto 2023 Câmpus de São José do Rio Preto LARISSA LIMA VINHAA PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS INICIANTES DE CRECHES SOBRE O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino e Processos Formativos junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos (PPG-EPF) do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Orientadora: Profa. Dra. Maévi Anabel Nono. São José do Rio Preto 2023 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. V784p Vinhaa, Larissa Lima Percepções de professoras iniciantes de creches sobre o estágio curricular supervisionado / Larissa Lima Vinhaa. -- São José do Rio Preto, 2023 128 f. : il., tabs. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto Orientadora: Maévi Anabel Nono 1. Formação de Professores. 2. Estágio Curricular Supervisionado. 3. Professores Iniciantes. 4. Educação Infantil. I. Título. LARISSA LIMA VINHAA PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS INICIANTES DE CRECHES SOBRE O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino e Processos Formativos junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos (PPG-EPF) do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Comissão Examinadora Profa. Dra. Maévi Anabel Nono UNESP – Câmpus de São José do Rio Preto Orientadora Prof. Dr. Raul Aragão Martins UNESP – Câmpus de São José do Rio Preto Profa. Dra. Aline Sommerhalder UFSCar – Câmpus de São Carlos São José do Rio Preto 26 de junho de 2023 AGRADECIMENTOS Inicialmente, gostaria de agradecer a Universidade Estadual Paulista (Unesp), que, como instituição de ensino público, atende aos seus alunos com qualidade, respeito e liberdade no processo de aprendizagem, na qual me formei e moldei minha identidade docente, primeiramente, como professora de Educação Básica e, agora, como Mestre. E, neste mesmo processo, agradeço a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde pude cursar uma disciplina sobre Estudos em Formação de Professores que foi de extrema importância para o aprofundamento desta pesquisa. Entretanto, esta construção só foi possível a partir da orientação, troca de ideias e ensinamentos de minha orientadora, Profa. Dra. Maévi Anabel Nono, assim como os apontamentos relevantes e necessários da banca examinadora composta pelos docentes Prof. Dr. Raul Aragão Martins e Profa. Dra. Aline Sommerhalder. Além disso, reconheço que as professoras participantes do estudo tornaram a pesquisa relevante, permitindo que olhássemos para o assunto por meio de outra perspectiva. Por último, agradeço ao apoio emocional e pessoal de minha família: meus pais, João e Marlene, que me ensinaram a resiliência e a importância do trabalho de qualidade, minha irmã e cunhado, Juliana e Daniel, que sempre me incentivaram a buscar mais e a dar o melhor de mim, e meu companheiro de vida, Matheus, que adaptou sua rotina e não mediu esforços para me auxiliar em momentos difíceis nesses dois anos de estudo. A todos vocês, minha gratidão. “Pensar o estágio é repensar os cursos e a importância da pesquisa na formação docente”. Selma Garrido Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima (2017, p. 195) RESUMO Com o início da criação das universidades para cursos de licenciatura em 1987, ficam em segundo plano as escolas normais que atuam no século XIX como formadoras de professores. Nessa alteração, o estudo da Pedagogia se aproximou mais da ciência e da pesquisa, levando em consideração aspectos como psicologia, filosofia e epistemologia. Entretanto, houve, também, a perda da prática e da aproximação com o ambiente de trabalho que outrora era mais valorizado com as escolas-modelo, onde os alunos do curso realizavam a prática por anos durante seus estudos, ministrando aulas na escola anexa à escola normal. Visando lidar com a lacuna prática na formação, autores estudados destacam a importância do Estágio Curricular Supervisionado (ECS) como entrelaçador do conhecimento teórico e prático capaz de suprir esse dilema, além disso, a legislação brasileira para o curso de licenciatura em Pedagogia traz o ECS como parte obrigatória. Tendo em vista a importância do cumprimento de um estágio de qualidade, essa pesquisa, de natureza quanti- qualitativa, teve como objetivo geral identificar e analisar percepções de professoras iniciantes de Educação Infantil sobre as contribuições e limitações do ECS, realizado no curso de Pedagogia, em seus primeiros anos de docência na creche. Teve como objetivos específicos: 1 – Caracterizar os participantes no que se refere a aspectos pessoais, trajetórias de formação para a docência na creche, percurso profissional; 2 – Descrever e analisar como foi realizado o ECS na Educação Infantil pelos participantes da pesquisa (carga horária, orientação recebida, articulação com as disciplinas do curso, tipo de supervisão, local e agrupamento de realização, observação/participação, relatórios, contato com a professora do agrupamento, acolhimento na escola onde realizou o estágio); 3 – Descrever e analisar situações vivenciadas no ECS que contribuíram, do ponto de vista dos participantes, nos primeiros anos de docência na creche; 4 – Identificar limitações do ECS apontadas pelos participantes, assim como aprendizagens que gostariam de ter vivenciado no ECS, as quais acreditam que teriam auxiliado nos primeiros anos de docência na creche. Esta pesquisa foi realizada em creches públicas de um município do interior do estado de São Paulo e teve como participantes 15 professoras com até cinco anos de experiência docente. Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário com questões fechadas e abertas. Os dados foram analisados a partir de focos de análise estabelecidos com base nos objetivos da pesquisa. Os resultados indicam que as docentes iniciantes se encontram em contratos temporários de baixa estabilidade no município. Todas as respondentes realizaram o ECS em Educação Infantil, sendo majoritariamente feito em instituições de pré-escola, o que gerou uma lacuna na formação em relação à falta de fundamentação específica para a creche. As orientações recebidas para a realização do estágio e o espaço de discussões oferecido contribuíram para a formação das professoras, no entanto, as limitações se referem à falta de informações aprofundadas sobre o cuidado físico e a elaboração de documentação pedagógica no estágio. PALAVRAS-CHAVE: Formação de Professores. Professores Iniciantes. Educação Infantil. Estágio Curricular Supervisionado. ABSTRACT In 1987, at Brazilian Universities it started the course of Teaching Degree and the normal schools that have worked with the teachers’ training took a back seat. In this change the study of pedagogy has moved closer to science and research, taking into account aspects like psychology, philosophy, and epistemology. However, there was also a loss of practice and approximation with the work environment that was once more valued with the model schools, where the students of the course carried out the practice for years during their studies, teaching at the school attached to the normal school. In order to deal with the practical gap in training, studied authors highlight the importance of the Supervised Curricular Internship (SCI) as an interweaving of theoretical and practical knowledge capable of supplying this dilemma, in addition, the Brazilian Legislation of the Degree in Pedagogy brings the SCI as a mandatory part of the course. Bearing in mind the importance of fulfilling a quality internship, this research, of a quantitative and qualitative nature, had the general objective of identifying and analyzing perceptions of beginning Early Childhood Education teachers about the contributions and limitations of SCI, carried out in the Pedagogy course, in their first years of teaching in the nursery school. It had the following specific objectives: 1 – Characterize the subjects with regard to personal aspects, training trajectories for teaching in day care centers, professional careers; 2 – Describe and analyze how the SCI in Early Childhood Education was carried out by the research subjects (hour load, guidance received, articulation with the course disciplines, type of supervision, place and grouping of realization, observation/participation, reports, contact with the group teacher, welcome at the school where the internship took place); 3 – Describe and analyze situations experienced in the SCI that contributed, from the point of view of the subjects, in the first years of teaching at the day care center; 4 – Identify SCI limitations pointed out by the subjects, as well as learning experiences that they would like to have experienced in the SCI, which they believe would have helped in the first years of teaching at the day care center. This research was carried out in public day care centers in a city in the interior of the state of São Paulo and had as subjects 15 teachers with up to five years of teaching experience. As a data collection instrument, a questionnaire with closed and open questions was used. Data were analyzed based on analysis focuses established based on the research objectives. The results indicate that beginning teachers are in temporary contracts of low stability in the municipality. All respondents took the SCI in Early Childhood Education, being mostly done in preschool institutions, which created a gap in training in relation to the lack of specific foundation for day care. The guidelines received for carrying out the internship and the space for discussions offered contributed to the training of the teachers, however, the limitations refer to the lack of in-depth information about physical care and the preparation of pedagogical documentation in the internship. KEYWORDS: Teacher Education. Beginning Teachers. Early Childhood Education. Supervised Curricular Internship. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURAS Figura 1 - Idade dos participantes .......................................................................... 71 Figura 2 - Anos em experiência na profissão ......................................................... 74 Figura 3 - Forma de ingresso na profissão ............................................................. 75 Figura 4 - Período do curso em que realizou o Estágio Curricular Supervisionado na Educação Infantil .............................................................................. 78 QUADROS Quadro 1 – Panorama nacional da Docência na Educação Infantil subdividido por sexo ....................................................................................................... 72 Quadro 2 - Caracterização dos participantes da pesquisa ...................................... 77 Quadro 3 – Razão aluno professor no curso de licenciatura em Pedagogia no ano de 2021 .................................................................................................. 84 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CAAE Certificado de Apresentação de Apreciação Ética CEFAM Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério CNE Conselho Nacional de Educação ANEI Avaliação Nacional da Educação Infantil BNCC Base Nacional Comum Curricular DCN Diretrizes Curriculares Nacionais DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ECS Estágio Curricular Supervisionado HTPC Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UNESP Universidade Estadual Paulista USP Universidade de São Paulo SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................... 26 2.1. O HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL ................................................. 26 2.2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL .................. 