UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO HUMANO E TECNOLOGIAS NOVAS TECNOLOGIAS DIGITAIS E ATIVIDADE FÍSICA: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS RENATO HENRIQUE VERZANI Rio Claro - SP 2020 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO HUMANO E TECNOLOGIAS NOVAS TECNOLOGIAS DIGITAIS E ATIVIDADE FÍSICA: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS RENATO HENRIQUE VERZANI Orientadora: Adriane Beatriz de Souza Serapião Tese apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento Humano e Tecnologias. Rio Claro – SP 2020 V574n Verzani, Renato Henrique Novas tecnologias digitais e atividade física : desafios contemporâneos / Renato Henrique Verzani. -- Rio Claro, 2020 152 f. : il., tabs. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientadora: Adriane Beatriz de Souza Serapião 1. Exercícios físicos. 2. Tecnologia. 3. Tecnologia vestível. 4. Redes sociais on-line. 5. Aplicativos móveis. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Dedico este trabalho a minha noiva Francine, aos meus pais Luis e Elenice e ao meu irmão Elton, que são pessoas muito especiais e fundamentais no fechamento de mais este ciclo. AGRADECIMENTOS Chegando ao final de mais um ciclo de muito aprendizado, o qual me proporcionou um imenso crescimento pessoal e profissional, não poderia deixar de exaltar grandes pessoas que sempre estiveram ao meu lado e tornaram viável superar todos os desafios que surgiram ao longo deste percurso. É inevitável que, além dos bons momentos vivenciados neste período, surgissem diversas situações as quais somente com pessoas muito especiais e relações verdadeiras pudessem ser superadas com sucesso. Assim, este momento carece de agradecimentos a essas pessoas. Primeiramente gostaria de agradecer minha noiva Francine, que além de ser uma pessoa incrível, inteligente e linda, também é extremamente forte e me deu todo suporte ao longo não apenas do doutorado, mas também em todos estes maravilhosos anos que passamos juntos. Sem este apoio e esta parceria, que nos fez passar por momentos inesquecíveis e também superar os mais diversos desafios, tenho certeza que os resultados teriam sido muito diferentes, assim só me resta a gratidão por ser tão especial e por estar sempre ao meu lado. Também não poderia deixar de destacar meus pais, Luis e Elenice, pois tudo isso só foi possível graças aos esforços e ao apoio incondicional, sendo até difícil descrever em palavras o quanto são importantes. Este momento apenas ilustra uma vida de muita dedicação, esforço e carinho que permitiram a mim e ao meu irmão chegarmos onde estamos. Já ao meu irmão Elton, por sempre ser uma grande referência, exemplo de esforço, dedicação e capacidade para enfrentar de maneira muito perspicaz os desafios que surgem, o que lhe coloca como esta grande pessoa e excelente profissional. Outros que sempre estiveram ao meu lado e sou muito grato são meus amigos, os quais destacarei alguns que são muito especiais e colaboraram muito em minha jornada. Rafael e Fernanda, muito obrigado por todos os momentos e por toda a ajuda neste período, vocês são muito especiais e só tenho a agradecer a vocês, que são pessoas maravilhosas. Kauan, você é um grande amigo que trilha este caminho comigo desde o início da graduação e nossa parceria permitiu vivenciar grandes momentos e superar muitos desafios, pode contar comigo sempre que precisar. Aos demais membros do LEPESPE (não vou me arriscar a citar todos nomes para não esquecer de ninguém), por todos estes anos de muito aprendizado e situações que ficarão marcadas. Não poderia deixar de citar meus amigos desde a época de escola, como Rycardo, Guilherme e muitos outros, com quem passei momentos incríveis e dei muitas risadas, além de toda parceria e suporte, quando necessário. Enfim, muito obrigado a todos! Não poderia deixar de exaltar minha orientadora Adriane, pessoa muito especial e que também me faltam palavras para descrever. Obrigado pelos conselhos, ensinamentos, compreensão e amizade, que proporcionaram o encerramento com sucesso de mais este ciclo, muito obrigado por tudo. Ao meu orientador por muitos anos e grande amigo Afonso, muito obrigado por tudo que passamos, você é uma pessoa especial e devo muito a você, que sempre abriu inúmeras portas, passou muito conhecimento e nos permitiu um crescimento incrível, que só uma pessoa diferenciada como você poderia viabilizar. Finalizando estes agradecimentos não poderia deixar de citar os membros da banca, que contribuíram muito para este trabalho. Desde o Prof. Dr. Gustavo e a Profa. Dra. Silva, que trouxeram contribuições importantes desde a qualificação, até a Profa. Dra. Juliana e Profa. Dra. Fernanda, que participaram da defesa e trouxeram novos olhares e apontamentos para que o projeto fosse finalizado de modo satisfatório. Por último, a todos que estiveram comigo ao longo destes anos e contribuíram nesta longa jornada, visto que não é possível citar todos, mas com certeza muitas outras pessoas me veem a mente e tiveram grande participação, contribuindo intensamente para meu crescimento pessoal e profissional. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. NOVAS TECNOLOGIAS DIGITAIS E ATIVIDADE FÍSICA: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS Resumo Os avanços tecnológicos nos últimos anos têm viabilizado uma série de novas possibilidades, inclusive considerando a imersão cada vez mais representativa nas redes sociais virtuais, o uso de smartphones e outras ferramentas. Desta maneira, é fundamental entender diversas questões que se inserem na nossa realidade. O contato com as informações e o risco inerente à confiabilidade das mesmas, o smartphone tornando-se quase uma extensão das pessoas, a expansão dos wearables (dispositivos vestíveis) são questões que colocam essas novas tecnologias digitais com potencial para trazer diversas implicações para a vida das pessoas. Estes reflexos podem impactar nas práticas de atividades físicas, no combate à inatividade física e nas doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) relacionadas e na saúde pública, por exemplo, reafirmando a importância de ampliar os olhares neste sentido. Assim, o objetivo principal foi analisar o impacto das redes sociais virtuais, dos aplicativos de smartphones e dos wearables nas rotinas de atividades físicas de seus usuários. Foi realizada uma pesquisa descritiva exploratória de caráter transversal, por meio do método qualitativo, com uma entrevista semiestruturada envolvendo 32 participantes, com média de idade de 28,9 anos, praticantes de atividades físicas regulares e que afirmam utilizar redes sociais virtuais e possuir artefatos tecnológicos que possam estar relacionados com esta prática. Os resultados foram analisados por meio de técnicas da análise de conteúdo de Bardin. Foram encontrados diversos dados significativos, como a confirmação de que grande parte tem interesses nas informações sobre atividades físicas neste ambiente, a percepção de vulnerabilidade dos usuários quanto aos conteúdos, o fato de considerarem que estes fatores são aliados e também um direcionamento motivacional positivo, dentre outros. Por outro lado, alguns comportamentos negativos também foram relatados, como mudar de opinião após acessar conteúdos, mesmo sem buscar outras fontes para confirmar veracidade, a reprodução de treinos ou exercícios por alguns praticantes, o uso inadequado de algumas ferramentas disponibilizadas visando aumentar a visibilidade frente a outros usuários, podendo levar a riscos desnecessários. Desta maneira, é perceptível que estas novas realidades estão impactando nas práticas de atividades físicas, tanto para questões positivas, como para negativas. Com isso, é preciso que as reflexões conduzam a alterações nas atitudes tanto dos usuários, como dos profissionais da área da saúde. Estimular a criticidade, conscientizar quanto aos riscos, tornar clara a formação profissional quando publicar algum conteúdo, são alguns pontos importantes. Assim, conclui-se que é preciso ter atenção com esta temática, buscando uma utilização mais segura, promovendo educação e atitude consciente frente as possibilidades, contribuindo com uma imersão mais segura e, desta maneira, com a diversificação dos recursos empregados e um direcionamento cada vez mais benéfico. Palavras-chave: Educação Física; Desenvolvimento Tecnológico; Dispositivos eletrônicos vestíveis; Estratégias de e-Saúde; Redes sociais virtuais. NEW DIGITAL TECHNOLOGIES AND PHYSICAL ACTIVITY: CONTEMPORARY CHALLENGES Abstract Technological advances in recent years have enabled a number of new possibilities, including considering the increasingly representative immersion in virtual social networks, the use of smartphones and other tools. Thus, it is essential to understand several issues present in our reality. The contact with information and the risk inherent in its reliability, the smartphone becoming almost an extension of people, the expansion of wearables are questions that pose these new digital technologies with the potential to have different implications for people's lives. This can affect physical activity practices, the fight against physical inactivity and related non-communicable chronic diseases (NCDs) and public health, for example, reaffirming the importance of looking in this direction. Thus, the aim was to analyze the impact of virtual social networks, smartphone applications and wearables on users' physical activity routines. A descriptive exploratory research was conducted using the qualitative method, with a semi structured interview involving 32 participants, with an average age of 28.9 years, who practice regular physical activities and claim to use virtual social networks and have technological artifacts that may be related to this practice. The results were analyzed through content analysis techniques proposed by Bardin. Several significant data were found, such as the confirmation that most of them have interests in information about physical activities in this environment, the perception of users' vulnerability regarding content, the fact that they consider these factors to be allies and also a positive motivational direction, among others. On the other hand, some negative behaviors were also reported, such as change of opinion after accessing content, even without seeking other sources to confirm veracity, the reproduction of training or exercises by some practitioners, the inappropriate use of some available tools to increase visibility, which can lead to unnecessary risks. Thus, it is evident that these new realities are affecting the practice of physical activities, for both positive and negative issues. Thereby, reflections must lead to changes in the attitudes of users and health professionals. Stimulating criticality, raising awareness, exposing professional training when publishing content are some important points. Thus, we conclude that it is necessary to pay attention to this theme, seeking a safer use, promoting education and a conscious attitude towards the possibilities, contributing to a safer immersion and, in this way, with the diversification of the resources employed and an increasingly beneficial direction. Keywords: Physical Education; Technological Development; Wearable Eletronic Devices; e-Health Strategies; Virtual social networks. Lista de figuras Figura 1. Principais aplicações IoT – 2015. .............................................................. 33 Figura 2. Possibilidades relacionadas aos wearables. ............................................. 33 Figura 3. Dispositivos com melhor potencial de mercado nos próximos cinco anos.36 Figura 4. Principais grupos de usuários dos aplicativos mHealth. ............................ 37 Lista de quadros Quadro 1. Caracterização dos participantes............................................................. 