ANÁLISE GEOFÍSICA E HIDROGEOLÓGICA DE ÁREA ÚMIDA NA DEPRESSÃO PERIFÉRICA PAULISTA (MUNICÍPIO DE ARARAS-SP) Fernanda Teles Gomes Rosa I n s t i t u t o d e G e o c i ê n c i a s e C i ê n c i a s E x a t a s Campus de Rio C la ro PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOCIÊNCIAS E MEIO AMBIENTE PROGRAMA DE UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro Análise Geofísica e Hidrogeológica de Área Úmida na Depressão Periférica Paulista (município de Araras-SP) Fernanda Teles Gomes Rosa Orientador: Prof. Dr. César Augusto Moreira Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Geociências. Rio Claro (SP) 2022 R788a Rosa, Fernanda Teles Gomes Avaliação geofísica e hidrogeológica de área úmida na depressão periférica paulista (município de Araras-SP) / Fernanda Teles Gomes Rosa. -- Rio Claro, 2022 142 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientador: Cesar Augusto Moreira 1. Geofísica. 2. Área úmida. 3. Recarga. 4. Aquíferos. 5. Hidrogeologia. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. FERNANDA TELES GOMES ROSA Análise Geofísica e Hidrogeológica de Área Úmida na Depressão Periférica Paulista (município de Araras-SP) Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Geociências. Comissão Examinadora Prof. Dr. Cesar Augusto Moreira IGCE / UNESP/Rio Claro (SP) Prof. Dr. Marco Antônio Fontoura Hansen UNIPAMPA / Bagé (RS) Prof. Dr. Vagner Roberto Elis IAG / USP/São Paulo (SP) Profa. Dra. Vania Silvia Rosolen IGCE / UNESP/Rio Claro (SP) Profa. Dra. Lena Simone Barata Souza IGEO / UFRR/Boa Vista (RR) Rio Claro, 22 de abril de 2022 A G R A D E C I M E N T O S Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por dar apoio financeiro para a realização de pesquisa no Brasil. À UNESP, Universidade da qual a pesquisa pode ser desenvolvida por intermédio de grandes profissionais que ali trabalham, à Rosangela da secretaria e a todos os demais servidores que realizaram seu trabalho e proporcionaram um espaço digno para nosso estudo. Ao professor Dr. César Augusto Moreira, pela paciência, pelo estímulo à pesquisa e desenvolvimento, por acreditar e desenvolver os estudos geofísicos na região. Aos meus colegas de trabalho que foram a campo e trabalharam arduamente para que cada dado fosse adquirido com todo critério e respeito ao planejamento de aquisição, em especial a Matheus Casagrande, Renata Bovi e Giulia, por estarem em todas as aquisições de dados, e mesmo com tantas tarefas, abriram espaço em suas agendas e realizaram o melhor. Aos meus pais, Helio e Rita que são de fato as pessoas das quais eu realmente sou grata por ser e por estar. Por proporcionarem toda estrutura e apoio para que eu pudesse estudar o quanto eu quisesse. Ao meu companheiro André, por todo incentivo, paciência e gentileza, por suas idas a campo e à sua família, sempre presente e prestativa as minhas necessidades. Às minhas amigas e amigos que ao longo de toda a minha trajetória que foram e são importantes. Pois, fazer parte das estatísticas baixa de ensino inteiramente público, e conquistar o título maior na academia, me deixa imensamente feliz e grata. “Temos um grande problema se não entendermos qual planeta devemos salvar” Carl Sagan RESUMO Áreas úmidas isoladas são ecossistemas permanentemente ou periodicamente inundados, de relevância ecológica e para a conservação dos recursos hídricos devido à sua conectividade com aquíferos (recarga) e drenagens (descarga). Para compreender a função destas áreas no ciclo hidrológico e avaliar a dinâmica de fluxo da água em área úmida com grande influência antrópica, foram utilizados os métodos indiretos de geofísica como a gamaespectrometria e tomografia elétrica, além de medidas diretas do parâmetro de condutividade hidráulica e realização de posterior análise da distribuição e tipo de cobertura vegetal em uma área úmida no município de Araras-SP. Este trabalho teve por objetivo a análise do comportamento hidrogeológico desta área úmida, com fins de determinar na superfície os principais pontos de infiltração e a correlação com o comportamento hidrogeológico em subsuperfície, suportados por aquisições diretas de condutividade hidráulica no solo, dados da presença de radioelementos como 238U, 232Th e 40K. Foi realizado em conjunto, a análise comparativa entre os dados de tomografia elétrica adquiridos por meio dos arranjos Schlumberger, Wenner e dipolo-dipolo relativos a leituras de resistividade elétrica, para desta forma avaliar o arranjo que melhor representa a realidade em termos de solo, rocha e a dinâmica de fluxo entre os mesmos. Os resultados apontam a existência de uma estrutura de acesso e recarga direta ao aquífero regional (Sistema Aquífero Tubarão), que apresenta baixos valores de resistividade >100 Ω.m no solo e saprolito em subsuperfície caracterizada como um caminho preferencial localizado no centro da área úmida, que torna evidente o arraste geoquímico de urânio e tório neste caminho. Os resultados em análise integrada permitiam determinar os caminhos preferenciais de recarga do aquífero e proporcionaram a criação de um modelo hidrogeológico estimado para os períodos de chuvas e estiagem, com evidência de funcionalidade da área úmida como área de recarga d’água e a distribuição de radioelementos. A comparação entre os arranjos de tomografia elétrica destaca a disposição de eletrodos na configuração Schlumberger possibilitou a melhor correlação, possivelmente pelo predomínio de fluxo de campo potencial elétrico horizontalizados, ótima relação sinal/ruído e capacidade de discriminação de estruturas de fluxo verticais. Palavras-chave: aquíferos, recarga, tomografia elétrica, gamaespectrometria, ABSTRACT Isolated wetlands are ecosystems that are permanently or periodically flooded, of ecological relevance, and for the conservation of water resources due to their connectivity with aquifers (recharge) and drainage (discharge). To understand the function of these areas in the hydrological cycle and to evaluate the dynamics of water flow in a wetland with great anthropic influence, indirect methods of geophysics such as gamma spectrometry and electrical tomography were used, in addition to direct measurements of the hydraulic conductivity parameter and realization for further analysis of the distribution and type of vegetation cover in a wetland in the city of Araras-SP. The objective of this work was to analyze the hydrogeological behavior of this wetland, to determine the main infiltration points on the surface, and the correlation with the hydrological behavior in the subsurface, supported