38 2.2.1. Histórico da formação de professores ................................................... 38 2.2.2. A formação atual do professor de Educação Infantil ............................. 41 2.3. ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO ............................................ 44 2.3.1. Contrariedades sobre o estágio ............................................................. 48 2.3.2. Melhorias para se colocar em prática .................................................... 51 2.4. INÍCIO DA DOCÊNCIA ................................................................................ 55 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................... 64 4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE RESULTADOS .................................... 70 4.1. CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES .............................................. 70 4.2. REALIZAÇÃO DO ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO EM EDUCAÇÃO INFANTIL.......................................................................................... 77 4.3. SITUAÇÕES QUE CONTRIBUÍRAM PARA OS PRIMEIROS ANOS DE DOCÊNCIA ............................................................................................................ 92 4.4. LIMITAÇÕES APONTADAS PELAS PARTICIPANTES ............................... 95 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 104 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 109 13 1. INTRODUÇÃO Nasci e cresci em uma cidadezinha pequena chamada Cajobi, no interior de São Paulo, e foi lá que cursei toda a Educação Básica. Como característica dessas cidades pequenas, tive a oportunidade de estudar sempre com as mesmas pessoas na turma de alunos, da pré-escola até o fim do Ensino Médio. Diversas vezes até os professores eram os mesmos e, dessa forma, foi possível criar um vínculo amigável e duradouro com eles. Até meus oito anos de idade, morei em um sítio desta cidade, um reino encantado que me permitia inúmeras fantasias ao brincar. Um dia, ao receber a visita de uma amiga da família que era professora, ganhei um apagador que ela não usava mais em suas aulas. Desde então, eu me via todos os dias sendo a professora do sítio com meu apagador de lousa. Com o passar dos anos, houve a chegada de alguns questionamentos como: “O que você quer ser quando crescer?” e eu sempre respondia “Quero ser professora de Educação Física”, “Quero ser professora de Português”, “Quero ser professora de Biologia”. Eu ainda não sabia o que queria lecionar, mas sabia que ensinar aos outros seria minha profissão e acredito que ali começou a minha formação como docente, mesmo antes do ingresso no Ensino Superior. A admiração pela profissão passou a crescer, assim como a curiosidade sobre o trabalho e a vida escolar. No Ensino Médio, comecei a me desanimar com a escolha da profissão, pois aquela cidade pequena era tão defasada que, em alguns anos, não havia professores de Química, Física ou Filosofia na escola e, enquanto isso, o vestibular se aproximava. Novamente, me deparava com as perguntas “Qual curso você vai prestar?”, “Qual faculdade vai fazer?” e eu respondia “Vou prestar Pedagogia para ser professora”, e a partir deste momento comecei a experienciar a desvalorização e a desmoralização da profissão. Quando falava em ser professora, muitos demonstravam descontentamento, falavam para fazer um curso melhor, “algo que desse dinheiro” e muitas vezes essas críticas vinham das minhas próprias professoras. Não mudei de ideia por isso, mas aprendi o que não ser/fazer com meus alunos. Entretanto, há sempre alguém iluminado no nosso caminho. Uma professora que eu admirava muito me falou de uma instituição de ensino chamada UNESP, confiou em mim e me encorajou a prestar o vestibular, assim como minha família. Nesse mesmo ano, ao pesquisar mais sobre essa instituição pública, encontrei um de seus cursinhos comunitários, o Metamorfose, o qual preparava os alunos para o 14 vestibular. Me interessei muito pelo cursinho, prestei o processo seletivo e consegui uma bolsa de estudos. Hoje, noto como aquela boa professora mudou o caminho da minha vida e como se tornou uma inspiração, um modelo de boas experiências. No curso pré-vestibular, havia professores para todas as disciplinas que, além de serem diferentes daqueles da minha cidade, eram estudantes do próprio câmpus. Desta forma, meus novos professores eram jovens animados cujos olhos brilhavam quando falavam dos conceitos que estavam ensinando e me encontrei animada novamente para ser uma professora como eles. Em 2016, iniciei minha formação docente formalmente, apesar de já ter tido experiências positivas e negativas que vinham moldando meu ser profissional. Ingressei no curso de licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual Paulista, Unesp, câmpus de São José do Rio Preto, porém, era muito longe da minha cidadezinha. Diariamente, com o transporte público, eram necessárias duas horas de viagem para a ida e, novamente, para a volta, e, com o início dos estágios obrigatórios, viajar todos os dias tornou-se inviável. Desta maneira, mudei-me para a cidade onde ficava a instituição de ensino e, apesar de gostar muito da minha terra natal, essa foi uma escolha muito positiva, pois, nesta nova etapa, consegui participar ativamente do curso e das atividades que a instituição proporcionava sem a necessidade de viajar várias horas por dia. Durante a graduação (2016-2019), realizei diversas atividades que promoveram enriquecimento da minha formação como: a Iniciação Científica sobre o pensador Jean Piaget; a participação do Centro Acadêmico de Pedagogia, que trouxe grandes oportunidades de organizações de eventos sociais e educacionais, como a Semana de Pedagogia da instituição e projetos solidários para público externo; a atuação no Estágio Profissional durante dois anos em um centro educacional muito renomado na cidade, o qual foi uma experiência incrível de trabalho; o cumprimento dos Estágios Curriculares Supervisionados (ECS) e, além disso, o convite para atuar na Comissão de Formatura, na qual trabalhei como Diretora de Colação de Grau organizando o evento junto a Diretoria do Instituto. Um ponto chave da graduação para meu aprender docente foram os estágios, previstos na resolução do Conselho Nacional de Educação nº 1, de 15 de Maio de 2006, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia (BRASIL, 2006). Na parte prática, foi possível dialogar com várias 15 mentoras que me receberam, cada qual com seu jeito de lecionar, organizar ou administrar, seja a escola toda ou a sala de aula. Na maioria desses ambientes, fui muito bem recebida, onde me abriram espaços para perguntas, observação da turma, da prática docente e participação em reuniões como observadora, que era o foco do Estágio Curricular Supervisionado. Entretanto, em outras escolas, apesar de bem recebida, notei que algumas gestoras tinham dias tão atarefados que atender as minhas dúvidas se tornava algo muito difícil. Também, em outros agrupamentos e salas de aula, outras professoras não sabiam muito como lidar com uma “estagiária observadora”. Mesmo apresentando uma orientação da instituição de ensino ou explicando que não estava ali para avaliar, mas, sim, aprender, pareciam sentir-se inseguras com a minha presença, dificultando muito a relação de mentoria. Portanto, todos esses fatos me faziam sentir que algumas dessas escolas não estavam preparadas para serem formadoras de professores. Entre todas as experiências que moldaram minha identidade docente, destaco o Estágio Profissional1. Durante dois anos, acompanhei três professoras dando assistência a três salas de 1º ano do Ensino Fundamental. O Estágio Profissional se difere do ECS em relação à quantidade de horas presente na escola e a sua forma atuante. No ECS, eu tinha controle da turma somente quando apresentava regências, que são modelos de aulas apresentadas no ECS, e permanecia por poucas semanas na escola, apenas em observação. Já no Estágio Profissional, eu fazia parte daquela escola e do corpo docente criando vínculos com as mentoras e, mesmo como aprendiz, tendo responsabilidades com as crianças, participando ativamente, tendo direito a opiniões e intervenções na prática anual, o que me permitia acompanhar os resultados de todo o trabalho. Neste período, aprendi muito com as mentoras e com o meu próprio trabalho com as crianças sobre como lidar com os alunos, o planejamento dos materiais, as formas de avaliação e tive contato com o carinho e o respeito de todos. No último ano de graduação, realizei uma pesquisa como Trabalho de Conclusão de Curso (VINHAA, 2019) sobre as trajetórias de professores iniciantes na Educação Infantil e alcancei resultados satisfatórios sobre a formação desses profissionais, suas dificuldades e facilidades, mas, também, informações que ainda 1 Lei nº11.788, de 25 de setembro de 2008, que dispõe sobre o estágio de estudantes (BRASIL, 2008). 16 deveriam ser pesquisadas como, por exemplo, as influências que o ECS promoveu na prática inicial desses professores, pois, no trabalho realizado, notou-se uma grande interferência dele na formação das professoras entrevistadas. Além das normativas para o curso, diversos pensadores trazem o ECS como ponto importante da formação e fico feliz de ter tido essas experiências. Com essa bagagem pequena, porém, valiosa, iniciei, em 2020, minha carreira como professora de Educação Básica em um município no interior de São Paulo, passando pela fase inicial da docência que Huberman (1992) destaca como o “choque de realidade”, momento no qual o professor iniciante, entre os três primeiros anos de docência, sente o entusiasmo inicial da descoberta da profissão e a insegurança sobre sua própria capacidade. Inicialmente, deparei-me com uma turma de bebês na Educação Infantil, uma faixa etária que eu não estava habituada por não ter tido contato durante os estágios do curso de Pedagogia. Desta maneira, foi uma etapa da carreira em que me senti muito insegura ao me deparar com uma turma de bebês que não se comunicavam oralmente, apesar de se comunicarem de tantas outras formas, brincavam com tudo que encontravam ao seu redor e tinham muito a aprender com minhas propostas. Sem saber por onde começar e com duas estagiárias para ensinar o que nem eu mesma sabia no momento, havia, diariamente, os pais preocupados na porta me perguntando sobre amamentação e desfralde, coisas das quais eu não sabia como responder. Diante daquelas formandas, dos bebês e de seus familiares, notei o quanto eu ainda precisava estudar e buscar conhecimentos. Neste momento, observei a importância da formação continuada em serviço no Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), destinado à reunião de professores, planejamentos e estudos, e fui muito apoiada pela diretora, a qual era muito paciente, abraçava minhas dúvidas e corrigia minhas práticas imperfeitas com muita sabedoria. Além dela, essa escola contava com professoras muito experientes, com mais de 20 anos de carreira, que me acolheram e me ensinaram muito sobre como escutar as crianças que ainda não se comunicavam pela fala, deixando-as que fossem crianças e as educando na infância com brincadeiras, experiências e convivência. A partir de estudos sobre a escuta ativa e a infância, moldei minha prática com as crianças da Educação Infantil dando um passo para trás ao observar gestos, 17 necessidades e conhecimentos de mundo demonstrados por elas em suas brincadeiras e curiosidades, deixando o trabalho mais leve. Em sua pesquisa, Reeks e Meirelles (2016) confirmam o quanto podemos descobrir sobre as crianças apenas observando seus gestos: Entendemos que legitimar a voz da criança não implica necessariamente apenas em