81 Sumário 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12 1.1. Considerações iniciais .................................................................................. 16 1.2. Objetivos ...................................................................................................... 17 1.2.1. Objetivo Geral ........................................................................................ 17 1.2.2. Objetivos específicos ............................................................................. 17 1.3. Organização do trabalho .............................................................................. 17 2. INTERNET DAS COISAS E EDUCAÇÃO FÍSICA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL? . 20 2.1. Cibercultura: uma nova forma de interação .................................................... 20 2.2. Internet das Coisas ......................................................................................... 23 2.3. Como funciona a IoT e como se inserirá em nossas vidas ............................. 26 2.4. Quais são suas aplicações e os benefícios para Educação Física e saúde? . 29 2.5. A realidade que envolve a utilização das novas tecnologias .......................... 38 3. APLICATIVOS DE SMARTPHONES E ATIVIDADES FÍSICAS: CONTRIBUIÇÕES E LIMITAÇÕES .......................................................................... 43 3.1. Combate à inatividade física e tecnologias: abertura de novos caminhos? .... 45 3.2. Recursos e potencialidades ............................................................................ 48 3.3. Estratégias utilizadas para aumentar a motivação ......................................... 53 3.4. Cuidados envolvendo a utilização .................................................................. 55 4. PREOCUPAÇÕES CONTEMPORÂNEAS: DA INATIVIDADE FÍSICA À INFLUÊNCIA PELAS TECNOLOGIAS .................................................................... 58 4.1. Os perigos relacionados a inatividade física ................................................... 58 4.2. Refletir é necessário: Apontamentos sobre o envolvimento tecnológico ........ 61 4.3. Pós-verdade, imediatismo e o “mercado de curtidas e seguidores” ............... 73 5. MATERIAIS E MÉTODOS .................................................................................... 79 5.1. Método de pesquisa ....................................................................................... 79 5.2. Participantes ................................................................................................... 79 5.3. Instrumento da pesquisa ................................................................................. 82 5.4. Procedimentos ................................................................................................ 83 5.5. Análise dos resultados .................................................................................... 83 6. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................ 85 6.1. Informações envolvendo redes sociais virtuais ............................................... 86 6.1.1. Relações com informações disponibilizadas no ambiente virtual ............. 86 6.1.2. Interesse por notícias e busca pela veracidade ....................................... 93 6.1.3. Influência do ambiente virtual na prática .................................................. 98 6.1.4. Apontamentos sobre aspectos emocionais ............................................ 103 6.2. Interferências de aplicativos e tecnologias na prática ................................... 107 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 123 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 131 APÊNDICE A .......................................................................................................... 146 APÊNDICE B .......................................................................................................... 148 ANEXO A ................................................................................................................ 149 12 1. INTRODUÇÃO Os últimos anos têm sido marcados por uma evolução cada vez mais representativa das tecnologias, ocasionando também em alterações diretamente relacionadas com a utilização destas. O alto nível de conectividade, bem como o uso das mais diversas ferramentas por longos períodos de tempo traz a necessidade de discussão quanto às mais diversas implicações que estas novas demandas podem causar. A grande presença e as interações no ciberespaço já são uma realidade. Contudo, o surgimento de novas possibilidades como a internet das coisas (IoT), computação em névoa e nuvem, computação ubíqua, wearables (dispositivos vestíveis), pós-verdade, aplicativos, dentre diversos outros, tornam imprescindível a importância de aprofundamentos que visem esclarecer os reflexos causados nas vidas das pessoas, inclusive quanto a um aspecto delicado, como é o caso da saúde. A internet é uma das principais responsáveis pelas mudanças, pois não há limites para o alcance das informações nela disponibilizadas, além de viabilizar uma relação síncrona ou assíncrona, revolucionando também as inter-relações entre as pessoas. Chegamos assim ao que é considerado como cibercultura, que culminou no aumento cada vez mais representativo de tecnologias. Temos então, de acordo com os dados levantados pela We are Social (2017), que mais da metade da população mundial utiliza a internet, enfatizando o alcance que estas novas possibilidades possuem e também a necessidade de olhares sobre esta situação. Assim, de acordo com Santaella (2013), estar presente em todos os lugares, independente do momento, conduz a ideia de ubiquidade, transformando o tempo e o espaço. Temos assim, como um dos desdobramentos, a atual fase relacionada com a internet das coisas (Internet of Things – IoT), com os mais diversos objetos conectados e cada vez menos perceptíveis para as pessoas, assumindo inclusive o controle sobre algumas situações. Esta evolução e suas ramificações tenderão a provocar alterações, pois tudo que estiver ao redor das pessoas estará conectado, como o carro, os semáforos, a cafeteira, relógios, dentre diversas outras coisas que 13 fazem parte do dia-a-dia das pessoas, revolucionando diversos setores, inclusive relacionados com a saúde. Dados como os de Lemos (2012) já apontam para um número maior de “coisas” conectadas do que o de habitantes no planeta, o que é bastante representativo e reforça as mudanças que vêm ocorrendo. No âmbito da saúde e dos exercícios físicos, por sua vez, não ficam de fora desta onda “smart” ou “inteligente”, que ganha cada vez mais espaço, chegando à educação, fitness e saúde inteligentes, dentre outros. Por meio de inúmeros dispositivos conectados, haverá a possibilidade de otimização das tarefas, trazendo resultados muito mais significativos e eficientes. Caminhando neste sentido e considerando questões relevantes, como o aumento das doenças crônicas não-transmissíveis (DCNTs) relacionadas com a inatividade física e vistas como um problema em escala mundial (ALVES; BRUM, 2017), temos que a utilização de recursos que busquem promover as atividades físicas e melhorar a qualidade de vida das pessoas tornam-se uma necessidade, visando reverter esta tendência. Tecnologias como os wearables (ou dispositivos vestíveis) podem armazenar inúmeras informações das pessoas, como batimentos por minuto, temperatura, gasto calórico, localização, dentre diversos outros recursos. Assim, os serviços de saúde e seus profissionais podem utilizar todos estes dados coletados para tornar cada vez mais individualizado e eficaz o envolvimento com os pacientes. Os dispositivos podem ser relógios, colares, pulseiras, bonés, óculos, roupas, patches de monitoramento (que são como tatuagens), etc. Há um envio simultâneo das informações, que podem ser coletadas nos mais diversos momentos, como durante atividades físicas, trabalho e até mesmo ao longo de uma noite de sono. Estes tipos de tecnologias já ocupam o topo do ranking de aplicações, ultrapassando inclusive as cidades inteligentes e as casas inteligentes (IoT ANALYTICS, 2015b). Contribui-se assim para o mHealth, ou saúde móvel, que busca trazer melhorias para as pessoas por meio destes tipos de avanços tecnológicos. Os wearables estão entre as fontes de informações neste sentido, podendo contribuir bastante com os usuários e com os profissionais que estão diretamente relacionados com estes, trazendo benefícios. Segundo Rondon, Santos e Rondon (2017), existe um consenso entre os envolvidos com saúde pública de que as atividades físicas representam uma 14 importância muito grande para a saúde. Contudo, Alves e Brum (2017) relatam que a inatividade física é considerada uma epidemia mundial, trazendo preocupações devido ao fato de ser considerado um indicador de mortalidade e morbidade. Com isso, o uso das tecnologias pode ser um aliado na busca de tornar as pessoas mais ativas, bem como utilizar de todas as possibilidades tecnológicas viáveis para contribuir com a saúde destas, tanto no que se diz respeito à promoção quanto aos tratamentos necessários, respeitando cada caso e a individualidade. Outra situação que traz alterações neste contexto é a crescente utilização dos smartphones, os quais permitem com que todos os dados coletados por meio dos wearables e diversas outras informações disponíveis neste ambiente virtual sejam acessadas. Wang et al. (2016) destacam que estas informações podem ser acessadas em qualquer lugar e horário, de acordo com os desejos dos usuários, algo que pode transformar inclusive os cuidados com a saúde. Gabbiadini e Greitemeyer (2019) também dão ênfase ao fato de que estes tipos de ferramentas são uma realidade cada vez mais representativa, sendo que seis entre cada dez pessoas que possuem smartphones tiveram contato com aplicativos desta área. Alterações na motivação e monitoramento têm sido discutidas na literatura a partir desta realidade (HIGGINS, 2016). Os próprios aplicativos coletam dados das atividades físicas pelos recursos presentes nos smartphones, além de trazer resumos e diversas outras informações que podem ser acessadas e analisadas por usuários e por profissionais responsáveis pelas práticas. Também não se deve perder de vista o potencial de coletar informações dos wearables e ampliar a capacidade de fornecer informações sobre a atividade realizada. Outro recurso disponibilizado diz respeito ao compartilhamento destas informações nas redes sociais virtuais. Assim, temos que o envolvimento tecnológico nesta vertente não cessa apenas com as discussões e inclusões de aparelhos cada vez mais tecnológicos, como no caso dos wearables e aplicativos, por exemplo, contribuindo para a mHealth. Temos ainda a grande presença nas redes sociais virtuais, que promovem o contato dos usuários com os mais diversos tipos de informações, o que pode ter inclusive implicações negativas, pois nem sempre estas são corretas ou vieram de pessoas com formação profissional adequada para embasar o conteúdo que será consumido pelos usuários, o que pode representar um perigo. 