by direct acquisitions of hydraulic conductivity in the soil, data on the presence of radioelement 40K, 238U and 232Th. A comparative analysis was carried out between the electrical tomography data acquired through the Schlumberger, Wenner, and dipole-dipole arrays related to electrical resistivity readings, to evaluate the array that best represents the reality in terms of soil, rock, and soil the flow dynamics between them. The results point to the existence of a structure of access and direct recharge to the regional aquifer (Tubarão Aquifer System), which presents low resistivity values >100 Ω.m in the soil and subsurface saprolite characterized as a preferential path located in the center of the wetland, which makes evident the geochemical carryover of uranium and thorium in this path. The results of the integrated analysis allowed the determination of the preferred aquifer recharge paths and provided the creation of an estimated hydrogeological model for the rainy and dry periods, with evidence of the wetland functionality as a water recharge area and the distribution of radioelements. The comparison between the electrical tomography arrays highlights the arrangement of electrodes in the Schlumberger configuration allowed the best correlation, possibly due to the predominance of horizontal electric potential field flux, excellent signal-to-noise ratio, and ability to discriminate vertical flux structures. Keywords: aquifers, recharge, electrical tomography, gamma spectrometry LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Posição das áreas úmidas em relação à superfície freática a) acima da superfície freática; b) abaixo da superfície freática e; c) área de recarga e descarga (fluxo)22 Figura 2 - Diferentes espécies vegetativas em áreas úmidas de acordo com nível da água23 Figura 3 - Modelos de inversão gerados para a área estudada a) Resultados de inversão 2D e; b) Interpretação dos dados ................................................................................ 26 Figura 4 - Medidas de resistividade ao longo da linha para oito tempos diferentes, localizadas no Prado Norte e Sul ......................................................................................... 27 Figura 5 - Mapas de classificação de cobertura do solo nos anos referentes de: a) 1975; b) 1988; c) 1996 e d) 2002 .............................................................................................. 28 Figura 6 - Modelo hidrogeológico conceitual para área úmida em diferentes épocas do ano a) estação seca e; b) estação chuvosa .................................................................... 29 Figura 7 - Perspectiva da situação hídrica em diferentes anos a) situação atual, b) após 20 anos, c) após 40 anos e d) após 80 anos ..................................................................... 30 Figura 8 - Modelo de caminho de fluxo de água. O detalhe mostra o fluxo de água por meio de fraturas .............................................................................................................. 31 Figura 9 - Mapa de superfície de condutividade hidráulica, com a localização dos perfis do solo, e mapas de resistividade elétrica para profundidades de 2 m, 4 me 9 m .......... 32 Figura 10 - Mapa de localização, com destaque para o município de Araras e a área úmida estudada ............................................................................................................. 33 Figura 11 - Perfil geomorfológico esquemático do estado de São Paulo .......................... 39 Figura 12 - Localização das drenagens na Bacia Hidrográfica do rio Mogi Guaçu a) Drenagens presentes na UGHRI 9 b) Recorte das drenagens presentes no município de Araras- SP ...................................................................................................................... 41 Figura 13 - Dados relativos ao volume de chuvas precipitadas no município de Araras-SP ao longo dos meses no decorrer de 2017 a 2021 ................................................... 42 Figura 14 - Perfil dos aquíferos presentes nos estados de São Paulo e do Paraná ............ 43 Figura 15 - Mapa de localização dos poços de água cadastrados na plataforma SIAGAS-CPRM próximos a área úmida estudada destacada em vermelho................................. 44 Figura 16 - Cálculo da área da área úmida em diferentes meses ao longo dos anos de 2009 e 2020 a) junho/2020 b) maio/2020 c) junho 2013 d) março/2009 ..................... 47 Figura 17 - Maquinário utilizado em campo para injeção de insumos no solo ................. 48 Figura 18 - Classificação ambiental e toxicológica dos registros de insumos para cultivo de cana-de-açúcar. ................................................................................................. 51 Figura 19 - Séries radioativas de decaimentos dos elementos de 40K, 238U e 232Th .......... 56 Figura 20 - Distribuição teórica média de radioelementos presentes nas rochas .............. 57 Figura 21 - Perfis de distribuição de radioelementos em solos, perfis de intemperismo e rochas ........................................................................................................................... 58 Figura 22 - Valores médios de resposta dos radioelementos de acordo com a variação da geomorfologia ................................................................................................... 59 Figura 23 - Espectros de energia gama para os elementos K, eU e eTh ........................... 60 Figura 24 - Modelo de determinação de resistência elétrica em um fio ............................ 64 Figura 25 - Visualização da técnica de sondagem elétrica vertical em superfície e propagação na subsuperfície ................................................................................................ 66 Figura 26 - Ilustração da técnica de tomografia elétrica em aquisições na superfície e a medição na subsuperfície ................................................................................................ 66 Figura 27 - Fração de corrente que penetra abaixo da profundidade Z para uma determinada separação de eletrodos ...................................................................................... 67 Figura 28 - Disposição dos eletrodos na superfície a partir dos arranjos Schlumberger, Wenner e Dipolo-dipolo ................................................................................................. 69 Figura 29 - Sensibilidade dos arranjos na distribuição de corrente visto em corte a) Schlumberger b) Wenner c) Dipolo-dipolo ...................................................... 