UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO MESQUITA FILH O" FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS FLÁVIO APARECIDO FERNANDES LUNA EDUCAÇÃO E TRABALHO NO ENSINO MÉDIO NOTURNO EM FRANCA/SP: DESAFIOS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL FRANCA 2017 FLÁVIO APARECIDO FERNANDES LUNA EDUCAÇÃO E TRABALHO NO ENSINO MÉDIO NOTURNO EM FRANCA/SP DESAFIOS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. Área de Concentração: Desenvolvimento Social - Linha de pesquisa: Instituições, Governança e Desenvolvimento Orientador: Prof. Dr. Alexandre Marques Mendes. FRANCA 2017 Luna, Flávio Aparecido Fernandes. Educação e trabalho no ensino médio noturno em Franca/SP : desafios para as políticas públicas de desenvolvimento social no Brasil / Flávio Aparecido Fernandes Luna. –Franca : [s.n.], 2017. 91 f. Dissertação (Mestrado Profissional – Políticas Públicas). Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Orientador: Alexandre Marques Mendes 1. Políticas públicas. 2. Ensino Médio. 3. Trabalhadores- estudantes. 4. Direito à educação. I. Título. FLÁVIO APARECIDO FERNANDES LUNA EDUCAÇÃO E TRABALHO NO ENSINO MÉDIO NOTURNO EM FRANCA/SP DESAFIOS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. BANCA EXAMINADORA Presidente: ______________________________________________________________________________ Professor Doutor Alexandre Marques Mendes – Universidade Estadual “Júlio Mesquita Filho” – UNESP FRANCA 1º. Examinador: _____________________________________________________________________________ Professor Doutor Agnaldo de Sousa Barbosa - Universidade Estadual “Júlio Mesquita Filho” – UNESP FRANCA 2º. Examinador: _________________________________________________________________________ Professor Doutor Paulo Henrique Mioto Donadeli - Centro Universitário Estácio - Unidade de RIBEIRÃO PRETO/SP Franca, 28 de agosto de 2017. Dedico esse trabalho ao meu amor, Jonas Augusto, com quem partilho minha existência. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente ao meu orientador e amigo Professor Doutor Alexandre Marques Mendes. Sua dedicação, paciência e generosidade foram fundamentais nessa empreitada. Agradeço à toda equipe da UNESP, em especial aos professores por me proporcionarem os caminhos do saber. Agradeço ao meu marido Jonas Augusto dos Santos por estar comigo em todos os momentos. Por fim, agradeço aos meus colegas de turma e aos meus familiares por compreenderem e me ajudarem nessa caminhada. “ Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: ” João Guimarães Rosa (Grande Sertão Veredas) LUNA, Flávio Aparecido Fernandes. Educação e Trabalho no Ensino Médio noturno em Franca/SP: desafios para as políticas públicas de desenvolvimento social no Brasil. 2017. 91 f. Dissertação de Mestrado. (Mestrado em Planejamento e Análise de Políticas Públicas). - Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca, 2017. RESUMO Este trabalho busca compreender a relação entre educação e trabalho no Ensino Médio noturno na cidade de Franca/SP. Para tanto, foi feito uma pesquisa, por meio de questionário para o levantamento dos dados referentes à realidade dos alunos de primeiro ano do Ensino Médio. Os alunos do primeiro ano foram escolhidos por se tratar de parcela de alunos mais vulneráveis aos problemas relacionados ao primeiro emprego. Os dados da pesquisa revelaram certa desigualdade de ensino entre os alunos que estudavam no período diurno e os que estudavam no período noturno. Para a compreensão dessa realidade relacionamos os temas da desigualdade educacional e sua reprodução com os desafios do Ensino Médio noturno. Buscamos compreender também o papel do emprego na vida desses estudantes. Os alunos do noturno que trabalham e estudam estão mais expostos aos sofrimentos da exploração e da informalidade. Esses problemas se refletem na escola, os alunos estudam cansados por terem trabalhado o dia todo. Outro fator que compromete o rendimento desses alunos é a própria estruturação do Ensino Médio noturno, os alunos estudam menos horas que seus colegas do diurno. As políticas púbicas de desenvolvimento social se inserem nesse contexto como forma de promover a qualidade da educação apoiando ações que estão para além dos problemas de dentro da sala de aula. As questões sociais de desigualdade social e econômica são fatores que determinam a relação aluno-escola. O papel das políticas públicas de desenvolvimento social é equalizar essas disparidades sociais e econômicas no sentido de promover condições iguais de acesso e permanência desses alunos na escola. Portanto, os temas relacionados à educação e à exploração do trabalho e como tudo isso influencia a vida dos alunos na escola são os temas dessa pesquisa. Palavras-chave: Educação. Trabalho. Ensino Médio. Desigualdade. Franca/SP. LUNA, Flávio Aparecido Fernandes. Education and Work at Nighttime Secondary School: challenges for public policies for social development in Brazil. 2017. 91 f. Dissertation. (Professional Master’s Degree in Planning and Analysis of Public Policies). - Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca, 2017. ABSTRACT This study seeks to understand the relationship between education and work in nighttime secondary school in the municipality of Franca, State of São Paulo. For this purpose, it was performed a research by a way of a questionnaire for the survey of data relating to the reality of the students in their first year of high school. Students in the first year were chosen for being part of those who were more vulnerable to problems related to the first job. The survey data revealed some inequality of education among students who were studying during the day and those who were studying at night. To understand this reality we related the themes of educational inequality and its reproduction with the challenges of Secondary School at night. We also seek to understand the role of employment in the lives of these students. The students of the night shift working and studying are more exposed to the sufferings of exploitation and informality. These problems are reflected in the school, the students go study so tired for having worked all day. Another factor that affects the yield of these students is the very structure of the Secondary School, students study less hours than their colleagues in the daytime. The public policies for social development fall within this context as a way of promoting the quality of education by supporting actions that are in addition to the problems from inside the classroom. The social issues of social and economic inequality are factors that determine the relationship student-school. The role of public policies on social development is to equalize these social disparities in order to promote equal conditions of access and permanence of these students in the school. Therefore, the issues related to education and the exploitation of the work and how all of this affects the lives of students in school are the themes of this research. Key words: Education. Job. Secondary School. Inequality. Franca/SP. LISTA DE SIGLAS ANEB Avaliação Nacional da Educação Básica CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe EJA Educação de Jovens e adultos ENEM Exame Nacional do Ensino Médio FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional NEBA Necessidades Básicas de Aprendizagem PNE Plano Nacional de Educação PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PROMED Programa de Melhoria e expansão do Ensino Médio SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica SEE/SP Secretaria de Estado da Educação de São Paulo UNESCO Organização das Nações Unidas UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Matrículas no Ensino Médio em 2013, por Unidade Federativa .......................... 21 Gráfico 2 - Taxa de Distorção por idade, série e turno ........................................................... 22 Gráfico 3 - Relação dos alunos do ensino médio com o trabalho ........................................... 62 Gráfico 4 - Relação dos alunos do ensino médio com o trabalho formal ............................... 63 Gráfico 5 - Relação de horas trabalhadas por dia ................................................................... 64 Gráfico 6 - Local de trabalho do aluno do ensino médio ....................................................... 65 Gráfico 7 - Relação da forma de gasto salarial ....................................................................... 66 Gráfico 8 - Relação de grau de escolaridade das mães dos alunos do ensino médio ............. 68 Gráfico 9 - Relação de grau de escolaridade dos pais dos alunos do ensino médio ............... 69 Gráfico 10 - Relação de bens de consumo que o aluno pretendia comprar naquele ano ....... 72 Gráfico 11 - Relação de bens de consumo que o aluno comprou naquele ano ...................... 74 Gráfico 12 - Relação de despesas domésticas que o aluno contribuiu pelo menos uma vez .. 75 Gráfico 13 - Relação de despesas domésticas que o aluno contribui todos os meses.............. 76 Gráfico 14 - Relação das principais dificuldades do aluno relacionadas ao trabalho ............. 77 Gráfico 15 - Relação dos lugares que os alunos costumam frequentar .................................. 79 Gráfico 16 - Relação de esportes que os alunos praticam com frequência ............................ 80 Gráfico 17 - Relação de resultados escolares por numero de alunos ..................................... 81 Gráfico 18 - Relação de resultados escolares por porcentagem ............................................. 82 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Média dos alunos no SAEB .................................................................................... 24 SUMÁRIO Introdução ............................................................................................................................... 14 CAPÍTULO 1 O ENSINO MÉDIO ...................................................................................... 19 1.1 A falta de uma política publica para o Ensino Médio ........................................................ 19 1.2 Dados do Ensino Médio no Brasil ...................................................................................... 20 1.3 Perfis dos alunos e das turmas do Ensino Médio no Brasil ................................................ 22 1.4 Sobre as avaliações ............................................................................................................. 23 1.5 A política nacional para o Ensino Médio ........................................................................... 25 1.6 A finalidade do Ensino Médio ............................................................................................ 26 1.7 Objetivo do Ensino Médio .................................................................................................. 28 1.8 Influências em relação às reformas da educação básica .................................................... 30 1.9 Conferências e ações que inspiraram as reformas ............................................................. 33 1.10 Relatório Delors e a revisão da política educacional brasileira ....................................... 37 1.11 As prioridades e estratégias para a educação do Banco Mundial .................................... 38 CAPÍTULO 2 DIFERENÇAS EM RELAÇÃO AO ENSINO MÉDIO N OTURNO ..... 40 2.1 Educação e Desigualdade ................................................................................................... 41 2.2 Ocultação das desigualdades ............................................................................................. 45 2.3 Como pensam a si mesmos os desiguais ........................................................................... 