15 Blogueiros, influenciadores digitais, dentre outras figuras que surgem nos ambientes de redes sociais virtuais passaram a ser visualizados por milhares de pessoas, levando ao surgimento dos seguidores, que buscam consumir o máximo de informações para ser aproximarem da imagem veiculada. É preciso ter consciência de que todas as informações devem ser verificadas, bem como o nível de conhecimento que aqueles que as disponibilizam realmente têm. Caso contrário, estaremos dando um passo para trás na busca de conscientização das pessoas, que passarão a valorizar informações incorretas e sem embasamento científico em detrimento do que é veiculado por profissionais responsáveis e comprometidos com a verdade. Este tema gerou, inclusive, um pronunciamento do ex-presidente do Conselho Regional de Educação Física (CREF4/SP), Flávio Delmanto, o qual ressalta que a banalização dos treinamentos e práticas esportivas pode trazer riscos fatais à saúde, muitas vezes motivados pela busca de publicidade de pessoas que não possuem nem formação profissional para tratar de assuntos de saúde. Percebe-se, portanto, que por meio das evoluções tecnológicas que ocorrem em ritmo bastante acelerado, novas demandas vão surgindo em diversos sentidos, sem que haja tempo suficiente para que as pessoas aprendam a lidar com muito do que aparece de novidade. Assim, a utilização destas novas ferramentas pode ter implicações positivas ou negativas, de acordo com o nível de instrução e criticidade do receptor. Diversas são as estratégias utilizadas atualmente na busca por ganhar e fidelizar os seguidores, que passam a ter contato direto e contínuo com informações que possuem o fim comercial acima da preocupação com a saúde. Este fato acrescenta mais uma preocupação para os profissionais, que agora precisam lidar também com a desconstrução de informações equivocadas passadas por meio de redes sociais virtuais e vistas como verdade pelos receptores, colocando a pós- verdade, os “fake news” (notícias falsas) dentre as novas demandas que deverão ser suportadas pelos profissionais no cotidiano. Sobre esta questão da pós-verdade, temos que é um termo que apresentou uma ascensão em sua utilização nos últimos anos (BARROS, 2017). Pode ser compreendida como a situação em que fatos possuem uma desvalorização na formação de opiniões quando confrontados com crenças pessoais ou emoções, principalmente quando consideramos um fluxo alto de informações (BARROS, 2017). 16 Desta maneira, serão discutidos nos capítulos a seguir temas relacionados com os avanços que os aparatos tecnológicos estão trazendo na busca por melhorias em diversos setores, como no caso da saúde e fitness. Também será discutido o envolvimento em redes sociais virtuais e temas como pós-verdade e influenciadores, buscando entender os aspectos positivos e negativos que esta nova realidade, cada vez mais imersa em tecnologias, traz para o cotidiano das pessoas. Portanto, estas temáticas constituem as novas tecnologias digitais que serão amplamente discutidas, compreendendo uma série de desafios contemporâneos para a área de atividades físicas e saúde. 1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS A atualidade vem cobrando cada vez mais das pessoas e dos profissionais uma adequação às inúmeras tecnologias e também à fugacidade com que as informações surgem, não restando muitas vezes tempo hábil para uma análise adequada que permita com que não tomemos por verdade equivocadamente uma informação inverídica. Isto se deve ao fato de que, na cibercultura, as pessoas estão cada vez mais em contato com as tecnologias e os avanços acontecem em uma velocidade muito elevada. Sendo assim, ao observar os comportamentos das pessoas no ambiente virtual e também relatos frente às alterações que estas novas realidades trazem para as práticas de atividades físicas, surgiu o interesse em compreender melhor esta interação. Desta maneira, considerando as informações apresentadas, a justificativa deste trabalho está na relação das pessoas com as novas tecnologias e a imersão cada vez mais representativa no ambiente da cibercultura, tornando fundamental discussões que envolvam o perfil benéfico ou maléfico de diversas ferramentas que estão disponíveis. Sendo assim, é preciso discutir a relação das pessoas com tecnologias, que podem estar alterando o contato com as atividades físicas, como no caso das redes sociais virtuais, que trazem diversas informações que são consumidas pelas pessoas sem que haja um filtro para averiguar a veracidade e também com relação a dispositivos tecnológicos como os aplicativos e wearables, procurando saber o quanto impactam nas práticas esportivas das pessoas. O conhecimento acerca destas informações traz contribuições tanto para os usuários destes recursos quanto para os profissionais da saúde, que podem 17 pautar suas atitudes tanto da perspectiva de atuação quanto da conscientização de seus alunos, permitindo uma interação mais saudável dentro desta nova realidade. 1.2. OBJETIVOS Considerando a justificativa apresentada, entende-se que existe uma grande influência por parte das novas mídias sociais e de novas tecnologias, como smartphones e wearables, que trazem novos desdobramentos em relação à saúde, cabendo então entender quais são os reais impactos nas atividades físicas na atualidade. 1.2.1. Objetivo Geral Analisar o impacto das redes sociais virtuais, dos aplicativos e dos wearables nas rotinas de práticas de atividades físicas de seus usuários. 1.2.2. Objetivos específicos  Analisar o uso de redes sociais virtuais, de aplicativos e de wearables, e sua influência sobre a motivação à prática de atividade física.  Analisar o contato das pessoas com informações sobre atividades físicas no ambiente online e a busca pela veracidade das mesmas.  Observar a percepção dos usuários quanto a inserção destas novas possibilidades em suas práticas de atividades físicas. 1.3. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO Nos próximos capítulos, serão expostas questões relevantes para uma reflexão adequada sobre o assunto. Isto permitirá um embasamento que nos conduza a uma análise adequada da situação proposta, contribuindo para um aprofundamento na área e uma análise fidedigna do assunto. O segundo capítulo expõe os avanços das tecnologias e a importância que a Internet das Coisas representa na atualidade, tornando-se uma realidade cada vez 18 mais consolidada e que necessitará de olhares quanto ao envolvimento. Também serão expostas questões que permitirão entender como estas tecnologias funcionam, sua representatividade, arquitetura e aplicação, permitindo compreender sua importância crescente e como se inserirá na área de saúde e atividades físicas. Os wearables também apresentam um papel de destaque neste momento e, por meio da expansão do mHealth, ocupam um papel de protagonismo, como poderá ser observado. O terceiro capítulo trata da crescente utilização dos smartphones e, a partir disto, do uso de aplicativos voltados às práticas de atividades físicas. Há a exposição das potencialidades e dos possíveis reflexos dos mesmos nas vivências dos usuários, podendo trazer contribuições para o automonitoramento, cuidados com saúde, intervenções profissionais, dentre outros. Informações quanto a busca por aumentar a motivação dos usuários e também alguns cuidados apontados pela literatura são expostos, viabilizando uma contextualização da atual situação referente a esta possibilidade. No quarto capítulo, por sua vez, o destaque ficará por conta da importância das atividades físicas e do panorama geral em que estas encontram-se, refletindo diretamente na qualidade de vida e na saúde das pessoas, além do envolvimento das pessoas com as informações que circulam de modo cada vez mais fugaz nas redes sociais virtuais. Este fato pode ter diversos desdobramentos, mas nem sempre positivos, pois como poderá ser observado, a realidade presente na pós-verdade, nos influenciadores digitais e em diversas outras questões que serão aprofundadas neste capítulo, trarão novos desafios aos profissionais, a fim de evitar que a chamada “era da informação” tenha um efeito reverso pelo consumo de mensagens inverídicas por parte dos usuários. Assim, optou-se pela utilização do método qualitativo, que permitiu a análise das respostas de 32 participantes, que eram praticantes de atividades físicas e usuários de redes sociais virtuais ou aplicativos e wearables relacionados à prática esportiva. Em seguida, foram expostos e discutidos os resultados com base na análise de conteúdo, viabilizando entender e refletir sobre o impacto que estas novas possibilidades estão causando nas atividades dos praticantes. As considerações finais, por sua vez, com base nas análises realizadas, fecham os raciocínios e apresentam uma leitura sobre o que foi encontrado. 19 Detalhamos possíveis limitações que consideramos que precisavam ser expostas, concluindo assim a busca pelos objetivos estabelecidos. 20 2. INTERNET DAS COISAS E EDUCAÇÃO FÍSICA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL? Considerar que o avanço cada vez mais veloz das tecnologias que nos rodeiam pode ser ignorado e, desta maneira, não afetará nossas vidas, já não é mais uma ideia plausível. Uma vez que o mundo está cada vez mais conectado e, por mais simples que seja a interação das pessoas com as novidades (como a conectividade por longos períodos), já é uma realidade de grande parte da população brasileira, há assim um direcionamento para a influência crescente de aparatos tecnológicos em nossas vidas. Considerando o universo empresarial, por exemplo, Santos (2016) afirma que dos 779 grandes líderes de negócios com representatividade global, 60% consideravam que é imprescindível que as empresas sejam rápidas na integração de fatores tecnológicos, como a Internet das Coisas, para que assim seus negócios não ficassem para trás dos concorrentes. Quanto ao convívio no ciberespaço, Alcântara (2013) já destacava ser uma realidade cada vez mais comum entre as pessoas. Desta maneira, deve ser algo que demande maior atenção em relação aos possíveis reflexos que podem causar no cotidiano destas pessoas que fazem o uso desenfreado, muitas vezes, das mais diversas ferramentas. Percebe-se que a utilização de termos como Internet das Coisas, Internet de Tudo (Internet of Everything – IoE), computação em névoa e nuvem, cibercultura, computação ubíqua, computação pervasiva, dentre outros, vão passar a fazer parte constantemente do nosso dia-a-dia e, desta maneira, representarão mudanças nas nossas vidas. Por isso, a discussão de questões como estas pode facilitar o entendimento deste processo que estamos vivenciando, que será o propósito deste capítulo. 2.1. CIBERCULTURA: UMA NOVA FORMA DE INTERAÇÃO A evolução tecnológica trouxe consigo uma ampla possibilidade de mudanças que alteraram muitas das relações e das possibilidades de trocas de informações entre as pessoas, independentemente da distância ou de outros tipos de barreiras que antes eram comuns. Essas alterações viabilizaram uma presença no ambiente online bastante representativa e com grande potencial. 21 Linhares (2013) destaca o fluxo de informações que ultrapassam barreiras como as fronteiras e encurtam as distâncias entre as nações, criando a chance de uma conexão mais frequente e rica com as informações que estão circulando. Principalmente, decorrente do acesso constante à internet, que propicia alta velocidade de troca, podendo ser acessada, idealmente, por qualquer pessoa e em qualquer lugar. A internet deu um grande passo no enriquecimento das relações entre as pessoas no ambiente virtual quando ampliou as chances de comunicações de modo síncrono ou assíncrono, isto é, instantâneo ou por meio de mensagens que podem ser lidas e respondidas posteriormente, sem a necessidade de ambos estarem conectados simultaneamente. O próprio modo como a internet transformou-se ao longo do tempo alterou consideravelmente sua possibilidade de utilização. Desta maneira, viabilizou o surgimento da cibercultura, pois quando foi criada, com finalidade militar e posteriormente transformada em Web 1.0, ainda não permitia a interação com o usuário (SFOGGIA; KOWACS, 2014), isto é, tratava-se de uma comunicação unidirecional. A partir do que foi chamado de Web 2.0, houve uma verdadeira revolução que culminou no que chamamos hoje de cibercultura. Esta nova possibilidade trouxe uma base estruturada na conectividade ampliada, com grande participação e interação entre os usuários, o que passou de informações sobre o mundo para o próprio mundo, de acordo com Winner (2010). A cibercultura seria, de acordo com Zanetti (2013), uma relação de troca entre as tecnologias que são desenvolvidas, a sociedade e a cultura, propiciando assim por meio do aumento exponencial do uso da tecnologia pelos mais diversos aparatos que facilitam o acesso, uma convergência no espaço virtual. Mas deixando claro que a tecnologia