70 Figura 30 - Aquisição de dados de condutividade hidráulica a) mapa de distribuição dos pontos de aquisição; b) canos de pvc utilizados para aquisições; e c) instalação do equipamento em campo .................................................................................... 72 Figura 31 - Esquema de aquisição de dados de condutividade hidráulica ........................ 73 Figura 32 - Aquisição de dados de gamaespectrometria a) Mapa de distribuição dos pontos de aquisição b) equipamento utilizado em campo ................................................. 75 Figura 33 - Mapa de curvas de nível na área úmida .......................................................... 80 Figura 34 - Mapa da área úmida e locais de coletas dos dados de permeabilidade, gamaespectrometria, tradagens e linhas de tomografia elétrica ........................ 76 Figura 35 - Modelo de processamento de dados utilizado pelo software Res2Dinv com representação dos blocos com larguras iguais .................................................. 77 Figura 36 - Mapa de superfície gerado a partir dos resultados obtidos para o parâmetro de condutividade hidráulica sobreposta a imagem de satélite ............................... 79 Figura 37 - Dados de 40K sobreposto a imagem de satélite da área de estudos................. 81 Figura 38 - Dados de 232Th sobreposto a imagem de satélite da área de estudos .............. 82 Figura 39 - Dados de 238U sobreposto a imagem de satélite da área de estudos ............... 83 Figura 40 - Vegetação presente ao redor da área úmida a) vista da área úmida b) foto panorâmica da área c) estrada que corta a área d) vista de um dos pontos da área e) vista de dentro da área úmida .................................................................................................... 85 Figura 41 - Imagens da variação vegetativa dentro da área úmida a) Transição da vegetação b) Vegetação baixa c) Vegetação alta d) Vegetação herbácea e) Ponto de transição da vegetação f) Ponto com galhos g) Vegetação removida h) Ponto de alagamento 86 Figura 42 - Mapa de localização da área com destaque para a vegetação da área úmida ao longo dois perfis .......................................................................................................... 87 Figura 43 - Resultados 2D para o arranjo Schlumberger, linhas 1 á 5 .............................. 90 Figura 44 - Resultados 2D para o arranjo Schlumberger, linhas 6 á 10 ............................ 91 Figura 45 - Resultados 2D para o arranjo Schlumberger, linhas 11 á 15 .......................... 92 Figura 46 - Resultados 2D para o arranjo Wenner, linhas 1 á 5 ........................................ 93 Figura 47 - Resultados 2D para os arranjos Wenner, linhas 6 á 10 ................................... 94 Figura 48 - Resultados 2D para o arranjo Wenner, linhas 11 á 15 .................................... 95 Figura 49 - Resultados 2D para o arranjo DD, linhas 1 á 5 ............................................... 96 Figura 50 - Resultados 2D para o arranjo DD, linhas 6 á 10 ............................................. 97 Figura 51 - Resultados 2D para o arranjo DD, linhas 11 á 15 ........................................... 98 Figura 52 - Correlação entre dados de tomografia elétrica e condutividade hidráulica para o arranjo Schlumberger ........................................................................................ 99 Figura 53 - Correlação entre dados de tomografia elétrica e condutividade hidráulica para o arranjo Wenner ................................................................................................ 100 Figura 54 - Correlação entre dados de tomografia elétrica e condutividade hidráulica para o arranjo Dipolo-dipolo ...................................................................................... 100 Figure 55 - Correlação entre dados de tomografia elétrica em arranjo SC e superfície freática ......................................................................................................................... 102 Figura 56 - Correlação entre dados de tomografia elétrica em arranjo WN e superfície freática ......................................................................................................................... 103 Figura 57 - Correlação entre dados de tomografia elétrica em arranjo DD e superfície freática ......................................................................................................................... 103 Figura 58 - Modelo geofísico-hidrogeológico de infiltração proposto para a área de estudos. Dados de período de chuvas foram inferidos a partir da análise do comportamento da área a) modelo de inversão b) modelo de estiagem c) modelo de chuvas ...... 105 Figura 59 - Arranjo SC linha 4 ........................................................................................ 109 Figura 60 - Arranjo WN linha 4 ...................................................................................... 109 Figura 61 - Arranjo DD linha 4 ....................................................................................... 110 Figura 62 - Arranjo SC linha 5 ........................................................................................ 110 Figura 63 - Arranjo WN linha 5 ...................................................................................... 110 Figura 64 - Arranjo DD linha 5 ....................................................................................... 110 Figura 65 - Arranjo SC linha 7 ........................................................................................ 110 Figura 66 - Arranjo WN linha 7 ...................................................................................... 111 Figura 67 - Arranjo DD linha 7. ...................................................................................... 111 Figura 68 - Arranjo SC linha 8. ....................................................................................... 111 Figura 69 - Arranjo WN linha 8. ..................................................................................... 111 Figura 70 - Arranjo DD linha 8 ....................................................................................... 111 Figura 71 - Arranjo SC linha 11. ..................................................................................... 112 Figura 72 - Arranjo WN linha 11. ................................................................................... 112 Figura 73 - Arranjo DD linha 11. .................................................................................... 