47 2.4 Estudo, trabalho e desigualdade ........................................................................................ 48 2.5 Sobre a produção dos diferentes em desiguais .................................................................. 51 2.6 O mecanismo social de culpar a si próprio pelo fracasso .................................................. 52 CAPÍTULO 3 CONSIDERAÇÃO SOBRE A REALIDADE DO ALUNO NA CIDADE DE FRANCA .......................................................................................................................... 60 3.1 Dados sobre os alunos do 1º ano do Ensino Médio ........................................................... 61 3.2 Dados sobre a formalidade do emprego ............................................................................ 63 3.3 Dados sobre o número de horas trabalhadas por dia ......................................................... 64 3.4 Dados referentes ao local de trabalho ................................................................................ 65 3.5 Dados referentes à forma como o aluno gasta seu salário ................................................. 66 3.6 Dados referentes ao grau de escolaridade dos pais ............................................................ 68 3.7 Dados referentes ao consumo de bens ............................................................................... 72 3.8 Dados referentes à ajuda com despesas domésticas .......................................................... 75 3.9 Dados referentes às dificuldades enfrentadas pelos alunos trabalhadores ........................ 77 3.10 Dados referentes aos lugares que os alunos costumam freqüentar e os esportes preferidos .................................................................................................................................................. 79 3.11 Dados referentes aos resultados escolares ....................................................................... 81 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 84 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 89 14 INTRODUÇÃO A realidade dos alunos de escola pública no Brasil ainda é bastante desafiadora. Mesmo com a expansão da oferta de vagas e a universalização do Ensino Fundamental, ainda há grandes desafios a serem superados, sobretudo em relação ao Ensino Médio. Este, apesar dos esforços e do aumento de investimento, apresenta resultados tímidos de melhora, sobretudo o Ensino noturno que apresenta o maior número de alunos que abandonam a escola ou que são reprovados. O Ensino Médio noturno apresenta algumas características que contribui para a continuidade desses problemas. Uma das características mais marcantes em relação ao aluno do período noturno é sua condição de trabalhador desqualificado e superexplorado, recebendo um salário inadequado e submetido a uma insuportável dupla jornada de trabalho. Essa realidade contribui negativamente para os resultados da educação desses alunos que estudam no período noturno. As condições de trabalho precárias estão relacionadas com o acesso ao primeiro emprego juvenil. A condição de trabalhador desqualificado, superexplorado e trabalhando de forma precária, aponta para os problemas que alguns jovens enfrentam nas escolas, especialmente durante o período noturno. Desta maneira, é essencial que se discuta essa realidade ao se questionar sobre a qualidade da aprendizagem do Brasil. Analisamos essa realidade a partir do estudo da relação aluno-trabalho. Nesse intuito, focamos na realidade do aluno de 1º ano do ensino médio noturno. Isso por alguns motivos. Primeiramente por se tratar de parcela significativa de alunos que estão na faixa dos 15 e 16 anos, dos quais uma boa parte já está inserida no mercado de trabalho ou está buscando se inserir. Como já foi dito no parágrafo anterior, sobre a precariedade em relação ao acesso ao primeiro emprego, decidiu-se por investigar apenas o 1° ano do Ensino Médio noturno porque se trata também de uma mudança na vida desses alunos que nunca haviam estudado nesse período e, portanto, nessas condições. Abordamos também os efeitos da aplicação desse modelo. Para tanto, aplicamos um questionário objetivo que buscou colher informações em relação ao universo dos alunos que cursam o primeiro ano. O objetivo primário da pesquisa é a compreensão da realidade do aluno que cursa o primeiro ano do Ensino Médio noturno e sua relação com o primeiro emprego. Assim sendo, foram aplicados questionários tanto para alunos do Ensino Médio noturno quanto para alunos do Ensino Médio diurno para que, por comparação, fosse possível entender as especificidades dos alunos do período noturno. Também foram 15 recolhidos dados referentes ao número de alunos que abandonaram a escola e o número de reprovados. Esses dados são das turmas que receberam os questionários. Outro aspecto importante é o de que todas as escolas pesquisadas ofereciam a modalidade de 1º ano do ensino médio nos dois períodos, diurno e noturno. A aplicação dos questionários foi realizada em 05 escolas estaduais da Diretoria de Ensino da cidade de Franca-SP. A saber: EE Prof.º Luiz Páride Sinelli, localizada no bairro Jardim Martins; E.E. Profº. Sérgio Leça Teixeira, localizada no bairro Aeroporto III; E.E. Maria do Carmo Silva Ferreira - Dona Nenzinha, localizada no bairro jardim Simões; E.E. Prof.º Hélio Palermo, localizada no bairro Jardim Dermínio e E.E. Prof.ª Helena Cury de Tacca, localizada no Jardim Tropical II. Todas essas escolas estão localizadas no perímetro urbano da cidade e o critério para a escolha de cada uma foi sorteio. Houve um prévio levantamento das escolas que ofereciam o 1º ano do Ensino Médio no período noturno, antes do sorteio. Eram em torno de 20 escolas. Os questionários foram aplicados nas primeiras semanas de novembro, final do ano letivo de 2015. Foram entregues em torno de 500 questionários em 22 salas de primeiros anos tanto diurno como noturno. Porém, foram devolvidos somente em torno de 20%. O baixo retorno dos questionários se deve mais à necessidade de autorização dos pais do que pela disposição dos alunos em responderem. As exigências dos termos de consentimento de pedir informações como o número de RG, levaram alguns pais se recusarem a preencher. Outros problemas foram relacionados ao esquecimento do aluno de pedir tal autorização e também a falta de interesse em participar da pesquisa. No entanto, mesmo com pouco retorno foi possível colher número satisfatório de informações para se compreender minimamente a realidade desses alunos. Em relação aos gestores, apesar de ter havido alguns problemas isolados, a maioria contribuiu satisfatoriamente para o andamento da pesquisa. Outro aspecto fundamental ao qual nos propomos foi a análise de algumas políticas de educação, destacando aquelas que se referem ao Ensino Médio noturno. Buscamos também fazer uma breve reflexão sobre fatores que influenciaram a criação dessas políticas para entendermos de que forma o Ensino Médio foi pensado e implementado no Brasil. A desigualdade na educação é outro tema que abordamos. A desigualdade no Ensino Médio é acentuada pela oferta do ensino noturno. Os alunos além das dificuldades externas referentes à iniciação no trabalho têm de enfrentar outras dificuldades por serem 16 submetidos a um modelo de escola que não está adaptado à sua realidade. Esse modelo de escola, muitas vezes, é reprodutor dessas desigualdades. Analisamos os dados por meio da comparação dos indicadores gerados pela pesquisa e dos dados referentes à análise bibliográfica de temas relacionados à desigualdade no ensino e às políticas de educação. Primeiramente, comparamos os períodos diurno e noturno com o intuito de encontrar as especificidades do período noturno. Da mesma maneira, comparamos os dados de evasão e de retenção por período no intuito de percebermos se há diferença na quantidade desses alunos. De posse dessas informações chegamos a algumas conclusões que confrontamos com os conceitos apresentados pela pesquisa bibliográfica, apresentada nos primeiros capítulos dessa dissertação. Sobre o conceito de pesquisa deve-se compreender que ela é o subsídio da ciência que possibilita captar de maneira mais próxima possível a realidade que se quer investigar. No entanto, a pesquisa é um processo permanente, pois, o conhecimento da realidade é sempre algo provisório. Neste sentido, ela é sempre aproximação da realidade e nunca apropriação total, sua função é a de nos fornecer subsídios para uma intervenção do real (SILVEIRA; CÓDOVA, 2009). Os métodos utilizados foram o qualitativo e o quantitativo. Qualitativo, pois, a pesquisa se situa no campo das ciências sociais e como tal deve ser neutra em relação a juízos de valor e preconceitos contidos na própria visão do pesquisador. No entanto, não seria contraditório dizer que foi utilizado o método quantitativo também, pois, este foi aplicado exclusivamente no tratamento das informações captadas pela pesquisa de campo. (SILVEIRA; CÓDOVA, 2009). A coleta de dados foi realizada por meio de questionário. O questionário é um conjunto de perguntas, que a pessoa lê e responde sem a presença de um entrevistador. O questionário será do tipo estruturado não disfarçado no qual o respondente sabe qual é o objetivo da pesquisa, e o questionário é padronizado, usando principalmente questões fechadas. Os questionários tiveram por destino alunos que estão matriculados no 1° ano do Ensino Médio da Diretoria de Ensino da cidade de Franca. A pesquisa ficou restrita apenas para a parte urbana do município. O questionário buscou responder à questão sobre o perfil do aluno do ensino médio, levantando o número de alunos que trabalham e quais tipos de comportamento são mais comuns. Também houve questões relacionadas às expectativas do aluno em relação ao trabalho e suas características em relação ao consumo. Neste sentido, as 17 questões fizeram referência aos desejos e pretensões dos alunos. Especificamente as questões que o questionário buscou captar são: Os alunos do 1º ano noturno trabalham? De que maneira: formal ou informalmente? Os que não trabalham, pretendem trabalhar? Há alguma previsão de trabalho? Por que trabalham? Que coisas já conseguiu comprar com seu próprio dinheiro? O que pretende comprar um dia? Já ajudou ou ajuda nas despesas da família? De que forma trabalham? Quantas horas por dia? Que tipo de trabalho e onde trabalham? Essas questões colheram também o conjunto de valores relacionados ao comportamento desses alunos, conjunto de valores esse, que foi contextualizado e analisado à luz dos conceitos apresentados na revisão bibliográfica. Optamos pelos questionários fechados, apesar de se apresentarem de forma mais rígida do que os abertos, porque permite a aplicação direta de tratamentos estatísticos com auxílio de computadores e elimina a necessidade de se classificar respostas a posteriori, possivelmente induzindo tendências indesejáveis (NOGUEIRA, ROBERTO 2002). As questões foram cuidadosamente elaboradas para se evitar influenciar as respostas. No entanto, a análise dos dados apresentou algumas falhas pontuais que podem estar relacionadas ao descuido ao ler ou o próprio não entendimento da questão por parte do aluno. A interpretação de alguns conceitos de forma diferente também pode influenciar nos resultados da pesquisa. No entanto, apresentaremos nossas impressões em relação ao entendimento dos alunos que responderam os questionários para que essas contradições pontuais sejam mais bem esclarecidas. Os dados fornecidos pela pesquisa foram tabulados e analisados no intuito de responderem, positiva ou negativamente às seguintes hipóteses: nem todos os