Programa de Pós-Graduação em Matemática em Rede Nacional Isometrias em Geometrias Euclidianas e não Euclidianas sob o ponto de vista da Geometria Analítica Carlos Alberto Sato Rio Claro/SP 2024 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Isometrias em Geometrias Euclidianas e não Euclidianas sob o ponto de vista da Geometria Analítica Carlos Alberto Sato Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do tí- tulo de Mestre em Matemática em Rede Nacional. Orientador Prof. Dr. Jamil Viana Pereira Rio Claro/SP 2024 S253i Sato, Carlos Alberto Isometrias em Geometrias Euclidianas e não Euclidianas sob o ponto de vista da Geometria Analítica / Carlos Alberto Sato. -- Rio Claro, 2024 135 p. : il., tabs. Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientador: Jamil Viana Pereira 1. Geometria Analítica. 2. Geometria Euclidiana. 3. Geometria Não Euclidiana. 4. Isometrias. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Impacto potencial desta pesquisa Considerar isometrias não apenas no âmbito da Geometria Euclidiana Plana, como também em Geometrias Não Euclidianas. Considerar um tratamento vetorial disciplina Geometria Analítica no âmbito do ensino médio. Potential impact of this research Consider isometries not only within the scope of Flat Euclidean Geometry, but also in Non-Euclidean Geometries. Consider a vectorial treatment of the Analytical Geometry discipline in high school. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Carlos Alberto Sato Isometrias em Geometrias Euclidianas e não Euclidianas sob o ponto de vista da Geometria Analítica Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para ob- tenção do título de Mestre em Matemática em Rede Nacional. Comissão Examinadora Prof. Dr. Jamil Viana Pereira (Orientador) UNESP Prof. Dr. Thiago de Melo UNESP Prof. Dr. Willer Daniel da Silva Costa UFES Conceito: Aprovado Rio Claro (SP), 29 de agosto de 2024 Para Iracema e Isamu (in memoriam). Agradecimentos Em primeiro lugar, ao Prof. Dr. Jamil Viana Pereira pelo conselhos, críticas, sugestões e enorme paciência diante de meus lentos progressos ao longo desses anos de mestrado. Uma dívida incomensurável que, espero retribuir, mesmo que de maneira infinitesimal no futuro. Ao Prof. Dr. Thiago de Melo, Profa. Dra. Elíris Cristina Rizziolli, Profa. Dra. Renata Zotin G. de Oliveira e Profa. Dra. Suzete Maria Silva Afonso cujas aulas foram sempre estimulantes e tiveram uma contribuição muito importante ao longo não apenas do mestrado, mas também em minha formação matemática. A todos os técnicos e servidores do campus Rio Claro da UNESP pela acolhida fraterna e carinhosa. A amiga Adriana Rigobello, por termos divididos angústias, preocupações e algumas listas de exercícios durante esse período de PROFMAT. A minha esposa Talita Ribeiro de Melo por sempre estar atenta às minhas divagações, nem sempre compreensíveis para ela, sobre o tema da dissertação. Aos meus ex-alunos, e mais do que isso queridos amigos, Fabrício Kitazawa e Laura Naomi Seto, pelas constantes discussões sobre a prática e o ensino de Matemática no atual ensino médio. E por último, mas não menos importante, ao Prof. Doutor Márcio Rosa (IMECC- UNICAMP) quem primeiro me orientou nesses caminhos nem sempre simplesmente co- nexos da Geometria e da Matemática nos tempos da graduação. Let’s pretend there’s a way of getting through into it, somehow, Kitty. Let’s pretend the glass has got all soft like gauze, so so that we can get through. why, it’s turning into a sort of mist now, I declare! It’ll be easy enough to get through. Lewis Carroll Resumo Isometrias, como transformações geométricas que não alteram as propriedades mé- tricas de uma figura, têm importância e interesse não apenas para a Matemática, mas também para outros ramos do conhecimento humano. Tomando como base um ponto de vista da geometria analítica, desenvolvemos, a partir de um sistema de coordenadas, as transformações, reflexão por uma reta, translação, rotação e reflexão com deslizamento para a Geometria Euclidiana. Em seguida, adotamos o mesmo método para desenvolver- mos os conceitos em duas outras geometrias não euclidianas, a saber, sobre a superfície da esfera e sobre uma folha de um hiperbolóide. Ao final observamos as similaridades e diferenças entre tais geometrias, e, ainda como um desdobramento, desenvolvemos uma sequência didática, aplicando alguns desse conceitos, para uma turma do ensino médio. Palavras-chave: Geometria Analítica. Geometria Euclidiana. Geometria Não Euclidi- ana. Isometrias. Abstract Isometries, as geometric transformations that do not change the metric properties of a figure, They are important and interesting not only for Mathematics, but also for other branches of human knowledge. Taking as a basis a point of view of analytical geometry, we developed, from a coordinate system, transformations, reflection by a straight line, translation, rotation and glide reflection for Euclidean Geometry. Then, we adopted the same method to develop the concepts in two other geometries non-Euclidean, namely, on the surface of the sphere and on a sheet of a hyperboloid. In the end, we observed the similarities and differences between such geometries, and, still as a development, we developed a didactic sequence, applying some of these concepts, for a high school class. Keywords: Analytic Geometry. Euclidean Geometry. Non Euclidean Geometry. Isome- tries. Lista de Figuras 1.1 (a) Reta r. (b) Reta orientada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 1.2 Segmento de reta PQ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 1.3 Segmento de reta orientado (a) ⇀ AB e segmento de reta nulo,(b) ⇀ XX. . . . 23 1.4 Segmentos orientados (a) ⇀ PQ e (b) ⇀ QP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 1.5 Segmentos orientados paralelos, ⇀ PQ e ⇀ RS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 1.6 Segmentos orientados(a) de mesmo sentido, (b) sentidos opostos. . . . . . . 24 1.7 Coordenadas cartesianas do ponto P . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 1.8 Vetor com origem em O e extremidade em P . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 1.9 Vetores com origem na origem do plano cartesiano, u, e um outro repre- sentante com origem no ponto P . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 1.10 Direção no plano determinada pelo vetor v. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 1.11 A reta ←→PQ e o vetor diretor v. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 1.12 Ponto Q, pé da perpendicular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 1.13 Ponto Q é o ponto da reta r mais próximo de X. . . . . . . . . . . . . . . 39 1.14 Transformação T . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 1.15 Reflexão do ponto P pela reta r. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 1.16 ΩαΩβ é a translação ao longo de r por uma soma igual a duas vezes d(α, β). 48 1.17 Feixe de retas paralelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 1.18 Reta r que tem v = (cosα, senα) por vetor diretor. . . . . . . . . . . . . . 50 1.19 ΩrΩs é a rotação ao redor de P pelo ângulo 2θ. . . . . . . . . . . . . . . . 52 1.20 Reflexão com deslizamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 1.21 Reflexão com deslizamento para os pontos A, B e C. . . . . . . . . . . . . 54 1.22 Reflexão por uma reta passando pelo centro do triângulo . . . . . . . . . . 56 1.23 Rotação ao redor do centro do triângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 1.24 Figuras no plano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 1.25 Diagonal do quadrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 1.26 Reflexão por uma diagonal, (a) quadrado original, (b) quadrado após reflexão. 59 1.27 Rotação ao redor do ponto O por um ângulo de (a) π 2 rad, (b) π rad, (c) 3·π 2 , rad, (d) 2 · π rad. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 1.28 Reflexão pela reta ←−→MN , (a) quadrado original, (b) quadrado após reflexão. 60 1.29 Um exemplo de ornamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 1.30 Um exemplo de roseta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 1.31 A roseta completa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 1.32 Roseta contendo apenas rotações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 1.33 Roseta contendo apenas reflexões por retas passando pela origem . . . . . . 62 1.34 Friso obtido pela translação da figura ABCD. . . . . . . . . . . . . . . . . 63 LISTA DE FIGURAS 11 2.1 Ângulo entre os vetores u e v . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 2.2 Esfera em R3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 2.3 Reta em S2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 2.4 Reta r, com pólo u = (1, 0, 0) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 2.5 Reflexão por uma reta, Ωr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 2.6 Reflexão pela reta r, com pólo u = (1, 0, 0) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 2.7 Coordenadas esféricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 3.1 Plano hiperbólico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 3.2 Uma reta no plano hiperbólico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 3.3 Retas que se intersectam no plano hiperbólico. . . . . . . . . . . . . . . . . 101 3.4 Retas parelalas no plano hiperbólico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 3.5 Retas ultraparelalas no plano hiperbólico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 3.6 Reflexão por uma reta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106 3.7 Rotação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 3.8 Translação ao longo da reta t. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 3.9 Translação ao longo da reta t vista de cima. . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 3.10 Reflexão com deslizamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 3.11 Reflexão com deslizamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 3.12 Cone de luz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 3.13 Vetores e cone de luz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 3.14 Paradoxo dos gêmeos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 4.1 Comparação entre as distâncias entre os pontos P e Q dadas pelas métricas euclidiana (linha tracejada) e do taxista (linha cheia). . . . . . . . . . . . . 123 4.2 Dois possíveis caminhos na geometria do taxista entre os pontos A e B. . . 123 4.3 Circunferência centrada na origem e com raio igual a 1 na métrica cartesiana.125 4.4 Circunferência centrada na origem e com raio igual a 1 na métrica do taxista.125 4.5 Elipse com Focos nos pontos (−1, 0) e (1, 0) segundo a métrica usual. . . . 126 4.6 Elipse com Focos nos pontos (−1, 0) e (1, 0) segundo a métrica do taxista. 126 4.7 Determinação geométrica da reflexão de um ponto por uma reta. . . . . . . 129 4.8 Reflexão aplicada ao triângulo ABC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 4.9 Translação, ΩrΩs ao longo da reta t. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 4.10 Translação, ΩsΩr ao longo da reta t. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 4.11 Rotação ao redor da origem no sentido anti-horário. . . . . . . . . . . . . . 131 4.12 Rotação ao redor da origem no sentido horário. . . . . . . . . . . . . . . . 132 4.13 Reflexão com deslizamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 Lista de Tabelas 4.1 Semelhanças e diferenças entre as geometrias. . . . . . . . . . . . . . . . . 127 Sumário 1 Geometria no Plano 21 1.1 Preliminares algébricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 1.2 Transformações em R2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 1.3 Frisos e ornamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 2 Geometria Esférica 64 2.1 Preliminares algébricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 2.2 A esfera unitária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 2.3 Geometria em S2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 2.4 Transformações em S2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 2.5 Geodésicas em S2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 3 Geometria Hiperbólica 90 3.1 Preliminares algébricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 3.2 Geometria em H2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 3.3 Transformações em H2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106 3.4 O espaço-tempo de Minkowski . