RESSALVA Atendendo solicitação da autor , o texto completo desta dissertação será disponibilizado a partir de / / . UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS CAMPUS DE RIO CLARO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOCIÊNCIAS E MEIO AMBIENTE BIVALVES BAKEVELLIIDAE DA FORMAÇÃO ROMUALDO (ANDAR ALAGOAS, CRETÁCEO INFERIOR), BACIA DO ARARIPE, NE BRASIL: SIGNIFICADO PALEOAMBIENTAL E PALEOGEOGRÁFICO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MARIZA GOMES RODRIGUES ORIENTADOR: PROF. DR. MARCELLO GUIMARÃES SIMÕES CO-ORIENTADORA: DRA. SUZANA APARECIDA MATOS DA SILVA Rio Claro - SP 2020 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro MARIZA GOMES RODRIGUES BIVALVES BAKEVELLIIDAE DA FORMAÇÃO ROMUALDO (ANDAR ALAGOAS, CRETÁCEO INFERIOR), BACIA DO ARARIPE, NE BRASIL: SIGNIFICADO PALEOAMBIENTAL E PALEOGEOGRÁFICO Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geociências e Meio Ambiente. Orientador: Prof. Dr. Marcello Guimarães Simões Co-orientadora: Dra. Suzana Aparecida Matos da Silva Rio Claro – SP 2020 R696b Rodrigues, Mariza Gomes Bivalves Bakevelliidae da Formação Romualdo (Andar Alagoas, Cretáceo Inferior), Bacia do Araripe, NE Brasil: significado paleoambiental e paleogeográfico / Mariza Gomes Rodrigues. -- Rio Claro, 2020 128 p. : il., tabs., fotos, mapas Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientador: Marcello Guimarães Simões Coorientadora: Suzana Aparecida Matos 1. Sistemática. 2. Bivalves pteriomorfos. 3. Aptiano. 4. Grupo Santana. 5. Tafonomia. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. MARIZA GOMES RODRIGUES BIVALVES BAKEVELLIIDAE DA FORMAÇÃO ROMUALDO (ANDAR ALAGOAS, CRETÁCEO INFERIOR), BACIA DO ARARIPE, NE BRASIL: SIGNIFICADO PALEOAMBIENTAL E PALEOGEOGRÁFICO Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geociências e Meio Ambiente. Comissão Examinadora Prof. Dr. Marcello Guimarães Simões Prof. Dr. Lucas Veríssimo Warren Prof. Dr. Luiz Eduardo Anelli Conceito: Aprovada Rio Claro – SP 15 de Maio de 2020 i AGRADECIMENTOS Ao meu orientador Prof. Dr. Marcello Guimarães Simões (IBB/Unesp), pelas sugestões, discussões, paciência e oportunidade de trabalhar com o material da Bacia do Araripe. Obrigada por todos os ensinamentos compartilhados, sabedoria transmitida e confiança a mim depositados; À minha co-orientadora Dra. Suzana Aparecida Matos da Silva, pela paciência, auxílio nas descrições, interpretações e discussões, por estar disposta a tirar dúvidas todos os dias. Obrigada pela amizade e apoio; Ao meu companheiro da vida, Filipe Giovanini Varejão, por ter me incentivado em tudo desde o início. Pelas infinitas discussões sobre o tema da minha dissertação, pelo auxílio em trabalhos de campo e interpretações. Por tornar os meus dias mais leves e pelo amor incondicional; Ao Prof. Franz T. Fürsich (Friedrich-Alexander-Universität) pelas sugestões e auxílio direto na problemática envolvida na presente dissertação; Ao Prof. Lucas V. Warren (IGCE/UNESP), pelas discussões, auxílio nos trabalhos de campo, por me convidar para participar de suas aulas de campo nas disciplinas da graduação, pela amizade; Ao Prof. Dr. Mario Luis Assine (IGCE/UNESP) pelas discussões e ensinamentos, por ter me dado a oportunidade de participar do Projeto “Relações entre Tectônica e Sedimentação em Bacias do Interior do Nordeste do Brasil”, pela amizade; Aos professores que participaram da minha banca de qualificação, Profa. Dra. Jacqueline Neves (UTFPR) e Prof. Dr. Mario Luis Assine pela disponibilidade, pelas discussões e sugestões; Aos amigos e colegas do LEQ da UNESP/Rio Claro, Amanda Catharina, Milena Rosa, Paloma Lorenso e Patrícia Mescolotti e do Lab. de Paleozoologia Evolutiva da UNESP/Botucatu, João Bondioli, Hugo Queiroz, Talita Souza, Victor Silva e Vitor Guerrini. Obrigada pelas conversas, discussões e pelos cafés. E aos ex-integrantes do LEQ, Michele Custódio e Eder Merino, por sempre estararem dispostos a ajudar; Ao colega Lucas Inglez, por ter auxiliado a polir as amostras destinadas a análise tafonômica; Ao técnico Junior do Laboratório de Laminação da Unesp/Rio Claro pela assistência e atenção; ii Aos secretários e funcionários do IGCE/UNESP e IBB/UNESP, em especial à Rosângela, Lauren, Rosana (secretária da Fapesp) e Rose. Por auxiliarem sempre de forma solicita, na resolução dos problemas burocráticos; Aos meus pais Izabel e Mário e meu irmão Matheus, pelo amor, apoio e incentivo aos meus estudos; Ao Laboratório de Estudos do Quaternátio (Unesp/Rio Claro) e Laboratório de Paleozoologia Evolutiva (Unesp/Botucatu), pelo uso de sua infraestrutura; Ao UNESPetro e ao Departamento de Petrologia e Metalogenia (DPM), por terem disponibilizado os laboratórios de microscopia para a realização das descrições das lâminas petrográficas; Ao Programa de Geociências e Meio Ambiente IGCE/UNESP, pelo apoio acadêmico e financeiro indispensáveis à realização desta Dissertação de Mestrado; À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo financiamento parcial da pesquisa, na forma de Bolsa de Mestrado (Processo FAPESP nº 2018/01750-7); Por fim, agradeço ao apoio financeiro também fornecido pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; 304800/2017-1) e Petrobras/SIGITEC (2014/00519-9). iii RESUMO Bakevelliidae (Bivalvia, Pterioidea) são bivalves extintos, marinhos, de epifauna a semi- infauna, bissados, suspensívoros, com pelo menos 20 gêneros descritos e inúmeras ocorrências em todo o mundo. Eles prosperaram do Paleozoico tardio ao Eoceno, atingindo máxima diversidade durante o Mesozoico (principalmente no Jurássico Inferior e Médio). Eles também foram abundantes e bem distribuídos em sucessões sedimentares cretáceas, como àquelas das bacias do Araripe e Sergipe-Alagoas, ocorrendo também de forma pontual na bacia de Pernambuco-Paraíba, no nordeste do Brasil. Neste documento, novos Bakevelliidae aptianos (Cretáceo Inferior) são descritos para a Formação Romualdo, Grupo Santana, Bacia do Araripe, nordeste do Brasil. A análise está fundamentada no exame detalhado de 361 espécimes, provenientes do terço superior da Formação Romualdo, principalmente das seções geológicas nas bordas sudoeste e sudeste da bacia, tendo sido, porém, registrados em toda a Bacia do Araripe. Juntamente com outros membros conhecidos da família Bakevelliidae, já registrados na Formação Romualdo (i.e., Aguileria dissita), os novos bivalves (Araripevellia musculosa gen. et sp. nov., Aguileria romualdoensis sp. nov. e Gen et sp. Indet.) indicam que a fauna de Bakevelliidae desta unidade foi mais diversa do que se imaginava anteriormente. Calcários ricos em conchas de Bakevelliidae, alguns com espécimes preservados in situ, estão restritos ao terço superior desta unidade, o mesmo intervalo estratigráfico contendo calcários com equinodermos, gastrópodes e estromatólitos. Esses bivalves pteriomorfos, portanto, são um testemunho do breve “Mar de Bakevelliidae” que inundou toda a Bacia do Araripe, durante o Aptiano. Análises paleoautoecológicas indicam que Araripevellia musculosa gen. et sp. nov. era uma espécie de epifauna, que viveu em substratos bioclásticos e estáveis, enquanto Aguileria romualdoensis sp. nov. era uma forma semi-infaunal bissada, que colonizou sedimentos finos. Espécimes das três espécies de Bakevelliidae estudadas são encontrados juntos em uma dada concentração fóssil, mas apenas Araripevellia musculosa gen. et sp. nov. é preservada in situ. Esta espécie é registrada, principalmente, em concentrações fósseis primariamente biogênicas, formando delgados depósitos de sufocamento. Notavelmente, Aguileria romualdoensis sp. nov. se assemelha a A. renauxiana da Formação Woodbine, Cenomaniano, Texas, EUA. Além disso, Aguileria dissita também é registrada na Formação Riachuelo, Aptiano tardio-Albiano, da Bacia de Sergipe-Alagoas. Juntamente com outros macroinvertebrados (i.e., gastrópodes, equinodermos, bivalves), a fauna de Bakevelliidae da Formação Romualdo é fortemente biocorrelata à da Formação Riachuelo, suportando um cenário paleogeográfico em que águas marinhas inundaram a Bacia do Araripe advindas de iv sudeste, provavelmente através das bacias do Recôncavo-Tucano-Jatobá. Finalmente, informações sedimentológicas, estratigráficas e paleontológicas indicam que o desaparecimento dos Bakevelliidae na Formação Romualdo está vinculado a continentalização da Bacia do Araripe. Palavras-chaves: sistemática, bivalves pteriomorfos, aptiano, Grupo Santana, biocorrelação, tafonomia, mar epicontinental. v ABSTRACT Bakevelliids (Bivalvia, Pterioidea) are extinct, marine, stationary epifaunal to semi-infaunal, suspension feeding bivalves with at least 20 described genera and numerous occurrences worldwide. They thrived from the Late Paleozoic to Eocene, reaching the maximum diversity during the Mesozoic (mainly Early and Middle Jurassic). They were also abundant and widespread in many Cretaceous sedimentary successions, as in the Araripe and Sergipe- Alagoas basins, also occurring occasionally in Pernambuco-Paraíba basin, in NE Brazil. In this document, new Aptian (Lower Cretaceous) bakevelliid bivalves are described for the Romualdo Formation, Santana Group, Araripe Basin, northeastern Brazil. Analysis is based on the detailed examination of 361 specimens all from the upper third interval of the Romualdo Formation, mainly from geological sections in the southwestern and southeastern borders of the basin, but they were recorded in all four corners of the Araripe Basin. Together with the other known members of the family Bakevelliidae, already record in the unit (i.e., Aguileria dissita), the new bivalves (Araripevellia musculosa gen. et sp. nov., Aguileria romualdoensis sp. nov., and Gen et sp. indet.) indicate that the Romualdo bakevelliid fauna was more diverse than previously realized. Bakevelliid-rich carbonates, some with in situ specimens, are restrict to the upper third of this unit, the same stratigraphic interval yielding echinoderm-, gastropod- and stromatolite- bearing limestones. These pteriomorphian bivalves were widely distributed in the Romualdo Formation and are a testimony of the short-lived bakevelliid-sea that flooded the whole Araripe Basin, during the Aptian. Paleoautoecologic analysis indicate that Araripevellia musculosa gen. et sp. nov. was an epifaunal, byssate species, living in bioclastic, stable substrates, whereas Aguileria romualdoensis sp. nov. was a semi-infaunal, byssate form. Specimens of the three studied bakevelliid species can be recorded all together in a given fossil concentration, but only Araripevellia musculosa gen. et sp. nov. is found in situ. This species is found in primarily biogenic fossil concentrations forming thin obrution deposits. Notably, Aguileria romualdoensis sp. nov. close resembles A. renauxiana from the Cenomanian Woodbine Formation, Texas, US. In addition, Aguileria dissita is also recorded in the Late Aptian-Albian Riachuelo Formation of the Sergipe-Alagoas Basin. Together with other macroinvertebrates (i.e., gastropods, echinoderms, bivalves) the bakevelliid fauna of the Romualdo Formation can be biocorrelated tightly with that of the Riachuelo Formation, supporting a paleogeographic scenario with the marine waters flooding the Araripe Basin from the southeast, probably via Recôncavo-Tucano-Jatobá Basin system. Finally, sedimentologic, stratigraphic and vi paleontological information indicate that the fate of the bakevelliids in the Romualdo Formation, is bound up with the onset of continentalization of the Araripe Basin. Keywords: systematics, pteriomorphian bivalves, aptian, Santana Group, biocorrelation, taphonomy, epicontinental sea. vii SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. i RESUMO .................................................................................................................................. iii ABSTRACT .............................................................................................................................. v ÍNDICE DE FIGURAS ......................................................................................................... viii ÍNDICE DE TABELAS ........................................................................................................ viii 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1 1.1 Problemática envolvida .................................................................................................... 