alunos que estão no primeiro ano do Ensino Médio noturno trabalham - a manutenção do modelo seria por outros motivos que não diretamente o trabalho; os alunos do Ensino Médio noturno do município de Franca trabalham? Parece que se trata de uma questão óbvia, o aluno estuda à noite porque trabalha. Mas é investigar se tal premissa é verdadeira, pelo fato de que algumas escolas do município, por questões estruturais, só oferecem a modalidade de ensino noturno para o Ensino Médio; o aluno do primeiro ano do ensino médio noturno está mais exposto à informalidade e, portanto, trabalho de forma degradante e sem garantias de proteção que a lei obriga. Isso prejudica a permanência do aluno na escola. Pretende-se verificar aqui de que forma essas crianças e jovens são inseridas no mundo do trabalho. Trata-se de trabalho formal ou informal? A maior parte dos alunos trabalha não mais para ajudar às famílias na 18 subsistência, mas para se inserirem na sociedade de consumo. Verificar, por fim, se os motivos são por necessidades básicas, como ajudar a família, ou tem relação com o consumismo. Portanto, esse trabalho procurou investigar a realidade dos alunos do Ensino Médio noturno na relação trabalho-estudo. Para que nosso intuito se realize buscamos compreender qual a parcela de responsabilidade do Estado nos problemas que afetam essa relação. Nossa análise será apresentada nos próximos capítulos que primeiramente apresentarão um breve panorama do Ensino Médio noturno, apresentando uma análise em relação às políticas de educação que tratam do ensino noturno. Também apresentaremos alguns dados sobre o Ensino Médio no Brasil relativo ao perfil dos alunos e rendimento escolar. Falaremos sobre a política nacional para o Ensino Médio e sobre sua finalidade. Para isso apresentaremos os principais fatores que influenciaram as últimas reformas da educação no Brasil e que foram responsáveis por moldar o modelo de educação vigente. Apresentaremos as principais conferências internacionais que inspiraram tais ações e reformas. No segundo capítulo faremos uma análise sociológica sobre as questões da desigualdade no ensino. A desigualdade e a reprodução da desigualdade serão os temas centrais do capítulo. Falaremos da ocultação da desigualdade como forma de legitimação da reprodução da desigualdade e de que forma isso afeta o ensino noturno. Por fim, no terceiro capítulo, apresentaremos os dados da pesquisa feita nas escolas da cidade de Franca. Esses dados foram confrontados com os conceitos construídos nos capítulos anteriores no intuito de estabelecer uma relação mais próxima entre teoria e a realidade específica dos alunos que trabalham e estudam na cidade de Franca. Por fim, este trabalho se insere no campo das políticas públicas de desenvolvimento social, porque analisa as questões relacionadas à desigualdade na educação e aponta perspectivas para a interpretação dessa determinada realidade. No entanto, insere-se também no campo das políticas de educação uma vez que oferece subsídios para compreender melhor os problemas que afetam a aprendizagem dos alunos que estudam no período noturno. Em ambas, a pesquisa proporcionará subsídios para o planejamento ou replanejamento de políticas públicas voltadas para as questões sociais e educacionais de alunos que estudam no período noturno. 19 CAPÍTULO 1 O ENSINO MÉDIO NOTURNO A necessidade desse capítulo diz respeito aos problemas que afetam negativamente a realidade do aluno do Ensino Médio noturno no Brasil. Problemas que são demonstrados por indicadores que relacionam a qualidade do ensino com o período escolar. Os resultados do Ensino Médio noturno tendem a ser mais baixos que os do período diurno. Dessa maneira, a questão fundamental que aqui colocamos é: o que faz os resultados do Ensino Médio noturno serem piores que o do Ensino Médio diurno? Essa questão torna evidente algo que já tomamos como premissa, o fato de que, além das questões relativas ao Ensino Médio como um todo, existem questões especificas que tornam o Ensino Médio algo diferente para alunos que estudam de manhã e alunos que estudam no período noturno. Tal evidência nos levou a questionar sobre os problemas que estão para além das questões pedagógicas, ou seja, as questões relacionadas à desigualdade social e de ensino. 1.1 A falta de uma política pública para o Ensino Médio noturno A oferta de Ensino Médio noturno no Estado de São Paulo não obedece ao que está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) que é a oferta de ensino adequado. Isso, pois, apesar do grande número de estudantes matriculados nesse período: não foram detectadas, no âmbito da Secretaria de Estado da Educação (SEE/SP), políticas específicas para o turno. Isso pode ser verificado também pelos resultados da avaliação do Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (Promed) que confirmam a ausência de medidas voltadas ao atendimento das especificidades do Ensino Médio noturno. Isso significa dizer que não há programas específicos que adequem o Currículo às especificidades da realidade desses alunos (ADRIÃO, 2006). A constatação da falta de uma política especifica para o Ensino Médio noturno é algo bastante preocupante, pois, revela certa negligência para com os alunos desse período escolar. Negligência essa, que tem por consequência os baixos resultados em comparação aos alunos do período diurno. Um prejuízo inestimável para a formação desses alunos e também com os recursos públicos que, dessa maneira, são desperdiçados. A falta de cuidado por parte do Estado revela a falta de interesse político para a resolução desse problema. No entanto, ao apontar os problemas devemos levar em consideração também as questões econômicas e sociais que historicamente contribuíram para tal resultado. 20 Adrião (2006, p.36) cita que: Na pesquisa realizada na legislação só foram encontradas duas referências ao Ensino Médio noturno. Uma com relação à carga horária e outra sobre a opção de horários em Educação Física, ambos previstos na Resolução SEE/SP nº7, de 19 de janeiro de 1998. A referida Resolução estabeleceu diretrizes para a reorganização curricular do Ensino Médio na rede estadual de ensino, promovendo a transição dos cursos de 2° grau (Lei n°5.692/71) para cursos de Ensino Médio, tal como previsto pela LDB. Como prevê a LDB, a carga horária prevista para o Ensino Médio é de 2,4 mil horas, distribuídas em 200 dias letivos por ano, totalizando 800 horas. Nos cursos diurnos, nas escolas que funcionam em dois turnos, a carga horária diária é de 5 horas, totalizando 25 horas semanais. Para os cursos em período noturno, a carga horária diária é de 4 horas, compondo 20 horas semanais. A duração das aulas no período diurno é de 50 minutos, 45 do noturno. No nível federal, as diretrizes nacionais para o Ensino Médio estabelecem, em seu Capítulo 2 inciso IV o seguinte: No Ensino Médio regular noturno, adequado às condições de trabalhadores, respeitados os mínimos de duração e de carga horária, o projeto político-pedagógico deve atender, com qualidade, a sua singularidade, especificando uma organização curricular e metodológica diferenciada, e pode, para garantir a permanência e o sucesso destes estudantes: a) ampliar a duração do curso para mais de 3 (três) anos, com menor carga horária diária e anual, garantido o mínimo total de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas; As diretrizes nacionais, como visto, nada apresentam sobre o que seria um ensino adequado às condições de trabalhadores, apenas apresenta uma flexibilização da duração do Ensino Médio. 1.2 Dados do Ensino Médio no Brasil Embora haja um consenso de que a escola de tempo integral seja uma grande saída para melhorar o baixo desempenho dos alunos do ensino médio diurno, o mesmo não seria possível para o ensino médio noturno. Pelo menos não da mesma maneira, sem uma política social que garanta o financiamento da inatividade para que o aluno permaneça na escola, a política educacional, por si só, não conseguiria sucesso. Em pesquisa do Instituto Ayrton Senna, 2015, utilizando dados do Censo Escolar de 2010 a 2013, do SAEB de 2013 (prova ANEB) e do Enem de 2009 verificou-se que dos 7.247,776 alunos matriculados no Ensino Médio, de todo o Brasil em 2013, 67% estudavam durante o período diurno contra 33% que estudavam no período noturno. Apesar 21 da constatação da diminuição de matriculas para o período noturno, os números continuam bastante relevantes, são 2.370.349 alunos. No entanto, a redução na proporção de matrículas do noturno não ocorre de maneira homogênea entre os estados, é o caso do Estado de são Paulo que tinha uma alta proporção de alunos no noturno, mas não apresentou grande redução. Na demonstração do gráfico a seguir percebemos na comparação com os demais estados que a proporção do Estado de São Paulo de alunos matriculados no período noturno figura entre as maiores do país. Gráfico 1 - Matrículas no Ensino Médio em 2013, por UF Fonte: Instituto Ayrton Senna, 2015 Os dados demonstram aproximação do Estado de São Paulo com os Estados do Amazonas e Piauí. Esses Estados têm em comum os maiores índices, proporcionais, de alunos matriculados no Ensino Médio noturno. Esses dados sugerem que no Brasil a existência do ensino noturno não tem relação como os fatores de desenvolvimento econômico, nem de arrecadação de Estado, muito menos relação a fatores geográficos. A existência e manutenção Número de alunos em milhares Porcentagem de matrículas noturno 38 % 43 % 12 % % 5 10 % 15 % 20 % % 25 30 % 35 % % 40 45 % 50 % 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 SP BA PR RS PA SC AM PI PB A L DF TO AC RR Diurno Noturno % Matrículas noturno do Ensino Médio noturno parece ser uma opção de Estado que não vê problemas em sua oferta nem em sua manutenção. 1.3 Perfis dos Alunos e das turmas do Sobre os perfis dos alunos do período noturno, o Instituto Ayrton Senna verificou que se trata de alunos mais velhos, que iniciam o Ensino Médio atrasado em relação à idade correta e, que isso pode ser ocasionado por reprovação. Outro fator importante é o de que há uma proporção maior de alunos que trabalham e que já abandonaram os estudos durante pelo menos um ano. Também se verificou que a taxa de abandono é maior e total de aulas menor. Em relação à distorção idade/série, que é uma das características do perfil do aluno matriculado no período noturno, há diferenças importantes que podem servir de parâmetros para nossas conclusões. Isso está representado abai Ayrton Senna: Gráfico 2 - Taxa de Distorção por idade, série e turno Fonte: Instituto Ayrton Senna, 2015 Os dados do gráfico demonstram que a taxa de distorção da idade em relação à série no estado de São Paulo é a mais baixa do país. O que nos leva a reconsiderar a relação matrícula no Ensino Médio noturno com alunos mais velhos que estão fora da idade/série do Ensino Médio noturno parece ser uma opção de Estado que não vê problemas em sua manutenção. das turmas do Ensino Médio no Brasil Sobre os perfis dos alunos do período noturno, o Instituto Ayrton Senna verificou que se trata de alunos mais velhos, que iniciam o Ensino Médio atrasado em relação à idade correta e, que isso pode ser ocasionado por reprovação. Outro fator importante é o de que há uma proporção maior de alunos que trabalham e que já abandonaram os estudos durante pelo menos um ano. Também se verificou que a taxa de abandono é maior e Em relação à distorção idade/série, que é uma das características do perfil do aluno matriculado no período noturno, há diferenças importantes que podem servir de parâmetros para nossas conclusões. Isso está representado abaixo, no gráfico do Instituto Taxa de Distorção por idade, série e turno Fonte: Instituto Ayrton