GETÚLIO MAKOWSKI DE OLIVEIRA PRADO ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS ASSOCIADAS AO HIFEMA EM CÃES Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação apresentado à Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, SP, para obtenção do grau de médico veterinário Preceptor: Profª Adjunto Regina Kiomi Takahira Botucatu 2010 GETÚLIO MAKOWSKI DE OLIVEIRA PRADO ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS ASSOCIADAS AO HIFEMA EM CÃES Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação apresentado à Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, SP, para obtenção do grau de médico veterinário Área de Concentração: Clínica e Cirurgia Veterinária Preceptor: Profª Adjunto Regina Kiomi Takahira Coordenador de Estágios: Profa. Ass. Dra. Vânia Maria de V. Machado Botucatu 2010 “O céu não está em cima, ou embaixo ou à direita ou à esquerda; está no centro do peito do homem que tem fé” Salvador Dalí À minha mãe, pelo seu grande sonho de ser um dia Médica Veterinária. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Josué e Fátima, pelo amor e absoluta dedicação à minha educação e a dos meus irmãos, Josué, Rebeca e Benjamin, que também sempre me apoiaram; À minha madrinha Fafá, por toda sua ajuda, fundamental à minha formação; Aos amigos da minha República, Rancho da Goiabada, que me acolheram. Considero hoje e sempre meus grandes irmãos; Aos meus amigos de turma, que me proporcionaram os melhores e inesquecíveis momentos da minha vida; À Profª Regina, que acima de ser minha orientadora, é uma grande amiga, um exemplo de profissional e sabedoria a ser seguido. À Camila e Carla, colegas de projeto, por trabalharmos juntos e conquistarmos bons resultados. Tenho a honra de nos tornarmos grandes amigos; Aos meus avós, pela experiência e doçura dos seus conselhos; À FMVZ, professores e funcionários, pelo ensino e infraestrutura de excelência que me proporcionaram uma ótima formação; Aos animais que participaram do meu ensino, pelos momentos nobres de sacrifício, às vezes até pela perda de suas vidas. PRADO, GETÚLIO MAKOWSKI DE OLIVEIRA. Alterações hematológicas associadas ao hifema em cães. Botucatu, 2010. 20p. Trabalho de conclusão de curso de graduação (Medicina Veterinária, Área de Concentração: Clínica e Cirurgia Veterinária) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. RESUMO Hifema é uma hemorragia intra-ocular que pode resultar de muitas alterações oculares e/ou distúrbios sistêmicos. É um importante sinal clínico, pois pode aparecer nos estádios iniciais de algumas enfermidades ou alterações hematológicas, servindo como um marcador inicial para um diagnóstico precoce. Os distúrbios hematológicos que predispõem os animais a manifestarem o hifema são: Trombocitopenia, Doença de von Willebrand, Síndrome de Scott, Coagulação Intravascular Disseminada e Síndrome da Hiperviscosidade Sanguínea por Mieloma Múltiplo. Cada um dos diagnósticos diferenciais causados por alterações hematológicas a partir do aparecimento de hifema em cães apresenta relevância clínica e manifestações oculares próprias. Palavras Chave: Cão, Coagulação Intravascular Disseminada, Hemostasia, Hifema, Síndrome da Hiperviscosidade Sanguínea. PRADO, GETÚLIO MAKOWSKI DE OLIVEIRA. Hematological changes associated with hyphema in dogs. Botucatu, 2010. 20p. Trabalho de conclusão de curso de graduação (Medicina Veterinária, Área de Concentração: Clínica e Cirurgia Veterinária) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. ABSTRACT Hyphema is an intraocular hemorrhage that can result from many ocular and/or systemic disorders. It is an important clinical sign, since it may appear in the initial stages of some diseases or haematological disorders, acting as an initial marker for early diagnosis. The hematologic disturbances that predispose animals to present hyphema are: Thrombocytopenia, von Willebrand Disease, Scott Syndrome, Disseminated Intravascular Coagulation and Hyperviscosity Syndrome due to Multiple Myeloma. Each of the differential diagnoses due to hematological changes from the appearance of hyphema in dogs shows clinical relevance and particular ocular signs. Keywords: Dog, Disseminated Intravascular Coagulation, Hemostasis, Hyphema, Hyperviscosity Syndrome SUMÁRIO RESUMO.................................................................................. 