2 1.2 Justificativas e Hipóteses .................................................................................................. 3 2. OBJETIVOS ......................................................................................................................... 5 3. REGISTROS DE BAKEVELLIIDAE NO CRETÁCEO DO BRASIL .......................... 5 4. CONTEXTUALIZAÇÃO GEOLÓGICA ........................................................................ 10 5. MATERIAIS E MÉTODOS .............................................................................................. 14 5.1 Levantamento de dados de campo .................................................................................. 14 5.2 Atividades de laboratório ............................................................................................... 15 5.2.1 Seções polidas (Slab) ............................................................................................... 15 5.2.2 Análise petrográfica ................................................................................................. 16 5.2.3 Preparação e moldagem dos espécimes ................................................................... 16 5.2.4 Fotodocumentação ................................................................................................... 17 5.2.5 Elaboração de banco de dados ................................................................................. 17 5.2.6 Ilustração .................................................................................................................. 17 5.2.7 Análise taxonômica e paleoecológica ...................................................................... 18 5.2.8 Análise tafonômica ................................................................................................... 18 5.2.9 Pesquisa bibliográfica .............................................................................................. 18 6. RESULTADOS ................................................................................................................... 18 6.1 Descrição das Seções Sobradinho e Serra do Inácio ..................................................... 19 6.1.1 Seção de Sobradinho ................................................................................................ 19 6.1.2 Seção da Serra do Inácio .......................................................................................... 22 6.2 Caracterização das concentrações de Sobradinho......................................................... 23 6.2.1 Microfácies carbonáticas .......................................................................................... 23 6.2.2 Associação de microfácies ....................................................................................... 32 6.3 Sistemática paleontológica ............................................................................................. 37 6.3.1 Novos bivalves pteriomorfos do Aptiano da Formação Romualdo, Bacia do Araripe, e o breve “Mar de Bakevelliidae” do interior do nordeste do Brasil .................. 38 7. DISCUSSÃO ....................................................................................................................... 39 7.1 Tafonomia e composição faunística ............................................................................... 39 7.2 Gênese das concentrações bioclásticas .......................................................................... 40 7.2.1 Trabalhos anteriores ................................................................................................. 41 7.2.2 Modelo deposicional ................................................................................................ 42 7.3 Paleoecologia ................................................................................................................. 48 8. CONCLUSÕES ................................................................................................................... 50 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 53 APÊNDICE ............................................................................................................................. 59 Short-lived “Bakevelliid-Sea” in the Aptian Romualdo Formation, Araripe Basin, Northeastern Brazil………………………………………...………………………..…..…59 ANEXO .................................................................................................................................. 110 Microbialite fields developed in a protected rocky coastline: The shallow carbonate ramp of the Aptian Romualdo Formation (Araripe Basin, NE Brazil) ............................................ 110 viii ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 ─ Ocorrências de bivalves Bakevelliidae nas bacias sedimentares do nordeste brasileiro .............................................................................................................................. 6 Figura 2 ─ Mapa geológico da Bacia do Araripe com as localidades onde os fósseis estudados foram encontrados ............................................................................................................. 11 Figura 3 ─ Diagrama idealizado mostrando a sequência deposicional da Formação Romualdo, na Bacia do Araripe ........................................................................................................... 12 Figura 4 ─ Seções colunares da Formação Romualdo nas localidades de Serra do Inácio e Sobradinho, estados de Pernambuco e Ceará, respectivamente ........................................ 21 Figura 5 ─ Fácies sedimentares das seções colunares de Sobradinho e Serra do Inácio ........ 22 Figura 6 ─ Mudstone com ostracodes e wackestone a bivalves e gastrópodes ....................... 25 Figura 7 ─ Packstone a gastrópodes e bivalves ...................................................................... 26 Figura 8 ─ Grainstone a gastrópodes e bivalves ..................................................................... 28 Figura 9 ─ Floatstone a bivalves e gastrópodes e rudstone a bivalves e gastrópodes ........... 29 Figura 10 ─ Floatstone a Bakevelliidae .................................................................................. 31 Figura 11 ─ Rudstone a Bakevelliidae .................................................................................... 32 Figura 12 ─ Seção colunar detalhada dos níveis carbonáticos contendo conchas de Bakevelliidae ..................................................................................................................... 33 Figura 13 ─ Associação de microfácies 1. .............................................................................. 34 Figura 14 ─ Associação de microfácies 2. .............................................................................. 35 Figura 15 ─ Associação de microfácies 3. .............................................................................. 35 Figura 16 ─ Associação de microfácies 4. .............................................................................. 36 Figura 17 ─ Associação de microfácies 5. .............................................................................. 36 Figura 18 ─ Associação de microfácies 6. .............................................................................. 37 Figura 19 ─ Variação nos atributos tafonômicos dos bivalves Bakevelliidae da Formação Romualdo, Bacia do Araripe, Brasil. ................................................................................ 40 Figura 20 ─ Modelo mostrando os processos envolvidos na gênese das diferentes associações de microfácies, assim como os diferentes tipos de concentrações esqueléticas identificados ........................................................................................................................................... 42 Figura 21 ─ Araripevellia musculosa gen et sp. nov. preservada em posição de vida ........... 46 Figura 22 ─ Modelo genético para origem das concentrações fossilíferas com Bakevelliidae da seção colunar da localidade de Sobradinho ....................................................................... 47 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 ─ Registro histórico das espécies de Bakevelliidae encontradas nas bacias sedimentares interiores do nordeste brasileiro .................................................................... 9 Tabela 2 ─ Relação dos vários grupos de fósseis de importância cronoestratigráfica da Formação Romualdo ......................................................................................................... 13 1 1. INTRODUÇÃO A Bacia do Araripe é mundialmente reconhecida por suas rochas cretáceas portadoras de abundantes fósseis (Konzentrat-Lagerstätten) ou com elementos espetacularmente bem preservados (Konzervat-Lagerstätten) (sensu Seilacher et al., 1985). A origem da bacia está relacionada ao desmantelamento do Gondwana e à abertura do Oceano Atlântico Sul, durante o Eocretáceo, intervalo onde estão registradas as primeiras ingressões marinhas no interior do nordeste brasileiro (Arai, 2016; Assine et al., 2016). Várias hipóteses e cenários paleogeográficos têm sido postulados para a origem e a direção das ingressões marinhas na Bacia do Araripe, com autores advogando por ingressões advindas de norte, via bacias de São Luís e Parnaíba, de noroeste, via Bacia Potiguar, bem como a partir do sul, cruzando os limites das bacias de Sergipe-Alagoas (veja discussão recente e referências em Arai, 2016; Assine et al., 2016). Fundamentados em dados estruturais, estratigráficos e paleontológicos, Assine et al. (2016) propõem que, no Cretáceo Inferior, haveria um seaway entre as bacias do Araripe e Sergipe-Alagoas, com ingressão de águas marinhas de sul para norte, se aproveitando dos vales fluviais incisos desenvolvidos nas bacias do Recôncavo, Tucano e Jatobá (Varejão et al., 2016; Freitas et al., 2017). De fato, as paleocorrentes deduzidas das direções de mergulho de estratos cruzados de fácies sedimentares fluviais sotopostos (i.e., Formação Barbalha da Bacia do Araripe e Formação Marizal das bacias do Recôncavo-Tucano-Jatobá) indicam que a Bacia do Araripe integrava um sistema de paleodrenagem continental que fluía para sul, acompanhando os vales de direção N-S, possivelmente condicionados por subsidência relacionada à reativação de falhas de fase rifte das bacias da margem continental brasileira (Assine et al., 2016; Varejão et al., 2016; Freitas et al., 2017). Naturalmente, esses vales constituíram, posteriormente, caminho para a ingressão marinha neoaptiana, que atingiu a Bacia do Araripe, situada ao norte, culminando com a deposição dos folhelhos marinhos da Formação Romualdo (Custódio et al., 2017; Fürsich et al., 2019). Dessa forma, os depósitos e fósseis desta unidade são cruciais para as interpretações paleobiogeográficas. De fato, os dados disponíveis sugerem que: (i) haveria afinidade entre as faunas de invertebrados de unidades coevas da Bacia do Araripe (e.g., formações Crato e Romualdo), com as da Bacia de Sergipe (e.g., Formação Riachuelo) (vide, por exemplo, Pereira et al., 2015; White, 1887a); (ii) teria existido um seaway ou corridor entre ambas as bacias sedimentares (Martill, 1993; Assine et al., 2016), e (iii) a diversidade da fauna de invertebrados das formações Crato e Romualdo seria, em parte, resultante de elementos 2 imigrantes (cosmopolitas) e não apenas constituída por elementos que evoluíram in situ (endêmicos) na Bacia do Araripe (e.g., Silva et al., 2019). Nesse contexto, os moluscos bivalves da Formação Romualdo, especialmente os Bakevelliidae, se destacam como elementos-chave para corroborar ou refutar as hipóteses paleogeográficas aventadas por autores tais como Assine et al. (2016), Varejão et al. (2016), Custódio et al. (2017), Freitas et al. (2017) e Fürsich et al. (2019). Os Bakevelliidae constituem uma família extinta (Carbonífero-Eoceno) de bivalves pterióides, marinhos ou de águas salobras, com ampla distribuição paleobiogeográfica. A família contém 24 gêneros (segundo o The Paleobiology Database, acessado em fevereiro de 2020), dos quais dois já foram mencionados para a Bacia do Araripe (e.g., Aguileria dissita e Bakevellia sp.). A recente redescoberta de uma abundante malacofauna de Bakevelliidae na parte superior da Formação Romualdo, cuja afinidade parece estar relacionada a elementos coevos da Bacia de Sergipe (vide Pereira et al., 2015), abre a possibilidade para a validação dos modelos paleogeográficos mencionados acima, bem como discutir questões paleoambientais e paleoecológicas relevantes, no contexto da deposição do intervalo superior da Formação Romualdo, Bacia do Araripe, onde esses bivalves são abundantes. Desse modo, as premissas citadas nos itens i a iii, constituem o cerne da pesquisa desenvolvida. 