palavras, oralidade e escuta do que elas nos dizem. Isso também é parte do processo, mas conseguimos ver uma imensa quantidade de verdade em uma mão, um dedo, um olhar, uma postura, pois os gestos infantis expressam uma intenção verdadeira, não são jogados ao léu (p. 36). Porém, essa evolução só foi possível a partir do acolhimento que eu necessitava das colegas de trabalho e da orientação adequada da diretora da escola. Neste momento, senti-me mais tranquila em ter uma orientadora que estava disposta a me ensinar, corrigir e ajudar a buscar soluções para os desafios que apareceram, os quais foram muitos, contudo, eu não estava sozinha e, por isso, não tinha motivos para desistir. O apoio oferecido, tanto na prática pedagógica quanto no âmbito pessoal, foi de total importância sobre a autoestima ao me constituir professora naquele ano. No início de 2021, fui designada para outra escola, localizada na zona norte da cidade, a qual atendia a etapa dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Apesar de sentir mais facilidade com os alunos devido à faixa etária, encontrei outros desafios. Minha turma contava com alunos que precisavam de atendimentos especializados, visto que possuíam deficiências físicas, cognitivas, transtornos ou histórico de abuso sexual e negligência familiar. Entre elas, fui aprendendo a lidar com a surdez, as deficiências físicas e com alguns transtornos, como o autismo e a discalculia, os quais, segundo Silva et al. (2015), afetam a capacidade de entendimento sobre aritmética e sinais matemáticos. Estes desafios, assim como outros, geram situações diversamente delicadas para o trabalho, o qual, novamente, necessita muito estudo e dedicação para que eu possa oferecer o melhor atendimento a essas crianças, inclusive, em meio a uma Pandemia Mundial de Coronavírus (WHO, 2020), quando vários alunos estavam passando por momentos de luto e dificuldades financeiras com suas famílias, precisando de empatia e compreensão. Considero como base e essência do meu trabalho o estudo, a formação continuada e as especializações. Acredito que todos os professores devem ter 18 conhecimento sobre as leis e bases que norteiam nosso trabalho e as práticas sociais humanas, visto que este seja o motivo da educação: formar um cidadão consciente, ético e ativo na comunidade. Em suma, como afirmam Vaillant (2016), Roldão (2007), André (2010), Nóvoa (2017), Mizukami (2004) e Gatti et al. (2019), a formação docente começa muito antes do curso de graduação. O professor se forma dentro da sala de aula enquanto aluno, na observação de seus antigos professores, na instituição de ensino enquanto licenciando, nas experiências práticas como professor e na formação continuada em estudos posteriores. O desenvolvimento profissional é contínuo. Reconheço que comecei a aprender a ser professora muito cedo, quando criança nas fantasias, brincando quando imitava minhas professoras da época de aluna. Na escola, observei demais meus professores e aprendi como ser e como não fazer, fui influenciada e moldada pelas minhas experiências na formação inicial da instituição de ensino com as aulas teóricas e Estágios Profissionais e Curriculares, continuo aprendendo a ser professora dentro do ambiente escolar, nos cursos de pós- graduação lato sensu e stricto sensu, nas conversas e nas trocas de ideias com as professoras mais experientes e na orientação sábia dos gestores que encontrei em meu caminho. Tudo isso formou minha identidade docente (MARCELO, 2009) e continuará formando, visto que esse processo é contínuo, é como uma espiral infinita, quanto mais se aprende, mais se evolui, e sou grata por isso. Iniciar nessa profissão é um desafio que traz muitas inseguranças e pude observar isso de perto. Volto à instituição de ensino para dar continuidade e saciedade às perguntas que tenho em relação às percepções de professoras iniciantes de creches sobre o Estágio Curricular Supervisionado. Para a realização desta pesquisa, foram realizadas diversas leituras, entre elas, a obra de Antônio Nóvoa (2017), a qual inspirou e instigou esta pesquisa. Em seu trabalho, o autor trata sobre a vida de professores iniciantes e o caminho para firmar a profissão docente. Neste texto, ele traz o quanto a criação de instituições de ensino para a formação de professores auxiliou a evolução da ciência que envolve a docência, aproximando-a de pesquisas e buscas ativas sobre as teorias educacionais. Segundo Nóvoa (2017), Este período, 1987-1992, coincide com a consagração de uma nova abordagem marcada pela “universitarização” da formação docente e pelas 19 ideias de “professor reflexivo” e de “professor pesquisador”. As escolas normais, instituições com uma história de grande significado, foram sendo progressivamente substituídas pelas universidades. Esta transição trouxe avanços significativos para o campo da formação docente, sobretudo na ligação à pesquisa e na aproximação dos professores ao espaço académico das outras profissões do conhecimento. Mas, nos últimos anos, tem vindo a crescer um sentimento de insatisfação, que resulta da existência de uma distância profunda entre as nossas ambições teóricas e a realidade concreta das escolas e dos professores, como se houvesse um fosso intransponível entre a universidade e as escolas, como se a nossa elaboração académica pouco tivesse contribuído para transformar a condição socioprofissional dos professores (p. 1108 e 1109). Nota-se que, apesar dos benefícios da “universitarização”, o autor destaca uma adversidade nesse caminho. Atualmente, temos perdido o “entrelaçamento com a profissão” e nos distanciado da realidade encontrada dentro das escolas, como confirma Nóvoa (2017): Hoje, reconhece-se que a universitarização da formação de professores trouxe ganhos significativos, nos planos académico, simbólico e científico, mas perdeu-se um entrelaçamento com a profissão que caracterizava o melhor das escolas normais (p.1112). Sendo assim, prevê que é necessário ter uma matriz para a formação profissional dos professores, sendo ela a formação para a profissão, a fim de alcançar a formação ideal. É necessário que, durante a formação inicial, as discussões e os aprendizados coloquem em foco o ambiente profissional do professor: a sala de aula e as atividades. O ECS é o momento da formação docente em que o licenciando tem contato com a escola, não mais como estudante da Educação Básica, mas como a figura de um profissional da educação. É ali que ele vai observar a atuação de um professor ao vivo e em cores, contando com todos os imprevistos que se pode ter em uma sala de aula; é nesse instante que ele vai poder sentir a felicidade de se trabalhar com crianças ou adultos e ser o mediador de todo o conhecimento que será promovido naquele local, mas, também, observar a dureza de ser um profissional da educação no Brasil, entendendo o quanto as políticas educacionais são importantes. Desta forma, nota-se que o ECS é um caminho muito rico para o entrelaçamento com a profissão, momento em que a prática acontece, unindo a teoria e a realidade escolar. Além de ser o caminho que esperamos para a formação prática, o ECS está incluído no currículo do programa universitário. É um período obrigatório na graduação, estabelecido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de 20 Graduação em Pedagogia (BRASIL, 2006), sendo “300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente em Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, contemplando também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o pré-projeto pedagógico da instituição” (BRASIL, 2006, Art. 7º, inciso II)2. Ainda segundo a mesma normativa, o estágio deve ser efetivado nas seguintes áreas e níveis: IV - estágio curricular a ser realizado, ao longo do curso, de modo a assegurar aos graduandos experiência de exercício profissional, em ambientes escolares e não-escolares que ampliem e fortaleçam atitudes éticas, conhecimentos e competências: a) na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, prioritariamente; b) nas disciplinas pedagógicas dos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal; c) na Educação Profissional na área de serviços e de apoio escolar; d) na Educação de Jovens e Adultos; e) na participação em atividades da gestão de processos educativos, no planejamento, implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação de atividades e projetos educativos; f) em reuniões de formação pedagógica. (Art. 8º, inciso IV, alíneas a, b, c, d, e, f). Entretanto, este estágio precisa de orientação durante o processo e essa profissão conta com uma diversidade muito grande de profissionais que estão em inúmeras fases da docência (HUBERMAN, 1992). Alguns mentores, muitas vezes, podem ser outros professores iniciantes ou então professores já cansados de suas rotinas e nem tão preparados ou dispostos a receber um estudante da licenciatura. Além disso, no próprio meio profissional, há uma desvalorização da profissão, quando colegas de trabalho ou os próprios mentores encorajam o licenciando a desistir, dando sequência ao discurso desmoralizador presente nessa profissão (NÓVOA, 2017). Nóvoa (2017, p. 1114) comentando Shulman (2005), afirma que: Segundo o autor, há sempre uma síntese de três aprendizagens: uma aprendizagem cognitiva, na qual se aprende a pensar como um profissional; uma aprendizagem prática, na qual se aprende a agir como um profissional; e uma aprendizagem moral, na qual se aprende a pensar e agir de maneira responsável e ética (SHULMAN, 2005a, 2005b). As profissões do humano lidam com a incerteza e a imprevisibilidade. Preparar para estas profissões exige sempre uma boa formação de base e uma participação dos profissionais mais experientes. Podemos ter alguma dificuldade em identificar as “boas práticas”, mas, intuitivamente, conseguimos reconhecer facilmente as “más práticas” (SHULMAN, 2005c). É o caso, infelizmente, de muitos programas de formação de professores (p. 1114). 2 Nova Resolução CNE/CP Nº 2/2019 - Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2019). 