PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (ZOOLOGIA) Aspectos da história natural de aranhas-de-alçapão em duas unidades de conservação do Cerrado e Mata Atlântica do sudeste do Brasil. EVERTON FERNANDO TROVA Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas (Zoologia). Rio Claro – SP Abril / 2019 EVERTON FERNANDO TROVA Aspectos da história natural de aranhas-de-alçapão em duas unidades de conservação do Cerrado e Mata Atlântica do sudeste do Brasil. Orientador: Prof. Dr. José Paulo Leite Guadanucci Coorientador: Dr. Guilherme Gomes Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas (Zoologia). Rio Claro – SP Abril / 2019 T862a Trova, Everton Fernando Aspectos da história natural de aranhas-de-alçapão em duas unidades de conservação do Cerrado e Mata Atlântica do sudeste do Brasil / Everton Fernando Trova. -- Rio Claro, 2019 75 p. : tabs., fotos, mapas Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientador: José Paulo Guadanucci Coorientador: Guilherme Gomes 1. Ordem Araneae. 2. Aranhas-de-alçapçao. 3. História Natural. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. AGRADECIMENTOS Ao meu orientador José Paulo Leite Guadanucci, pela orientação durante esses dois anos e por aceitar a me orientar. Pela paciência em transmitir conhecimento, pelo incentivo ao longo do mestrado e pela amizade. Ao Guilherme Gomes pela coorientação, me ajudou muito e não mediu esforços, também me transmitiu grande parte de conhecimento, e pela amizade. Por não me matar quando acabou a gasolina do fuscão em campo. Ao Rafael Indicatti, pelas dicas durantes as conversas e pelas excelentes sugestões finais. Ao Fábio Akashi, também pelas excelentes sugestões feitas desde o início do projeto. Ao Adolfo da Silva Melo, por me aceitar como estagiário na UNESP – RC durante a graduação, por me incentivar a continuar na carreira acadêmica e por me apresentar para o José Paulo Leite Guadanucci. Aos meus familiares, pois sem eles eu não teria chegado nem na metade onde cheguei. Pelos puxões de orelha e por sempre acreditar em mim e apoiar minhas decisões. Aos professores e amigos desde a graduação, não citarei nomes porque são muitos, e as chances de esquecer alguém é grande (memória ruim). Mas principalmente aqueles que mantenho contatos até hoje, e alguns foram essenciais por me incentivar ao longo dessa etapa e me ajudarem em campo. Ao pessoal do LARC – Laboratório de Aracnologia de Rio Claro, pelas risadas, ajudas tanto no laboratório como em campo. Também agradeço a todos os estagiários, alunos que tomaram iniciativa e me acompanharam nos campos. Ao pessoal do Departamento de Zoologia e Fisiologia por ceder espaço e equipamentos para experimentos, incluindo professores, funcionários e alunos. Aos funcionários da Floresta Estadual “Edmundo Navarro de Andrade” (FEENA). Aos funcionários da Estação Ecológica de Itirapina (EEI), por todo apoio ao longo das coletas de campo, pelos desatolamentos quando necessário, pela hospedagem e pela organização da hospedaria, não mediram esforços para me ajudar, não só em campo, mas também quando o carro quebrava e eu nem tinha noção de como arrumar. Mas quero agradecer em especial as amizades que fiz durante esse tempo na EEI, que não foram poucas e levarei para a vida. Agradeço a CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pelo financiamento do projeto. "O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001” Science offers us an explanation of how complexity (the difficult) arose out of simplicity (the easy). (Richard Dawkins) SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8 1.1. ORDEM ARANEAE .......................................................................................... 8 1.2. INFRAORDEM MYGALOMORPHAE ............................................................ 8 1.3. ARANHAS-DE-ALÇAPÃO .............................................................................. 9 1.4. CARACTERÍSTICAS ABIÓTICAS DA TOCA ............................................... 12 1.5. FAMÍLIA ACTINOPODIDAE SIMON, 1892 .................................................. 12 1.6. FAMÍLIA IDIOPIDAE SIMON, 1889 .............................................................. 12 2. OBJETIVOS ............................................................................................................. 13 3. ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO ................................................................. 13 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................14 CAPÍTULO I - Taxa de crescimento, padrão de distribuição e descrição da toca de aranhas- de-alçapão (Mygalomorphae: Actinopodidae, Idiopidae) em dois biomas (Mata atlântica e Cerrado). 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 21 2. OBJETIVOS .............................................................................................................. 22 3. MATERIAL E MÉTODOS ....................................................................................... 22 3.1. ÁREAS DE ESTUDO ........................................................................................ 22 3.2. MÉTODOLOGIA DE AMOSTRAGEM ........................................................... 24 3.2.1. ACOMPANHAMENTO MENSAL .......................................................... 24 3.2.2. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL ................................................................... 25 4. RESULTADOS ......................................................................................................... 26 4.1. DESCRIÇÃO GERAL ....................................................................................... 26 4.2. TAXA DE CRESCIMENTO E SOBREVIVÊNCIA ......................................... 28 4.3. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E PREFERÊNCIA DE HÁBITAT .................... 33 5. DISCUSSÃO ............................................................................................................. 44 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 48 CAPÍTULO II - Comparação de umidade e perfil térmico do solo em áreas com ocorrência e ausência de aranhas-de-alçapão no bioma Cerrado. 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 54 2. OBJETIVOS .................................................................................................. 56 3. MATERIAL E MÉTODOS ........................................................................... 56 3.1. ÁREA DE ESTUDO .......................................................................................... 56 3.2. REGISTRO DE TEMPERATURA..................................................................... 57 3.3. UMIDADE ........................................................................................................ 58 3.4. ANÁLISES ESTATÍSTICAS .......................................................................... 58 4. RESULTADOS ....................................................................................................... 58 4.1. UMIDADE DO SOLO ...................................................................................... 58 4.2. PERFIL TÉRMICO ........................................................................................... 63 5. DISCUSSÃO ........................................................................................................... 66 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 69 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 71 RESUMO Araneae é uma ordem bastante diversificada, sendo uma linhagem com grande sucesso evolutivo. A infraordem Mygalomorphae representa uma pequena porção da ordem Araneae e são animais sedentários que passam grande parte do dia em refúgios climaticamente estáveis. As aranhas-de-alçapão passam toda a vida ou parte dela dentro de uma toca revestida com seda e dotada de um opérculo. Local onde realizam todas as necessidades, caçam por emboscada, se alimentam, se reproduzem e realizam ecdise. Este trabalho teve como objetivo esclarecer alguns aspectos sobre a história natural das aranhas-de-alçapão e avaliar o perfil térmico e umidade nas áreas estudadas. Os resutados foram divididos em dois capítulos: I. A morfologia da toca e opérculo foram descritos, bem como a presença de ornamentos e o comportamento de defesa quando perturbadas em suas tocas. As variáveis morfológicas foram correlacionadas com o diâmetro da toca em questão. As áreas em que as aranhas-de-alçapão ocorrem apresentaram diferenças na vegetação. As tocas sendo os principais locais em que as aranhas passam parte da vida, em conjunto com a vegetação oferecem micro-habitats adequados e permite que as aranhas vivam por vários anos sem a necessidade de emigrar. A permanência no interior da toca evita contato direto com o meio externo reduzindo riscos de predação e com grandes variações climáticas podendo leva-las a morte. II. As áreas com a presença de aranhas-de-alçapão tiveram diferenças significativas com as áreas com ausência, quanto a temperatura e umidade. Áreas com presença foram mais úmidas e apresentaram um padrão de temperatura vertical (gradiente térmico) no solo. O gradiente térmico encontrado na área com presença e a umidade são caraterísticas que permitem as aranhas manter a temperatura e umidade corporal em equilíbrio evitando assim estress térmico e hídrico. Palavras chave: Araneae; Mygalomorphae; história natural; aranha-de-alçapão; caranguejeira ABSTRACT Araneae is a very diverse order, being a lineage with great evolutionary success. The Mygalomorphae infraorder represents a small portion of the Araneae order and are sedentary animals that spends much of the day in climatically stable refuges. Trapdoor spiders spend all or part of their lives in a burrow lined with silk and closed with an trapdoor. The place where they carry out all their needs, they hunt by ambush, feed, reproduce and perform ecdysis. This work aimed to clarify some aspects of the natural history of trapdoor spiders and evaluate the thermal profile and moisture in the areas studied. The results were divided into two chapters: I. The morphology of the burrow and trapdoor were described, as well as the presence of ornaments and the defense behavior when disturbed in its burrows. The morphological variables were also correlated with the diameter of the burrow in question. The areas in which trapdoor spiders occur showed differences in vegetation. The barrows being the main places of their lives, together with the vegetation provide suitable microhabitats and allows spiders to live for several years without the need to migrate. The stay inside the burrow avoids direct contact with the external environment reducing risks of predation and with great climatic variation that can lead to death. II. The areas with trapdoor spiders had significant differences with the areas with no trapdoor spiders in terms of temperature and humidity. Areas with presences were more humid and presented pattern vertical temperature (thermal gradient) in the ground. The thermal gradient found in the area with presence and moisture are characteristics that allow the spider to maintain the temperature and body humidity in balance thus avoiding thermal and water stress. Keywords: Araneae; Mygalomorphae; natural history; trapdoor spider; tarântula. 