112 Figura 74 - Arranjo SC linha 12. ..................................................................................... 112 Figura 75 - Arranjo WN linha 12. ................................................................................... 112 Figura 76 - Arranjo DD linha 12. .................................................................................... 113 Figura 77 - Correlação entre dados de k e tomografia elétrica 2,5 D .............................. 116 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Ingredientes ativos permitidos no cultivo de cana-de-açúcar e suas respectivas classes ........................................................................................................................... 49 Tabela 2 - Valores máximos permitidos (μg/L) estabelecidos pelas Resoluções CONAMA 357/2005 e 396/2008 e pela Portaria MS 2.914/2011 para os agrotóxicos permitidos para uso na cultura de cana-de-açúcar no Brasil ............................................... 50 Tabela 3 - Dados completos de condutividade hidráulica (k) ......................................... 134 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Dados da qualidade da água no municípios de Araras-SP ............................ 45 Quadro 2 - Distribuição do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do rio Mogi Guaçu, com destaque para a região de estudos ............................................................. 46 Quadro 3 - Valores empíricos de condutividade hidráulica dos solos ............................. 52 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 15 1.1 Justificativa ............................................................................................................... 17 1.2 Hipóteses .................................................................................................................. 18 1.3 Objetivos ................................................................................................................... 18 2 ÁREAS ÚMIDAS ...................................................................................................... 19 2.1 Definição de Áreas Úmidas ...................................................................................... 19 2.2 Hidrologia de Áreas Úmidas .................................................................................... 20 2.3 Pesquisas aplicadas à Áreas Úmidas ........................................................................ 24 3 ÁREA DE ESTUDO .................................................................................................. 33 3.1 Localização ............................................................................................................... 33 3.2 Contexto Geológico .................................................................................................. 35 3.2.1 Bacia Sedimentar do Paraná .................................................................................. 35 3.3 Geomorfologia .......................................................................................................... 37 3.3.1 Depressão Periférica Paulista ................................................................................ 38 3.4 Hidrologia e Hidrogeologia ...................................................................................... 41 3.4.1 Qualidade das águas e disponibilidade hídrica ...................................................... 44 3.5 Uso e Ocupação do Solo ........................................................................................... 45 4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................. 52 4.1 Permeabilidade do solo ............................................................................................. 52 4.2 Métodos Geofísicos .................................................................................................. 53 4.2.1 Gamaespectrometria .............................................................................................. 54 4.2.2 Eletrorresistividade ................................................................................................ 61 5 MATERIAIS E MÉTODOS ..................................................................................... 72 5.1 Permeabilidade do solo ............................................................................................. 72 5.2 Métodos Geofísicos .................................................................................................. 74 6 RESULTADOS E DISCUSSÕES ............................................................................ 79 6.1 Dinâmica Superficial ................................................................................................ 79 6.2 Hidrodinâmica da Área Úmida ................................................................................. 88 6.3 Comparação entre arranjos de tomografia elétrica ................................................. 107 7 CONCLUSÕES ........................................................................................................ 118 REFERENCIAS ......................................................................................................... 120 ANEXOS A .................................................................................................................. 134 ANEXOS B .................................................................................................................. 135 15 1 INTRODUÇÃO O Brasil é um país privilegiado quanto a disponibilidade de água superficial com cerca de 12% do volume mundial, embora com distribuição irregular em seu território. A maior concentração está na região norte do país, mas estados mais populosos estão concentrados nas regiões sul e sudeste e apresentam cerca de 3% deste total (ANA, 2020). As principais atividades que demandam água no país são a irrigação 52%, abastecimento industrial 9,1% e público 23,8%, bem como geração de energia 3,8%, mineração 1,6%, entre outros. (ANA, 2019). A gestão comprometida da água é um dos fatores preocupantes do século XXI, pois as consequências de diminuição comprometem a qualidade e quantidade do recurso hídrico para o abastecimento da população (TUCCI, 2009; ANA, 2020). Devido à maior demanda pelo uso da água e à oferta ser variável ao longo do país, a procura por água subterrânea é intensificada por meio da utilização de poços de captação (BICUDO, 2011). Este cenário de aumento de demanda pelo recurso subterrâneo impõe pressões de uso nos