BÁRBARA COELHO CICILIATO CABREIRA Gli amori difficili (1970) de Italo Calvino: a presença do silêncio e da ironia no Pós- Guerra italiano ASSIS 2023 BÁRBARA COELHO CICILIATO CABREIRA Gli amori difficili (1970) de Italo Calvino: a presença do silêncio e da ironia no Pós- Guerra italiano Dissertação apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis, para a obtenção do título de Mestra em Letras (Área de Conhecimento: Literatura e Vida Social) Orientadora: Cátia Inês Negrão Berlini de Andrade Bolsista: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) ASSIS 2023 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ana Cláudia Inocente Garcia - CRB 8/6887 C117g Cabreira, Bárbara Coelho Ciciliato Gli amori difficili (1970) de Italo Calvino: a presença do silêncio e da ironia no Pós- Guerra italiano / Bárbara Coelho Ciciliato Cabreira. — Assis, 2023 119 f. : il. Dissertação de Mestrado - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis Orientadora: Profa. Dra. Cátia Inês Negrão Berlini de Andrade 1. Calvino, Italo, 1923-1985. 2. Contos italianos. 3. Ficção italiana. 4. Silêncio na literatura. 5. Ironia na literatura. I. Título. CDD 853 AGRADECIMENTOS A elaboração desta dissertação não teria sido possível sem a colaboração, estímulo e empenho de diversas pessoas. Gostaria de expressar toda a minha gratidão e apreço a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para que esta tarefa se tornasse uma realidade. A todos quero manifestar os meus sinceros agradecimentos. A Deus pela oportunidade de encontrar-me aqui, concluindo mais uma etapa da minha vida e formação. À minha orientadora, Professora Doutora Cátia Inês Negrão Berlini de Andrade, pelos seus ensinamentos, empatia, abrindo-me horizontes, contribuindo para minha pesquisa e meu desenvolvimento pessoal e profissional. À minha mãe Célia e ao meu pai Roberto, pela sólida formação que me proporcionaram, a continuidade nos estudos até à chegada a este mestrado. Ao meu marido Ricardo Barbosa Cabreira, agradeço todo o seu amor, carinho, admiração, e pela presença incansável com que me apoiou a continuar trabalhando ao longo do período de elaboração desta dissertação. À minha sogra Professora Dra. Maria Alda Barbosa Cabreira que sempre me incentivou a prosseguir nos estudos e a não desistir nos primeiros obstáculos. As colegas de pós-graduação, Juliane Luzia Camargo, com quem pude compartilhar o meu percurso para esta realização e por ter contribuído com minha pesquisa trazendo material bibliográfico de Italo Calvino diretamente da Itália; à Inara Telles Xavier pela parceria, pelos eventos e amizade. À prima e professora Mariana Pedrosa Ramos Pinto pelo afeto, apoio no percurso deste estudo e auxílio na elaboração do abstract. Ao Programa de Pós-graduação em Letras pela assistência em assuntos acadêmicos durante estes dois anos e meio de estudos. À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pelo financiamento a partir do segundo ano de estudo na pós-graduação, o que possibilitou dedicar-me inteiramente e concluir à minha pesquisa. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. CABREIRA, Bárbara Coelho Ciciliato. Gli amori difficili (1970): a presença do silêncio e da ironia no Pós- Guerra italiano. 2023. Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis, 2023. RESUMO Este trabalho visa, a partir dos contos presentes na obra Gli amori difficili (1970), de Italo Calvino, realizar uma análise partindo da concepção de silêncio que, na narrativa, se contrapõe com a ironia, esta, por sua vez, utilizada para denunciar a condição que a sociedade italiana vivenciava logo após a II Guerra Mundial. Para Eni Orlandi (1997), o silêncio não representa a inexistência de sons e sim algo que tem significado e se distingue do implícito, que necessita do que foi dito para atingir seu sentido. De acordo com a mesma pesquisadora, “a linguagem empurra o que ela não é para o “nada”. Percebemos, assim, que em Gli amori difficili os sentidos também se multiplicam a partir do momento em que as pessoas se calam e permitem que o silêncio signifique mais que as palavras “arrancadas dolorosamente do silêncio”. Tomamos por base as obras de Cristina Benussi (2001), Ulla Musarra Schroeder (1987) e Calvino (2022) sobre a escrita calviniana, além da obra de Linda Hutcheon (2000) sobre a ironia. Além disso, é perceptível, na obra, a presença de uma fina ironia que, da mesma maneira que o recurso do silêncio, é utilizada para significar e denunciar o momento histórico e destacar a ideia de uma sociedade que se cala em virtude dos traumas do Pós- Guerra. Percebemos, deste modo, que a partir do estudo e análise de Gli amori Difficili (1970), é possível destacar que o uso do silêncio e da ironia são recursos utilizados por Calvino como forma de retratar a sociedade italiana, e a partir desta toda a humanidade, no período do imediato Pós- Guerra, abordando o sofrimento dos homens acuados por situações extremas e afetados pelo difícil momento histórico. Palavras-chave: Italo Calvino; Gli amori difficili; narrativa italiana contemporânea; silêncio; ironia CABREIRA, Bárbara Coelho Ciciliato. Gli amori difficili (1970): the presence of silence and irony in the Italian Post-War, 2023. Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis, 2023. ABSTRACT This work aims, from the short stories present in the literary work Gli amori difficili (1970), by Italo Calvino, to carry out an analysis based on the conception of silence which, in the narrative, is opposed to irony, this one in turn is used to denounce the condition experienced by Italian society shortly after World War II. For Eni Orlandi (1997), silence does not represent the absence of sounds, but something that has meaning and is distinguished from the implicit instead, which needs what it has been said previously to reach its meaning. According to the same researcher, “language pushes what it is not into “nothing”. We thus perceive that in Gli amori difficili, the meanings also multiply from the moment people are silent and allow silence to mean more than words “painfully torn from silence”. We base ourselves on the works of Cristina Benussi (2001), Ulla Musarra Schroeder (1987) and Calvino (2022) on Calvinian writing, in addition to the work of Linda Hutcheon (2000) on irony. Furthermore, the aforementioned work shows a fine irony which, in the same way as the feature of silence, is used to signify and denounce the historical moment and it highlights the idea of a silent society due to the traumas of the Post-War. We perceive, therefore, from the study and analysis of Gli amori Difficili (1970), it is possible to point out that the presence of silence and irony are resources used by Calvino as a way of portraying Italian society, and from this, all humanity in the period of the immediate Post-War, addressing the suffering of men cornered by extreme situations and affected by the difficult historical moment. Keywords: Italo Calvino; Gli amori difficili; contemporary Italian narrative; silence; irony CABREIRA, Bárbara Coelho Ciciliato. Gli amori difficili (1970): la presenza del silenzio e l’ironia nell dopo guerra italiano. 2023. Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis, 2023. RIASSUNTO Questo lavoro si propone, dai racconti presenti nell'opera Gli amori difficili (1970), di Italo Calvino, di effettuare un'analisi basata sulla concezione del silenzio che, nella narrazione, si oppone a l’ironia, questa, a sua volta, utilizzato per denunciare la condizione che la società italiana ha vissuto poco dopo la seconda guerra mondiale. Per Eni Orlandi (1997), il silenzio non rappresenta l'assenza di suoni, ma qualcosa che ha un significato e si distingue dall'implicito, che ha bisogno di ciò che è stato detto per raggiungere il suo significato. Secondo la stessa ricercatora, "il linguaggio spinge ciò che non è a "niente". Percepiamo, quindi, che in Gli amori difficili i sensi si moltiplicano anche dal momento in cui si tace e si lascia intendere il silenzio più delle parole "dolorosamente strappate dal silenzio". Ci basiamo sulle opere di Cristina Benussi (2001), Ulla Musarra Schroeder (1987) e Calvino (2022) sulla scrittura calvinista, e il lavoro di Linda Hutcheon (2000) sull'ironia. Si nota inoltre, nell'opera, la presenza di una sottile ironia che, come la caratteristica del silenzio, viene usata per significare e denunciare il momento storico e mettere in luce l'idea di una società che tace a causa dei traumi del dopoguerra. Percepiamo, così, che dallo studio e dall'analisi di Gli amori difficili (1970), è possibile evidenziare che l'uso del silenzio e dell'ironia sono risorse utilizzate da Calvino come un modo per ritrarre la società italiana, e da ciò tutta l'umanità, nell'immediato dopoguerra, affrontando le sofferenze degli uomini intrappolati da situazioni estreme e colpiti dal difficile momento storico. Parole – chiave: Italo Calvino; Gli amori difficili; narrativa italiana contemporanea; silenzio; ironia SUMÁRIO Introdução .................................................................................................................. p. 08 1. O período do Pós-Guerra Italiano e o silenciamento ................................................. p.14 1.1. A reconstrução da Itália ..................................................................................... p. 23 1.2. A resistência italiana .......................................................................................... p. 25 1.3. A literatura do Pós – Guerra e o Neorrealismo .................................................. p. 28 1.4. Italo Calvino e a literatura de resistência ............................................................ p. 32 2. A representatividade da sociedade italiana no Pós- Guerra: a linguagem que não se cala .......................................................................................................................................... p. 40 2.1. Modos de pensar o silêncio ............................................................................ p. 45 2.2. Lugar de silêncio e ausência .......................................................................... p. 47 2.3. As aventuras de Gli amori difficili .................................................................. p. 54 3. Traços da ironia na escrita de Calvino em Gli amori difficili (1970) ....................... p. 64 3.1. A escrita de Calvino e as seis propostas ............................................................. p. 68 3.2. Marcas da ironia em Gli amori difficili (1970) .................................................. p. 73 3.3. O distanciamento do mundo .............................................................................. p. 94 Considerações finais........................................................................................................ p. 99 Referências bibliográficas ............................................................................................ p. 103 Anexo I. Capa Gli amori difficili ................................................................................. p. 107 Anexo II. Conto “L’avventura di una bagnante” ........................................................ p. 108 Anexo III. Conto “L’avventura di due sposi” .............................................................. p. 116 8 INTRODUÇÃO Italo Calvino (1923-1985) iniciou suas atividades em um período extremamente conturbado da História, visto que a Primeira Guerra Mundial trouxera consequências desastrosas para a Itália: o país se encontrava destroçado e os Aliados recusaram-se a cumprir os acordos feitos. Os italianos sentiram-se humilhados e foi através deste sentimento de nacionalismo ferido que se estruturou na Itália o Regime Fascista. Em meio às agitações da época, provocadas pela profunda crise econômica que a Itália vivia nesse período, situação que se acentuava pelas greves e manifestações de trabalhadores insatisfeitos, Benito Mussolini, encarregado de organizar um novo gabinete, dissolveu partidos de oposição e assumiu o comando do país. A Segunda Guerra Mundial, por sua vez, transformou completamente a sociedade, dado que o conhecido pós-guerra impôs grandes desafios às populações e governantes de todo o mundo. A grande devastação provocada na Europa necessitava de amplos esforços para a reconstrução econômica e social. “Não é possível escrever a história do século XX como a de qualquer outra época, quando mais fosse porque ninguém pode escrever sobre seu próprio tempo de vida [...]”