8 1. INTRODUÇÃO 1.1. ORDEM ARANEAE Araneae é a segunda maior ordem dentro da classe Arachnida (CODDINGTON, 2005). A ordem em questão é uma linhagem com grande sucesso evolutivo e vem diversificando taxonomicamente e ecologicamente desde o devoniano, cerca de 380 m.a.a. (GARRISON et al., 2016). Ao longo da história evolutiva desenvolveram uma variedade de formas morfológicas, estratégias de caça, e ocuparam diferentes nichos ecológicos (MAMMOLA et al., 2017). Representantes ocorrem praticamente em todos os ecossistemas terrestres, com grande abundância de indivíduos e diversidade de espécies e desempenham papéis importantes nos ecossistemas (DECAE, 1984; FOELIX, 2011; GARRISON et al., 2016; MAMMOLA et al., 2017). Independente da morfologia, comportamento ou ecologia, todas as aranhas produzem e utilizam seda em algum momento da vida, seja para captura de presas, revestimento do refúgio, construção da ooteca ou outra função (VOLLRATH & SELDEN, 2007). Atualmente, há pouco mais de 48000 espécies descritas, distribuídas em 4132 gêneros e 117 famílias (WORLD SPIDER CATALOG, 2019). Entretanto, esse número está longe da real diversidade do grupo (BRESCOVIT et al., 2011), considerando que todos os anos novas espécies vem sendo descritas pelos especialistas. Araneae está dividida em duas subordens, sendo elas: Mesothelae: aranhas que possuem algumas características primitivas, como a segmentação externa no abdômen, fiandeiras posicionadas na região mediana do ventre e esterno muito estreito (NENTWIG, 2013, GARRISON et al., 2016). Representada apenas por uma infraordem, Liphistiomorphae, com apenas uma família dividida em oito gêneros (XU et al., 2015, WORLD SPIDER CATALOG, 2019) e ocorre exclusivamente no continente asiático (FOELIX, 2011; XU et al., 2015). A subordem Opistothelae está dividida em duas infraordens: Araneomorphae, que representa a grande maioria das aranhas, com 99 famílias distribuídas em 3786 gêneros (WORLD SPIDER CATALOG, 2019) e Mygalomorphae. 1.2. INFRAORDEM MYGALOMORPHAE Mygalomorphae compreende aproximadamente 3000 espécies distribuidas em 354 gêneros e 20 famílias (WORLD SPIDER CATALOG, 2019), representando uma pequena 9 porção da ordem Araneae. São popularmente conhecidas como caranguejeiras, aranhas de teia-de-lençol e aranhas-de-alçapão (DIPPENAAR-SCHOEMAN, 2002; FOELIX, 2011). Algumas espécies podem construir e viver em seus próprios refúgios (tocas ou túneis escavados no solo, sob a serapilheira, rochas e troncos caídos) (GALLON, 2000; DIPPENAAR-SCHOEMAN, 2002; FOELIX, 2011; INDICATTI et al., 2017, fig. 2), podem ser encontradas em barrancos na beira de estradas (GONZALEZ-FILHO et al., 2012, fig. 4C; SOUZA-SILVA et al., 2014) e no interior de cavernas (GUADANUCCI et al., 2015; FONSECA – FERREIRA et al., 2017). Poucas espécies são arborícolas e geralmente abrigam-se atrás das cascas de árvores, buracos no tronco e entre epífitas (GALLON, 2000; SCHWENDINGER, 2003; BERTANI et al., 2012). Algumas grandes Theraphosidae, geralmente se estabelecem em tocas já construídas por outros animais (GALLON, 2000) ou podem construir suas próprias tocas, cavando com as pernas I, II, e com o auxílio dos pedipalpos (PAULA et al., 2014, fig. 41). Em geral apresentam hábitos sedentários, mas no período reprodutivo, podendo ser nas estações quentes e chuvosas do ano (e.g., Acanthoscurria gomesiana, Theraphosidae (GONZALEZ-FILHO et al., 2012, fig. 7)) ou nas estações frias e menos chuvosas (e.g., Stenoterommata, Nemesiidae (Indicatti et al., 2008, fig. 59)), os machos abandonam seus refúgios e saem em busca de fêmeas reprodutivas. Algumas espécies de Mygalomophae podem viver de 15 a 30 anos e atingir maturação sexual entre 5 e 6 anos (MAIN, 1978). As aranhas sedentárias, i.e., que vivem em tocas no solo, costumam predar suas presas por emboscada, expressão oriunda do termo em inglês “sit and wait”. Entretanto, algumas aranhas podem forragear até certa distância do seu refúgio como as da família Theraphosidae (BUCHLI, 1969; FERRETI et al., 2011). As Mygalomorphae se alimentam de todo tipo de presa, incluindo muitas espécies de artrópodes até pequenos vertebrados como roedores, anfíbios, pequenos répteis e aves (GALLON, 2000). 1.3. ARANHAS-DE-ALÇAPÃO As aranhas-de-alçapão possuem uma ampla distribuição pelo mundo ocorrendo em todos os continentes: Américas, Europa, África, Ásia e Austrália (VINCENT, 1993; DIPPENAAR-SCHOEMAN, 2002; SOUZA-SILVA et al., 2014; SILIWAL et al., 2015; XU et al, 2015; RIX et al., 2017). Com estilo de vida totalmente sedentário, vivem dentro de uma toca tubular, revestida com seda e dotada de um opérculo que fecha a entrada (BOND & COYLE, 1995; BRADLEY, 1996; LUCAS et al., 2005, figs 6, 7). As tocas podem se apresentar em diversos formatos de acordo com a espécie. Algumas são simples como um 10 tubo e apenas uma entrada, outras tocas podem apresentar duas ou mais entradas, em formatos de Y, U ou até formar galerias (DIPPENAAR-SCHOEMAN, 2002; LEROY & LEROY, 2005; INDICATTI et al., 2017; UCHMAN et al., 2018). Entretanto, as tocas podem variar nas estruturas de entrada, estruturas interna e morfologia ao longo do comprimento (DECAE, 1991). No interior da toca as aranhas realizam praticamente todas as atividades como reprodução, cuidados a prole, alimentação e ecdise (DIPPENAAR-SCHOEMAN, 2002; FOELIX, 2011). Ao encontrar local adequado, as tocas são então construídas e dotadas de um opérculo articulado com uma dobradiça de seda (MAIN, 1987; COYLE et al., 1992). O opérculo é produzido com seda e deposição de sedimentos na superfície externa, como restos vegetais ou partículas do solo, resultando em uma camuflagem extraordinária e assemelhando-se com o ambiente ao redor (HAUPT, 1995). A camuflagem é essencial e faz com que as aranhas permaneçam despercebidas por predadores, e faz da toca uma armadilha muito eficaz que lhe permite caçar por emboscada (GUPTA et al., 2015), quando a presa se aproxima da toca a aranha desfere um rápido ataque. Algumas espécies anexam ao redor da borda da entrada da toca fios de seda ou restos vegetais como galhos, folhas e casca de árvore (MAIN, 1978). Segundo Haupt (1995) o uso de ornamentos na borda da entrada aumenta a área de sensibilidade, aumentando a percepção de movimentos e aumentando assim as chances de captura de presas. As tocas quando encontradas em locais planos e horizontais, tem sua extensão na vertical. Enquanto que as tocas encontradas em superfícies inclinadas, como por exemplo barrancos de estrada, a entrada geralmente é na horizontal com sua extensão bastante ou levemente inclinada e não apresentando um padrão (BOND & COYLE, 1995; SOUZA-SILVA et al., 2014). Em locais planos as tocas geralmente são encontradas abaixo da serapilheira com a distribuição podendo ser irregular e densas, enquanto que em áreas que parecem ser adequadas pode ter uma densidade baixa (MARPLES & MARPLES, 1972). Tocas de diferentes diâmetros podem ser encontradas em uma mesma área, representando indivíduos de diversas idades (filhotes, jovens e fêmeas) (MARPLE & MARPLES, 1972; VINCENT, 1993; GUPTA et al., 2015). Após a eclosão dos ovos, os recém-nascidos, permanecem na toca maternal por um certo período de tempo (MARPLE & MARPLES, 1972). Após abandonarem a toca, os filhotes dispersam a curtas distancias, provavelmente caminhando, e assim, construindo suas tocas próximas a toca maternal (MAIN, 1978; BRADLEY, 1996). O balonismo, mecanismo de dispersão encontrado em muitas aranhas araneomorfas é raro em migalomorfas (COYLE,1983). No entanto, Coyle (1983), Coyle et al. (1985), Eberhard (2006) e Ferretti et al. (2013), observaram em ambiente natural e em laboratório a execução desse mecanismo de dispersão por filhotes dos gêneros 11 Ummidia, Thorell, 1875 (Halonoproctidae), Sphodros, Walckenaer, 1835 (Atypidae) e Actinopus, Perty, 1833 (Actinopodidae) assim que abandonaram a toca maternal. Há grandes possibilidades dos indivíduos de uma mesma agregação serem parentes por diferentes gerações. As fêmeas uma vez estabelecidas, raramente abandonam suas tocas, podendo permanecer na mesma localização por toda vida e passar por vários períodos reprodutivos (VINCENT, 1993). Embora, no período reprodutivo, os machos abandonam a proteção de suas tocas e andam longas distâncias procurando por fêmeas reprodutivas (BUCHLI, 1969; PÉREZ-MILES et al., 2005; SILIWAL et al., 2015). Assim que abandonam a toca normalmente não sobrevivem ao primeiro período reprodutivo, podendo morrer de exaustão (consumo total das reservas energéticas), virar presa da fêmea ou de outros predadores (MAIN, 2001; SILIWAL et al., 2015). Ao abordar assuntos sobre demografia, e história natural é necessário um