1.1 Problemática envolvida Deve-se a Hartt (1870) o primeiro registro de bivalves fósseis na sucessão sedimentar cretácea da Bacia do Araripe. Desde então diversos artigos, dissertações e teses, sem contar uma infinidade de resumos em eventos científicos, trataram da presença de moluscos bivalves nas unidades Crato e Romualdo, Grupo Santana. Mabesoone & Tinoco (1973) sintetizaram as ocorrências de moluscos na Bacia do Araripe e compilações mais atualizadas aparecem em Sales (2005), Bruno & Hessel (2006), Martill et al. (2007) e Bruno (2009). Com exceção dessa última autora (vide discussão mais adiante) e de Pereira et al. (2015; 2018), nenhum dos estudos publicados desde 1870, tratando dos bivalves da Formação Romualdo, contêm ilustrações, descrições formais e referências às instituições de repositório dos espécimes analisados (vide Bruno, 2009). Essa situação é inaceitável do ponto de vista científico, à luz do enorme conhecimento ocorrido nos últimos 30 anos em relação às ocorrências coevas de outras partes da América do Sul, especialmente da Argentina e Chile (vide Damborenea, 1987; Aberhan & Muster, 1997; Lazo, 2003). Em outras palavras, os bivalves da Formação Romualdo permanecem na sua maioria não estudados, especialmente do ponto de vista da sistemática da fauna, principalmente se considerarmos as normas e recomendações do International Code of 3 Zoological Nomenclature (ICZN, 1999). Em decorrência dessa situação, o conhecimento taxonômico dos bivalves cretáceos da Bacia do Araripe é ainda incipiente, sendo urgente estudos de sistemática paleontológica (vide Pereira et al., 2015), tafonomia e paleoecologia, os quais são básicos para as investigações com foco em biocorrelações, reconstruções paleogeográficas e paleoambientais. É neste contexto que a presente dissertação de mestrado está inserida. 1.2 Justificativas e Hipóteses Nos últimos cinco anos, em decorrência de uma série de esforços de coleta no âmbito de projeto internacional financiado pelo CNPq (coordenado pelo Prof. Dr. Marcello Simões), concomitante aos financiados pela Petrobras-Fundunesp (coordenado pelo Prof. Dr. Mario Assine), várias seções colunares foram levantadas nas bordas leste e oeste na Bacia do Araripe, abrangendo, dentre outros, os depósitos cretáceos das formações Crato (Varejão, 2019) e Romualdo (Custódio, 2017; Custódio et al., 2017; Fürsich et al., 2019). Em decorrência, foi possível estabelecer com grande precisão a posição estratigráfica de muitas ocorrências de macroinvertebrados, especialmente Mollusca (Gastropoda e Bivalvia), Echinodermata e Crustacea (Decapoda), particularmente na Formação Romualdo (ver Fürsich et al., 2019). Esses grupos têm enorme potencial como indicadores paleoambientais, especialmente para a interpretação dos regimes de salinidade e oxigenação das águas de fundo, taxas de sedimentação e tipos de substrato (Holz & Simões, 2002). Uma das seções mais representativas da Formação Romualdo na borda leste da Bacia do Araripe está, conforme já mencionado acima, na localidade de Sobradinho, distrito de Jardim, Estado do Ceará (Figs. 1 e 2). No topo da sucessão sedimentar foram encontradas coquinas centimétricas, constituídas principalmente por conchas de bivalves Bakevelliidae, cujas espécies até então não haviam sido formalmente descritas (vide abaixo) para essa parte da Bacia do Araripe. Em decorrência da importância desses fósseis para as interpretações bioestratigráficas, paleogeográficas e paleoambientais, a presente dissertação de mestrado foca no estudo desse grupo de moluscos. Na Formação Romualdo, bivalves Bakevelliidae foram previamente mencionados por Bruno (2009) e Pereira et al. (2015), nas bordas leste e oeste da bacia, respectivamente. Bruno (2009) apresenta um estudo taxonômico e paleoecológico detalhado dos Bakevelliidae provenientes da localidade de Sobradinho, cuja presença foi revelada por uma escavação aberta por Sales (2005). Bruno (2009) cita que o artigo “Pseudoptera beurleni, a new species of Bakevelliidae (Bivalvia) from the Santana Formation (Albian?), northeastern Brazil, and its palaeontological implications” foi submetido ao periódico Cretaceous Research, em data 4 anterior a 24 de julho de 2009. A busca detalhada na literatura, bem como no CV-Lattes das autoras (Bruno, A.P.S e Hessel, M.H.R.), em fevereiro de 2020, revelou que, passados quase 11 anos da submissão do artigo, esse ainda não foi formalmente publicado. É importante ressaltar ainda que para o ICZN, táxons publicados em dissertações ou teses não são válidos. Uma publicação eletrônica, após 2011, com DOI, pode ter validade, desde que cumpra certas formalidades, ou seja, (i) que a publicação seja registrada no Zoobank, responsável pelo Official Register of Zoological Nomenclature, antes de ser publicada na internet; (ii) que o trabalho deixe claro que este registro no Zoobank ocorreu; (iii) que o registro no Zoobank contenha o nome de um disponibilizador ("archive") eletrônico que fornecerá o arquivo e o ISSN ou ISBN do trabalho, e (iv) que o trabalho declare a data de sua publicação. Claramente, esse não é o caso do estudo de Bruno (2009) e, desse modo, o nome Pseudopteria beurleni não é valido (nomen nudum). Além disso, Bruno (2009) refere-se à ocorrência dos Bakevelliidae no nível das concreções carbonáticas (parte média da sucessão sedimentar da Formação Romualdo), contendo abundantes peixes fósseis, o que sabemos hoje não é correto (vide Fürsich et al., 2019). Em outras palavras, a despeito das relevantes informações paleontológicas contidas no estudo de Bruno (2009), três problemas cruciais não foram solucionados, isso é: (i) não existe a publicação formal dos dados, segundo o ICZN; (ii) a posição estratigráfica dos fósseis na sucessão vertical da Formação Romualdo é imprecisa; e (iii) os fósseis estão mal preservados, com as conchas recristalizadas, dificultando ou mesmo impedindo a descrição das feições anatômicas internas (impressões musculares) dos bivalves. Os problemas citados nos itens ii e iii não afetam o material de estudo, possibilitando a descrição dos Bakevelliidae da Formação Romualdo e interpretação e compreensão dos mecanismos que geraram as concentrações fossilíferas ricas em conchas deste grupo de bivalves. Em razão das discussões acima, postula-se aqui que, no terço superior da Formação Romualdo, existiram condições deposicionais possivelmente marinhas, indicadas, dentre outras evidências, pela presença de bivalves Bakevelliidae. Conforme dados prévios (vide seções em Sales, 2005; Custódio et al., 2017; Fürsich et al., 2019), as concentrações podem ser acompanhadas, lateralmente, por longas distâncias. Outro aspecto estratigráfico importante é que, na sucessão sedimentar de Sobradinho, o intervalo coquinóide parece indicar mudanças paleoambientais e/ou paleoclimáticas importantes, as quais possibilitaram a geração de sedimentos carbonáticos na Bacia do Araripe. Quais os processos teriam sido responsáveis por tal alteração? Teria havido aridização, a qual limitaria o aporte de sedimentos silicilásticos nas áreas proximais, possibilitando a deposição carbonática e o estabelecimento de uma fauna 5 distinta de moluscos bivalves, durante fase de máxima inundação marinha? Notavelmente, os Bakevelliidae estão presentes também na Bacia de Sergipe, Formação Riachuelo (vide dados em Hessel & Filizola Jr., 1989; Hessel, 2004; Mello et al., 2007; Pereira et al., 2015), provavelmente no Membro Maruim, onde estão associados a abundantes fósseis de equinóides. Se esses dados estiverem corretos haveria mais uma evidência da presença de um seaway entre as bacias do Araripe e Sergipe-Alagoas, conforme postulado em Martill (1993) e Assine et al. (2016). 2. OBJETIVOS Em razão dos comentários acima, essa dissertação tem por objetivo o estudo (i) taxonômico, (ii) estratigráfico/tafonômico, (iii) paleoecológico e de (iv) biocorrelação dos Bakevelliidae da Formação Romualdo, com base nas ocorrências das bordas leste e oeste da Bacia do Araripe, estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. Esses dados foram integrados aos de natureza sedimentológica já disponíveis para as seções estudadas (Custódio et al., 2017; Fürsich et al., 2019), com a finalidade de melhor estabelecer as condições paleoambientais e paleogeográficas do intervalo estratigráfico de ocorrência destes fósseis. 3. REGISTROS DE BAKEVELLIIDAE NO CRETÁCEO DO BRASIL No Cretáceo do Brasil, os bivalves Bakevelliidae estão registrados em três bacias sedimentares do Nordeste, incluindo: Araripe, Pernambuco-Paraíba e Sergipe-Alagoas (Fig. 1). Na Bacia de Sergipe-Alagoas, Gervillia dissita foi descrita por White (1887a), nas rochas cretáceas provenientes da localidade de Porto dos Barcos, Estado de Sergipe. No mesmo ano, White (1887b) descreveu um novo gênero, Aguileria White (1887b) para o Cretáceo do Texas, mencionando que (i) Gervillia renauxiana Mathéron, 1852, do Cretáceo da França, deveria ser incluído no gênero novo, e (ii) Gervillia dissita, do Cretáceo do Brasil provavelmente também pertencia ao gênero texano. Posteriormente, Maury (1936) manteve a espécie dissita, como um táxon válido dentro do gênero Gervilleia Defrance, 1820 (sensu Maury, 1936). Na mesma contribuição, ela também descreve uma nova espécie, Gervilleia regoi. Meio século depois do estudo de Maury (1936), as espécies Gervilleia dissita e G. regoi foram redescritas por Hessel & Filizola Jr. (1989), referindo-os a Aguileria White, 1887b e tecendo considerações relativas à morfologia geral das conchas, forma da aurícula e o número e posição dos resilíferos na área ligamentar. 