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 4 Considerações Finais 122 4.1 Comparando métricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122 4.2 Semelhantes mas diferentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 4.3 Atividade didática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 4.3.1 Caracterização da turma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 4.3.2 Sequência Didática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 4.3.3 Transformações no plano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 4.3.4 Reflexão por uma reta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 4.3.5 Translação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 4.3.6 Rotação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 4.3.7 Reflexão com deslizamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 4.3.8 Comentários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 Referências 135 Introdução Dividimos a introdução desse trabalho em duas partes interdependentes. Em primeiro lugar, situamos, historicamente, uma parte das idéias e conceitos da Matemática relativas a Geometria Euclidiana, e as críticas e questionamentos que surgiram ao longo dos anos, sobre o famoso quinto postulado de Euclides, como exposto em sua grande obra, Os Ele- mentos. Tais conceitos passaram pelo surgimento da geometria analítica, até o momento em que, a partir da negação do quinto postulado, os matemáticos de então, foram levados às chamadas geometria não euclidianas. Na segunda parte dessa introdução, relatamos, do ponto de vista da geometria analí- tica, as diferentes formas que isometrias surgem na Geometria Euclidiana, na geometria da esfera e na geometria hiperbólica. Ecos de Euclides Dentre os muitos matemáticos, e suas respectivas obras, que influenciaram a Matemá- tica ao longo da história da civilização humana, nenhuma supera o alcance, a influência e a importância de Os Elementos, escrita por Euclides (século III a.C.). Um cânone e modelo para toda a Matemática posterior. Pouco se sabe sobre a vida de Euclides, sendo que os poucos fatos conhecidos, devem-se ao filósofo neo-platônico Proclus (412- 485). Dentre as várias obras escritas por Euclides, cinco delas sobreviveram até os dias atuais, a saber, Os Elementos, Os Dados, Divisão de Figuras, Os Fenômenos e Óptica1. Os Elementos era um livro-texto, não o primeiro, mas que sintetizava toda a Ma- temática elementar conhecida na Grécia Antiga. Em Alexandria, no Egito Antigo, o governante Ptolomeu I (323-283 a.C.), estabeleceu um complexo que era constituído de um museu, uma bilbioteca e uma universidade, perdurando até o ano de 391, se tornando um grande centro irradiador da cultura da Grécia antiga. Euclides foi contratado como professor pois tinha, segundo relatos da época uma grande habilidade na exposição. Seus Elementos cobriam tópicos desde a Aritmética, Álgebra e Geometria. Devemos recordar que, o filósofo grego Tales de Mileto (624-546 a.C.) estabeleceu um conceito de demonstrar a veracidade de algumas afirmações baseado em afirmações anteriores, as quais eram verdadeiras. Claro que, os próprios gregos notaram a necessidade de estabelecer um conjunto mínimo de afirmações, que nessa concepção eram verdadeiras, ou evidentes por si só. Tal método encontrou sua melhor e maior concepção na obra Organon do filósofo Aristóteles (384-322 a.C.). Estabeleceu-se, então o método dedutivo, o qual foi prontamente incorporado pela matemática grega. Como não poderia ficar imune a esse movimento, Os Elementos é composta de 13 livros, sendo apresentada na abertura do Livro I um conjunto de Definições, Postulados e 1Exceto quando for indicado, todas as considerações históricas nessa seção são baseadas em [4] SUMÁRIO 15 Noções Comuns. Todas as demais afirmações contidas nesse livro, e nos demais, deveriam ser obtidas pelo método dedutivo. Dentre as definições temos, seguindo [5], por exemplo, Definição 1: Ponto é aquilo de que nada é parte. Definição 2: E linha é comprimento sem largura. Definição 3: E extremidades de uma linha são pontos. E dentre as noções comuns, Noção comum 1: As coisas iguais à mesma coisa são também iguais entre si. Noção comum 2: E, caso sejam adicionadas coisas iguais a coisas iguais, os todos são iguais. Já os postulados são em número de cinco, e são eles, Postulado 1: Fique postulado traçar uma reta a partir de todo ponto até qualquer ponto. Postulado 2: Também prolongar uma reta limitada, continuamente, sobre uma reta. Postulado 3: E, com todo centro e distância, descrever um círculo. Postulado 4: E serem iguais entre si todos os ângulos retos. Postulado 5: E, caso uma reta, caindo sobre duas retas, faça os ângulos interiores e do mesmo lado menores do que dois retos, sendo prolongadas as duas retas, ilimitada- mente, encontrarem-se no lado no qual estão os menores do que dois retos. E aqui temos o início de uma saga que ressoa até os dias de hoje. Enquanto os quatro primeiros postulados são em sua forma simples e diretos, o quinto postulado, por outro lado, não, pois tem uma construção muito mais rebuscada que os anteriores, e não tão evidente como os demais. Há que se notar ainda que tal postulado será utilizado por Euclides na demonstração da Proposição 29 do Livro I. Ou seja, todos os demais resultados até então obtidos, independem do quinto postulado. Uma das primeiras críticas que se tem registro é devido a Proclus (ver [9]), onde afirma que, Este deve ser retirado do conjunto dos postulados. Pois é um teorema – teo- rema este que coloca muitas questões que Ptolomeu se propôs resolver em um dos seus livros - e requer, para a sua demonstração, várias definições assim como teoremas. E a sua recíproca é provada pelo próprio Euclides como um teorema. Mas talvez algumas pessoas pensem erradamente que esta proposi- ção mereça ser classificada entre os postulados com base em os ângulos serem menores que dois ângulos retos nos faz imediatamente, acreditar na concor- rência e intersecção das linhas retas. . . . Logo aqui, apesar da afirmação que linhas retas concorrem quando os ângulos retos são diminuídos ser verdadeira e necessária, no entanto, a conclusão de que, por elas convergirem mais quando são prolongadas para mais longe, elas se encontrarão a certa altura, é plau- sível, mas não necessária, na ausência de um argumento provando que isto SUMÁRIO 16 é verdadeiro para linhas retas. Que existem linhas que se aproximam indefi- nidamente mas nunca se encontram parece ser implausível e paradoxal. No entanto, é apesar disso verdade e foi verificado para outras espécies de linhas. Não poderá isto, então, ser possível para linhas retas? Até termos demons- trado firmemente que elas se encontram, o que é dito acerca de outras linhas despoja a nossa imaginação da sua plausibilidade. E apesar de os argumentos contra a intersecção dessas linhas poderem conter muito que nos surpreenda, não deveríamos nos recusar a admitir na nossa tradição este apelo sem razão à probabilidade? Estas considerações tornam claro que devemos pro- curar uma demonstração do teorema com que nos deparamos e que lhe falta o caráter especial de um postulado.2 Assim se inicia uma busca pela demonstração do quinto postulado de Euclides. Com o fim do período helenístico e a ascensão do Império Romano (146 a.C.) e o incêndio da Biblioteca de Alexandria (48 a.C.), o pensamento grego sofreu o seu ocaso. Entretanto, muitas obras, inclusive Os Elementos, foram traduzidos para o idioma árabe, e sobreviveram, sendo posteriormente traduzidas do árabe para as línguas européias. Nesse ínterim, matemáticos árabes, como Ibn al Haitham (965-1039), Omar Khayyam (1050-122) e Nasir Eddin al Tusi (1201-1274) tentaram demonstrar o quinto postulado, sem sucesso. O fim do período feudal, a ascensão do Mercantilismo, permitiu a eclosão do Renas- cimento, período histórico que na Europa foi caracterizado pela recuperação de conceitos originados na Antiguidade Clássica. Nesse contexo, a obra de Euclides foi revisitada, mas agora traduzida do árabe. O quinto postulado novamente assombrava as mentes dos muitos matemáticos que com ele se defrontavam. Podemos citar o padre jesuíta Girolamo Sacheri (1667-1733), o matemático suiço Johann Heinrich Lambert (1728-1777), os dois que mais se aproximaram de uma nova geometria, de caráter não euclidiana. E assim chegamos aos principais personagens dessa saga, os matemáticos Carl Friedrich Gauss (1777-1855, Alemanha), Nicolai Lobachevsky (1792-1856, Russia) e Janos Bolyai (1802-1860, Hungria). Gauss relutava em publicar qualquer trabalho que não estivesse completamente finali- zado. Assim, conhecedor das pesquisas de Saccheri, concluiu que outras geometrias, além da Euclidiana eram possíveis. Lobachevsky por outro lado, pesquisava intensamente os princípios da geometria. Em 1829, publicou no periódico Kazan Messenger o artigo Sobre os princípios da Geome- tria. Convencido de que o quinto postulado de Euclides não poderia ser provado a partir dos quatro primeiros, seu artigo era o primeiro em que um matemático propunha uma geometria em direto conflito com o postulado das paralelas, sendo chamada de geome- tria imaginária pelo próprio autor. Entre 1835 e 1855 publicou três obras contendo uma exposição completa da nova geometria. Farkas Bolyai era professor de matemática em uma província na Hungria, e quando soube que o filho, Janos, tentava obter uma demonstração do postulado das paralelas, escreveu uma carta ao filho rogando que desistisse de tal intento. Em seus esforços, Janos, como Lobachevsky, consideraram a hipotése de que, dada uma reta e um ponto fora dessa reta existem mais pelo menos duas retas paralelas à reta dada. O que Janos 2Tradução do próprio autor. SUMÁRIO 17 denominou de Ciência absoluta do espaço surgiu como um apêndice da obra Tentamen Juventutem Studiosam in Elementa Matheseos Purae Introducendi, de autoria de seu pai, Farkas, mas publicada em 1832. E assim o quinto postulado de Euclides deveria ser visto como um postulado indepen- dente dos demais. O matemático italiano Eugênio Beltrami (1835-1900) em dois trabalhos, publicados em 1868, demonstrou a consistência das geometrias não euclidianas, propondo um modelo para a geometria de Lobachevsky. Nesse mesmo período de tempo, uma nova abordagem da Geometria estava sendo gestada. O filósofo francês Rene Descartes (1596-1650) publica em 1637 a sua obra Discours de la méthode pour bien conduire sa raison et chercher la vérité dans les sciences, onde anun- cia seu programa de pesquisas em Filosofia. Um dos apêndices dessa obra era intitulado La géométrie. Nesse, Descartes procurava aliar processos algébricos na interpretação de problemas geométricos e dotar de significado, operações algébricas interpretando-as geo- metricamente. Algo que os gregos já haviam feito anteriormente, mas não de forma tão abrangente como Descartes na busca de soluções de uma equação algébrica. Assim, dado um problema geométrico, Descartes obtinha uma equação algébrica que representasse tal problema e, então procurava soluções da mesma por meios geométricos. Retas, círculos, cônicas e outras curvas surgem em seu trabalho, existindo mesmo uma classificação de curvas. Mas em toda essa obra não há o uso, tampouco a sistematização, de coordenadas retangulares. E consequentemente nenhuma formulação algébrica para a distância entre pontos ou mesmo ângulo entre retas. Mesmo diante de muitas limitações, essa obra de Descartes marca o início da Geometria Analítica. Pierre de Fermat (1601-1655), um advogado e magistrado francês, interessado em pro- blemas de Matemática e Física, ocupou-se, durante um período de sua vida em reconstruir uma obra perdida do matemático grego Apolônio de Perga (262-194 a.C.). Mas ao contrá- rio de Descartes, Fermat buscava esboçar soluções de equações gerais. Considerava ainda um sistema de coordenadas arbitrário, mas tendo como eixo das abscissas uma reta. Co- meçou