. (HOBSBAWN, 1994, p. 07) Em 1958 Calvino organizou e reuniu textos breves, que haviam sido publicados anteriormente em revistas literárias e outros periódicos, e publicou o volume I racconti, subdividido pelo autor em quatro partes: “Gli idilli difficili”, “Le memorie difficili”, “Gli amori difficili” e “La vita difficile”. No ano de 1970 a editora Einaudi reuniu treze contos, publicados entre 1951 e 1967, da série “Gli amori difficili” e mais dois contos longos de 1952 e 1958, da série “La vita difficile”, em um único volume que recebeu o mesmo título da coletânea, agrupando os contos que relatam as dificuldades das relações amorosas. Sendo assim, neste trabalho buscaremos a partir da leitura dos contos presentes na obra Gli amori difficili (1970), de Italo Calvino, realizar um estudo partindo do conceito de silêncio, contrapondo-se com a ironia utilizada para denunciar a condição que a sociedade italiana vivenciava no Pós Guerra. Os quinze contos breves que relatam sobre esses amores difíceis trazem sempre no título a palavra “aventura” que, percebemos, é empregada de modo irônico com o propósito de indicar, na maioria dos casos, um movimento interior ou estado de ânimo 9 dos protagonistas que se calam diante de suas difíceis relações pessoais marcadas, principalmente, pela incomunicabilidade. São narrativas que, apesar da forte presença da ironia, trazem traços de uma melancolia profunda que revela a complexidade e o silêncio presentes nos relacionamentos. São textos que retratam uma época na qual calar-se significava mais do que falar. Segundo Natalia Ginzburg, em seu ensaio “Silenzio”, “as poucas e estéreis palavras da nossa época” são colocadas para fora, “arrancadas dolorosamente do silêncio” (1998, p.83). Ginzburg, tal como Calvino, relatou em seus textos as experiências e vivências do traumático Pós-guerra e da mesma maneira que Calvino salientou e destacou a presença do silêncio nas relações humanas desse período histórico. Para Eni Orlandi (1997) o silêncio não representa a inexistência de sons e sim algo que significa e se distingue do implícito, que necessita do que foi dito para atingir seu sentido. Ainda de acordo com a pesquisadora, “a linguagem empurra o que ela não é para o “nada”. Mas o silêncio significa esse “nada” se multiplicando em sentidos: quanto mais falta, mais silêncio se instala, mais possibilidade de sentidos se apresenta” (1997, p. 49). Percebemos, assim, que em Gli amori difficili (1970) os sentidos também se multiplicam a partir do momento em que as pessoas se calam e permitem que o silêncio signifique mais que as palavras “arrancadas dolorosamente do silêncio”. Além disso, em Gli amori Difficili (1970) é perceptível também a presença de uma fina ironia que, da mesma maneira que o recurso do silêncio é utilizada para significar e denunciar o momento histórico e destacar a ideia de uma sociedade que se cala no período do Pós- Guerra. Em outros momentos cumpre a função de trazer leveza e dar um “tom” de amenidade às histórias. Desse modo, percebemos que, nesse intercalar entre o silêncio e a ironia, Italo Calvino consegue criar contos que são “puro ritmo: sinais, indicações, correspondências impecáveis”. (CITATI, P. Apud CALVINO, Italo. Gli amori dfficili p.07) O título dessas “aventuras” é completamente irônico: não há nada aventureiro nos eventos que ocorrem com uma série de personagens que lutam com as dificuldades banais de cada dia que, por sua vez, são complicadas por suas manias ou fraquezas. É possível perceber que a própria escolha do título já expõe as dificuldades vivenciadas pelos personagens e, nesse caso, não apenas nas situações amorosas como também nos 10 relacionamentos humanos, de um modo geral, consequências de um cotidiano traumático. Não são histórias de amor, mas histórias de amores buscadas e muitas vezes perdidas, histórias de silêncios e vazios de comunicação, onde o sujeito não tem outra opção a não ser se resignar a ver o cotidiano em sua mesmice, como, por exemplo, em “L’avventura di un poeta” exemplificando ou vivenciando encantamentos momentâneos e distantes, que é o caso dos protagonistas da história “La formica Argentina”. Calvino faz a denúncia dessa época levando em conta também as características psicológicas das personagens, destacando a opressão, os sofrimentos, os esvaziamentos e silenciamentos que permeiam as relações humanas, amorosas ou outras experiências indizíveis. O silenciamento é demonstrado em seus personagens através do apagamento social, pelo sofrimento e pelas dificuldades encontradas para prosseguir e retomar as vivências cotidianas. As relações presentes na obra são compostas de silêncios, momentos suspensos, ações imponderáveis das quais não é possível prever o desenvolvimento subsequente. O amor também é retratado como algo muito difícil: paradoxalmente Calvino parece querer evidenciar que essa relação específica entre duas pessoas é realmente fundada a partir da incomunicabilidade, das dificuldades de aproximação entre as pessoas. As ações dos personagens de Gli amori difficili (1970) são poucas: Calvino narra poucos detalhes, destacando as vivências marcadas por gestos de banalidade, por trás dos quais toda a arquitetura mental dos protagonistas está realmente oculta. Atos simples, que oferecem ao leitor a possibilidade de criar e fazer suposições sobre as causas e razões para tais comportamentos, como por exemplo no texto da “L’avventura di un fotografo”, que deseja na tentativa de tirar a luz certa para tirar a foto, ou, ainda, como em “L’avventura di una bagnante”, em que gestos habituais como colocar uma toalha, caminhar sobre as rochas e olhar para o mar é um subterfúgio para esconder pensamentos e sonhos de amor estão escondidos. A segunda parte da obra tem o subtítulo de “La vita difficili”, o tema transforma-se, é narrada em primeira pessoa e o personagem se posiciona de modo diferente daqueles anteriores. O incômodo interno é abordado não apenas no momento da relação com o outro, mas sobretudo como uma metáfora. Em “La nuvola di smog”, como o próprio título demonstra, o ambiente é tomado por uma nuvem de fumaça, que atua como uma metáfora de nossos medos, da prisão que cada um de nós constrói e da qual ele não pode mais se livrar. Nos traz uma meditação sobre o “mal de viver”. 11 Calvino nesta história transita entre o fantástico, fabuloso, que tem uma forma de narrar semelhante a temática neorrealista. O escritor sempre tenta retratar um ser humano difícil e controverso, com suas angústias, medos, inseguranças e modos de enfrentar o mundo em busca de respostas. Para o desenvolvimento desta pesquisa, algumas leituras foram essenciais: como Eric Hobsbawn com Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991 (1994), Federeico Chabod com L'Italia contemporanea (1918-1948) (1961), Camillo Daneo com La politica economica della ricostruzione, 1945-1949 (1975), Linda Hutcheon com Teoria e política da ironia (1994), Eni Orlandi com As formas do silêncio: no movimento dos sentidos (2007) e em especial com o livro de Italo Calvino Sono nato in America... Interviste 1951-1985 (2022) composto por entrevistas inéditas e fundamentais para esta pesquisa, trazido pela doutoranda e amiga Juliane Luzia Camargo que realizou seu intercâmbio na Itália. Ressaltamos ainda a importância e escolha do trabalho com a obra Gli amori difficili (1970), sendo que o livro não apresenta estudos aprofundados nesta temática em território nacional. Calvino possui uma vasta fortuna crítica e amplamente estudada como alguns de seus romances: Il sentiero dei nidi di ragno (1947), Il visconte dimezzato (1952), Il barone rampante (1957), Il cavaliere inesistente (1959), Le città invisibili (1972), Palomar (1983), seu ensaio Por que ler os clássicos (1991) entre outros. A dissertação foi dividida em três capítulos. No primeiro capítulo tratamos sobre o contexto social histórico da época e o retrato da sociedade italiana neste período, apresentando uma análise sobre os aspectos dos silenciamentos vivenciados e presentes nos contos da obra. O silenciamento demonstrado através do apagamento social pode ser entendido pelo sofrimento e pelas dificuldades encontradas para prosseguir com a vida e retomar as vivências cotidianas principalmente por conta de todos os fatores sociais e históricos que a Itália vivenciou nesse período extremamente conturbado. O neorrealismo está intrinsecamente relacionado a esse período, à guerra e aos anos de resistência partidária, que é uma questão fundamental abordada no primeiro capítulo, as formas e temáticas incluem a centralidade da resistência e, o protagonismo popular e a resistência partidária vista como um difícil processo de reconstrução dos escombros da guerra. Calvino dá a voz a essa resistência, e seu protagonismo é capaz de traçar os limites do que para ele representou e foi o verdadeiro neorrealismo na Itália. https://www.bing.com/ck/a?!&&p=68dc13ecc5931b6bJmltdHM9MTY4ODM0MjQwMCZpZ3VpZD0wNzdmYTBhMi05MDY2LTZkYWMtMzA0NC1hZjQyOTFkMDZjNWMmaW5zaWQ9NTE5Ng&ptn=3&hsh=3&fclid=077fa0a2-9066-6dac-3044-af4291d06c5c&psq=il+visconde+calvino&u=a1aHR0cHM6Ly9wdC53aWtpcGVkaWEub3JnL3dpa2kvSWxfdmlzY29udGVfZGltZXp6YXRv&ntb=1 https://www.bing.com/ck/a?!&&p=68dc13ecc5931b6bJmltdHM9MTY4ODM0MjQwMCZpZ3VpZD0wNzdmYTBhMi05MDY2LTZkYWMtMzA0NC1hZjQyOTFkMDZjNWMmaW5zaWQ9NTE5Ng&ptn=3&hsh=3&fclid=077fa0a2-9066-6dac-3044-af4291d06c5c&psq=il+visconde+calvino&u=a1aHR0cHM6Ly9wdC53aWtpcGVkaWEub3JnL3dpa2kvSWxfdmlzY29udGVfZGltZXp6YXRv&ntb=1 https://www.bing.com/ck/a?!&&p=a344bfb6c75ee159JmltdHM9MTY4ODM0MjQwMCZpZ3VpZD0wNzdmYTBhMi05MDY2LTZkYWMtMzA0NC1hZjQyOTFkMDZjNWMmaW5zaWQ9NTI0Mw&ptn=3&hsh=3&fclid=077fa0a2-9066-6dac-3044-af4291d06c5c&psq=il+cavalero+calvino&u=a1aHR0cHM6Ly9pdC53aWtpcGVkaWEub3JnL3dpa2kvSWxfY2F2YWxpZXJlX2luZXNpc3RlbnRl&ntb=1 12 Italo Calvino viveu diretamente a experiência da luta partidária, os meses de resistência que o viram na vanguarda seguramente tiveram uma enorme influência na produção e poética de suas obras no Pós-Guerra. A sua necessidade de escrever sobre a guerra, ou seja, a respeito de uma experiência que havia vivenciado, a experiência comum de toda uma nação. Efetivamente, Calvino é uma testemunha entre outras testemunhas e, claro, com um ponto de vista também poético, capaz de captar movimentos da alma não perceptíveis. As descrições fazem parte de uma vida própria que atinge um nível universal a partir da tarefa de testemunhar. O segundo capítulo traz como tema a condição da ironia evidenciada na obra Gli amori difficili (1970) partindo da concepção e denúncia, que demonstra esvaziamentos sofridos pela sociedade na época, mostrando-a como uma crítica social. A ironia possui diferentes significados e possibilidades de análise, Calvino utiliza a ironia como um recurso estilístico para fugir à realidade trágica e dar um toque de leveza; esta ironia utilizada na literatura é um recurso para evidenciar o oposto do que realmente aparece. O autor, neste contexto, pretende apelar à capacidade de discernimento do seu público. Assim, à medida que o leitor é capaz de entender a intenção do autor, o propósito de ironia se cumpre. Calvino em Sono nato in America (2022) na entrevista “Un prigioneiro che evade mi è simpatico”, aponta que a literatura irônica possui uma função importante: “Também acho que hoje só uma literatura irônica pode lidar com o mundo terrível em que vivemos. Não podemos apostar no sublime ou no trágico porque as tragédias em que estamos imersos são mais fortes e demonstrariam a futilidade da nossa linguagem”. (CALVINO, 2022, p. 410, tradução nossa) No terceiro capítulo apresentamos aspectos de uma linguagem “silenciosa” usada pelo autor em Gli amori difficili (1970) que carrega um significado amplo dentro de todo contexto do período. Este cenário possui uma representação expressiva para expor que o silenciamento não significa calar-se, mas ao contrário, manifestar profundas insatisfações que permeiam a sociedade italiana da época. O silêncio se interpõe nos contos de Calvino para narrar, na verdade, movimentos interiores e viagens para o silêncio, causados pelo momento histórico, sendo este entendido como uma dificuldade de comunicação presente nas relações humanas. Apesar de histórias cotidianas, elas extrapolam o universo prosaico do dia a dia, abordando questões e temas que são universais, dizem respeito à existência humana, enfatizando uma época em que era difícil calar-se, explicitando que os 13 acontecimentos históricos interferem na vida pessoal do homem. Eni Puccinelli Orlandi (2007), em As formas do silêncio: no movimento dos sentidos, aponta que o silêncio significa: “[...]não é o nada, não é o vazio sem história. É silêncio significante [...]