longo período de tempo de pesquisa em campo, o que pode demandar vários anos. Estudos a longo prazo (slow science) com aranhas-de-alçapão vem sendo desenvolvido por Barbara York Main desde 1974 (ver MAIN, 1978; 1987; RIX et al., 2018). Diversos estudos que buscam compreender as preferencias ambientais, padrões de ocupação entre várias espécies de aranhas-de-alçapão já foram realizados (BUCHLI, 1969; MARPLES & MARPLES, 1972; MAIN, 1978; DECAE, 1987; MAIN, 1957, 1978, 1987; MAYO, 1988; COYLE & DELLINGER, 1992; COYLE & ICENOGLE, 1994; VINCENT, 1993; BOND & COYLE, 1995; BRADLEY, 1996; LEROY & LEROY, 2005; PÉREZ-MILES et al., 2005; FERRETTI et al., 2010; SOUZA-SILVA et al., 2014; SILIWAL et al., 2015; GUPTA et al., 2015; RIX, et al., 2018). Há uma grande defasagem acerca do conhecimento dessas aranhas na região neotropical. Até o momento, há apenas um estudo que aborda assuntos semelhantes no Brasil. SOUZA-SILVA et al. (2014), focaram em uma agregação de aranhas-de-alçapão Prorachias bristowei Mello-Leitão, 1924 (Mygalomorphae, Nemesiidae), comum em barrancos na beira de estradas. Avaliaram a densidade das tocas, profundidade, largura e fizeram medidas morfométricas do corpo das aranhas e outros aspectos relacionados a história de vida. Segundo seus resultados, essas aranhas possuem baixo poder de dispersão, portanto a ocorrência de vários tamanhos de toca no mesmo local permite avaliar a estrutura populacional, bem como aspectos bionômicos. Os autores ressaltam também que devido ao baixo poder de dispersão essas aranhas ficam vulneráveis a ações humanas em seus hábitats, podendo leva-las a extinção local e ainda chama a atenção para realização de mais estudos afim de conhecer seus hábitos e preservá-las. 12 1.4. CARACTERÍSTICAS ABIÓTICAS DA TOCA A diversidade de aranhas é melhor conhecida em aspectos como comportamento, anatomia e ecologia, mas receberam pouca atenção em relação a sua fisiologia, que também apresenta grande importância para o entendimento da biologia das aranhas-de-alçapão (ANDERSON, 1970). A permanência na toca pode ter sido um ponto chave para a existência das aranhas-de-alçapão até os dias de hoje. Embora a toca sirva como defesa contra predadores e favoreça de forma ofensiva proporcionando um local camuflado para emboscada, outra função pode estar relacionada com o abrigo fornecendo condições climáticas favoráveis e evitando contato direto com radiações UV, permitindo o estabelecimento no ambiente terrestre (DECAE, 1991; VOLLRATH & SELDEN, 2007). Em ambientes abertos a temperatura pode ter grandes flutuações em pouco intervalo de tempo, já no interior das tocas as condições são mais estáveis com baixas flutuações proporcionando-os um maior conforto térmico e hídrico para manutenção fisiológica (AISENBERG et al., 2011; UCHMAN et al., 2018). MASON et al. (2013), sugerem que a toca funciona como um tampão térmico contra temperaturas extremas e evita a dessecação dos indivíduos. 1.5. FAMÍLIA ACTINOPODIDAE SIMON, 1892. A família está dividida em três gêneros: Actinopus Perty, 1833 (FIGURA 1D); Missulena Walckenaer, 1805; Plesiolena Goloboff & Platnick 1987. Sendo, que Actinopus é o único gênero ocorrente no Brasil, apresentando 49 espécies (WORLD CATALOG SPIDER, 2019) com ampla distribuição na América do Sul (OPATOVA et al., 2019). O gênero é caracterizado principalmente pela distribuição dos oito olhos amplamente espalhados e ocupando 75% da região anterior da carapaça (RÍOS – TAMAYO & GOLOBOFF, 2018; OPATOVA et al., 2019). São animais com hábitos crípticos e constroem tocas dotadas de alçapão. As tocas são cavadas com auxílio do rastelo (FIGURA 1B); a profundidade pode variar de 10 a 30 cm de profundidade e o alçapão é espesso e rígido (INDICATTI, 2013, fig. 8). Segundo Ríos-Tamayo & Goloboff (2018) os hábitats de preferência são superfícies inclinadas e em áreas planas, tendem a se concentrar próximos a margens de rios. 1.6. FAMÍLIA IDIOPIDAE SIMON, 1889 A família está entre os grupos mais diversos de Mygalomorphae distribuída em 22 gêneros (WORLD CATALOG SPIDER, 2019) e três subfamílias: Arbanitinae, Genysinae e 13 Idiopinae (RAVEN, 1985). A família tem distribuição Gondwanica (América do Sul, Ásia, África, Austrália e Nova Zelândia), porém há espécies conhecidas na América Central e Oriente Médio (OPATOVA et al, 2019; WORLD CATALOG SPIDER, 2019). Apenas dois gêneros ocorrem no Brasil: Neocteniza Pocock, 1895 e Idiops Perty, 1833 (WORLD CATALOG SPIDER, 2019) (FIGURA 1C). São animais com hábitos semelhantes aos Actinopus, porém o alçapão geralmente é mais fino e flexível (Observação pessoal). Também apresentam rastelo (FIGURA 1A), que são utilizados para escavação da toca. Figura 1. Rastelo (indicado pelas setas) utilizado para escavação da toca e representantes de espécimes dos gêneros estudados. A. rastelo de Idiops sp.; B. rastelo de Actinopus sp.; C. Idiops camelus (Mello-Leitão, 1937) – Identificação Rafael da Fonseca Ferreira. e D. Actinopus sp. Fotos: A. Giullia de Freitas Rossi e B. Rafael P. Indicatti. 2. OBJETIVOS O presente trabalho teve os seguintes objetivos, (1) descrever aspectos bionômicos das aranhas-de-alçapão ocorrentes nas áreas de estudo; (2) investigar e mapear a distribuição espacial das tocas; (3) acompanhar a taxa de crescimento mensal e sobrevivência ao longo de 16 meses; (4) avaliar o perfil térmico e umidade em áreas de ocorrência e ausência de aranhas-de-alçapão. 3. ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO 14 Este trabalho está dividido em dois capítulos: Capítulo I - Taxa de crescimento, padrão de distribuição e descrição da toca de dois gêneros de aranhas-de-alçapão (Mygalomorphae: Actinopus, Idiops) em dois biomas (Mata atlântica e Cerrado). Cabe ressaltar que ao final do estudo foi constatado que aranhas-de-alçapão do gênero Neocteniza (Idiopidae), também tem ocorrência na área de estudo. Portanto, em alguns pontos do trabalho, será utilizado o termo taxonômico em nível de Família (Idiopidae), a que os dois gêneros Idiops e Neocteniza pertencem. Capítulo II - Comparação de umidade e perfil térmico do solo em áreas com ocorrência e ausência de aranhas-de-alçapão no bioma Cerrado. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERSON, J. F. Metabolic rates of spiders. Comparative Biochemistry and Physiology, v. 33, n. 1, p. 51-72, 1970. BOND, J. E.; COYLE, F. A. Observations on the natural history of an Ummidia trapdoor spider from Costa Rica (Araneae, Ctenizidae). Journal of Arachnology, v. 23, n. 3, p. 157- 164, 1995. BRADLEY, R. A. Foraging activity and burrow distribution in the Sydney brown trapdoor spider (Misgolas rapax Karsch: Idiopidae). Journal of Arachnology, p. 58-67, 1996. BRESCOVIT, A. D.; OLIVEIRA, U. de; SANTOS, A. J. dos. Aranhas (Araneae, Arachnida) do Estado de São Paulo, Brasil: diversidade, esforço amostral e estado do conhecimento. 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Em uma mesma agregação pode ocorrem indivíduos de todas as idades. A pesquisa foi desenvolvida em duas áreas de conservação do estado de São Paulo: Estação Ecólogica/Experimental de Itirapina e Floresta Estadual “Dr. Edmundo Navarro de Andrade”. As tocas localizadas foram marcadas e o aumento no diâmetro foi acompanhado mensalmente, ao longo 16 meses. Coeficiente de correlação de Pearson (r), foi aplicado para variáveis morfológicas e massa corpórea x diâmetro da toca. Para avaliar a distribuição através de parcelas foi utilizado o índice de dispersão de Morisita. A morfologia das tocas entre as espécies estudadas foram semelhantes, porém, houve variação ao longo do comprimento, na espessura do revestimento de seda e opérculo. As correlações entre e diâmetro das tocas e variáveis morfológicas tiveram valores significativos. Apenas uma área teve a distribuição uniforme, enquanto, que as demais tiveram distribuição agregada segundo o índice de dispersão de Morisita. O aumento contínuo das tocas pode ser uma vantagem para as aranhas-de-alçapão, resultando em economia de energia durante seu crescimento. As aranhas-de-alçapão ocorreram em grande parte das áreas estudadas e em diferentes fitofisionomias. Portanto, o baixo número de aranhas do gênero Actinopus, pode, estar relacionado ao comportamento de balonismo, reduzindo o número de indivíduos. A distribuição das aranhas então, não se limita apenas nos limites das reservas, e assim, indo além, podendo alcançar quilômetros de distância do local de nascença. Palavras chave: Aranhas-de-alçapão; tocas; idiopidae; actinopodidae; bionomia. 20 ABSTRACT Trapdoor spiders are sedentary animals and spend most of their lives in a burrow lined with silk and a camouflage trapdoor. The low dispersal power and the habit of living aggregated allow carry out long-term studies in a single place. In the same aggregation can occur individuals of all ages. These research was developed in two areas of conservation of the state of São Paulo: Itirapina Ecological / Experimental Station and State Forest “Dr. Edmundo Navarro de Andrade". The burrows were marked and the increase in diameter was monitored throughout 16 months. Pearson Correlation Coefficient (r) was applied for morphological variables and body mass x diameter of the burrow. The Morisite Dispersion Index was used to evaluate the distribution through plots. The morphology of the burrows between the studied species were similar, however, there was variations along the length, thickness of the silk lined and trapdoor. The correlations between burrows and morphological variables were significant. Only one area had uniform distribution, whereas the others had aggregated distribution according to the Morisita Dispersion Index. The continuous increase of burrows can be an advantage for the trapdoor spiders, resulting in energy savings during its growth. The trapdoor spiders occurred in the most of the areas studied and in different phytophysiognomies. Therefore, the low number of spiders of the genus Actinopus may be related to ballooning behavior, reducing the number of individuals. The distribution of the spiders not limited only to the limits of the reserves, and thus going further, being able to reach kilometers away from the place of birth. Keywords: Trapdoor spider; burrows; idiopidae; actinopodidae; bionomy. 