aquíferos e fazem com que áreas de recarga sejam fundamentais para manutenção desse recurso. Ecossistemas denominados de áreas úmidas representam as inundações permanentes ou sazonais em superfície deprimidas no relevo, onde os solos permanecem saturados na superfície tempo suficiente para permitir diversos processos físicos, químicos e biológicos, muitos dos quais em ambientes anaeróbicos (McLAUGHLIN et al., 2014; JUNK et al., 1989). Sua função como potencial zona de recarga de aquífero torna este ambiente particularmente relevante no ciclo hidrológico e na persistência dos aquíferos em longo prazo. Tais zonas alagadas são formadas em períodos em que a precipitação na época chuvosa ultrapassa a capacidade de drenagem do sistema e da evaporação, o que resulta em acúmulo na superfície de forma permanente ou sazonal. Embora a localização na paisagem determine a característica hidrológica do sistema, variações sazonais na taxa de precipitação e evaporação de determinada região estão intrinsicamente ligadas às mudanças de profundidade da superfície freática e, consequentemente, são determinantes na permanência e persistência da superfície alagada (TINER & BURKE, 1995). Áreas úmidas antropizadas são locais onde podem ocorrer inversão ou cessamento da maioria dos processos ecológicos que deveriam estar relacionados à área úmida, bem como redução da recarga de água, devido a desvios ocasionados por atividades agrícolas e industriais, 16 como consequência do pouco conhecimento e compreensão dos valores destas áreas (DAVIDSON et al., 1991) (SHUQUIN et al., 2007). A dinâmica hidrogeológica pode ser avaliada pontualmente por técnicas diretas e indiretas de investigação. Podem ser realizadas análises da condutividade hidráulica através de permeâmetros ou poços de monitoramento, além de técnicas indiretas de aquisição de dados como os métodos geofísicos (COSCIA et al., 2012; ZHANG et al., 2016; FURLAN et al., 2020). Dentre os métodos geofísicos, em particular os geoelétricos e gamaespectrométricos são indicados diante dos resultados satisfatórios pela alta densidade amostral de leituras de parâmetros físicos sensíveis à dinâmica hidrogeológica e hidroquímica do ambiente (CASAGRANDE et al., 2021, FURLAN et al., 2021a; MOREIRA et al., 2021). A Eletrorresistividade é por vezes utilizada por meio da técnica da tomografia elétrica, para visualização bidimensional ampla do ambiente subterrâneo. O parâmetro físico da resistividade elétrica é variável no ambiente geológico de forma condicionada ao tipo de rocha, arquitetura deposicional, descontinuidades estruturais, composição mineralógica, mas essencialmente devido ao teor de umidade (REYNOLDS, 1997; MUSSET & KHAN, 2000). É empregado tanto nas pesquisas de prospecção mineral quanto na área ambiental e hidrogeologia, por vezes, em associação a poços de monitoramento, sondagens, tradagens etc. (HELENE et al., 2020; MUZIRAFUTI et al., 2020; SAĞIR et al., 2020). Pesquisas desenvolvidas ao longo das décadas de 1980 a 2010 abordam a relevância da configuração de eletrodos, na questão da profundidade de investigação, e, na etapa de processamento de dados de tomografia elétrica, da adição de um modelo inicial geológico e/ou estrutural para que a resposta do modelo geofísico final possa ser a mais confiável possível (BARKER, 1981; GRIFFITHS & BARKER, 1993; OLAYINKA & YARAMANCI, 2000b; SEATON & BURBEY, 2002; AIZEBEOKHAI et al., 2011; ZHOU et al., 2014). O método da gamaespectrometria mede a energia gama liberada a partir do decaimento radioativo dos isótopos de urânio, tório e potássio (DENTITH & MUDGE, 2014). A determinação da variação de 238U, 232Th e 40K nos primeiros 30 cm de profundidade do solo pode determinar a mobilidade dos elementos e a capacidade de co-precipitação destes em determinados solos. Ainda podem auxiliar tanto na caracterização de diferentes litologias quanto na identificação de processos supérgenos como intemperismo e erosão que possam ser causadores da remoção e remobilização destes elementos a partir da desintegração de uma rocha pretérita com concentração destes elementos (DICKSON & SCOTT, 1997; WILFORD et al., 1997). 17 A possível utilização do método gamaespectrométrico para entendimento de anomalias provocadas pela utilização intensa de fertilizantes agrícolas, que se tornam evidentes no arraste geoquímico dos radioelementos presentes em solos de textura argilosa (FERREIRA, 1991; SOUZA & FERREIRA, 2005). A conversão de áreas naturais em terras cultiváveis principalmente de monocultura e a intensificação da utilização de fertilizantes transforma o solo como as perdas de nutrientes importantes, erosão e compactação e podem causar a contaminação de sistemas hídricos. A maior disponibilidade de fertilizantes fosfatados no solo a base de radioelementos gera impactos negativos ao ecossistema e áreas úmidas de recarga podem ser locais de acúmulo e conexão destes metais pesados (MATEO-SAGASTA et al., 2018; CASAGRANDE et al., 2021; FURLAN et al., 2021a). A zona rural do município de Araras-SP desde a década de 1940 desenvolve a monocultura, antes com o cultivo de café e desde 1960 o cultivo ininterrupto de cana-de-açúcar. As áreas úmidas isoladas presentes em climas tropicais podem servir como zonas de recarga direta de aquíferos. Nestes locais, a precipitação e infiltração ocorrem em taxas maiores que a evapotranspiração e perda de água superficial. A utilização de métodos geofísicos no entendimento da hidrodinâmica destes ecossistemas é cada vez mais apropriada e satisfatória para compreender a relação entre áreas úmidas, a delimitação de camadas do solo, contato solo/rocha e o desenvolvimento do intemperismo nas camadas. 1.1 JUSTIFICATIVA Áreas úmidas são ecossistemas de alta biodiversidade e extrema importância em vários serviços ecossistêmicos ao redor do planeta, haja vista que são tidas como “janelas” hídricas de aquíferos e, assim, a integridade ambiental das áreas úmidas tem o poder de influenciar, de maneira significativa, a qualidade hídrica da água subterrânea em escala regional. Assim, a compreensão da dinâmica hidrogeológica das áreas úmidas é uma etapa fundamental em ações de gerenciamento e manejo sustentável, e a geofísica é relevante como uma ferramenta amplamente utilizada em estudos hidrológicos, embora, de acordo com Greer et al. (2019), configura um campo pouco explorado em estudos de Zonas Críticas e que possuem certas peculiaridades quanto aos parâmetros de aquisição de dados. Com o crescente aumento da população mundial e atrelado a este a maior demanda pelos recursos hídricos, sejam eles superficiais ou subterrâneos, pesquisas que permeiam o delineamento de áreas de recarga de aquíferos são de grande importância para o meio ambiente, para o desenvolvimento econômico e social. Para tanto, o estudo de áreas úmidas isoladas 18 caracterizadas por serem locais sem conexão com qualquer corpo hídrico superficial, tomam devido destaque. 