. Italo Calvino aborda questões como o amor, a paixão, o desejo, em um mundo monótono, um mundo de pessoas solitárias que possuem medo de tocar a mão uma da outra, um mundo formado por afazeres, responsabilidades, dias enfadonhos, um mundo onde não há espaço para a autenticidade dos sentimentos. 14 1. O PERÍODO DO PÓS-GUERRA ITALIANO E O SILENCIAMENTO O pós-guerra italiano manifesta uma época histórica entre o final da Segunda Guerra Mundial e os anos subsequentes, em um momento cujo prazo deve ser considerado no contexto geral e que pode ser determinado esquematicamente por diferentes épocas, abrangendo em qualquer caso a primeira década da Primeira República (1946). Segundo Eric Hobsbawn (1994, p.07), o século XX é caracterizado como “a era dos extremos”, pois abarca a calamidade das duas Guerras e ainda o Regime Fascista e o período da Resistência. “Não é possível escrever a história do século XX como a de qualquer outra época”. (HOBSBAWN,1994, p. 07) A Itália foi o primeiro país ocupado pelos aliados, saiu derrotada da guerra e no Pós-Guerra teve sua economia cristalizada. O país estava dividido e desprovido, mas desta vez a divisão era entre a democracia-cristã, apoiada pela Igreja Católica e o Partido Comunista Italiano que saíra sustentado com a derrota do fascismo, já que boa parte dos partigiani1 eram comunistas. Mesmo com o restabelecimento econômico do país a partir de 1950, a Itália foi muito afetada pela Guerra Fria, que dividiu ideologicamente a população. “A segunda Guerra Mundial mal terminara quando a humanidade mergulhou no que se pode encarar, razoavelmente, como uma Terceira Guerra Mundial, embora uma guerra muito peculiar”. (HOBSBAWN,1994, p. 224) O último rei, Vittorio Emanuele III manteve o trono até o final do conflito, mas em 1946, um referendo popular instalou a república parlamentarista no país. Apesar da instabilidade política, a Itália democrática foi se recuperando, a produção agrícola e industrial voltou a crescer. Embora o Sul da Itália permanecesse pobre, o centro e o norte do país mantiveram-se dinâmicos e produtivos. 1 Membro; soldado do movimento de resistência italiana organizado contra o fascismo. https://omegawebhosting.net/wiki/Seconda_guerra_mondiale https://omegawebhosting.net/wiki/Seconda_guerra_mondiale https://omegawebhosting.net/wiki/Prima_Repubblica_(Italia) https://omegawebhosting.net/wiki/Prima_Repubblica_(Italia) 15 O ar parecia mais puro, até a natureza mais bonita; quanta confiança nos homens, quanta esperança havia surgido na era dos homens de boa vontade, desinteressados, sem ambições, para os quais os altos cargos eram apenas um dever e uma missão [...] Era o espaço de uma manhã. (JEMOLO, 1974, p. 07, tradução nossa)2 Segundo Francesco Piva (2003), após a laceração causada pela guerra civil na Itália (1943-1945) e a divisão entre o centro-norte e o sul ocupado pelos aliados, no final da guerra na Itália havia um estilhaçamento e sobreposição dos centros formados pelo poder estatal, o governo monárquico, o governo de ocupação dos aliados, o dos comandos de ocupação militar, o dos Comitês de Libertação Nacional oprimidos e contrastados entre si, causando uma crise do estado unitário que diversas vezes foi substituído pela intervenção do Vaticano nas últimas fases da guerra e após o período do Pós-Guerra imediato. [...] os ramos da Ação Católica já haviam criado em 1946-47 várias manifestações de rua, expressões mais evidentes da mobilização católica que marcou o clima político do pós-guerra, de acordo com o estilo “movimentista” impresso por Pio XII no plano de reconquista cristã da sociedade. (PIVA, 2003, p. 31, tradução nossa)3 De acordo com Chabod (1974), a guerra de libertação no Norte criou esperanças renovadoras de uma parte da Resistência, que viu na aprovação de Ferruccio Parri, expressão da CLN (Comitê de liberação Nacional Italiano), ao governo (1945) um primeiro passo para uma renovação institucional e social: A libertação de Roma é a entrada das tropas aliadas, não como em Gênova, Turim, Milão etc., a entrada das formações partidárias. Em todo o cenário, finalmente, é o Santo Padre, o Vaticano que domina, com uma força completamente diferente da CLN. (CHABOD, 1974, p. 843, tradução nossa)4 2 L'aria sembrava più pura, anche la natura più bella; quanta fiducia negli uomini, quanta speranza era sorta nell'era degli uomini di buona volontà, disinteressati, senza ambizioni, per i quali l'alta carica era solo un dovere e una missione [...] Era lo spazio di una mattinata". (JEMOLO, 1974, p. 07, tradução nossa). 3 [...] i rami dell'Azione Cattolica avevano già allestito nel 1946-47 diverse manifestazioni di piazza, espressioni più vistose della mobilitazione cattolica che segnò il clima politico del dopoguerra, secondo lo stile movimentista impresso da Pio XII al disegno di riconquista cristiana della società. (PIVA, 2003, p. 31) 4 La liberazione di Roma è l'ingresso di truppe alleate, non come a Genova, Torino, Milano, ecc., l'ingresso di formazioni di partito. In ogni scenario, infine, è il Santo Padre, il Vaticano che domina, con una forza completamente diversa dal CLN. (CHABOD, 1974, p. 843) https://omegawebhosting.net/wiki/Guerra_civile_in_Italia_(1943-1945) https://omegawebhosting.net/wiki/Guerra_civile_in_Italia_(1943-1945) https://omegawebhosting.net/wiki/Alleati_della_seconda_guerra_mondiale https://omegawebhosting.net/wiki/Comitato_di_Liberazione_Nazionale https://omegawebhosting.net/wiki/Citt%C3%A0_del_Vaticano https://omegawebhosting.net/wiki/Guerra_di_liberazione_italiana https://omegawebhosting.net/wiki/Resistenza_italiana https://omegawebhosting.net/wiki/Ferruccio_Parri https://omegawebhosting.net/wiki/Comitato_di_Liberazione_Nazionale https://omegawebhosting.net/wiki/1945 16 A reestruturação política, que apresentava assumir a forma do denominado “expurgo”, ou seja, a eliminação das fábricas e dos cargos públicos daqueles que haviam apoiado o regime anterior. Com o anúncio feito pelo governo de Ferrucio Parri, essas ações foram consideradas afrontosas, e com isso tornou-se uma forte oposição externa e interna: A direita liberal e os democratas-cristãos conservadores consideraram [essas medidas] um ataque à estrutura econômica da sociedade italiana. A seção Econômica da Comissão Aliada ameaçou interromper o fornecimento de carvão e outras matérias-primas. (KOGAN, 1975, p. 328, tradução nossa)5 Com Alcide De Gasperi, apenas dois anos após com o governo de Parri, predominou a ideia de uma continuidade indispensável: a administração central do estado manteve-se inalterada, os códigos de leis, mesmo aqueles em vigor durante o fascismo, foram preservados. A oposição de grupos capitalistas desfavoráveis a qualquer interferência do Estado na economia, fundada na presença de políticos da escola liberal, fez com que faltasse ao Estado uma visão econômica sobre a qual basear a reconstrução. Segundo Chabod (1961) aconteceria a renovação: “O vento norte chegou e trará renovação, varrendo toda a resistência”. (CHABOD, 1961 p. 139, tradução nossa) 6 No decorrer do conflito, de acordo com Rochat na revista Italia Contemporanea (1988), cerca de metade dos soldados italianos foram capturados em várias frentes. Refere-se a um total de cerca de 1.300.000 homens, dos quais 600.000 capturados pelos anglo-americanos, 50.000 pelos soviéticos e, depois a proclamação de Badoglio7, 650.000 pelos alemães. Voltando à Itália depois de percorrerem vários lugares, constantemente de campos de concentração, diversas vezes mutilados ou inabilitados, os 5 La destra liberale e i conservatori democristiani consideravano [queste misure] un attacco alla struttura economica della società italiana. La sezione economica della Commissione alleata ha minacciato di interrompere l'approvvigionamento di carbone e altre materie prime. (KOGAN, 1975, p. 328) 6 Il vento del nord è arrivato e porterà rinnovamento, spazzando via ogni resistenza. ( CHABOD, 1961, p. 139). 7 A Proclamação de Badoglio foi um discurso lido pelo marechal Pietro Badoglio, chefe de governo italiano, anunciando o Armistício de Cassibile entre a Itália e os Aliados. https://omegawebhosting.net/wiki/Commissione_di_epurazione https://omegawebhosting.net/wiki/Alcide_De_Gasperi https://omegawebhosting.net/wiki/Fascismo https://omegawebhosting.net/wiki/Liberismo https://omegawebhosting.net/wiki/Proclama_Badoglio_dell%278_settembre_1943 17 soldados italianos veteranos da Segunda Guerra Mundial tiveram tratamento frio em casa, como aponta Giorgio Rochat (1988, p.07, tradução nossa): [...] os veteranos foram interrogados sobre as circunstâncias da rendição e não sobre os acontecimentos da prisão, e os seus parcos direitos foram reduzidos por quotas de “alimentação e alojamento” de que gozaram em terras inimigas. 8 A falta de acolhimento e a sujeição a constrangimentos também foram registrados na literatura da época: os episódios do protagonista de Il ritorno di Don Camillo (1953), de Giovanni Guareschi apresentam que os mal-entendidos em relação às tensões dos veteranos se refletem muitas vezes no universo privado e mesmo familiar. Algo parecido no filme Napoli milionaria! (1950), de Eduardo De Filippo, em que Gennaro Jovine é influenciado pela indiferença ao seu passado: Eu regressei e pensei, é encontrar a minha família ou destruída ou bem, honestamente. Mas por quê?... Porque eu retornava da guerra... Ao invés disso, lá ninguém me deixava falar. Quando eu retornei da guerra que me chamava aqui, que me chamava lá. Para saber, para sentir e batalhar os atos heroicos. [...] Mas porque não se fala sobre isso? (LANARO, 2012, p.14-15, tradução nossa) 9 Desse modo, repetindo a temática familiar, o personagem caracterizado pelo rapaz engenheiro da obra Tutta la verità (1950), de Silvio Micheli, apresenta que sempre lhe resta relatar algum acontecimento de sua vida como soldado, e o mesmo é depreciado pela intolerância de seus familiares. Todo mundo se levantou. A avó e o avô, os irmãos, os cunhados, os parentes, o mundo. “Você e sua guerra: gritaram: “Já nos cansamos, nós todos, dessas histórias de guerra!” Ninguém se importa com a sua guerra!" (LANARO, 2012, p. 15, tradução nossa)10 8 [...] i veterani furono interrogati sulle circostanze della resa e non sugli eventi della prigione, e i loro magri diritti furono ridotti da quote di " cibo e alloggio " di cui godevano nelle terre nemiche. (ROCHAT, 1988, p. 07). 