Senna, 2015 Os dados do gráfico demonstram que a taxa de distorção da idade em relação à série no estado de São Paulo é a mais baixa do país. O que nos leva a reconsiderar a relação matrícula no Ensino Médio noturno com alunos mais velhos que estão fora da idade/série 22 do Ensino Médio noturno parece ser uma opção de Estado que não vê problemas em sua Sobre os perfis dos alunos do período noturno, o Instituto Ayrton Senna verificou que se trata de alunos mais velhos, que iniciam o Ensino Médio atrasado em relação à idade correta e, que isso pode ser ocasionado por reprovação. Outro fator importante é o de que há uma proporção maior de alunos que trabalham e que já abandonaram os estudos durante pelo menos um ano. Também se verificou que a taxa de abandono é maior e o tempo Em relação à distorção idade/série, que é uma das características do perfil do aluno matriculado no período noturno, há diferenças importantes que podem servir de xo, no gráfico do Instituto Os dados do gráfico demonstram que a taxa de distorção da idade em relação à série no estado de São Paulo é a mais baixa do país. O que nos leva a reconsiderar a relação matrícula no Ensino Médio noturno com alunos mais velhos que estão fora da idade/série 23 adequadas. Outra característica importante se refere às porcentagens de alunos que abandonam o curso. O período noturno apresenta maior número, 14,5%. Para o diurno, 4,7%. Portanto, alunos do período noturno estão mais propensos a abandonar o curso. Poder-se-ia afirmar que os alunos estariam migrando para o ensino de jovens e adultos (EJA). Mas segundo dados do próprio Instituto Ayrton Senna não há evidencias de que isso ocorra. Outra diferença relevante foi revelada nos dados socioeconômicos do SAEB de 2013, dos alunos que fizeram a prova no terceiro ano do Ensino Médio. Dos alunos que estudam no período diurno, 22% declararam trabalhar. Do período noturno, são 51%. Sobre abandono, 80% dos alunos do diurno afirmaram nunca terem abandonado o curso. Para o período noturno esse número cai para 71%. Em 2013 havia 191.085 turmas no período diurno e 77.395 no noturno no Brasil, dados do Censo Escolar em 2013. Em relação ao número de estudantes matriculados por turma, verificou-se que os números não apresentam diferenças significativas, em torno de 31 estudantes. A variável que demonstrou maior diferença foi a de duração de funcionamento da turma1. De fato, demonstrou que o tempo de duração para os alunos da noite é significativamente menor. Considerando novamente dados do Instituto Ayrton Senna, as médias de minutos das turmas são de 308 e 232 para cada turno. Dessa forma, os alunos que estudam de manhã ficam em média 1h30 a mais na escola por dia. De maneira geral percebemos que o aluno do noturno está mais exposto aos problemas da má qualidade da educação. Como visto, existe um maior número de alunos desse período que abandona os estudos antes de concluir, outros tantos que precisam trabalhar o dia todo e outros ainda, que permanecem na escola, mas sem estímulo, pois, as garantias estruturais para uma educação de qualidade praticamente não existem. 1.4 Sobre as avaliações Infelizmente não existe um exame censitário para o Ensino Médio. Isso é bastante comprometedor, sobre tudo, em relação à elaboração da Política Pública. O que se tem é a prova ANEB que é aplicada para alunos do 3° ano do Ensino Médio. Essa prova é amostral e da forma como é colocada, não permite uma desagregação do nível de escola. O Enem possui forte apelo acadêmico e como tal não é obrigatório, assim, o uso da nota como 1 O questionário de Turma do Censo Escolar coleta dados sobre o horário de funcionamento das aulas, mais especificamente a hora em que começa e termina a aula o que permite calcular o tempo de funcionamento. 24 medida de avaliação da escola é questionável (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2015). Apesar disso, os dados dessas duas avaliações foram analisados em pesquisa do Instituto Ayrton Senna, a fim de comparar o nível de aprendizado dos alunos dos cursos noturno e diurno. Os dados foram da prova ANEB de 2013 e do Enem de 2009, uma vez que este foi o último ano que apareceu no formulário uma questão referente ao turno dos estudantes. Sobre a prova ANEB foi avaliado no ano de 2013, 40.990 alunos de escolas estaduais e municipais que cursavam o 3°ano do Ensino Médio. As escolas são sorteadas para que haja representatividade de alunos de todo o país. Dessa amostra, 36% eram alunos do Ensino Médio noturno. Esses dados revelaram que a pontuação dos cursos diurnos é invariavelmente maior do que as do curso noturno, a média é de 24.5 pontos2. Veja na tabela a seguir: Tabela 1- Média dos alunos no SAEB Disciplina Diurno Noturno Língua Portuguesa 265.8 240.3 Matemática 269.0 246.7 Fonte: Instituto Ayrton Senna, 2015 Para uma comparação mais efetiva na comparação entre os turnos, é importante utilizar dados de escolas que oferecem ambos os turnos. Dessa maneira, na amostra analisada com 437 escolas, a diferença média entre os cursos diurno e noturno dentro de cada escola é de 24.1 pontos para português e 19.2 pontos para matemática (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2015). Dados do Enem revelam que, dos 561.831 inscritos como alunos concluintes do ensino regular, 28,4% cursavam o período noturno. Em relação à média das notas entre os que cursavam no período diurno foi 26.5 pontos3 maior do que os do curso noturno. Se 2 As notas estão na chamada escala Saeb, que permite apresentar em uma mesma métrica os resultados de desempenho dos estudantes de todas as séries. O movimento Todos pela Educação estabeleceu pontuações mínimas consideradas como adequadas para cada série. No 3° ano do Ensino Médio os valores mínimos são 300 pontos para Língua Portuguesa e 350 para Matemática. A pesquisadora Maria Helena Castro considera que 15 pontos na escala Saeb é equivalente a um ano de estudo. 3 Esse valor representa 5% da nota média da prova (475). Porém nessa análise não se elimina diferenças entre escolas. 25 consideradas apenas as instituições de ensino que oferecem curso noturno e diurno, a diferença média é de 17 pontos de vantagem para os alunos do diurno. Mesmo em relação aos alunos que trabalham, a diferença se mantém (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2015). 1.5 A política nacional para o Ensino Médio A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) n° 9.394/96 estabelece a Educação Básica em três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Portanto, o Ensino Médio é parte da formação geral e tem por característica a polaridade: propedêutico-profissional. Dessa concepção, diz Adrião (2008), decorre toda a reforma do Ensino Médio, que desvinculou a formação geral, direito de todos, da formação profissional, opção ou exigência para a ocupação de determinados postos de trabalho. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, pretendeu-se a universalização do Ensino Médio no Brasil. O texto da constituição foi alterado pela Emenda Constitucional n° 14/1996, que estabeleceu a ―progressiva universalização do Ensino Médio gratuitoǁ (inciso II artigo 208). A LDB, retornando ao prescrito da constituição de 1988, prevê em seu inciso II, artigo 4°, a ―progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Médioǁ. Outro documento que formulou tal expectativa foi o Plano Nacional de Educação, Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que vigorou de 2001 a 2010, pretendeu o atendimento de 100% da demanda do Ensino Médio no prazo de dez anos4. O Plano Nacional de Educação promulgado pela Lei 13.005/2014 (Lei do PNE) prevê como meta para o Ensino Médio o seguinte: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de quinze a dezessete anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%5. Essa meta tem por estratégia diversas ações, dentre elas a estratégia 3.7 que busca fomentar a expansão das matrículas gratuitas de ensino médio integrado à educação profissional, observando-se as peculiaridades das populações do campo, das comunidades indígenas e quilombolas e das pessoas com deficiência. Destaca-se o caráter universal que o governo tenta empreender ao Ensino Médio, compreendendo o ensino técnico para toda a 4 A lei do PNE 2001-2010 foi sancionada com nove vetos, que procuravam evitar que se gerassem algumas obrigações jurídicas, principalmente relacionadas à garantia de instrumentos de financiamento. É certo que eles enfraqueceram o plano, entretanto, o que se retirou foram (importantes) instrumentos, mas não as obrigações e sua validade jurídica. 5 Ver em: http://www.observatoriodopne.org.br/uploads/reference/file/439/documento-referencia.pdf 26 população, incluído as minorias. Já na estratégia 3.8, para a garantia da meta 03 do PNE, busca: [...] estruturar e fortalecer o acompanhamento e o monitoramento do acesso e da permanência dos e das jovens beneficiários(as) de programas de transferência de renda, no ensino médio, quanto à frequência, ao aproveitamento escolar e à interação com o coletivo, bem como das situações de discriminação, preconceitos e violências, práticas irregulares de exploração do trabalho, consumo de drogas, gravidez precoce, em colaboração com as famílias e com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à adolescência e juventude [...] 6 O referido documento demonstra a necessidade da articulação entre políticas sociais e de educação, para a garantia do ensino de qualidade. Esse é um fator essencial devido os desafios sociais e de natureza econômica que afetam a vida dos estudantes. De outra maneira, as questões citadas nessa estratégia devem levar em consideração a disposição dos menos favorecidos de se encaminharem para o ensino médio noturno. A necessidade de conseguir meios para a subsistência acaba levando esses jovens a optarem pelo noturno. Isso, por si, já é algo que reproduz situações de desigualdade. Outra estratégia do PNE, trata-se da estratégia 3.11, busca redimensionar a oferta de Ensino Médio nos turnos diurno e noturno, bem como a distribuição territorial das escolas de Ensino Médio, de forma a atender a toda a demanda, de acordo com as necessidades específicas dos (as) alunos (as)7. Por redimensionar a oferta de Ensino Médio no turno diurno e noturno, pode-se entender o que está previsto no Pacto nacional pela educação8, que é a ampliação e estímulo ao Ensino Médio diurno. Essa é uma orientação bastante clara que demonstra certa descrença na forma atual de Ensino Médio noturno. 1.6 A finalidade do Ensino Médio A questão central que acompanha a implementação e expansão do Ensino Médio no Brasil é relativa à sua função propedêutica, destinada àqueles que pretendem cursar o Ensino Superior ou terminal, promovendo a profissionalização (ADRIÃO, 2006, 6 Ver em: http://www.observatoriodopne.org.br/uploads/reference/file/439/documento-referencia.pdf 7 Ver em: http://www.observatoriodopne.org.br/uploads/reference/file/439/documento-referencia.pdf 8 O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, instituído pela Portaria nº 1.140, de 22 de novembro de 2013, representa a articulação e a coordenação de ações e estratégias entre a União e os governos estaduais e distrital na formulação e implantação de políticas para elevar o padrão de qualidade do Ensino Médio brasileiro,em suas diferentes modalidades, orientado pela perspectiva de inclusão de todos que a ele tem direito. http://pactoensinomedio.