21 Além da influência dos mentores e colegas de trabalho, o ambiente físico no qual irá estagiar é extremamente relevante para o desenvolvimento das propostas, podendo ser um estímulo ou um bloqueio, sobre isso, Carvalho e Fochi (2017) explicam: O estágio é, simultaneamente, uma janela que se abre para reconstruir os modelos de docência e um muro, pelos obstáculos que se encontra: seja pela deficitária formação com que as alunas chegam ao estágio seja pelas más condições de locais das práticas de estágio (p. 29). O processo de formação do professor é contínuo (ANDRÉ, 2010) e passa por todas as etapas da vida, antes da formação inicial, com os exemplos de professores que tiveram quando ainda eram alunos, durante a formação inicial nas instituições de ensino e depois dela, com a prática profissional, e todas as experiências e etapas pelas quais passam afetarão seu trabalho como professor, entendendo, diante disso, a importância de um estágio de qualidade. Como afirmam Rebolo et al. (2013, p. 196), “No que diz respeito à formação, seria necessário que os cursos que preparam os futuros professores vinculassem o mundo teórico ao da realidade da escola”. A experiência do ECS irá afetar não só a carreira profissional como também a sua vida emocional, em relação ao sentimento de segurança na atividade docente. Não há dúvidas sobre a importância da realização do ECS para a formação docente, porém, como conseguir o melhor disso tudo ainda é um desafio nas instituições de ensino. Para o alcance da formação ideal, Nóvoa (2017) traz a necessidade de criarmos um ambiente de diálogo entre estudantes da licenciatura, com anseio pela experiência e pela ciência, e, também, profissionais experientes, que se importem com o futuro da educação; os dois lados da profissão (estudantes e profissionais experientes) oferecendo conhecimento e trocando experiências em parceria ao se afirmar na sociedade em luta por uma educação de qualidade. O autor citado ainda acrescenta: Não se trata de propor mais uma reorganização interna das universidades ou das licenciaturas, mas sim construir um “entre-lugar”, um lugar de ligação e de articulação entre a universidade, as escolas e as políticas públicas. É uma “casa comum” da formação e da profissão, habitada por universitários e representantes das escolas e da profissão, com capacidade de decisão sobre os rumos da formação inicial, da indução profissional e da formação continuada [...]O segredo deste “terceiro lugar” está numa fertilização mútua 22 entre a universidade e as escolas, na construção de um lugar de diálogo que reforce a presença da universidade no espaço da profissão e a presença da profissão no espaço da formação (p. 1116). Para a realização dessa pesquisa, foi efetuada uma revisão bibliográfica para identificar as pesquisas já realizadas na área. Para isso, realizamos um levantamento no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, filtrando pelos anos 2016 a 2021, para buscar pesquisas atuais sobre o assunto, usando o indexador: iniciantes. Durante a procura no Banco da CAPES usando “iniciantes” como indexador, obtivemos 598 registros gerais, sendo 272 na área de Educação e apenas 17 na área de concentração de Formação de Professores. No entanto, lendo os títulos das produções, apenas 12 foram selecionadas para análise dentre teses de doutorado e dissertações de mestrado. Da leitura dos resumos destas 12 produções, três foram selecionadas por abordarem questões relacionadas aos professores iniciantes e sobre o estágio supervisionado. Estas serão explicitadas a seguir neste estudo pela sua aproximação com o tema da pesquisa aqui relatada. Contudo, nenhuma das pesquisas encontradas focalizou diretamente a visão de professores iniciantes sobre ECS na Educação Infantil. Apesar disso, é importante realizar uma rápida análise das pesquisas descobertas para enfatizar a importância de abordar este tema em um ambiente educacional e acadêmico. Em suma, as pesquisas discorrem sobre o início da profissão docente como professor de Educação Infantil e procuram identificar dificuldades e facilidades neste momento de “choque de realidade” ao sair da formação inicial e adentrar na vida escolar. Algumas dessas pesquisas buscaram compreender a visão do professor sobre ECS da graduação e sua relação com o ambiente de trabalho, mas não especificamente o estágio em Educação Infantil. A totalidade destes trabalhos foram tratadas de forma qualitativa, usando como método de obtenção de dados as entrevistas, os questionários, a análise de relatórios de estágio e as revisões bibliográficas. A maioria dos resultados evidenciaram que os professores passam por diversas dificuldades no início da docência, sendo a formação inicial insuficiente para uma boa prática docente, pois há lacunas a serem observadas. Entretanto, algumas pesquisas também apontaram o ECS como um ponto positivo na parte prática da formação inicial, que se interliga com a teoria e necessita de atenção das instituições de ensino. 23 Siqueira (2020), orientada por Virginia Mara Prospero da Cunha, Universidade de Taubaté, investiga a significação do estágio supervisionado dada pelos professores iniciantes de carreira pública em sua pesquisa intitulada “A significação do estágio supervisionado para licenciandos e docentes iniciantes”, a fim de saber se apenas a formação inicial e o ECS são suficientes para os saberes de uma boa prática profissional. Essa pesquisa contou com questionários aplicados aos professores iniciantes de uma rede municipal de ensino do interior de São Paulo e aos residentes de uma instituição de ensino municipal. Conclui-se que somente a formação inicial e os estágios obrigatórios não foram suficientes, apesar de serem bons modelos de formação docente. Esta pesquisa torna-se importante ao levar em consideração o estágio como modelo de formação prática, porém, não se trata especificamente do estágio em Educação Infantil. Na tese de doutorado “Do estágio à docência: bem-estar e mal-estar docente na travessia de uma professora iniciante” de Ferronatto (2020), orientada por Flavinês Rebolo, na Universidade Católica Dom Bosco, teve-se, como objetivo, analisar como tem sido a vivência da inserção profissional dos professores iniciantes de Pedagogia e como as experiências do ECS foram importantes para a prática profissional na construção de um bem-estar docente. Como instrumentos de coleta de dados, foram analisados relatórios de estágios de seis estagiárias do curso de Pedagogia e, também, a narrativa de uma entrevista com uma das professoras iniciantes do grupo anterior. Os resultados trazem informações sobre a importância do ECS para interligar a parte prática e teórica de forma reflexiva, sendo o elo entre escola e instituição de ensino. Apontou-se, também, a necessidade de lembrar da importância do apoio das instituições formadoras, da gestão escolar e das políticas públicas no momento de iniciação à docência. Com este estudo, podemos observar várias limitações políticas e sociais do estágio e da inserção prática do professor iniciante. Entretanto, ele não atende às expectativas de observar como foi a percepção do ECS pelos professores. Na dissertação nomeada “Professores em início de carreira na Educação Infantil na cidade do Rio Grande – RS” de Anjos (2020), orientada por Gabriela Medeiros Nogueira, na Universidade Federal do Rio Grande, apresenta-se um estudo que busca compreender como tem sido a inserção dos professores iniciantes na Educação Infantil, identificando seus desafios e suas estratégias de superação nesta etapa profissional. Para tal pesquisa, foi utilizada a entrevista como procedimento 24 metodológico, a qual concluiu que as professoras passaram pelo “choque de realidade”, alertando uma lacuna entre a formação inicial e a realidade escolar e relatando a necessidade de mais prática para conhecer a realidade das escolas. Destacando a necessidade de acompanhamento, informação e acolhimento no momento de inserção, este estudo nos traz a importância do ECS para uma boa formação e inserção da prática docente, porém, o estudo do ECS não foi o foco da pesquisa. Podemos ver que essas pesquisas demonstram uma preocupação crescente com o professor iniciante e ressaltam a importância do ECS na formação inicial, porém, as percepções de professoras iniciantes de Educação Infantil sobre as contribuições e limitações do ECS não foram abordadas ainda em estudos dentro do levantamento feito, filtrando anos atuais. Nossa pesquisa difere-se das demais por trazer um aprofundamento sobre o ECS realizado, especificamente, em creches, situação que não havia sido abordada nas pesquisas observadas do levantamento bibliográfico. Será acrescentada ainda a visão dos professores de Educação Infantil sobre este momento da graduação, destacando as lacunas observadas e, também, os pontos positivos. Desta maneira, acredita-se na importância desta pesquisa como forma de ajudar no desenvolvimento acadêmico do tema e na melhoria da formação dos professores de Educação Infantil, principalmente, no que se refere ao ECS. No desenvolver desta dissertação, será apresentada a fundamentação teórica que traz, com base nos estudos científicos, o histórico da Educação Infantil e da formação de professores, assim como o seu desenvolvimento em nossa atualidade. Será abordado o desenvolver do ECS, suas contrariedades e melhorias. Além disso, trataremos sobre o início da docência, em suas dificuldades e experiências. Serão especificados, em segundo momento, os procedimentos metodológicos que expõem os caminhos desta pesquisa, sua natureza, seus critérios e a abordagem aos participantes. Posteriormente, serão apresentadas a descrição e análise de dados que trazem uma discussão sobre os assuntos e respostas alcançadas na coleta de dados, o que versou sobre a caracterização dos participantes, a forma de realização do ECS em Educação Infantil, as situações que contribuíram para os primeiros anos de docência dos participantes e as limitações apontadas por eles. . 25 Por último, na seção de considerações finais desta dissertação, será apresentada uma síntese das informações e argumentos mais relevantes levantados durante a pesquisa, com destaque para as principais descobertas, contribuições e limitações do ECS. Serão identificadas as principais colaborações do estudo para a formação de professores de Educação Infantil e discutidas possibilidades para a continuidade da pesquisa a partir dos questionamentos que surgiram ao longo da dissertação. 26 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Esta seção está organizada em quatro subseções, sendo a primeira intitulada O Histórico da Educação Infantil, a qual inicia-se com uma retrospectiva da Educação Infantil trazendo a história da institucionalização de creches e pré-escolas. Além disso, traremos, também, a segunda subseção que trata da Formação de Professores de Educação Infantil, apresentando seu percurso de formação a fim de contextualizar os temas abordados nesta pesquisa. Diversos estudos servirão como base para as discussões realizadas, partindo da história para entender o presente, a cultura atual, os preconceitos, a organização e as lacunas que encontramos atualmente no cenário da educação brasileira. Ademais, na terceira subseção, abordaremos o Estágio Curricular Supervisionado tendo o embasamento das legislações vigentes e realizando uma busca sobre as diferentes formas de vivência que podem se dar neste período. Na última subseção, trata-se do início na docência, como ocorrem os primeiros contatos profissionais, focando o olhar na realidade profissional enfrentada pelo professor iniciante, especialmente, da Educação Infantil. 2.1. O HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL A história da Educação Infantil no nosso país é marcada por lutas sociais de feministas e pobres que pediam por lugares que acolhessem seus filhos. Tais ações, consequentemente, trouxeram grandes avanços para a institucionalização de creches e pré-escolas. A partir disso, educadores e diversos estudos modificaram extremamente o conceito de criança, antes vista como um adulto em miniatura, sem reconhecimento de suas necessidades educacionais, muitas vezes tida para ajudar no trabalho familiar, para, hoje, ser reconhecida como um ser ativo, sujeito de direitos, com necessidades peculiares, sendo ela construtora do seu saber (OLIVEIRA et al., 2014). Com a chegada da Revolução Industrial no Brasil, na segunda metade do século XIX (RODRIGUES et al., 2015), há a necessidade de mão de obra nas 27 indústrias, mas que deveria ser de baixo custo, visando lucros e assertividade. Portanto, essas vagas passaram a ser ocupadas por mulheres e crianças de famílias de classe baixa, as quais buscavam complementação de renda para sustento familiar. Rodrigues et al. (2015) ainda complementam sobre este processo: O alto número de mulheres empregadas como operárias nas fábricas na França e Inglaterra ocorreu devido aos baixos salários masculinos, insuficientes para garantir as necessidades básicas da família, levando a mulher a “sair” de casa para trabalhar e assim complementar a renda, a fim de garantir a subsistência familiar (p. 5). Posteriormente, com o avanço da industrialização e a ocupação também de homens que se renderam às indústrias, tem-se, então, segundo Oliveira et al. (2014), um grande movimento de mudança de localização das famílias, do meio rural para as cidades, aumentando a urbanização de forma desenfreada e até desorganizada, visto que as famílias dos operários acabaram por se instalar em lugares sem saneamento básico e considerados insalubres. Desta forma, este período da história foi marcado pelos movimentos trabalhistas que lutavam por melhores condições de trabalho e, também, por movimentos feministas, visto que as mães estavam trabalhando e precisavam de um lugar para assegurar seus filhos no horário de trabalho. De acordo com Oliveira et al. (2014), alguns grupos sociais também defendiam a criação de lugares para cuidado das crianças devido à falta de saneamento básico em que elas viviam ou também usavam do discurso sobre a necessidade da criação de instituições para evitar a marginalidade e criminalidade. Sendo assim, cresceu-se uma manifestação sobre a necessidade de saúde e segurança para as crianças. Para Fully e Veiga (2012), é na Revolução Industrial que começa o sentimento de cuidado com a criança: No Brasil, o discurso sobre o cuidado a criança começa a surgir por volta do Século XIX. Com a industrialização e crescente urbanização brasileira, a mulher começa a ingressar no mercado de trabalho, necessita de um local para deixar sua criança, com isso, as creches nascem com a finalidade de atender uma determinada classe da sociedade, a classe trabalhadora feminina, que passava muitas horas nas fábricas e cujos filhos pequenos precisavam de cuidados durante esse período. Dessa forma, o cuidar nasce como principal atividade executada nestes locais, que até então, estavam sob jurisdição da Secretaria da Assistência Social (p. 87). 