9 Io so' turnato e me credevo è truvà a famiglia mia o distrutta o a posto, onestamente. Ma pecché?... Pecché io turnavo d'a guerra... Invece, ccà nisciuno ne vo' sèntere parlà. Quann'io turnaie 'alla guerra, chi me chiammava 'a ccà, chi me chiammava a' llà. Pe' sapé, pe' sèntere 'e fattarielle, gli atti eroici. [...] Ma mo pecché nun ne vonno sèntere parlà? (LANARO, 2012, p.14-15, tradução nossa) 10 "Tutti si sono alzati. Nonna e nonno, fratelli, cognati, parenti, il mondo. "Tu e la tua guerra", gridò: "Si è stancato, noi altri, di queste storie di guerra!" "A nessuno importa della tua guerra!" (LANARO, 2012, p. 15) https://omegawebhosting.net/wiki/Giorgio_Rochat https://omegawebhosting.net/wiki/Silvio_Micheli 18 Na data de 3 de dezembro de 1945, o Ministério da Assistência Pós-Guerra, então coordenado pelo acionista Emilio Lussu, apresentou uma circular com a intenção de evitar a diferenciação entre combatentes e não combatentes, propriamente pela natureza da guerra que havia acometido os italianos. Nesse documento fica evidente os empenhos de reintegração dos veteranos não devem ter como referência “nos méritos adquiridos nos campos de batalha, mas sim nos prejuízos que os militares sofreram devido à sua longa permanência no exército” (PAVONE, 1985, p.16). Essa antevisão, comprimida em uma concepção abstratamente iluminada, rigorosamente determina a insatisfação dos veteranos, que veem os sofrimentos vivenciados na guerra (diversas vezes envolvendo a escravidão nos campos de concentração) ignorados. No início de 1946 essa insatisfação se traduz em manifestações abertas que aconteceram em Florença e Milão, e, por exemplo, em Bari os veteranos pedem o afastamento das mulheres de suas ocupações para então obter emprego. O repatriamento dos internados é igualmente demorado, o governo Badoglio, por ocasião da assinatura do armistício de Cassibile, que ocorreu em 3 de setembro de 1943, quando a Itália assinou a rendição incondicional a seus Aliados, não havia pensado em tratar disso. De acordo com Lanaro (2012), em fevereiro de 1946, 50.000 soldados italianos ainda estavam nos Estados Unidos e somente após tratados árduos aconteceu a libertação de pequenos grupos. Cerca de um milhão de presidiários no exterior voltaram à sua terra natal entre 1945 e 1947. Os partidos antifascistas, temerosos de que a continuidade de uma tradição militar pudesse dar lugar ao reaparecimento do fascismo, procuram de todos os modos impossibilitar o surgimento de associações de ex-combatentes: O resultado é uma desorientação geral de grande número de cidadãos adultos, inconscientes ou mal-informados do que aconteceu no país depois de 8 de setembro, encerrados em seu silêncio e raiva, mal- intencionados para com a classe dominante [...]. (LANARO, 2012, p. 18, tradução nossa)11 11 Il risultato è un disorientamento generale di un gran numero di cittadini adulti, incoscienti o disinformati di ciò che è accaduto nel paese dopo l'8 settembre, finito nel loro silenzio e rabbia, malizioso per la classe dominante [...]. (LANARO, 2012, p. 18) https://omegawebhosting.net/wiki/Ministero_per_l%27assistenza_postbellica https://omegawebhosting.net/wiki/Emilio_Lussu https://omegawebhosting.net/wiki/Governo_Badoglio_I https://omegawebhosting.net/wiki/Armistizio_di_Cassibile https://omegawebhosting.net/wiki/Stati_Uniti_d%27America 19 A autora Gabriella Fanello Marcucci, em sua obra Il primo governo De Gasperi (dicembre 1945 - giugno 1946): sei mesi decisivi per la democrazia in Italia, comenta a respeito do fracasso da renovação, pretendido pelo governo de Ferruccio Parri, o qual foi acentuado pela confusão pelos danos causados a ordem pública minada pelo combate nas fábricas do Norte e na ocupação de terras do Sul. Pela oposição dos liberais e também pelo fracasso dos partidos de apoio de esquerda. Parri foi pressionado a renunciar seu cargo em dezembro de 1945 favoravelmente ao governo de Alcide de Gasperi, concordando com o acordo de Gasperi – Gruber, ou seja, permitindo que a província Tirol do Sul permanecesse como parte da Itália sem referendo, assegurando então a sua autonomia e a utilização da língua italiana e língua alemã como oficiais. Alcide De Gasperi manteve-se chefe do governo regularmente até 1953. As forças progressistas retornaram com força com a conquista no referendo institucional, em 2 de junho de 1946, em que também as mulheres puderam votar, pela decisão entre a monarquia e a república. Vittorio Emanuele III, em uma prova de salvar a instituição monárquica, com um mês de antecedência do referendo que tinha, abdicou em favor de seu filho Umberto, que em 16 de março de 1946 estabeleceu, conforme exigido pelo acordo de 1944. Seu governo durou apenas um mês, no dia 2 de junho seguinte, os italianos se pronunciaram, em referendo, pela então instauração da República. Alguns dias depois o rei foi para o exílio e nunca lhe foi concedida autorização para regressar à Itália. “O clima literário dos anos imediatamente sucessivos a guerra (mas pelo menos até meados dos anos 50) é dominado pela necessidade de dar uma forma concreta e definitiva à missão social e civil do escritor”. (ROSA, 1980, p.453)12 Contudo, ainda havia uma estabilidade entre progressistas e moderados, já que comunistas e socialistas correspondiam a 40% dos eleitores. Uma declaração particular teve o movimento Fronte dell’Uomo Qualunche 13, fundado pelo jornalista Guglielmo Giannini, em Roma no ano de 1944. O comandante provisório da República foi o liberal independente Enrico De Nicola que, a partir de 1 de janeiro de 1948, apoiado com a primeira disposição transitória da Constituição, levou o título e as atribuições de Presidente da República. 12 Il clima letterario degli anni imediatamente sucessivi ala guerra (ma almeno fino ala metà degli anni ’50) è tutto dominato dall’esigenza di dare una forma concreta e definitiva alla missione sociale e civile del letterato. (ROSA, 1980, p. 453) 13 Frente do Homem Comum – movimento e partido político – realizava demandas anticomunistas, em oposição ao fascismo. https://omegawebhosting.net/wiki/Nascita_della_Repubblica_Italiana https://omegawebhosting.net/wiki/Nascita_della_Repubblica_Italiana https://omegawebhosting.net/wiki/1946 https://pt.wikipedia.org/wiki/2_de_junho https://pt.wikipedia.org/wiki/2_de_junho https://pt.wikipedia.org/wiki/Referendo https://pt.wikipedia.org/wiki/Rep%C3%BAblica https://pt.wikipedia.org/wiki/Ex%C3%ADlio https://omegawebhosting.net/wiki/Guglielmo_Giannini https://omegawebhosting.net/wiki/Guglielmo_Giannini https://omegawebhosting.net/wiki/Enrico_De_Nicola https://omegawebhosting.net/wiki/1948 https://omegawebhosting.net/wiki/Presidente_della_repubblica 20 No final da Segunda Guerra Mundial, a Itália estava em um cenário internacional particular: até o armistício de 8 de setembro de 1943, a Itália batalhou como aliada da Alemanha nazista, da qual no primeiro momento se separou e seguidamente anunciou guerra contra ela como um opositor. Contudo, uma ação de libertação nacional se ampliou contra a ocupação alemã e seus associados da República Social, o que colaborou para a vitória das forças aliadas. Para os Aliados, no entanto, a Itália era vista como uma nação derrotada. Isso mostra que a Itália na Conferência de Paz de Paris (1946) foi considerada da mesma forma que as outras nações europeias aliadas à Alemanha e fracassos para as quais as exigências de paz que lhe foram colocadas foram muito pesadas. Permita-me dizer-lhe com a franqueza que um elevado sentido de responsabilidade impõe a cada um de nós nesta hora histórica: este Tratado é extremamente duro para com a Itália [...]. (De Gasperi, Il nuovo Corriere della Sera, 11 agosto 1946, tradução nossa)14 Por fim, nos acordos antecedentes entre os Aliados, a Itália havia sido designada à área política ocidental, que se confronta, por sua posição estratégica no Mediterrâneo, ao estabelecimento progressivo do bloco comunista nos Bálcãs. Reivindicando esta relevância estratégica italiana e sua participação concreta na guerra contra os alemães, o representante do governo italiano, o primeiro-ministro Alcide De Gasperi solicitou que fosse dado “fôlego e crédito à República da Itália”, justificando que: a derrubada do regime fascista não teria sido tão profunda se não tivesse sido precedida pela longa conspiração de patriotas que em casa e no exterior agiram ao preço de imensos sacrifícios, sem a intervenção das greves políticas das indústrias do norte, sem as hábeis ações clandestinas de homens da oposição parlamentar e antifascista. (DE GASPERI, 1946, p.04). A Assembleia dos vencedores não ouviu aos pedidos de De Gasperi, que em 10 de fevereiro de 1947 firmou o Tratado de Paz. A Itália precisou dialogar sobre as fronteiras em favor da França e da Iugoslávia, a devolver as terras tomadas à Grécia e 14 Ebbene, permettetemi di dirvi francamente quale alto senso di responsabilità impone a ciascuno di noi in questo momento storico: questo Trattato è estremamente l'Italia... (De Gasperi, 1946, p.04, tradução nossa) https://omegawebhosting.net/wiki/Armistizio_di_Cassibile https://omegawebhosting.net/wiki/1943 https://omegawebhosting.net/wiki/Repubblica_Sociale_Italiana https://omegawebhosting.net/wiki/Repubblica_Sociale_Italiana https://omegawebhosting.net/wiki/Trattati_di_Parigi_(1947) https://omegawebhosting.net/wiki/Trattati_di_Parigi_(1947) https://omegawebhosting.net/wiki/Alcide_De_Gasperi https://omegawebhosting.net/wiki/1947 https://omegawebhosting.net/wiki/Alcide_De_Gasperi 21 recusar todas as colônias, fascistas e pré-fascistas. A Itália teve que custear milhões de dólares, emprestados dos Estados Unidos, URSS, Albânia, Etiópia, Grécia e Iugoslávia. A frota naval foi quase totalmente entregue aos vencedores. Os Estados Unidos, Grã- Bretanha e França desistiram de pedir reparações de guerra. O insucesso das colônias não foi percebido na Itália como uma baixa importante, tanto pelo pouco valor atribuído a essas terras, quanto pelo modo de descolonização ora avançado na Europa. De acordo com Constantino Mortati (2007), um debate historiográfico cuidadoso se abriu sobre a virada política de maio de 1947 na Itália visto como uma representação da Guerra Fria com a diferença que surgiu no final da Segunda Guerra Mundial entre dois blocos internacionais, geralmente classificados como Ocidente (os Estados Unidos da América, aliados da OTAN e países amigos) e o Leste, ou mais constantemente o bloco comunista (a União Soviética, os aliados do Pacto de Varsóvia e os países amigos). Na Itália, no interior do partido socialista (congresso de janeiro de 1947) havia uma divergência entre a subdivisão minoritária de “autonomistas” liderada por Giuseppe Saragat, partidários de uma política pró-ocidental, e os "fusionistas" de Pietro Nenni, dirigidos para a contribuição do governo com os comunistas. Deste modo, nasceu o PSDI (Partido Socialista Democrático Italiano) de Saragat preparado a contribuir com os democratas-cristãos e a assumir posição por uma política atlântica. De Gasperi foi então capaz de criar uma série de gabinetes centristas de quatro partidos por mais de cinco anos, formados por democratas-cristãos, republicanos, social-democratas e, posteriormente, liberais. A retirada dos partidos de esquerda foi vista por alguns historiadores como consequência de um acordo político de De Gasperi com os americanos para conseguir um empréstimo de US $100 milhões dos Estados Unidos. A força de ruptura, potencialmente contida no texto constitucional radicalmente inovador no que diz respeito não só à ideologia fascista mas também à liberal, não encontrou energia suficiente para concretiza-la, de modo que a constituição material, como de fato a encontrou foi realizada, privada de eficácia não só e não tanto dos preceitos constitucionais individuais, mas sua essência mais profunda. (MORTATI, 2007, p. 248, tradução nossa)15 15 La forza di rottura, potenzialmente contenuta nel testo costituzionale radicalmente innovativo nei confronti non solo dell'ideologia fascista ma anche dell'ideologia liberale, non ha trovato energia sufficiente per materializzarla, cosicché la costituzione materiale, così come l'ha trovata attuata, ha privato dell'efficacia non solo e non tanto dei precetti costituzionali individuali, ma della sua essenza più profonda. (MORTATI,2007, p.248) https://omegawebhosting.net/wiki/Decolonizzazione