6 Figura 1 ─ Ocorrências de bivalves Bakevelliidae nas bacias sedimentares do nordeste brasileiro (base cartográfica: Assine, 1990). Deve-se a Hessel (2004) e Mello et al. (2007) os artigos que mais exploraram as questões morfológicas e ecológicas dos bivalves Bakevelliidae na Bacia de Sergipe-Alagoas. Por exemplo, Hessel (2004) estudou 13 espécimes coletados nas localidades de Espiríto Santo 7 11 e Mangueira 1 (Tabela 1 para coordenadas UTM), município de Riachuelo, Estado de Sergipe. Os exemplares foram coletados em rochas siliciclásticas do Membro Angico, da Formação Riachuelo, na parte sul da Bacia de Sergipe-Alagoas. Hessel (2004) concluiu que seus espécimes pertenciam a Gervillia (Gervillia) soneloidea Defrance, 1820, taxón comum do Cretáceo Europeu (Abdel-Gawad, 1986; Heinberg, 1999). Ainda, de acordo com Hessel (2004), as feições morfológicas das valvas de G. (G.) solenoidea indicam um hábito de vida epifaunal pendente. Além disso, Hessel (2004) mencionou a ocorrência de restos de equinóides associados a G. (G.) solenoidea e a presença de ostreídeos e tubos calcários de vermes indicativos de águas marinhas rasas e bem oxigenadas. Por sua vez, Mello et al. (2007) apresentou a descrição de uma nova espécie, Gervillia (Gervillia) sergipensis, com base em coleção científica constituída de 78 espécimes preservados como moldes externos e conchas originais retiradas de blocos de calcários. Os espécimes foram coletados nas camadas basais da Formação Riachuelo, em duas localidades distintas: Coqueiro 1 e Taquari 1 (Tabela 1), município de Riachuelo, Estado de Sergipe. Estas camadas são datadas como Aptiano-Albiano baseadas em zonas de amonites (Zucon, 2005). Segundo Mello et al. (2007), o posicionamento de G. (G.) sergipensis como nova espécie do subgênero G. (Gervillia) é sustentada pelo fato dos exemplares apresentarem características diagnósticas na charneira (e.g., dentes transversais e crenulações). Esses autores enfatizaram que a identificação da espécie G. (G.) solenoidea, fundamentada em características morfológicas externas da concha, tais como a forma das valvas, da asa posterior, da área ligamentar e descontinuidade bissal (ver Hessel, 2004) é imprópria, pois são compartilhadas por muitas outras espécies de Bakevelliidae, não sendo diagnóstica e nem robusta para a identificação específica. Mello et al. (2007) estudaram exemplares das mesmas localidades de Hessel (2004), comentando que os espécimes possuem asa triangular bem desenvolvida e cinco cavidades ligamentares bem marcadas. No entanto, os autores notaram que a forma da asa posterior pode ser modificada por agentes tafonômicos e que este aspecto, portanto, deve ser considerado nas comparações morfológicas. Mello et al. (2007) concluem que os espécimes identificados como G. (G.) solenoidea por Hessel (2004) pertencem a G. (G.) sergipensis. Adicionalmente, Mello et al. (2007) fazem alguns comentários sobre as interpretações paleoautoecológicas de Hessel (2004), sugerindo que o hábito de vida inferido para G. (G.) solenoidea pode não estar correto. Segundo Mello et al. (2007), G. (G.) sergipensis deve ter tido hábito de vida semi-infaunal. Para a Bacia do Araripe, a família Bakevelliidae foi registrada, pela primeira vez, em calcários da Formação Romualdo, na localidade de Lagoa de Dentro-Rancharia, no município 8 de Araripina, borda leste da bacia (Beurlen, 1963). Nesta ocasião, uma espécie de Bakevelliidae foi registrada e referida a Aguileria sp. (Beurlen, 1963, 1971). Mais tarde, Mabesoone & Tinoco (1973) e Sales (2005) mencionaram novamente a ocorrência descrita por Beurlen (1963, 1971) sem ilustrar ou descrever novos espécimes. Bivalves Bakevelliidae foram também mencionados por Bruno (2009), Bruno & Sial (2009) e Pereira et al. (2015), nas bordas leste e oeste da bacia. Bruno (2009) apresenta um estudo taxonômico e paleoecológico detalhado dos Bakevelliidae coletados na localidade de Sobradinho, Distrito de Jardim, Estado do Ceará (Tabela 1), provenientes de uma escavação aberta por Sales (2005). Bruno (2009) descreve 25 valvas esquerdas e sete valvas direitas oriundas de calcários coquinóides da Formação Romualdo. O estudo de Bruno (2009) revelou a presença de uma nova espécie de Bakevelliidae na bacia, atribuído a Pseudoptera beurleni, uma concha fina, lisa, inequivalve, do tipo mitiliforme, apresentando longa linha cardinal e umbo saliente. A presença de pequena aurícula anterior arredondada e subtriangular, aurícula posterior grande, alongada, assim como cavidades ligamentares finas e regularmente espaçadas caracteriza a espécie (Bruno, 2009). Pseudoptera beurleni provavelmente foi um bivalve suspensívoro de semi-infauna, que colonizou fundos em locais de águas meso-halinas calmas, vivendo ancorado sub-verticalmente e preso ao substrato por um bisso, com suas aurículas finas totalmente ou quase totalmente enterradas, conferindo maior estabilidade vertical (Bruno, 2009). Mais recentemente, Pereira et al. (2015) descreveu Aguileria dissita a partir de espécimes coletados em calcarenitos da Formação Romualdo, nas localidades de Fazenda dos Izaques e Sítio Torrinha, Araripina, Estado de Pernambuco. Aguileria dissita possui concha biconvexa, subequivalve, espessa e deve ter sido fixada ao fundo por bisso. Portanto, estas feições morfológicas sugerem hábito de vida de semi-infauna, inclinada em substratos moles (Pereira et al., 2015). De acordo com Pereira et al. (2015), a espécie é a mesma descrita por White (1887a) e redescrita por Maury (1936). No entanto, Aguileria dissita difere de G. (G) regoi Maury, 1936 por ter concha mais ereta e sub-retangular, com a área do ligamento sub- retangular, enquanto Aguileria renauxiana White, 1887b tem concha mais ereta, apresentando sulco anterior bem marcado e área ligamentar sub-retangular (Pereira et al., 2015). Fürsich et al. (2019) mencionam a ocorrência de Bakevellia King, 1848 nas coquinas da porção superior da Formação Romualdo, na localidade de Sobradinho, Estado do Ceará. Os autores consideraram Bakevellia sp. um bivalve epibissado, de hábito alimentar suspensívoro, destacando que a espécie poderia corresponder a Aguileria dissita White, 1887a. No entanto, 9 parece que os espécimes referidos a Bakevellia sp. por Fürsich et al. (2019) na verdade, pertence a um dos táxons descritos nesta dissertação. Na Bacia de Pernambuco-Paraíba são raros os estudos que citam a ocorrência de Bakevelliidae. Os artigos de Kegel (1957) e Guimarães (1964) reportam a ocorrência de Gervillia sp. em arenitos cinzentos do Membro Beberibe, da Formação Itamaracá, Vale do Rio Beberibe, a oeste de Recife, Estado do Pernambuco. Tabela 1 ─ Registro histórico das espécies de Bakevelliidae encontradas nas bacias sedimentares interiores do nordeste brasileiro. A nomenclatura estratigráfica segue a dos autores originais. Bacia Unidade Geológica Localidade/ Coordenadas (UTM) Autores Espécies Araripe Fm. Romualdo Lagoa de Dentro- Rancharia, Araripina (PE) Beurlen (1963); Beurlen (1971), citação Aguileria sp. ─ Mabesoone & Tinoco (1973), citação Aguileria sp. Lagoa de Dentro, Araripina (PE) Sales (2005), citação Aguileria sp. Sobradinho, Distrito de Bom Jardim (CE) - 24M UTM 9163112N/481859E Bruno & Sial (2009), citação; Bruno (2009) descrição formal (não publicado) Pseudoptera beurleni Fazenda dos Izaques e Sítio Torrinha, Araripina (PE) Pereira et al., (2015), descrição formal Aguileria dissita Ladeira do Belenga, (Simões, PI); Canastra, Torre Grande, Torrinha e Lagoa de Dentro (Araripina, PE); Pereira et al., (2017), citação Aguileira dissita 10 Santo Antônio e Cedro (Exu, PE) Sobradinho: 24M UTM 9163112N/481911 E) ~20km de Jardim (CE) Fürsich et al., (2019), citação Bakevellia sp. Pernambuco- Paraíba Mb. Beberibe, Fm. Itamaracá Vale do Rio Beberibe, oeste de Recife (PE) Kegel (1957); Guimarães (1964), citações Gervillia sp. Sergipe- Alagoas Fm. Riachuelo Porto dos Barcos, Trapiche das Pedras Velho e Coqueiro, Província de Sergipe White (1887a), descrição formal Gervillia dissita Pasto da Carregoza, entre Riachuelo e Tanque (SE) Maury (1936), descrição formal Gervilleia dissita; Gervilleia regoi Coqueiro 1: 24L UTM 8815129N/698953E e Taquari 1: 24L UTM 8823752N/716027E Mello et al. (2007), descrição formal Gervillia sergipensis ─ Hessel & Filizola Jr. (1989), descrição formal (não publicado) Aguileria dissita; Aguileria regoi Mb. Angico, Fm. Riachuelo ─ Hessel (2004), descrição formal Gervillia (Gervillia) solenoidea 4. CONTEXTUALIZAÇÃO GEOLÓGICA A Bacia do Araripe apresenta forma alongada, na direção E-W (Assine, 2007), sendo uma das maiores do interior do nordeste brasileiro, abrangendo as regiões sul do Estado do Ceará, oeste de Pernambuco e leste do Piauí (Fig. 2). Das bacias interiores do nordeste brasileiro, essa é a que apresenta a história geológica mais complexa e de maior completude estratigráfica (Assine, 2007), estando implantada em terrenos pré-cambrianos da Zona Transversal da Província Borborema, a sul do Lineamento de Patos e a norte do Lineamento de Pernambuco (Brito-Neves et al., 2000). 11 A bacia se destaca, geomorfologicamente, pela elevação conhecida como Chapada do Araripe, limitada por escarpas erosivas e íngremes, de topo plano com mergulho suave para oeste (Morales & Assine, 2015). A topografia atual da bacia, cujas maiores altitudes estão na borda leste, deve-se a recentes movimentos ao longo de falhas reversas de direção NW-SE com mergulho para NE, associados a uma fase de inversão causada por esforços compressivos oriundos dos movimentos da placa de Nazca e da cordilheira meso-oceânica (Marques & Moulin, 2011). O registro geológico do mesozoico na Bacia do Araripe é caracterizado por três sequências estratigráficas (Fig. 2): (i) rifte (Andares Dom João e Rio da Serra); (ii) pós-rifte I (Andar Alagoas = Aptiano); (iii) pós-rifte II (Albiano/Cenomaniano) (Assine, 2007). A sucessão pós-rifte I da Bacia do Araripe é composta, da base para o topo, pelas formações Barbalha, Crato, Ipubi e Romualdo, que compõem o Grupo Santana (Assine et al., 2014). Figura 2 ─ Mapa geológico da Bacia do Araripe com as localidades onde os fósseis estudados foram encontrados (modificado de Assine et al., 2014). A Formação Romualdo é uma unidade predominantemente siliciclástica que pode atingir até 100 m de espessura na borda leste da Bacia do Araripe, diminuindo de espessura em direção a borda oeste (Custódio et al., 2017; Fürsich et al., 2019). Em geral, a unidade é 12 composta da base para o topo, por: (i) arenitos conglomeráticos com estratificação cruzada acanalada e folhelhos, depositados em planície aluvial costeira; (ii) arenitos finos a médios, micáceos, com estratificação cruzada sigmoide, laminação cruzada, fácies heterolíticas e folhelhos depositados em áreas costeiras dominadas por maré; (iii) folhelhos e arenitos com estratificação cruzada hummocky formados em plataformas marinhas rasas; (iv) folhelhos com abundantes concentrações de concreções carbonáticas fossilíferas, sugestivas de deposição em plataforma marinha profunda (i.e., abaixo do nível de base de ondas de tempestade) e cujo topo constitui superfície de máxima inundação; (v) folhelhos e calcários fossilíferos (gastrópodes, bivalves e camarões fósseis) característicos de plataforma marinha rasa; (vi) coquinas originadas por fluxos ou ondas de tempestade; e (vii) arenitos com estratificação cruzada sigmoide, laminação cruzada, fácies heterolíticas e folhelhos formados em áreas costeiras dominadas por maré (Custódio et al., 2017; Fig. 3): A Formação Romualdo é uma unidade influenciada por deposição marinha correspondendo a uma sequência deposicional contendo dois ciclos transgressivo-regressivos (TR; Fürsich et al., 2019). O primeiro ciclo TR inclui folhelhos negros portadores de concreções ricas em fósseis com preservação excepcional de tecidos moles (Santana Konzervat- Lagerstätten; Maisey, 1991; Fara et al., 2005; Martill et al., 2007). A fauna existente do primeiro ciclo TR, que inclui inúmeros vertebrados e principalmente peixes, difere drasticamente daquela preservada no segundo ciclo TR. Neste, diversas concentrações conchíferas ocorrem em sucessões mistas carbonáticas-siliciclástica de até 5 m de espessura depositadas em condições de alta energia (Fürsich et al. 2019). Parte desses carbonatos correspondem a uma das mais importantes fases marinhas na Bacia do Araripe, em um período de condições de salinidade marinha quase normal onde equinóides e bivalves Bakevelliidae prosperaram (veja também Beurlen, 1966; Martill, 2007, p. 912). Figura 3 ─ Diagrama idealizado mostrando a sequência deposicional da Formação Romualdo, na Bacia do Araripe (modificado de Custódio et al., 2017; Varejão et al., 2019). 