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1:pacto-pelo- fortalecimento-do-ensino-medio&catid=8&Itemid=101 27 p.15). Em 1971, influenciado pela teoria do capital humano e pelas ideologias de mercado, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que estabeleceu como obrigatório a profissionalização. No entanto, essa política de profissionalização compulsória fracassou desde sua concepção, sofrendo alterações já em 1975. Em 1982, seu ponto mais polêmico foi revogado, extinguindo-se a obrigatoriedade da profissionalização. Nesse período que vai entre os anos de 1972 e 1983, a matrícula nessa etapa mais que dobrou, sendo 1.299,9 milhões de matriculados em 1972 e 2.944,1 milhões em 1983 (ADRIÃO, 2006, p.15). A ideia que se pretendia era a de que, supostamente se conseguiria a inserção em um mercado de trabalho, pronto a receber novos e mais trabalhadores, com supostas qualificações específicas. Para Neto (2005), as transformações econômicas ocorridas no mundo a partir de 1980 trouxeram mudanças nas normas de organização da produção e do trabalho nos países industrializados. Este conjunto de mudanças, no entanto, ocorreu em meio ao desemprego crescente e sob a predominância das ideias liberais: Surgem interpretações do desemprego como fenômeno resultante das inadequações das qualificações dos trabalhadores frente às novas exigências de reestruturação do setor produtivo (NETO 2005 p.391). Já em 1996 a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação foi gestada em um ambiente diferente, num contexto político e econômico mais definido do que aquele de 1971. O país passou por mudanças a partir da redemocratização, a globalização da economia, as novas tecnologias e a ampliação do acesso às informações em tempo real, marcaram o cenário brasileiro e radicalizaram tendências mais conservadoras, o que contribuiu para a redução significativa na conquista de direitos, resultando para o Ensino Médio a alteração do texto constitucional. O contexto de crise econômica e política no país acirrou a competição entre empresas e instituições, fazendo crescer a valorização da escola e da credencial escolar. O mercado de trabalho se retrai e cria exigências mais rígidas de escolarização, criando um excedente de pessoas escolarizadas que ingressam em qualquer forma de ocupação. Os esforços governamentais na proposição de medidas e programas, juntamente com o estabelecimento de fundos para o financiamento da educação, como no caso do Fundef 9,levaram a ampliação do acesso à escola e na permanência dos alunos vindos 9 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef); A implantação do Fundef a partir de 1998 contribuiu para a ampliação do atendimento apenas no âmbito do ensino fundamental. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos 28 das camadas mais pobres da população. 1.7 Objetivo do Ensino Médio O Ensino Médio é visto como etapa final da educação básica e tem por finalidade a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, a preparação básica para o trabalho e a cidadania, o aprimoramento do educando como pessoa humana e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos. Esses fragmentos fazem parte dos incisos do artigo 35 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que estabelece as finalidades para o Ensino Médio. Ao interpretarmos esse artigo percebemos uma dupla natureza do Ensino Médio, uma denota como finalidade para a formação da pessoa humana e, portanto, não é um fim em si mesmo. Na outra concepção, é visto como etapa para o trabalho, numa perspectiva pragmática e utilitarista que estabelece o Ensino Médio como fim da etapa de educação básica cuja finalidade é a transição do jovem da escola para o trabalho. Essa dualidade que parece descaracterizar o significado do Ensino Médio tem suas raízes fincadas na história e sua natureza é social. Tem origem na desigualdade, ou melhor, na legitimação da desigualdade que é de interesse da elite política desse país. Anísio Teixeira se referindo à reforma da educação em 1931, dizia que não era cabível que o sistema educacional fosse estruturado com uma escola primária e profissional para o povo e uma escola secundária e superior, para a elite: Ora, o chamado Ensino Secundário, no Brasil, vem cogitando simplesmente da preparação para esse tipo intelectual de trabalho, o que eu julgo uma solução incompleta do problema e de certo modo perigosa, porque contribui para manter a velha concepção dualista, inconscientemente alimentada, de uma educação profissional para o povo – expressão em que, de regra, só se compreendem os elementos menos ambiciosos ou menos afortunados da sociedade – e uma educação acadêmica para os que presumem não ser povo ou não o querem ser10. A ambiguidade em relação ao Ensino Médio, portanto, não é algo recente. Mas podemos perceber na forma atual do Ensino Médio a mesma tendência de determinar, por meio de uma educação tecnicista, a vida dos mais pobres. Isso se dá dentro de uma mesma escola pública que oferta Ensino Médio no período diurno e noturno, sendo estes os mais Profissionais da Educação – Fundeb foi criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef, que vigorou de 1998 a 2006. 10 TEIXEIRA, Anísio. Educação para a democracia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998, p. 107. 29 vulneráveis aos determinantes que apresentamos. A partir do golpe militar de 1964, o que se buscou no Brasil foi um retorno às ideias positivistas que outrora serviram de lema nacional: Ordem e Progresso. Dando assim um direcionamento claro à segurança e ao desenvolvimentismo. Desta maneira, percebeu-se que os graves problemas enfrentados pela educação, tais como baixo índice da população em idade escolar matriculadas em escolas e também o alto índice de repetência e abandono, eram entraves que ameaçavam os objetivos desejados (SAVIANI, 2013). Por outro lado, a implementação de um modelo econômico associado- dependente, que possibilitou o ingresso de empresas internacionais, influenciou a adoção de novas estratégias educacionais voltadas para satisfazer as necessidades do mercado. Desta maneira, foi se difundido as ideias tayloristas e fordistas, relacionadas à organização racional do trabalho. Enfoque também no controle do comportamento com subsidio das ideias behavioristas. Esse ideal influenciou necessariamente o campo educacional, houve assim o advento da pedagogia tecnicista11 (SAVIANI, 2013). Ao se fazer um apanhado histórico percebe-se que na pedagogia tradicional a iniciativa e poder decisório sobre a maneira de ensinar cabiam ao professor, ou seja, ele era sujeito do processo. Na pedagogia nova a iniciativa é do aluno, portanto, há uma relação interpessoal e intersubjetiva. Em relação à pedagogia tecnicista o que se percebe é a ênfase na busca da organização racional dos meios. Professor e aluno ocupam posição secundária, são meros executores de um processo concebido, planejado, coordenado e controlado por determinados especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos e imparciais. Assim entende-se que serão superadas as defasagens do professor o que promoverá a eficiência do sistema de ensino (SAVIANI, 2013). Essa nova concepção provocou uma reorganização das escolas que passaram por um crescente processo de burocratização. Desta maneira, as ações tiveram de ser regidas por minuciosas instruções sobre como proceder. Assim, cada agente estaria cumprindo suas tarefas especificas sem desvio de finalidade, para o controle e preenchimento de formulários. O magistério foi inserido num ritual sufocante de tal burocracia, no entanto, os resultados foram visivelmente negativos (SAVIANI, 2013). 11 A pedagogia tecnicista tem por princípio o ideário positivista da neutralidade da ciência, da racionalidade, eficiência e produtividade. Busca reorganizar o sistema educacional de maneira que ele se torne objetivo e operacional. Pretende, da mesma forma como aconteceu no trabalho, a objetivação do trabalho pedagógico. Resultado disso, a pedagogia tecnicista tentou implementar uma maneira que buscasse minimizar as interferências subjetivas. Isto seria necessário para a busca da eficiência do sistema de ensino. Eficiência essa que estaria garantida por meio da operacionalização dos objetivos e, de certa maneira, a mecanização do processo (SAVIANI, 2013). 30 Desta maneira, nos fala Saviani (2013, p. 383): Na verdade, a pedagogia tecnicista, ao ensaiar transpor para a escola a forma de funcionamento do sistema fabril, perdeu de vista a especificidade da educação, ignorando que a articulação entre escola e processo produtivo se dá de modo indireto e por meio de complexas mediações. Este trecho em que citamos Saviani demonstra mais claramente a natureza dual do Ensino básico no Brasil e como tudo isso promoveu uma contradição dentro do próprio Sistema de Ensino brasileiro. Abordaremos a seguir algumas demonstrações de eventos e documentos internacionais que consagraram a relação educação e adequação aos imperativos do mercado a partir da década de 1990. 1.8 Influências em relação às reformas da Educação Básica Os governantes da década de 1990 buscaram formas de se desvencilhar da crise econômica da década de 1980. O modelo a ser seguido foi o da Inglaterra com Margaret Thatcher (1979-1990) e Ronald Reagan (1981-1989) nos Estados Unidos. Esse modelo propunha uma nova dinâmica em relação ao papel do Estado, um retorno aos princípios liberais, redimensionando a forma de se fazer política pública. Para compreendermos a dominação neoliberal que se instaura no Brasil no final de 1991 é preciso que voltemos, de um lado, à grande crise da dívida externa dos anos 1980 que debilitou gravemente o Estado brasileiro, e, de outro, à nova hegemonia neoliberal que se estabeleceu no Norte a partir de 1980, com a eleição de Margaret Thatcher no Reino Unido e de Ronald Reagan nos Estados Unidos (BRESSER PEREIRA, 2015, p. 297). O Consenso de Washington exportou para o Brasil visões teóricas, temperadas por certo grau de pragmatismo, partilhadas pelo Banco Mundial e agências multilaterais. A abordagem de Washington para as causas da crise latino-americana eram o excessivo crescimento do Estado (protecionismo) e o chamado populismo econômico, definido pela incapacidade de controlar o déficit público e de manter sob controle as demandas salariais. Bresser Pereira cita John Williamson, segundo o qual, o Consenso de Washington era constituída por dez reformas: ―As cinco primeiras reformas poderiam ser resumidas em uma: promover a estabilização da economia através do ajuste fiscal; as cinco restantes são formas diferentes de afirmar que o Estado deveria ser fortemente reduzido (BRESSER PEREIRA, 2015, p. 299). 