21 1. INTRODUÇÃO Aranhas-de-alçapão são animais de hábitos sedentários, podendo passar parte ou toda a vida dentro da mesma toca, aumentando gradativamente o tamanho corporal e consequentemente o diâmetro da toca (RIX et al, 2018). Através do diâmetro da toca é possível estimar a idade da aranha (MAIN, 1987; RIX et al, 2018). Devido ao hábito sedentário e longo tempo de desenvolvimento, são vulneráveis a alterações e destruição do hábitat (SOUZA-SILVA et al., 2014; GUPTA, et al., 2015). Uma vez estabelecida, possivelmente passará a viver na mesma toca por vários anos (MARPLE & MARPLES, 1972). O tamanho corporal das aranhas-de-alçapão está diretamente correlacionado com o diâmetro da toca, bem como a quantidade de ovos que também pode ser correlacionada com o tamanho da aranha e diâmetro da toca (SOUZA-SILVA et al., 2014; GUPTA et al., 2015). Vincent (1993) e Rix et al. (2018), registraram que as tocas aumentam em diâmetro, de acordo com o crescimento da aranha residente. Portanto, não há evidências nem registros de aranhas-de-alçapão que ocuparam outras tocas abandonadas nem confrontos afim de expulsar a aranha residente e ocupar sua toca. As aranhas-de-alçapão são aranhas Mygalomorphae, que compartilham comportamentos e hábitos de vida com aranhas Liphistiomorphae, que apresentam as características mais plesiomórficas da Ordem Araneae (BOND et al., 2012). Com baixo poder de dispersão, passam a viver de forma agregada (SOUZA-SILVA et al., 2014; GUPTA et al., 2015; RIX et al., 2018), o que possibilita realizar estudos de longo prazo. Segundo Gupta et al. (2015), distúrbios humanos (supressão da vegetação, manutenção e alargamento de estradas e fogo) e a diminuição da qualidade do habitat devido a fragmentação pode influenciar na distribuição das tocas e consequentemente alterar a densidade. De acordo com Tso et al. (2003), o manejo inadequado do habitat, como a remoção de vegetação em larga escala, pode vir a causar a extinção local de espécies com necessidades ambientais especiais, como as aranhas-de-alçapão. As agregações são comuns em aranhas-de-alçapão e essas aranhas ocorrem praticamente em todos os tipos de habitats com ampla distribuição pelo mundo (VINCENT, 1993; DIPPENAAR-SCHOEMAN, 2002; SOUZA-SILVA et al., 2014; SILIWAL et al., 2015; XU et al, 2015; RIX et al., 2017). Nas agregações geralmente pode-se encontrar tocas de todas as classes de idade (filhotes, jovens e adultos) (VINCENT, 1993; SOUZA-SILVA et al., 2014; RIX et al., 2018), provavelmente devido ao limitado poder de dispersão (BRADLEY, 1996). Entretanto, alguns trabalhos reportaram o balonismo como forma de 22 dispersão, podendo as tocas de filhotes serem encontradas distantes das agregações mais velhas (COYLE, et al., 1985; FERRETTI et al., 2013). Segundo Main (1978, 1987), as tocas dos filhotes (menores diâmetros) são estabelecidas ao redor de uma toca matriarcal central. Outros trabalhos, por outro lado, descrevem a distribuição das tocas como não havendo uma toca matriarcal central, com tamanhos variados próximos um do outro e distribuídos aleatóriamente (BRADLEY, 1996; SOUZA-SILVA, 2014). Estudos a longo prazo, com foco na demografia e história natural de fêmeas de aranhas-de-alçapão já vem sendo realizado a mais de cinco décadas (MAIN, 1957), e revelou que essas aranhas têm grande potencial para viver por vários anos e até décadas (MAIN, 1987; VINCENT, 1993; MASON et al., 2018; RIX et al., 2018). Entretanto, o conhecimento acerca de muitos aspectos da história de vida de aranhas-de-alçapão (preferência de hábitat, desenvolvimento ontogenético, dispersão, fisiologia), ainda é limitado e faz-se necessário maiores estudos. Sendo, que um dos principais motivos pela falta de interesse em estudar aranhas-de-alçapão, pode ser pelo fato das tocas serem totalmente camufladas o que dificulta a localização e a necessidade de investir bastante tempo na procura. 2. OBJETIVOS - Fazer uma descrição geral de alguns aspectos da história natural de aranhas-de-alçapão dos gêneros Actinopus (Actinopodidae) e Idiops (Idiopidae); • Morfologia da toca e opérculo; • Correlações morfométricas corporais com diâmetro da toca • Preferência de hábitat; - Estudar a distribuição espacial das tocas em diferentes áreas nas duas unidades de conservação; - Estudar a taxa de crescimento das tocas e sobrevivência dos indivíduos. 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. ÁREAS DE ESTUDO A pesquisa foi realizada em duas unidades de conservação, situadas no interior do estado de São Paulo: Estação Ecólogica/Experimental de Itirapina (EEc e EEx) (FIGURA 1) e a Floresta Estadual “Dr. Edmundo Navarro de Andrade” (FEENA), localizada no município de Rio Claro (FIGURA 2). As estações Ecológica/Experimental de Itirapina juntas possuem um total de 5.512 ha, localizadas entre os municípios de Itirapina e Brotas, entre 22°12’24”S e 47°55’46”W (extremo noroeste); 22°11’25”S e 47°54’30”W (extremo nordeste); 22°15’05”S 23 e 47°55’32”W (extremo sudoeste); 22°14’45”S e 47°51’41”W (extremo sudeste). O clima da região na classificação de Köppen é do tipo Cwa: caracterizado como clima temperado úmido com inverno seco e verão quente e úmido (GIANOTTI, 1988). Na EEc, 2.300 ha são destinados a conservação e pesquisa, há poucos sinais de perturbação antrópica, a reserva tem cobertura vegetal típica de Cerrado. As fitofisionomias que predominam a área são campo limpo e campo sujo, com algumas manchas de cerrado sensu strictu e cerradão, matas de galeria ao longo de cursos d’agua e áreas brejosas. Na EEx, com 3.212 ha, possui a maior parte reflorestada com Pinus e Eucalyptus, com apenas alguns fragmentos de cerrado sensu strictu, cerradão e uma zona de transição para mata-ciliar (GIANOTTI, 1988). A FEENA localiza-se no município de Rio Claro, estado de São Paulo (22°25’S 47°33’W; ca. 650m), possui 2.231 ha com um vasto plantio de eucalipto, dividido em talhões. No entanto, há um sub-bosque crescente em grande parte dos talhões e também há remanescentes com vegetação natural. Sendo que a vegetação remanescente pertence ao bioma Mata Atlântica e é caracterizada como Floresta Estacional Semidecidual. O clima da FEENA insere-se na classificação Cwa de Köppen, com precipitação anual de 1534 mm. A rede hidrográfica é representada pela bacia do rio Corumbataí, sendo que o Ribeirão Claro é o principal curso d’água que atravessa a unidade, tendo como afluentes os córregos Ibitinga e Santo Antônio. Figura 1. Vista aérea das Estação Ecológica/Experimental de Itirapina. EEc, limites em amarelo; EEx limites em vermelho, note os fragmentos em verde; em azul área da USP; e roxo represa da Broa. A formas geométricas representam os locais onde as tocas foram encontradas. Círculo vermelho: parcelas; Quadrado amarelo: local onde foi realizado acompanhamento mensal; Triângulo azul: outros locais de ocorrência de aranhas – de – alçapão (Ver metodologia de amostragem abaixo). Fonte: Google Earth. 24 Figura 2. Vista aérea da floresta estadual "Edmundo Navarro de Andrade", com limites em amarelo, margeando a área urbana. A formas geométricas representam os locais onde as tocas foram encontradas. Círculo vermelho: parcelas; Triângulo azul: outros locais de ocorrência de aranhas – de – alçapão (Ver metodologia de amostragem abaixo). Fonte: Google Earth. 3.2. METODOLOGIA DE AMOSTRAGEM 3.2.1. ACOMPANHAMENTO MENSAL Para iniciar as amostragens, foi necessário realizar uma busca ativa manual e exaustiva para vasculhar a serapilheira e encontrar as tocas das aranhas. Esta etapa apresenta alto nível de dificuldade pelo fato das tocas serem totalmente camufladas no solo (FIGURA 3A e B). Quando encontradas, cada toca foi marcada com uma estaca de arame e uma abraçadeira contendo uma numeração exclusiva (FIGURA 3D). As estacas de arame foram então fixadas a uma distância de 2,5 cm da entrada das tocas para que não intervisse nas atividades das aranhas. Após a localização e identificação, o diâmetro da entrada de cada toca foi medido com paquímetro Mitutoyo 530-104BR, com o máximo de cuidado para não as deformar principalmente quando se encontravam acima do nível solo e com as bordas flexíveis (FIGURA 3C). As medidas foram realizadas mensalmente e a cada novo registro as tocas eram então medidas e adicionadas a lista. Durante as visitas mensais, as tocas já marcadas eram abertas e suas condições eram avaliadas, para saber se estavam ocupadas ou desabitadas, de acordo com a integridade da toca, revestimento interno de seda, bordas e opérculo. As tocas desabitadas geralmente eram encontradas abertas, toda degradada (opérculo faltando partes ou com furos e o revestimento de seda na entrada fica danificado), as vezes cheia de terra ou ocupadas por formigas. 25 O software Past (Paleontological Statistics) versão 3,21 foi usado para aplicar o coeficiente de correlação de Pearson (r) e regressão linear (r²), afim de determinar possíveis correlações entre as variáveis morfológicas (largura da carapaça = LC; Comprimento da carapaça = CC e comprimento da carapaça + quelícera = CCQ) e massa corporal (M) com o diâmetro da toca (D). Os valores de (r) variam de -1 a 1; r = 0,10 até 0,30 (fraco); r = 0,40 até 0,60 (moderado); r = 0,70 até 1 (forte). Figura 3. A. seta indicando localização da toca fechada; B. toca aberta; C. toca com entrada acima do nível do solo e D. estaca de arame com abraçadeira utilizada para fazer a marcação das tocas. A serapilheira ao redor das tocas foi removida para facilitar a visualização na imagem. Escala = 10 mm. 3.2.2. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL Um total de seis parcelas com 10m x 5m, totalizando 50m² cada uma, foram construídas nas unidades, três parcelas (uma na EEx e duas na EEc) e três na FEENA. As parcelas foram construídas com estacas de arames e barbante. As estacas foram fixadas no solo com 1m de distância uma da outra. Os barbantes ao serem esticados entre as estacas formavam um total de 50 quadrantes de 1m² (FIGURA 4). As tocas encontradas dentro das parcelas foram marcadas e mensuradas como descrito no acompanhamento mensal. A orientação das tocas (FIGURA 8) foi registrada com auxílio de uma bússola. Foram considerados oito pontos de direção (N = norte; S = sul; L = leste; W = oeste; NE = nordeste; SE = sudeste; NW = noroeste; SW = sudoeste). Para determinar o padrão espacial das tocas foi aplicado o índice de Morisita (Ig), definido pela seguinte equação: 26 Onde n é o número de unidades amostrais (50 quadrantes); é o quadrado do número de indivíduos por unidade amostral; e N é o número total de indivíduos contados em todas as unidades amostrais n. Se Ig> 1,0 = agregado; Ig<1,0 = uniforme; Ig = 1,0 = aleatório. O índice foi utilizado para determinar a distribuição de tocas de aranhas-de-alçapão Prorachias bristowei (Nemesiidae), agregadas em barrancos por SOUZA-SILVA et al. (2014). Esse índice também já foi utilizado para determinar a distribuição de outros organismos, como artrópodes e espécies vegetais (ROGLIN et al., 2013; COCCARO et al., 2014; MUJUNYA et al., 2014). Figura 4. Representação esquemática da parcela de distribuição utilizada nas áreas de estudo. Comprimento x largura (10m x 5m), totalizando 50 quadrantes de 1m². 4. RESULTADOS 4.1. DESCRIÇÃO GERAL Idiopidae: as tocas foram encontradas abaixo de uma camada de serapilheira. O formato delas pode ser tubular, posicionadas na vertical e algumas serem levemente inclinadas. Observou-se também, que elas podem ter uma ou mais curvas ao longo do seu comprimento, não possuindo um padrão. O revestimento das paredes com seda inicia-se na entrada e segue até o final, sendo que na porção inicial o revestimento é mais espesso. O diâmetro ao longo do comprimento das tocas não é constante e geralmente a partir do meio até o final das tocas ocorre um alargamento (formando uma câmara terminal), onde as aranhas 27 realizam algumas atividades como a manipulação das presas, confecção da ooteca e manutenção dos recém-nascidos. O opérculo possui uma fina camada de seda no interior. Na parte externa são anexados restos vegetais encontrados a poucos centímetros da entrada. Quando fechada, a toca então fica camuflada assemelhando-se ao ambiente a sua volta. A conexão entre o opérculo e a entrada da toca é feita através de uma dobradiça de seda. Em todas as tocas foram observados ornamentos como galhos, folhas e cascas de árvores anexados a entrada, desde as menores tocas até as maiores e variando de um a dezenas em cada toca (5A, B, C e D). Em algumas tocas, na entrada havia uma extensão feita com seda e restos vegetais há poucos milímetros acima do solo (FIGURA 3C). Os restos alimentares não digeridos e o exoesqueleto proveniente das mudas subsequentes são depositados no fundo da toca. As aranhas quando tocadas levemente com graveto, permaneciam ao fundo da toca evitando contato direto ou fechavam a entrada com o opérculo e seguravam com as garras da perna I. No momento em que eram retiradas de dentro da toca realizavam tanatose, não apresentando comportamento agressivo como desferir um ataque. Actinopus sp.: o formato das tocas é semelhante à das Idiopidae., com formato tubular, posicionadas na vertical. Também apresentou uma ou mais curvas ao longo da extensão e não havendo um padrão, apresentando formas variáveis. O revestimento de seda na parede é espesso, iniciando na entrada e seguindo até o final da toca, onde pode haver um alargamento que permite as aranhas realizarem algumas atividades. O opérculo é rígido e espesso, com diversas camadas de seda e partículas de sedimento no interior. Na parte externa, ao contrário de Idiopidae, o revestimento é com partículas de solo, ao invés de restos vegetais. A borda da entrada e do opérculo são chanfrados permitindo um encaixe bem ajustado, promovendo a vedação da toca e deixando-as ao nível do solo e sem elevação (FIGURA 5E, F, G e H). Ornamentos não foram observados de forma tão frequente, entretanto, as que apresentam, são da mesma forma que os encontrados em tocas de Idiopidae. As aranhas quando cutucadas com graveto inicialmente se mantinham no final da toca, mas por pouco tempo. Apresentaram comportamento mais agressivo em relação a Idiopidae, prendiam o graveto entre as quelíceras, o que possibilitava tira-las do interior da toca. Quando fora da toca, logo em seguida apresentou um comportamento de defesa, elevando a carapaça, pedipalpo e perna I e deixando a quelícera visível; com o corpo apoiado nas pernas II e III voltadas para frente e perna IV para trás. 28 4.2 TAXA DE CRESCIMENTO E SOBREVIVÊNCIA Um total de 102 tocas na EEx tiveram o diâmetro da entrada mensurados mensalmente entre abril de 2017 e julho de 2018 (16 meses). As medidas foram plotadas em gráficos divididos em quatro classes de tamanho (FIGURA 6): (1) 1 a 5 mm com 37 tocas; (2) 5,1 a 10 Figura 5. Entrada de tocas na FEENA. A e C. entradas fechadas de Idiops sp.; B e D. entradas abertas de Idiops sp.; E e G. entradas fechadas de Actinopus sp. e F e H. entradas abertas de Actinopus sp. A abertura do paquímetro representa 5 mm. A serapilheira ao redor das tocas foi removida para facilitar a visualização na imagem. 29 mm com 53 tocas; (3) 10,1 a 15 mm com 11 tocas e (4) 15,1 a 20 mm com 1 toca. A classe de tamanho 2 apresentou o maior número de indivíduos, com 54,06%, seguida da classe 1 com 37,74% e classes 3 e 4 representando 11,22% e 1,02%, respectivamente (FIGURAS 6 e 7). Todas as tocas aumentaram em diâmetro ao longo dos meses e tiveram aumento médio de 16,4%. Entre as classes de tamanho, a classe 1 teve maior crescimento médio com 36,6%, classe 2 com 14,2%, classe 3 com 8,4% e classe 4 com 6,4%. Observou-se que havia uma manutenção periódica nas tocas no decorrer do tempo como reparo no opérculo, revestimento interno e limpeza da toca. As relações avaliadas através do coeficiente de correlação de Pearson (r) e regressão (r2), foram significativas e fortes entre as variáveis de Idiopidae e Actinopus sp. (TABELA 1). Como representado nas Figuras 6 e 7, é possível notar a transição das classes de menor tamanho para as de maior tamanho, onde, 24 das 37 tocas da classe 1 passaram a pertencer a classe 2; da classe 2, 6 das 53 tocas passaram a pertencer classe 3 e apenas uma das 11 tocas da classe 3 passou a pertencer a classe 4. As aranhas da classe 1 apresentaram crescimento mais acelerado que as demais classes. Ao final do acompanhamento, foi contabilizado um total de 69 (67%) tocas desabitadas, com o maior número registrado em novembro / 2017 e julho / 2018 (n=12; 13, respectivamente) e menor em outubro / 2017 (n=1) e março / 2018 (n=2). A classe com maior número de tocas desabitadas foi a 2 (n=35) (TABELA 2). Entre as classes de tamanho, a que teve maior taxa de abandono durante o acompanhamento mensal foi a classe 2 com 35 (66%) tocas abandonadas em novembro, seguida da classe 1 com 26 (70,3%) tocas em julho, classe 3 com 7 (63,6%) tocas e classe com apenas 1 toca. O aumento no diâmetro das tocas mostrou ser contínuo ao longo do tempo, portanto, em alguns momentos o aumento foi mais ascendente assemelhando-se com crescimento em degrau. 30 Tabela 1. Valores das variáveis morfológicas e massa corporal das aranhas; coeficiente de correlação de Pearson (r) e regressão linear (r²). D=Diâmetro da entrada da toca; LC=Largura da carapaça; CC =comprimento da carapaça; CCQ =Comprimento da carapaça + quelícera; M = Massa corporal. Idiopidae (n=15) Actinopus sp. (n=15) D CC LC CCQ M D CC LC CCQ M 5.7 4.5 3.9 5.4 0.096 12.7 5.2 5.3 7.9 0.398 6.5 4.1 3.7 5.3 0.09 14.4 5.8 6.4 8.9 0.612 6.7 4.1 4 4.8 0.122 14.8 6.7 6.9 9.4 0.644 7.1 4.3 4.1 5.7 0.112 11.9 4.7 5.3 7.7 0.386 7.5 4.8 5.1 5,4 0.216 18.9 7.1 8.6 12.2 1.552 7.7 3.7 3.6 5.3 0.125 14.1 5.8 5.9 9.2 0.409 7,8 4.5 4.7 5.1 0.185 18 6.8 7.5 10.8 1.11 8.1 4.2 4.2 6.3 0.181 11.4 4.7 5.1 7.4 0.331 8.2 4.8 4.3 6.1 0.173 11.7 5.2 6 8.7 0.472 10.7 6 5.1 8.2 0.449 16.2 6.6 6.8 10.3 0.786 11.3 5.9 4.8 7.2 0.213 18.2 7.2 7.8 11.9 1.197 14.9 8.2 7.4 10.1 1.097 16.3 7.5 7.3 10.8 0.84 15 8.6 7.1 11.9 0.71 9.9 5.1 5.3 7.5 0.355 15.7 8.5 7.3 12.9 0.911 19.3 6.2 7.1 10.2 1.1 16.1 6.9 7.3 11.6 0.939 14.5 4.5 5.1 8.3 0.406 r 0.94 0.95 0.96 0.94 0.76 0.85 0.89 0.90 r² 0.88 0.90 0.93 0.89 0.57 0.73 0.80 0.82 P-valor 0.0001 0.0001 0.0001 0.001 0.0026 0.0004 0.0001 0.0001 31 Figura 6. Representação do aumento mensal do diâmetro da entrada das tocas, dividido em quatro classes de tamanho. A. 1 a 5mm; B. 5,1 a 10mm; C. 10,1 a 15mm; D. 15,1 a 20mm. Eixo X representa os meses e eixo Y diâmetro em mm. 32 Figura 7. Frequência das classes representadas em porcentagem. Em preto frequência das classes de tamanho no início da pesquisa e em cinza no final da pesquisa. Tabela 2. Número de tocas desabitadas por mês e por classe de tamanho, total de tocas desabitadas e taxa de sobrevivência. Classe 1 Classe 2 Classe 3 Classe 4 Total Abr - - - - - Mai - - - - - Jun - - - - - Jul - - - - - Ago - - - - - Set - - - - - Out - 1 - - 1 Nov 3 8 1 - 12 Dez 2 3 1 - 6 Jan 4 1 1 - 6 Fev 2 1 4 - 7 Mar 1 1 - - 2 Abr 3 3 - - 6 Mai 1 6 - 1 8 Jun 1 7 - - 8 Jul 9 4 - - 13 Tocas desabitadas 26 (70.3%) 35 (66%) 7 (63.6%) 1 (100%) 69 (67.6%) Sobrevivência 11 (29.7%) 18 (34%) 4 (36.4%) - 33 (32.4%) Nº de indivíduos 37 (36.3%) 53 (52%) 11 (10.8%) 1 (1%) 102 (100%) 33 4.3. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E PREFERÊNCIA DE HÁBITAT Através das amostragens organizadas em parcelas foi possível observar que nas agregações ocorrem recém-nascidos, jovens e adultos, próximos uns dos outros (FIGURAS 9 a 15). Os valores do índice de dispersão de Morisita (Ig), foram Ig= 0,73, (FIGURA 10); Ig= 1,74 para Idiopidae e Ig = 0 para Actinopus sp. (FIGURA 11); Ig= 1,50 (FIGURA 12); Ig= 17,9 (FIGURA 13); Ig= 1,69 (FIGURA 14) e Ig= 1,45 para Idiopidae e Ig = 0 para Actinopus sp. (FIGURA 15), apenas o primeiro valor indica distribuição uniforme, as demais com valor de Ig > 1 indica que a distribuição é agregada. A classe com maior número de representantes nas áreas foi a 2, na FEENA (n=38) e na EEc/EEx (n=119). A parcela representada pela figura 10, localiza-se em área de cerradão da EEc e obteve menor número de tocas marcadas (n=17, Idiopidae), com a classe de tamanho 4 ausente (FIGURA 9A). A figura 11, localiza-se na EEx em fragmento de cerrado sensu strictu com plantas exóticas introduzidas dos gêneros Eucalyptus e Pinus, área que representou maior número de tocas marcadas (n=128; 125 Idiopidae e 3 Actinopus sp.) com todas as classes de tamanho presentes (FIGURA 9B). A figura 12, representa a distribuição das tocas na área de cerrado senso strictu na EEc, com todas as classes de tamanho presentes (n=36, Idiopidae) (FIGURA 9C). A figura 13, representa a distribuição das tocas na FEENA, única parcela em que ocorreu exclusivamente Actinopus sp., com a classe de tamanho 1 ausente (n=22; Actinopus sp.) (FIGURA 9D). As figuras 14 e 15, também representam a distribuição das tocas na FEENA, ambas com classe de tamanho 4 ausente (n=26; Idiopidae) e (n=30; 28 Idiopidae e 2 Actinopus sp.) respectivamente (FIGURA 9E e F). As aranhas do gênero Actinopus que ocorreram na mesma parcela que as aranhas Idiopidae, foram menos comuns acarretando no valor de Ig = 0, com distribuição uniforme (FIGURAS 11 E 15). As orientações das entradas das tocas estão voltadas para todas as direções (FIGURA 8). No entanto, nas parcelas EEX (FIGURA 16 E e F) e EEC1 (FIGURA 16 A e B), áreas de cerrado sensu strictu com bastante entrada de luz solar ao longo do dia, as direções voltadas para E (leste), ocorreu em menor quantidade (EEX = 6,25% e EEC1 = 2,7%) em relação ao total de tocas. Na EEC2 (FIGURA 16 C e D), área de cerradão, ocorre menos entrada de luz solar durante o dia, as direções N (norte) e S (sul) estão ausentes, provavelmente por causa do baixo número de tocas, portanto E (leste) ocorre em quantidade razoável quando comparado com SE (sudeste) e NW (noroeste). Nas parcelas HORTO_ACT (FIGURA 16 A e B), HORTO_T9 (FIGURA 17 C e D) e HORTO_TS (FIGURA 17 E e F), tem pouca entrada de 34 luz solar durante o dia e as direções são mais homogêneas, E (leste) também ocorre normalmente. Figura 8. Frequência da orientação da entrada das tocas dentro das parcelas. N, norte; S, sul; E, leste; W, oeste; NE, nordeste; SE, sudeste; NW, noroeste; SW, sudoeste. 35 Figura 9. Número de registros divididos por classes de tamanho (mm) das tocas encontradas dentro das parcelas. (1) 1-5; (2) 5,1 - 10; (3) 10,1 - 15; (4) 15,1 - 20. A. EEc; B. EEx; C. EEc; D - F. FEENA. 36 Figura 10. Parcela (EEC2) representando a distribuição espacial das tocas, divididas em quatro categorias de tamanho (mm), com ocorrência apenas de Idiopidae (ig = 0,73). Estação ecológica de Itirapina – Itirapina/SP. Onde cada símbolo representa uma toca. Círculo cinza com cruz = classe 1; triângulo invertido preto = classe 2; círculo preto = classe 3. 37 Figura 11. Parcela (EEX) representando a distribuição espacial das tocas, divididas em quatro categorias de tamanho (mm). Estação experimental de Itirapina – Itirapina/SP. Onde cada símbolo representa uma toca. Círculo cinza com cruz = classe 1; triângulo invertido preto = classe 2; círculo preto = classe 3; losango preto = classe 4. As formas circuladas com círculo cinza representam Actinopus sp (ig = 0). e as demais Idiopidae (ig = 1,74). 38 Figura 12. Parcela (EEC1) representando a distribuição espacial das tocas, divididas em quatro categorias de tamanho (mm)., com ocorrência apenas de Idiopidae (ig = 1,50). Estação ecológica de Itirapina – Itirapina/SP. Onde cada símbolo representa uma toca. Círculo cinza com cruz = classe 1; triângulo invertido preto = classe 2; círculo preto = classe 3; losango preto = classe 4. 39 Figura 13. Parcela (HORTO_ACT) representando a distribuição espacial das tocas, divididas em quatro categorias de tamanho (mm), com ocorrência apenas de Actinopus sp (ig = 17,09). FEENA – Rio Claro/SP. Círculo cinza com cruz = classe 1; triângulo invertido preto = classe 2; círculo preto = classe 3; losango preto = classe 4. 40 Figura 14. Parcela (HORTO_T9) representando a distribuição espacial das tocas, divididas em quatro categorias de tamanho (mm), com ocorrência apenas de Idiopidae (ig = 1,69). FEENA – Rio Claro/SP. Círculo cinza com cruz = classe 1; triângulo invertido preto = classe 2; círculo preto = classe 3; losango preto = classe 4.. 41 Figura 15. Parcela (HORTO_TS) representando a distribuição espacial das tocas, divididas em quatro categorias de tamanho (mm). FEENA – Rio Claro/SP. Onde cada símbolo representa uma toca. Círculo cinza com cruz = classe 1; triângulo invertido preto = classe 2; círculo preto = classe 3. As formas circuladas com círculo cinza representam Actinopus sp. (ig = 0)e as demais Idiopidae (ig = 1,45). 42 Figura 16. Locais com parcelas nas estações ecológica/experimental de Itirapina. A e B, parcela montada em fragmento de cerrado sensu strictu localizado em uma área de campo sujo; C e D, parcela montada em uma área de cerradão, localizado nos limites da EEc em que margeia uma plantação de eucalipto (não visível na imagem); E e F, parcela montada em fragmento no meio da plantação de Pinus na EEx. 43 Figura 17. Locais com parcelas na FEENA. A e B, parcela montada em área próxima à entrada da reserva, estando a alguns metros de um córrego; C e D, parcela montada no final da Trilha dos 9; E e F, área localizada no meio da Trilha da Saúde. 44 5. DISCUSSÃO Estudos abordando aspectos de história natural e demografia de aranhas-de-alçapão são escassos, contando com apenas um estudo realizado no Brasil desenvolvido por SOUZA- SILVA et al. (2014). Os autores buscaram entender aspectos bionômicos em um agrupamento de Prorachias bristowei Mello Leitão, 1924 (Mygalomorphae, Nemesiidae) em barrancos na beira de estrada. Portanto, tal estudo enviesou os esforços amostrais apenas no local de estudo. Bem como Ríos-Tamayo & Goloboff (2018), relatam que as aranhas-de-alçapão do gênero Actinopus, tem preferência por superfícies inclinadas, e quando ocorrem em áreas planas se concentram ao longo das margens dos rios. As tocas encontradas nas áreas de estudos estavam estabelecidas em áreas planas, e distante dos cursos d’água. O modo de vida, bem como, as áreas de preferência para se estabelecerem tanto em barrancos como em terrenos planos, pode estar relacionado com as diferentes espécies e hábitats de ocorrência. Portanto dados do trabalho citado acima são de grande importância para começarmos a entender a biologia das espécies de áreas neotropicais e território brasileiro. Porém, faz se necessários maiores esforços para um maior aprofundamento no conhecimento das aranhas- de-alçapão. Os dados coletados sobre aranhas Idiopidae e Actinopus sp. nesta dissertação, foram de grande importância por agregar conhecimento e assim, contribuir para conservação das espécies e áreas de ocorrência das mesmas em território nacional. Os temas abordados sobre aspectos de história natural, precisam ainda de pesquisas mais especificas e aprofundadas, afim de ter conhecimento inter-especifico para maior compreensão da biologia dessas espécies, que por vez, aqui abordado de forma geral e a nível de gênero e família. Após o início da pesquisa, dados preliminares permitiram investigações acerca de outros aspectos da vida dessas aranhas, como por exemplo estudos dos padrões da biologia reprodutiva e comportamento de Actinopus sp., filogeografia de uma espécie de Idiops. Além disso, novos exemplares dessas aranhas permitiram a ampliação da distribuição geográfica e descrição do comportamento de balonismo de Neocteniza (Idiopidae) e iniciar um estudo em colaboração sobre o veneno de indivíduos de Actinopus. As características das tocas são comuns com as de outras espécies de Mygalomorphae e Araneomorphae (UCHMAN et al., 2018). O revestimento de seda por exemplo, foi encontrado em todas as tocas escavadas como observado no caso de outras aranhas-de- alçapão (BOND & COYLE, 1995; GUPTA et al., 2015), a espessura não foi mensurada, mas é notável que haja diferenças inter-específicas. Na EEc/EEx, o revestimento das paredes mostrou ser mais espesso, fato este que pode ser devido a constituição do solo ser mais 45 arenoso (ZANCHETTA, et al., 2007), que por vez é mais propenso ao desmoronamento podendo soterrar a aranha no interior. Na FEENA, o solo mais compacto e argiloso oferece menos risco de desmoronamento, portanto menos deposição de seda nas paredes seria necessário. De modo que o tipo de solo e geologia pode influenciar na construção da toca, estabilidade e escavação (SOUZA-SILVA et al, 2014). O opérculo é comum nas tocas de aranhas-de-alçapão, portanto há diferenças notáveis quanto à forma e espessura entre as espécies estudadas. Segundo Decae (1991), as tocas e opérculo variam em relação ao hábitat. As tocas em hábitats secos e expostos, tem a forma de eixo mais simples e opérculo mais espesso e bem ajustado, enquanto que em hábitats mais sombreados e úmidos tendem a ter opérculo mais fino e flexível (MAIN, 1957). No presente estudo as tocas de Idiopidae foram facilmente diferenciadas das tocas de Actinopus sp. apenas observando características do opérculo. De acordo com Dippenaar-Schoeman (2002), a morfologia do opérculo das tocas tem variações de acordo com cada família, gênero e espécies. Recentemente, em um estudo desenvolvido por Rix et al. (2017) com aranhas-de-alçapão da família Idiopidae na Austrália, mostrou que a variação morfológica das tocas e opérculo está relacionada com cada gênero. Podendo haver algum componente evolutivo no comportamento de construção das tocas e não apenas a influência do ambiente. Em Idiopidae, os restos vegetais anexados no lado de fora do opérculo e a fina camada de seda no lado de dentro nos permitiu