não comanda a cultura, mas sim a cultura que passa a ter ampla presença das tecnologias. Podemos perceber esta relação apresentada como algo que acaba sendo até mesmo comum nos dias atuais, como pessoas com perfis nas mais diversas possibilidades de redes sociais online, permanecendo conectadas o dia todo por meio dos smartphones, interagindo de maneira síncrona e assíncrona com outras pessoas e tendo acesso a informações diversas que rompem com os limites 22 territoriais. Em questão de segundos, podemos saber sobre algo que ocorreu do outro lado do mundo, evidenciando o potencial deste uso. Agora, as comunicações muitas vezes ocorrem no ciberespaço, que é definido por Zanetti (2013) como o ambiente no qual o corpo não tem a necessidade de presença física para que possa se comunicar ou se relacionar. Esta realidade será cada vez mais comum, graças à internet e às tecnologias que podem potencializar este processo. Alcântara (2013) considera isso como um processo irreversível e que necessita de novos olhares. Um dos aspectos que são fundamentais nestas leituras realizadas sobre o contexto contemporâneo é que as interações que ocorrem no ciberespaço são reais, como apontado por Baldanza (2006), pois as pessoas que estão no controle dos computadores ou de outras ferramentas são reais, apesar não termos a presença do corpo. Keen (2012) destaca que estas novas possibilidades nos colocam em todos lugares e ao mesmo tempo que em lugar algum, criando inquietações quanto ao que é totalmente falso ao mesmo tempo em que é totalmente real, potencializados pelo estilo de vida conectada transparente pelo qual estamos cada vez mais imersos. Sendo assim, é claro o fato de que é bastante complexa a análise que envolve estes novos modos de interação, que possuem uma aceitação ascendente e que, de acordo com as projeções para um futuro cada vez mais conectado, como será visto mais à frente, demandam bastante aprofundamento para entender estas novas dinâmicas. Sfoggia e Kowacs (2014) já apontavam dados que colocavam o Brasil como o quinto país mais representativo no que se diz respeito a pessoas conectadas. Esta realidade de pessoas cada vez mais conectadas não é um privilégio ou uma característica marcante do contexto brasileiro, apesar de 90% dos usuários acessarem redes sociais virtuais todos os dias (WEARESOCIAL, 2017), mas sim uma tendência mundial. Dados do We are Social (2017) apontam só entre 2015 e 2016 um aumento de 10% nos usuários da internet, o que representa 354 milhões a mais apenas neste período, além de 21% a mais de usuários ativos em redes sociais virtuais, correspondendo a 482 milhões neste período. Estes dados levantados também enfatizam que existem 3,77 bilhões de usuários globais, ultrapassando mais de 50% da população mundial. 23 Santos e Nicolau (2012) destacam então que a cibercultura está diretamente relacionada com o ciberespaço, ganhando maior representatividade na atualidade e necessitando de remodelamentos, de acordo com cada nova tecnologia que é criada, alterando e adaptando o envolvimento que existe entre as novas mídias e as pessoas. Sendo assim, é preciso entender um pouco mais das mudanças que estão direcionando nossa sociedade a estar cada vez mais conectada e presente neste ambiente, como no caso da computação ubíqua, da IoT, dentre outros termos que passarão a ficar cada vez mais recorrentes no cotidiano das pessoas. 2.2. INTERNET DAS COISAS A Internet das Coisas pode ser vista como uma infraestrutura de rede global dinâmica com potencial de autoconfiguração, devido a comunicações padrão e interoperáveis nas quais a coisas físicas e virtuais possuem identidades, atributos físicos e personalidades virtuais, além do fato de usarem interfaces inteligentes sendo assim pertencentes a uma rede de comunicações (CERP IOT, 2009). Com isso, busca-se que as “coisas” sejam ativas, interagindo com o ambiente e comunicando-se entre si, coletando e trocando informações e dados coletados que permitam reagir de forma autônoma aos eventos que ocorrem no mundo real, criando situações que envolvam ou não a intervenção direta do ser humano (CERP IOT, 2009). Para Santos (2016), a IoT integra o mundo real no tecnológico. Isso devido aos nossos dispositivos e objetos que fazem parte do cotidiano passarem a ter sensores que os tornarão capazes de manterem uma comunicação inteligente. Para ele, uma “coisa” poderá ser uma pessoa com monitor cardíaco durante um exercício físico, um carro com sensores que alertam para questões de funcionamento, dentre outras diversas possibilidades. Sri, Prasad e Vijayalakshmi (2016) salientam que a IoT auxiliará na comunicação que envolve as pessoas com outras pessoas, as pessoas com objetos físicos e objetos físicos com outros objetos físicos. Como é perceptível, esta nova possibilidade irá alterar muitos mecanismos que fazem parte do nosso dia-a-dia. Considerando o número de objetos conectados, havia diversas projeções, como a de que em 2008 o número destes excedeu ao de habitantes no planeta (LEMOS, 2012), ou que em 2010 este dado já era uma realidade (SINGER, 2012). O 24 fato é que em 2010, o número de objetos conectados já era de 12,5 bilhões para 6,8 bilhões de habitantes, o que representa quase dois por habitante, com projeções de que até 2020, o número salte para 50 bilhões para uma população de 7,6 bilhões, o que representará 6,58 objetos conectados para cada habitante (EVANS, 2011). Estas mudanças com dados tão representativos ilustram claramente o caminho que está sendo trilhado mundialmente e que reflete na ideia de que é algo que pode ser visto como uma tendência que não tem volta, que está presente no futuro de todos os países, não entrando no mérito da discussão que envolve o acesso de todos, principalmente nos países mais pobres. Lemos (2009) denomina estas mídias que estão espalhadas nos mais diversos contextos de mídias locativas, destacando uma finalidade de aliar a mobilidade com a localização, levando ao ciberespaço informações que podem chegar aos dispositivos de qualquer pessoa, em qualquer lugar, direcionando para o que é chamado de computação ubíqua. Santos e Nicolau (2012) citam que a ideia de “aldeia global” que foi defendida há algum tempo atrás, nunca foi tão atual como agora, pois cada vez mais a sociedade está dependente da internet para se relacionar e também com a finalidade de comunicação, sendo considerada uma sociedade em rede, de acordo com Castells (2003), utilizado pelos autores para embasar esta afirmação, pois este considera que a internet possui geografia própria. Nunes (2012) considera que a computação ubíqua se beneficia do potencial de mobilidade da computação móvel (dispositivos como tablets, smartphones, dentre outros, que são móveis e permitem acesso em diversos lugares) e da computação pervasiva (ou capacidade de integração de computadores no ambiente de forma transparente para as pessoas), fazendo com que as necessidades sejam atingidas por diversos serviços. Com isso, a ideia da ubiquidade está sendo fortalecida. Santaella (2013) afirma que esta é relacionada ao princípio de presença em todos os lugares, a qualquer momento, estando sempre disponível e sendo algo persistente. Já Santaella et al. (2013) afirmam que há uma superação ao que se considera tempo e espaço tradicionais, pois em rede, existe a ocorrência de diversos eventos, nas mais distintas localidades, mas de modo simultâneo. Ainda de acordo com estes autores, nestas redes ubíquas, a computação torna-se cada vez mais invisível, estando presente nos mais diversos objetos do cotidiano, permitindo que assim tenham identidade e comuniquem-se entre si. Assim, chegamos a IoT, que é a fase atual da internet, na qual objetos podem 25 assumir o controle em relação a diversas necessidades cotidianas, sem que precisem de humanos para comandá-los. Para Santos (2016), a IoT une informações diversas, que podem ser originadas de dispositivos (smartphones, carros, semáforos, dentre outros) e também de aplicações (como redes sociais, comércio eletrônico, plataforma de controle do trânsito, etc.). Ainda cita que 96% dos grandes líderes de negócios a nível mundial desejavam ainda em 2016 fazer uso da IoT em seus empreendimentos. Gartner (2015), por sua vez, destaca que somente no ano de 2016, seriam gastos U$235 bilhões com a IoT, o que representaria um aumento de 22% em relação ao ano de 2015. Dados como este reafirmam o que Santos (2016) apontou, ou seja, a IoT vai transformar o modo de viver, o aprendizado e o trabalho das pessoas, de maneira a otimizar e automatizar tarefas simples do dia-a-dia. As empresas privadas também utilizarão estes dados para melhorar os serviços e acertar mais nos produtos. Estaremos também cada vez mais próximos do que será chamada de Web Semântica. Para Santos e Nicolau (2012), esta diz respeito ao estudo do significado, de maneira que possa interligar e viabilizar com que estes sejam identificados e percebidos pelos humanos e pelas máquinas. Este fato seria muito enriquecedor para a internet, melhorando claramente sua aplicabilidade e com buscas cada vez mais específicas, otimizando o tempo e levando em consideração contexto e necessidades do usuário envolvido. Um exemplo palpável da evolução está na busca, que na Web 2.0 alcançava milhares de resultados, exigindo do usuário esforço na filtragem, que poderia levar muito tempo, devido à falta de precisão. Na Web 3.0 (Semântica), em mecanismos como o anunciado pelo Google, chamado de gráfico de conhecimento, os computadores vão disponibilizar opções que estejam relacionadas com a palavra buscada, para que a pesquisa seja melhor direcionada (SANTOS; NICOLAU, 2012). Ainda de acordo com Santos e Nicolau (2012), é importante deixar claro que a Web 3.0 não é a dos smartphones ou computadores, mas sim de todos aparelhos que estarão conectados à internet. Assim, a TV, o carro, e tudo que nos rodeia estará conectado, permitindo que a cafeteira seja acionada ao detectar que a pessoa terminou o banho após acordar, além dos sensores detectarem alterações 26 na luminosidade e fazerem as adaptações necessárias, dentre outras novas possibilidades, como ficará mais claro a seguir. 2.3. COMO FUNCIONA A IOT E COMO SE INSERIRÁ EM NOSSAS VIDAS A questão que é tratada como computação ubíqua, presente em todos lugares e sendo persistente, como dito anteriormente, foi possibilitada pelos avanços em tecnologias como wireless, Bluetooth, Zigbee, dentre outros, e também avanços em relação à microeletrônica, melhoras nas interfaces móveis, dentre outros (SANTAELLA et al., 2013). Isto quer dizer que diversas tecnologias estão permitindo cada vez mais e com melhor qualidade com que diversas informações sejam captadas dos ambientes em que nos inserimos e usadas para interferir positivamente no nosso cotidiano, como será perceptível nesta etapa de discussão. Etiquetas como a RFID (Radio Frequency IDentification) que utilizam rádio frequência, o QRCode que permitem o escaneamento pelos smartphones de informações digitais, além de sistemas de sensoriamento que passaram por evoluções permitem com que novos dados detectados no ambiente aumentassem o alcance e a autonomia do processamento das redes. Outro fato importante é que a nanotecnologia tem possibilitado com dispositivos cada vez menores se conectem e interajam. (SANTAELLA et al. 2013). De acordo com Moura (2016), todas informações que são coletadas partem para um armazenamento de dados em repositórios. Torna-se necessário assim, para viabilizar o processamento e recuperação destas, as tecnologias de web semântica, enriquecendo a relação entre objetos, informações e os contextos em que estão presentes. As comunicações wireless entre os dispositivos da IoT utilizam o Wi-fi (que tem grande capacidade de transferência de dados, mas consome muita quantidade de energia para atuar), o Bluetooth (que opera em distâncias menores e precisa de menos energia, com menor capacidade de dados), o Zigbee (baixa potência, barato, baixa transmissão