13 A Formação Romualdo, de idade aptiana é conhecida internacionalmente por seu rico conteúdo fossilífero (vide Maisey, 1991 e Martill et al., 2007; vide também Tabela 2), particularmente os ictiofósseis encontrados em concreções carbonáticas, na metade inferior da unidade (Kellner, 2002; Valença et al., 2003; Fara et al., 2005). Fora esses, a unidade apresenta ainda abundantes macrofósseis de tetrápodes, como crocodilos, tartarugas, pterossauros e dinossauros (veja Beurlen, 1971; Broin, 1994; Hirayama, 1998; Kellner & Campos, 2000; Martill, 2007, dentre outros autores). Muitos invertebrados, microfósseis (Lima, 1978; Coimbra et al., 2002), plantas fósseis (gimnospermas e algumas angiospermas) são também registradas na unidade (Carvalho & Santos, 2005), bem como ocorrências de preservação de âmbar (Valença et al., 2003). Na década de 1960, o número de estudos de cunho geológico na Formação Romualdo aumentou, porém ainda há grande divergência quanto à interpretação do paleoambiente deposicional (Custódio, 2017). Estudos de macrofósseis sugerem condições marinhas rasas (Santos, 1982) e a análise de palinomorfos indica ambientes costeiros mixohalinos, possivelmente lagunas (Arai & Coimbra, 1990). Esses dados também são confirmados por estudos fundamentados na análise do conteúdo de carbono orgânico dos folhelhos (Viana & Agostinho, 1995). Corroborando com os autores supracitados, Sales (2005) interpreta o ambiente como transicional (lagunar), associado a incursões marinhas albianas. Na metade superior da unidade, o autor descreve a presença de moluscos, dinoflagelados, foraminíferos e equinóides, acumulados em concentrações fossilíferas, interpretados como lags residuais, relacionadas à superfície de ravinamento por onda, correspondendo à superfície de inundação máxima marinha na sequência (Assine, 2007). No entanto a interpretação de que a Formação Romualdo seja lacustre ainda é persistente na literatura (Moura, 2007). Tabela 2 ─ Relação dos vários grupos de fósseis de importância cronoestratigráfica da Formação Romualdo (Custódio, 2017). Idades Autores Argumentos Albiano Beurlen (1964) Gastrópodes (Cassiopinae), nova subfamília dos Turriteliidae Lima (1978) Palinomorfos - Zona Complicatisaccus cearensis (espécies Stellatopollis; Dicotetradites sp.; Gnetaceaepollenites ornatos; G. perforatus) Coimbra et al. (2002) Conchostráceos, moluscos, dinoflagelados e microforaminíferos 14 Valença et al. (2003) Biozona Elasterosporites protensus Heimhofer & Hochuli (2010) Pólen e esporos - Stellatopollis barghoornii, Dichastopollenites cf. sp. e Retimonocolpites aff. sp. Aptiano/ Albiano Braun (1966) Paleozona Z-7 - Dentes e fragmentos de ossos de peixes; crustáceos Candonopsis sp. Santos (1982) Concreções com peixes - Biozona Vinctifer (Aspidorhynchus) Brito (1984) Biozona Vinctifer (Aspidorhynchus); Ostracode Cytheridae? Arai et al. (2000) Dinoflagelados - Ecozona Subtilisphaera Tomé et al. (2014) Ostracodes - Pattersoncypris angulata; P. micropapillosa e P. salitrensis Aptiano Silva-Santos & Valença (1968) Inclusão de peixes fósseis pertencentes aos gêneros Rhacolepis, Ophiopsis, Aspidorhymchus e Microdon. Mabesoone & Tinoco (1973) Fauna pertencente ao gênero Rhacolepis Arai & Coimbra (1990) Dinoflagelados - Ecozona Subtilisphaera Regali (2001) Palinozona Complicatisaccus cearensis (S. variverrucata) Rios-Netto & Regali (2007) Palinozona Complicatisaccus cearensis (S. variverrucata) 5. MATERIAIS E MÉTODOS Diversas atividades de campo e laboratório, dentre outras, foram desenvolvidas. Essas atividades, foram realizadas no Departamento de Geologia Aplicada, IGCE/Unesp, campus Rio Claro e no Laboratório de Paleozoologia Evolutiva, do Instituto de Biociências/Unesp, campus Botucatu. As atividades realizadas são descritas a seguir. 5.1 Levantamento de dados de campo Foram realizadas três campanhas de campo em afloramentos das unidades fossilíferas da Bacia do Araripe nos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. Análises detalhadas foram realizadas para duas seções estratigráficas onde afloram os sedimentos da Formação Romualdo, 15 são elas: Seção de Sobradinho (Sales, 2005; Custódio et al., 2017; Fürsich et al., 2019), localizada aproximadamente 20km de distância do município de Jardim, estado do Ceará, borda leste da bacia e Seção da Serra do Inácio (Custódio, 2017), localizada aproximadamente 40km de distância do distrito de Nascente, município de Araripina, estado de Pernambuco, sudoeste da bacia. Além disso, amostras previamente coletadas por Sales (2005) em afloramentos distribuídos ao longo da bacia, também foram objeto de estudo (ver Fig. 2). Além da coleta de fósseis para descrições taxonômicas, realizou-se também em campo, descrições e coletas para os estudos tafonômicos, que seguiram as recomendações sugeridas por Brett & Baird (1986), Kidwell (1991), Kidwell & Holand (1991) e Simões & Ghilardi (2000). Sendo assim, as amostras coletadas consistem em blocos centimétricos, dada a impossibilidade de coleta e transporte de blocos métricos. As observações foram realizadas com especial atenção à espessura, continuidade lateral (quantitativa), geometria, contatos, grau de empacotamento e assinaturas tafonômicas dos bioclastos (qualitativa). Procurou-se amostrar as camadas de interesse de modo detalhado, desde a base até o topo, sempre considerando as variações laterais. Além disso, as camadas que não puderam ser coletadas inteiras, pois eram muito espessas ou frágeis, foram coletadas em blocos menores, que em conjunto, representam todo o intervalo. Tais blocos foram numerados e reconstituídos no laboratório considerando a orientação original. Espécimes coletados em campo, assim como os espécimes da coleção preexistente do Laboratório de Paleozoologia Evolutiva (IBB/Unesp), somam mais de 440 espécimes de moluscos fósseis disponíveis para estudo, os quais se encontram armazenados no Instituto de Biociências da UNESP/Botucatu. 5.2 Atividades de laboratório 5.2.1 Seções polidas (Slab) As amostras coletadas em campo para finalidades tafonômicas, foram seccionadas em laboratório de preparação de amostras, através de serras diamantadas, obtendo assim, amostras com superfícies planas. Após a secção, as amostras foram polidas através de uma politriz elétrica. Em seguida, as amostras foram escaneadas em um scanner Epson Perfection V700 Photo obtendo-se assim várias imagens em alta-resolução das seções polidas (2200dpi), permitindo então, a observação detalhada da biofábrica das rochas e a seleção das regiões de interesse para a confecção das lâminas delgadas. 16 5.2.2 Análise petrográfica A análise petrográfica contribuiu para a caracterização dos tipos de rochas carbonáticas e seus processos formadores. Assim sendo, as amostras coletadas em campo para análise tafonômica, também foram utilizadas para confecção de lâminas petrográficas (n = 9). As lâminas foram confeccionadas no Laboratório de Laminação da Unesp/Rio Claro. Definido originalmente por Brown (1943), o termo microfácies refere-se a critérios petrográficos e paleontológicos estudados em lâminas delgadas, seções polidas ou amostras de rocha (Flügel, 2010). Para a caracterização petrográfica das microfácies, foi utilizada a classificação microscópicas de acordo com Dunham (1962), Embry & Klovan (1971) e Tucker & Dias-Brito (2017). As microfácies foram descritas com uso de microscopia óptica de luz transmitida através de um microscópio Zeiss Axio Imager A.2, do Laboratório de Petrografia Sedimentar (LPS) no Centro de Pesquisas Aplicadas ao Petróleo (Unespetro). As fotomicrografias foram obtidas pelo mesmo microscópio. 5.2.3 Preparação e moldagem dos espécimes Em estudos sistemáticos de bivalves fósseis, a precisa interpretação e descrição de feições morfológicas, tais como impressões musculares, estruturas da charneira e ornamentação são de extrema importância para a correta classificação dos mesmos. Os fósseis estudados foram limpos à seco com pincel, e quando necessário, preparados com ferramentas de precisão, a fim de expô-los, quando recobertos por matriz, possibilitando a análise das feições morfológicas internas e externas das conchas. O processo de moldagem em látex, têm como objetivo ressaltar feições morfológicas, assim como produzir imagens de estruturas negativas, permitindo, portanto, observações detalhadas de estruturas morfológicas. De forma resumida, a moldagem seguiu tais fases: (i) foram aplicadas camadas de látex diluído em água e pigmentado com nanquim preto; (ii) o processo anterior repetiu-se várias vezes, aumentando a concentração de látex a cada nova aplicação até que o espécime ou estrutura estivesse completamente recoberto; (iii) tiras de gaze foram então intercaladas com as camadas grossas de látex, para que o molde se tornasse estável quando manipulado; (iv) após a secagem completa, que levou aproximadamente 24h, o molde foi retirado do fóssil e suas bordas aparadas com tesoura. Alternativamente, foi utilizado para a moldagem de alguns espécimes, a massa de cerâmica plástica da marca FIMO na cor preta. Nesse caso, a massa é impressa contra o fóssil, obtendo-se um contra-molde do mesmo. Em seguida, a massa deve ser levada ao forno a 17 110°C/130°C durante 30 minutos, para endurecer e adquirir uma consistência rígida. A vantagem desse processo reside no fato dele ser mais rápido do que o tempo dispensado para obtenção do molde de látex. 5.2.4 Fotodocumentação Os espécimes foram recobertos com tinta nanquim preta e, após a secagem da mesma, recobertos por uma fina camada de fuligem de magnésio metálico, de modo a evidenciar o relevo das estruturas da concha. Os moldes produzidos em látex e em cerâmica plástica também passaram por este processo. Após esse procedimento os espécimes foram fotografados individualmente, com uma câmera DSLR Nikon, modelo D3200, equipada com uma lente AF- S VR Micro-Nikkor 105mm f/2.8G IF-ED. A fim de gerar uma imagem com ampla profundidade de foco, o uso desta lente exigiu várias fotografias, com planos de foco distintos que, por sua vez, foram posteriormente mescladas utilizando uma técnica chamada Focus Stacking ou Image Stacking (i.e., empilhamento de imagens), realizada através do software Adobe Photoshop CC v. 20.0.1. Visto que cada exemplar fóssil pode exigir a produção de, em média, cerca de 20 a 25 imagens, e que o processo de mesclagem leva aproximadamente 15 minutos por amostra (a depender do processador do computador utilizado), portanto, a digitalização de centenas de amostras exigiu meses de dedicação. Posteriormente, as fotografias foram tratadas através do software de edição Corel PHOTO-PAINT X8 (64-bit), com a finalidade de melhorar parâmetros como saturação e contraste. 5.2.5 Elaboração de banco de dados Banco de dados contendo informações referentes às dimensões (altura, largura, comprimento, etc) e à tafonomia (tipo de valva, modo de preservação, articulação) dos bivalves Bakevelliidae da Formação Romualdo foi produzido no software Microsoft - Excel 2016. Ao todo foram registrados 440 espécimes. Esses dados foram utilizados para análises paleoecológicas e tafonômicas. Para detalhes de terminologia e características medidas seguiu- se Muster (1995) e Lazo (2003). 5.2.6 Ilustração Depois de analisados, os espécimes foram selecionados para serem esboçados, àqueles que estavam mais bem preservados e que continham carácteres diagnósticos. Os esboços foram 18 gerados por meio de software de edição vetorial gráfica CorelDRAW X8 (64-bits). Em seguida, foram montadas pranchas para serem utilizadas nos artigos científicos. 5.2.7 Análise taxonômica e paleoecológica O estudo taxonômico dos Bakevelliidae seguiu os artigos de Cox (1969), Muster (1995), Lazo (2003), Tëmkin (2006) especialmente para a descrição das feições morfológicas diagnósticas, tais como: ligamento, distribuição dos músculos. A classificação taxonômica supragenérica seguiu Bieler et al. (2010) e as interpretações paleoecológicas foram fundamentadas em Stanley (1970, 1972), Seilacher (1984), Aberhan (1994), Muster (1995), Aberhan & Muster (1997). 