1.2 HIPÓTESES Nesta pesquisa é baseada em duas premissas sequenciais: - Áreas úmidas são depressões de relevo que acumulam águas provenientes do escoamento superficial e podem servir como zonas de infiltração aceleradas e, consequentemente, como áreas de recarga de aquíferos. - O uso da terra nas adjacências de áreas úmidas e o manejo de agrotóxicos e fertilizantes exercem grande influência na composição química das águas de superfície acumuladas em áreas úmidas, com impacto direta na qualidade e eventual contaminação das águas de recarga dos aquíferos. 1.3 OBJETIVOS O objetivo geral desta pesquisa é analisar a dinâmica hidrogeológica da área úmida como função de área de recarga para aquíferos de escala local, e evidenciar a importância deste ecossistema de alta biodiversidade. Esta pesquisa tem como objetivos específicos: a) Estimar os principais pontos de infiltração de água no solo; b) Quantificar a variação dos isótopos de urânio, tório e potássio na área úmida em relação a área de cultivo de cana-de-açúcar, através do método da gamaespectrometria; c) Analisar a propagação de campo potencial elétrico em solo insaturado e saturado para os arranjos Schlumberger, Wenner e Dipolo-dipolo em ensaios de tomografia elétrica; d) Propor um modelo geofísico-hidrogeológico que represente a variação da superfície freática para a área, tanto para a época chuvosa quanto a de estiagem, através da integração das análises entre dados de permeabilidade e tomografia elétrica. 19 2 ÁREAS ÚMIDAS 2.1 DEFINIÇÃO DE ÁREAS ÚMIDAS Áreas úmidas são ecossistemas com inundações permanentes ou sazonais onde os solos permanecem saturados na superfície o tempo suficiente para permitir processos físicos, químicos e biológicos típicos de ambientes anaeróbicos. A denominação do termo “Áreas úmidas” é usado para caracterizar distintas classes de corpos de água que não compõem a rede fluvial regular (CUNHA et al., 2015). Áreas úmidas naturais são resultados das diferenças entre ambientes geológicos e fatores hidrológicos específicos, e a variabilidade da distribuição espacial das áreas úmidas está ligada a fatores geológicos como camadas estratificadas e superficiais planares associadas a zonas de recarga e/ou descarga de água subterrânea, e fatores geomorfológicos assim como vegetação, topografia, solos e clima (NRC, 1995; CAMPOS et al., 2013). Estas áreas podem ocorrer de forma natural ou artificial, podem ser permanentes ou temporárias, com água doce, salobra ou salgada, estagnada ou corrente, e áreas de água marítima com menos de seis metros de profundidade na maré baixa. No ano de 1996 estas áreas foram incorporadas na Legislação Brasileira pela promulgação do Decreto nº 1.905/96, e, ao longo do tempo, o tema teve abrangência e pôde promover a conservação e o uso sustentável bem como o bem-estar das populações humanas que delas dependem (BRASIL, 2019). Para os países signatários da convenção de Ramsar, assim como o Brasil, é estipulado um acordo de proteção ao Meio Ambiente, incluído este, dentro dos tratados de direitos humanos, considerado como direito relativo ao Meio Ambiente como uns dos direitos fundamentais de cada pessoa (RAMSAR, 2016). Conforme explícito na Constituição Brasileira de 1988, através da Emenda Constitucional nº45/2004), e presente no Código Florestal Brasileiro, estas áreas são definidas como áreas de proteção ambiental (BRASIL, 2019). Áreas úmidas são ecossistemas na interface entre ambientes terrestres e aquáticos, continentais ou costeiros, naturais ou artificiais, permanentemente ou periodicamente inundados por águas rasas ou com solos encharcados, doces, salobras ou salgadas, com comunidades de plantas e animais adaptadas à sua dinâmica hídrica (BRASIL, 2019). Para que a preservação seja consciente é necessário que todos os setores, desde pessoas sem cargos de chefia, usuários e beneficiários deste ecossistema, a chefes de Estado, tenham maiores informações quanto a sua gênese, desenvolvimento e função hidrológica, principalmente em relação às áreas úmidas brasileiras. Portanto, é importante a delimitação http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/D1905.htm 20 destas áreas através de parâmetros que sejam científicos e não arbitrários, e que este conhecimento ultrapasse os documentos especializados e seja acessível para população, com destaque para população rural. 2.2 HIDROLOGIA DE ÁREAS ÚMIDAS O conceito de pulso de inundação analisa e descreve o fluxo lateral de água entre os corpos de água de maior volume com as áreas alagáveis conectadas, ou áreas periodicamente alagadas pelas chuvas, e compreende também a oscilação periódica da superfície freática. Devido a esta alternância entre períodos de inundação e períodos secos, esses locais podem permanecer ou não alagados durante vários meses, o que caracteriza as denominadas áreas de transição aquático/terrestre, que constituem a maior parte das áreas úmidas brasileiras (JUNK et al., 1989). Esses processos definem padrões de assinatura hidrológica e mudança das condições ecológicas na alternância entre os períodos de inundação e os períodos secos, considerados como segundo nível de classificação. A classificação baseada nos pulsos de inundação, é definida como monomodal ou polimodal e como permanentes ou sazonais, critérios definidos a partir da origem e disponibilidade da água. São também classificados de maneira a surgirem como pulsos previsíveis, que favorecem o estabelecimento e desenvolvimento de organismos endêmicos, de modo que organismos aquáticos são mantidos durante a fase de inundações e organismos terrestres durante a fase seca, ou pulsos imprevisíveis, que surtem efeitos negativos para determinadas espécies de animais. Áreas periodicamente alagadas constituem a maior parte das áreas úmida brasileiras (JUNK et al., 1989; 2011). A topografia é um fator relevante diante do forte controle que exerce sobre o balanço hídrico de determinada área úmida, devido a gradientes de declividade que podem favorecer ou não o escoamento superficial que irá regular a quantidade de água presente em determinados pontos da paisagem; portanto, formas de relevo configuram elementos morfológicos distintos com características hidráulicas diferentes. Formas