31 Essa análise não tinha nenhuma perspectiva histórica, como é característica do pensamento neoclássico e neoliberal. Ignorava-se o fundamental papel do Estado nas fases iniciais do desenvolvimento econômico, na fase da revolução capitalista que o Brasil havia completado na década anterior. Pressupunha, ainda, o absurdo neoclássico e liberal que pregava que é suficiente estabilizar a economia através do ajuste fiscal, da liberalização, da privatização e da desregulamentação, a fim de garantir boas instituições, garantidoras da propriedade e dos contratos, para que o país cresça de forma satisfatória e estável. As instituições estratégicas para a introdução dos interesses estrangeiros, para o Pacto Liberal-Dependente de 1991, são a universidade e o Banco Central, Segundo Bresser Pereira, a captura da universidade é fundamental, pois ela é um aparelho ideológico-chave de dominação, e também porque vivemos no capitalismo tecnoburocrático ou do conhecimento no qual a dominação pelo capital perdeu espaço para a dominação pela hegemonia ideológica. A estratégia mais eficiente, nesse caso, foi levar os mais brilhantes jovens brasileiros a fazerem PhD em universidades estrangeiras. O envio de técnicos e cientistas das ciências naturais para fazerem doutorado no exterior é recomendável; já o envio dos nossos mais brilhantes jovens para ficar quatro a cinco anos estudando economia no exterior, no nível de pós-graduação, em universidades dominadas pelo ideário neoliberal, tem sido a forma por excelência pela qual o ensino e a pesquisa nesta área se alienaram (BRESSER-PEREIRA, 2015, p. 309). Essa prática facilitou a captura do Banco Central brasileiro pelo mercado financeiro. Isso explica a alta taxa de juros de curto prazo. O comportamento das autoridades monetárias durante o período em que o Pacto Liberal-Dependente de 1991 foi dominante mostrou que a taxa de juros não era vista como um problema para o Banco Central, nem para o Ministério da Fazenda, submetidos aos conceitos da ortodoxia liberal. O objetivo de tê-la a mais baixa possível, como a lei do Federal Reserve Bank estabelece nos Estados Unidos, era algo ignorado pelo Banco Central no Brasil. Bresser Pereira ressalta ainda a falta de interesse do governo em uma política de redução dos juros, para ele: ―no quadro do Pacto Liberal- Dependente o Brasil não contou com um banco central a serviço da nação (BRESSER PEREIRA, 2015, p. 309). Isso impactou também a forma como a nação pensou a educação para o país. Subsidiadas por agências Internacionais e financiadas pelo Banco Mundial as reformas da educação no país sofreram interferência direta desse ideário manifestado no Pacto Liberal- Dependente. Ao mesmo tempo em que se falava sobre os graves problemas na área da 32 educação e se discutia as estratégias para resolver tais problemas, impunha-se aos países políticas de ajuste fiscal e de redução do papel do Estado. Algo um tanto quanto contraditório. No Brasil, a posse de Fernando Collor de Mello na Presidência da República, em 1990, iniciou a implementação do modelo inaugurado por Thatcher. Collor fez irromper mudanças que redefiniram a inserção do país na economia mundial, com amargas consequências ao povo brasileiro. Ele adotou reformas liberais comandada pela abertura comercial e pela privatização. A política de controle da inflação, conhecida como Plano Collor continha um violento ajuste fiscal e monetário. Uma gestão de estilo modernizador e intervencionista marcou seu período no poder até seu impedimento pelo Congresso Nacional, em 1992 (BRESSER PEREIRA, 2015). Sobre as tendências políticas do período, pode-se sublinhar a sintonia entre a exaltação às forças de mercado, com as correspondentes políticas de liberalização e desregulamentação. Podemos citar também a hegemonia do pensamento conservador sobre as formas de consciência social e suas ressonâncias nas práticas educativas. Com Collor no poder, o país deflagrou o processo de ajuste da economia às novas exigências de reestruturação impostas pelas agencias globais. Dolorosamente se constatou, com a abertura do mercado, que em muitos setores, os produtos nacionais não conseguiriam concorrer com os estrangeiros dentro do país. Esse processo levou a busca por vantagens competitivas. O que se compreendeu como essencial subsidiado pela literatura internacional foi a retomada da Teoria do Capital Humano, muito em voga nos anos 1970, que afirmava ser a educação um dos principais determinantes da competitividade entre os países. Mecanicamente – e repetindo uma velha máxima salvacionista -, atribuiu-se à educação o condão de sustentação da competitividade nos anos 199012. Vasta documentação internacional de vários organismos multilaterais propagou o ideário de reforma mediante diagnósticos e análises que geraram propostas de soluções consideradas cabíveis a todos os países da América Latina e Caribe, relacionadas à educação e à economia. Esses documentos exerceram importante influência na elaboração das políticas públicas, sobretudo, as de educação. Isso teve início no governo de Itamar Franco com a elaboração do Plano Decenal, mas foi no governo de Fernando Henrique Cardoso que a reforma ganhou força. 12 SHIROMA, Eneida Oto; MORAES, Maria Célia Marcondes; EVANGELISTA, Olinda. Política Educacional, 1ª reimpressão, Lamparina, 2011. 33 1.9 Conferências e ações que inspiraram as reformas Em 1990, a Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtien (Tailândia), financiada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Banco Mundial, teve por participantes diversos governos, agências internacionais, ONGs, associações profissionais e personalidades da educação em todo o mundo. Os 155 governos que subscreveram a declaração comprometeram-se a assegurar o acesso e a qualidade da educação básica a crianças, jovens e adultos. Esse evento marcou o acordo internacional entre os nove países com maior taxa de analfabetismo, conhecidos como E913, dentre eles o Brasil, com as agências internacionais. Acordo esse que levou à uma série de políticas que modificaram o cenário da educação nos países que se comprometeram com a declaração. Foi se criado para a avaliação e criação das políticas educacionais o Fórum Consultivo Internacional para a Educação para Todos, coordenada pela UNESCO que realizou reuniões regionais e globais durante o período. A conferência partiu do seguinte diagnóstico para a elaboração dos objetivos: [...] mais de 100 milhões de crianças, das quais pelo menos 60 milhões são meninas, não têm acesso ao ensino primário: mais de 960 milhões de adultos - dois terços dos quais mulheres - são analfabetos, e o analfabetismo funcional é um problema significativo em todos os países industrializados ou em desenvolvimento: • mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los aperceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais: e • mais de 100 milhões de crianças e incontáveis adultos não conseguem concluir o ciclo básico, e outros milhões, apesar de concluí-lo, não conseguem adquirir conhecimentos e habilidades essenciais14. Além desses problemas a maioria dos países que participaram da Conferência enfrentava graves problemas econômicos como o aumento do endividamento externo, ameaça de estagnação e decadência econômica, problemas políticos internos, guerras civis, aumento da violência e a degradação generalizada do meio ambiente. De um modo geral, o projeto difundiu a ideia de que a educação deveria 13 Bangladesh; Brasil; China; Egito; Índia, Indonésia; México; Nigéria e Paquistão. 14 Declaração Mundial sobre Educação para Todos Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, Jomtien, 1990. 34 realizar as necessidades básicas de aprendizagem de crianças, jovens e adultos. Estabelecendo que os governantes devessem se comprometer com Políticas de apoio nos setores social, cultural e econômico, que tenham por finalidade à utilização da educação básica para a promoção do indivíduo e da sociedade. As Políticas Educacionais também devem estabelecer a universalização do acesso à Educação básica para todos. Isso depende diretamente de uma vontade política, pois, implica a busca por financiamento de tal compromisso que será ratificada por reformas da política educacional e pelo fortalecimento institucional. O documento ainda prevê a formulação de políticas adequadas nas áreas de economia, comércio, trabalho, emprego e saúde como forma de incentivar o educando e contribuir para o desenvolvimento da sociedade15. Para Shiroma, um dos primeiros problemas para a implementação do tratado diz respeito a expressão para todos que sugere a universalização da educação básica, que no nosso caso compreende da educação infantil até o Ensino Médio, que a Conferencia não pretendia. Outro problema foi o fato de alguns autores terem compreendido o conceito NEBA16 em sua função ideológica de indicar a natureza do ensino a ser ministrado. Isso significa ensino diferente para estratos sociais diferentes. Retoma-se, dessa maneira, o dualismo na educação brasileira, ao se destinar uma educação diferente para as camadas mais pobres supostamente por estas serem compreendidas em suas necessidades peculiares, deveriam continuar tendo atendimento diverso do demandado por clientelas mais seletas (SHIROMA, 2011). As diretrizes lançadas na Conferência Mundial de Educação para Todos começam a serem implementadas nas políticas educacionais brasileiras em 1993 com a publicação do Plano Decenal de Educação para Todos17, já no governo do presidente Itamar Franco. Com esse plano o Brasil sinaliza para os organismos internacionais o início da implementação do acordo firmado em Jomtien. O Plano Decenal de Educação para Todos se direciona prioritariamente ao Ensino Fundamental, apesar disso encontramos duas mesões ao Ensino Médio quando estabelecem alguns objetivos a serem seguidos Estão no primeiro objetivo, que diz respeito a 15 Educação para Todos: Os requisitos; artigo 8º desenvolver uma política contextualizada de apoio. (Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, Jomtien, 1990). 16 Necessidades Básicas de Aprendizagem. 17 Plano Decenal de Educação para Todos traz como documentos de referência: — Declaração Mundial sobre Educação para Todos; — Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem; — Plano Decenal de Educação para Todos; — Plano Decenal Estadual de Educação para Todos (se houver): — Plano Decenal Municipal de Educação para Todos (se houver); e — Arquivos da Escola. 35 satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem das crianças, jovens e adultos, com um claro direcionamento ao mundo do trabalho: especialmente as necessidades do mundo do trabalho18. Prevê, nesse objetivo, a adequação curricular e normativa do ensino fundamental e médio e a estruturação do ensino médio, entendido como continuação da educação básica. Para Shiroma (2011), as recomendações de Jomtien e de outros fóruns promovidos por organismos multilaterais influenciaram de forma clara alguns dos anteprojetos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Isso prenunciou os cortes de verbas e as privatizações, frutos da reforma do Estado de cunho neoliberal, propiciando, novamente o retorno às disputas entre correntes privatistas e publicistas. O Fórum Nacional de Educação teve papel fundamental junto aos parlamentares em eventos por todo o país. Mas enquanto a lei de educação nacional era debatida, o governo tratava de implementar por meio de decretos, resoluções e medidas provisórias, o seu projeto educacional, articulado ao firmado em Jomtien e aos grandes interesses internacionais, dentre eles, os estabelecidos na CEPAL19. O documento da CEPAL Transformación productiva con equidad alertava para a necessidade da implementação das reformas educacionais demandadas pela reestruturação produtiva em curso. Recomendava que os países membros fizessem as reformas dos sistemas educativos de maneira a ofertar os conhecimentos e habilidades específicas requeridas pelo sistema produtivo, En lo referente a la formación de recursos humanos, se destaca su papel crucial para la tranformación productiva. O documento avalia a necessidade do investimento em educação como estratégia para o desenvolvimento tecnológico: justifica la nececidad de uma estrategia de largo plazo abocada a la elevación paulatina y sostenida de la oferta formativa en sus distintas fases y âmbitos: ciclos pré-escolar, básico y secundário, universidades [...] y educación popular y educación de adultos, y programas de reciclaje ocupacional20. As habilidades específicas referidas são: versatilidade, capacidade de inovação, comunicação, motivação, destrezas básicas, flexibilidade para adaptar-se a novas tarefas e habilidades como cálculo, ordenamento de prioridades e clareza na exposição. Essas habilidades deveriam ser desenvolvidas na educação básica. 18 Plano decenal de educação para todos.- Brasília: MEC, 1993 - versão acrescida 136 p. disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002599.pdf. 19 Comissão Econômica para a América Latina. 