com uma equação linear, e nesse sistema esboçou a solução da mesma. Analisou as equações quadráticas mais gerais, utlizando quando necessário translações ou rotações de eixos coordenados para tornar as equações mais simples. Observou ainda que algumas equações cúbicas ou quárticas poderiam ser resolvidas por meio de cônicas. Mas como Descartes não considerava coordenadas negativas, e como o filosófo francês, percebeu a possibilidade de aplicar tal método em dimensões maiores. O trabalho que sintetiza toda essas pesquisa, Ad locos planos et solidos isagoge circulou na forma de manuscritos, tendo sido publicada apenas após sua morte. Então uma revolução sacudiu a Europa. Gaspard Monge (1746-1818) um plebeu, oriundo de uma família humilde, destacou-se em uma escola de um ordem religiosa, recebendo um convite para frequentar a École Militaire de Méziéres, e mais tarde tornando-se professor nessa instituição. Sua experiên- cia em agrimensura, permitiu-lhe estabeler um novo campo na Matemática, a Geometria Descritiva. Teve um papel ativo na Revolução Francesa (1789), e nos anos posteriores, ocupando o cargo de ministro da marinha, e posteriormente, sendo um dos artífices da criação da École Polytechnique. Nessa instituição, atuando como professor, ministrou um curso denominado Aplicação da análise à geometria. Esse curso era essencialmente uma introdução à geometria analítica e à geometria diferencial. Nesse sentido, como um livro texto que pudesse auxiliar seus alunos, Monge publica em 1795 a obra Feuilles d’analyse, SUMÁRIO 18 onde a geometria analítica em três dimensões toma forma. Além disso, em 1802 publica no Journal de l’École Polytechnique o artigo Application d’algébre à la géométrie. Ape- sar de não ser tão profílico em publicações, Monge inspirou uma série de seus alunos a publicarem obras voltadas para a Geometria Analítica. Tínhamos, nesse momento, por um lado uma geometria não euclidiana bem funda- mentada, e por outro, uma geometria analítica igualmente firmada. Coube então, em um certo sentido, ao matemático alemão Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826-1866) fazer com que essas duas geometrias conversassem. Sua formação acadêmica passa pelas Universidades de Berlin e Gottingen, tornando-se professor nessa última. Em 1854, ministrou a conferência Über die Hypothesen welche der Geometrie zugrunde liegen na qual apresentava uma visão profunda e inédita sobre os próprios fun- damentos da Geometria. Nela, Riemann defendia o conceito de que a Geometria não deveria tratar de pontos e retas, mas como coleções de n-uplas que poderiam ser combi- nadas por determinadas regras. Uma dessas regras, era aquela que permitiria determinar a distância entre dois pontos infinitesimalmente próximos. Na Geometria Euclidiana tal métrica é dada por ds2 = dx2 + dy2 + dz2, onde x, y, z são as coordenadas cartesianas de um ponto qualquer de R3, e dx, dy e dz são variações dessas coordenadas. Para Riemann, entretanto, uma métrica geral deveria ser escrita como, ds2 = g11dx 2 + g12dxdy + g13dxdz + g21dydx+ g22dy 2 + g23dydz + g31dzdx+ g32dzdy + g33dz 2, onde os coeficientes gij são funções de x, y e z. Dessa maneira, o espaço euclidiano é um caso particular no qual g11 = g22 = g33 = 1 e os demais g′s são nulos. Nesse mesmo trabalho Riemann desenvolveu o conceito de curvatura de uma superfície imersa nesse espaço, partindo da métrica do mesmo. Assim, tal geometria riemanniana era uma geometria não euclidiana, em um sentido muito mais amplo do que Lobachevsky e Bolyai imaginaram. Para esses, a grande preocupação se resumia em uma geometria em que o quinto postulado de Euclides não era satisfeito, enquanto que para Riemann, a questão era muito mais profunda e geral. E mais ainda, o estudo de espaços métricos curvos, sugerido por Riemann, foi o que fundamentou a teoria da relatividade geral. Uma abordagem distinta Diante desse levantamento histórico, nossa proposta é desenvolver um trabalho que contemple ambas as geometrias, a Euclidiana por um lado, e as não euclidianas por outro, mas de um ponto de vista da Geometria Analítica. Importante ressaltar que a inspiração inicial desse trabalho foram as isometrias no plano e no espaço, analisadas pela ótica da Geometria Analítica. Duas referências básicas e essenciais para esse trabalho, apesar de não aparecerem explicitamente foram os livros Isometrias de Elon Lages Lima (ver [7]) e Linear Algebra Through Geometry de Thomas Banchoff e John Wermer (ver [1]). O conceito inicial do trabalho era analisar reflexões por retas, rotações, translações tanto no plano euclidiano como no espaço, utilizando as ferramentas que a Geometria Analítica nos proporcionam. Entretanto uma pesquisa no banco de dissertações do PROFMAT nos fez mudar a orientação do mesmo. Isso porque encontramos uma vasta produção que abordava esses temas, particularmente as rotações no plano e no espaço. SUMÁRIO 19 Por sugestão do meu orientador, Prof. Dr. Jamil Viana Pereira, procuramos analisar as isometrias em diferentes geometrias, uma Euclidiana e outras duas não euclidianas. Assim a pesquisa por fontes que nos permitissem realizar tal trabalho nos levou ao livro Euclidean and Non-Euclidean Geometry, An Analytic Approach, de Patrick J. Ryan (1ª edição, Cambridge University Press, 1986),[10]. Esse foi nossa referência básica, mas não única ao longo dessa dissertação. Para tal, começamos pela Geometria Euclidiana, abordando todos os aspectos veto- riais e algébricos que fundamentariam o trabalho. Vetores, norma, operações vetoriais, ângulo entre vetores, ortogonalidade de vetores, bases, coordenadas, equação de reta, per- pendicularidade e paralelismo de retas, distância entre pontos são elementos discutidos inicialmente para que possamos avançar sobre as transformações no plano. Superada essa etapa, definimos uma primeira transformação, a reflexão por uma reta, além de analisarmos as propriedades dessa aplicação. Em particular, essa reflexão define uma isometria? E como se comportariam as composições dessa transformação? Em primeiro lugar, analisamos o caso em que duas reflexões eram compostas, de modo que as retas que definiam tais reflexões eram paralelas, e mostramos que nesse caso, tal composição gerava uma nova transformação denominada translação. Consideramos, então um feixe de paralelas, e analisamos a situação em que combinávamos três reflexões por três retas paralelas, obtendo nesse caso uma única reflexão, a qual era equivalente a composição dessas três reflexões. Uma outra possbilidade combinava duas reflexões por retas que concorriam em um mesmo ponto P . Tal composição resultava em uma rotação ao redor desse ponto P . Obtivemos inclusive, uma forma matricial associada a essa transformação. E como no caso anterior, a composição de três reflexões dadas por três retas concorrentes em um mesmo ponto, resulta em uma única reflexão por uma quarta reta. Finalmente, definimos uma nova transformação, a chamada reflexão com deslizamento definida como a composição de uma reflexão por uma reta composta com uma translação. Encerramos esse primeiro capítulo com uma discussão envolvendo a construção de frisos e ornamentos a partir dessas quatro transformações no plano. Ao discutirmos a geometria sobre a esfera unitária, entretanto, algumas diferenças devem ser observadas. Enquanto no plano, R2, admitíamos a validade de todos os pos- tulados de Euclides, inclusive o quinto postulado, a esfera unitária foi vista como um subconjunto de R3. Assim, em primeiro lugar, revisitamos todos os aspectos vetoriais e algébricos necessários a nosso desenvolvimento posterior em R3, mas com alguns acrés- cimos. Como, por exemplo, o produto vetorial e o produto misto foram definidos, bem como as respectivas propriedades. A geometria de incidência também necessitou de novos conceitos. A começar pelo de reta, nesse caso definida como um círculo máximo. Como até uma consequência dessa definição, o quinto postulado de Euclides não era satisfeito. Partimos para as transformações na esfera unitária seguindo o mesmo roteiro daquele em R2. Definimos a reflexão por uma reta, e mostramos que as demais transformações, a saber, translação, rotação e reflexão com deslizamento poderiam ser definidas, e obtidas a partir de composições de reflexões por retas escolhidas adequadamente. Mostramos que todas são isometrias da esefera unitária. Terminamos tal capítulo utilizando a expressão para a distância entre dois pontos sobre a esfera unitária, determinando a distância sobre o globo terrestre entre duas cidades, conhecidas suas coordenadas geográficas. Finalmente, o último espaço a ser considerado foi o plano hiperbólico. Como no caso da esfera unitária, tal espaço foi definido como um subconjunto de R3. Em particular SUMÁRIO 20 como a folha superior de um hiperbolóide de duas folhas. Mas ao contrário de R2 e da esfera unitária, já no início uma grande diferença se apresentava. Para tal espaço, a forma quadrática associado ao mesmo não era positiva definida. Ainda foi possível mimetizar a mesma estrutura que nos capítulos anteriores, mas com algumas adaptações. Nesse espaço os vetores poderiam ser classificados em três tipos, a saber, tipo espaço, tipo tempo ou tipo luz. Ainda foi possível definir uma norma para tais vetores, a qual tinha as propriedades usuais de norma. E um produto vetorial particular teve que ser definido, mas que ainda preservava boa parte das propriedades usuais de um produto vetorial. Outra diferença significativa era o fato de que o quinto postulado de Euclides não era satisfeito, surgindo agora além do caso de retas paralelas, as denominadas retas ultra-paralelas. Terminada essa discussão, passamos propriamente às transformações seguindo a mesma linha que nos capítulos anteriores. Ou seja, definida a reflexão por uma reta, mostramos que as demais, translação, rotação e reflexão com deslizamento eram obtidas por com- posições de reflexões por retas escolhidas adequadamente, e que constituíam isometrias nesse espaço. Assim chegamos ao final desse trabalho, abordando diferentes geometrias, uma eu- clidiana e outras duas não euclidianas, sob o ponto de vista da Geometria Analítica, e determinando as suas respectivas isometrias. 1 Geometria no Plano Introdução Nosso ponto de partida é a Geometria Euclidiana. Mas não aquela forma clássica, axi- omática como é usual. Vamos abordar os elementos necessários da Geometria Euclidiana de uma forma algébrica, utilizando o conceito de vetores. Para tanto, definimos vetores bem como operações entre os mesmos, tais como adição e diferença de vetores, ângulo entre vetores, produtos escalar e vetorial entre vetores, e suas respectivas propriedades. Em seguida, introduziremos no plano um sistema de coordenadas cartesiano, para então analisarmos uma reta no plano, agora munido de um sistema de coordenadas. Em se- guida, vamos discutir as isometrias do plano, definindo e analisando as propriedades das seguintes transformações, a reflexão por uma reta, a rotação ao redor de um ponto, a translação por um vetor e a reflexão com deslizamento. Mais do que simplesmente ana- lisar as características das mesmas, verificaremos que todas essas transformações estão relacionadas entre si. Finalmente, vamos definir ornamentos no plano e mostrar como podemos construir tais ornamentos a partir das isometrias previamente discutidas. 1.1 Preliminares algébricas Nesse trabalho vamos utilizar a abordagem própria da Geometria Analítica. E, como é de praxe nessa abordagem, vamos introduzir um sistema de coordenadas no plano, de modo a associar a cada ponto do plano um par ordenado que o represente. Tal sistema de coordenadas nos permitirá aplicar propriedades similares às numéricas a objetos de natureza geométrica. O grande conjunto que abordaremos é o chamado plano. Plano aqui visto como o conjunto em que seus elementos são denominados pontos, e seus subconjuntos são retas, ângulos, figuras, dentre outros. Como nosso objetivo é tratar todos os objetos com os quais nos depararemos a partir de coordenadas, vamos introduzir alguns postulados, que nos auxiliarão nessa tarefa. Antes de mais nada, vamos fixar como corpo numérico o conjunto dos números reais, R, munido das operações soma, + : R × R → R, e produto, · : R × R → R, bem como suas propriedades usuais. Postulado 1.1. Dados dois pontos quaisquer no plano, associamos aos mesmos um único número real, maior ou igual a zero, tal que esse número é igual a zero se tais pontos forem coincidentes. Definição 1.2. Tal número é denominado distância entre os pontos e denotaremos por d(P,Q), onde P e Q são dois pontos quaisquer do plano. 