6 Abstract.................................................................................... 7 SUMÁRIO................................................................................. 8 INTRODUÇÃO.......................................................................... 9 1 TROMBOCITOPENIA.................................................... 10 2 DOENÇA DE VON WILLEBRAND................................. 11 3 SÍNDROME DE SCOTT................................................. 13 4 COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA...... 14 5 SÍNDROME DA HIPERVISCOSIDADE SANGÜÍNEA.... 16 CONCLUSÃO............................................................................ 17 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................... 18 9 INTRODUÇÃO O hifema é uma hemorragia no interior do olho, mais especificamente, na região da câmara anterior (espaço situado entre a córnea e a íris). Quando os vasos uveais ou retinianos são lesionados, rompidos ou anormalmente formados, tal hemorragia se manifesta como hifema de origem traumática contusa ou perfurante. Já o hifema não traumático pode resultar de muitas alterações oculares e/ou distúrbios sistêmicos (GELATT, 2003). Como alterações oculares, o hifema pode ser formado a partir da uveíte, do glaucoma crônico, anomalias congênitas (anomalia do olho do Collie, displasia vitreorretiniana ou artéria hialóide persistente) e por neovascularização da íris ou da retina (GELATT, 2003). Os distúrbios sistêmicos podem ser causados por hipertensão ou por alterações hematológicas. Dentre as alterações hematológicas, podemos citar os distúrbios de hemostasia primária (Trombocitopenia, Doença de von Willebrand e Síndrome de Scott), a Coagulação Intravascular Disseminada e a Síndrome da Hiperviscosidade Sanguínea (síndrome paraneoplásica com maior incidência a partir de mieloma múltiplo) (FELDMAN, 2000; GELATT, 2003; DALECK et al., 2009). O hifema é um importante sinal clínico, pois pode aparecer nos estádios iniciais destas enfermidades citadas, servindo como um marcador inicial para um diagnóstico precoce (LEIVA et al., 2005; DALECK et al., 2009). Este trabalho tem por objetivo tratar dos diagnósticos diferenciais causados por alterações hematológicas a partir da manifestação do hifema em cães, já que há uma escassez de informações na literatura veterinária, em especial na área de oftalmologia. 10 1. TROMBOCITOPENIA: A trombocitopenia é a diminuição no número de plaquetas circulantes, sendo um dos distúrbios hematológicos mais identificados em medicina veterinária (ZIMMERMAN, 2000). Esta pode ocorrer em diversas doenças e suas causas incluem: consumo, diminuição da produção, destruição e seqüestro das plaquetas. Causas iatrogênicas ou acidentes hemorrágicos também podem levar à perda de componentes sanguíneos e, portanto, promover a trombocitopenia (SCOTT, 2000; STOCKHAM & SCOTT, 2002). Nas trombocitopenias por consumo e destruição ocorre produção normal de plaquetas. Essas são utilizadas em processos hemostáticos (fisiológicos ou patológicos) ou sofrem dano direto ou remoção por fagocitose imunomediada, que é o mecanismo mais usual (STOCKHAM & SCOTT, 2002). A associação da trombocitopenia com a presença de lesões oculares em cães foi estatisticamente significativa, segundo Shelah-Gordy et al.(2009). Em seu estudo, os autores consideraram o hifema como uma lesão grave, por causar um impacto na saúde ocular e/ou comprometer a função visual. A prevalência do hifema comparada com as outras lesões oculares foi aproximadamente 11% nos cães avaliados. A trombocitopenia imunomediada pode ser primária ou secundária, mas, de maneira geral, ocorre quando o sistema imune de um animal produz anticorpos que se ligam direta ou indiretamente as suas próprias plaquetas, acelerando a destruição pelo sistema mononuclear-fagocitário (STOCKHAM & SCOTT, 2002). Numa avaliação retrospectiva das causas de trombocitopenia de 987 cães, Grindem et al. (1991) constataram que a de origem imunomediada apresentou a segunda de maior prevalência, correspondendo a 23% do total. Relataram também a predisposição racial do Doberman a desenvolver este tipo de trombocitopenia. 