de dados, tem ganhado espaço no mercado) e o Thread (suporta até 250 dispositivos, permitindo cada casa possuir sua rede, com capacidade de retransmissão de dados, assim como o Zigbee) (SANTOS, 2016). Além destes, o já citado RFID, baseado na identificação por rádio frequência, facilita a coleta automática dos dados, identificando objetos com etiquetas eletrônicas ou tags, 27 capazes de emitir sinal para os leitores responsáveis por captar estas informações. Como as etiquetas têm baixo custo e permitem controle de veículos, identificação de pessoas, dentre diversas outras possibilidades, têm sido bastante promissoras. Por fim, o NFC (Near Field Communication), permite que dados sejam transferidos, mas em uma distância curta, como ao aproximar dois aparelhos (SANTOS, 2016). Ao considerar então que estas tecnologias estão aumentando exponencialmente e que um grande volume de dados é coletado pelas mesmas, chegamos a um dos principais desafios da IoT, já que para ter utilidade, há necessidade de analisá-los. O Big Data1 representa assim este imenso número de dados que são armazenados e precisam ser geridos, possibilitando a extração dos dados relevantes (SANTOS, 2016). Assim, dados apontados pela SUPER INTERESSANTE (2014) destacavam que cada ação realizada no nosso cotidiano é armazenada, como ligações, mensagens, consultas a plataformas de busca, uso de cartões de crédito, dentre outros, que são ligadas ao nosso perfil. Como nem todas as informações têm relevância, estima-se que em torno de 22% são tratadas como úteis e, desse número, apenas 5% são realmente analisadas. Com isso, chegaremos à IoE, que reúne as pessoas (com uma conexão mais eficaz), processos (levando informações corretas, no momento oportuno para as máquinas ou pessoas que precisarem), dados (utilização inteligente na tomada de decisão) e as coisas (dispositivos da IoT). Assim, serão milhões de “coisas” com sensores conectados, levando informações que o Big Data terá como base na aquisição de sabedoria para as decisões. Com a infinidade de pequenos dispositivos que nos cercarão, serão necessárias diversas opções de conectividade. Outra necessidade será a interoperabilidade. Assim, há uma arquitetura aberta, em camadas, com potencial de escalabilidade, para assim suportar os futuros aplicativos, que serão bastante heterogêneos (SRI; PRASAD; VIJAYALAKSHMI, 2016). Dentre as camadas necessárias, a primeira é a de percepção, na qual as informações serão adquiridas, inclusive utilizando os usuários como fontes, a partir de sensores que coletarão, analisarão e processarão o que for necessário. As 1 Big Data são “mega dados”, ou seja, dados coletados sobre tudo que existe, quantificando-os. Assim, busca-se a medição, o registro e a análise do mundo, visto que as informações digitais têm o potencial de ser analisadas em tempo real (ABREU, 2015). 28 tecnologias de reconhecimento identificam os objetos físicos, como no caso de RFID e de outras, citadas anteriormente (SRI; PRASAD; VIJAYALAKSHMI, 2016). Em seguida, de acordo ainda com estes autores, a informação coletada vai para a segunda camada da rede, para assim chegar ao processamento da mesma, como no caso do wireless, Bluetooth, dentre outros. A seguir, na camada Middleware, há o fornecimento de serviços às pessoas, além do armazenamento no banco de dados do que foi coletado. Por último, na camada de aplicação, os aplicativos são gerenciados com base na camada anterior, dando origem às casas inteligentes, trânsito inteligente, dentre diversos outros serviços (SRI; PRASAD; VIJAYALAKSHMI, 2016). A computação em névoa e em nuvem são fundamentais nesta nova realidade. A névoa é responsável pelo pré-processamento e monitoramento, principalmente dos dados capturados pelos sensores dos aparatos, antes de enviar para nuvem, além do armazenamento e da segurança. Assim, questões como filtragem, análise dos dados, replicação, distribuição, criptografia, dentre diversos outros, são realizados nas camadas da névoa, que estão na borda da rede (SETHI; SARANGI, 2017). Já a nuvem apresenta a estrutura principal, com flexibilidade e escalabilidade. Nesta infraestrutura, os serviços como plataforma, software e o armazenamento é realizado. Com isso, é possibilitado com que algumas respostas sejam dadas em tempo real pela névoa e depois que haja uma interação com a nuvem, como no caso de uma ambulância, que ao ser detectada pelos sensores, tem a passagem liberada em semáforos inteligentes em tempo real e, posteriormente, os dados são enviados para nuvem, permitindo um panorama geral do trânsito na cidade (SETHI; SARANGI, 2017). Assim, como é viável perceber, cada vez mais os dispositivos relacionados a IoT vão fazer parte de nossa realidade e estar inseridos em nossa rotina. Será o caso das casas inteligentes, do e-health, do trânsito inteligente, dentre diversos outros serviços que interferirão direta e indiretamente em nossas vidas, necessitando que não apenas as empresas se adequem, mas também todas as pessoas, pois esta é uma forte tendência de como as coisas acontecerão, sendo que alguns serviços já não são uma realidade tão distante em alguns contextos. 29 2.4. QUAIS SÃO SUAS APLICAÇÕES E OS BENEFÍCIOS PARA EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE? As aplicações relacionadas a IoT podem ser as mais diversas, como carros, casas, transporte, logística inteligentes, cuidados com a saúde, agricultura, monitoramento, dentre diversos outros (SRI; PRASAD; VIJAYALAKSHMI, 2016). Estas modificarão nossas vidas e, com um olhar positivo para estes avanços, poderão trazer melhor qualidade de vida, menos desperdícios, maior conectividade, etc. Para que as questões tratadas neste tópico sejam realidade, ainda existem muitos desafios que precisam ser enfrentados, como os riscos à segurança e à privacidade (MOURA, 2016; SANTOS, 2016), a quantidade de informações que é disponibilizada (SANTOS; NICOLAU, 2012), além de padronização, interoperabilidade, energia de sensores, armazenamento dos dados (SRI; PRASAD; VIJAYALAKSHMI, 2016), dentre outros. Para obter ciência sobre a importância destes desafios frente às possibilidades de aplicação que serão discutidas, Muhic e Hodzic (2014) estimavam que até o ano de 2020, os custos com segurança neste setor aumentariam para em torno de $3 trilhões. Outro estudo (HP, 2014) apontou para graves falhas de segurança em 70% dos dispositivos IoT. Este fato é um risco, considerando os diversos dados pessoais, como cartões de crédito, documentos, informações de saúde, dentre outros que podem ser acessados. Além disso, muitos destes ainda são incompatíveis, sendo que para que sejam incluídos nas questões de saúde, nas casas e em diversos outros contextos, é necessário que haja padronização que facilite a interoperabilidade (SRI; PRASAD; VIJAYALAKSHMI, 2016). Estes dados justificam um pouco da importância destas preocupações serem sanadas para o avanço pleno desta tecnologia, viabilizando uma maior expansão. Considerando as possibilidades de aplicação, diversos tipos de ações serão transformados em “inteligentes”, como saúde, correios, transportes, agricultura, negócios, casas, carros, dentre outros (SRI; PRASAD; VIJAYALAKSHMI, 2016), possibilitados pelas arquiteturas e seus componentes, como citado anteriormente. Assim, Sri, Prasad e Vijayalaksmi (2016) citam que há 14 domínios de categorização, como cultura e turismo, saúde, transporte, fábricas inteligentes, estilo 30 de vida, emergências, casas inteligentes, agricultura, cidades inteligentes, energia, meio ambiente, varejo, interações com usuários e gestão de mantimentos. O que se espera e deve tornar-se uma realidade aos poucos, é que as “coisas” ou computadores passarão a tomar o posto das pessoas, por meio das informações coletadas. Isso fará com que haja menor gasto de tempo, além de muitas vezes possibilitar que os custos relacionados a algumas tarefas ou mesmo às perdas de materiais sejam evitadas (MUHIC; HODZIC, 2014). Assim como diversas possibilidades estão sendo avaliadas a fim de promover maior automação nas casas, nos transportes, na economia de energia, dentre outros, já é uma realidade o desenvolvimento de aplicações nas áreas de saúde, fitness e até mesmo na educação. No caso da saúde e fitness, busca-se um acompanhamento mais contínuo por meio de smartphones, por exemplo (SETHI; SARANGI, 2017). Nunes (2012) aponta para uma inatividade física que poderia tornar-se um considerável problema a nível mundial, visto que o sedentarismo tanto nas atividades diárias como também na ausência de práticas esportivas, poderia estar acelerando as doenças crônicas não transmissíveis, como a obesidade, a diabetes, a hipertensão, dentre outros. Estas doenças têm projeções alarmantes para os próximos anos, de acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) destacados por Nunes (2012), podendo chegar até 44 milhões de mortes relacionadas até o ano de 2020, necessitando de intervenções adequadas para prevenir estes tipos de problemas. A promoção de atividades físicas está entre as ações com grande importância neste sentido, melhorando a qualidade de vida, podendo ser auxiliada pela utilização por parte dos profissionais de tecnologias que favoreçam a gestão das informações. Este novo modo de acompanhar as pessoas pode trazer contribuições em suas atividades físicas, na alimentação realizada cotidianamente e nos exercícios realizados, buscando também dados que aumentem o conhecimento em relação ao estilo de vida das pessoas que estão envolvidas, tornando viável saber como está a aptidão física e dar sugestões válidas (SETHI; SARANGI, 2017). Fica claro assim que este é um contexto com grande potencial de ligação com esta nova realidade. Moura (2016) salienta que a IoT tem um caráter revolucionário pela diversidade de aplicações que podem ser desenvolvidas e também pelos diversos contextos em que pode ser utilizada, além da questão do acesso às 31 informações, o que o autor considera ser “incontornável à medida em que se associa e integra à Internet da informação e dos serviços” (MOURA, 2016, p.86). A atualidade torna possível situações como as citadas por Piwek et al. (2016), nas quais um terço dos médicos do Reino Unido afirmam que é comum a chegada de pacientes com sugestões para o tratamento baseadas em pesquisas que os próprios sujeitos realizaram em plataformas de busca. Os wearables, que são os grandes “astros” da IoT relacionados aos exercícios e atividades físicas, têm potencial de serem o “próximo Dr. Google”, como os autores destacam. Outro estudo que demonstra como mudanças têm ocorrido foi realizado com dois mil cidadãos dos Estados Unidos, no qual percebe-se que aproximadamente 60% destes já trocaram informações sobre a saúde com seus respectivos médicos por meio de smartphones (VEIGA et al., 2017). Fantoni (2016) cita que unir estas novas tecnologias com a saúde leva ao surgimento de novas interações entre as pessoas e os serviços, o que se aproxima de decisões compartilhadas. Os wearables são dispositivos vestíveis que possuem tecnologias que são muito importantes e poderão auxiliar bastante, futuramente. Santos (2016) afirma que estes recolhem informações do usuário, como no caso de batimentos cardíacos, gasto calórico, temperatura do corpo, dentre outros. Tudo que foi coletado é armazenado, podendo chegar aos serviços de saúde ou mesmo ser compartilhados, levando em conta as políticas de privacidade. Assim, os wearables podem ajudar em mudanças de comportamento dos usuários com o fornecimento de dados. Mas ainda existe uma série de preocupações, como com a confiabilidade e segurança para estes usuários. O que não dá para deixar de levar em consideração por parte dos pesquisadores e profissionais da saúde é que estes avanços vão interferir nos cuidados com a com a mesma (PIWEK et al., 2016). Com relação à sincronização de dados e às questões legais e éticas envolvidas, Veiga et al. (2017) relatam que países como a Coreia impedem que os dados diretamente