https://omegawebhosting.net/wiki/Storiografia https://omegawebhosting.net/wiki/Guerra_fredda https://omegawebhosting.net/wiki/Seconda_guerra_mondiale https://omegawebhosting.net/wiki/Stati_Uniti_d%27America https://omegawebhosting.net/wiki/Stati_Uniti_d%27America https://omegawebhosting.net/wiki/Organizzazione_del_Trattato_dell%27Atlantico_del_Nord https://omegawebhosting.net/wiki/Unione_Sovietica https://omegawebhosting.net/wiki/Giuseppe_Saragat https://omegawebhosting.net/wiki/Partito_Socialista_Democratico_Italiano https://omegawebhosting.net/wiki/Centrismo https://omegawebhosting.net/wiki/Centrismo 22 Segundo Mortati (2007), as concepções políticas da nova Carta Constitucional, que entraram em vigor em 1º de janeiro de 1948, foram experimentadas nas eleições de 18 de abril de 1948. A situação econômica com a aplicação da “linha Einaudi” 16porém foi se aprimorando: a diminuição da inflação, mesmo à custa do crescimento do desemprego, trouxe o prolongamento econômico de volta ao sistema capitalista tradicional. O apoio da “Confindustria” – Confederação Geral da Indústria Italiana, satisfeita com o desligamento de socialistas e comunistas do governo e a chegada de aplicações do exterior, proporcionou que a produção de 1948 voltasse aos níveis de 1938. O movimento sindical juntou-se em um só. A Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL), descontente com a condição dos trabalhadores, exprimiu sua dissidência nas ruas, contida pelas duras intervenções da polícia sob o gerenciamento do ministro do Interior, Mario Scelba. Para Camillo Daneo (1975), as eleições de 1948 viram o sucesso dos democratas – cristãos que, em comparação com as eleições de 1946, receberam cinco milhões de votos (48,51% dos votos) enquanto a “Frente Democrática Popular”, construída pelo PCI (Partido Comunista Italiano) e PSI (Partido Socialista Italiano) unidos, perdeu um milhão. Esta vitória deveu-se a diversas causas como, um mês antes das eleições da “doutrina Truman”17: Se o povo italiano votar para confiar o governo a um poder em que a influência dominante está em um partido cuja hostilidade ao programa de assistência americano foi repetida e abertamente expressa, devemos concluir que o povo italiano deseja se dissociar desse programa. (DANEO, 1975, p. 249, tradução nossa)18 Dentro das causas também está o golpe comunista em Praga (fevereiro de 1948), que ampliou o temor de que os comunistas quisessem fazer o mesmo na Itália; a contribuição dado ao DC (Democracia Cristã) pelo Vaticano e pelo clero que pregava o 16 Giulio Einaudi foi presidente da república (1948) e defendia a liberdade civil. Fundou a Editora Einaudi. 17 A Doutrina Truman foi um conjunto de estratégias políticas e econômicas, adotadas durante o governo do então presidente dos Estados Unidos, Henry Truman. 18 Se il popolo italiano vota per affidare il governo a una potenza in cui l'influenza dominante è in un partito la cui ostilità al programma di assistenza americano è stata ripetuta e apertamente espressa, dobbiamo concludere che il popolo italiano desidera dissociarsi da questo programma. (DANEO, 1975, p. 249) https://omegawebhosting.net/wiki/Costituzione https://omegawebhosting.net/wiki/1948 https://omegawebhosting.net/wiki/1948 https://omegawebhosting.net/wiki/Luigi_Einaudi https://omegawebhosting.net/wiki/Inflazione https://omegawebhosting.net/wiki/Disoccupazione https://omegawebhosting.net/wiki/Confederazione_generale_dell%27industria_italiana https://omegawebhosting.net/wiki/Confederazione_Generale_Italiana_del_Lavoro https://omegawebhosting.net/wiki/Colpo_di_Stato https://omegawebhosting.net/wiki/Praga 23 voto ao partido católico como um dever dos fiéis. Apesar da maioria atingida, De Gasperi não quis fundamentar sua política apenas no partido católico e chamou expoentes dos partidos seculares menores ao governo, também para controlar as forças fundamentalistas dentro da Democracia Cristã. Tratando-se da política externa, a Itália já havia se ligado às organizações pró- europeias da OEEC (Organização para a cooperação Econômica Europeia) e também para o Conselho da Europa desde 1948, fez seu posicionamento permanente na parte ocidental com sua junção à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em abril de 1949. A incorporação no sistema econômico de mercado da Europa Ocidental manteve-se com a adesão à CECA (Comunidade Europeia do carvão e do aço) e em 1957 à Comunidade Econômica Europeia da CEE, vista pelos empresários italianos como uma segurança da prevalência do liberalismo econômico sobre as ações e os controles do Estado. O engajamento ao lado pró-ocidental do governo decorrente das eleições de 1948 intensificou as tensões sociais, que se apresentaram no ataque a Palmiro Togliatti (14 de julho de 1948) e na cisão dentro da CGIL (Confederação Italiana de Sindicatos), com a formação em 1950 da CISL (Confederação Geral Italiana do Trabalho), de orientação católica e o UIL ( Sindicato Trabalhista Italiano) de incentivo republicana e social-democrata, que enfraqueceram a capacidade negocial do sindicato. (DANEO,1975) As eleições políticas de 1953, às segundas após a guerra, apontaram a crise do Democracia Cristã, que havia tentado assegurar a verificação de sua hegemonia, com a inserção de uma nova lei eleitoral que concedeu prêmio majoritário à associação que alcançou 50% + 1 de votos válidos. A “lei do golpe”, como intitulava a esquerda totalmente contrária, foi determinada em 31 de março de 1953 (n.148 / 1953) e entrou em vigor, sem os efeitos previstos, para as eleições políticas de 3 de junho de que no mesmo ano e seguidamente foi revogada pela lei 615 de 31 de julho de 1954. O prejuízo de quase um milhão de votos em relação às eleições de 1948 indicou a crise da fórmula política do centrismo, marcada pela renúncia ao governo de De Gasperi e pela continuação de uma série de governos politicamente instáveis. Os governos centristas começaram uma reforma agrária de algumas partes nas áreas mais enfraquecidas do país, que já havia começado com o projeto De Gasperi- Segni em abril de 1949 para a desapropriação e separação de grandes patrimônios agrícolas. A lei que foi aprovada concedia aos agricultores apenas um terço ou metade https://omegawebhosting.net/wiki/Organizzazione_per_la_cooperazione_economica_europea https://omegawebhosting.net/wiki/Consiglio_d%27Europa https://omegawebhosting.net/wiki/Organizzazione_del_Trattato_dell%27Atlantico_del_Nord https://omegawebhosting.net/wiki/Comunit%C3%A0_europea_del_carbone_e_dell%27acciaio https://omegawebhosting.net/wiki/Comunit%C3%A0_europea https://omegawebhosting.net/wiki/1948 https://omegawebhosting.net/wiki/1950 https://omegawebhosting.net/wiki/Confederazione_Italiana_Sindacati_Lavoratori https://omegawebhosting.net/wiki/Partito_Repubblicano_Italiano https://omegawebhosting.net/wiki/1953 https://omegawebhosting.net/wiki/Legge_elettorale_italiana_del_1953 https://omegawebhosting.net/wiki/1954 https://omegawebhosting.net/wiki/Riforma_agraria https://omegawebhosting.net/wiki/1949 24 das terras originalmente destinadas à redistribuição. A reforma virou um instrumento de mecenato eleitoral, ou seja, um sistema de trocas e favoritismo e não conseguiu estabelecer a desejada classe de pequenos proprietários camponeses, mas sim de pequenos negócios familiares e, consequentemente, pouco produtivos que logo, a partir de 1959, abandonaram o cultivo da terra e partiram para as cidades, no ocasião do boom econômico da indústria e da atividade de construção. Existiu uma mudança numerosa de trabalhadores, seguida por suas famílias, do Sul da Itália para os centros industriais do Norte (Turim, Milão, Gênova), ao mesmo tempo que a emigração para a França, Suíça, Alemanha Ocidental e Bélgica. 1.1. A reconstrução da Itália A Reconstrução foi a época da história da Itália, que vai desde o final da Segunda Guerra Mundial e a constituição da República Italiana até o final dos anos 1950, precedendo o milagre econômico italiano dos anos 60-70, cabendo consequentemente, ao período Pós-Guerra italiano ou nos primeiros anos da primeira república. A época foi definida pelas obras civis e industriais de reconstrução do que foi perdido através do conflito mundial e obteve, por um lado, o suporte financeiro dos Estados Unidos com o intitulado Plano Marshall; por outro, foi articulado pela atividade na Itália, do IRI (Instituto da Reconstrução Industrial) sobre política industrial. A principal figura política da Reconstrução é Alcide De Gasperi, presidente do Conselho por diversas vezes naquele período. Com o fim da Segunda Guerra Mundial a Itália encontrou-se derrotada, em condições críticas, os vários conflitos e bombardeios aéreos transformaram diversas cidades e vilarejos em somente escombros e os principais meios de comunicação foram interrompidos naquele momento e ocupados por exércitos estrangeiros como a Alemanha e outras potências do Eixo, condição que intensificou o distanciamento permanente dos países da Europa mais desenvolvida. A dimensão dos danos causados pela guerra foi objeto de diversos estudos, também com intenção de um projeto de reconstrução. Desse modo, são os números apresentados pelo economista Pasquale Saraceno em sua obra The Italian Industrial Reconstruction (1947) abordando que o estrago global pode ser contabilizado em 3.200 bilhões de liras; o sistema industrial estava prejudicado devido a intervenções https://omegawebhosting.net/wiki/Clientelismo https://omegawebhosting.net/wiki/1959 https://omegawebhosting.net/wiki/Miracolo_economico_italiano https://omegawebhosting.net/wiki/Miracolo_economico_italiano https://omegawebhosting.net/wiki/Storia_d%27Italia https://omegawebhosting.net/wiki/Seconda_guerra_mondiale https://omegawebhosting.net/wiki/Repubblica_Italiana https://omegawebhosting.net/wiki/Anni_50 https://omegawebhosting.net/wiki/Anni_50 https://omegawebhosting.net/wiki/Stati_Uniti https://omegawebhosting.net/wiki/IRI https://omegawebhosting.net/wiki/Politica_industriale https://omegawebhosting.net/wiki/Alcide_De_Gasperi https://omegawebhosting.net/wiki/Presidente_del_Consiglio_dei_ministri https://omegawebhosting.net/wiki/Presidente_del_Consiglio_dei_ministri https://omegawebhosting.net/wiki/Seconda_guerra_mondiale https://omegawebhosting.net/wiki/Germania https://omegawebhosting.net/wiki/Europa 25 partidárias; a esfera siderúrgica foi amplamente danificada; grandes danos à produção agrícola e ferrovias e portos atingidos duramente. Apesar de a estrutura industrial do país não ter sido grandemente afetada, também devido à intervenção para proteção dos trabalhadores, aconteceram grandes dificuldades para a reconversão industrial, para a produção de paz e para o fornecimento de matérias-primas. A situação das grandes cidades italianas destruídas pelos bombardeios, das estruturas rodoviárias, da agricultura eram trágicas, não com forte influência para a produção de trigo que em 1945 era 75% da de antes da guerra, mas para o açúcar e para a carne caiu para 10% e 25% do pré-guerra, de acordo com informações de Antonio Gambino, jornalista e ensaísta italiano. Protestos semelhantes ao de Milão, no ano de 1945, ocorreram em toda a Itália pelo racionamento de alimentos que beneficiava o mercado ilegal ou “mercado negro”. À proporção que o desemprego crescia, a perda de valor da lira aumentava de modo que o custo de vida era 20 vezes maior do que em 1938 e em 1946, em um ano, os preços subiram significativamente. Segundo o escritor Norberto Bobbio em sua obra O Fascismo à Democracia: os Regimes, as Ideologias, os Personagens e as Culturas Políticas (2008), a guerra também causou fracassos morais com a luta armada contra os nazifascistas que, em alguns casos, transformou-se de uma guerra patriótica de libertação para uma efetiva guerra civil com os seus efeitos de ódio e vinganças privadas. A ordem pública foi fortemente envolvida pelo crime de gangue organizado em muitas regiões e pelo movimento separatista siciliano, devido à sua colaboração com a máfia, conforme Salvatore Nicolosi (1981, p.07) menciona: “é claro, o separatismo não era apenas máfia nem todas as máfias eram separatistas. Muitos seguidores do movimento não eram completamente máfia, eles não tinham nada a ver com a máfia”. As novas lógicas geopolíticas da Guerra Fria colaboraram, entretanto, para afirmar que a Itália, país vinculado entre a Europa Ocidental, a Península Balcânica, a Europa Central e o Norte da África, enxergasse seu antigo papel de poder absolutamente esquecido. A partir de 1947, uma ajuda substancial do Plano Marshall, considerada em torno de 1,2 bilhão de dólares naquele tempo. 