de relevo côncavas favorecem a acumulação e infiltração máximas da água em destaque principalmente para a ação do escoamento superficial, e consequente aumento do nível da superfície freática (RICHARDSON & VEPRASKAS, 2000). Mudanças sazonais no clima e regime de chuvas de determinada região estão intrinsicamente ligadas às variações da profundidade do nível freático e consequentemente determinam qual a função hidrológica em um determinado tempo de uma área úmida. Estas, podem ser classificadas como possíveis áreas 21 de recarga, de descarga ou ambas as funções a depender do desenvolvimento hidrológico da área (TINER & BURKE, 1995). Em um modelo conceitual de recarga de aquíferos por intermédio de áreas úmidas, estas topograficamente elevadas, que cedem suas águas para aquíferos suspensos, são ditas como áreas úmidas de recarga (VAN DER KAMP & HAYASHI, 2009), os fatores hidrológicos de precipitação e evapotranspiração determinam o controle da recarga (WHITTECAR et al., 2016). Este processo caracteriza o acúmulo de águas na superfície durante períodos de maior umidade e, através do escoamento vertical, o acúmulo de águas contribui de forma positiva para a umidade do solo (LISSEY, 1971). De modo antagônico, áreas úmidas em posições topograficamente rebaixadas cujas águas são provenientes dos aquíferos locais são denominadas de áreas úmidas de descarga. E áreas úmidas localizadas em posições intermediárias são classificadas como áreas úmidas de fluxo, e ocorrem quando o nível saturado oscila em níveis variáveis em subsuperfície (MILLER et al., 1985; MCLACHLAN et al., 2014). A recarga da água superficial para a subterrânea é um dos principais mecanismos de reabastecimento de aquíferos. Áreas úmidas isoladas exercem papel importante no controle hidrológico a nível regional, desde o controle da entrada de água para o nível freático a partir da dinâmica da umidade do solo até a regulação do comportamento do fluxo de base na rede de drenagem regional (McLACHLAN et al., 2014). Fatores hidrológicos de precipitação e evapotranspiração determinam o controle da recarga (WHITTECAR et al., 2016). O processo de recarga em área úmida ocorre por meio do acúmulo de água na superfície durante períodos de saturação e por meio da saturação dos poros por completo. O movimento de infiltração é capaz de liberar lentamente as águas superficiais para a subterrânea, contribuindo de forma positiva para a umidade do solo, e o fluxo de água subterrânea muda consideravelmente ao longo do tempo, de acordo com a variação das estações ao longo do ano (Figura 1a) (WINTER & ROSENBERRY 1998; HAYASHI et al., 1998). A estrutura e textura do solo são também determinantes para estabelecer o movimento de infiltração do meio saturado para o subsolo definido como o período de flutuação temporal dos níveis de água denominado de hidroperíodo de área úmida (RICHARDSON & VEPRASKAS, 2000). Estimativas da taxa de recarga de área úmida foram realizadas utilizando a concentração de cloreto em águas subterrâneas rasas em conjunto com dados climáticos para estimular as mudanças de nível de água área úmida nos Estados Unidos da América, e os resultados variam entre 1 mm e 45 mm por ano (HAYASHI et al., 1998). Determinadas áreas úmidas são também frequentemente áreas de descarga de águas subterrâneas e exercem papel importante como fonte local de água por vezes potável. A 22 descarga de água subterrânea ajuda a manter o equilíbrio de água e a química da água de uma área úmida (Figura 1b). Esta função é também crítica para a formação de solos hídricos e a manutenção de habitats de ecossistemas. Dentro das áreas úmidas, o pantanal brasileiro é o ecossistema de reconhecimento internacional nesse contexto. Em muitos casos, a mesma área úmida pode servir para ambas as funções. Quando a superfície freática oscila em níveis variáveis em subsuperfície, em determinados locais de área úmida e esta condição de fluxo existe, as áreas úmidas são frequentemente chamadas de semipermanentes (ANRDEC, 2018). Algumas áreas úmidas têm entrada superficial de águas subterrâneas de um lado e vazão para o outro e são chamadas de áreas úmidas de fluxo contínuo (WINTER & ROSENBERRY, 1998) (Figura 1c). Figura 1 - Posição das áreas úmidas em relação à superfície freática a) acima da superfície freática; b) abaixo da superfície freática e; c) área de recarga e descarga (fluxo) Fonte: MILLER et al., (1985) O terceiro nível hierárquico de classificação é baseado na ocorrência ou não de plantas superiores e na estrutura de suas comunidades (JUNK et al.,1989). A variação do nível freático e a extensão da área úmida tem forte relevância na composição do solo hídromórfico e consequentemente na vegetação emergente (VAN DER VALK, 2009). A compreensão das relações entre solo e paisagem são fundamentais para compreensão da hidrodinâmica das áreas úmidas (RICHARDSON & VEPRASKAS, 2000). Os solos hidromórficos presentes no interior das áreas úmidas são diferentes dos solos presentes ao redor pois são formados sob condições anaeróbicas e se desenvolvem nos momentos em que o solo está saturado tanto por períodos curtos quanto por longos períodos. A mudança no estado do solo controlado pelo volume de água é capaz de induzir processos biológicos e químicos de um estado aeróbico e oxidado para o estado anaeróbico e reduzido (MITSCH, W.J & GOSSELINK, 2015). 23 A partir disso, os solos hidromórficos podem ser identificados através de características comuns, como acúmulo de carbono orgânico nos horizontes superficiais, horizontes cinzentos e por vezes produção de gases como sulfeto de hidrogênio (H2S) e metano (CH4). As reações de oxidação-redução são baseadas na transferência de elétrons entre átomos doadores e receptadores, a partir de períodos em que ocorra saturação do solo por determinado momento, e o solo possua carbono orgânico e tenha uma população microbiana ativa. Este processo é capaz de ser identificado em campo através da alteração da cor do solo. Portanto, essas condições anaeróbicas necessitam de que a vegetação seja adaptada a estas condições, pois a limitação ao O2 pode estressar espécies não adaptadas. A acumulação de folhas, caules, raízes etc. de vegetação emergente leva à formação de camadas superficiais no solo com alto teor de matéria orgânica (RICHARDSON & VEPRASKAS, 2000). Diferentes espécies de vegetação podem estar presentes, geralmente composta de plantas aquáticas e palustres quando em locais de saturação intensa, que servem como excelentes indicadores da saturação do solo por água (REED, 1988). De forma generalizada, as