21 Preliminares algébricas 22 Além disso, não importa a ordem na qual tomamos tais pontos. Postulado 1.3. Dados os pontos P e Q no plano, temos que d(P,Q) = d(Q,P ). Postulado 1.4. Existe um correspondência entre os pontos de uma reta e o conjunto dos números reais, R tal que, a) a cada ponto da reta está associado um único número real, b) cada número real corresponde a um único ponto da reta. Definição 1.5. Sejam os pontos P , Q e R, todos pertencentes à uma mesma reta e distintos dois a dois. Se, d(P,Q) + d(Q,R) = d(P,R), diremos que o ponto Q está entre os pontos P e R, e denotaremos tal fato por P −Q−R. É conveniente, dentro desse ponto de vista estabelecer algumas distinções. Definição 1.6. Considere uma reta qualquer em um plano. Uma reta r diz-se uma reta orientada quando se fixa sobre ela um sentido de percurso, considerado positivo e indicado por uma seta. Com tal orientação, tal reta orientada é denominada eixo. Na Figura 1.1 mostramos uma reta r qualquer no plano, bem como dois pontos A e B pertencentes a essa reta. Quando percorremos a reta r no sentido de A para B, determinamos uma reta orientada no mesmo sentido. Ou simplesmente dizemos que temos um eixo. (a) rrA rB (b) -rA rB Figura 1.1: (a) Reta r. (b) Reta orientada. Postulado 1.7. Dados os pontos quaisquer, O, P e Q de uma reta, tais que Q−O− P , podemos fixar um sistema de coordenadas sobre a reta, da seguinte maneira. Fixado o ponto O, fazemos a correspondência do mesmo ao número real 0, sendo essa sua coor- denada. Tal ponto recebe, a partir de agora a denominação de origem. Como o ponto P se situa à direita do ponto O, a coordenada de P será dada por d(O,P ). Por outro lado, como o ponto Q se situa à esquerda do ponto O, sua coordenada será dada por −d(O,Q). Definição 1.8. Sejam P e Q dois pontos distintos do plano. O segmento de reta PQ é definido como, PQ = {X,P −X −Q} ∪ {P,Q} . Caso P = Q, temos que PP = {P}, ou seja, um único ponto, P . Preliminares algébricas 23 rP rQrX Figura 1.2: Segmento de reta PQ. Ou seja, PQ consiste exatamente dos pontos P e Q, bem como todos os pontos entre P e Q. Observação 1.9. À exemplo do que ocorre com uma reta, um segmento de reta PQ pode ser percorrido em dois sentidos opostos. Se o mesmo for percorrido no sentido do ponto P para o ponto Q, denominaremos o ponto P de origem do segmento, enquanto que o ponto Q será denominado a extremidade desse mesmo segmento. Claro que pode-se percorrer esse mesmo segmento no sentido de Q para P . Nesse caso, o ponto Q será a origem do mesmo, ao passo que o ponto P será a extremidade desse segmento. De posse dos conceitos de reta orientada e de segmento de reta, podemos definir um novo objeto, a saber, o segmento de reta orientado. Definição 1.10. Sejam P e Q dois pontos pertencentes à uma mesma reta, r, do plano. Definimos o segmento de reta orientado, ⇀ PQ, como o segmento com origem em P e extremidade em Q. Caso P e Q sejam coincidentes, teremos o segmento orientado nulo, ⇀ PP = 0. (a) r A r B - r (b) rr X Figura 1.3: Segmento de reta orientado (a) ⇀ AB e segmento de reta nulo,(b) ⇀ XX. Devemos notar que os segmentos orientados ⇀ PQ e ⇀ QP são distintos, pois o primeiro tem origem no ponto P e extremidade no ponto Q; enquanto que o segundo tem origem em Q e extremidade em P . Definição 1.11. O segmento orientado ⇀ PQ tem comprimento dado pelo comprimento do segmento de reta PQ. Definição 1.12. Considere os segmentos orientados não nulos, ⇀ PQ e ⇀ RS. Dizemos que ⇀ PQ e ⇀ RS têm a mesma direção, se as retas suportes ←→PQ e ←→RS, dos segmentos orientados ⇀ PQ e ⇀ RS, respectivamente, são paralelas. Caso contrário, os segmentos orientados têm diferentes direções. Preliminares algébricas 24 (a) � � � � �� q P q Q (b) � � � � � q P q Q Figura 1.4: Segmentos orientados (a) ⇀ PQ e (b) ⇀ QP . -q P q Q -q R q S Figura 1.5: Segmentos orientados paralelos, ⇀ PQ e ⇀ RS. Definição 1.13. Considere que os segmentos orientados ⇀ PQ e ⇀ RS têm mesma direção. Caso os segmentos de reta PR e QS não se intersectem, diremos que os segmentos orien- tados ⇀ PQ e ⇀ RS têm mesmo sentido. Caso contrário terão sentidos opostos. (a) � � � � �� P Q� � ��� R S @@ (b) � � � �� P Q � � � R S ���� � � � � � � Figura 1.6: Segmentos orientados(a) de mesmo sentido, (b) sentidos opostos. Definição 1.14. Dados os pontos P,Q,R, S do plano, os segmentos orientados ⇀ PQ e ⇀ RS são ditos equipolentes se, a) ambos são nulos, b) nenhum deles é nulo, e ambos têm a mesma direção, o mesmo sentido e o mesmo comprimento. Agora, munidos do conceito de segmentos equipolentes, podemos definir um novo elemento em nosso tratamento, o chamado vetor. Preliminares algébricas 25 Definição 1.15. Um vetor é uma classe de equipolência de segmentos orientados do plano. Sejam P e Q dois pontos quaisquer do plano. Temos que o segmento orientado ⇀ PQ é um dos representantes de uma classe de equipolência, e o vetor correspondente será indicado por −→PQ. O vetor nulo, denotado por −→0 , é o vetor cujo representante é um segmento orientado nulo. Definição 1.16. Dado um vetor−→PQ chamaremos de norma (ou módulo ou comprimento) desse vetor ao comprimento de qualquer um de seus representantes. Denotaremos por∥∥∥−→PQ∥∥∥. Vamos denotar, a partir de agora, um vetor por uma letra latina minúscula. Assim, por exemplo, escreveremos u = −→PQ. Como vetores podem ter diferentes direções no plano, podemos verificar essas diversas orientações, definindo um ângulo entre vetores. Definição 1.17. Considere os vetores u v, quaisquer no plano, ambos não nulos, bem como os pontos do plano, O, P e Q. Sejam os representantes da classe de equipolência de u e de v, u′ = −→OP e v′ = −→OQ, respectivamente, ambos com origem em um mesmo ponto O. Temos, a) Se u′ e v′ têm mesma direção e mesmo sentido, diremos que o ângulo entre tais vetores tem medida igual a θ = 0◦. b) Caso u′ e v′ tenham mesma direção e sentidos opostos, diremos que o ângulo entre tais vetores tem medida igual a θ = 180◦. c) Caso u′ e v′ tenham diferentes direções, o ângulo entre tais vetores u e v, de medida θ, será dado pelo menor ângulo formado pelos segmentos OP e OQ. Esses elementos básicos sobre vetores nortearão toda a discussão posterior. Entre- tanto, ao invés de considerarmos vetores em geral, bem como operações envolvendo tais elementos, introduziremos um sistema de coordenadas cartesiano que será muito útil. Assim, definiremos um sistema de coordenadas em um plano qualquer. Para tanto, consideraremos, arbitrariamente, dois eixos perpendiculares, Ox e Oy, que concorrem no ponto O. Denominemos esse plano sobre o qual construímos os eixos perpendiculares Ox e Oy por Π. Dado o ponto P ∈ Π, projetamos ortogonalmente tal ponto sobre o eixo Ox, obtendo o segmento OP ′, de medida igual a a. Também projetamos o mesmo ponto P , ortogonalmente, sobre o eixo Oy, obtendo o segmento OP ′′, cuja medida é igual a b. Agora, associamos o ponto P ao par ordenado (a, b) (veja Figura 1.7). Definição 1.18. A correspondência biunívoca ϕ : Π → R2, que a cada ponto P ∈ Π associa o par ordenado (a, b) ∈ R2 define um sistema de coordenadas sobre o plano Π. Assim, dado o plano Π, cujos elementos são pontos, e o conjunto R2, cujos elementos são pares ordenados de número reais, tal correspondência, ϕ, nos permitirá escrever P = (a, b), sendo P um ponto no plano, cuja abscissa, nesse sistema de coordenadas será a, e cuja ordenada será b. O plano Π dotado desse sistema de coordenadas será denominado, então plano carte- siano, e assim identificado com R2 Seja um ponto, P = (a, b) ∈ R2, e considere ainda a origem do sistema de coordenadas, O = (0, 0). Podemos construir um segmento de reta orientado, no sentido de O para P , como mostrado na Figura 1.8. Preliminares algébricas 26 - 6 O y x s a b P sP ′ sP ′′ Figura 1.7: Coordenadas cartesianas do ponto P Definição 1.19. Seja um ponto qualquer em R2, P = (x, y). O segmento de reta orien- tado, com origem em O e extremidade em P será denominado o vetor v = (x, y) de R2. Observação 1.20. Para evitar qualquer ambiguidade, um ponto de R2 será denotado por uma letra latina maiúscula, enquanto que um vetor por uma letra latina minúscula. Definido um vetor em R2, devemos também possuir um critério para compararmos tais objetos. Definição 1.21. Dados os vetores u = (x1, y1) e v = (x2, y2) de R2, temos que u = v se, e somente se, x1 = x2 e y1 = y2. Caso contrário, teremos que u ̸= v. Vamos definir duas operações com tais vetores. Definição 1.22. Dados os vetores u = (u1, u2) e v = (v1, v2) de R2, definimos a soma dos vetores u e v por, u+ v = (u1 + v1, u2 + v2). Definição 1.23. Sejam u = (u1, u2) ∈ R2 e o número real c, definimos a multiplicação do vetor u pelo escalar c, por, c u = (c u1, c u2). Observação 1.24. Temos aqui o chamado vetor nulo, ou seja o vetor com ambas as coordenadas nulas, denotado por 0 = (0, 0). Teorema 1.25. Sejam os vetores u, v, w ∈ R2 e os escalares α, β ∈ R. Temos as seguintes propriedades para a soma de vetores e para a multiplicação de um vetor por escalar, a) (u+ v) + w = u+ (v + w). Preliminares algébricas 27 - 6 O y x s a b P � � � � � � � � � �� v Figura 1.8: Vetor com origem em O e extremidade em P . b) u+ v = v + u. c) u+ 0 = u. d) Para u, existe o vetor −u em R2 tal que u+ (−u) = 0. e) 1 u = u. f) α (u+ v) = α u+ α v. g) (α + β)u = α u+ β u, h) α(β u) = (α β)u. Para demonstrações ver [3]. Definição 1.26. Um espaço vetorial real é um conjunto V , não vazio, dotado de duas operações; soma, + : V × V → V, e uma multiplicação por escalar, · : R× V → V, tais que para quaisquer u, v, w ∈ V e para quaisquer α, β ∈ R as propriedades do Teorema 1.25 são satisfeitas. Assim, vemos que R2, juntamente com as operações de soma, Definição 1.22, e multi- plicação por escalar, Definição 1.23, é um espaço vetorial. Desde a introdução de um sistema de coordendas cartesianas para o plano, considera- mos um vetor com origem exclusivamente na origem. Podemos entretanto, a partir das operações envolvendo vetores, definir um vetor a partir de dois pontos quaisquer do plano. Para tanto obervaremos os seguintes fatos. Da Definição 1.23, vemos que dado um vetor v = (v1, v2), podemos obter o vetor −v tal que −v = −1v = (−v1,−v2). Esse vetor −v, por sua vez, é tal que v + (−v) = 0. Assim, a partir dessa propriedade, podemos definir a seguinte operação. Preliminares algébricas 28 Definição 1.27. Dados os pontos P = (p1, p2) e Q = (q1, q2) do plano, temos a diferença P −Q definida por, P −Q = (q1 − p1, q2 − p2). Agora consideremos o ponto U = (u1, u2) de modo que temos o vetor u = (u1, u2), com origem na origem do plano cartesiano. E sejam ainda os pontos P = (p1, p2) e Q = (q1, q2), dois pontos quaisquer do plano. Se para tais pontos tivermos que, q1−p1 = u1 e q2− p2 = u2, teremos determinando um outro representante do vetor u, mas agora com origem no ponto P e extremidade no ponto Q. - 6 O y x � � � ��u qP�� � �� Q− P qQ Figura 1.9: Vetores com origem na origem do plano cartesiano, u, e um outro representante com origem no ponto P Como, nesse espaço vetorial, podemos somar vetores e multiplicar vetores por um escalar, podemos construir novos vetores a partir de um conjunto dado de vetores. Definição 1.28. Seja V um espaço vetorial, e considere os vetores v1, . . . , vn ∈ V . Os vetores da forma v = α1v1 + α2v2 + . . . αnvn, com α1, . . . , αn ∈ R, são elementos de V que denominamos uma combinação linear de v1, . . . , vn. Observação 1.29. Considerando o espaço vetorial R2, sejam os vetores e1 = (1, 0) e e2 = (0, 1). Para um outro vetor qualquer desse espaço vetorial, v = (x, y), vemos que, v = (x, y) = (x, 0) + (0, y) = x(1, 0) + y(0, 1) = xe1 + ye2, o que mostra que v pode ser escrito como uma combinação linear dos vetores e1 e e2. Definição 1.30. Sejam V um espaço vetorial qualquer, e v1, · · · , vn ∈ V . Dizemos que o conjunto {v1, · · · , vn} é linearmente