1.2. A Resistência Italiana https://omegawebhosting.net/wiki/1945 https://omegawebhosting.net/wiki/1945 26 Para Pavone (2006) em Una guerra civile - Saggio storico sulla moralità nella Resistenza, a Resistência Italiana, nomeada de Resistência Partidária ou Segundo Risorgimento foi o bloco de movimentos políticos e militares que na Itália, após o armistício de Cassibile, opuseram-se ao nazifascismo em contexto da guerra de libertação italiana. A própria origem da República Italiana deve ser indicada na Resistência: a Assembleia Constituinte era formada majoritariamente por representantes dos partidos que deram vida ao Comitê de Libertação Nacional e que, após a guerra, escreveram a Constituição a partir da síntese entre os seus, respectivas tradições políticas e inspirando-o aos princípios da democracia e do anti-fascismo. O movimento de resistência foi definido na Itália pelo compromisso unitário de orientações políticas múltiplas e algumas vezes opostas comunistas, monarquistas, socialistas, democratas, cristãos, liberais, republicanos, anarquistas, especialmente reunidos no Comitê de Libertação Nacional (CLN), cujos partidos componentes formariam posteriormente juntos os primeiros governos do Pós-Guerra. A época considerada de ação do movimento inicia-se após o armistício de 8 de setembro de 1943 (o CLN foi fundado em Roma em 9 de setembro) e finaliza no início de maio de 1945, durando assim em torno de vinte meses. A Resistência italiana possui suas raízes no antifascismo, que se fortaleceu gradualmente desde meados dos anos 20, quando já tinham-se formas inferiores de oposição ao regime fascista, até o início da Segunda Guerra Mundial. Segundo Claúdio Pavone (2006), na memória dos combatentes partidários, em particular os de inspiração comunista e socialista, a memória do chamado “período vermelho de dois anos” que é o termo comumente utilizado para indicar um momento da história italiana entre 1919 e 1920, marcado por uma série de lutas operárias e camponesas que atingiram seu ápice e seu fim com a ocupação. E então as violentas lutas contra as equipes fascistas no período 1919-1922, vistas por alguns expoentes dos partidos de esquerda (entre os quais o próprio Palmiro Togliatti ) uma verdadeira “guerra civil” em defesa das classes populares contra as forças reacionárias. Depois do assassinato do deputado socialista Giacomo Matteotti (1924) e a decisiva aceitação da responsabilidade por Mussolini, começou-se no Reino da Itália o processo de totalitarização do Estado, que dará espaço a um controle cada vez maior e a dura perseguição aos oponentes, em risco de prisão e reclusão. Os antifascistas prepararam-se então escondidos na Itália e no exterior, gerando com enorme dificuldade uma rede rudimentar de conexões, que apesar disso não https://omegawebhosting.net/wiki/Armistizio_di_Cassibile https://omegawebhosting.net/wiki/Guerra_di_liberazione_italiana https://omegawebhosting.net/wiki/Guerra_di_liberazione_italiana https://omegawebhosting.net/wiki/Repubblica_Italiana https://omegawebhosting.net/wiki/Assemblea_Costituente_(Italia) https://omegawebhosting.net/wiki/Comitato_di_Liberazione_Nazionale https://omegawebhosting.net/wiki/Costituzione_della_Repubblica_Italiana https://omegawebhosting.net/wiki/Democrazia https://omegawebhosting.net/wiki/Antifascismo https://omegawebhosting.net/wiki/Antifascismo https://omegawebhosting.net/wiki/Armistizio_di_Cassibile https://omegawebhosting.net/wiki/Armistizio_di_Cassibile https://omegawebhosting.net/wiki/1945 https://omegawebhosting.net/wiki/Antifascismo https://omegawebhosting.net/wiki/Anni_1920 https://omegawebhosting.net/wiki/Seconda_guerra_mondiale https://omegawebhosting.net/wiki/Biennio_rosso_in_Italia https://omegawebhosting.net/wiki/Locuzione https://omegawebhosting.net/wiki/1919 https://omegawebhosting.net/wiki/1920 https://omegawebhosting.net/wiki/Squadrismo https://omegawebhosting.net/wiki/Palmiro_Togliatti https://omegawebhosting.net/wiki/Guerra_civile https://omegawebhosting.net/wiki/Giacomo_Matteotti https://omegawebhosting.net/wiki/1924 https://omegawebhosting.net/wiki/Regno_d%27Italia_(1861-1946) https://omegawebhosting.net/wiki/Totalitarismo 27 produziu efeitos práticos significativos, continuando fragmentados em pequenos grupos descoordenados, incapazes de combater ou ameaçar o regime. Alguns historiadores como Pavone (2006) também apontaram que o movimento de resistência poderia ter ligações com a Guerra Espanhola, em especial com aqueles que serviram nas Brigadas Internacionais. A guerra e principalmente a tendência desastrosa em todas as frentes das operações de guerra e o progressivo distanciamento das massas populares do regime também devem ser destacadas pelas grandes greves de março de 1943, e que levaram à rápida desintegração do estado fascista depois de 25 de julho. De acordo com Pavone (2006) a devastação do estado nacional e a ocupação veloz e agressiva de grande parte da Itália pelo exército do Reichswehr foram contra as forças políticas fascistas. A chance de estruturar a luta político-militar contra o ocupante e o governo colaboracionista de Salò, de imediato instaurado pelas autoridades nazistas em torno de Mussolini, determinados a prosseguir a luta ao lado da Alemanha e a vingar-se dos "traidores" internos. Se você quer ir em peregrinação ao lugar onde nossa Constituição nasceu, vá para as montanhas onde os partidários caíram, para as prisões onde foram presos, para os campos onde foram enforcados. Onde quer que um Italiano morreu para resgatar a liberdade e a dignidade, vá lá, jovens, com seu pensamento, porque foi aí que nasceu nossa Constituição. (Piero Calamandrei, Discurso aos jovens sobre a Constituição nascida da Resistência, Milão, 26 de janeiro de 1955, tradução nossa)19 Independente das diretrizes dos líderes partidários e da resistência dos núcleos mais sólidos, o inverno de 1944 foi muito árduo para os partidários: a dura e implacável operação da repressão, os fracassos, a falta de apoio aliado, o clima rigoroso nas montanhas gerou uma grave crise do movimento. De acordo com Giorgio Bocca (1995) muitas formações desfeitas e dispersas; a anistia proclamada pelo regime de Salò em 28 de outubro de 1944 e as ofertas alemãs de clemência em substituição do alistamento 19 Se voi volete andare in pellegrinaggio nel luogo dove è nata la nostra Costituzione, andate nelle montagne dove caddero i partigiani, nelle carceri dove furono imprigionati, nei campi dove furono impiccati. Dovunque è morto un Italiano per riscattare la libertà e la dignità, andate lì, o giovani, col pensiero, perché lì è nata la nostra Costituzione. (Piero Calamandrei , Discorso ai giovani sulla Costituzione nata dalla Resistenza. Milano, 26 gennaio 1955) https://omegawebhosting.net/wiki/Brigate_internazionali https://omegawebhosting.net/wiki/Brigate_internazionali https://omegawebhosting.net/wiki/Caduta_del_fascismo https://omegawebhosting.net/wiki/Piero_Calamandrei 28 como trabalhadores na Organização Todt,20 apoiadas em alguns casos também pelas hierarquias eclesiásticas, obtiveram resultados, e em grupos ou de forma individualmente muitos combatentes deixaram suas armas e se renderam. A profunda crise da Resistência precisou de novas decisões operacionais pelas estruturas de comando central; sobre a iniciativa, sobretudo do comandante Colajanni “Barbato”, a decisão foi, portanto, tomada para implementar a chamada “pianurização”. Essa escolha estratégica, na verdade também imposta pela impossibilidade prática de continuar a lutar nas montanhas devido às dificuldades de abastecimento, à pressão inimiga e à hostilidade de uma parte das populações locais, acirrada e aterrorizada por represálias e repressões nazistas-fascistas, desde que as formações partidárias ainda ativas descessem às planícies deixando apenas pequenos núcleos de refugiados nos territórios mais inacessíveis nas montanhas altas. Segundo Bocca (1995), a “pianurização” transformou-se, dependendo do caso, um recuo, com a dispersão em grupos pequenos, ineficientes e principalmente passivos, muitas vezes escondidos nos chamados “buracos”, ou uma verdadeira expansão agressiva, como no caso das formações Moscatelli na planície de Novara e Vercelli. 1.3 A literatura do Pós- Guerra e o Neorrealismo Italo Calvino, definiu a “literatura” com fundamentos estéticos e subjetivos, fornecendo-nos uma interpretação artística. Segundo Calvino (1997): A literatura segue itinerários que costeiam ou transpõem as barreiras das interdições, que levam a dizer o que não podia ser dito; inventar em literatura é redescobrir palavras e histórias deixadas de lado pela memória coletiva e individual. (CALVINO, 1997, p.77) O escritor aborda a literatura em uma linguagem que se compreende aquilo que ela realmente deveria ser. Na entrevista “Letteratura e società” (2022), Calvino manifesta seu pensamento transmitindo sua vivência e experiência literária, caracterizando-a como uma operação sobre as palavras e imagens: 20 Grupo paramilitar de construção e engenharia criado na Alemanha, durante os anos do terceiro Reich. https://omegawebhosting.net/wiki/Novara https://omegawebhosting.net/wiki/Vercelli 29 A literatura é uma operação sobre palavras, é uma operação sobre imagens, e como tal condiciona em sua modesta, mas essencial parte o progresso de outras formas de operação humana. A literatura atua nos modos de imaginar o mundo, no modo de usar a palavra através da qual o mundo é definido. (CALVINO, 2022, p. 109, tradução nossa)21 A literatura, de acordo com Calvino, alimenta e instiga a imaginação do indivíduo, que é a essência de nossa humanidade, nos estimula e possibilita o movimento com pequenas particularidades, nos colocando no lugar e nas vivências dos outros (personagens), aumentando nossa visão e compreensão de mundo. Conforme o autor apresenta em sua entrevista “La ragione della mia irrequietezza stilistica” (2022), não acredita que exista somente uma linguagem, ou um pensamento humano representativo a respeito da literatura: Acredito que o mundo existe independentemente do homem; o mundo existiu antes do homem e existirá depois, e o homem é apenas uma oportunidade que o mundo tem para organizar algumas informações sobre si mesmo. Assim, a literatura é para mim uma série de tentativas de conhecimento e de classificação de informações sobre o mundo, todas muito instáveis e relativas, mas de alguma forma não inúteis. (CALVINO, 2022, p. 134, tradução nossa)22 A renovação institucional, política e cultural na Itália Pós-Segunda Guerra Mundial passa por um caminho não linear que também indica momentos de êxtase e regressão; as demandas de mudança provenientes de uma parte da sociedade despertam reservas especialmente entre a burguesia dando origem a fenômenos de agregação como o do movimento Fronte dell’Uomo Qualunche, que ganhou 30 assentos nas eleições de 1946 para a Assembleia Constituinte. A Itália após a Segunda Guerra Mundial, independente das contradições e hesitações, é, no entanto, atravessada por uma forte necessidade de mudança. A comprovação mais clara dessa necessidade está talvez na existência do Neorrealismo, 21 La letteratura è un’operazione sulle parole, è un’operazione sulle immagini, e in quanto tale condiziona in una sua modesta ma pure essenziale parte il procedere di Altri modi dell’operare umano. La letteratura agisce sui modi d’immaginarsi il mondo, sul modo di usare la parola attraverso cui il mondo viene definito. (CALVINO, 2022, p. 109) 22 Io credo che il mondo esiste independentemente dall’uomo; il mondo esisteva prima dell’uomo ed esisterà dopo, e l’uomo è solo un’occasione che il mondo ha per organizzare alcune informazione su se stesso. Quindi la letteratura è per me uma serie di tentativi di conoscenza e di classificazione delle informazioni sul mondo, il tutto molto instabile e relativo ma in qualche modo non inutile. (CALVINO, 2022, p. 134) 30 um movimento cultural que impulsiona escritores, diretores e intelectuais a expressar abertamente seu compromisso e não negligenciar a dimensão política da arte. Crescíamos em anos de tragédia, e era natural que nossa paixão pela literatura e nossa paixão pelas sortes do mundo se tornassem uma coisa só [...]