20 Comisión Economica para America Latina y el Caribe CEPAL. La tarea prioritaria del desarrolho de America Latina y el Caribe em los años noventa. 36 Em 1992, a CEPAL publicou o documento Educación y conocimiento: eje de la transformación productiva con equidad, em parceria com a UNESCO. O documento tratava das diretrizes para a ação no âmbito das políticas que vinculassem educação, conhecimento e desenvolvimento nos países da América Latina e Caribe, isso valeria também para outros tipos de instituições educacionais. Pretendia-se criar condições educacionais de capacitação e incorporação do programa científico e tecnológico que tornassem possível a transformação das estruturas produtivas da região em um ponto de progressiva equidade social. Isso só seria alcançado por meio da reforma dos sistemas educacionais, da capacitação profissional e a geração de capacidades endógenas para o aproveitamento do progresso científico-tecnológico (SHIROMA, 2011). Para a CEPAL a reforma do sistema produtivo dependia necessariamente da difusão do conhecimento como instrumento crucial para o enfrentamento dos desafios de se construir o que foi entendido como uma moderna cidadania para a competitividade. Essa seria preparada na escola, cujo acesso deveria ser universalizado, afim de que a população aprendesse os códigos da modernidade. Finalmente, o documento enfatizava a necessidade de reformas administrativas que operassem uma mudança do Estado administrador e provedor para um Estado avaliador, incentivador e gerador de políticas. Para isso recomendava-se a descentralização, que pode ser traduzido como desconcentração de tarefas e concentração de decisões estratégicas (SHIROMA, 2011). Essas ideias encontram correspondência no livro Reinventando o Governo de David Osborne e Ted Gaebler, para eles o êxito da transferência de poder e de responsabilidade depende de uma série de ações governamentais. Quando isso acontece, no entanto, a responsabilidade do governo não cessa. Ele torna se responsável pela garantia de que as demandas comunitárias serão atendidas. Também é responsável pelo controle, avaliação e acompanhamento da ação. Do contrário, se o governo abandonar suas responsabilidades os resultados podem ser desastrosos. Responsabilidade, dessa maneira, significa muito mais que responder por serviços. É algo maior e mais complexo do que isso, significa responder pelo governo, tornar-se responsável por dirigir as instituições tendo como finalidade o cumprimento de sua política. Então, seria basicamente delegar os serviços para que a comunidade se apoderando daquilo que lhe é de direito, participe e decida sobre a melhor forma de gerir as instituições (GAEBLER, OSBORNE, 1994). 37 1.10 Relatório Delors e a revisão da política educacional Brasileira Coordenada pelo francês Jaques Delors, a Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, reuniu especialistas do mundo inteiro. Essa comissão analisou o cenário mundial e traçou os caminhos que o papel da educação deveria assumir nos países. O documento foi produzido entre 1993 e 1996, sua importância é fundamental para compreender a revisão da política educacional de vários países, inclusive o Brasil. O relatório fez um diagnóstico sobre o atual contexto planetário de interdependência e globalização, no qual reconhece que o ideal de progresso, tão perseguido pelos países, só trouxe frustrações para a população mundial. Desigualdade, desemprego e exclusão social puderam ser vistos inclusive nas nações mais ricas, o que contribuiu para o sentimento de frustração em relação aos rumos da economia mundial. A partir disso o relatório indica quais são as principais tensões a serem resolvidas no próximo século. Para o Ensino secundário o relatório prevê como princípio a ser seguido organizar a diversidade de opções sem que seja fechada a possibilidade de um retorno ulterior ao sistema educacional. Ou seja, a finalidade do ensino secundário seria a preparação para as diferentes possibilidade, pode se fazer aqui referência ao mundo do trabalho, sem que isso impossibilite o retorno ou a continuidade do aluno no sistema de ensino. Isso, partindo do princípio de que o aluno consiga superar as limitações sociais e econômicas de sua condição. Outra recomendação ao ensino secundário diz que: Os debates sobre a seletividade e a orientação tornar-se-iam muito mais transparentes se esse princípio fosse plenamente aplicado; nesse caso, todos teriam o sentimento de que, independentemente das opções e dos cursos frequentados na adolescência, nenhuma porta seria fechada no futuro, tampouco a da própria escola. A igualdade de oportunidades adquiriria, então, seu pleno sentido21. Essa recomendação revela novamente a ignorância em relação aos fatores sociais determinantes da condição dos estudantes dos países em desenvolvimento. Para Shiroma, as recomendações apresentadas pela Comissão, nesse caso, revelam uma concepção claramente elitista. Isso significa o ensino médio teria como objetivo [...] preparar técnicos e trabalhadores para o emprego existente e desenvolver a capacidade de adaptação a empregos inimagináveis. A finalidade, portanto, é proporcionar aos alunos a possibilidade de se tornarem futuros empreendedores. A proposta indica também a intenção 21 Educação um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0010/001095/109590por.pdf. 38 de que o ensino secundário realize a alternância entre formação e trabalho e que períodos de formação possam ser alternados com períodos de trabalho. Isso configuraria a sociedade educativaǁ, pois tanto a formação na escola quanto no trabalho são consideradas educativas (SHIROMA, 2011, p.59). 1.11 As prioridades e estratégias para a educação do Banco Mundial. O Banco Mundial tem sido auxiliar nas políticas de educação no mundo como forma de atuar na redução da pobreza. Na década de 1990 o Banco foi um dos patrocinadores da Conferência Internacional de Educação para Todos, adotou suas conclusões e a partir delas elaborou diretrizes políticas. Publicou em 1995 o documento Prioridades y estrategias para la educación, essa foi a primeira análise global sobre o setor que realizou desde 1980. No entanto, como apresenta Shiroma (2011), o texto examina as opções de política educacional para os países de baixa escolaridade e reitera o objetivo de eliminar o analfabetismo até o final do século, por meio do aumento da eficácia do ensino e a melhora do rendimento. Propõe a reforma do financiamento e da administração da educação, justifica o financiamento do ensino básico com fundos públicos, com atenção especial: Las niñas, los pobres de las zonas rurales, los niños pertenecientes a minorías linguísticas y étnicas, los nómadas, los refugiados, los niños de la calle y los que trabajan y los niños con necesidades especiales22. Esses, como afirma o documento, tem acesso limitado à escola. Sobre a formação profissional, propõe o estreitamento de laços do ensino com o setor público e privado como estratégia para a meta de qualidade no treinamento profissional. O documento afirma também que o uso mais racional dos insumos educacionais poderia ser obtido com a autonomia das instituições e que esse é um dos eixos fundamentais para a reforma dos sistemas educacionais. De outra forma, o Banco Mundial recomenda mais atenção aos resultados, sistemas de aprendizagem, e em relação aos investimentos e resultados esperados. Propõe a descentralização da administração das políticas sociais, buscando uma maior eficiência no gasto social e uma maior articulação com o setor privado na oferta da educação. O documento, como demonstrado, repete antigas ideias quando afirma que a educação tem um papel decisivo no crescimento econômico e na redução da pobreza. Reafirma também o papel da tecnologia e das reformas econômicas sobre as mudanças na estrutura das economias, em relação à indústria e os mercados de trabalho em todo o mundo. 22 Prioridades y estrategias para la educación. Examen del Banco Mundial. 39 Uma das prioridades para a educação seria formar trabalhadores adaptáveis, capazes de adquirir novos conhecimentos sem dificuldades, atendendo à demanda da economia. Sobre a educação básica o documento afirma: A educação, especialmente a primária e a secundária, ajuda a reduzir a pobreza aumentando a produtividade do trabalho dos pobres, reduzindo a fecundidade, melhorando a saúde, e dota as pessoas de atitudes de que necessitam para participar plenamente na economia e na sociedade. Essas referências nos ajudam a compreender a forma pela qual se encontra o Sistema de Ensino brasileiro, mais especificamente o Ensino Médio. As influências foram diversas, como vimos, e marcaram um direcionamento tecnicista, pragmático e gerencial das políticas de educação no Brasil. No próximo capítulo abordaremos os temas relacionados à desigualdade na educação e como isso afeta particularmente o Ensino Médio noturno. 40 CAPÍTULO 2 Diferenças em relação ao Ensino Médio Noturno Um estudo feito pelas pesquisadoras Sousa e Oliveira (2008), em relação ao ensino noturno, constatou diferenciações da clientela do ensino noturno em relação ao diurno. Uma dessas diferenças é percebida entre os alunos que têm no estudo sua principal atividade e aqueles que, são trabalhadores ou buscam ingressar no mercado de trabalho e estudam ao mesmo tempo. A interpretação desse fato, por alguns profissionais da escola revelou certa compreensão relacionada a esses trabalhadores que estudam, no sentido de compreensão dos vínculos frágeis que eles tendem a ter com o processo de escolarização. Isso gera por parte da equipe escolar, práticas menos exigentes, embora a justificativa utilizada seja o sentimento de compromisso com a permanência do aluno na escola. Uma das práticas para ilustrar esse fato, seria a aceitação da entrada dos alunos atrasados na escola depois dos portões já fechadas, por causa do horário de trabalho que coincide com o da primeira aula do período. As autoras afirmam haver uma naturalização dessas práticas com a legitimação do trabalho em relação ao estudo. Outras práticas são cotidianas como a menor cobrança em relação à lição de casa, ou em relação à avaliação. Apesar dessa prática ser uma forma de negociação com os trabalhadores estudantes para evitar evasão, esses são visivelmente prejudicados em relação à qualidade do ensino que é ofertado. Em relação ao tratamento dado ao aluno do noturno, a pesquisa evidenciou a falta de uma ação específica pautada na realidade de vida e trabalho desses estudantes. Embora, terem havido menções nos registros obtidos nas escolas pesquisadas, sobre os diferentes perfis desses estudantes, isso não parece ser algo determinante nos planos, programas e ações escolares. Para as autoras da pesquisa foram raras as iniciativas de se buscar um diagnóstico mais preciso sobre características, expectativas e aspirações dos alunos, que viessem a embasar decisões relativas à organização e funcionamento do trabalho (SOUSA; OLIVEIRA, 2008 p. 54). A escola deve ser pensada como espaço privilegiado para esses alunos, espaço para o conhecimento, para a cultura e um ambiente privilegiado de socialização. Em alguns casos o ambiente escolar será o principal espaço de acesso desses estudantes à informação e à cultura sistematizada. Informações dos mais de 8 mil alunos ouvidos pela pesquisa, revelaram o estado de isolamento cultural em que vive a maioria (SOUSA; OLIVEIRA, 2008 p. 54). Podemos entender assim, que a escola noturna apesar de seus desafios, possibilita, além do acesso desses alunos à cultura sistematizada, um espaço privilegiado de 41 socialização. Privilegiado porque para alguns alunos a escola seria um dos poucos lugares de diálogo, o que faz a escola ser um lugar especial, mesmo para os que não querem estudar. Diálogo que acontece de forma precária e muitas vezes violenta na família ou no trabalho. Nesse contexto, a escola se afirma como espaço civilizador. 