28 Em 1940, o Departamento Nacional da Criança regulamenta e financia a criação das primeiras creches (VIEIRA, 1988), porém, estas não funcionavam como lugar educacional, mas como ambiente para assegurar as crianças da mortalidade infantil, na época com altos índices. Nestas creches, praticava-se a puericultura, trabalhando, ali, médicos e enfermeiras que cuidavam da saúde da criança, combatendo o raquitismo e a desnutrição, advindas da falta de aleitamento materno. Estas instituições foram de suma importância para combater as criadeiras, mulheres miseráveis que cuidavam dos filhos das funcionárias em troca de dinheiro. Segundo Vieira (1988), estas criadeiras moravam, em sua maioria, em cortiços ou lugares insalubres, frequentados por muitas pessoas de todos os tipos e vícios, tornando-se um locus de doenças contagiosas para os pequenos bebês que cuidavam. Devido à miséria que elas mesmas enfrentavam, não conseguiam alimentar as crianças corretamente, as quais adoeciam ou morriam devido à negligência. Vieira (1988) ao comentar o texto de Vasconcelos e Sampaio (1938) descreve a realidade das criadeiras que, em lugares sem a creche, eram a única opção das mães trabalhadoras: Para esses autores, a residência da criadeira era fonte de doenças pois habitava, em geral, em cortiços e favelas. Na sua morada, o ar e a luz eram quase ausentes. Cercadas por grupos de homens e mulheres em promiscuidade forçada, portadores muitas vezes de doenças infecto- contagiosas, "quando não de vícios e maus hábitos", as crianças se encontravam jogadas num ambiente de desconforto e miséria. "A criadeira é uma mulher ignorante dos mais comezinhos preceitos de higiene. Essa ignorância é-lhe apanágio próprio. Pouco se incomoda que o lactente tenha ou não apetite, durma regular ou irregularmente. Descuida da alimentação e do trato das crianças. Batiza discricionariamente o leite e forja mamadeiras de composições empíricas. A ânsia do lucro faz com que receba nos seus cômodos maior número de crianças do que elas podem comportar. Os vômitos e as diarreias são para elas acidentes banais, sem maior significação, que se curam com água e farinha. Não raro é 'rezadeira' e se a criança chora com fome, aplica um cataplasma qualquer no ventre do guri manhoso e impertinente (p. 09). Para combater as criadeiras, as creches de puericultura começam a ser inseridas tendo a função de acompanhamento periódico com intuito de proteção da saúde das crianças, envolvendo, principalmente, a nutrição, pois a falta do aleitamento materno por parte das mães, funcionárias das fábricas, provocava doenças e mortes aos bebês. Além disso, tinham finalidade educativa às mães, as quais eram orientadas sobre o cuidado e higiene das crianças (VIEIRA, 1988). 29 Ainda segundo Vieira (1988), ocorre, neste momento, uma visão pejorativa à creche que é vista como “compensatória” às faltas do lar e, também, como distanciadora entre mães e filhos, visto a carência afetiva e a dificuldade do aleitamento materno neste período: Para alguns, a creche impedia o aleitamento materno, promovendo o afastamento da mãe e produzindo carências afetivas, facilitava o raquitismo e distúrbios digestivos, além de funcionar em prédios mal instalados e adaptados. Aplaudindo a creche, outros alegavam que a causa do afastamento não devia ser buscada na sua existência, mas na própria necessidade da mãe trabalhar (p. 05). Mesmo sob críticas, a creche era um “mal necessário”, a melhor opção para as mães funcionárias. Sendo necessária, dessa forma, sua melhoria, Vieira (1988) ao analisar o texto de Figueiredo (1946) aponta que: Nesse sentido, as críticas só eram admitidas para estabelecimentos mal organizados e mal dirigidos. Aqui Figueiredo acrescentava: "admitindo mesmo que a creche seja um mal, ela é (...) um mal indispensável. Enquanto não se tiver encontrado coisa melhor para substituí-la, é preciso melhorá-la mas não combatê-la" (p.11). Vendo a necessidade de aumento do número de creches, ocorre, então, a criação de instituições não organizadas para assistência às crianças de famílias pobres, sendo creches, parques infantis, escolas maternais, jardins de infância, classes pré-primárias e casas comunitárias, financiadas por diferentes órgãos, como Igrejas, Estado e empresas privadas. Nota-se que não existia um regulamento ou um padrão para as instituições, nem o interesse na aprendizagem da criança; naquele momento, o interesse era apenas seu cuidado físico para que os pais trabalhassem, como confirma Oliveira et al. (2014): Embora os textos oficiais do período afirmassem que também as creches, além dos jardins de infância, deveriam contar com material apropriado para a educação das crianças, esse material não lhes era fornecido. Enquanto isso, criavam-se, em várias cidades brasileiras, classes pré-primárias junto a grupos escolares, encarregados de ministrar o ensino obrigatório após os sete anos. Conviviam assim, de forma não integrada, o atendimento às crianças em creches, parques infantis, escolas maternais, jardins de infância e classes pré-primárias (p. 21). Segundo Fully e Veiga (2012), “Surgem então as pessoas que tomam para si a tarefa de acolher essas crianças que estavam nas ruas, por filantropia, dando origem 30 ao assistencialismo no que tange o cuidado das crianças” (p.88). As autoras destacam este momento chamando atenção para a filantropia como um fator que propagou a visão assistencialista das creches devido às caridades, principalmente, em instituições em que ficavam crianças abandonadas: Com a grande urbanização brasileira, surge um problema grave a ser resolvido: muitas eram as crianças abandonadas. Surge então, em 1832 no Rio de Janeiro, a primeira instituição de amparo a crianças abandonadas, conhecida no Brasil como “roda do exposto ou do enjeitado”, com a real intenção de esconder a vergonha da mãe solteira (p. 89). Com a multiplicação das creches e a diminuição da mortalidade infantil, necessitou-se de mais profissionais no funcionamento das instituições, o que provocou uma mudança na gestão das creches, antes ocupadas por médicos e enfermeiras. Propõe-se, então, a direção por mulheres que sejam “boas donas de casa”, mas essa direção não trouxe tantos ganhos na evolução da instituição. Desta forma, posteriormente, o cargo foi ocupado por professoras que já desenvolviam seus trabalhos com os alunos maiores de ensino primário. Este período é relatado por Andrade Filho et al. (1952, apud VIEIRA, 1988, p.13): Tem se transformado muito o conceito de uma boa orientação de creche. Houve época em que se lhe exigia apenas qualidade de uma boa dona-de- casa. Verificou-se, entretanto, que com esse tipo de direção, a creche não progredia em seus métodos: estacionava. Como as condições de saúde das crianças estivessem sempre a exigir uma orientação esclarecida, procurou- se, para obter uma melhoria nesse ponto de vista, pessoas que possuem alguns conhecimentos médicos. Veio então a época em que as creches eram dirigidas por enfermeiras formadas. Essa escolha já constituía um progresso, mas não bastava. Havia a considerar o ângulo mental, e então foi recomendado que se escolhesse a professora de uma escola maternal capaz de atender a esse aspecto educativo (p.13). No século XX, continua o desenvolvimento da industrialização e urbanização e cresce o número de mulheres no trabalho público e privado. Agora, com cargos públicos de maior prestígio e não mais apenas em fábricas, as mulheres de classe média também passam a ocupar espaço no trabalho fora de casa. Houve, além disso, a atualização e a criação de muitas leis, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (BRASIL, 1943), que trouxe o direito a lugares para amamentação dos filhos das funcionárias e, em 1960, houve a criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.024 (BRASIL, 1961), colocando as escolas maternais e 31 jardins de infância como estabelecimentos de educação pré-primária. Contudo, não foi o suficiente para assegurar as práticas educativas. Nas décadas de 1970 e 1980, começaram a surgir ideias e conceitos educacionais nos Estados Unidos e na Europa. Foram elaboradas propostas as quais defendiam o preparo para alfabetização, porém, essa realidade era vista apenas para os filhos da elite devido à pressão das mães trabalhadoras, de classe média, que buscavam por este tipo de educação. Segundo Oliveira et al. (2014), para os mais pobres, a luta ainda era pelo direito à instituição e não por sua qualidade. A falta de vagas ainda era um problema grande e o governo incentivava iniciativas de diferentes gestões a este atendimento. Desta maneira, ainda não existia um padrão para atendimento, somente creches particulares, públicas e comunitárias, associações e lares vicinais, entre outros modelos não adequados ou regulamentados. Foi, então, a partir do movimento feminista e de pressões ao Estado, que começaram a desenvolver leis e documentos voltados para a Educação Infantil brasileira. Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal (BRASL, 1988) que determina a educação em creches como dever do Estado; em 1990, cria-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990), o qual marca os direitos das crianças e, em 1996, há a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) que reconhece a Educação Infantil como parte da Educação Básica, sendo a primeira etapa em que a criança é inserida em um contexto, de fato, educacional e não mais assistencial, como apontam Oliveira et al. (2014): Pressões de movimentos feministas e de movimentos sociais de lutas por creches possibilitaram a conquista, na Constituição de 1988, do reconhecimento da educação em creches e pré-escolas como um direito da criança e um dever do Estado a ser cumprido nos sistemas de ensino. Também a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, concretizou conquistas em relação aos direitos de crianças trazidos pela Constituição (p. 26). Segundo Campos (2020), nos anos 2000, houve um aumento da procura pela creche e pré-escola: O aumento do número de matrículas em escola para a população infantil de 0 a 5 anos foi bastante significativo a partir de 2000, tanto na faixa etária da pré-escola (4 e 5 anos), quanto na faixa da creche (0 a 3 anos). Para as crianças de 4 anos e mais, o atendimento aproxima-se da universalização, 32 como prevê a legislação que ampliou a obrigatoriedade escolar para a faixa etária de 4 a 17 anos (p. 895). Desde então, a Educação Infantil passa por diversas mudanças e novas normativas a fim de melhorar e padronizar a qualidade da educação em nível nacional são publicadas, como por exemplo: O debate que acompanhou a discussão, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, de uma lei que orientasse a educação nacional impulsionou diferentes setores educacionais, particularmente as universidades e instituições de pesquisa, sindicatos de educadores e organizações não governamentais, e preparou um contexto para a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei 9394/96), que colocou a Educação Infantil como etapa inicial da Educação Básica (OLIVEIRA et al., 2014, p. 26). Com a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) que determinou a Educação Infantil como parte da Educação Básica, cresceu, então, sobre esta primeira etapa, uma preocupação, em diversos aspectos, com a formação das crianças atendidas, como afirma Barbosa et al. (2016): A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) definiu a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica e isso trouxe consequências fundamentais para a área, como as determinações referentes à formação mínima exigida para os professores e a necessidade de contar com uma proposta pedagógica. Assim, a educação das crianças em unidades de Educação Infantil passa a ser um direito desses sujeitos (e não apenas da mãe trabalhadora) e deve ser efetivada nos moldes estabelecidos para toda a Educação Básica (p.13). Nota-se uma preocupação com a qualidade da Educação Infantil como, por exemplo, quando foram lançados pelo Ministério da Educação (MEC) e Secretaria de Educação Básica, em 2009, os Indicadores de Qualidade da Educação Infantil (BRASIL, 2009), projeto para autoavaliação escolar que analisa a qualidade de diversos aspectos, como planejamento, condições de trabalho do professor de Educação Infantil e sua formação, espaços, materiais e mobiliários da instituição. Em 2018, foram publicados os Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil (BRASIL, 2018) com o intuito de estabelecer os requisitos necessários em oito áreas focais, como gestão, formação de profissionais, currículo, interação com a família, espaços e infraestrutura. 33 Outro instrumento de acompanhamento de qualidade da Educação Infantil foi a Avaliação Nacional da Educação Infantil (ANEI), criado pelo MEC e gerenciado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), o qual tinha como objetivo fazer um levantamento, por meio de questionários, em relação à oferta de vagas, materiais pedagógicos, formação de professores, espaço físico e equipamentos. Porém, essa avaliação foi paralisada em 2016 devido à revogação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SINAEB) pela Portaria nº 981, de 25 de agosto de 2016 (BRASIL, 2016), sendo este último integrador da ANEI. Programas importantes de financiamento também passaram a abranger a Educação Infantil, auxiliando na manutenção da qualidade da mesma. Segundo Campos (2020): Ao longo dos anos 2000, o governo federal atuou por meio de apoio a diversas mudanças importantes: em primeiro lugar, ampliando o escopo do financiamento público, com a aprovação do Fundeb, que incluiu a Educação Infantil, abrangendo também as creches, tanto públicas como conveniadas com o setor público; depois, gradativamente incluindo as creches e pré- escolas nos diversos programas gerenciados pelo FNDE, que financiam bibliotecas escolares, transporte e alimentação, o Programa Dinheiro Direto na Escola, criando um programa de construção de novas unidades, o Proinfância, e de formação de educadores, o Proinfantil (MORO, 2017). Além disso, foram tomadas iniciativas no sentido de inserir contrapartidas em outro importante programa federal, o Bolsa Família, para incentivar a matrícula de crianças dessas famílias na Educação Infantil (p. 895-896). Mesmo com investimentos nas avaliações de diversas perspectivas, Campos (2020) destaca que os resultados podem aparecer de forma distorcida ou pouco fundamentada, mas que são um ponto importante para mostrar as necessidades de melhorias: O panorama descrito sobre as diversas abordagens existentes no campo da avaliação de programas e de avaliação de crianças em ambientes de creches e pré-escolas mostra diversas perspectivas que se cruzam e se contradizem, mas muitas vezes revelam aspectos complementares e abrem possibilidades interessantes para promover melhorias de qualidade na Educação Infantil no Brasil. Muitas iniciativas poderiam ser adotadas de forma a adotar alguns sistemas e instrumentos já testados em outras realidades e que apresentam condições para serem adaptados ou para sugerir caminhos próprios que levem a melhorias da qualidade das instituições de Educação Infantil, onde mais de 8 milhões de crianças pequenas brasileiras passam parte de sua infância (p. 911). A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017a) se tornou um marco importante ao estabelecer, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para 34 a Educação Infantil (BRASIL, 2010), a essência do trabalho na Educação Infantil. Estas normativas trazem a nova concepção de Educação Infantil e de criança. Segundo Barbosa et al. (2016): As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, assim como a Base Nacional Comum Curricular, são referências importantes, não apenas pelo seu caráter normativo, mas especialmente, por evidenciar um amadurecimento da epistemologia do trabalho com as crianças em instituições educativas. No entanto, é importante destacar que estes documentos não devem ser interpretados como uma barreira interposta entre os professores e as crianças, impedindo-os de escutá-las. Ao contrário, se nos fixarmos nas concepções ali expressas, compreenderemos que o respeito aos ritmos e saberes das crianças mobiliza o adulto a pensar sobre a construção de sua prática pedagógica, a partir do acolhimento do universo dos meninos e meninas (p.18). Além destas normativas, o Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2014) prevê vinte metas a serem cumpridas durante os próximos dez anos seguidos de sua publicação (assim sendo desde 2014 a 2024) em busca de qualidade da educação nacional, entre elas, a primeira se refere a Educação Infantil, quando destaca: Meta 1: universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE (BRASIL, 2014, Anexo). Ao adentrar levantamentos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, de 2017, realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017), percebe-se que, para a creche, o atendimento de crianças de zero a três anos ainda não atingiu a meta do PNE: A Educação Infantil engloba as crianças de 0 a 5 anos de idade, abrangendo a creche (de 0 a 3 anos) e a pré-escola (4 e 5 anos). Em 2013, a Educação Básica tornou-se obrigatória aos 4 anos de idade e, assim, passou-se a buscar a universalização do ensino a partir dessa idade, além da ampliação do acesso à creche para a faixa etária de 0 a 3 anos. O PNE, por meio da Meta 1, estabeleceu que, no mínimo, 50,0% das crianças de 0 a 3 anos frequentem creche até o final da vigência do Plano. Nesse sentido, a Região Norte apresentou a menor taxa de escolarização entre as crianças de até 3 anos (16,9%), seguida da Região Centro-Oeste (25,4%) e Nordeste (28,7%). Por outro lado, as Regiões Sul e Sudeste mantiveram as percentagens mais elevadas, 40,0% e 39,2% respectivamente. Frente a 2016, apenas o Norte e o Sudeste apresentaram crescimento da escolarização de pessoas de 0 a 3 anos de idade, respectivamente de 2,4p.p. e 3,3p.p. (p. 5). 35 Analisando os levantamentos dessa pesquisa (IBGE, 2017) sobre a pré-escola em atendimento de crianças de quatro a cinco anos de idade, a meta também não foi alcançada: A Meta 1 do PNE também estabeleceu a universalização da Educação Infantil na pré-escola até o ano de 2016. Todavia, em 2017, a taxa de escolarização para o grupo de 4 e 5 anos foi 91,7%, e a meta não foi alcançada em nenhuma Grande Região. As Regiões Nordeste e Sudeste apresentaram taxas acima da média nacional, 94,8% e 93,0%. Por outro lado, na Região Norte, 15,0% das crianças de 4 e 5 anos não estavam frequentando escola. Dado esse retrato da escolaridade das crianças de 0 a 5 anos, estimou-se, em 2017, que 7,3 milhões de crianças nessa faixa etária não frequentavam escola, ou seja 67,3% (6,8 milhões) da população de 0 a 3 anos e 8,3% (440 mil) da população de 4 e 5 anos. Em relação ao ano de 2016, houve uma redução dos percentuais, onde 69,6% da população de 0 a 3 anos e 9,8% da população de 4 e 5 anos não estavam na escola (p. 6). Ao debruçar-se sobre o Índice de Necessidade de Creche, pesquisa realizada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV) (2021), constatou-se que, em 2020, 42% das crianças necessitavam de creche: Em 2019, o INC Brasil foi de 42,4%. Isso significa dizer que, dos 11,8 milhões de crianças de 0 a 3 anos de idade existentes no país naquele ano, 42,4% – ou quase 5 milhões – precisavam de atendimento em creche, pois de alguma maneira se enquadravam nos critérios de priorização estipulados pelo índice. A observação do INC conforme seus componentes revela que, entre as crianças da zona urbana que necessitavam de creche, 17,3% vinham de famílias em situação de pobreza e 3,5% eram crianças não pobres de famílias monoparentais. A maior parcela do índice, responsável por 21,7% do INC, correspondeu às crianças não pobres de famílias não monoparentais, com mães/cuidadores principais economicamente ativos, ou que assim o seriam se houvesse creche, e que apresentavam evidências de necessidade. Dentro do mesmo raciocínio, o INC Brasil 2018 foi de 40,6%, enquanto o INC Brasil 2020 foi projetado em 42,6% (p.16). A necessidade de creche tem sido notada, principalmente, naqueles que mais precisam, como famílias em situação de pobreza, famílias monoparentais e famílias de crianças em que a mãe ou o principal cuidador são economicamente ativos. Segundo a FMCSV (2021): As informações levantadas expuseram a realidade paradoxal de como a população de maior vulnerabilidade social – a mais pobre, representando 17,3% das crianças de 0 a 3 anos de idade residentes em zona urbana no Brasil em 2019, e a das famílias monoparentais, totalizando 3,5% das crianças – é pouco atendida por creches no Brasil. Esta situação ocorre tanto quando se analisa o contexto nacional quanto quando se analisam as diferentes regiões (p. 24). 