5.2.8 Análise tafonômica Para essa análise, a metodologia e terminologia empregadas seguiram Kidwell & Holland (1991), Kidwell et al. (1986), Brett & Baird (1986) e Fürsich & Oschmann (1993). Foram examinadas feições padrão, incluindo: (i) biotrama (=biofábrica), referente ao arranjo tridimensional dos fósseis na matriz, podendo ocorrer, em seção, de forma concordante, oblíqua, perpendicular, imbricada, empilhada ou aninhada (Kidwell & Bosence, 1991), e (ii) as assinaturas tafonômicas, tais como desarticulação, fragmentação, bioerosão. Esses dados associados aos de natureza sedimentológica, tais como granulação, grau de seleção, estruturas sedimentares, o grau de empacotamento e geometria das camadas, possibilitaram a determinação de fatores abióticos e bióticos (Fürsich & Oschmann, 1993), responsáveis pela gênese das concentrações fossilíferas estudadas. 5.2.9 Pesquisa bibliográfica Tendo em vista o pobre conhecimento taxonômico dos bivalves Bakevelliidae da Bacia do Araripe, fez-se necessário um extenso levantamento bibliográfico, envolvendo artigos científicos sobre sistemática e paleoecologia de bivalves da família Bakevelliidae; geologia e paleogeografia das bacias interiores do Nordeste. 6. RESULTADOS Em decorrência das atividades desenvolvidas, foram obtidos resultados relevantes no que se refere à estratigrafia da unidade em estudo, à identificação e à descrição dos bivalves e 19 à interpretação da gênese das concentrações fossilíferas estudadas. Estes resultados são apresentados a seguir. 6.1 Descrição das Seções Sobradinho e Serra do Inácio Conforme mencionado anteriormente no capítulo de Materiais e Métodos, duas seções colunares da Formação Romualdo foram estudadas (Fig. 4), as quais são descritas abaixo. 6.1.1 Seção de Sobradinho A seção colunar de Sobradinho apresenta 100 m de espessura e representa o registro mais completo já descrito para a Formação Romualdo, tratando-se de sua seção-tipo (Custódio et al., 2017; Fig. 4). Na base da seção, em contato com a Formação Crato, ocorrem sets decimétricos de arenitos com estratificação cruzada sigmoide. Os estratos arenosos se adelgaçam lateralmente, apresentando base e topo planos e tangenciais às superfícies limitantes, estando separados por níveis delgados (2 a 5 cm) de folhelho preto. Também ocorrem camadas tabulares de arenitos finos a médios com estratificação cruzada acanalada de porte decimétrico intercalados com folhelhos cinza escuros, arenitos com acamamento heterolítico (flaser, wavy e linsen), e arenitos finos, micáceos, com laminação cruzada produzida por onda e corrente. Barras arenosas sigmoides com drapes de argila, acamamento heterolítico e paleocorrentes bimodais constituem feição característica dessa porção (Fig. 5A). Sobrepostos ocorrem folhelhos e siltitos de coloração cinza, verde e preta, podendo conter altas concentrações de matéria orgânica e foraminíferos, intercalados a arenitos finos com laminação cruzada por onda e laminitos. Esses apresentam menos de 10% de bioclastos (ostracodes) e caracterizam-se por lâminas alternadas de micrita e esparita submilimétricas. Intervalo de aproximadamente 6 m de espessura contendo folhelhos escuros ricos em concreções carbonáticas fossilíferas, ocorrem acima dos depósitos marinhos rasos. Este intervalo representa o principal jazigo fossilífero da Formação Romualdo e, em função da excelente preservação dos fósseis, é considerado um depósito do tipo Konzervat-Lagerstätten (Fig. 5C). As ricas concreções fossilíferas podem chegar a 80 cm de diâmetro, e contêm crustáceos, peixes, pterossauros, tartarugas, madeiras, restos vegetais e outros. Além destes fósseis, ocorrem também macro e microinvertebrados dispersos nos folhelhos. Dentre os invertebrados, são descritos bivalves, gastrópodes, camarões, também são encontrados palinomorfos e microfósseis calcários, como ostracodes. Folhelhos escuros intercalados a laminitos sucedem a camada rica em concreções. A sucessão apresenta aproximadamente 25 m de espessura e contém níveis ricos em ostracodes, bivalves, gastrópodes e camarões. 20 Camadas aproximadamente tabulares contendo moluscos (gastrópodes e bivalves, incluindo principalmente os Bakevelliidae), denominados de coquinas ou calcários bioclásticos ocorrem intercalados a folhelhos siltosos na sucessão (Fig. 5D). De acordo com Sales (2005), a ocorrência dessa concentração é descontínua. As camadas de coquinas exibem contatos ondulados e gradação descontínua interna, com trama bioclastos ora matriz sustentados, ora bioclasto sustentados (Sales, 2005). Os bioclastos podem ocorrer, em parte, recristalizados e os bivalves são encontrados com as valvas desarticuladas, orientados com concavidade para cima, sendo também observados exemplares com valvas articuladas e fechadas, possuindo tamanhos milimétricos a centimétricos (Sales, 2005). Tais características permitem interpretar as coquinas como depósitos formados por processos derivados de ondas de tempestade (Sales, 2005). Observações recentes de campo sugerem, porém, que é possível que alguns intervalos dessas coquinas representem superfícies de colonização dos Bakevelliidae, cujas conchas, por vezes, ocorrem inclusive preservadas in situ, sugerindo natureza altamente complexa para a origem desses depósitos bioclásticos, os quais corresponderiam a concentrações amalgamadas. Finalmente, o topo da seção é caracterizado por sucessão de aproximadamente 25 m de espessura contendo camadas de arenitos com estratificação cruzada sigmoide e acanalada, intercalados com folhelhos e fácies heterolíticas. 21 Figura 4 ─ Seções colunares da Formação Romualdo nas localidades de Serra do Inácio e Sobradinho, estados de Pernambuco e Ceará, respectivamente. TR – Ciclo Transgressivo-Regressivo; T – Transgressivo; R – Regressivo; ZIM – Zona de Inundação Máxima; SIM – Superfície de Inundação Máxima. Baseado em Fürsich et al. (2019). 22 Figura 5 ─ Fácies sedimentares das seções colunares de Sobradinho (A, C-D) e Serra do Inácio (B, E- F). A) Barras arenosas com geometria sigmoide limitados por lâminas delgadas de argila; B) Fácies heterolítica associada a arenito com laminação cruzada cavalgante; C) Folhelho preto, rico em matéria orgânica e concreções fossilíferas; D) Camadas tabulares de coquinas e calcários bioclásticos, com espessura cm-dm intercaladas com folhelhos siltosos; E) Packstone peloidal com estratificação cruzada hummocky; F) Exposição em corte de estrada dos calcários fossilíferos na seção colunar da Serra do Inácio. 6.1.2 Seção da Serra do Inácio A seção colunar da Serra do Inácio possui 38 m de espessura e representa o registro conhecido mais espesso da Formação Romualdo na borda sudoeste da Bacia do Araripe. A base da seção é composta por sucessão de arenito médio, mal selecionado, com grânulos dispersos e estratificação cruzada acanalada organizados em sets cuneiformes de porte decimétrico. Acima, arenitos finos a muito finos, micáceos, organizados em sets tabulares com laminação 23 horizontal ocorrem intercalados a siltitos verdes que tendem a diminuir de espessura em direção ao topo. Na sucessão, arenitos grossos gradando a médios no topo, com estratificação cruzada acanalada, apresentam base erosiva, argila entre os sets (decimétricos) e intraclastos de argila nos forsets, transicionando no topo para arenitos finos a médios, mal selecionados, com estratificação incipiente. Novo ciclo de granodecrescência ascendente é marcado pela ocorrência de camadas de até 1 m de arenito grosso a muito grosso, mal selecionado, com estratificação cruzada acanalada, intercalado a siltitos verdes. Acima, estão preservados arenitos médios a finos com laminação cruzada, siltito arenoso, e arenito com acamamento heterolítico (wavy/linsen) com fragmentos de peixes (Fig. 5B). Folhelhos cinza escuros intercalam-se a níveis descontínuos de arenito fino com estratificação cruzada hummocky (Fig. 5E) e a pequenas concreções (centimétricas) dispersas. Sobreposto, ocorre sucessão com 8 metros de espessura de folhelhos escuros portadores de ostracodes, com poucas concreções carbonáticas fossilíferas. Finalmente, o topo da seção é caracterizado por aproximadamente 3 metros de calcários fossilíferos intercalados com folhelhos negros (Fig. 5F). Nesses calcários foram observados fósseis de bivalves e gastrópodes. Em algumas dessas camadas, são preservados pavimentos compostos por bivalves Bakevelliidae. 6.2 Caracterização das concentrações de Sobradinho 6.2.1 Microfácies carbonáticas A partir da descrição microscópica das lâminas petrográficas, foram reconhecidas oito microfácies carbonáticas, brevemente descritas a seguir. 6.2.1.1 Mudstone com ostracodes (Mo) Fácies composta predominantemente por micrita com porções localizadas apresentando recristalização (micro-esparita). Grãos angulosos de quartzo tamanho silte/areia muito fina ocorrem dispersos na matriz (Fig. 6A), assim como ostracodes com valvas articuladas fechadas e desarticuladas (de tamanho até 0,7 mm). Valvas de ostracodes ocorrem cimentadas externamente por franja acicular e internamente estão preenchidas por calcita drusiforme em mosaico (Fig. 6B). 24 6.2.1.2 Wackestone a bivalve e gastrópode (Wbg) Microfácies composta por bivalves e gastrópodes (dominantemente bivalves) imersos em matriz micrítica e grãos angulosos de quartzo no tamanho silte/areia muito fina (Fig. 6C- D). Bivalves ocorrem com valvas desarticuladas e fragmentadas com arestas angulosas enquanto gastrópodes ocorrem menos fragmentados, com mesmo preenchimento que a matriz (Fig. 6D-E). Conchas de bivalves e gastrópodes ocorrem predominantemente recristalizadas por calcita espática. Em porções com maior concentração de bioclastos, a matriz ocorre recristalizada por micro-esparita (Fig. 6E-F). Fragmentos fosfáticos (vértebras de peixe) ocorrem dispersos na matriz (Fig. 6F). 6.2.1.3 Packstone a gastrópodes e bivalves (Pgb) Esta microfácies, corresponde a uma rocha sustentada por gastrópodes e bivalves subordinadamente. Seu arcabouço, é formado por fragmentos bioclásticos menores que 2 mm (bivalves) organizados caoticamente em matriz micrítica (Fig. 7). Grãos angulosos de quartzo, tamanho silte/areia muito fina, ocorrem em grande proporção na matriz. Gastrópodes e bivalves maiores que 2 mm também estão presentes (< 10 % do arcabouço). Bivalves ocorrem predominantemente desarticulados e fragmentados (levemente angulosos a subarredondados), porém ocasionalmente são observadas valvas articuladas abertas. Conchas de bivalves e gastrópodes ocorrem predominantemente recristalizadas por calcita espática. As câmaras internas dos gastrópodes estão preenchidas por: (i) calcita mosaico (Fig. 7A); (ii) calcita com preenchimento geopetal (Fig. 7B); (iii) micrita (Fig. 7C-D); e (iv) calcita micro-cristalina e valvas desarticuladas de ostracodes (Fig. 7D-E). 25 Figura 6 ─ Mudstone com ostracodes (A-B) e wackestone a bivalves e gastrópodes (C-F) (nicóis cruzados). A) Grãos angulosos de quartzo tamanho silte/areia muito fina dispersos pela matriz em Mo; B) Mo representado por valvas de ostracodes cimentadas por franja acicular e internamente preenchidas por calcita drusiforme em mosaico; C) Wbg composto por bivalves e gastrópodes imersos em matriz micrítica e grãos angulosos de quartzo no tamanho silte/areia muito fina; D) Valvas desarticuladas de bivalves com extremidades angulosas; E) Câmara de gastrópode em Wbg com diversos fragmentos de bivalves; F) Fragmento fosfático (vértebras de peixe). 26 Figura 7 ─ Packstone a gastrópodes e bivalves (nicóis cruzados). A) Câmara de gastrópodes preenchida por calcita mosaico; B) Preenchimento de câmara de gastrópode por calcita e lama carbonática; C-D) Micrita e fragmentos de conchas preenchendo gastrópodes; E) Preenchimento de câmara de gastrópode por calcita micro-cristalina; F) Detalhe de E mostrando a presença de valvas de ostracodes. 27 6.2.1.4 Grainstone a gastrópodes e bivalves (Ggb) Microfácies composta predominantemente por fragmentos de bivalves angulosos a pouco arredondados (menores que 2 mm), cimentados por calcita espática (Fig. 8A-B). Bioclastos de gastrópodes e bivalves, maiores que 2 mm, desarticulados ocorrem em menor quantidade (< 10 %; Fig. 8C-F). Bioclastos ocorrem internamente cimentados por calcita mosaico (Fig. 8C-D). Em alguns casos, o material interno da concha foi totalmente dissolvido dando origem a porosidade intrapartícula (Fig. 8A-B). Ocasionalmente, valvas desarticuladas de bivalves com convexidade para o topo dão origem a porosidade do tipo shelter que foram posteriormente cimentadas por calcita mosaico (Fig. 8E-F). 