11 Muitas doenças, principalmente infecções (Ehrlichia, Mycoplasma, Leptospira, Leishmania), podem, também, ocasionar trombocitopenia por mais de uma causa durante a sua evolução. Além da destruição imunomediada, o seqüestro por esplenomegalia, o consumo por vasculite ou diminuição da produção por hipoplasia/aplasia ou a infecção direta da medula podem estar envolvidos (STOCKHAM & SCOTT, 2002). Leiva et al. (2005) associaram lesões oculares em cães com trombocitopenia por Ehrlichiose Monocítica Canina (EMC). Constataram que 37% dos casos, com EMC diagnosticada por sorologia, apresentaram lesões oculares, e, deste percentual, 29,4% apresentaram, como sinal, hifema ou hemorragias da retina. Harrus et al. (1998) e Komnenou et al. (2007) relataram alta incidência de hifema, hemorragia ou descolamento da retina em relação às outras alterações oculares em cães com trombocitopenia por Ehrlichiose Monocítica Canina. O diagnóstico da trombocitopenia pode ser obtido pela contagem absoluta das plaquetas. Sua patogenia pode ser identificada pela avaliação do esfregaço sanguíneo, interrupção de medicamentos com reavaliação seriada, aspiração de medula óssea, sorologias, imunofluorescência direta, PCR, radiografias abdominais e ultra- sonografias, a depender do histórico e dos sinais clínicos do cão (NELSON & COUTO, 2006). 2. DOENÇA DE VON WILLEBRAND: O Fator de von Willebrand (FvW) é uma grande glicoproteína plasmática, importante na adesão e na agregação plaquetária. A maior parte é produzida pelas células endoteliais e sua função é formar pontes 12 entre as paredes vasculares danificadas com as plaquetas, e contribuir para a formação de pontes plaqueta a plaqueta (STOCKHAM & SCOTT, 2002). A Doença de von Willebrand (DvW) é um distúrbio de hemostasia primária causado por uma deficiência no FvW. É o distúrbio hemorrágico hereditário mais comum em cães e raro nos felinos (THOMAS, 1996). A DvW pode ser classificada em 3 tipos: diminuição da concentração ou atividade do FvW (tipo I), concentrações normais ou baixas de um FvW anormal (tipo II) ou ausência do FvW circulante (tipo III) (NELSON & COUTO, 2006). Apesar de já ter sido diagnosticada em mais de 50 raças de cães, a DvW possui alta prevalência entre Doberman, Pastor Alemão, Golden Retrivers e Poodle (KRAUS & JOHNSON, 1989; NELSON & COUTO, 2006; MATTOSO et al., 2010). Os sinais clínicos mais comuns da DvW são hemorragias de mucosa e tempo de sangramento prolongado após cirurgias ou ferimentos traumáticos. Já houve relato de epistaxe, hematúria e hemorragia gastrointestinal; e tendência ao sangramento mais intenso nos tipos II e III (FELDMAN et al., 2000). A tendência ao sangramento por DvW também pode ser exacerbada pela ocorrência concomitante de trombocitopenia ou por administração de drogas que interfiram na função plaquetária, como os antiinflamatórios não esteroidais (FELDMAN et al., 2000). Apesar da DvW ter sido descrita por Gelatt (2003) como uma das causas de hifema, não foram encontrados relatos de caso ou estudos relacionados com a manifestação da DvW em hifema ou em qualquer outras alterações oculares na literatura veterinária. 13 3. SÍNDROME DE SCOTT: As plaquetas possuem as seguintes características morfofisiológicas para um correto desempenho da sua função hemostática: uma membrana fosfolipídica com glicoproteínas, importantes na interação celular e na coagulação; um sistema canicular para conduzir substâncias entre elas e o plasma; um citoesqueleto e diversas estruturas que armazenam substâncias fundamentais na hemostasia e na reparação vascular (proteínas), na ativação plaquetária e síntese de tromboxanos (Ca2+), e substâncias de reserva energética (glicogênio) (STOCKHAM & SCOTT, 2002). A Síndrome de Scott é uma doença rara e hereditária, caracterizada por um defeito da plaqueta em desempenhar sua atividade pró- coagulante (BROOKS et al., 2002). A atividade pró-coagulante das plaquetas