independente se a equação, α1v1 + α2v2 + · · ·+ αnvn = 0, Preliminares algébricas 29 implicar que α1 = α2 = · · · = αn = 0. Caso seja possível escrever α1v1+α2v2+· · ·+αnvn = 0 com algum αi ̸= 0, para algum i, dizemos que o conjunto {v1, · · · , vn} é linearmente dependente. Observação 1.31. Consideremos novamente os vetores e1 = (1, 0) e e2 = (0, 1). Que- remos mostrar que {e1, e2} é um conjunto linearmente independente. Ou seja, queremos mostrar que αe1 + βe2 = 0, implicará em α = β = 0. Da condição αe1 + βe2 = 0, temos, αe1 + βe2 = (0, 0) α(1, 0) + β(0, 1) = (0, 0) (α, 0) + (0, β) = (0, 0) (α, β) = (0, 0) ⇒ { α = 0 β = 0 . Assim {e1, e2} é linearmente independente. O mesmo não pode ser dito do conjunto {e1, e2, e1 + e2}. De fato, vemos que, para que αe1 +βe2 +γ(e1 + e2) = 0, podemos tomar α = β = 1 e γ = −1, e portanto, 1e1 + 1e2 + (−1)(e1 + e2) = e1 + e2 − e1 − e2 = 0. Assim encontramos α, β, γ não todos nulos tais que é satisfeita a condição αe1+βe2+γe3 = 0. Logo o conjunto {e1, e2, e3} é linearmente dependente. Definição 1.32. Seja V um espaço vetorial. Uma base para V é um conjunto finito de elementos de V , tal que esse conjunto é linearmente independente e gera o espaço vetorial V , ou seja, qualquer elemento de V pode ser escrito como combinação linear dos elementos desse conjunto. Observação 1.33. Como já vimos anteriormente, o conjunto {e1, e2} é um conjunto linearmente independente (Observação 1.31). Também vimos que todo vetor de R2 pode ser escrito como uma combinação linear desses dois vetores (Observação 1.29). Logo, o conjunto {e1, e2} é uma base para R2. E como tal conjunto tem dois elementos, dizemos que a dimensão desse espaço vetorial é 2. Passemos a definir uma nova operação envolvendo vetores, o chamado produto escalar (ou produto interno) de dois vetores. Definição 1.34. Seja V um espaço vetorial real. O produto escalar sobre V é uma aplicação que, dados dois vetores u, v ∈ V , associa um número real, que denotaremos por ⟨u, v⟩, aplicação essa que satisfaz as seguintes propriedades: a) ⟨v, v⟩ ≥ 0 para todo vetor v ∈ V , e a igualdade ocorre se, e somente se, v = 0. b) ⟨αu, v⟩ = α ⟨u, v⟩ para todos u, v ∈ V e para todo α ∈ R. c) ⟨u+ v, w⟩ = ⟨u,w⟩+ ⟨v, w⟩ para todos u, v, w ∈ V . d) ⟨u, v⟩ = ⟨v, u⟩ para todos u, v ∈ V . Preliminares algébricas 30 Definição 1.35. Dados dois vetores u = (u1, u2) e v = (v1, v2) no plano, definimos a aplicação ⟨, ⟩ : R2 × R2 → R como, ⟨u, v⟩ = u1v1 + u2v2. Tal aplicação satisfaz a Definição 1.34 de espaço vetorial, como mostramos no seguinte teorema. Teorema 1.36. Sejam os vetores u, v, w ∈ R2 e o escalar α ∈ R. Temos, a) ⟨u, v + w⟩ = ⟨u, v⟩+ ⟨u,w⟩. b) ⟨u, αv⟩ = α ⟨u, v⟩. c) ⟨u, v⟩ = ⟨v, u⟩. d) ⟨u, u⟩ ≥ 0 e ⟨u, u⟩ = 0 se, e somente se, u = 0. Demonstração. a) Denotemos u = (ux, uy), v = (vx, vy) e w = (wx, wy). Temos, então que, ⟨u, v + w⟩ = ⟨(ux, uy), (vx + wx, vy + wy)⟩ , = ux(vx + wx) + uy(vy + wy), = uxvx + uxwx + uyvy + uywy, = (uxvx + uyvy) + (uxwx + uywy) , ⟨u, v⟩+ ⟨u,w⟩ . b) Dados u = (ux, uy), v = (vx, vy) e α ∈ R, temos, ⟨u, αv⟩ = ⟨(ux, uy), (αvx, αvy)⟩ , = αuxvx + αuyvy, = α(uxvx + uyvy), = α ⟨u, v⟩ . c) Para u = (ux, uy), v = (vx, vy), vemos que, ⟨u, v⟩ = ⟨(ux, uy), (vx, vy)⟩ , = uxvx + uyvy, = vxux + vyuy, = ⟨v, u⟩ . Preliminares algébricas 31 d) Sendo u = (ux, uy) com ux, uy ∈ R, temos que ⟨u, u⟩ = u2 x + u2 y. Como ux, uy ∈ R temos que u2 x ≥ 0 e u2 y ≥ 0. Logo ⟨u, u⟩ = u2 x + u2 y ≥ 0. Se u = (0, 0) temos ⟨u, u⟩ = u2 x + u2 y = 02 + 02 = 0. Por outro lado, se ⟨u, u⟩ = 0, temos u2 x + u2 y = 0, o que implica que ux = uy = 0. Definição 1.37. Seja u um vetor qualquer no plano. A norma de tal vetor, denotada por ∥u∥, é definida por, ∥u∥ = √ ⟨u, u⟩. Observação 1.38. Dado que o vetor u ∈ R2 tem coordenadas dadas por u = (u1, u2), vemos que a norma desse vetor é dada por, ∥u∥ = √ u2 1 + u2 2. Observação 1.39. Vimos anteriormente que, dado um vetor, u = −→PQ a sua norma é dada pelo comprimento de um dos representantes de sua classe de equipolência (Definição 1.16). Assim, existe um outro representante de u, com origem na origem do sistema de coordenadas, O, e extremidade em um ponto X, tal que −−→OX pertença à classe de equipolência de u. Esse representante, −−→OX, tem como coordenadas o par ordenado (x, y). Como ∥∥∥−→PQ∥∥∥ = ∥∥∥−−→OX∥∥∥, pois são dois representantes da mesma classe de equipolência, não há nenhuma incongruência entre a Definição 1.16 e a Definição 1.37 para a norma de vetores. Uma apela para o aspecto geométrico, enquanto que outra, para o algébrico. Teorema 1.40. Para todos vetores u, v ∈ R2 e para todo escalar c ∈ R temos, a) ∥u∥ ≥ 0. b) ∥u∥ = 0 se, e somente se, u = 0. c) ∥c u∥ = |c| ∥u∥. d) Desigualdade de Cauchy-Schwarz.Se u e v são vetores não nulos, temos que, |⟨u, v⟩| ≤ ∥u∥ ∥v∥ , sendo que a igualdade é verdadeira se, e somente sem u e v são linearmente depen- dentes. e) Desigualdade triangular.Dados os vetores u e v de R2, temos, ∥u+ v∥ ≤ ∥u∥+ ∥v∥ . A igualdade é verdadeira se, e somente se, u e v são linearmente dependentes, isto é, u = α v, com α ≥ 0. Demonstração. a) Pelo item (d) do Teorema 1.36, temos ⟨u, u⟩ ≥ 0, consequentemente ∥u∥ = √ ⟨u, u⟩ ≥ 0. Preliminares algébricas 32 b) Pelo mesmo item (d) do Teorema 1.36, temos ⟨u, u⟩ = 0 ⇔ u = 0. Vemos que, como ∥u∥ = √ ⟨u, u⟩, temos ∥u∥ = 0⇔ u = 0. c) ∥c v∥ = √ ⟨c v, c v⟩ = √ c2 ⟨v, v⟩ = |c| ∥v∥. d) Considere a função real definida por, f(t) = ∥u+ t v∥2 , onde t ∈ R. Usando a parte a), observamos que a função f é não negativa para qualquer t, e que, f assume o valor 0 se, e somente se, u = −tv. Por outro lado, f é um polinômio de grau 2, f(t) = ∥u∥2 + 2 t ⟨u, v⟩+ t2 ∥v∥2 e que sabemos não assumir valores negativos, quando, (2 ⟨u, v⟩)2 − 4 ∥u∥2 ∥v∥2 < 0 o que nos leva imediatamente a conclusão que, |⟨u, v⟩| ≤ ∥u∥ ∥v∥ Além disso, f assume o valor 0 somente se |⟨u, v⟩| = ∥u∥ ∥v∥. Logo |⟨u, v⟩| = ∥u∥ ∥v∥ se, e somente se, u e v são proporcioinais. e) Pelo item anterior, ∥u+ v∥2 = ∥u∥2 + 2 ⟨u, v⟩+ ∥v∥2 ≤ ∥u∥2 + 2 ∥u∥ ∥v∥+ ∥v∥2 ≤ (∥u∥+ ∥v∥)2 , e, portanto, ∥u+ v∥ ≤ ∥u∥+ ∥v∥ . Se a igualdade é verdadeira, então devemos ter, ⟨u, v⟩ = ∥u∥ ∥v∥ . Da Desigualdade de Cauchy-Schwarz, vemos que u e v devem ser linearmente de- pendentes. Assim u = α v leva a, ⟨u, v⟩ = ⟨αv, v⟩ = α ⟨v, v⟩ = α ∥v∥2 e, ∥u∥ ∥v∥ = |α| ∥v∥2 . Assim, α deve ser igual a |α|, portanto, α ≥ 0. Definição 1.41. Dados os pontos P,Q ∈ R3, a distância entre tais pontos, denotado por d(P,Q) é definida por, d(P,Q) = ∥P −Q∥ Preliminares algébricas 33 Essa medida da distância entre dois pontos tem as propriedades usuais, como mostrado no seguinte teorema. Teorema 1.42. Sejam P,Q pontos de R2. Temos, a) d(P,Q) ≥ 0. b) d(P,Q) = 0 se, e somente se, P = Q. c) d(P,Q) = d(Q,P ). d) d(P,Q) + d(Q,R) ≥ d(P,R) Demonstração. a) Como d(P,Q) = ∥Q− P∥ segue imediatamente do item (a) do Teo- rema 1.40 que d(P,Q) ≥ 0. b) Novamente, sendo d(P,Q) = ∥Q− P∥, do item (b) do Teorema 1.40 temos que ∥Q− P∥ = 0⇔ Q− P = 0, e portanto, P = Q. c) Vemos que d(P,Q) = ∥Q− P∥ = ∥(−1)(P −Q)∥. Agora pelo item (c) do Teorema 1.40, temos que, d(P,Q) = |−1| ∥P −Q∥ = ∥P −Q∥ = d(Q,P ). d) Sabemos que d(P,Q)+d(Q,R) = ∥Q− P∥+∥R−Q∥. Agora pelo item (e) do Teorema 1.40, temos que, d(P,Q) + d(Q,R) = ∥Q− P∥+ ∥R−Q∥ ≥ ∥(Q− P ) + (R−Q)∥ ≥ ∥R− P∥ = d(P,R). Antes de definirmos uma reta no plano, vamos caracterizar um outro conceito impor- tante, o de direção no plano. Definição 1.43. Seja v um vetor não nulo do plano. O conjunto de todos os vetores linearmente dependentes a esse vetor v define uma direção no plano. Consideremos o conjunto de todos os vetores do plano linearmente dependentes a um dado vetor não nulo, v. Ou seja, o conjunto, [v] = {t v, t ∈ R} Definição 1.44. Sejam P um ponto qualquer do plano e v um vetor não nulo do plano. Então o conjunto, r = {X,X − P ∈ [v]} é chamado a reta passando por P na direção [v]. Exemplo 1.45. Consideremos a reta que passa pelo ponto P = (−2,−2) e o vetor não nulo v = (1,−1). Então tal reta é dada pelo conjunto r = {X,X − P ∈ [v]} . Assim, o ponto, Preliminares algébricas 34 ��� � �� � � � � �� � � � � � � �� � � � � � � v w u z t Figura 1.10: Direção no plano determinada pelo vetor v. i) X1 = (2,−6) é tal que, X1−P = (2,−6)−(−2,−2) = (2−(−2),−6−(−2)) = (4,−4) = −4(1,−1) = −4v. Logo X1 − P ∈ [v], e portanto, X1 ∈ r. ii) X2 = (−3, 5), por sua vez, X2 − P = (−3, 5)− (−2,−2) = (−3− (−2), 5− (−2)) = (−1, 7) /∈ [v], e assim, X2 /∈ r. Observação 1.46. A equação da reta, como descrita na Definição 1.44, pode ser escrita, de maneira abreviada, como, r = P + [v] . Também podemos escrever a chamada equação paramétrica para a reta r no plano, por, X = P + t v, t ∈ R. (1.1) Exemplo 1.47. Considere, por exemplo, a reta determinada pelo ponto P = (1,−2) na direção do vetor u = (2, 3). Temos que, a equação de tal reta é dada por, X = P + λu = (1,−2) + λ(2, 3) = (1 + 2 · λ,−2 + 3 · λ), onde X é um outro ponto qualquer dessa mesma reta, e λ ∈ R. Uma característica importante de uma reta no plano é aquela que nos diz que dois pontos distintos no plano determinam uma única reta. Teorema 1.48. Sejam P e Q pontos distintos no plano. Então existe uma única reta contendo P e Q, a qual denotaremos por ←→PQ. Preliminares algébricas 35 � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � ��r r r v P Q Figura 1.11: A reta ←→PQ e o vetor diretor v. Demonstração. Seja v um vetor do plano não nulo. A reta P+[v] passa por Q se e somente se Q − P ∈ [v]. Como P e Q são distintos, [Q− P ] ∈ [v]. Logo, a reta P + [Q− P ] é a única reta requirida. Dadas duas retas distintas no plano, teremos duas possibilidades para tais retas, ou têm pontos em comum, ou não existem pontos em comum. Definição 1.49. Dadas as retas distintas do plano, r e s, temos que, a) se as retas r e s se intersectam, são denominadas retas concorrentes; b) se r ∩ s = ∅, ou seja as retas não tem pontos em comum, tais retas, r e s, são denominadas paralelas, e representamos por r ∥ s. Teorema 1.50. Dadas duas retas distintas que se intersectam, seus vetores diretores são linearmente independentes. Demonstração. Sejam os pontos P,Q do plano, bem como os vetores u, v. As retas r = P + [u] e s = Q + [v] são distintas, por hipótese. Vamos admitir, por absurdo, que os respectivos vetores diretores, u e v são linearmente dependentes. Como, também por hipótese, r e s se intersectam, existem um ponto do plano X, tal que X ∈ r e X ∈ s. Assim, como P,X ∈ r, o vetor −−→XP ∈ [u]. De modo similar, o vetor −−→XQ ∈ [v]. Mas como u e v são linearmente depedentes, também o serão os vetores −−→XP e −−→XQ. Claramente um absurdo, pois como P ̸= Q, e, portanto, vetores −−→XP e −−→XQ são linearmente independentes. Podemos agora enunciar um resultado importante sobre retas concorrentes. Teorema 1.51. Duas retas concorrentes intersectam-se em um único ponto. Demonstração. Sejam os pontos Q,R do plano bem como u e v dois vetores não nulos, linearmente independentes. Nessas condições, as retas r = Q + [u] e s = R + [v] são concorrentes. Vamos admitir, por absurdo que r ∩ s = {P1, P2}, onde P1, P2 são dois Preliminares algébricas 36 pontos distintos do plano. Como P1, P2 ∈ r temos que −−−→P1, P2 e u são vetores linearmente dependentes. Da mesma forma, como P1, P2 ∈ s temos que −−−→P1, P2 e v são vetores linear- mente dependentes. E, portanto u e v são linearmente dependentes, o que contraria nossa hipótese inicial. Logo, duas retas concorrentes têm um único ponto em comum. Corolário 1.52. Se duas retas r e s têm dois pontos em comum, tais retas são coinci- dentes, ou seja, r = s. Definição 1.53. Dois vetores u e v do plano são ortogonais se, ⟨u, v⟩ = 0. Observação 1.54. Dado o vetor v = (v1, v2) do plano, o vetor v⊥ = (−v2, v1) é tal que v e v⊥ são ortogonais. De fato, pela Definição 1.53, temos,〈 v, v⊥ 〉 = v1 (−v2) + v2v1 = −v1v2 + v1v2 = 0. Definição 1.55. Um vetor com norma igual a 1 é chamado um vetor unitário, e um par de vetores {u, v} unitários e ortogonais é denominado um par ortonormal. Teorema 1.56. Sejam u e v um par de vetores ortonormais do plano. Então para todo w ∈ R2 temos, w = ⟨w, u⟩u+ ⟨w, v⟩ v. Demonstração. Como u e v são linearmente independentes, formam uma base para R2, de acordo com a Definição 1.32. Assim, para qualquer w ∈ R2 existem únicas constantes α e β tais que w = αu+ βv. Usando as propriedades do produto escalar, obtemos, ⟨w, u⟩ = ⟨αu+ βv, u⟩ = α ⟨u, u⟩+ β ⟨u, v⟩ = α, e, ⟨w, v⟩ = ⟨αu+ βv, v⟩ = α ⟨u, v⟩+ β ⟨v, v⟩ = β. Definição 1.57. Se r é uma reta com vetor diretor v, o vetor v⊥ é chamado um vetor normal a reta r. Quaisquer dois vetores normais a uma mesma reta são linearmente dependentes. Vamos agora derivar a equação de uma reta em termos de seu vetor normal. Teorema 1.58. Sejam P um ponto qualquer do plano e {v,N} um par de vetores orto- normais. Então, P + [v] = {X, ⟨X − P,N⟩ = 0} . Preliminares algébricas 37 Demonstração. Pelo Teorema 1.56 temos a identidade, X − P = ⟨X − P, v⟩ v + ⟨X − P,N⟩N, para qualquer ponto P ∈ R2. Mostraremos que X localiza-se sobre a reta P + [v] se e somente se ⟨X − P,N⟩ = 0. Primeiro, suponha que X = P + t v para algum t ∈ R. Então, ⟨X − P,N⟩ = ⟨t v,N⟩ = t ⟨v,N⟩ = 0 Reciprocamente, se ⟨X − P,N⟩ = 0, a identidade se reduz a, X − P = ⟨X − P, v⟩ v tal que, X = P + ⟨X − P, v⟩ v ∈ P + [v] . Corolário 1.59. Se N é qualquer vetor não nulo, {X, ⟨X − P,N⟩ = 0} é a única reta passando por P com vetor normal N e, portanto, vetor diretor N⊥. Demonstração. Observamos que ⟨X − P,N⟩ = 0 se e somente se 〈 X − P, N ∥N∥ 〉 = 0, e, então, podemos aplicar o teorema 1.58. Definição 1.60. Duas retas r e s são perpendiculares se têm vetores diretores ortogonais. Denotamos por r ⊥ s. Teorema 1.61 (Teorema de Pitágoras). Sejam P , Q e R três pontos distintos de R2. Então, ∥R− P∥2 = ∥Q− P∥2 + ∥R−Q∥2 se, e somente se, as retas ←→QP e ←→RQ são perpendiculares. Demonstração. Sabemos do item (e) do Teorema 1.40 que, dados x, y ∈ R2, vale, ∥x+ y∥2 = ∥x∥2 + 2 ⟨x, y⟩+ ∥y∥2 . Observamos que ∥x+ y∥2 = ∥x∥2 + ∥y∥2 se, e somente se ⟨x, y⟩ = 0. Agora fazemos x = Q− P e y = R−Q. Vemos que x+ y = R− P , e, portanto, ∥R− P∥2 = ∥Q− P∥2 + ∥R−Q∥2 , se, e somente se, ⟨Q− P,R−Q⟩ = 0. Isso implica que os vetores −→PQ e −→QR são perpen- diculares. Teorema 1.62. Sejam duas retas r e s tais que r ⊥ s. Então r e s têm um único ponto em comum. Demonstração. Seja a reta r dada por P + [v] e a reta s por Q + [w]. Podemos assumir que v e w são unitários, de modo que {v, w} é um conjunto ortonormal. Escrevemos, P −Q = ⟨P −Q, v⟩ v + ⟨P −Q,w⟩w, e, assim, P − ⟨P −Q, v⟩ v = Q+ ⟨P −Q,w⟩w Tomando, X = P − ⟨P −Q, v⟩ v = Q+ ⟨P −Q,w⟩w vemos que X ∈ r e X ∈ s. X é o único ponto em comum, pois se existisse um segundo ponto em comum, pelo Corolário 1.52, as retas deveriam coincidir. Preliminares algébricas 38 Teorema 1.63. Seja um ponto X ∈ R2 e r uma reta qualquer. Então existe uma única reta s passando por X e perpendicular a r. Além disso, a) A reta s é dada por X + [N ], onde N é um vetor unitário normal a r. b) r e s intersectam-se no ponto Q = X − ⟨X − P,N⟩N , onde P é qualquer ponto de r. c) d(X,Q) = ∥⟨X − P,N⟩∥ Demonstração. Seja a reta r dada por r = P + [v], onde P é um ponto de r e v um vetor unitário, diretor da reta r. Sabemos que existe vetor unitário, N , normal à reta r, dado pela condição ⟨v,N⟩ = 0. Agora, considerando o ponto X, bem como o vetor N , podemos construir a reta s, passando por X e com vetor diretor N . Como os vetores v e N são ortogonais, as retas r e s são perpendiculares, r ⊥ s. Tal reta é dada por s = X + [N ]. Do Teorema 1.62, sabemos que tais retas r e s, por serem perpendiculares, têm um único ponto em comum, digamos Q. A reta s, então fica determinada unicamente pelos pontos X e Q. Da demonstração do mesmo Teorema 1.62, sabemos que tal ponto de intersecção se dá em Q = X −⟨X − P,N⟩N . Finalmente, como a distância entre dois pontos é dada pela Definição 1.41, e sabendo que Q−X = −⟨X − P,N⟩N , temos que, d(X,Q) = |Q−X| = |− ⟨X − P,N⟩N | = |⟨X − P,N⟩| . Definição 1.64. No enunciado do Teorema 1.63, o único ponto de intersecção das retas perpendiculares, r e s, será denominado o pé da perpendicular à reta r, passando pelo ponto X. r s rQ rX Figura 1.12: Ponto Q, pé da perpendicular. Teorema 1.65. Seja r uma reta qualquer, e considere X um ponto que não pertence a r. Seja Q o pé da perpendicular a r por X. Então, Q é o ponto da reta r mais próximo de X. Preliminares algébricas 39 Demonstração. Seja P um ponto qualquer de r. Como PQ ⊥ QX, o Teorema de Pitágoras nos fornece, ∥X − P∥2 = ∥X −Q∥2 + ∥Q− P∥2 . Assim, ∥X − P∥2 ≥ ∥X −Q∥2 com a igualdade verdadeira se, e somente se, P = Q. r rX r Q @ @ @ @ @ @ @r P Figura 1.13: Ponto Q é o ponto da reta r mais próximo de X. Definição 1.66. Sejam r uma reta qualquer e X um ponto qualquer do plano. Seja o ponto Q o pé da perpendicular à reta r, passando pelo ponto X. O número real d(X,Q) é chamado a distância do ponto X à reta r, e será denotado por d(X, r). Como uma consequência dos Teoremas 1.62 e 1.65 e da Definição 1.66, temos o seguinte resultado. Corolário 1.67. Sejam r uma reta com vetor unitário normal N , e X um ponto qualquer de R2. Se P é um ponto qualquer de r, então, d(X, r) = |⟨X − P,N⟩| . Definimos anteriormente retas paralelas, como retas distintas que não têm pontos em comum. Podemos agora, introduzir um critério para o paralelismo de retas. Teorema 1.68. Duas retas distintas r e s são paralelas se, e somente se, têm a mesma direção. Demonstração. Vamos supor que r e s têm diferentes direções, [u] e [v], respectivamente. Seja P um ponto qualquer de r, e Q um ponto qualquer de s. Como u e v não são linearmente dependentes, existem números reais α e β tais que P − Q = αu + βv. Isso significa que P −αu = Q+βv. Seja X = P −αu = Q+βv. Então X é um ponto comum de r e de s. Reciprocamente, vamos supor, por absurdo, que as retas r e s têm um ponto em comum, digamos Q. Podemos então escrever r = Q+ [u] e s = Q+ [v] para dois vetores não nulos. Como as retas r e s são distintas, temos que [u] ̸= [v]. Transformações em R2 40 Teorema 1.69. Sejam r, s e t retas do plano. Temos, a) Se r ∥ s e s ∥ t, então ou r = t ou r ∥ t. b) Se r ∥ s e s ⊥ t, então r ⊥ t. c) Se r ⊥ t e s ⊥ t, então ou r ∥ s ou r = s. Demonstração. Seja o vetor não nulo v, diretor da reta r. Pela definição 1.53 e pela Observação 1.54, existe um vetor v⊥, tal que 〈 v, v⊥ 〉 = 0. Considere ainda os pontos do plano P , Q e R, tais que P ∈ r, Q ∈ s e R ∈ t. a) Se r ∥ s então podemos escrever, para as retas r e s, que r = P +[v] e que s = Q+[v], e ainda r∩s = ∅. Como também temos que s ∥ t, podemos escrever que s = Q+[v] e t = R+ [v], sendo que s ∩ t = ∅. Assim, das condições, r = P + [v] e t = R+ [v], notamos que as retas r e t têm, ambas, a mesma direção . Logo se r∩ t = ∅ teremos r ∥ t. Caso contrário, r = t. b) Sendo r ∥ s, escrevemos que r = P + [v] e que s = Q+ [v], e ainda r ∩ s = ∅. Como agora s ⊥ t, temos que s = Q + [v] e t = R + [ v⊥ ] . Assim, como r = P + [v] e t = R + [ v⊥ ] , concluímos que r ⊥ t. c) Se r ⊥ t escrevemos, para as retas r e t que r = P + [v] e t = R + [ v⊥ ] . Sendo s ⊥ t, temos para as retas s e t que t = R + [ v⊥ ] e s = Q + [ v⊥ ]⊥ . Logo, vemos que r = P + [v] e que s = Q + [v]. Ou seja, as retas r e s têm a mesma direção, e portanto se r ∩ s = ∅, então r ∥ s. Caso contrário, teremos r = s. Teorema 1.70. Por um ponto não pertencente a uma reta qualquer, teremos uma única reta paralela à reta dada. Demonstração. Seja r uma reta qualquer e P um ponto qualquer do plano, tal que P /∈ r. O Teorema 1.63 nos garante que existe uma única reta s, passando por P e tal que s ⊥ r. Pelo mesmo Teorema 1.63, temos que pelo ponto P existe uma única reta, t, perpendicular à reta s, ou seja t ⊥ s. Como r ⊥ s e t ⊥ s, pelo Teorema 1.69, temos que ou r ∥ t ou r = t. Como P ∈ t e P /∈ r, temos que r ∥ t. Como essa reta t é a única perpendicular à reta s, e, consequentemente, é paralela à reta r, pelos Teorema 1.63 e 1.69, concluímos que a reta t é a única paralela à reta r passando pelo ponto P . 1.2 Transformações em R2 Nessa seção trataremos das chamadas transformaçõs do plano. Aplicações que, dado um ponto qualquer do plano, devolvem um outro também no plano. Discutiremos ao longo dessa parte, algumas transformações particulares, as chamadas isometrias. Mas antes disso, caracterizemos tais transformações. Definição 1.71. Uma transformação em R2 é definida por uma aplicação T : R2 → R2 que a cada ponto P ∈ R2 associa um ponto P ′ = T (P ) ∈ R2. Transformações em R2 41 Exemplo 1.72. Considere a aplicação T : R2 → R2 definida por, T (x, y) = (x,−y). Temos, i) P1 = (4, 4)⇒ T (P1) = (4,−4), ii) P2 = (2, 0)⇒ T (P2) = (2, 0), iii) P3 = (0,−2)⇒ T (P3) = (0, 2), iv) P4 = (−2,−3)⇒ T (P4) = (−2, 3). - x 6y −4 −3 −2 −1 1 2 3 4 −4 −3 −2 −1 1 2 3 4 0 rP1 rT (P1) rP3 rT (P3) r P4r T (P4) rT (P2) = P2 Figura 1.14: Transformação T . Definimos, então, a primeira dessas transformações no plano que, de fato, nos interes- sam. Definição 1.73. Para uma reta r, a reflexão por uma reta r é uma aplicação de R2 em R2 definida por, ΩrX = X − 2 ⟨X − P,N⟩N, onde N é um vetor unitário normal a r e P é um ponto qualquer de r. Exemplo 1.74. Considere a reta r que passa pelo ponto P = (−2, 3) e tem como vetor diretor v = (1, 1). Um vetor unitário normal a essa reta é dado por N = (√ 2 2 ,− √ 2 2 ) . Considere ainda o ponto X = (2, 10). Vamos determinar a reflexão desse ponto pela reta r. Incialmente, X − P = (2, 10)− (−2, 3) = (4, 7) . Agora, ⟨X − P,N⟩ = 〈 (4, 7), (√ 2 2 ,− √ 2 2 )〉 = 4 · √ 2 2 − 7 · √ 2 2 = −3· √ 2 2 Transformações em R2 42 Finalmente, ΩrX = X − 2 ⟨X − P,N⟩N = (2, 10)− 2 ( −3· √ 2 2 ) (√ 2 2 ,− √ 2 2 ) = (2, 10) + (3,−3) = (5, 7) - 6 qP qX q ΩrX � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �r −5 −4 −3 −2 −1 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Figura 1.15: Reflexão do ponto P pela reta r. Essa aplicação, reflexão por uma reta, tem as seguintes propriedades. Teorema 1.75. Sejam X, Y ∈ R2 e r uma reta do plano. Temos, a) d (ΩrX,ΩrY ) = d(X, Y ). b) ΩrΩrX = X c) Ωr : R2 → R2 é uma bijeção. Demonstração. a) Como, ΩrX − ΩrY = X − Y − 2 ⟨X − Y,N⟩N temos, ∥ΩrX − ΩrY ∥2 = ∥X − Y ∥2 − 4 (⟨X − Y,N⟩)2 + 4 (⟨X − Y,N⟩)2 ⟨N,N⟩ = ∥X − Y ∥2 − 4 (⟨X − Y,N⟩)2 + 4 (⟨X − Y,N⟩)2 = ∥X − Y ∥2 , pois ⟨N,N⟩ = 1. Transformações em R2 43 b) Temos que ΩrX = 2λN , onde λ = ⟨X − P,N⟩. Assim, ΩrΩrX = X − 2λN − 2 ⟨X − 2λN − P,N⟩N = X − 2λN − 2 ⟨X − P,N⟩N + 4λ ⟨N,N⟩N = X − 2λN − 2λN + 4λN = X c) Primeiro observamos que Ωr é injetiva. Se ΩrX = ΩrY , então, ΩrΩrX = ΩrΩrY e, pelo item (b), X = Y . Para mostrar que Ωr é sobrejetiva, seja Y ∈ R2 um ponto qualquer do plano. Seja X = ΩrY . Então ΩrX = Y , de modo que Y está na imagem de Ωr. Definição 1.76. Uma aplicação T : R2 → R2 é uma isometria se para quaisquer X, Y ∈ R2, d (T (X), T (Y )) = d(X, Y ). As isometrias têm algumas propriedades importantes que discutiremos agora em de- talhes. Teorema 1.77. Seja T : R2 → R2 uma isometria. T é injetiva. Demonstração. De fato, quaiquer que sejam X, Y ∈ R2 temos, T (X) = T (Y )⇒ d(X, Y ) = d (T (X), T (Y )) = 0⇒ X = Y. Teorema 1.78. Sejam os pontos P,Q ∈ R2 e T : R2 → R2 uma isometria. Sejam ainda P ′ = T (P ) e Q′ = T (Q) pontos de R2. Se X ∈ PQ, então X ′ = T (X) é tal que X ′ ∈ P ′Q′. Demonstração. De fato, se X ∈ PQ, então, d(P,X) + d(X,Q) = d(P,Q). Como T é uma isometria temos, d (T (P ), T (X)) + d (T (X), T (Q)) = d (T (P ), T (Q)) , e, d(P ′, X ′) + d(X ′, Q′) = d(P ′, Q′). Portanto, X ′ ∈ P ′Q′. Ou seja, uma isometria leva pontos colineares em pontos colineares. Outra caracterís- tica, isometrias transformam retas em retas. Teorema 1.79. Sejam r uma reta no plano e T uma isometria no plano. O conjunto s = T (r) é uma reta no plano. Transformações em R2 44 Demonstração. Considere os pontos P,Q ∈ r com P ̸= Q. Seja ainda a reta s que passa pelos pontos P ′ = T (P ) e Q′ = T (Q). Finalmente, considere um ponto X ∈ r qualquer. Devemos considerar três casos, X ∈ PQ, P ∈ XQ e Q ∈ PX. Se X ∈ PQ, pelo Teorema 1.78 segue que X ′ = T (X) ∈ PQ, e, portanto, X ′ ∈ s. Pela mesma razão, nos casos em que P ∈ XQ e Q ∈ PX, podemos concluir que T (r) ⊂ s. Por outro lado, considere um ponto qualquer X ′ ∈ s. Se X ′ = P ′ ou X ′ = Q′, então s ∈ T (R). Caso contrário, temos três casos a considerar, X ′ ∈ P ′Q′, P ′ ∈ X ′Q′ e Q′ ∈ P ′X ′. Supondo que X ′ ∈ P ′Q′ e ainda que X ∈ r∩PQ, tal que d(X,Q) = d(X ′, Q′). Pelo Teorema 1.78, obtemos que T (X) ∈ P ′Q′. Como T é uma isometria, temos, d (T (X), Q′) = d (T (X), T (Q)) = d(X ′, Q′) e, assim, X ′ = T (X). Logo, X ′ ∈ T (r), ou seja, s ⊂ T (r). Portanto, como T (r) ⊂ s e s ⊂ T (r), concluímos que s = T (r). E também, isometrias preservam o paralelismo de retas. Teorema 1.80. Seja T uma isometria em R2. Sejam r, s retas distintas e paralelas em R2. Então, r′ = T (r) e s′ = T (s) são retas paralelas. Demonstração. Pelo Teorema 1.79, r′ = T (r) e s′ = T (s) são retas no plano. Considere, por absurdo que existe um ponto Y ∈ r′ ∩ s′. Nesse caso teríamos Y = T (X1) = T (X2), com X1 ∈ r e X2 ∈ s. Como uma isometria é injetiva (Teorema 1.77), isso implicaria que X1 = X2, um absurdo, pois as retas r e s são retas paralelas e distintas. Logo as retas r′ e s′ são paralelas. Teorema 1.81. Toda isometria T : R2 → R2 preserva ângulos. Demonstração. Considere os pontos O,X, Y ∈ R2, bem como os pontos de R2 dados por O′ = T (O), X ′ = T (X) e Y ′ = T (Y ). Seja o ângulo X̂OY com vértice em O. Como T é uma isometria, temos, i) d(X, Y ) = d (T (X), T (Y )) = d(X ′, Y ′), ii) d(O,X) = d(T (O), T (X)) = d(O′, X ′), iii) d(O, Y ) = d (T (O), T (Y )) = d(O′, Y ′). Vemos então que os triângulos XOY e X ′O′Y ′ são congruentes, e, assim, os ângulos X̂OY e X̂ ′O′Y ′ são congruentes. Como consequência imediata desse teorema, temos o seguinte corolário. Corolário 1.82. Toda isometria transforma retas perpendiculares em retas perpendicu- lares. Finalmente, toda isometria é bijetora. Teorema 1.83. Toda isometria T : R2 → R2 é uma bijeção, e sua inversa, T−1 : R2 → R2 , é também uma isometria. Transformações em R2 45 Demonstração. Já sabemos do Teorema 1.77 que uma isometria é injetiva. Assim basta provar que uma isometria é sobrejetiva. Vamos demonstrar, agora, que T é sobrejetora. Para tanto, seja Y ∈ R2 um ponto qualquer do plano. Vamos mostrar que existe um ponto X ∈ R2 tal que T (X) = Y . Consideremos, então uma reta qualquer em R2. A imagem de r por T é uma reta r′ = T (r) ∈ R2 como garante o Teorema 1.79. Se Y ∈ r′, então, por definição, existe um ponto X ∈ r tal que T (X) = Y . Caso contrário, seja a reta s′, perpendicular à reta r′ e passando pelo ponto Y . Seja o ponto X ′ o ponto de intersecção das retas r′ e s′. Como X ′ ∈ r′, existe Z ∈ r tal que T (Z) = X ′. Seja s a reta perpendicular à reta r e passando pelo ponto Z. A imagem de s pela isometria T é perpendicular à reta r′ pelo Corolário 1.82, e contém o ponto X ′. Logo T (s) = s′. Como Y ∈ s′, então existe X ∈ s tal que T (X) = Y . Portanto T é sobrejetora, e assim, T é uma bijeção. Para demonstrar que a inversa é é uma isometria, consideremos X ′, Y ′ ∈ R2. Existem X, Y ∈ R2 tais que X ′ = T (X) e Y ′ = T (Y ), pois T é uma bijeção, e de modo que X = T−1(X ′) e Y = T−1(Y ′). Então, d(X ′, Y ′) = d(T (X), T (Y )) = d(X, Y ) = d(T−1(X ′), T−1(Y ′)). Logo T−1 : R2 → R2 é uma isometria. Teorema 1.84. Sejam T, S : R2 → R2 isometrias. Então, a) T ◦ S também é uma isometria. b) A aplicação identidade, I : R2 → R2 é isometria. Demonstração. a) Dados X, Y ∈ R2 temos, d (TS(X), TS(Y )) = d (T (S(X)) , T (S(Y ))) = d (S(X), S(Y )) = d(X, Y ) b) Dados X, Y ∈ R2 temos, d (I(X), I(Y )) = d(X, Y ) pois I(X) = X para qualquer X ∈ R2. Diante desses resultados, vemos que a reflexão por uma reta, como dada pela Definição 1.73 define uma isometria, em vista do item (a) do Teorema 1.75. Sabendo ainda que a composição de isometrias também define uma isometria, consideraremos a partir de agora diferentes composições de reflexões por retas. Vamos considerar, inicialmente, a composição de duas reflexões cujos eixos são para- lelos. Sejam r e s duas retas paralelas, e escolhamos um ponto arbitrário P em r, e um Transformações em R2 46 outro ponto, Q como o pé da perpendicular à reta s e que passa por P . Assim, se N é um vetor normal unitário à reta r, e consequentemente à s, obtemos, ΩrΩsX = ΩsX − 2 ⟨ΩsX − P,N⟩N = x− 2 ⟨X −Q,N⟩N − 2 ⟨X − P,N⟩N + 4 ⟨X −Q,N⟩ ⟨N,N⟩N = X + 2 ⟨P −Q,N⟩N e, finalmente obtemos, ΩrΩsX = X + 2(P −Q). (1.2) Ou seja, a composição ΩrΩs aplicada ao ponto X do plano, resulta em um novo ponto do plano, deslocado pelo vetor 2(P − Q). É claro que, ao escolhermos duas outras retas paralelas, r′ e s′ distintas das retas r e s, o deslocamento sofrido pelo ponto será diferente desse último, pois as retas r′ e s′ terão um espaçamento diferente. De qualquer forma, podemos então definir uma nova operação no plano, a chamada translação. Definição 1.85. Seja t uma reta qualquer e considere as retas r e s perpendiculares a t. A transformação ΩrΩs é chamada a translação ao longo da reta t. Se r ̸= s, a translação é chamada não trivial. Observação 1.86. A Definição 1.85, de translação, a única condição imposta às retas r e s é que ambas sejam perpendiculares à reta t. Assim duas diferentes retas r′ e s′, r′ ̸= r e s′ ̸= s, mas tais que r′ ⊥ t e s′ ⊥ t, teremos uma nova translação ao longo da reta t. Exemplo 1.87. Consideremos a reta t = (0, 0) + λ ( 1√ 2 , 1√ 2 ) , λ ∈ R. Além disso, sejam as retas r = (0, 0) + µ ( − 1√ 2 , 1√ 2 ) , µ ∈ R e s = (1, 1) + ν ( − 1√ 2 , 1√ 2 ) , ν ∈ R. Temos que as retas r e s são ambas perpendiculares à reta t. Seja ainda X = (x, y) um ponto qualquer do plano. A reflexão pela reta s é dada por, ΩsX = X − 2 ⟨X − P,N⟩N, onde P = (1, 1) ∈ s e N1 = ( 1√ 2 , 1√ 2 ) , o vetor unitário normal à reta s. Temos então que, ΩsX = X − 2 ⟨X − P,N⟩N = (x, y)− 2 ⟨(x− 1, y − 1), N⟩N = (x, y)− 2 1√ 2(x+ y − 2)N = (−y + 2,−x+ 2) Agora, para a reflexão pela reta r, consideramos o ponto P = (0, 0) ∈ R e o vetor unitário normal à reta r, dado por N = ( 1√ 2 , 1√ 2 ) . Assim, ΩrΩsX = ΩsX − 2 ⟨ΩsX − P,N⟩N = (2− y, 2− x)− 2 ⟨(2− y, 2− x), N⟩N = (2− y, 2− x)− 2√ 2(4− x− y)N = (2− y, 2− x)− (4− x− y, 4− x− y) = (x− 2, y − 2) Finalmente, considerando os pontos X = (x, y) e Y = ΩrΩsX = (x−2, y−2), notamos que o vetor −−→XY é tal que, −−→ XY = (x− 2− x, y − 2− y) = (−2,−2) ∈ [v] onde v = ( 1√ 2 , 1√ 2 ) é o vetor diretor da reta t. Assim, de fato, ΩrΩsX é uma translação ao longo da reta t. Transformações em R2 47 Teorema 1.88. Seja T uma translação ao longo de t. Se t′ é qualquer reta paralela a t, então T é também uma translação ao longo de t′. Demonstração. Pela Definição 1.85, uma translação ao longo da reta t é definida como a composição das reflexões pelas retas m e n, sendo m ⊥ t e n ⊥ t. Ou seja T = ΩmΩn. Agora considere uma outra reta t′ ̸= t tal que t′ ∥ t. Pelo Teorema 1.69, as retas m e n são tais que m ⊥ t′ e n ⊥ t′. Ou seja, T = ΩmΩn também é uma translação ao longo da reta t′. Teorema 1.89. Seja T uma translação não trivial ao longo da reta r. Então r tem um vetor diretor v tal que, T (X) = X + v, (1.3) para todo X ∈ R2. Reciprocamente, se v é qualquer vetor não nulo e r é qualquer reta com vetor diretor v, então a transformação definida pela equação 1.3 é uma translação ao longo de r. Demonstração. Seja N um vetor unitário diretor para r. Seja P um ponto arbitrário de R2. Sejam α e β duas retas distintas e perpendiculares a r (Ver Figura 1.16). Sejam a e b os únicos números reais tais que P + a N ∈ α e P + b N ∈ β1. Temos, então, ΩαΩβX = X + 2(P + aN − P − bN) = X + 2(a− b)N Se T ̸= I, devemos ter a ̸= b, de modo que 2(a − b)N é o vetor diretor requerido. Reciprocamente, suponha que para cada número real λ = 2(a− b) definimos a aplicação Tλ por, TλX = X + λN. Se a e b são dois reais quaiquer tais que λ = 2(a− b), construímos α = P + aN + [ N⊥ ] e β = P + bN + [ N⊥ ] e observamos que Tλ = ΩαΩβ. Definição 1.90. O conjunto de todas as retas perpendiculares a uma dada reta r de R2 é denominado um feixe de retas perpendiculares à reta r. A reta r é a perpendicular comum para o feixe. Teorema 1.91. Dadas as translações Tu e Tv, temos que TuTv = Tu+v. Demonstração. A partir do Teorema 1.89, podemos escrever que, TuTvX = Tu(X + µN) = X + µN + λN = X + (µ+ λ)N = Tµ+λX Analogamente, TµTλ = Tλ+µ. Corolário 1.92. Dada a translação Tλ temos que T−1 λ = T−λ. 1Como estamos escrevendo as equações das retas na forma paramétrica, segundo a Observação 1.46, existem tais números reais a e b de modo que os pontos em questão situam-se sobre as respectivas retas. Transformações em R2 48 r β α sX sX ′ sX ′′ Figura 1.16: ΩαΩβ é a translação ao longo de r por uma soma igual a duas vezes d(α, β). Demonstração. Se nas condições do Teorema 1.91, fizermos λ = 0, temos que T0 = I, e como TλT−λ = T0 = I, obtemos que T−1 λ = T−λ. Teorema 1.93. Sejam r, s, t três retas de um feixe P com uma perpendicular comum, m. Nessas condições, existe uma única quarta reta, u desse feixe tal que, ΩrΩsΩt = Ωu. Demonstração. Como na demonstração do Teorema 1.89, a composição de duas reflexões pelas retas s e t poderia ser escrita na forma, ΩsΩtX = X + 2(µ− ν)N, onde N é um vetor unitário diretor para a reta m. Temos, ΩsΩtX = T2(µ−ν)X, onde, T2(µ−ν)X = X + 2(µ− ν)N. Assim, ΩrΩsΩtX = ΩrT2(µ−ν)X = Ωr(X + 2(µ− ν)N) = Ωr(X + ωN) onde ω = 2(µ− ν). Seguindo, temos, ΩrΩsΩt = X + ωN − 2 ⟨X + ωN − P − λN,N⟩N = X − 2 ⟨X − P,N⟩N + (2λ− µ)N = X − 2 ⟨X − P,N⟩N + 2(λ− µ+ ν)N = X − 2 ⟨X − (P + (λ− µ+ ν)N), N⟩N Essa última expressão nos fornece a reflexão pela reta u ∈ P , passando pelo ponto P+δN , onde δ = λ − µ + ν. Assim, a composição de três reflexões de retas em P é uma quarta reflexão or uma reta do mesmo feixe P . Transformações em R2 49 � � � � � � � � � � � � � � � � � � @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @@ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @@ r Figura 1.17: Feixe de retas paralelas Teorema 1.94. Considere as retas r e s, ambas perpendiculares à reta t. Pela defini- ção (1.85) a composição T = ΩrΩs define uma translação. Sejam m e n retas também perpendiculares à reta t. Nesse caso, existem e são únicas as retas m′ e n′ tais que, T = ΩmΩm′ = Ωn′Ωn. Demonstração. Aplicando o Teorema 1.93 as retas m, r e s, obtemos uma única reta m′ tal que ΩmΩrΩs = Ωm′ . Aplicando-se Ωm a ambos os lados dessa última igualdade, obtemos ΩrΩs = ΩmΩm′ . A reta n′ é obtida de forma análoga. Vejamos, agora, o que ocorre com a composição de duas reflexões dadas por retas que se intersectam. Mas antes, vamos demonstrar um resultado que será importante no decorrer da discussão. Lema 1.95. Sejam a e b números reais tais que a2 + b2 = 1. Então existe um único θ ∈ (−π, π] tal que a = cos θ e b = sen θ. Demonstração. Seja u = arccos a, ou em outras palavras a = cosu. Temos que, sen2 u+ cos2 u = 1 sen2 u = 1− cos2 u sen u = √ 1− cos2 u |b| = √ 1− a2 Observamos que u ∈ [0, π]. Se b > 0 escolhemos u = θ. De outra maneira, u = −θ. Então cos θ = a e sen θ = b. A unicidade vem do seguinte fato. Qualquer solução θ pertence ao intervalo (−π, 0), se b < 0 ou ao intervalo (0, π), se b > 0. Como a função cosseno é injetiva em ambos os intervalos. somente um valor de θ é possível. Quando b = 0, θ deve ser ou −π ou 0. Um desses é válido para a = −1, enquanto que o outro o é para a = 1. Transformações em R2 50 Seja m = P + [v] uma reta com vetor diretor unitário v, passando pelo ponto P = (x1, y1). Agora, de acordo com o Lema 1.95, existe um único número real α ∈ (−π, π] tal que, v = (cosα, senα). O vetor unitário normal pode ser escrito como, N = (− senα, cosα). - 6 qP � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �r � � � � �� v @ @ @ @ @I N � � � � ��v q cosα qsenα α Figura 1.18: Reta r que tem v = (cosα, senα) por vetor diretor. Agora obervamos que, ΩrX = X − 2 ⟨X − P,N⟩N, ΩrX − P = X − P − 2 ⟨X − P,N⟩N. Seja agora r0 uma reta pela origem e com direção [v]. Então, Ωr0X = X − 2 ⟨X,N⟩N. Logo, ΩrX − P = Ωr0(X − P ), ou, ΩrX = Ωr0(X − P ) + P. Em outras palavras, Ωr = TPΩr0T−P , (1.4) onde TP , é a translação pelo vetor P , cuja origem coincide com a origem do plano carte- siano. Transformações em R2 51 Observação 1.96. Para qualquer X ∈ R2, notamos que, ⟨X,N⟩ = −x1 senα + y1 cosα. Assim, escrevendo vetores como matrizes coluna, obtemos, Ωr0 [ x1 y1 ] = [ x1 y1 ] − 2(−x1 senα + y1 cosα) [ − senα cosα ] = [ (1− 2 sen2 α)x1 + (2 + senα cosα)y1 (2 + senα cosα)x1 + (1− 2 cos2 α)y1 ] = [ cos 2α sen 2α sen 2α − cos 2α ] [ x1 y1 ] Logo, vemos que a aplicação Ωr0 : R2 → R2 é linear. Denotaremos a matriz associada a tal aplicação por Rα. Tal matriz representa a reflexão pela reta passando pela origem cujo vetor diretor é (cosα, senα), Rα = [ cos 2α sen 2α sen 2α − cos 2α ] Vamos observar a álgebra subjacente a tais matrizes. Para tando, consideraremos