relacionados com a saúde sejam armazenados fora do hospital, enquanto que no Brasil ainda há discussões no âmbito do Conselho Federal de Medicina. Este tipo de discussão é muito importante, pois como poderá ser visto posteriormente, a quantidade de informação coletada das pessoas é elevada e o uso destes dados precisa ser debatido, visto que como aponta Santos (2016), algumas informações confidenciais são compartilhadas e podem levar a diversos fatores de 32 risco. Por isso, a União Europeia discutiu a implantação em 2017 de um regulamento para lidar com a IoT, protegendo dados, dando direito ao esquecimento, garantindo privacidade, dentre outras ações, podendo aplicar altas multas aos que descumprirem, sejam pessoas ou empresas (SANTOS, 2016). Fato é que estes dispositivos podem viabilizar o recebimento dos dados de inúmeros pacientes aos serviços médicos, permitindo com que sejam organizados e, devido à atualização em tempo real, informações completas das pessoas facilitarão os atendimentos e tratamentos (SANTOS, 2016), revolucionando este tipo de relação. Alguns dos principais wearables são os relógios inteligentes, os óculos, as pulseiras, os patches de monitoramento (que são como tatuagens), roupas, colares, bonés, etc. Estes permitem o acompanhamento e armazenamento de dados de atividades diárias, exercícios, sono e muitas outras possibilidades. Um dos pontos fortes está no envio em tempo real de dados relacionados a estas ações. É viável também, de acordo com Santos (2016), que haja o monitoramento de pacientes com estas tecnologias, para que assim os familiares ou cuidadores sejam avisados quando aumentarem às chances de ocorrerem riscos de quedas ou outros, bem como propiciar serviços de emergência, por exemplo, que poderão utilizar estes dados. Contudo, precisamos salientar um ponto fundamental neste tipo de situação, como no caso do contexto em que o indivíduo está, pois os sensores de frequência cardíaca podem estar indicando valores alterados devido a exercícios físicos e não a um problema, o que conduz a necessidade de combinar estes dados, possibilitando leituras corretas (SETHI; SARANGI, 2017). A representatividade do uso destes sensores pode ser percebida por levantamentos como os da IOT Analytics (2015a,b), nos quais em 2014, os wearables eram o segundo colocado, perdendo para a casa inteligente, e passaram já em 2015 para a primeira colocação, enquanto as cidades inteligentes ocuparam o segundo lugar e as casas inteligentes ficaram com a terceira posição, como pode ser visto a seguir, na Figura 1. O ranking da IoT Analytics (2015b) destacou um aumento considerável dos wearables, com mais de 33% de pesquisas na plataforma Google, além do dobro de discussões no LinkedIn, conduzindo-os para o topo deste ranking de popularidade. Neste período, ainda de acordo com estes dados, os relógios inteligentes (smart watch) obtiveram destaque, devido ao lançamento do “Apple Watch”. 33 Figura 1. Principais aplicações IoT – 2015. Fonte: IoT Analytics (2015b) Outro dado da IoT Analytics (2016), agora a respeito de projetos e não de popularidade, colocam os ambientes industriais como em destaque, seguidos por cidades inteligentes e energia inteligente. Contudo, ao observar por continentes, as Américas (com destaque para América do Norte) são bastante fortes na saúde conectada (61%), enquanto as cidades inteligentes têm mais projetos na Europa (47%) e a energia inteligente na Ásia (25%). Piwek et al. (2016), ao discutirem o aumento dos dispositivos relacionados ao fitness, citaram dados de que aproximadamente 19 milhões destes fossem vendidos em 2016, podendo chegar a 110 milhões em 2018. Além disso, afirmam que os wearables, tanto os relacionados com a saúde quanto os médicos, estavam tendendo a originar um único, que monitore diversos fatores médicos. Estes dispositivos, ainda de acordo com estes autores, apresentam o potencial de colocar os pacientes em contato com análises individuais que ajudariam em cuidados preventivos, melhorias na saúde e facilitar no tratamento de doenças, como poderá ser observado na Figura 2. Figura 2. Possibilidades relacionadas aos wearables. 34 Fonte: PIWEK et al. (2016). Os recursos apresentados na Figura 2 clarificam a diversidade de informações que podem ser percebidas por meio dos relógios, das roupas, ou de outros artefatos ligados ao nosso corpo. Piwek et al. (2016) citam que oxímetros em anéis podem detectar frequência cardíaca, sensores de eletromiografia nas roupas podem trazer dados da atividade do músculo, o sono pode ter padrões revelados por acelerômetros de relógios, assim como estes também podem trazer informações dos exercícios, dentre outros, revelando que as possibilidades são inúmeras, assim como os dados disponíveis sobre o sujeito. Outro recurso que vem ganhando espaço é o sapato/tênis inteligente. Como aponta Kaul (2018), a contribuição estaria relacionada desde acompanhar condicionamento físico e desempenho até questões de saúde, por meio do feedback individualizado. Ainda de acordo com a mesma, diversas marcas têm investido em sensores de pressão e outros recursos que disponibilizariam dados sobre ritmo, cadência, número de passos, distância, bem como análise de postura, fadiga, calorias, dentre outras, favorecendo a saúde e prevenindo lesões. Outras perspectivas apontadas pela autora dizem respeito ao uso destes sapatos por trabalhadores em construções, podendo detectar fadiga e alterações 35 posturais, ou mesmo alertar um possível acidente. Além disso, há calçados para pessoas com deficiência visual, auxiliando no direcionamento para o destino dos mesmos. (KAUL, 2018). Esta possibilidade também foi veiculada em matéria do Correio Braziliense (2014), na qual cita um sapato conectado ao celular por bluetooth, que por meio de vibrações auxiliaria a pessoa a chegar no destino. É viável ainda para quem não quer substituir o calçado adquirir dispositivos que podem ser acoplados ou mesmo palmilhas com a tecnologia. Eskofier et al. (2017) destacam a importância destes wearables com as informações de saúde, bem como a relevância do que é coletado quanto à mobilidade, estando muitas vezes envolvida com questões de qualidade de vida ou de doenças crônicas. Estas, por sua vez, podem levar à redução de funções motoras ou outras características que limitam a autonomia das pessoas. Com isso, estes autores evidenciam que monitorar dados sobre locomoção e mobilidade pode ser um diferencial e auxiliar nas tomadas de decisões. Outro dado importante presente na pesquisa de Aripriharta et al. (2020) envolve a coleta de dados de batimentos cardíacos por meio de sapatos inteligentes, sinalizando uma diferença pequena em relação à medida padrão, destacando mais uma possibilidade a ser aprimorada neste sentido. Assim, os wearables têm o potencial de dar um feedback individualizado, em tempo real e de acordo com os objetivos, tudo devido aos sensores e suas funcionalidades, muitas vezes não necessitando de recargas continuamente, além de serem pequenos, facilitando o uso. Ainda se utilizam muito os smartphones para processar os dados, mas a tendência é que em pouco tempo a autonomia do processamento seja uma realidade (PIWEK et al., 2016). Para Fantoni (2016), as tecnologias vestíveis já fazem parte de nosso cotidiano há muito tempo, como os relógios mais convencionais ou mesmo como eram os de bolso, além do walkman e outros dispositivos que vieram posteriormente, alterando o modo como ouvimos músicas em diversos lugares e evidenciando que já existiam tecnologias e que o que vemos atualmente são avanços que permitem novas comodidades. Já a saúde móvel, ou mHealth, busca melhorias para as pessoas. Os avanços das tecnologias da informação e comunicação (TIC) auxiliam por meio de aplicativos móveis neste sentido. Assim, os mais diversos wearables, sejam eles joias 36 inteligentes, pulseiras, relógios ou qualquer outro, por meio de sua portabilidade, são usados pelas pessoas e trazem informações importantes (VEIGA et al., 2017). Dados do Research2guidance (2016) apontam para quais serão os dispositivos mais representativos no mercado nos próximos cinco anos, considerando a perspectiva do mHealth, como pode ser observado na Figura 3, a seguir. O gráfico indica que temos ainda os smartphones com grande representatividade dentre os dispositivos, mas que também estão aumentando os relógios e pulseiras, enquanto que os tablets, por exemplo, tenderão a decréscimos neste período de cinco anos proposto. Figura 3. Dispositivos com melhor potencial de mercado nos próximos cinco anos. Fonte: Research2guidance (2016). Fantoni (2016) cita que os avanços das tecnologias wireless nos conduziram para um ambiente no qual a conexão é ininterrupta, deixando de ser fragmentada como era antes e mantendo-nos sempre ligados, de forma pervasiva, isto é, independente do lugar onde estivermos, podemos estar conectados e nos comunicando. Para Asimakopoulos, Asimakopoulos e Spillers (2017), estes dispositivos móveis são importantes e úteis para intervenções na saúde, sendo que para a área fitness, essas ferramentas apresentam um potencial promissor na relação do usuário com o envolvimento nas atividades, uma vez que a maioria das pessoas têm e usam smartphones, o que facilita com que as informações ligadas ao mHealth sejam fornecidas, melhorando o autoconhecimento e a saúde. 37 Esta questão relacionada com o uso dos smartphones vai de encontro com o que foi apresentado na Figura 3, pois os mesmos ainda são bastante representativos e possuem grande potencial. Com relação aos grupos de usuários, a Figura 4 apresenta os principais relacionados com o mHealth. Figura 4. Principais grupos de usuários dos aplicativos mHealth. Fonte: Research2guidance (2016). O principal grupo apontado como usuário dos aplicativos da mHealth está ligado com os doentes crônicos, sendo que o Reseach2Guidance (2016) aponta que os principais campos com potencial para o mHealth nos próximos cinco anos são a diabetes (73%), a obesidade (40%) e a hipertensão (29%). O segundo grupo mais promissor para os próximos cinco anos é relacionado com a saúde e o fitness, concordando com o que foi apontado por Asimakopoulos, Asimakopoulos e Spillers (2017). Outros dados interessantes do Reseach2Guidance (2016) em relação a saúde apontam para, nos próximos cinco anos, impactos positivos na redução de gastos com estadia e readmissão nos hospitais (63%), redução dos custos com a não aderência aos tratamentos (61%), redução dos custos de visitas médicas (44%), redução dos custos de prevenção (33%), dentre outros, evidenciando que este campo trará alterações representativas futuramente. Estes dados vão de encontro com o apontado por Nunes (2012), quando citou que as redes de sensores do corpo humano (RSCHs) auxiliam no monitoramento, 38 podendo ser interessante para identificar anormalidades na saúde e tomar atitudes com tempo adequado, diminuindo custos não apenas para os sistemas de saúde, como também para as pessoas. Nunes (2012) destaca que a OMS afirma que os indivíduos que não fazem nem ao menos 30 minutos de atividades físicas moderadas algumas vezes na semana aumentam entre 20 e 30% as chances de uma enfermidade, reforçando o papel das atividades físicas na vida das pessoas. Todos estes dados destacam o quanto que estaremos cada vez mais envolvidos e imersos nesta nova realidade que é permeada pelo avanço cada vez mais representativo dos wearables no ambiente da mHealth. Isso poderá trazer contribuições para os usuários e para os profissionais envolvidos, os quais terão maiores números de informações precisas e individuais para pautar suas intervenções. 