se inicia a partir da externalização do fosfolipídio fosfatidilserina (PS) e do lançamento das microvesículas (BROOKS et al., 2010), ambos necessários para a ligação dos fatores de coagulação. A falha desse processo é o que caracteriza a Síndrome de Scott (BROOKS et al., 2009). Defeitos hereditários na função das plaquetas normalmente causam distúrbios hemorrágicos. Brooks et al. (2009) identificaram esta síndrome hereditária em cães da raça Pastor Alemão. Os cães estudados apresentaram um ou mais episódios anormais de hemorragia, como: epistaxe, sangramento prolongado pós-operatório ou hifema. O diagnóstico clínico das disfunções plaquetárias é complexo e tecnicamente desafiador. Existem testes laboratoriais com potencial para avaliar a função plaquetária, mas a capacidade destes testes para avaliar a atividade pró-coagulante das plaquetas ainda é questionável. Apesar disso Brooks et al. (2009) concluíram que o teste de citometria de fluxo com amostras de sangue total, para detectar as micropartículas liberadas das plaquetas ativadas, pode servir como teste de triagem para a Síndrome de Scott. 14 4. COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA (CID): A CID é uma síndrome adquirida representada por um estado de hipercoagulabilidade, sintomas hemorrágicos e falência múltipla dos órgãos (SLOFSTRA et al., 2003). Diversos mecanismos podem desencadear a CID, como lesão endotelial por eletrocussão ou intermação; ativação das plaquetas por infecções ou sepse; e liberação de pró-coagulantes teciduais, comumente por trauma, hemólise, pancreatite, infecções bacterianas, hepatite aguda ou possivelmente por algumas neoplasias (NELSON & COUTO, 2006; DALECK et al., 2009). A fisiopatologia se caracteriza por diversos eventos. A maioria ocorre simultaneamente e a intensidade de cada um varia com o tempo, tornando a CID um processo extremamente dinâmico. Há formação de múltiplos microtrombos, resultando em trombocitopenia pelo consumo das plaquetas; ativação do sistema fibrinolítico com lise dos coágulos; inativação dos fatores de coagulação com deficiência na função plaquetária; exaustão dos anticoagulantes normais e fragmentação das hemácias pela fibrina presente dentro dos vasos, podendo levar à anemia hemolítica (NELSON & COUTO, 2006). A conseqüência de todo esse processo contínuo e simultâneo é a presença de hemorragia espontânea e hipoperfusão tecidual, podendo levar ao choque isquêmico, hemorrágico, séptico ou misto (BICK et al, 1999; SLOFSTRA et al., 2003). A CID pode ser dividida genericamente em dois quadros. Um latente, silencioso, caracterizado pela hipercoagulabilidade, sem manifestações hemorrágicas, mas com alterações clinicopatológicas de hemostasia. E outro agudo hemorrágico, podendo ser uma complicação (por um fator desencadeante) do quadro anterior descrito, ou ser fulminante já de início. (NELSON & COUTO, 2006; DALECK et al., 2009). 15 Não foram encontrados relatos de casos da associação da CID com lesões oculares em cães na literatura veterinária. Em humanos, as alterações oculares pela Coagulação Intravascular Disseminada estão relacionadas com o quadro agudo hemorrágico. As principais manifestações são descolamento da retina, hemorragia coroidal e oclusão trombótica dos coriocapilares, presentes de caráter bilateral (COGAN, 1975; SAMPLES & BUETTNER, 1983; LEWIS et al., 2005; ALLINSON et al., 1992). A prevalência destas lesões oculares pela CID não foi descrita pelos autores. O diagnóstico da CID baseia-se nos sinais clínicos e sintomas, na identificação da doença subjacente, nos resultados dos testes laboratoriais e na diferenciação de outras patologias (FAVALORO, 2010). Devido ao fato da hemorragia espontânea corresponder aproximadamente a menos de um terço de todos os cães com CID, os testes e exames laboratoriais se tornam uma ferramenta importante para o diagnóstico precoce desta condição. (NELSON & COUTO, 2006; DALECK et al., 2009). Pacientes com suspeita ou propensos a desenvolver CID devem ser avaliados rotineiramente em busca de um sinal do quadro silencioso (DALECK et al., 2009). Das alterações clinicopatológicas importantes para o diagnóstico da CID, destacam-se: anemia hemolítica, trombocitopenia, presença de esquisócitos, prolongamento do TP ou do TTPA, hemoglobinemia, hiperbilirrubinemia, azotemia, hipoproteinemia, hemoglobinúria, bilirrubinúria e teste para PDF positivo (NELSON & COUTO, 2006; WADA, 2004; FAVALORO, 2010). 