. Procurávamos imagens do mundo, procurávamos alguma coisa que, no mundo das palavras e das imagens, valesse a força e a tragicidade de nossa época. (CALVINO, 2009, p. 61) Uma das primeiras manifestações importantes no âmbito cultural na Itália desse período é o Neorrealismo, um movimento que surgiu no período da Guerra, por volta de 1943, e se estendeu até meados da década de 50. Para diversos intelectuais que deixaram o fascismo tal movimento representava uma escolha quase obrigatória de reestruturação. O movimento anunciou uma concepção de cultura como instrumento capaz de influenciar a mentalidade das pessoas e promover a experiência coletiva, discutindo suas contradições políticas e sociais, a partir de um estilo que buscava ser majoritariamente realista, alimentado por uma visão do mundo e por fatos sociais, permeado por ideologias populistas e, às vezes, apresentando temas marxistas. O escritor Italo Calvino (2004, p.04) aponta no prefácio de sua obra Il sentiero dei nidi di ragno: O “neo-realismo” não era uma escola (vamos tentar dizer as coisas exatamente). Era um conjunto de vozes, em grande parte periféricas, uma descoberta múltipla das diferentes Itálias, mesmo – ou especialmente – das Itálias mais inéditas para a literatura. Permite-se compreender com a citação acima o quão renovadores são os temas do Neorrealismo, tão longe das entonações comemorativas da Itália fascista, que atravessam “com força” tanto no mundo literário quanto no mundo cinematográfico. Entre os escritores que podem ser destacados nesse movimento, ainda que com nuances diferentes e que participaram apenas em alguns momentos de sua produção, lembramos de Alberto Moravia, Carlo Bernari, Ignazio Silone, Cesare Pavese, Vasco Pratolini, Beppe Fenoglio, Elio Vittorini. As situações e acontecimentos do período entre o início da Segunda Guerra Mundial e o período Pós-Guerra ampliaram a consciência dos escritores italianos sobre a importância de a literatura dialogar com esses tempos de mudanças, de modo a expor os problemas sentidos pela coletividade. Como diversas vezes ocorreu na extensão das experiências culturais, as correntes literárias, que assumiram novas formas nos últimos 31 anos, foram resultados de um cenário histórico e social em transformação e, consequentemente, de uma mudança significativa na visão do mundo, e sentiam a necessidade de romper com o passado e buscar novas indagações e possíveis respostas; no entanto, conservaram laços significativos com a tradição. A explosão literária daqueles anos na Itália, foi, mais que uma questão de arte, uma questão fisiológica, existencial, coletiva. Tínhamos vivido a guerra, e nós, os mais jovens – que mal tivéramos tempo de nos juntar aos partigiani -, não nos sentíamos esmagados, vencidos, “queimados”, por ela, mas vencedores, impelidos pela força propulsora da luta recém-concluída, exclusivos depositários da sua herança. (CALVINO, 2004, p.05) Contrapondo à literatura como prosa artística ou como celebração retórica dos anos do fascismo, o Neorrealismo colocou o debate em relação à situação do homem e do intelectual; este último, em particular, desejava ser o portador da redescoberta do mundo camponês e sua cultura e, em segunda instância, dos valores primitivos das classes subalternas. O Neorrealismo coincidiu com a manifestação e publicação dos escritos do italiano Antonio Gramsci (1947), que em suas obras denunciava a falta de literatura autenticamente nacional-popular. No campo estético-literário, o conteúdo central de Gramsci foi a afirmação do elo inseparável que deve unir o escritor ao povo, da qual as necessidades materiais e espirituais ele interpreta e conceitua como conceito de “intelectual orgânico”, ou seja, que se mantém ligado à sua classe social originária, como um porta-voz. De acordo com Marzia Terenzi Vicentini 23 (2010), em Neorrealismo italiano: raízes populares (Pavese, Vittorini, Pratolini, Levi), a autora aponta as questões da cultura popular: É Antonio Gramsci o grande teórico da cultura nacional-popular. Em suas pesquisas histórico-literárias, denuncia a ausência, na Itália, de uma cultura verdadeiramente popular e ataca o aristocrático distanciamento da classe dos intelectuais da vida nacional. Seu pensamento, somado aos dramáticos acontecimentos do período da Resistenza, será fundamental na direção cultural das manifestações literárias do neorrealismo. (VICENTINI, 2010, p. 38) 23 Foi docente de Língua e Literatura Italiana na Unesp-Assis de 1967 a 1985. De origem italiana, morou em Pedrinhas Paulista (Colônia Italiana), local em que seu marido pertencia a direção da Cooperativa Agrícola. http://www.sapere.it/enciclopedia/Gramsci%2C+Ant%C3%B2nio.html 32 A expressão ideológica do Neorrealismo também foi concretizada na estimativa da fala popular como um enriquecimento da linguagem cultivada, o movimento do Neorrealismo foi uma mescla entre as duas culturas, a das classes dominantes e a das classes subalternas. O movimento não é uma escola literária propriamente dita e sim uma orientação geral da cultura, uma atmosfera, fechada em um pequeno espaço de anos, que atende a parâmetros homogêneos no campo temático e formal, e que engloba muitos setores, entre eles a literatura e alcançando maior representatividade no cinema. Depois da Segunda Guerra Mundial, a expressão Neorrealismo se ampliou na literatura italiana, a necessidade de um retorno a Giovanni Verga 24, que passa de situações contingentes e, talvez, de um desconhecimento da literatura europeia, assim como da especificidade da sociedade italiana ainda dominantemente agrícola. Na literatura, o Neorrealismo tem uma ligação de maior continuidade com o passado. Diversos escritores foram formados nesse período no campo das revistas “Solaria - La ronda” e nos grupos culturais do próprio regime fascista. Italo Calvino, nos anos 1960, escreveu uma introdução no seu romance Il sentiero dei nidi di ragno (1947), no qual o escritor argumenta que o Neorrealismo não era tanto uma escola, mas um clima geral e indica Cesare Pavese e Elio Vittorini como pontos de referência, pois compartilhavam dos mesmos pensamentos e juntos foram “partigiani”. Giovanni Verga conjuntamente representa este círculo de referências, pois apesar de ser do século XIX, é representante do verismo, uma corrente literária baseada em princípios realistas. Mas não foi ligado à terra natal no sentido do verismo regional do século XIX. A caracterização local queria dar sabor de verdade a uma representação em que se devia reconhecer todo o vasto mundo: como o interior norte-americano naqueles escritores dos anos 30, dos quais muitos críticos nos censuravam ser discípulos diretos ou indiretos. (CALVINO, 2004, p. 07-08) O primeiro atributo do Neorrealismo e dos escritores que trabalharam nos anos quarenta é retratado por uma nova ideia de literatura que também passa por caminhos que diretamente questionam o Estatuto do escritor, até mesmo aquele momento em que a literatura possuía uma relação praticamente completa com a sociedade e também com as classes sociais subordinadas, existia uma ligação forte com o “público”. 24 Giovanni Verga é um escritor italiano que faz parte da corrente do Verismo, com referência a temas sociais e ao realismo, naturalismo e regionalismo. 33 Um texto fundamental para tratar desse momento, é o de Cesare Pavese intitulado Paesi tuoi, de 1941, repleto de elementos simbólicos e decadentes, foi lido como uma das primeiras novelas neorrealistas. Pavese e Elio Vittorini tinham em comum o fascínio pela literatura americana, pouco conhecida na Itália e também traduziram muitos autores graças à editora Einaudi. 1.4 Italo Calvino e a Literatura de Resistência Após a Segunda Guerra Mundial, em um ambiente de precariedade e irregularidades políticas, sociais e econômicas, uma nova tendência artística, cinematográfica e literária surgiu, como descrito anteriormente, dirigindo seus interesses para as questões sociais contemporâneas. Desse modo, com o Neorrealismo é perceptível que um dos princípios dos escritores é aproximar o leitor, por meio de descrições bastante “realistas”, daquela difícil situação na qual se encontram tantas pessoas no imediato Pós-Guerra. Por meio da literatura neorrealista os escritores têm a possibilidade de escreverem sobre o estado de espírito coletivo. Os intelectuais captam, de fato, os problemas e as reais necessidades do povo, compreendem o compromisso político e social voltado para a reconstrução material e espiritual da sociedade. Calvino aborda a temática em uma entrevista intitulada “La resistenza mi ha messo al mondo” que faz parte do livro Sono nato in America... Interviste 1951-1985 (2022), a literatura segundo o autor é vista como forma de denúncia do Pós-Guerra: Um fato comum a toda ou quase toda a narrativa do pós-guerra é que ela começou como um testemunho. O primeiro ato de cada novo escritor, neste período pós-guerra, foi testemunhar: sobre sua experiência na guerra, sobre uma situação social de seu país, ou mesmo sobre o costume de sua burguesia. Esta literatura de testemunho (e muitas vezes de testemunho amargo, de denúncia) não mostra quaisquer sinais de exaustão: agora é possível considerar uma função permanente da literatura. (CALVINO, 2022, p.33)25 25 Un dato comune a tutta o quase la narrativa sorta nel dopoguerra è d’essere partita come testimonianza. Il primo atto d’ogni nuovo scrittore, in questo dopoguerra, è stato di testimoniare: sulla sua esperienza in guerra, su uma situazione sociale del suo paese, oppure anche sul costume della sua borghesia. Questa literatura di testimonianza (e spesso di testimonianza amara, di denuncia) non accenna ad esaurirsi: si può ormai considerare una funzione permanente della letteratura. (CALVINO, 2022, p.33, tradução nossa) https://www.studenti.it/topic/neorealismo.html 34 O escritor Italo Calvino iniciou suas atividades em um período extremamente conturbado da História visto que a Primeira Guerra Mundial trouxe consequências desastrosas para a Itália; o país se encontrava destroçado e os Aliados recusaram-se a cumprir os acordos feitos. Os italianos sentiram-se humilhados e foi a partir desse sentimento de nacionalismo ferido que se estruturou na Itália o Regime Fascista. Em meio às agitações do período, provocadas pela profunda crise econômica que a Itália vivia, situação que se acentuava pelas greves e manifestações de trabalhadores insatisfeitos, Benito Mussolini, encarregado de organizar um novo gabinete, dissolveu partidos de oposição e assumiu o comando do país. A Segunda Guerra Mundial, por sua vez, transformou completamente a sociedade, dado que o conhecido Pós-Guerra impôs grandes desafios às populações e governantes de todo o mundo. A grande devastação provocada na Europa necessitava de amplos esforços para a reconstrução econômica e social. No período seguinte ao da Libertação, Italo Calvino começou a escrever contos a partir de suas experiências da época de resistência e estabeleceu seus primeiros contatos com ambientes culturais de Milão, o semanario fundado por Elio Vittorini (1908-1966), Il Politecnico e de Turim (a Editora Einaudi). Calvino na entrevista intitulada “Genericità della