diferenciar de Actinopus sp., que por sua vez tem o opérculo rígido e mais espesso com as bordas chanfradas de forma que encaixe e se ajuste na entrada da toca. O uso de ornamentos anexados na borda da entrada esteve presente em todas as tocas de Idiopidae, aumentando a área de sensibilidade e forrageamento da aranha. O uso desses ornamentos pode aumentar consideravelmente as chances de percepção e captura de presas que se aproximam da toca. Ao mesmo tempo, servem como estruturas orientadoras para retornar a segurança da toca (HAUPT, 1995), se houver a necessidade de a aranha sair da mesma. Alguns estudos mostraram que as tocas tendem a aumentar em diâmetro periodicamente (Vincent, 1993; Rix et al 2018), entretanto, os autores não fizeram as mensurações mensalmente e sim medições com intervalo de alguns meses. Segundo Marples & Marples (1972), as aranhas-de-alçapão alargam suas tocas algumas vezes ao ano. Entretando, nossos resultados mostram que o aumento no diâmetro das tocas é contínuo (FIGURA 6) e não periódico. Ao longo dos 16 meses de acompanhamento, pode-se observar que em todos os meses o diâmetro de todas as tocas aumentou. Uma especulação desse aumento gradual, é que pode ser atribuído a economia de energia gasta para realização da 46 ecdise. O aumento no diâmetro das tocas aos poucos e ao longo do tempo, reduz o gasto de energia que aranha gastaria ao aumentar o diâmetro da toca de uma vez momentos antes da realização da ecdise, momento este, que a aranha fica mais vulnerável e consequentemente com pouca energia até a esclerotização do exoesqueleto. A manutenção e o aumento no diâmetro das tocas sugerem que a aranha pode viver boa parte da vida na mesma toca, aumentando o diâmetro em relação ao crescimento corporal. Como indica as correlações (r) fortes e significativas representadas na tabela 1. Correlações fortes entre o tamanho das aranhas x diâmetro da toca foram encontradas para várias espécies de aranhas-de-alçapão. Coyle & Icenogle (1994) estudaram aranhas do gênero Aliatypus, Smith, 1908 (Antrodiaetidae) e encontraram correlações entre largura da carapaça x diâmetro da toca que variaram entre médias e fortes. Souza-Silva et al. (2014) estudaram aspectos bionômicos de Prorachias bristowei (Nemesiidae) em também encontraram correlações positivas entre o diâmetro da toca x variáveis morfológicas das aranhas. Através dos resultados, não foi possível identificar o que aconteceu com os indivíduos que residiam nas tocas desabitadas. De forma especulatória, o maior número de tocas abandonadas na classe de tamanho 2 pode estar relacionado com aranhas machos que tenham atingido o estágio adulto e abandonado a toca a procura de fêmeas. Outra possibilidade dos altos números de abandono de tocas das classes de tamanho 1 e 2 pode ser um indicativo de alta mortalidade e/ou dispersão de filhotes e jovens (SOUZA-SILVA et al., 2014). Há também o risco de a aranha ter sido parasitada por nematoides, como relatado por Vincent (1993) ou por vespas parasitoides como relatado em Mason et al. (2018). A ocorrência de diversos tamanhos de toca na mesma área é típica de aranhas-de-alçapão (VINCENT, 1993; SOUZA-SILVA et al., 2014; RIX et al., 2018) que provavelmente é consequência do baixo poder de dispersão e baixa taxa metabólica (NENTWIG, 2013). As tocas da classe de tamanho 1 apresentaram crescimento mais acelerado, 14 tocas tiveram aumento de mais de 50%, sendo que três tocas dobraram ou mais que dobraram o tamanho ao final do estudo com 100%, 128,6% e 147,8% maiores. Portanto, o maior número de indivíduos pertencentes a classe de tamanho 2, é justificado pelo rápido aumento das tocas e consequentemente a mudança da classe de tamanho 1 para a 2. De acordo com os resultados, quanto maior a classe de tamanho, mais lento fica o aumento no diâmetro das tocas e consequentemente a velocidade de crescimento da aranha também é reduzido por estarem correlacionados. Através das amostragens pelas parcelas, foi possível observar o padrão de agregamento através do índice de Morisita (Ig). Tanto na FEENA como na EEc e EEx, a 47 maioria das parcelas tiveram padrão agregado, estando de acordo com os resultados encontrados por Mason et al. (2014) onde também ultilizou o índice de Morisita (Ig), afim de avaliar a distribuição das tocas encontradas nos barrancos. A ocorrência das tocas próximas umas das outras é comum em muitas outras espécies de aranhas-de-alçapão (COYLE & ICENOGLE, 1994; GUPTA, et al., 2015; SOUZA-SILVA et al, 2014). Aranhas da família Idiopidae, ocorreram em quase todas as áreas, estando ausente apenas em uma parcela na FEENA (FIGURA 13). As tocas foram encontradas praticamente em todas as fitofisionomias amostradas. Portanto, mostrou ser mais comum que Actinopus sp., que ocorreu em apenas três parcelas e com poucas tocas presentes. Na parcela da EEx (FIGURA 11), com maior ocorrência de tocas teve apenas 3 tocas de Actinopus sp., no horto duas parcelas tiveram ocorrência de Actinopus sp. Na figura 13, única parcela que ocorreu apenas Actinopus sp. com ausência da classe de tamanho 1 e na figura 15, apenas duas tocas foram registradas. A ausência da menor classe de tamanho e poucas tocas ocorrentes nas áreas pode estar relacionada com os resultados encontrados por Ferretti et al. (2013), onde o grupo de pesquisadores registrou comportamentos de balonismo em laboratório em aranhas do gênero Actinopus. Os filhotes podem ter dispersado por meio de balonismo a grandes distâncias acarretando no baixo número de tocas encontradas nas áreas. Este comportamento é um meio de dispersão bastante eficiente que permite as aranhas viajarem grandes distancias com pouco gasto energético; para Mygalomorphae ainda há poucos registros desse comportamento que é mais comum em Araneomorphae (DECAE, 1987). O balonismo em Mygalomorphae já foi observado em outras famílias. Coyle (1983), reportou o balonismo em filhotes de Sphodros Walckenaer, 1835 (Mygalomorphae, Atypidae). Coyle (1985) e Eberhard (2005), reportou o balonismo em filhotes de Ummidia Thorell, 1875 (Mygalomorphae, Halonoproctidae). A forma de balonismo feita pelas Mygalomorphae citada acima é mais primitiva em relação as Araneomorphae, mas pode aumentar significativamente o deslocamento dessas aranhas (Coyle, 1983, Coyle et al., 1985). Como pode ser observado nas figuras 2 e 3 em Material e métodos: Áreas de estudo; essas aranhas possuem ampla distribuição e são abundantes nas áreas, portanto, as áreas de ocorrência tendem a ir além dos limites das reservas. 48 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BOND, J. E.; HENDRIXSON, B. E.; HAMILTON, C. A.; HEDIN, M. A reconsideration of the classification of the spider infraorder Mygalomorphae (Arachnida: Araneae) based on three nuclear genes and morphology. PLoS One, v. 7, n. 6, p. e38753, 2012. BOND, J. E.; COYLE, F. A. Observations on the natural history of an Ummidia trapdoor spider from Costa Rica (Araneae, Ctenizidae). 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Climep: Climatologia e Estudos da Paisagem, v. 2, n. 1, 2007. 51 CAPÍTULO II Comparação de umidade e perfil térmico do solo em áreas com ocorrência e ausência de aranhas-de-alçapão no Cerrado. 52 RESUMO Como todos artrópodes terrestres, as aranhas devem manter flutuações na temperatura e balanço hídrico corporal dentro dos limites toleráveis evitando estresse fisiológico. Hábitats com poucas flutuações de temperatura e umidade são menos restritivos para a sobrevivência. A termorregulação em animais ectotérmicos geralmente é realizada de modo comportamental. O ajuste postural em relação ao sol, encolhimento de membros e período com maior tempo de atividade, são alguns exemplos e tem grandes influências na manutenção dos processos fisiológicos. O trabalho teve como objetivo, avaliar as variáveis abióticas do micro-habitat com presença das espécies, analisando o perfil térmico e umidade do solo em áreas com ocorrência e ausência de aranhas-de-alçapão. Para avaliação da temperatura sensores de temperatura foram utilizados em diferentes profundidades. A umidade foi avaliada extraindo porções de solo nas profundidades em relação a dos sensores de temperatura, e avaliando a razão massa seca e massa úmida do solo. A temperatura e umidade tiveram diferenças significativas entre as diferentes áreas. Nas áreas em que as aranhas-de-alçapão são ausentes a umidade foi menor em relação a área com presença. A temperatura também teve diferenças significativas entre as diferentes áreas. Também houve variações entres as estações do ano (verão e inverno). Nas áreas com ocorrência obteve-se um padrão no perfil-térmico o que não foi encontrado nas áreas com ausência. Palavras chave: Gradiente térmico; termorregulação; umidade; temperatura; microclima; ectotérmico. 53 ABSTRACT Like all terrestrial arthropods, spiders must maintain fluctuations in temperature and body fluid balance within tolerable limits avoiding physiological stress. Therefore, habitats with little temperature and humidity fluctuations are less restrictive for survival. Thermoregulation in ectothermic animals is usually performed through behavior. Postural adjustment in relation to the sun, retraction of limbs and longer period of activity, may have great influences on the physiological maintenance of the animal. The aim of the work was to evaluate the abiotic variables of the micro-habitat with the presence of trapdoor spiders, focusing on the thermal profile and soil moisture, comparing areas with occurrence and absence of these spiders. Temperature sensors were used at different depths to assess temperature. Moisture was evaluated by extracting portions of soil at depths relative to the temperature sensors, and evaluating the ratio of dry mass and soil wet mass. The temperature and humidity had significant differences between the different areas. In the areas without trapdoor spiders the humidity was lower than in the areas where they are found. The temperature also had significant differences between the different areas. There were also variations between seasons (summer and winter). In the areas with occurrence there was a pattern in the thermal profile which was not found in the areas with absence. Keywords: Themal profile; thermoregulation; humidity; temperature; microclimate; ectothermic. 