16 5. SÍNDROME DA HIPERVISCOSIDADE SANGÜÍNEA (SHV): As síndromes paraneoplásicas são sinais e sintomas presentes em pacientes com câncer, distantes do tumor ou de suas metástases, e que não são causadas por invasão, obstrução ou efeito da neoplasia. Dentre os vários sistemas que podem estar envolvidos, o hematológico é um deles (DALECK et al., 2009). A SHV se manifesta a partir da indução da produção de maior quantidade de uma fração de globulinas por causas neoplásicas ou não neoplásicas, caracterizando a hipergamaglobulinemia (DALECK et al., 2009). A causa mais comum da hiperglobulinemia monoclonal e conseqüente hiperviscosidade sanguínea em cães e gatos é o mieloma múltiplo. Em cães, o mieloma múltiplo corresponde a aproximadamente 60% de todas as possíveis causas de SHV, sendo as outras a leucemia linfocítica, o plasmocitoma extramedular, a Ehrlichiose e a macroglobulinemia (FELDMAN et al., 2000). Entretanto, o mieloma múltiplo corresponde a menos de 1% de todas as neoplasias que acometem os cães (DALECK et al., 2009). No mieloma múltiplo, as globulinas frequentemente envolvidas são a IgA e IgG. Com o aumento da concentração destas globulinas, aumenta a viscosidade do sangue causando maior resistência ao fluxo (DALECK et al., 2009). A tendência ao sangramento ocorre devido a uma interferência física das plaquetas com os fatores de coagulação sanguíneos no local danificado do endotélio dos vasos e à estase vascular (LEIVA et al, 2005). Os sinais clínicos associados à SHV incluem alterações neurológicas, vasculares, retinianas e o hifema. Também há alterações na coagulação (falha na agregação plaquetária e bloqueio do fator VIII da coagulação) que podem levar, secundariamente, à hemorragia intraocular (PATTERSON, 1990). 17 Das patologias oculares, a hemorragia da retina é frequentemente o principal sinal relatado em cães com mieloma múltiplo. E esta pode evoluir para um quadro de hifema (MATUS et al., 1986). Outras anormalidades oftalmológicas retinais são traduzidas por hemorragias, dilatação e tortuosidade de vasos, além de descolamento de retina e cegueira. Segundo Daleck et al. (2009), estes sangramentos espontâneos (diáteses hemorrágicas), assim como na gengiva e episódios de epistaxe, podem se expressar, no plano clínico, até um ano antes do diagnóstico do mieloma múltiplo, determinando a importância destes sinais como marcadores precoces. Normalmente os sinais oculares são ignorados e os cães só são apresentados quando já estão manifestando uma alteração clínica sistêmica (HENDRIX et al., 1998). O diagnóstico definitivo de mieloma múltiplo se faz por meio da análise citológica ou histopatológica da medula óssea, quando da observação de quantidades superiores a 5% de plasmócitos, de aparência normal a indiferenciados (DALECK et al., 2009). CONCLUSÃO A trombocitopenia imunomediada por Ehrlichiose Monocítica Canina é a que apresenta mais relatos de hemorragias oculares. Portanto, a pesquisa para o diagnóstico diferencial de EMC em cães que apresentam hifema ou hemorragias da retina associadas à trombocitopenia deve ser considerada, principalmente se o cão for oriundo de áreas tropicais endêmicas. A relação da Doença de von Willebrand com hifema pode não apresentar relevância clínica por não haver relatos de caso. Contudo, a falta de relatos pode ser decorrente do fato do diagnóstico da DvW ser muitas vezes negligenciado. 18 A fisiopatologia dinâmica da CID dificulta o diagnóstico de qualquer lesão ocular associada, pois esta não seria uma emergência comparada aos outros distúrbios clínicos vitais que estão ocorrendo simultaneamente. Portanto, cada um dos diagnósticos diferenciais causados por alterações hematológicas a partir do aparecimento de hifema em cães apresenta relevância clínica e manifestações oculares próprias. 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