6.2.1.5 Floatstone a bivalves e gastrópodes (Fbg) Esta microfácies é formada por arcabouço de bioclastos, predominantemente bivalves e subordinadamente gastrópodes maiores que 2 mm dispersos em matriz micrítica. Grãos angulosos de quartzo tamanho silte/areia muito fina são comuns dispersos na matriz. Gastrópodes com ornamentação preservada ocorrem preenchidos por: (i) micrita e grãos de quartzo (Fig. 9A); (ii) pelóides ovais (Fig. 9B); e (iii) valvas desarticuladas de bivalves (Fig. 9C). Bivalves ocorrem predominantemente desarticulados e fragmentados (Fig. 9D). Em geral os bioclastos ocorrem recristalizados (Fig. 9A-D), porém em alguns casos, porosidade intrapartícula pode ser observada (Fig. 9A). 6.2.1.6 Rudstone a bivalves e gastrópodes (Rbg) Microfácies compostas por arcabouço fechado de bioclastos maiores que 2 mm em matriz micrítica. Grãos angulosos de quartzo (silte/areia muito fina) são comuns dispersos na matriz. Gastrópodes e valvas desarticuladas de bivalves ocorrem maiormente recristalizadas e preenchidas pelo mesmo material que a matriz (Fig. 9E). Câmaras de gastrópodes ocorrem preenchidas por: (i) cimento espático (mosaico); e (ii) matriz (Fig. 9E). Em alguns casos, as conchas estão dissolvidas formando porosidade intrapartícula. Valvas desarticuladas de bivalves empilhadas apresentando convexidade para o topo formam níveis bem definidos separados por Fbg (Fig. 9F). 28 Figura 8 ─ Grainstone a gastrópodes e bivalves (luz natural e nicóis cruzados) A-B) Fragmentos de bivalves preenchidos por calcita espática e parcialmente dissolvidos; C-D) Gastrópode recristalizado; E-F) Valva completa de bivalve recristalizada associada a porosidade shelter com posterior precipitação de calcita mosaico. 29 Figura 9 ─ Floatstone a bivalves e gastrópodes (A-D) e rudstone a bivalves e gastrópodes (E-F) (nicóis cruzados). A) Câmara de gastrópode preenchida pelo mesmo material que a matriz; B) Preenchimento de câmara de gastrópode por pelóides ovais; C) Gastrópode preenchido por pelóides ovais (parte superior) e fragmentos de bivalves (parte inferior); D) Fragmentos de valvas de bivalves; E) Alta concentração de gastrópodes e bivalves maiores que 2 mm; F) Valvas desarticuladas de bivalves empilhadas com convexidade voltada para o topo. 30 6.2.1.7 Floatstone a Bakevelliidae (Fb) Arcabouço formado por bivalves (principalmente Bakevelliidae) e gastrópodes maiores que 2 mm imersos em matriz micrítica. Bivalves ocorrem predominantemente desarticulados (Fig. 10A), sem orientação preferencial de valvas (Fig. 10D). Bivalves e gastrópodes podem ocorrer tanto completos (Fig. 10A, C) quanto fragmentados (Fig. 10B, E-F). Bioclastos ocorrem predominantemente recristalizados com câmaras internas de gastrópodes preenchidas pelo mesmo material que a matriz (Fig. 10A-C). Feição característica dessa fácies é a ausência de grãos detríticos. 6.2.1.8 Rudstone a Bakevelliidae (Rb) Arcabouço formado predominantemente por valvas desarticuladas de bivalves (principalmente Bakevelliidae) maiores que 2 mm com empacotamento fechado em matriz micrítica. Bivalves ocorrem paralelos ao acamamento com predomínio de valvas com convexidade para baixo (Fig. 11A-B). Nestes casos, é comum a ocorrência de empilhamento de valvas com gradação normal (e.g., nesting e stacking; Fig. 11C). Valvas de bivalves fragmentadas e gastrópodes ocorrem dispersos em menor quantidade. Importante feição é a preservação da estrutura interna original das conchas apesar de ocorrerem recristalizadas (Fig. 11D-F). Grãos de quartzo estão ausentes. 31 Figura 10 ─ Floatstone a Bakevelliidae (nicóis cruzados). A) Valva desarticulada de Bakevelliidae; B) Gastrópode fragmentado; C) Gastrópodes completos e fragmentos de bivalves; D) Disposição caótica de valvas de bivalves; E-F) Valvas desarticuladas e fragmentadas (arredondadas) de bivalves. 32 Figura 11 ─ Rudstone a Bakevelliidae. A-B) Valvas desarticuladas de bivalve paralelas ao acamamento; C) Valvas de bivalves empilhadas com concavidade para o topo; D-F) Valvas levemente recristalizadas mantendo microestrutura original da concha. 6.2.2 Associação de microfácies Em escala de afloramento, a concentração de Sobradinho possui níveis internos complexos que variam de 4 cm a 17 cm de espessura aproximadamente. Sua extensão lateral é difícil de ser estabelecida devido a cobertura vegetal e pelo fato das rochas aflorarem no topo 33 de uma ravina. Foram reconhecidos seis níveis estratigráficos distintos (AMF-1 a AMF-6, Fig. 12) ao longo da sucessão contendo carbonatos ricos em conchas de Bakevelliidae, na seção colunar de Sobradinho. Os níveis carbonáticos analisados ocorrem intercalados com rochas siliciclásticas finas. A Figura 12 mostra a seção colunar detalhada desse intervalo. Figura 12 ─ Seção colunar detalhada dos níveis carbonáticos contendo conchas de Bakevelliidae na Formação Romualdo, localidade de Sobradinho, município de Jardim, Estado do Ceará. 6.2.2.1 Associação de microfácies 1 (AMF-1) Camada com espessura de 11 a 17 cm, extensão lateral difícil de ser estabelecida devido à cobertura vegetal. Contato basal erosivo e topo ondulado. A AMF-1 é composta por duas microfácies carbonáticas que ocorrem intercaladas (Fig. 13): Rbg e Fbg. O grau de empacotamento dos bioclastos nessa associação varia de densamente empacotado (microfácies Rbg) a frouxo (microfácies Fbg). Em geral, os bioclastos apresentam seleção pobre (polimodal). Os bioclastos ocorrem predominantemente desarticulados e muito fragmentados. A porção inferior da associação de microfácies apresenta bioclastos com alto grau de desgaste por 34 abrasão. No entanto, algumas conchas de bivalves desarticuladas dispersas na unidade, apresentam-se completas e variam em tamanho (3 a 10,3 mm). Em relação ao plano de acamamento, os bioclastos estão arranjados paralelamente, e as valvas completas apresentam convexidade voltada para cima. Figura 13 ─ Associação de microfácies 1. A) Slab (corte vertical da amostra) com indicação das microfácies encontradas; B) Desenho esquemático detalhando a biotrama da amostra em A. 6.2.2.2 Associação de microfácies 2 (AMF-2) Camada com espessura de 3 a 4 cm. Contato basal e superior levemente ondulado. Na AMF-2 ocorrem quatro microfácies distintas: Mo, Ggb, Pgb e Wbg (Fig. 14). O grau de empacotamento dos bioclastos nessa unidade varia de frouxo (microfácies Ggb) a disperso (microfácies Mo, Pgb e Wbg). Os bioclastos têm seleção pobre e em geral, predominam os menores que 2 mm, ocorrendo dominantemente desarticulados e muito fragmentados. Além disso, eles também ocorrem concordantes ao acamamento. Não é possível observar um padrão quanto a convexidade das valvas dos bivalves. Feição de bioturbação em forma de J (Arenicolites?) (Fig. 14) é observada. 35 Figura 14 ─ Associação de microfácies 2. A) Slab com indicação das microfácies encontradas; B) Esquema detalhando a biotrama da amostra em A. 6.2.2.3 Associação de microfácies 3 (AMF-3) Concentração fossilífera com espessura de 7 a 8 cm. A base da camada apresenta contato abrupto e o topo ondulado. Nessa camada ocorrem três microfácies empilhadas respectivamente da base para o topo: Wbg, Mo e Ggb (Fig. 15). O grainstone constitui set com base erosiva acima de mudstone com estrutura em chama. O grau de empacotamento dos bioclastos varia de frouxo (Wbg) a denso (Ggb). De modo geral, a seleção dos bioclastos é pobre. Em Wgb, os bioclastos são menores que 2 mm, enquanto em Ggb a maioria dos grãos é maior que 2 mm. Entretanto, alguns, como os gastrópodes, podem ultrapassar 10 mm. As valvas de bivalves, em geral apresentam alto grau de fragmentação e arestas bastante angulosas. Os bioclastos apresentam-se de forma oblíqua em relação ao plano de acamamento. Figura 15 ─ Associação de microfácies 3. A) Slab mostrando as microfácies encontradas; B) Desenho esquemático detalhando a biotrama da amostra em A. 6.2.2.4 Associação de microfácies 4 (AMF-4) A AMF-4 compreende uma camada de 3 cm de espessura, representada pela microfácies Wbg (Fig. 16). Os contatos, na base e topo da camada, são ondulados. O grau de empacotamento dos bioclastos é frouxo e sua seleção, pobre. Já a fragmentação é elevada nos bioclastos 36 menores que 4 mm. Os bioclastos ocorrem de forma caótica, ou seja, sem uma orientação preferencial. Figura 16 ─ Associação de microfácies 4. A) Slab com indicação da microfácies encontrada; B) Esquema detalhando a biotrama da amostra em A. 6.2.2.5 Associação de microfácies 5 (AMF-5) Camada com 5 a 6 cm de espessura, com contatos (base e topo) ondulados. Nessa unidade foi possível identificar três microfácies: Pgb, Mo e Wbg (Fig. 17). O grau de empacotamento dos bioclastos varia de denso a frouxo. Em geral, há pouca seleção dos bioclastos, ou seja, polimodal. Na microfácies Pgb intermediária é possível observar bioclastos aninhados. Já na microfáceis Pgb, mais superior, são observados bivalves articulados fechados, variando de 0,5 a 0,8 mm de largura. Exceto estes, os demais estão muito fragmentados. Em relação ao plano de acamamento, de modo geral, os bioclastos ocorrem de forma concordante, no entanto, alguns bivalves articulados ocorrem de forma oblíqua. Figura 17 ─ Associação de microfácies 5. A) Slab com indicação das microfácies encontradas; B) Desenho esquemático detalhando a biotrama da amostra em A. 6.2.2.6 Associação de microfácies 6 (AMF-6) A AMF-6 é uma camada de 15 a 17cm. O contato na base é erosivo e no topo, ondulado. Duas microfácies foram identificadas: Fb e Rb (Fig. 18). O grau de empacotamento dos 37 bioclastos nessa unidade, varia de denso (Rb) a frouxo (Fb). Em geral, os bioclastos têm seleção pobre (polimodais) e alguns podem chegar a até 1,5 cm de largura. Na porção inferior da unidade os bioclastos estão pouco fragmentados, é possível observar valvas de bivalves completas, mas desarticuladas e gastrópodes com ornamentação preservada. Os bioclastos, em sua grande maioria, ocorrem paralelos ao acamamento, mas é possível observar valvas em posição oblíqua. As valvas de bivalves ocorrem com a convexidade para cima e para baixo e alguma vezes ocorrem aninhadas (nesting) e empilhadas (stacking). Bivalves articulados fechados também estão presentes na AMF-6. Na microfácies Rb (topo da camada) estão preservados bivalves em posição de vida (Fig. 21). Figura 18 ─ Associação de microfácies 6. A) Slab mostrando as microfácies encontradas na porção superior da camada; B) Desenho esquemático detalhando a biotrama da amostra em A; C) Slab mostrando as microfácies encontradas na porção inferior da camada; D) Desenho esquemático detalhando a biotrama da amostra em C. 6.3 Sistemática paleontológica A análise morfológica permitiu, o reconhecimento de, pelo menos, três táxons distintos, descritos e referidos como Araripevellia musculosa gen. et sp. nov., Aguileria romualdoensis sp. nov. e Gen. et sp. indet. Os resultados obtidos através das análises realizadas incluem a 38 descrição taxonômica dos bivalves Bakevelliidae provenientes das concentrações das localidades de Sobradinho e Serra do Inácio. Todos os resultados referentes à taxonomia destes bivalves estão apresentados em maior detalhe no Apêndice do presente documento, no qual se apresenta o principal artigo científico derivado deste estudo. No item 6.3.1. a seguir será apresentado um breve resumo do conteúdo deste artigo. 