36 Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (BRASIL, 2021a), encontra-se reduzida a quantidade de matrículas em creches no ano de 2021. O levantamento do Instituto evidencia que houve uma queda de matrículas entre 2019 e 2021, tanto na rede privada quanto na rede pública. Antes, o total entre as redes era de 8.972.778 em 2019, passando para 8.319.399 em 2021. Percebe-se que, apesar do crescimento das matrículas na Educação Infantil até o ano de 2019 (cresceu 5,5% de 2017 a 2019), houve uma queda de 7,3% entre 2019 e 2021. Essa queda ocorreu principalmente devido à rede privada, que teve redução de 17,8% no último ano (quedas de 15,8% na creche e de 19,8% na pré-escola), enquanto a rede pública apresentou redução de 1,5% (quedas de 1,8% na creche e de 1,3% na pré-escola) (BRASIL, 2021a, p. 21). Além da amostra em matrículas, obteve-se dados sobre as etapas educacionais mais ofertadas. Neste aspecto, a maior quantidade de instituições é de Ensino Fundamental (anos iniciais) e pré-escola, sendo a creche a terceira colocada com 69.865 instituições. Ainda com base nestas pesquisas, evidenciou-se a diminuição na quantidade delas: Em 2021, 112.927 escolas ofertavam Educação Infantil no Brasil, sendo que 99.895 (88,5%) atendiam pré-escola e 69.865 (61,9%), creche. Ao longo dos últimos cinco anos, o número de escolas que oferecem pré-escola sofreu uma queda de 5,0%. Já para aquelas com oferta de creche, apesar de ser possível observar um crescimento entre 2017 e 2019, verifica-se uma mudança nessa tendência para os dois últimos anos, com queda de 2,2% em relação a 2019 (BRASIL, 2021a, p. 52). De acordo com as pesquisas mencionadas, necessita-se de maior número de vagas em creches e pré-escolas, as quais têm sido insuficientes e desiguais de acordo com as regiões do Brasil. Além disso, pesquisas mostram que a qualidade da estrutura escolar, formação docente e segurança são importantes para o desenvolvimento da primeira infância. Segundo o Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) (2014): Avaliando-se a qualidade dos centros de educação infantil fica claro que estes não são apenas ambientes de cuidado e proteção, pois oferecem muitas possibilidades para o desenvolvimento cognitivo e emocional da criança. Na prática, a qualidade pode ser conferida por uma série de fatores como: profissionais com bom nível de formação, atentos e responsivos às necessidades da criança e engajados em promover o desenvolvimento infantil integral, distribuição em turmas pequenas com números reduzidos de 37 crianças por educadores conforme a faixa etária; currículos apropriados para faixa etária com ambiente estimulante e voltado para alto nível de participação ativa da criança; infraestrutura segura com rotinas de higiene e cuidado pessoal, entre outros. Segundo as pesquisas, os fatores mais fortemente associados a bons resultados nas creches foram atividades e estrutura do programa pedagógico, razão adulto-criança, e o número de crianças em cada grupo (p. 10). Segundo a BNCC (BRASIL, 2017a), documento determinado pela Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017, que regulamenta aprendizagens essenciais a serem atendidas pelas escolas públicas e privadas do país, a concepção de Educação Infantil visa o cuidar e o educar como intrínsecos ao trabalho com as crianças, sendo o cuidar parte do desenvolvimento educacional dos alunos. Além disso, no mesmo documento, podemos observar a concepção de criança como um ser que pensa e constrói seu conhecimento: Essa concepção de criança como ser que observa, questiona, levanta hipóteses, conclui, faz julgamentos e assimila valores e que constrói conhecimentos e se apropria do conhecimento sistematizado por meio da ação e nas interações com o mundo físico e social não deve resultar no confinamento dessas aprendizagens a um processo de desenvolvimento natural ou espontâneo. Ao contrário, impõe a necessidade de imprimir intencionalidade educativa às práticas pedagógicas na Educação Infantil, tanto na creche quanto na pré-escola (BRASIL, 2017a, p. 38). A partir da resolução CNE/CEB nº 1, de 7 de abril de 1999, que regulamentou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1999), obteve- se atualizações e embasamento para uma nova normativa, resultando nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, instituídas por meio da Resolução CNE/CEB nº 5/2009 (BRASIL, 2010) e publicadas em formato de documento (BRASIL, 2010). Tais diretrizes organizam esta etapa com base em princípios que devem estar presentes nos currículos, sendo eles: Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais (BRASIL, 2010, p. 16). Na resolução, define-se que as novas Diretrizes para a Educação Infantil devem garantir “articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes 38 linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças” (BRASIL, 2010, p. 18). 2.2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL Nessa seção, será levantada a história da formação de professores, percorrendo pela trajetória em que se tornaram necessárias normativas de regulamento da formação deste profissional, incluindo as lacunas apresentadas por autores da área, confrontando com a realidade encontrada atualmente nos cursos de licenciatura em Pedagogia. 2.2.1. Histórico da formação de professores A formação profissional dos professores tem início a partir da Revolução Francesa, em Paris, no século XIX, que, em busca de democracia e melhorias na instrução popular, realizou a criação de Escolas Normais a fim de instruir professores. Entre elas, existia a Escola Normal Superior, para professores de ensino secundário, e a Escola Normal ou Escola Normal Primária, para professores de ensino primário. Consequentemente, as Escolas Normais foram se propagando para outros países (SAVIANI, 2009). Segundo Saviani (2005), no Brasil, as Escolas Normais surgiram após a Independência do país (1822) e as primeiras leis ordenavam que os professores fossem treinados nas capitais de duas províncias, com os custos do próprio salário. Apenas em 1835, começa a criação das primeiras escolas normais, no Rio de Janeiro, que ganham recursos financeiros das províncias. Estas escolas não mantinham, de início, estudos de cunho didático-pedagógico e se baseavam em conceitos da escola elementar, como aritmética, leitura, escrita e até religião. Se preocupavam em estudar as matérias que deviam ser ensinadas na escola posteriormente, sem preocupação com as teorias pedagógicas. Porém, logo essas escolas foram abolidas, sendo implantada uma nova escola que se preocupava mais com a prática, sem fundo teórico. 39 Posteriormente, com a fundação da República, houve a divisão dos estados e, no de São Paulo, são criados decretos que proporcionaram uma reforma na Escola Normal, melhorando os conteúdos curriculares e dando ênfase ao ensino prático com a criação da Escola Modelo, anexa à Escola Normal, onde os estudantes do 3º ano lecionavam para crianças de diferentes níveis de escolaridade. Porém, isso ocorria sem muita articulação teórica, como aponta Saviani (2009): A reforma foi marcada por dois vetores: enriquecimento dos conteúdos curriculares anteriores e ênfase nos exercícios práticos de ensino, cuja marca característica foi a criação da escola-modelo anexa à Escola Normal – na verdade a principal inovação da reforma (p.145). Durante a gestão do Diretor Geral de Instrução do Distrito Federal, Anísio Teixeira, na década de 1930, foram criados programas de cursos específicos a fim de solucionar a pouca base teórica apontada anteriormente, abrangendo fundamentos profissionais, específicos e cursos de integração com temas relacionados à Psicologia, História da Educação e princípios e técnicas educacionais. A partir destas iniciativas, a Escola Normal passa a ser chamada de Escola de Professores e, com a criação da Universidade do Distrito Federal, a Escola de Professores é anexada e nomeada como Escola de Educação, acontecendo, também, em outras instituições de ensino do Brasil, como a Universidade de São Paulo (USP). Sobre estas mudanças, Saviani (2009) traz as seguintes colocações: Uma nova fase se abriu com o advento dos institutos de educação, concebidos como espaços de cultivo da educação, encarada não apenas como objeto do ensino, mas também da pesquisa. Nesse âmbito, as duas principais iniciativas foram o Instituto de Educação do Distrito Federal, concebido e implantado por Anísio Teixeira em 1932 e dirigido por Lourenço Filho; e o Instituto de Educação de São Paulo, implantado em 1933 por Fernando de Azevedo. Ambos sob inspiração do ideário da Escola Nova (p.145). A partir de 1939, estes institutos tornaram-se instituições de ensino, ganhando um modelo de formação de professores em nível superior. Surgem, então, os cursos de Pedagogia encarregados da formação dos professores das Escolas Normais primárias e o curso de Licenciaturas Específicas para a formação dos professores de disciplinas específicas de escolas secundárias, permanecendo, porém, ainda disponíveis os cursos normais. Entretanto, a partir da criação das instituições de 40 ensino, tem-se uma crescente linha teórica e, em contrapartida, a isenção das escolas modelos ou escolas-laboratórios. A partir do golpe militar de 1964, houve, em 1968, a reformulação do Ensino Médio e primário. Enquanto o primário passa a ter oito anos, o Ensino Médio passa a ter três anos, incluindo, neste último, a possibilidade de profissionalização de professores com a Habilitação Específica do Magistério, e essa nova estrutura traz o fim das Escolas Normais, como confirma Saviani (2009): Nessa nova estrutura, desapareceram as Escolas Normais. Em seu lugar foi instituída a habilitação específica de 2º grau para o exercício do magistério de 1º grau (HEM). Pelo parecer n. 349/72 (Brasil-MEC-CFE, 1972), aprovado em 6 de abril de 1972, a habilitação específica do magistério foi organizada em duas modalidades básicas: uma com a duração de três anos (2.200 horas), que habilitaria a lecionar até a 4ª série; e outra com a duração de quatro anos (2.900 horas), habilitando ao magistério até a 6ª série do 1º grau (p.147). Porém, essa desprofissionalização da formação do professor junto ao Ensino Médio trouxe muitos questionamentos sobre a qualidade do ensino ofertado ou sobre as situações dos alunos matriculados. Desta forma, cria-se o Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério - CEFAM, servindo como formação inicial ou continuada de professores (SAVIANI, 2005). Este projeto funcionava de modo integral, com bolsas para os alunos e incluía atividades práticas em salas de aula, obtendo bons resultados com esta iniciativa. De acordo com Saviani (2005), ainda em 1996, a maioria da formação de professores dava-se em Ensino Médio e poucas em instituições de ensino de Pedagogia. Frente a essa situação, em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) determinou a necessidade da formação em nível superior para atuação na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e Médio, como uma tentativa de unificar a formação de todos os professores a nível superior. Porém, nesta publicação, houve falhas de expressão aos prazos para tal mudança na formação e adequação, gerando ambiguidades nas interpretações dos atingidos pela lei, sendo professores, estudantes e até empresários que lucravam com a venda de formação do magistério em instituições particulares. Com essa situação frustrada, continuou-se permitindo o magistério como nível de formação suficiente para exercer a profissão no Brasil na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. 41 Nota-se, ao longo da história da formação de professores, uma defasagem em políticas e investimento públicos, além da precária preocupação com a questão teórica e científica na formação inicial. A desprofissionalização e a desmoralização com a profissão é historicamente visível e permanece até hoje. É necessário falarmos sobre a formação de professores e lutarmos por investimento e melhorias, visto que a qualidade da formação do profissional faz parte da qualidade da Educação Básica, a qual é tão empregada e exaltada em discursos políticos, mas, como afirma Saviani (2009), é ironicamente a primeira área a sofrer com o corte de custos e desinvestimentos. 