54 1. INTRODUÇÃO A biologia térmica dos animais é definida principalmente pelos efeitos da temperatura nas funções bioquímicas, fisiológicas e comportamentais, bem como o desenvolvimento de estratégias empregadas pelos animais afim de lidar com flutuações de temperatura ou para auxiliar na manutenção da temperatura corporal (Tb) (TATTERSALL et al., 2012). Ainda assim, as flutuações de temperatura não afetam todos os organismos igualmente e além disso, a temperatura não afeta o mesmo organismo igualmente ao longo dos estágios de ciclo de vida (ANGILLETTA JR & ANGILLETTA, 2009). A termorregulação é a manutenção da temperatura, através de comportamento ativo ou respostas fisiológicas de qualquer organismo em seu ambiente natural (MAY, 1979). Embora esse fenômeno pareça mais comum em animais endotérmicos, como aves e mamíferos, praticamente todos os organismos exibem algum grau de termorregulação (ANGILLETTA JR & ANGILLETTA, 2009). Muitos animais ectotérmicos que controlam o calor corporal principalmente pelo calor do ambiente, mantém a temperatura corporal com variações mínimas, evitando extremos letais, independente da variação do ambiente (DANKS, 2004; LAGERSPETZ & VAINIO, 2006, TATTERSALL et al., 2012; GOMES et al., 2018; ROLDÃO-SBORDINI et al., 2019). A temperatura afeta fortemente o funcionamento de sistemas biológicos, atuando como um dos principais fatores ambientais abióticos que controlam a distribuição, atividades e e organismos nos ambientes (BROCK, 1967; TATTERSALL et al., 2012). Ambientes áridos e semi-áridos são desafiadores para os animais, portanto a prevenção de condições extremas de calor e umidade pode ser obtida, regulando o tempo de atividade (dia e noite) e selecionando um micro-habitat adequado (COSTA, 2012). A variação no padrão de atividade de organismos ectotérmicos é geralmente uma resposta a condições ambientais específicas, podendo estar relacionada com adaptações fisiológicas dos organismos (SHILLINGTON, 2002). O aquecimento da superfície do solo durante o dia e o resfriamento a noite causam gradientes térmicos verticais e temporais na superfície do solo, e com a temperatura diminuindo com a profundidade (HUMPREYS, 1975; 1987). Muitos animais ectotérmicos que vivem em ambientes com variações térmicas estão sujeitos a variações corporais (SHILLINGTON, 2002), portanto, a seleção do habitat é crucial para a sobrevivência. Como todos artrópodes terrestres, as aranhas devem manter flutuações na temperatura e balanço hídrico corporal dentro dos limites toleráveis evitando estresse fisiológico, térmico 55 e hídrico (HUMPHREYS, 1987). Os animais endotérmicos têm mais liberdade no contato com as variações térmicas nos habitats, já os ectotérmicos muitas vezes necessitam de micro- hábitats, os quais apresentam menor variação térmica e hídrica favorecendo a manutenção de processos fisiológicos de forma eficiente economizando energia, permitindo assim a sobrevivência (HUMPHREYS, 1987, MASON et al., 2013). Portanto, a termorregulação geralmente é realizada de modo comportamental, como: por ajuste postural em relação a posição do sol, comportamento descrito para Nephila clavipes, Linnaeus, 1767 para detalhes ver Robinson & Robinson, (1974); encolhendo membros anteriores em temperaturas amenas (SCHMALHOFER, 1999). O período de atividade durante o dia ou noite, também tem grande influência na manutenção fisiológica das aranhas (LUBIN & HENSCHEL, 1990; STOLTEY & SHILLINGTON, 2009). Aranhas fossoriais, que vivem em tocas construídas por elas mesmas ou por outros animais, podem aproveitar tanto o gradiente térmico como o de umidade que há no solo para manter a temperatura e umidade corporal dentro dos limites toleráveis (HUMPHREYS, 1975, 1987). Mason et al., (2013), estudaram fisiologia térmica e hídrica de aranhas Aganippe spp. (Araneae, Mygalomorphae) australianas. Conforme seus resultados, sugeriram que essas aranhas não são fisiologicamente adaptadas para sobreviver fora de suas tocas que oferecem proteção, temperatura e umidade a níveis toleráveis, onde a umidade relativa (RH) varia de 80 a 100%, e quanto mais profunda mais fria. Característica que permite as aranhas persistirem em ambientes com variações térmicas extremas, mantendo estabilidade em seu interior. Assim, evitando gastos energéticos que são importantes para captura de presas e principalmente para machos investirem na procura de fêmeas na época reprodutiva (SHILLINGTON, 2002). A escolha do local para construir a toca não é aleatória, a escolha é feita pela seleção do micro-habitat ou por decisões de gerações anteriores (VIEIRA & GONZAGA, 2017). As tocas abaixo do nível do solo fornecem micro-habitat não só para aranhas mas para outros organismos (ADAMS, 2016). As necessidades fisiológicas das aranhas-de-alçapão em relação ao seu modo de vida são bastante desconhecidas. O fato de passarem grande parte da vida “confinadas” dentro de uma toca e em um mesmo local por anos e estando sujeitas a condições adversas, tornam-se modelos importantes para estudos de base. Tais estudos podem nos fornecer dados para entendermos melhor o estilo de vida fossorial e a história evolutiva ao longo do tempo. 56 2. OBJETIVO - Estudar, comparativamente, o perfil térmico e de umidade do solo em áreas com presença e ausência de aranhas-de-alçapão em áreas de Cerrado na Estação Ecológica de Itirapina. 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. ÁREA DE ESTUDO A pesquisa foi realizada em uma unidade de conservação situada no interior do estado de São Paulo: Estação Ecólogica/Experimental de Itirapina (EEc e EEx) (FIGURA 2) As estações Ecológica/Experimental de Itirapina juntas possuem um total de 5.512 ha, localizada entre os municípios de Itirapina e Brotas, entre 22°12’24”S e 47°55’46”W (extremo noroeste); 22°11’25”S e 47°54’30”W (extremo nordeste); 22°15’05”S e 47°55’32”W (extremo sudoeste); 22°14’45”S e 47°51’41”W (extremo sudeste). O clima da região na classificação de Köppen é do tipo Cwa: caracterizado como clima temperado úmido com inverno seco e verão quente e úmido (GIANOTTI, 1988). Na EEc, 2.300 ha são destinados a conservação e pesquisa, há poucos sinais de perturbação antrópica, a reserva tem cobertura vegetal típica de Cerrado. As fitofisionomias que predominam a área são campo limpo e campo sujo, com algumas manchas de cerrado sensu strictu e cerradão, matas de galeria ao longo de cursos d’agua e áreas brejosas. Na EEx, com 3.212 ha, possui a maior parte reflorestada com Pinus e Eucalyptus, com apenas alguns fragmentos de cerrado sensu strictu, cerradão e uma zona de transição para mata-ciliar (GIANOTTI, 1988). 57 Figura 1. Vista aérea das estações ecológica/experimental de itirapina. EEc, limites em amarelo; EEx limites em vermelho, fragmentos em verde; em azul área da USP; e roxo represa da Broa. Círculos vermelhos: áreas amostradas com ausência de aranhas-de-alçapão; triângulo azul: áreas amostradas com presença de aranhas-de-alçapão. 3.2. REGISTRO DE TEMPERATURA Sensores de temperatura (iButton – Maxim integrated, DS1921), foram inseridos em diferentes profundidades do solo (0 cm; 10 cm; 20 cm), a fim de registrar o gradiente térmico e um sensor foi fixado cerca de 2 cm acima do nível do solo para registrar a temperatura ambiente (área sombreada), totalizando quatro sensores por área amostrada. Os registros eram feitos a cada 2 horas. Os sensores foram dispostos em duas áreas em que ocorrem aranhas-de-alçapão (presente) e duas áreas que não ocorrem (ausente). Um local com presença e ausência está localizado na EEc, porém nos resultados está denominado como Broax e o outro local na EEx como Cer (FIGURA 1). Os termos Broax e Cer foi determinado de acordo com a área em que as tocas foram encontradas, com objetivo de diferenciar as duas áreas estudadas, a área próxima à represa da Broa (limites em roxo na figura 1) foi determinada como Broax e a outra como Cer para evitar confusão na leitura dos dados. Os registros foram feitos durante 13 meses, entre outubro/2017 e outubro/2018 e para garantir a segurança dos dados, a cada três meses os sensores foram retirados de campo e os dados descarregados no computador. Devido à grande quantidade de dados foi necessário filtrá-los obtendo-se a média, e o dia foi dividido em períodos (P1 = 6:00 às 12:00; P2 = 12:00 às 18:00; P3 = 18:00 às 00:00; P4 = 00:00 às 6:00) para fazer as análises estatísticas. A temperatura no interior de uma toca foi monitorada em campo e registrada por um período de 48h entre 25/07/2018 até 27/07/2018. Os registros foram feitos com termopares 58 Ômega Engineering TM (4 canais), sendo, que cada canal foi disposto em diferentes profundidades ao longo do comprimento da toca (entrada da toca 0cm, 5 cm, 10 cm e 15 cm). 3.3. UMIDADE Três pontos aleatórios a uma distância de aproximadamente 5 cm das tocas em cada uma das áreas onde havia presença e ausência de aranhas foram selecionados, onde pequenas quantidades de solo em diferentes profundidades (0 cm, 10 cm, 20 cm) foram retirados. Para poder estimar a umidade do solo e comparar entre as áreas. Para a extração do solo foi utilizado um coletor cilíndrico de 2 cm x 30 cm (diâmetro x comprimento). Uma extremidade do coletor foi então inserida no solo e forçado para baixo e retirado com uma porção de solo. As amostras foram colocadas em sacos plásticos para serem pesadas no local. Logo após a pesagem, as amostras foram levadas para secagem em estufa a 60C°, durante três dias, e novamente pesadas. A porcentagem de umidade foi calculada através da seguinte fórmula: (peso úmido – peso seco) / peso úmido. 3.4. ANÁLISES ESTATÍSTICAS Para as análises estatísticas da temperatura e umidade relativa do solo