parola, esatezza della scrittura” (2022), relata sobre esse período: Eu tinha começado a trabalhar em torno da editora Einaudi, que durante a guerra tinha sido a editora mais interessante e que a ala Libertação estava presente tanto em Turim e Milão. Em Milão houve Vittorini que fez "O Politécnico", primeira revista e depois semanal. (CALVINO, 2022, p. 283, tradução nossa)26 O primeiro conto escrito por Calvino foi publicado na revista que Carlo Muscetta dirigia em Roma (Aretusa, dezembro de 1945). Vittorini, por sua vez, publicou outro conto de Calvino no Il Politecnico, jornal no qual Calvino começou a colaborar. Giansiro Ferrata também foi um grande incentivador do escritor e publicou textos calvinianos no L’Unità de Milão. Naquela época os jornais normalmente possuíam apenas uma folha e duas vezes por semana eram publicados com quatro páginas. Assim, Calvino colaborava na terceira 26 Avevo cominciato a girare attorno alla casa editrice Einaudi, che durante la guerra era stato l’editore più interessante e che alla Liberazione era presente sia a Torino che a Milano. A Milano c’era Vittorini che faceva “Il Politecnico”, prima rivista e poi settimanale. (CALVINO, 2022, p. 283) 35 página de L’Unità de Genova. Exerceu, ainda, a função de redator da terceira página do L’Unità, de Turim (1948-1949). Colaborou também com o Jornal do Partido Comunista, com textos literários, pesquisas sindicais, textos sobre greves industriais e ocupações de fábricas. Calvino cursou Letras na Universidade de Turim, formou-se em 1947, mesmo ano em que foi publicado seu primeiro livro, Il sentiero dei nidi di ragno. “Nesse ínterim, o estudante mudou de faculdade: passou para a de Letras, na Universidade de Turim, matriculando-se – com as facilidades para os ex-combatentes – diretamente no terceiro ano”. (CALVINO, 1992, Apêndice, p.244) No período da graduação o escritor escrevia contos e os levava para serem avaliados por Natalia Ginzburg (1916-1991) e Cesare Pavese (1908-1950) que, naquele momento, estavam reorganizando os escritórios das edições Einaudi. Logo depois inicia sua colaboração com esta editora, atuando na assessoria de imprensa e publicidade, exerceu, ainda, a função de editor, selecionando textos a serem publicados, atividade que continuou a desenvolver por muitos anos. Para não o encontrar todos os dias, Pavese o encoraja a escrever um romance; em Milão, recebe o mesmo conselho de Giansiro Ferrata, que se encontra no júri de um concurso para romances inéditos, promovido pela Mondadori como primeira sondagem de novos escritores do pós-guerra. (CALVINO, 1992, apêndice, p.244) O ambiente da editora Einaudi era composto por filósofos, escritores, historiadores e intelectuais de um modo geral. Este ambiente profícuo marcado, essencialmente, pelas contínuas discussões políticas e ideológicas foram de total relevância para a formação de Calvino, proporcionando-lhe uma grande experiência neste meio, “[...] pouco a pouco, ele se viu assimilando a experiência de uma geração um pouco mais velha que a sua, de homens que havia dez ou quinze anos se movimentavam no mundo da cultura e do debate político [...]”. (CALVINO, 1992, apêndice, p.245) Para Calvino permanecia incerta sua vocação literária, após seu primeiro romance publicado, buscou, durante anos, escrever outros na mesma linha. Exausto e carregando algumas frustrações escreveu Il visconde dimezzato (1952), e tinha a intenção de publicá-lo em alguma revista, no entanto, foi publicado como livro na famosa coletânea I Gettoni, idealizada por Vittorini que publicava textos de escritores iniciantes. 36 [...] durante anos tentou escrever outros na mesma linha realista- social-picaresca, que eram bombardeados e jogados fora sem misericórdia por seus mestres conselheiros. Cansado daqueles penosos fracassos, entregou-se a sua veia mais espontânea de fabulador e escreveu de uma arrancada O visconde partido ao meio. (CALVINO, 1992, Apêndice, p. 246) Do mesmo modo que Italo Calvino outros escritores encontraram nesta coletânea uma maneira para divulgarem seus textos, nomes como o de Lalla Romano, Carlo Cassola, Beppe Fenoglio, Anna Maria Ortese, Leonardo Sciascia, entre outros, tiveram seus livros publicados por Vittorini. A publicação de Il visconde dimezzato (1952), teve uma grande aceitação por parte do público. Além disso, Emilio Cecchi (1884-1966) publicou um artigo que foi de grande importância para a crítica e que consagrou o escritor no âmbito da literatura italiana. Calvino, desse modo, conquistou espaço na literatura italiana nos anos 1950, em circunstâncias totalmente diferentes daquelas do final dos anos 1940, período ao qual continuava a sentir-se ideologicamente vinculado. Nesse período Giulio Einaudi (1912-1999) encomendou-lhe o volume das Fábulas italianas (1954), que Calvino selecionou e traduziu das coletâneas folclóricas do século XIX. Calvino sempre foi um escritor e um intelectual ativo, tendo participado de debates por uma nova esquerda e colaborado com diversos jornais e periódicos, entre eles,o semanário romano Il Contemporaneo de Carlo Salinari (1919-1977) e Antonello Trombadori (1917-1993), a revista de Antonio Giolitti (1915-2010) Passato e Presente e no semanário Italia Domani. Na primeira edição da revista italiana Il movimento di Liberazione in Italia. Rassegna bimestrale di studi e di documenti, com data de 1949 Italo Calvino escreve uma reflexão intitulada “La letteratura italiana sulla Resistenza”. Uma primeira avaliação das obras literárias italianas sobre a Resistência publicadas até hoje, pode dar espaço a discursos e julgamentos muito diferentes, dependendo do ponto de vista da Resistência ou da literatura. Porque para aqueles que se perguntam se a literatura italiana deu algum trabalho em que podemos reconhecer “toda a Resistência”, (e quero dizer “o todo” mesmo falando de uma única aldeia, de um único grupo, “o todo” como espírito), uma obra literária que pode realmente dizer de si mesma: “Eu represento a Resistência”, a 'resposta indubitável é: “Infelizmente ainda não”. Enquanto para aqueles que se perguntam se a Resistência “deu” à literatura e aos literatos, se a literatura italiana enriqueceu, através da experiência da Resistência, de algo novo e necessário, creio que 37 devemos responder resolutamente: “Sim”. (CALVINO, 1949, p. 40, tradução nossa)27 Calvino teve uma intensa participação na Resistência, “a resistência representou a fusão entre paisagem e pessoas” (CALVINO, 2004, p.09), e vivenciou uma crescente experiência literária e intelectual, em 1949 ele já havia publicado seu romance I sentieri dei nidi di ragno (1947) e no final desse mesmo ano, sempre na Editora Einaudi, publicou Ultimo viene il corvo (1949), que traz trinta histórias das quais abordam a respeito da luta contra o nazifascismo, muitos desses textos já haviam sido publicados anteriormente em jornais ou revistas. Além disso, após a guerra, Calvino esteve em contato com Cesare Pavese e Elio Vittorini e começou a colaborar a partir de dezembro de 1945 com a revista “Politecnico”, dirigida por Vittorini. Para a edição de Turim de "l'Unità" Calvino havia se tornado o nome principal da página cultural, ocupando esta posição até o verão de 1949; logo depois iniciou seu trabalho na editora Einaudi, primeiro como vendedor e posteriormente como editor e chefe da assessoria de imprensa. Eu era muito ligado a Elio Vittorini, com quem eu também dirigi uma revista. Ele pertencia a uma geração diferente da minha, mas com ele eu tinha o diálogo mais rico e frutífero. Em continuação, conheci também Pavese. Ambos me ajudaram a dar meus primeiros passos na literatura. (CALVINO, 2022, p. 125, tradução nossa)28 Após estudos sobre os romances que falam da luta antifascista, Calvino conclui sua revisão com a obra que considera "o maior livro da Resistência" na época, ou os Quaderni del carcere de Antonio Gramsci, também publicadas por Einaudi em 1947. A descoberta de Gramsci é uma grande contribuição para o ambiente cultural italiano do 27 Un primo bilancio delle opere letterarie italiane sulla Resistenza pubblicate a tutt’oggi, può dar luogo a discorsi e giudizi tutt’afatto differenti, a seconda che ci si ponga dal punto di vista della Resistenza o da quello della letteratura. Perchè a chi si chieda se la letteratura italiana ha dato qualche opera in cui si possa riconoscere «tutta la Resistenza », (e intendo « tutta » anche parlando d’un solo villaggio, d’un solo gruppo, « tutta » come spirito), un’opera letteraria che possa dire veramente di sè: «io rappresento la Resistenza», l ’indubbia risposta è: «Purtroppo non ancora ». Mentre invece a chi si chieda se la Resistenza ha « dato » alla letteratura e ai letterati, se la letteratura italiana s’è arricchita, attraverso l’esperienza della Resistenza, di qualcosa di nuovo e necessario, io credo si debba rispondere risolutamente: «Si». (CALVINO, 1949, p.40) 28 Ero molto legato a Elio Vittorini, insieme al quale ho anche direto una rivista. Apparteneva a una generazione diversa dalla mia, ma con lui ho avuto il dialogo più ricco, più fecondo. In precedenza avevo conosciuto anche Pavese. Entrambi mi hanno aiutato a fare i primi passi in literatura. (CALVINO, 2022, p. 125, tradução nossa) 38 Pós-Guerra e suas cartas, dirigidas aos familiares, representam ser o testemunho de uma época, da dignidade humana e da coerência política, cartas essas que são símbolos de oposição ao fascismo. Na introdução de seu romance I sentieri dei nidi di ragno na edição de 1964 para Einaudi, o próprio Calvino escreveu: A explosão literária daqueles anos [no período imediato do pós- guerra] na Itália foi, antes de ser um fato da arte, um fato fisiológico, existencial, coletivo. Tínhamos vivido a guerra, e nós, mais jovens – que mal tivéramos tempo de nos juntar aos partigiani – não nos sentimos esmagados, derrotados, "queimados", mas vencedores, impulsionados pela carga propulsora da batalha recém-concluída, depositários exclusivos de uma de suas heranças. Não era um otimismo fácil, porém, ou euforia gratuita; muito pelo contrário: o que sentimos ser os depositários era um significado da vida como algo que pode começar do zero, um furor problemático geral, também a nossa capacidade de experimentar o tormento e a derrota; mas o acento que colocamos nisso foi o de uma alegria desafiadora.. Muitas coisas nasceram desse clima, e também a atitude das minhas primeiras histórias e do primeiro romance. Isso nos toca hoje, acima de tudo: a voz anônima da época, mais forte do que nossas inflexões individuais ainda incertas. Tendo saído de uma experiência – guerra, guerra civil – que não poupou ninguém, estabeleceu um imediatismo de comunicação entre o escritor e seu público: um estava cara a cara, em pé de igualdade, cheio de histórias para contar, todos tinham tido a sua própria, todos tinham vivido vidas dramáticas e aventureiras, uma arrancou a palavra de nossas bocas. (CALVINO, 1964, p. 03)29 A vivência da guerra tinha atingido todos, ninguém tinha sido poupado. Conquistada a liberdade de poderem se pronunciar todos tinham a necessidade de o contar suas experiências pessoais. – “Toda minha formação aconteceu durante a 29 L’esplosione letteraria di quegli anni [nell’immediato dopoguerra in Italia fu, prima che un fatto d’arte, un fatto fisiologico, esistenziale, collettivo. Avevamo vissuto la guerra, e noi più giovani – che avevamo fatto appena in tempo a fare il partigiano — non ce ne sentivamo schiacciati, vinti, «bruciati», ma vincitori, spinti dalla carica propulsiva della battaglia appena conclusa, depositari esclusivi d’una sua eredità. Non era facile ottimismo, però, o gratuita euforia; tutt’altro: quello di cui ci sentivamo depositari era un senso della vita come qualcosa che può ricominciare da zero, un rovello problematico generale, anche una nostra capacità di vivere lo strazio e lo sbaraglio; ma l’accento che vi mettevamo era quello d’una spavalda allegria. Molte cose nacquero da quel clima, e anche il piglio dei miei primi racconti e