6.3.1 Novos bivalves pteriomorfos do Aptiano da Formação Romualdo, Bacia do Araripe, e o breve “Mar de Bakevelliidae” do interior do nordeste do Brasil Novos bivalves Bakevelliidae aptianos (Cretáceo Inferior) são descritos para a Formação Romualdo, Bacia do Araripe, nordeste do Brasil. Os novos bivalves (Araripevellia musculosa gen. et sp. nov., Aguileria romualdoensis sp. nov., e Gen et sp. indet.), aqui descritos, indicam que a fauna de Bakevelliidae da Formação Romualdo era mais diversa do que suposto anteriormente. Carbonatos ricos em Bakevelliidae, alguns com espécimes preservados em posição de vida, são restritos a parte superior desta unidade, o mesmo intervalo estratigráfico onde calcários contendo equinodermos, gastrópodes e estromatólitos foram gerados. Esses bivalves pterióides foram amplamente distribuídos na Formação Romualdo, testemunhando a breve existência do “Mar de Bakevelliidae”, que inundou toda a Bacia do Araripe, no Aptiano. Notavelmente, Aguileria romualdoensis sp. nov. se assemelha a A. renauxiana do Cenomaniano da Formação Woodbine, Texas (USA). Além disso, Aguileria dissita, única espécie anteriormente descrita para a Bacia do Araripe, é também registrada no Aptiano- Albiano Inferior da Formação Riachuelo da Bacia de Sergipe-Alagoas. Junto com outros macroinvertebrados (i.e., gastrópodes, equinodermos e bivalves) a fauna de Bakevelliidae da Formação Romualdo, apresente forte biocorrelação com a Formação Riachuelo, reforçando a hipótese paleogeográfica de ingresso das águas marinhas vindas de sul inundando a Bacia do Araripe, provavelmente via bacias do Recôncavo-Tucano-Jatobá. Finalmente, informações sedimentológicas, estratigráficas e paleoecológicas indicam que desaparecimento dos Bakevelliidae da Formação Romualdo está vinculado a continentalização da Bacia do Araripe, como registrado pelos depósitos da porção superior desta unidade. 39 7. DISCUSSÃO 7.1 Tafonomia e composição faunística Foram estudados 361 espécimes de bivalves Bakevelliidae da Formação Romualdo. Na seção de Sobradinho, a fauna de Bakevelliidae é composta por: Araripevellia musculosa gen. et sp. nov. (89,3%, n=199), Aguileria romualdoensis sp. nov. (7,1%, n=16), e Gen. et sp. indet. (3,6%, n=8). Na seção de Serra do Inácio, Araripevellia musculosa gen. et sp. nov. representa 92,1% (n=127) dos espécimes, seguida por Aguileria romualdoensis sp. nov. (5%, n=7), e Gen. et sp. indet. (2,9%, n=4). Nos espécimes de Araripevellia musculosa gen. et sp. nov., a preservação, é principalmente representada por moldes internos (90,5%; n=316), mas moldes externos, e conchas recristalizadas também estão presentes. A deformação por compressão é muito pequena. O número de conchas desarticuladas (86,8%; n=283) é muito maior do que o de conchas articuladas (13,2%; n=43) com o predomínio de valvas esquerdas (61,9%; n=173), sobre valvas direitas (38.2%, n=107) (Fig. 19). Na seção de Sobradinho, algumas conchas de Araripevellia musculosa gen. et sp. nov. são encontradas em posição de vida acima no topo das concentrações de conchas, formando pequenos clusters, colonizando o substrato duro (shelly substrate) que consiste em conchas desarticuladas previamente (Fürsich et al., 2019). Em adição, nas amostras de mão da localidade de Sobradinho, as conchas ocorrem em associação direta com pequenos gastrópodes e bivalves (i.e., Sinonia e Calva). Na seção da localidade de Serra do Inácio, Araripevellia musculosa gen. et sp. nov., também ocorre associada com bivalves (i.e., Musculus). Em alguns espécimes (n=4), são observadas incrustações por serpulídeos, que sugerem prolongada exposição acima da interface água sedimento (Brett & Baird, 1986). As conchas de Araripevellia musculosa gen. et sp. nov. são interpretadas como elementos autóctones a parautóctones (sensu Kidwell et al., 1986). As conchas de Aguileria romualdoensis sp. nov., ocorrem em sua maioria desarticuladas (95,6%; n=22) com a dominânciade valvas direitas (100%; n=23) (Fig. 19). Somente um espécime ocorre articulado fechado. Os espécimes de Aguileria romualdoensis sp. nov. possuem um grau moderado de fragmentação. A fragmentação dos espécimes está possivelmente relacionada com eventos de alta energia ou prolongado transporte e retrabalhamento, próximo ao nível de base das ondas de tempo bom (Brett & Baird, 1986). O predomínio de valvas direitas de Aguileria romualdoensis sp. nov. nos depósitos estudados é notável e sugere que, a forma, área e peso das valvas de Aguileria romualdoensis sp. nov. eram provavelmente distintos, resultando em comportamentos hidráulicos diferentes. 40 As conchas de Gen. et sp. indet. ocorrem predominantemente desarticuladas (75%; n=12) e todas elas são representadas por valvas esquerdas (100%; n=9) (Fig. 19). Somente três espécimes estão articulados fechados; no entanto, as valvas direitas não estão completamente visíveis. Aguileria romualdoensis sp. nov., e Gen. et sp. indet. são interpretadas como elementos parautóctones a alóctones (sensu Kidwell et al., 1986). Figura 19 ─ Variação nos atributos tafonômicos dos bivalves Bakevelliidae da Formação Romualdo, Bacia do Araripe, Brasil. Art. Articulado, Des. Desarticulado. 7.2 Gênese das concentrações bioclásticas O estudo tafonômico de concentrações bioclásticas é amplamente utilizado em análises de bacias sedimentares, principalmente combinado com outras ferramentas, como a sedimentologia, estratigrafia e paleoecologia (Fürsich & Oschmann, 1993). Tais estudos devem considerar a incompletude do registro, onde unidades físicas nem sempre são preservadas (Kidwell, 1991, Simões & Kowalewski, 1998). Observações de campo somadas às análises de 41 amostras de mão, seções polidas, e lâminas petrográficas, sugerem que as concentrações da localidade de Sobradinho tiveram história deposicional longa e complexa. O modelo deposicional proposto nesta dissertação para as concentrações de Sobradinho, será brevemente discutido mais adiante e está maiormente fundamentado no modelo de Fürsich & Oschmann (1993). 7.2.1 Trabalhos anteriores Rochas carbonáticas compostas predominantemente por bioclastos de bivalves e gastrópodes ocorrem no topo da Formação Romualdo e afloram ao longo de toda Bacia do Araripe (Assine et al., 2014; Custódio, et al., 2017). Estas rochas indicam deposição em ambiente marinho raso dominado por tempestade (Custódio et al., 2017) e foram classificadas em quatro diferentes tipos de concentrações (Sales, 2005): (i) tempestito proximal; (ii) tempestito distal; (iii) resíduo transgressivo; e (iv) concentrações primariamente biogênicas. A seção de Sobradinho representa a porção mais distal da Formação Romualdo (Custódio et al., 2017; Fürsich et al., 2019). Nesta seção, as concentrações bioclásticas foram interpretadas tanto como tempestitos distais (Sales, 2005) como tempestitos proximais (Fürsich et al., 2019). Estas concentrações, são tipicamente amalgamadas e sugerem a existência de processos de retrabalhamento em ampla escala (Fürsich et al., 2019). O grau de abrasão e a fragmentação das conchas é moderado e a presença de elementos de diferentes formas e tamanhos indica ausência de seleção por transporte (Fürsich et al., 2019). Bioclastos de tamanho pequeno e muito fragmentados sugerem proveniência situada acima do nível de base das ondas de tempo bom (Fürsich et al., 2019). A gênese das concentrações de Sobradinho envolveu diferentes fases (vide fig. 9, em Fürsich et al., 2019): (i) deposição de conchas retrabalhadas localmente; (ii) colonização do substrato por Sinonia; (iii) repetidas fases de colonização e retrabalhamento de Bakevelliidae; e (iv) soterramento por areia. Os altos percentuais de espécimes articulados fechados de Bakevelliidae e Sinonia nestas concentrações estão claramente relacionados a fases episódicas de sedimentação rápida, sufocando e matando populações vivas, e muitas vezes preservando indivíduos em suas posições de vida (Fürsich et al., 2019). Tais características sugerem que os bioclastos foram provavelmente concentrados por ondas de tempestade proximais (Fürsich et al., 2019) e não por concentrações abaixo do nível de base de ondas de tempestade (Sales, 2005). 42 7.2.2 Modelo deposicional Seis camadas carbonáticas (AMF-1 a AMF-6) com contatos irregulares, separadas por finas camadas de folhelho siltoso (Fig. 12), foram reconhecidas com base em atributos sedimentológicos, petrográficos e tafonômicos. Estas concentrações revelam história deposicional complexa, expressas em: (i) mistura de conchas com diferentes assinaturas tafonômicas; e (ii) mistura de espécies de moluscos de diferentes sub-ambientes. Desenho esquemático mostrando os possíveis processos responsáveis pela geração dos variados tipos de concentrações e a interpretação para cada associação de microfácies é apresentada na figura 20. Figura 20 ─ Modelo mostrando os processos (A-D) envolvidos na gênese das diferentes associações de microfácies, assim como os diferentes tipos de concentrações esqueléticas identificados (sensu Fürsich & Oschmann). Explicação: (1) Concentrações geradas por ondas de tempo bom; (2) Concentrações geradas por ondas de tempestade; (3) Tempestito proximal; (4) Tempestito distal; (5) Concentrações por corrente e (6) Concentrações primariamente biogênicas. Modificado de Fürsich & Oschmann (1993). A deposição da AMF-1 marca o início das concentrações bioclásticas. A existência de três níveis com gradação normal sugere distintos eventos de tempestade (T1, T2 e T3; Fig. 22) e são interpretados como tempestitos proximais (sensu Fürsich & Oschmann, 1993). O predomínio das microfácies Rbg e Fbg indica deposição em ambientes de alta energia com predomínio de fluxos de tempestade. A existência de conchas empilhadas com convexidade para baixo indicam deposição do material em suspensão e consequentemente diminuição do nível de energia do sistema. Por sua vez, as conchas com convexidade para cima apontam uma reorientação conduzida por correntes de fundo (Fürsich & Oschmann, 1993). A existência de (i) fragmentos de conchas (alto retrabalhamento e transporte), (ii) conchas articuladas preenchidas por calcita espática (eventos de alta energia arrancando os bioclastos enquanto 43 vivos de seu sítio deposicional original), e (iii) gastrópodes com ornamentação (pouco ou nenhum retrabalhamento e transporte), sugerem mistura de elementos com distintas história tafonômicas. A AMF-2 representa pelo menos dois fluxos induzidos por eventos de tempestade (T4 e T5; Fig. 22). A concentração é interpretada como tempestito proximal (sensu Fürsich & Oschmann, 1993). Os processos que geraram a AMF-2 são basicamente os mesmos que geraram a concentração em AMF-1; no entanto, a granulação dos bioclastos é menor e as microfácies identificadas são packstone e wackestone. As conchas estão organizadas em sucessões com gradação normal. A base das sucessões (packstone) apresenta conchas com características condizentes a remobilização e deposição por fluxo de tempestade. Por outro lado, o topo das sucessões (wackestone), é sugestivo de diminuição do nível de energia do sistema com decantação das frações mais finas. Com o fim do evento de tempestade e a subsequente diminuição na energia do sistema houve a colonização do substrato, como indicado pela presença de bioturbação no topo da camada. A AMF-2 foi gerada provavelmente em uma posição batimétrica um pouco mais profunda em relação a AMF-1 devido à presença de bioclastos em frações mais finas e maior quantidade de lama carbonática. A presença de bioclastos mais fragmentados e com arestas mais arredondadas sugere que os processos energéticos a que esses bioclastos foram submetidos foram mais duradouros que na concentração AMF-1. A AMF-3 é distinta das associações anteriores (AMF-1 e AMF-2) pela ausência de matriz entre os bioclastos e pela presença de estrutura sedimentar com gradação normal dentro dos foresets (grainstone com estratificação cruzada planar) (Fig. 22). A cimentação do grainstone provavelmente ocorreu em três etapas: (i) cimentação da porosidade interpartícula e formação de porosidade do tipo shelter; (ii) recristalização das conchas e preenchimento da porosidade shelter por calcita mosaico; e (iii) dissolução parcial de conchas dando origem a porosidade intrapartícula. A microfácies mudstone é característica de decantação de lama carbonática em ambiente sem energia. A presença de ostracodes desarticulados e muitos grãos de quartzo angulosos indica a existência de ocasionais correntes trazendo sedi