2.5. A REALIDADE QUE ENVOLVE A UTILIZAÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS As pessoas que já possuem um estilo de vida mais saudável são vistas, de acordo com Piwek et al. (2016), como as com maior propensão de utilizar as ferramentas portáteis para possuir dados referentes ao progresso nas atividades que realizam. Este fato, portanto, estaria motivando a busca por parte dos desenvolvedores de criar um dispositivo que tenha o máximo de funções possível, melhorando o desempenho dos usuários e também os hábitos. Quanto aos usuários com doenças crônicas, os dispositivos poderiam auxiliar por meio do potencial de fornecer informações detalhadas e sem serem métodos mais caros e desconfortáveis, isto é, seriam uma alternativa para o monitoramento de maneira a exigir menos esforços. Um exemplo estaria relacionado em entender o nível de depressão com base nas interações com outras pessoas, além das atividades físicas e do sono por meio do smartphone e de uma pulseira (McCALL, 2015; PIWEK et al., 2016). Ter a chance de poder mensurar diversas informações nos leva a considerar que podemos ter controle sobre as mesmas, sendo que esta sensação nos coloca no caminho da busca por melhoras (RETTBERG, 2014). Fantoni (2016) cita que os gráficos ou médias que são produzidos por meio das pulseiras, colares ou outros wearables conectados com smartphones ou sites, contribuem com esta finalidade. Assim, são gerados grandes volumes de dados que acarretam no surgimento do “eu 39 quantificado”, uma nova tendência na qual as pessoas buscam informações em diversos níveis, desde o comportamental até o biológico, tendo destaque para questões de saúde, desde doenças até melhoras nos exercícios físicos, passando também pelas alterações no sono, dietas, dentre outros (SWAN, 2013; FANTONI, 2016). Fantoni (2016) vai além, reforçando que o autoconhecimento pode fazer com que as pessoas mudem a percepção sobre o próprio corpo, tendo como consequência a gestão de suas ações relacionadas com a saúde. Além disso, afirma que os sensores que vestimos vão guardar informações (que serão visíveis pelos smartphones), mas que poderão ser motivos para contatos médicos quando alguma informação anormal for relatada, devido ao monitoramento possibilitado. Asimakopoulos, Asimakopoulos e Spillers (2017) afirmam que os dispositivos relacionados com o fitness, sejam eles Polar, Apple Watch, Jawbone, Fitbit, Samsung Gear Fit, dentre outros, irão ficar cada vez mais populares, como apontam os números de vendas, partindo de 5,9 milhões no ano de 2013 para 19 milhões em 2014, com expetativas para aumentos exponenciais até 2019. Os autores reforçam a quantidade de variáveis, como ingestão de água, sono, frequência cardíaca, questões relacionadas ao humor, aos movimentos, dentre outros, dando um leque muito aberto de possibilidades para os usuários, tendo feedback sobre alimentação, sono, exercícios e muito mais (ASIMAKOPOULOS; ASIMAKOPOULOS; SPILLERS, 2017). Para que este crescimento na utilização destas possibilidades continue aumentando, os fabricantes buscam diversas estratégias persuasivas e de influência social, com estratégias de gamificação2 (competições e desafios), além das recompensas pelos esforços e do feedback sobre o desempenho. A autodescoberta por meio das análises por parte dos usuários também é uma realidade crescente (PIWEK et al., 2016). Contudo, uma das questões que vêm sendo bastante citadas diz respeito a aderência dos usuários às possibilidades. Piwek et al. (2016) afirmam que são poucos estudos longitudinais sobre a interferência dos wearables no modo de se comportar das pessoas, além de que cerca de um terço dos usuários param de usa- 2 Busca na melhora da experiência e envolvimento das pessoas em atividades pelo uso de estratégias próximas as dos jogos, mesmo que o serviço prestado não tenha relação com os jogos. Algumas estratégias são desafios, pontos, escalas de níveis, feedback, dentre outros (PEREIRA, 2014). 40 los no período de meio ano e metade em um ano. Outra pesquisa apontada por Asimakopoulos, Asimakopoulos e Spillers (2017) destaca que um terço fica em desuso entre seis e 12 meses. Estes autores também citam que 62% dos indivíduos que adquirem um aplicativo de acompanhamento das atividades realizadas para de utilizar em duas semanas ou em até no máximo seis meses. Buscando entender estas questões, Harrison et al. (2015) detectaram questões como o relato de imprecisão do rastreador nas atividades físicas, a necessidade de algumas vezes ter o mesmo rastreador dos amigos para poder comparar, além do fato de diferentes aplicativos apresentarem imprecisões na concorrência entre usuários em um mesmo trecho. Até mesmo a estética do dispositivo foi citada por alguns participantes como barreira. O conforto e o modo como se ajusta também é importante. Por fim, foi constatado o problema com a bateria dos smartphones. Contudo, o uso de alguns wearables que permitem a diminuição dos gastos do smartphone pode ajudar. Assim como já foi dito anteriormente, Piwek et al. (2016) destacam que o aumento da utilização destes dispositivos trará reflexos para os profissionais, pois terão que estar preparados para as pessoas que disponibilizarão dados importantes nas consultas ou nas interações. Além disso, como citado na pesquisa de Harrison et al. (2015), é possível existir erros em alguns dados dos dispositivos, que podem então ser interpretados pelos pacientes de forma errônea, inclusive atribuindo sintomas equivocadamente, o que precisa de atenção. Para manter os usuários engajados com o contexto proposto, Asimakopoulos, Asimakopoulos e Spillers (2017) destacam que a teoria da autodeterminação pode auxiliar as aplicações móveis para coletar e avaliar dados relacionados com motivação ou persuasão. Assim, é importante para motivar as pessoas intrinsecamente que haja autonomia, competência e relação psicológica. Os autores apontam que as pessoas que acreditam que o rastreamento beneficiará o bem-estar e a qualidade de vida apresentaram resultados mais elevados de autoeficácia. Quando os dispositivos oferecem aos indivíduos uma visão aberta dos detalhes sobre o desempenho ou mesmo dados específicos, há um reforço positivo constante (ASIMAKOPOULOS; ASIMAKOPOULOS; SPILLERS, 2017). Assim como apontado por Harrison et al. (2015), a interação com outros usuários apresenta um papel interessante na utilização destes tipos de recursos e, para Asimakopoulos, Asimakopoulos e Spillers (2017), alguns indivíduos destacaram 41 a relevância de estimular relações entre os usuários, sejam amigos ou familiares, sendo que inclusive apresentam dados referentes ao uso da Jawbone (pulseira inteligente), nos quais 72% compartilham seus dados presencialmente com outros usuários e 36% no ambiente online. Alguns pontos são interessantes nos relatos de usuários, como o interesse em proporcionar a eles habilidades necessárias, sequências de exercícios diversificadas, incentivar a autorreflexão, com a utilização de feedback construtivo, como comentários ou competições com outros indivíduos, conduzindo-os a refletir sobre o próprio avanço (ASIMAKOPOULOS; ASIMAKOPOULOS; SPILLERS, 2017). Para Harrison et al. (2015), o envolvimento em longo prazo dos usuários destes tipos de aplicativos deve estar relacionado ao poder de personalizar o rastreamento e ter funcionalidades sociais, além de prezar também pela aparência do wearable, pois os autores encontraram estes pontos que consideram cruciais a partir dos relatos das pessoas, contribuindo assim para os desejos delas. Além disso, em sua pesquisa, Asimakopoulos, Asimakopoulos e Spillers (2017) encontraram três fatores que podem ter relação próxima com a eficácia e motivação, sendo eles o conteúdo, os dados e a gamificação. O conteúdo foi considerado o ponto principal para autoeficácia e alteração do comportamento, quando relacionado aos objetivos intrínsecos. O apoio de autonomia combinado com a estrutura, neste caso, também era importante, pois foi relatado que instruções insuficientes e uma prática realizada por conta própria causavam desconforto. Assim, combinar suporte e estrutura relacionados com a autonomia geram melhores resultados na aprendizagem, comportamento e motivação das pessoas. Os duelos e motivação, relacionados à gamificação, têm uma valiosa relação com autoeficácia, mas não tanto com a motivação, segundo os autores. A consideração dos diferentes níveis de autoeficácia e motivação dos usuários no trato com a saúde, pode ser interessante no desenvolvimento dos aplicativos, que precisa melhorar a gestão das metas, as tendências e os comportamentos motivacionais, fornecendo conteúdo que vise orientar nas tarefas (ASIMAKOPOULOS; ASIMAKOPOULOS; SPILLERS, 2017), favorecendo uma relação mais valiosa com o mHealth e uma utilização mais contínua. Portanto, foi possível destacar até então que há uma mudança na realidade que envolve a saúde e o contato com atividades e exercícios físicos, com perspectivas de aumentos exponenciais na utilização de recursos tecnológicos 42 relacionados a estas áreas. Estes poderão trazer diversos benefícios para as pessoas e para os profissionais envolvidos, tratando-se de uma revolução que cobrará a necessidade de adquirir conhecimentos e aprofundamentos, possibilitando uma utilização plena das novas possibilidades. 43 3. APLICATIVOS DE SMARTPHONES E ATIVIDADES FÍSICAS: CONTRIBUIÇÕES E LIMITAÇÕES A crescente e ampla utilização de smartphones nos últimos anos permitiu algumas alterações importantes, como a possibilidade das pessoas acessarem facilmente muitas informações sobre saúde, considerando desde os aplicativos que atendem a esta demanda até mesmo sites e redes sociais virtuais (HASMAN, 2011). Assim, estes aplicativos disponibilizam uma série de informações independentemente da localização e do momento em que o usuário deseja obtê-las, podendo contribuir na busca de melhorias à saúde (WANG et al., 2016). Ainda de acordo com estes autores, os aplicativos de dietas e de atividades físicas são dois dos voltados à saúde que visam alterações benéficas ao consumo e monitoramento de alimentos e também maior gasto energético e coleta de informações acerca das atividades diárias. Middelweerd et al. (2014) salientam a importância do fato de que as pessoas estão sempre portando seus smartphones e acessando informações em qualquer lugar e momento, pois assim, estes aplicativos que visam promoção de comportamentos adequados quanto à atividade física poderiam promover informações e aconselhamentos individualizados nos momentos mais adequados. Dennison et al. (2013) citam os incentivos, as ferramentas interativas e os alertas como importantes recursos destes aplicativos. Para Yuan et al. (2015), um dos pontos fortes da utilização destes aplicativos de saúde e fitness estariam no monitoramento de questões de saúde do usuário e também no gerenciamento de questões individuais neste sentido. Assim, os aplicativos móveis seriam software planejados para uso em dispositivos móveis, como os smartphones. Estes estão ocupando cada vez mais espaço, existindo estimativas de que a cada cinco pessoas que têm smartphones, ao menos uma faz uso de aplicativos de saúde (YUAN et al., 2015). Gabbiadini e Greitemeyer (2019) enfatizam o potencial revolucionário que dispositivos móveis têm causado nas comunicações das pessoas. Estes destacam a existência de dados apontando que aproximadamente seis entre cada 10 usuários de smartphones já baixaram aplicativos relacionados à saúde. Ainda segundo eles, a adoção de um aplicativo fitness pode disponibilizar às pessoas informações que 44 promoveriam uma atitude mais positiva, sendo que este fato pode ser um preditor de um estilo de vida ativo. Birkhoff e Smeltzer (2017) citam que existem mais de 150.000 aplicativos relacionados à saúde disponibilizados, com destaque para os de condicionamento físico e dieta. Além disso, afirmam que há uma atenção voltada à criação de aplicativos direcionados a condições crônicas, tais como as relacionadas à saúde cardiovascular e diabetes, por exemplo. Desta maneira, a centralização no indivíduo permitida pelos aplicativos da mHealth tem relação com sua popularidade (BIRKHOFF; SMELTZER, 2017), enquanto que Sarkar et al. (2016) apontam para importância da atenção à saúde e gerenciamento das condições crônicas e Birkhoff