outra reta s passando pelo ponto P e a reta associada, passando pela origem s0. Se (cos β, sen β) é o vetor diretor de s, temos que, Rβ = [ cos 2β sen 2β sen 2β − cos 2β ] Agora, para o produto RαRβ, vemos que, RαRβ = [ cos 2(α− β) sen 2(α− β) sen 2(α− β) − cos 2(α− β) ] Como essa aplicação linear leva em conta a base canônica, associando e1 a v = (cos θ, sen θ) e e2 a v⊥ = (− sen θ, cos θ), é razoável pensarmos em Rθ como uma rota- ção por um ângulo de medida θ (radianos) no sentido anti-horário, onde θ = 2 · (α− β). Assim, com essa interpretação da composição de duas reflexões por retas concorrentes em um ponto P , podemos definir a rotação ao redor de um ponto P . Definição 1.97. Se r e s são retas passando pelo ponto P , a aplicação ΩrΩs é chamada de rotação ao redor de P . Considerando que os vetores diretores unitários dessas retas são, respectivamente (cosα, senα) e (cos β, sen β), o ângulo de rotação, no sentido anti- horário terá medida θ = 2 · (α − β). O caso particular em que r = s, temos a aplicação identidade, não importando qual seja o ponto P . Se a rotação não é a identidade, é chamada de não trivial. Se r ⊥ s, a rotação ΩrΩs é chamada meia-volta, ou ainda que o ângulo de rotação tem medida igual a π rad. Exemplo 1.98. Consideremos as retas s : (0, 0) + [u], onde u = (1, 1) e r = (0, 0) + [v] com v = (1, 2). Ambas as retas passam pela origem do plano cartesiano. A composição ΩrΩs nos dará a rotação ao redor da origem. Para isso consideremos primeiro a reflexão Transformações em R2 52 q P � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �r s qX ′′ qX ′ qX θ Figura 1.19: ΩrΩs é a rotação ao redor de P pelo ângulo 2θ. pela reta s. Assim sejam P = (x, y) um ponto qualquer do plano, e seja Ns = 1√ 2(−1, 1) um vetor unitário normal à reta s. Temos que, ΩsX = X − 2 ⟨X − P,Ns⟩Ns = (x, y)− 2 1√ 2 ⟨(x, y), (−1, 1)⟨Ns = (x, y)− 2 1√ 2(−x+ y)Ns = (x, y)− (−x+ y)(−1, 1) = (y, x) Agora, para a reta r, temos que um vetor unitário normal à mesma é dado por Nr = 1√ 5(−2, 1). Considerando ainda o ponto P = (0, 0), obtemos, ΩrΩs = Ωr(y, x) = (y, x)− 2 ⟨(y, x), Nr⟩Nr = = (y, x)− 2√ 5(−2y + x)Nr = (y, x)− 2 5(−2y + x)(−2, 1) = 1 5(4x− 3y, 3x+ 4y) Teorema 1.99. Sejam r, s e t três retas passando por P . Então existe uma única reta, u, passando por P tal que, ΩrΩsΩt = Ωu Demonstração. Lembrando que TP define a translação por um vetor P , temos, Ωr = TPRθT−P , Ωs = TPRϕT−P , e, Ωr = TPRψT−P , Transformações em R2 53 Temos, então, ΩrΩsΩt = (TPRθT−P ) (TPRϕT−P ) (TPRψT−P ) = TPRθ (T−PTP )Rϕ (T−PTP )RψT−P = TPRθRϕRψT−P = TPRθRϕ−ψT−P = TPRθ−ϕ+ψT−P . Portanto, devemos escolher u tal que, Ωu = TPRθ−ϕ+ψT−P . Em outras palavras, u é a reta passando por P e com vetor diretor (cos(θ − ϕ+ ψ), sen(θ − ϕ+ ψ)). Teorema 1.100. Seja T = ΩrΩs uma rotação qualquer, e considere t uma reta qualquer passando pelo ponto P . Então existem e são únicas, as retas m e m′, passando por P , tais que, T = ΩtΩm = Ωm′Ωt Demonstração. Dadas as retas r, s e t, todas passando pelo ponto P , o Teorema 1.99 nos garante que existe uma única reta m, passando pelo ponto P , tal que ΩtΩrΩs = Ωm. Agora fazemos, ΩtΩrΩs = Ωm Ωt (ΩtΩrΩs) = ΩtΩm (ΩtΩt) (ΩrΩs) = ΩtΩm ΩrΩs = ΩtΩm De maneira idêntica, dadas as retas r, s e t, passando pelo ponto P , o Teorema 1.99, nos diz que existe a reta m′ tal que ΩrΩsΩt = Ωm′ . Agora, ΩrΩsΩt = Ωm′ (ΩtΩrΩs) Ωt = Ωm′Ωt (ΩrΩs) (ΩtΩt) = Ωm′Ωt ΩrΩs = Ωm′Ωt Definição 1.101. Seja a reta r = P + [v], onde P é um ponto qualquer do plano e v é um vetor não nulo de R2. A reflexão com deslizamento dada pela reta r e pelo vetor v é definida por TvΩrX = X − 2 ⟨X − P,N⟩N + v onde N é o vetor normal unitário, v⊥ ∥v∥ , e a reta r é denominada eixo da reflexão com deslizamento. Transformações em R2 54 r @ @ @ � � � Figura 1.20: Reflexão com deslizamento. Exemplo 1.102. Considere a reta r = (0, 0) + [v], onde v = (1, 1). Seja ainda o ponto qualquer do plano cartesiano, X = (x, y). Um vetor unitário normal á reta r é dado por N = 1√ 2(−1, 1). Desse modo, a reflexão com deslizamento tendo como eixo a reta r será dada por TvωrX = X − 2 ⟨X − P,N⟩N + v. Considerando o ponto da reta P = (0, 0), temos, TvωrX = X − 2 ⟨X − P,N⟩N + v = (x, y)− 2√ 2 ⟨(x, y), (−1, 1)⟩N + (1, 1) = (x, y)− 2√ 2(−x+ y)N + v = (x, y)− (−x+ y)(−1, 1) + (1, 1) = (y + 1, x+ 1) Se considerarmos os pontos A = (2, 0), B = (4, 0) e C = (4, 2), teremos TvωrA = (3, 1), TvωrB = (5, 1) e TvωrC = (5, 3). Figura 1.21: Reflexão com deslizamento para os pontos A, B e C. Observação 1.103. Observamos que a translação, Tv, comuta com a reflexão, Ωr. De Transformações em R2 55 fato, ΩrTvX = X = v − 2 ⟨X + v − P,N⟩N = X + v − 2 ⟨X − P,N⟩M pois ⟨v,N⟩ = 0. Portanto, não há qualquer ambiguidade na definição da reflexão com deslizamento. Observação 1.104. Caso Tv = I, a reflexão com deslizamento é chamada de trivial. Teorema 1.105. Sejam r, s e t três retas distintas que não são, duas a duas, concorrentes ou paralelas. Nessas condições, ΩrΩsΩt é uma reflexão com deslizamento não trivial. Demonstração. Vamos assumir que r e s intersectam-se no ponto P . Seja u uma reta perpendicular à reta t. Seja Q o ponto de intersecção das retas u e t. Pelo Teorema 1.100, existe uma reta m passando por P tal que, ΩrΩs = ΩmΩu ⇒ ΩrΩsΩt = ΩmΩuΩt Seja, agora, a reta n passando por Q e perpendicular à reta m, e seja n′ a reta passando por Q perpendicular à reta n. Agora, ΩuΩt = Ωn′Ωn é uma rotação de π rad ao redor de Q. Como consequência, ΩrΩsΩt = ΩmΩn′Ωn. Observamos que ΩmΩn′ é uma translação ao longo de n. Como Q não pertence a m, n′ e m são retas distintas. Assim ΩrΩsΩt é uma reflexão com deslizamento não trivial. Se r não intersecta s mas, s intersecta t, aplicamos o mesmo argumento a ΩtΩsΩr = (ΩrΩsΩt)−1. Se deduzimos que ΩtΩsΩr = TvΩu, então ΩrΩsΩt = (TvΩu)−1 = ΩuT−v = T−vΩu a qual também é uma reflexão com deslizamento não trivial. Teorema 1.106. Sejam T uma reflexão com deslizamento, e Ωr qualquer reflexão. Então ΩrT ou é uma translação ou uma rotação. Demonstração. Seja m o eixo da reflexão com deslizamento T . Existem dois casos a serem considerados. São eles, Caso 1. m intersecta r. Seja P o ponto de intersecção. Pelo Teorema 1.93, podemos escrever T = ΩmΩαΩβ, onde α passa pelo ponto P e α e β são perpendiculares, ambos a m. Então, ΩrT = ΩrΩmΩαΩβ. Mas r,m, α passam pelo ponto P . Assim, existe uma reta γ passando por P tal que ΩrT = ΩγΩβ. Logo ΩrT ou é uma translação ou uma rotação. Caso 2. m ∥ r. Nesse caso, temos ΩrT = ΩrΩmΩαΩβ = ΩrΩαΩmΩβ. Observando que α ⊥ r e β ⊥ m, vemos que ΩrΩα e ΩmΩβ são meia-voltas distintas. Logo ΩrT é uma translação. Frisos e ornamentos 56 Como vimos, a partir dos resultados anteriores, cada uma das operações de translação, rotação e translação com deslizamento são obtidas a partir de uma composição de reflexões por retas adequadas. Assim, podemos afirmar que as mesmas são as isometrias do plano. Teorema 1.107. As operações de reflexão por uma reta (Definição 1.73), translação (De- finição 1.85), rotação (Definição 1.97) e translação com deslizamento (Definição 1.105) são isometrias do plano. Demonstração. A reflexão por uma reta é uma isometria com já demonstrado no item (a) do Teorema 1.75. Como as demais operações são obtidas como composições de reflexões por retas, escolhidas adequadamente, o Teorema 1.84 garante que enquanto composições de isometrias, as mesmas também são isometrias. 1.3 Frisos e ornamentos O conceito de simetria perpassa diversos campos do conhecimento humano. Está presente nas Artes, de modo geral, mas pode ser um critério taxonômico em Biologia, por exemplo. Em Matemática, e, em particular na Geometria, não seria diferente. Considere, por exemplo, um triângulo equilátero como mostrado na Figura 1.22. Consideremos o triângulo equilátero ABC, e também a reta que passa pelo vértice C do triângulo e é perpendicular ao lado AB, como mostrado na Figura 1.22 (a). Agora, definimos uma operação de reflexão por tal reta, de modo que essa transformação é tal que, i) ΩrA = B, ii) ΩrB = A, iii) ΩrC = C. Notamos que o triângulo obtido é visualmente idêntico ao original. Figura 1.22: Reflexão por uma reta passando pelo centro do triângulo Finalmente, consideremos, o triângulo equilátero ABC, bem como seu baricentro, o ponto O, como mostrado na Figura 1.23 (a). Consideremos uma rotação por um ângulo de medida 2·π 3 rad, ao redor do ponto O e no sentido anti-horário. A figura resultante é mostrada na Figura 1.23 (b). Vemos que, Frisos e ornamentos 57 i) ΩrA = B, ii) ΩrB = C, iii) ΩrC = A. E como no caso anterior, obtivemos um triângulo visualmente idêntico ao original. Em todos esses dois casos, partindo-se de uma mesma figura, no caso um triângulo equilátero, obtivemos, após a aplicação dessas transformações, uma mesma figura e idêntica à figura original. Vamos, no que se segue, explorar figuras planas que, quando submetidas a uma, ou uma combinação das transformações discutidas anteriormente, deixam tal figura invariante. Figura 1.23: Rotação ao redor do centro do triângulo Primeiramente, vamos formalizar alguns conceitos. Começamos com a seguinte defi- nição. Definição 1.108. Qualquer subconjunto de pontos do plano define uma figura. Figura 1.24: Figuras no plano. Para algumas figuras assim definidas, podemos analisar do ponto de vista estático as propriedades métricas dessas figuras, como por exemplo, medidas das arestas, dos ângulos internos, sua área, e assim por diante. Mas podemos analisar essa figura dinamicamente, Frisos e ornamentos 58 ou seja, determinar quais composições das isometrias do plano que a deixam invariante ou fixa.. Como vimos anteriormente, tais isometrias são quatro, a saber, reflexão por uma reta, translação, rotação e reflexão com deslizamento. Mais precisamente, definimos uma simetria. Definição 1.109. Considere uma figura plana F qualquer. Uma simetria de uma figura plana F é uma isometria, ou uma composição de isometrias, ψ : R2 → R2 que deixa a figura invariante, ou seja, ψ(F) = F . Ou seja, dada a figura F , se existe uma transformação qualquer, Ω, tal que Ω(F) = F , a figura F exibe uma simetria, relativa a essa transformação. Assim à luz da Definição 1.109, o triângulo equilátero, como discutido nos parágrafos iniciais dessa seção, exibe, ao menos, duas simetrias, uma relativa à reflexão por uma reta, e uma segunda, relativa à rotação. Obviamente, a Identidade é uma simetria de qualquer figura, e sendo assim chamada de simetria trivial. Definição 1.110. Uma figura F qualquer do plano é chamada simétrica se além da simetria trivial possui uma outra simetria qualquer. Exemplo 1.111 (Simetrias do quadrado). Vamos determinar para um quadrado, todas as possíveis simetrias do mesmo.. Dado o quadrado ABCD, inicialmente, traçamos a diagonal AC, como mostrado na figura 1.25. � � � � � � A B CD Figura 1.25: Diagonal do quadrado Pela reta suporte da referida diagonal, ←→AC podemos realizar a reflexão do quadrado, a qual o torna invariante. Vamos denotar tal operação por ωAC . É evidente que , se aplicarmos uma segunda vez tal operação, obteremos o quadrado em sua confinguração inicial. Ou seja, ωACωAC = Id. De maneira análoga, podemos definir a reflexão pela reta suporte da diagonal BD, ou seja, a transformação ωBD. Considerando ainda as diagonais AC e BD, as mesmas se intersectam em um ponto O, centro do quadrado. Podemos agora, definir uma nova transformação, a rotação em sentido anti-horário ao redor do ponto O. Para tanto consideraremos os seguintes ângulos de rotação, π 2 rad, π rad, 3·π 2 rad e 2 · π rad, como mostrado na Figura 1.27. Observamos que uma rotação de 2 · π rad resulta na identidade. Assim aqui temos as transformações, θπ 2 , θπ e θ 3·π 2 . Finalmente, consideremos os pontos médios dos lados AB e CD, M N , respepecti- vamente. Consideremos ainda a reta suporte do segmento de reta MN . Definimos uma nova transformação, a reflexão pela reta ←−→MN , como mostrado na Figura 1.28. Frisos e ornamentos 59 (a) � � � � � � A B CD (b) � � � � � � A D CB Figura 1.26: Reflexão por uma diagonal, (a) quadrado original, (b) quadrado após refle- xão. (a) q O D A BC (b) q O C D AB (c) q O B C DA (d) q O A B CD Figura 1.27: Rotação ao redor do ponto O por um ângulo de (a) π 2 rad, (b) π rad, (c) 3·π 2 , rad, (d) 2 · π r