2.2.2. A formação atual do professor de Educação Infantil O caminhar das legislações sobre a educação em geral, principalmente com os avanços da LDB em 1996, que reconheceu a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica e, além disso, publicou a intenção de formação em nível superior para todos os professores, fez com que crescesse o espaço dedicado à formação de docentes, a qual passou a ser buscada por muitos em âmbito público e privado. De acordo com Dos Santos, Franco e Varandas (2019), “Para o exercício da docência na Educação Infantil, o curso de licenciatura plena que habilita o professor para essa atividade profissional é o de Pedagogia” (p.112). O Conselho Nacional de Educação lança, em 2006, a resolução CNE/CP Nº 1 que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia (BRASIL, 2006), licenciatura, e nelas relaciona alguns aspectos, como o intuito do curso, princípios a serem desenvolvidos, condições de ensino, aptidões a serem alcançadas pelos estudantes, estrutura do curso, carga horária, entre outros aspectos. Destaca-se, nesta normativa, a estrutura do curso que, diferentemente das escolas normais, se debruça não apenas sobre disciplinas básicas ensinadas no Ensino Fundamental, mas, também, em estudos pedagógicos: gestão, didática, relações sociais, psicologia, relação de cuidado com bebês, avaliação e ética. Além disso, ao detalhar a carga horária, é notória a obrigatoriedade da parte prática, desenvolvida em estágios supervisionados: Art. 7º O curso de Licenciatura em Pedagogia terá a carga horária mínima de 3.200 horas de efetivo trabalho acadêmico, assim distribuídas: 42 I - 2.800 horas dedicadas às atividades formativas como assistência a aulas, realização de seminários, participação na realização de pesquisas, consultas a bibliotecas e centros de documentação, visitas a instituições educacionais e culturais, atividades práticas de diferente natureza, participação em grupos cooperativos de estudos; II - 300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente em Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, contemplando também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto pedagógico da instituição; III - 100 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos alunos, por meio, da iniciação científica, da extensão e da monitoria (BRASIL, 2006, Art.7º). Percebe-se uma evolução nas legislações e a tentativa de aproximar a teoria e prática, porém, será que isso está sendo suficiente na formação dos professores de Educação Infantil? Será que a visão para a educação e a concepção de criança continua a mesma? Normativas e documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) e Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1999, 2009) trazem uma concepção diferente de criança e reconhecem-na como ser de direitos e necessidades intrínsecas, dando importância para a formação dos profissionais que trabalham com essa faixa etária. Esta atualização da concepção de criança é trazida por Dos Santos, Franco e Varandas (2019): Nas últimas décadas, temos observado, no Brasil e no mundo, um movimento, ainda inicial, mas potente, de incorporação de novos fios na tessitura das culturas da docência na Educação Infantil. Um deles é o de reconhecimento da criança como um sujeito capaz de aprender, de se comunicar, de intervir no mundo, produzindo culturas e coisas surpreendentes, que nos encanta e nos encoraja para continuar esse movimento de escutar cada vez mais as crianças e o que elas têm a nos dizer (p.121). O desenvolvimento no âmbito dos regimentos é reconhecido, entretanto, na prática ainda devemos progredir muito. Gatti (2010) aponta que, apesar da evolução do currículo que passou a prezar pelo conhecimento científico e pedagógico, houve uma descontinuidade entre teoria e prática. Este, também, é um apontamento feito por Nóvoa (2017). Dificuldades como estas são citadas nas pesquisas de Dos Santos, Franco e Varandas (2019): Aparecem outras queixas referentes ao currículo e aos processos formativos vividos pelas docentes, como: dissociação entre teoria-prática; currículo 43 disciplinar com a consequente falta de articulação entre os componentes curriculares; ausência de discussões mais consistentes sobre a Educação Especial na perspectiva inclusiva; necessidade de um componente curricular que colaborasse para o “cuidar de si”, para o cuidado com o que acontece durante o trabalho (p.115). Outra dificuldade citada, desta vez por Araújo (2005), é que o curso de Pedagogia é muito amplo a fim de tornar professores polivalentes e, consequentemente, a Educação Infantil é tratada, muitas vezes, de forma superficial, demonstrando ausência da especialidade em Educação Infantil, deixando lacunas na formação inicial do professor desta etapa, e fazendo com que o professor sinta muito mais dificuldades em sua prática docente, como afirmam Dos Santos, Franco e Varandas (2019): Quando a formação inicial deixa lacunas no que tange à construção de conhecimentos fundamentais para o trabalho pedagógico em creches e pré- escolas, as dificuldades e os desafios se apresentam de forma mais potentes no cotidiano da escola. A formação inicial, certamente, não dará conta de alcançar todas as complexidades que envolvem o ato de educar e as necessidades do sujeito para a sua atuação profissional, mas não podemos abrir mão de um currículo que traga mais para dentro da universidade e dos processos formativos a Educação Infantil, as crianças e suas infâncias (p. 128). Autores como Araújo (2005) e Campos (2018) trazem suas contribuições para as dificuldades encontradas na formação inicial do docente de Educação Infantil. Em suma, é necessário que nos currículos do curso de Pedagogia haja mais aprofundamento na formação para atuação na Educação Infantil, é preciso também mais prática e reflexão sobre esta etapa. Pois, segundo Araújo (2005): A falta de articulação e de um adequado equilíbrio entre teoria e prática continua sendo uma questão não resolvida. A formação de professores, seja nos cursos de Magistério ou nos cursos de Pedagogia, permanece essencialmente limitada a uma etapa – a formação inicial – e não como uma necessidade de aprendizagem permanente, de lembrar a própria trajetória e de refletir sobre a prática (p. 61). Outra solução que carece de reflexão atualmente é a falta de formação específica para Educação Infantil. Segundo Dos Santos, Franco e Varandas (2019), a qualidade da formação oferecida está intimamente ligada à qualidade da Educação Infantil, uma vez que a “formação se coloca como uma das estratégias para a 44 consolidação da qualidade da Educação Infantil” (p.128). Ainda, as mesmas autoras afirmam: A formação inicial específica para professores da Educação Infantil é um projeto urgente, que requer negociações de diferentes naturezas entre diversos segmentos educacionais e, ao mesmo tempo, um desvio das recomendações de organismos internacionais que têm influenciado a formulação, a execução e a avaliação das políticas públicas educacionais brasileiras no campo da formação, valorização, profissionalização e carreira dos professores (p.118). Ademais, autores como Vaillant (2016), Gatti et al. (2019), Marcelo (2009), Flores (2015) e Oliveira (2011) reconhecem que a formação do professor acontece não apenas na formação inicial, mas em outros meios, por exemplo, inspirações anteriores à graduação, vivências escolares, troca de experiência com os colegas de trabalho, a prática do dia a dia em sala de aula, pós-graduações e formação continuada em geral. Desta forma, torna-se necessário oportunizar aos estudantes diversos tipos de experiências e ambientes, a fim de favorecer a troca de vivências entre os pares. É preciso preparar o professor para a realidade que ele encontrará nas escolas. Para isso, necessita-se de que os cursos tenham embasamento das legislações atuais que regem a Educação Infantil e, muito além disso, as escolas e municípios devem elaborar planejamentos de acolhimento aos professores iniciantes que, após a formação inicial, irão necessitar de formação continuada de qualidade para sanarem as dificuldades que virão a enfrentar. 2.3. ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO O ECS se trata de uma etapa que deve estar presente no curso de licenciatura em Pedagogia, prevista em legislação (BRASIL, 2006) e, consequentemente, nos currículos e programas dos cursos de graduação. Segundo Ostetto e Maia (2019), o estágio se dará da seguinte maneira: O estágio como componente curricular se organiza entre deslocamentos às instituições de Educação Infantil – para conviver, observar, registrar, pesquisar –, e encontros na universidade – para a socialização das experiências e dos registros, levantamento de questões e dúvidas, elaboração de reflexões sobre elas. Antes dos primeiros deslocamentos, os 45 encontros na universidade buscam orientar a chegada ao ambiente da instituição educacional, provocar a projeção sobre o que esperam encontrar e aguçar seu olhar sensível para esse contexto. Para tanto, buscamos traçar em conjunto o que precisa e merece ser observado, além de buscar construir uma forma de se chegar e estar na instituição, com respeito, sem julgamentos e pré-conceitos, com abertura para acolher e ser acolhido; enfim, para dialogar (p.3). Autores como Pimenta e Lima (2006; 2012), Ostetto e Maia (2019) e Dauanny, Lima e Pimenta (2019) defendem a concepção de que o estágio não é a parte prática da licenciatura, mas, sim, uma atividade que aproxima o estudante da sala de aula, onde é necessária uma fundamentação teórica e muita reflexão, sendo, desta forma, a teoria e a prática juntas. Confirmam Pimenta e Lima (2006): Conclui que o estágio, nessa perspectiva, ao contrário do que se propugnava, não é atividade prática, mas atividade teórica, instrumentalizadora da práxis docente, entendida esta como a atividade de transformação da realidade. Nesse sentido, o estágio atividade curricular é atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, este sim objeto da práxis. Ou seja, é no trabalho docente do contexto da sala de aula, da escola, do sistema de ensino e da sociedade que a práxis se dá (p.14). O ECS é mais um espaço que irá contribuir para o desenvolvimento da identidade docente do professor, a qual “é construída ao longo de sua trajetória como profissional do magistério. No entanto, é no processo de sua formação que são consolidadas as opções e intenções da profissão que o curso se propõe legitimar” (PIMENTA; LIMA, 2017, p. 62). Além disso, Ostetto e Maia (2019) falam sobre a importância do estágio no seguinte trecho: O estágio curricular é uma oportunidade quase indiscutível de aprendizagem para novos professores de qualquer área; por meio dele, em geral, dá-se a aproximação ao campo de atuação profissional. Para a licenciatura de Pedagogia, um curso que, segundo as determinações legais, deve estar centrado na docência, a imersão na escola, na Educação Infantil ou em outros espaços educativos, é parte imprescindível da formação (p.2). O que se propõe para o estágio curricular é o aprendizado por meio de imersão no contexto da docência. Neste momento, são tecidas relações com o coletivo da escola, com as crianças e funcionários, são feitas observações da estrutura e reflexões sobre a prática do outro. Desta maneira, a desconfiança e o questionamento das ações fazem parte do processo. Entretanto, é necessário um olhar investigativo e 46 fundamentado em conceitos sobre o que se está questionando para que não se torne uma crítica vazia sobre o trabalho alheio. De acordo com Ostetto e Maia (2019), são muitas as possibilidades de aprendizado: Dentre as possibilidades, encontra-se a liberdade de apreender o contexto como um todo – organização administrativa e funcional, estrutura física e organizacional, proposta político-pedagógica, composição dos grupos de crianças, formação dos profissionais, rotinas, relação com a comunidade, etc. (p.2). Todas as experiências vividas durante a graduação influenciam na construção da identidade docente, sejam os estágios, aquele que inclui o estudante na vida escolar, trazendo a realidade do trabalho do professor na sociedade