e Moriarty (2016) citam a capacitação para que os usuários contribuam com sua saúde e busca pelo bem- estar. Assim, existe uma expectativa de que haja um crescimento de quase 50% entre os anos de 2014 e 2020 nos serviços de monitoramento por meio dos smartphones (GRAND VIEW RESEARCH, 2015 apud BIRKHOFF; SMELTZER, 2017) e de um tamanho de mercado de 151,57 bilhões de dólares até 2025 (GRAND VIEW RESEARCH, 2018). Esse aumento no uso de smartphones e dos aplicativos para atender aos objetivos voltados à saúde criou a possibilidade de alterações na perspectiva de monitoramento e motivação dos usuários (HIGGINS, 2016). Grande parte dos aplicativos mais usados na área de saúde e atividade física tem o foco no condicionamento e no automonitoramento (SAMA et al., 2014). Muitos destes podem se tornar uma ferramenta muito importante para auxiliar os profissionais da área no acompanhamento de parâmetros voltados à saúde, na busca por metas que podem ser traçadas e também ajudando pacientes que precisam atingir objetivos determinados (HIGGINS, 2016). Burke et al. (2005) destacam que o automonitoramento das atividades físicas e das questões envolvendo a alimentação é fundamental nas mudanças de comportamentos em programas de perda de peso. Este, quando voltado às atividades físicas, pode incluir intensidade, qual atividade foi desenvolvida e por quanto tempo, a frequência de registro, dentre outros fatores que podem ser importantes no processo (TURNER-McGRIEVY, 2013). Os aplicativos que atividades físicas normalmente contam com rastreamento via GPS (sistema de posicionamento global) nos registros das atividades realizadas, 45 como no caso de corridas, de caminhadas ou ciclismo. Além disso, outros parâmetros são registrados, como frequência, intensidade e duração, possibilitados por giroscópios e/ou acelerômetros (WU et al., 2012). Também é comum encontrar estimativas de gasto calórico, resumos de tendências de performance em certos períodos de tempo, além de permitir o compartilhamento destes dados nas redes sociais virtuais (WANG et al., 2016). Além das possibilidades anteriores, Bort-Roig et al. (2014) citam a utilização de câmeras, autofalante e microfone, permitindo a esta tecnologia dos smartphones uma boa precisão relacionada às informações envolvendo atividades físicas, podendo inclusive diversificar as dinâmicas das estáticas. Com isso, por meio das tecnologias disponibilizadas, os aplicativos podem monitorar diferentes parâmetros biológicos, envolvendo atividade física, reabilitação cardíaca, quedas de idosos, dentre outros (RECIO-RODRIGUEZ et al., 2014). Existe uma diversidade de aplicativos voltados ao condicionamento físico e à saúde, como na busca por melhorias nas atividades físicas realizadas, estabelecimento de metas de peso, alimentação, controle do sono, relaxamento, entre outras (HIGGINS, 2016). Outra potencialidade destes recursos é a sincronização sem fio com outras tecnologias, como os wearables (pulseira, monitor cardíaco, roupas inteligentes, etc.) (HIGGINS, 2016), ampliando e potencializando assim as possibilidades de registros das informações. Com isso, abre-se espaço para que estes avanços nas tecnologias móveis possam contribuir com questões como a inatividade física e os problemas globais associados a esta (MATTHEWS et al., 2016). A evolução deste campo e o acesso à Internet crescendo em nível mundial favorecem a mHealth um papel fundamental na educação em saúde nos próximos anos, podendo transformar as intervenções (BOULOS et al., 2011). 3.1. COMBATE À INATIVIDADE FÍSICA E TECNOLOGIAS: ABERTURA DE NOVOS CAMINHOS? Considerando que a inatividade física e a falta de condicionamento, temos dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) que apontam para cerca de 30% dos adultos com níveis insuficientes de atividades (HALLAL et al., 2012; HIGGINS, 2016), sendo que por volta de 3,2 milhões de óbitos anuais são devido a prática de 46 atividades físicas insuficientes, isto é, ocupam o quarto lugar nas causas de morte (WHO, 2010). Atualmente, ainda temos essa situação como um dos principais fatores de risco de morte a nível mundial, sendo que um fator preocupante é que mais de 80% dos adolescentes se enquadram neste nível insatisfatório de atividade física (WHO, 2018). Pesquisas têm apontado que níveis inadequados de atividade física possuem contribuição significativa para obesidade, doenças crônicas e mortalidade (REZENDE et al., 2014). É preciso ter atenção para o fato de que a inatividade física é um problema de ordem mundial (HALLAL et al., 2012; ANDERSEN; MOTA; DI PIETRO, 2016). Existem estimativas de aumento em torno de 20 a 30% no risco de mortalidade ligada à inatividade física (BISWAS et al., 2015). Sendo assim, é importante aumentar a participação regular em atividades e exercícios físicos, permitindo o controle do peso corporal e também diminuindo riscos de diversas comorbidades (REINER et al., 2013). Alterar questões relacionadas com o estilo de vida das pessoas é importante para gerenciar as doenças crônicas (MATTHEWS et al., 2016). Dentre as alterações, a atividade física é bastante eficaz na diminuição das taxas de internações hospitalares e também do risco de mortalidade (MATTHEWS et al., 2016). Assim, aumentar estes níveis de atividades pode resultar em menores riscos no que diz respeito a risco de mortalidade por diversas causas (GARCIA-AYMERICH et al., 2006). Concordando com este fato, Arem et al. (2015) destacam que o aumento nos níveis de atividades físicas tem enorme potencial de redução da morte prematura, bem como no prolongamento da vida útil. Níveis elevados de atividade física, com intensidades moderadas, têm se demonstrado como fator que elimina aumentos no risco de mortalidade ligada ao sedentarismo (EKELUND et al., 2016). Estes fatos confirmam a necessidade de aumentar os estímulos para as atividades físicas, diminuindo estas doenças e as mortes prematuras (GAL et al., 2018). Por outro lado, é uma realidade que não é fácil chegar a pessoas sedentárias e promover mudanças de comportamento relacionado à atividade física, bem como manutenção deste (SAMDAL et al., 2017). Contudo, os avanços tecnológicos, envolvendo tanto os smartphones quanto outros dispositivos, passaram a ser grandes oportunidades visando intervenções nas atividades físicas (SANDERS et al., 2016). 47 Considerando a atividade física como fator determinante da saúde, tem papel fundamental na prevenção primária e secundária em doenças crônicas não transmissíveis (KNIGHT et al., 2015). Evidências apontam para eficácia da prescrição de comportamentos voltados ao exercício e melhorias nos níveis de atividade física e cardiovascular (ORROW et al., 2012), mas a aderência das pessoas a estes comportamentos varia muito, fato este que pode ser beneficiado pelo uso de ferramentas que auxiliem os médicos neste sentido (PETRELLA; LATTANZIO; OVEREND, 2007). Diversos wearables representam uma maneira simples e atraente, propondo o automonitoramento das atividades físicas (RABIN; BOCK, 2011). Aliados aos avanços dos aplicativos nos smartphones, é viável a utilização e combinação de inúmeras técnicas que visem mudar o comportamento e promover a atividade física (RABIN; BOCK, 2011; MIDDELWEERD et al., 2014). Este tipo de autogerenciamento dos usuários aliado às tecnologias pode trazer alterações valiosas no engajamento, ampliando a atratividade, tornando-os envolvidos com os próprios resultados (KNIGHT, 2012). Os aplicativos e os wearables desenvolvidos permitem esse automonitoramento e os feedbacks (SANDERS et al., 2016; McCALLUM; ROOKSBY; GRAY, 2018), melhorando os níveis de atividades físicas e os resultados envolvendo a saúde (HICKEY; FREEDSON, 2016). Visando contribuir para mudanças nos comportamentos de atividades físicas, existem diversas técnicas, sendo que a do automonitoramento é eficaz e importante (MURRAY et al., 2017). É possível ampliar a contribuição desta a partir da associação com outras técnicas, como feedback, formação imediata de intenção, estabelecimento de metas, dentre outras (DIREITO et al., 2014). McCallum, Rooksby e Gray (2018) destacam a ascensão do interesse nas pesquisas envolvendo o impacto dos wearables e dos aplicativos de atividades físicas nos últimos anos. Modave et al. (2015) citam que nos últimos 10 anos houve uma grande evolução tecnológica que beneficiou o acesso a estes tipos de recursos, sendo que existem diversos aplicativos que possibilitam contagem de passos, monitoramento de frequência cardíaca, registros de informações sobre treinamentos e dietas, dentre outros. Dentre as diversas opções e tipos de aplicativos nas plataformas, os relacionados com ingestão calórica/dietas e os de atividades físicas são os que 48 possuem maior destaque na categoria de “saúde e bem-estar” (SAMA et al., 2014). Estes aplicativos são programas autônomos que visam atender a determinada finalidade, sendo que sua contribuição com o monitoramento e motivação na área tem aumentado (HIGGINS, 2016). Uma revisão sobre intervenções voltadas às atividades físicas baseadas na internet expôs que aproximadamente 60% dos estudos apresentaram contribuições significativas (JOSEPH et al., 2014). Knight et al. (2015) salientam que a conexão com dispositivos voltados à saúde pode trazer resultados clínicos positivos, bem como que intervenções que aliam dispositivos móveis e exercícios físicos apresentaram resultados importantes nos marcadores cardiovasculares. Desta maneira, fica bastante evidente que os aplicativos e recursos tecnológicos possuem um potencial muito grande dentro da área de atividades e exercícios físicos. Sua utilização vai desde a simples coleta e consulta aos dados referentes a uma prática realizada até mesmo o armazenamento e utilização de inúmeros dados que podem ser fundamentais para melhorias em condições de saúde, podendo ser acessadas por profissionais de diversas especialidades. 3.2. RECURSOS E POTENCIALIDADES Os avanços tecnológicos nos últimos anos têm possibilitado aos usuários utilizarem seus smartphones para inúmeras tarefas do cotidiano, inclusive nas práticas esportivas (ANDRÉS, 2015). De acordo com Demonte (2016), as aplicações do mHealth foram impulsionadas pela expansão da utilização de dispositivos móveis sensíveis ao toque (touch), dando espaço então para aplicativos que monitoram questões relacionadas à saúde, tanto coletiva quanto individual. Esta autora cita que, de acordo com um relatório disponibilizado no ano de 2014, existem cinco grandes grupos de aplicativos mHealth: fitness, referências médicas (caráter instrutivo), bem-estar, nutrição e gestão de doenças. Os aplicativos de exercícios monitoram atividades físicas, sendo encontrados voltados aos aeróbios, à musculação e também de alongamento (DEMONTE, 2016). Segundo ela, algumas das funcionalidades comuns a estes são: perfil online com feed de atividades; personalização de objetivos, metas, treinos; treinos ou desafios pré-cadastrados; acompanhamento de gastos calóricos; conexão com redes sociais virtuais; controle de música; feedback por áudio e/ou cronometragem por áudio; 49 feedback de desempenho, progresso e histórico de atividades; medição de batimentos cardíacos; sistema de premiações e/ou quebra de recordes; vídeos de treinamentos; dentre diversos outros recursos. Melo (2017) destaca que esses tipos de aplicativos têm como foco principal o registro de dados envolvendo as práticas esportivas dos usuários, como velocidade, distância, número de passos, estimativas de calorias, dentre outros. Além disso, também relata que são compatíveis muitas vezes com recursos de monitoramento das atividades físicas, além de estimular a competitividade entre os usuários. A associação entre os aplicativos e os wearables possibilitada pelo desenvolvimento tecnológico dos últimos anos permitiu um conhecimento maior dos usuários quanto às suas atividades realizadas, quantificando e detalhando as informações referentes aos exercícios (PATEL; ASCH; VOLPP, 2015). Desta mane