2.1 Educação e desigualdade O tema da desigualdade na educação tem sido objeto de diversas pesquisas e debates relacionados ao campo das políticas públicas. Na década de 1990 os principais fatores relacionados à desigualdade eram as dificuldades de acesso e permanência na escola, mais recentemente, esses fatores se revelam na aprendizagem e no percurso escolar. Segundo Arroyo (2010), os sistemas nacionais e internacionais de avaliação das desigualdades educacionais demonstram a vergonha da diversidade da qualidade de nossa educação; mostrando, sobretudo, os coletivos sociais, regionais, raciais, do campo, que desmerecem a qualidade de nosso sistema educacional público. Refere-se às desigualdades educacionais como vergonha nacional e ainda, como mancha e expressão do nosso atraso. Os resultados divulgados por essas avaliações revelam que a desigualdade ainda continua a níveis bastante expressivos. O conceito aqui referido de desigualdade na educação também pode ser aplicado ao objeto dessa pesquisa que é o Ensino Médio noturno. A existência do Ensino Médio noturno, na forma como está, já é um fator produtor de desigualdade, como veremos nos próximos capítulos. Também a oferta de ensino noturno pode funcionar como catalisador desses coletivos citado por Arroyo, ou seja, as minorias sociais e étnicas que são determinadas pelo contexto social de exclusão. Souza (2010, p.25) fala sobre o abandono social e político, consentido por toda a sociedade, de toda uma classe de indivíduos precarizados que se reproduzem por gerações enquanto tal, para ele: Essa classe social é sempre esquecida como classe com gênese e destino comum, e só é percebida no debate público como um conjunto de ―indivíduosǁ carentes ou perigosos, tratados fragmentariamente por temas de discussão superficiais, dado que nunca chegam sequer a nomear o problema real, tal como violência, segurança pública, problema da escola pública, carência da saúde pública, combate à fome etc. São propostas diversas políticas para a diminuição das desigualdades na educação, algo se consegue, mas ainda de forma insatisfatória. Não importa a origem da proposta, se liberal ou progressista, o problema ainda continua persistindo e atrapalhando a 42 construção de nossa democracia de forma consolidada. Avançamos, de certa maneira, na compreensão dos processos de produção e reprodução da desigualdade. Porém, nem sempre essa compreensão cumpre sua função de subsidiar as políticas de educação. Isso, por diversos motivos, seja de natureza político- ideológico, ou de restrição econômica. A opção por um pragmatismo político de resultados como ação das políticas de educação, é fruto dessa natureza política e econômico-restritiva. A análise dos determinantes das desigualdades educacionais23 tanto intraescola quanto intrasistema educacional, deve levar em consideração os determinantes sociais, econômicos, políticos, culturais, de gênero, raça, etnia, campo e periferia. "Avançando para outros determinantes relacionados aos padrões de poder, trabalho, acumulação, concentração- exclusão da terra e da renda" (ARROYO, 2010 p. 1383). É função das políticas de desenvolvimento social, dentre elas as de educação, criar meios para a superação das desigualdades. Primeiramente, identificando a origem da desigualdade, se ela é de natureza social, e se reproduz no sistema educacional. Ou se tem origem no próprio sistema educacional, na forma como foi institucionalizada a educação no pais. A questão que se deve investigar é: a escola, na sua ação educativa, está reproduzindo desigualdade ou ela mesma é a origem da desigualdade na educação. Infelizmente, pelo que podemos perceber nesse estudo, as questões postas são ambas verdadeiras. Nossa sociedade é profundamente desigual e a escola tem, muitas vezes, reproduzido tal desigualdade. Não há como afirmar o contrário, dada a má qualidade do ensino ofertado no país. E também, independente disso, a estruturação do ensino noturno na forma como está, por si, é promotora de desigualdade dentro do próprio sistema. Para Arroyo (2010, p.1383): Avançamos na compreensão dos complexos processos de produção-reprodução das desigualdades. Entretanto, esses acúmulos de estudos nem sempre foram levados em conta na formulação e gestão, nas análises e avaliações, nem nas justificativas de diretrizes, de intervenções de políticas que se propõem corrigi-las. O autor afirma ainda que essas análises não conseguiram sensibilizar os gestores das políticas: o foco continua fechado na exposição das desigualdades escolares e na denúncia dos fatores intraescolares como responsáveis pela sua persistência. Esse foco estreito responsabiliza os professores e educandos pelos baixos resultados no ensino. Seriam os agentes do ensinar-aprender, uns fingindo ensinar e outros aprender, os responsáveis por não 23 Esse método é atribuído ao pensamento sócio-pedagógico mais crítico. 43 termos um sistema escolar capaz de superar as desigualdades de nosso país (ARROYO, 2010, p.1384). Pesquisas que revelam fatores determinantes da desigualdade escolar intrasistema são simplesmente ignoradas. Isso é fruto da repolitização conservadora na sociedade, na política e na avaliação e gestão das políticas públicas. É o que se pode chamar de um fechar conservador do foco intraescolar, que ignora as relações educação-sociedade que leva ao empobrecimento das políticas educacionais em todas as suas fases, do planejamento à implementação. As políticas devem se esforçar pela centralidade da relação entre educação e sociedade, que se mostra mais complexa com o aumento do acesso à escola dos filhos dos coletivos feitos e mantidos tão desiguais em nossa história. É preocupante que, na medida em que os mais desiguais chegam ao sistema escolar expondo as brutais desigualdades que os vitimam, as relação educação-políticas-desigualdades fiquem secundarizadas sendo priorizadas políticas de inclusão, de qualidade, de padrões mínimos de resultados. A relação educação-desigualdade foi desfigurada pelas relações de mercado, de educação e padrão mínimo de qualidade, de currículos por competências, gestão e avaliações de resultados. As desigualdades, dessa maneira, não só continuam, mas se aprofundam e vitimam milhões de famílias e alunos pela miséria, desemprego, pela sobrevivência nos limites e a violência. "As desigualdades dos coletivos sem-teto, sem-terra, sem espaço, sem-comida, sem universidade, sem-territórios entram na escola como nunca antes e interrogam as políticas educativas, sua gestão e suas análises" (ARROYO, 2010, p.1384). Há a necessidade de uma política mais dinâmica que leve em consideração os próprios coletivos pensados e feitos desiguais, no sentido de uma política mais participativa. Se essa presença dos coletivos for reconhecida em sua centralidade política, novos modos poderão redefinir a forma de pensá-los em relação à reprodução da desigualdade. Uma nova dinâmica de se pensar as políticas de igualdade e suas implementações. A relação educação-desigualdade impõe uma questão fundamental: Como o Estado se pensa e como são pensados os coletivos feitos desiguais? Na prática as ações do Estado revelam sua centralidade na interpretação da realidade que quer interferir. Do outro lado, a sociedade, mais especificamente os coletivos feitos desiguais, apresentam-se como meros destinatários da ações e decisões políticas do Estado. As desigualdades são vistas sem sujeitos, sem as individualidades desses coletivos. Não se pode dizer, contudo, que o Estado não enfrenta as questões da desigualdade na educação, nem que não há políticas específicas para alguns coletivos feitos desiguais. O que se quer afirmar é que: é ignorado nesses grupos 44 os sujeitos históricos em sua individualidade. Também são ignorados a maioria dos coletivos feitos desiguais. Como no caso dos transgêneros, por exemplo, que sofrem preconceito dentro das escolas brasileiras, como diz a assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Márcia Acioli24: "Uma das causas da evasão escolar de transgêneros é o preconceito e a discriminação na escola"25. As políticas educacionais ao terem por objeto de sua ação ideias abstratas sobre os coletivos feitos desiguais acabam por produzir políticas genéricas que não dão conta da realidade. Essas ideias abstratas de desigualdade significam a negação da diversidade dos coletivos feitos desiguais, significa dizer que as desigualdades em abstrato não têm rosto, nem cor, nem gênero ou classe. Consequentemente, os fatores históricos que os produziram são ignorados nessas políticas generalistas de redução da desigualdade. Quando o Estado é elevado à condição de ator único, as políticas trazem essas marcas, são políticas compensatórias, reformistas, distributivas. Pretendem compensar carências, desigualdades, através da distribuição de serviços públicos. Os desiguais como problema, as políticas como solução (ARROYO, 2010, p.1384). Há uma ideia que perpassa a análise dessas políticas, a de que o problema está nos pobres, nos vulneráveis, nos grupos de risco e marginalizados. Ou seja, os coletivos sociais, raciais, éticos, dos campos, das periferias urbanas, das periferias regionais são o problema. No entanto, o Estado é a solução. Em toda análise de política a lógica é simples: apelemos ao Estado, a suas leis, a seus deveres públicos de ser solução para a fome, o analfabetismo, a falta de escolarização, de escolas, de recursos, de material didático, de formação e valorização dos profissionais. No entanto, ver os diferentes como sendo o problema está incrustado em nossa cultura política. "Sob qualquer ângulo, esses coletivos são um problema social que exige um Estado de solução, instituições e políticas públicas de soluções" (ARROYO, 2010 p. 1385). Enquanto não se mudar a máxima: os pobres são o problema na análise das políticas de desigualdade, não mudaremos a visão de um Estado benevolente e de suas políticas de solução. As análises das políticas devem se encaminhar na proposta de uma ação dinâmica por parte do Estado que garanta a participação dos coletivos feitos desiguais no sentido de promover a superação das contradições da forma atual da ação das políticas de educação. A análise deve ir para além das leituras tradicionais e generalistas das políticas, e 24 Márcia Acioli é assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) criado em 1979, é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, não partidária e com finalidade pública. 25 Ver: http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2016/junho/especialista-do-inesc-diz-que-evasao- escolar-de-transgeneros-esta-associada-ao-preconceito-e-a-discriminacao. 45 pensar uma forma de ação do Estado que busque criar condições para que os coletivos feitos desiguais participem e pertençam ao seu próprio processo de educação. 2.2 Ocultação das desigualdades A forma de pensar as desigualdades e os coletivos feitos desiguais, por si, como sendo problema, contribui para uma visão reducionista das desigualdades. Algo bastante frequente é ver as desigualdades como carência de condições de vida, de emprego, moradia e renda. Dessa visão dos coletivos desiguais como carentes se configura a imagem do Estado, das políticas, das instituições sócio-educativas. Uma ação caridosa que não se percebe reprodutora da desigualdade. Reduzir desigualdade à carência é algo que facilita o planejamento da ação do Estado e das políticas de educação, pois basta suprir as carências para que a desigualdade desapareça. Na verdade, o Estado deve agir sim para a superação das carências relacionadas ao acesso à