áreas úmidas podem ser agrupadas em classes gerais com base nas fontes de água como água doce ou estuarina, com a presença de vegetação característica como herbácea ou lenhosa e tipo de solo encontrado o mineral ou orgânico (Figura 2). Figura 2 - Diferentes espécies vegetativas em áreas úmidas de acordo com nível da água Fonte: RICHARDSON & VEPRASKAS, 2000. Este tipo de análise prelimitar e generalizada fornece uma base teórica inicial para entender a relação entre as diferentes classes de áreas úmidas e as características do solo (RICHARDSON & VEPRASKAS, 2000). A localização em relação ao relevo, às bacias hidrográficas, o tipo de solo, a vegetação característica, o movimento das águas superficiais e subterrâneas são variáveis que influenciam na disponibilidade hídrica de uma área úmida. Diferentes usos do solo em uma área úmida podem alterar sua hidrodinâmica, (RICHARDSON & VEPRASKAS, 2000) e influenciam a propriedade hidráulica de solos 24 próximos à superfície que controlam a infiltração tanto em áreas úmidas provenientes de derretimento de neves quanto de áreas onde o escoamento é responsável pela recarga da água em área úmida (VAN DER KAMP et al., 2003; RENTON et al., 2015). Em determinadas áreas, a contaminação destes locais necessita de devida atenção, pois os solos podem servir de locais propícios para armazenamento de resíduos provenientes da agricultura intensiva realizada próximas à essas áreas (ROSOLEN et al., 2015). Os solos presentes nas áreas úmidas devem suportar a variedade de regimes hidrológicos de saturação completa do meio ou saturações parciais ao longo do tempo (RICHARDSON & VEPRASKAS, 2000). Os solos hidromórficos presentes na área úmida são formados em condições anaeróbicas. O fator complicador para a caracterização destas áreas é a antropização local, devido a conversão destes ambientes em locais para a agricultura (JUNK et al., 2013), o que pode resultar em inversão ou cessamento da maioria dos processos ecológicos que deveriam estar relacionados a estas áreas incialmente. A inexistência de áreas úmidas como uma bacia de captura, os danos causados por inundações e a erosão causada pela água provavelmente poderão aumentar (JUNK et al., 1989). A falta de diretrizes com foco em preservação das mesmas pode comprometer o abastecimento de água subterrânea, pela redução da recarga de água superficial, devido aos desvios ocasionados por atividades agrícolas e industriais (DAVIDSON et al., 1991; SHUQUIN et al., 2007; DIXIT et al., 2021). Como a água é fundamental para o desenvolvimento da sociedade, a qualidade e a quantidade dos recursos hídricos cada vez mais são evidenciados, devido à alta demanda, é fundamental delimitar os locais por onde ocorre o processo de reabastecimento e entender quais as potenciais questões envolvidas na gestão e preservação deste recurso. Cada vez mais a contaminação ou extinção de áreas úmidas, que sedem áreas para a agricultura e usufruem dos recursos hídricos para irrigação, faz com que a disponibilidade e a qualidade da água sejam comprometidas (DAVIDSON et al., 1991; SHUQUIN et al., 2007; EVANS, 2019; NI, 2021). Ainda, os resultados relativos a isótopos naturais instáveis de urânio, tório e potássio podem ser elevados quando inseridos em áreas de cultivo que utilizem grande quantidade de fertilizantes fosfatados (MARTINEZ-AGUIRRE & GARCIA-LEÓN, 1994). 2.3 PESQUISAS APLICADAS À ÁREAS ÚMIDAS Métodos geofísicos em geral podem ser instrumentos valiosos para a caraterização da subsuperfície, pois são uma ferramenta menos invasiva comparados aos métodos convencionais de perfuração e amostragem, além de apresentam alta variabilidade espacial e temporal, 25 principalmente quando em relação a interface entre água superficial e a subterrânea. A determinação de pontos de recarga direta de um aquífero é de suma importância pois, além da movimentação da água, são transportados nutrientes, e a depender da localidade podem ocorrer o transporte de contaminantes como no caso dos agrotóxicos. A utilização do método de Eletrorresistividade pode auxiliar de maneira rápida na compreensão do meio superficial para o subterrâneo, pela determinação da variabilidade dos valores de resistividade elétrica em solos e rochas em diferentes níveis de profundidade. Em Beauvais et al. (1999), o método é aplicado para a determinação valores de resistividade para cada estrato rochoso com diferente nível de desenvolvimento intempérico (Figura 3). Espessura de camadas e diferentes graus de intemperismo foram reconhecidos nas seções de inversão e, em conjunto com dados de poços, resultaram em diferentes faixas de valores de resistividade elétrica para cada camada de intemperismo, como a base quase ou nada desgastada de granito com valores mais altos de resistividade elétrica em torno de 4.000 Ω.m, seguindo pelo granito pouco saturado, o saprolito saturado e insaturado entre 50 e 300 Ω.m, a zona manchada aproximadamente 350 Ω.m, o ferricrete mole 700 Ω.m e o ferricrete em torno de 3.000 Ω.m. O método da Eletrorresistividade foi aplicado para determinar a interação entre as águas superficiais e subterrâneas. A utilização do método da Eletrorresistividade foi fundamental para caracterização de duas camadas bem delimitadas em subsuperfície de turfa de uma área úmida ribeirinha sob sedimentos da Formação Seaford em Boxford, Berkshire, Reino Unido, representados por baixos valores de resistividade 20 Ω.m e nos cascalhos altos valores de resistividade em torno de 160 Ω.m (Figura 4). Durante o inverno/primavera a turfa apresentou aumento do valor da resistividade em torno de 30% e durante a primavera/verão houve uma diminuição de 60% na resistividade nas turfeiras próximas à superfície devido à transpiração da planta e/ou à atividade microbiana. Ainda foi possível concluir que a utilização de aquisições de dados geoelétricos pode ser usada para quantificar o movimento do solo na vertical (UHLEMANN et al., 2016). 26 Figura 3 - Modelos de inversão gerados para a área estudada a) Resultados de inversão 2D e; b) Interpretação dos dados Fonte: BEAUVAIS et al., 1999. A partir de um modelo teórico para as áreas úmidas isoladas, é possível inferir que o balanço hídrico se dá a partir da análise dos dados de precipitação da região estudada e de sua disponibilidade hídrica superficial, que representariam valores positivos do equilíbrio, assim como as taxas de evapotranspiração e infiltração de água no solo, que representariam os valores negativos (GILVEAR et al., 2000). 27 Figura 4 - Medidas de resistividade ao longo da linha para oito tempos diferentes, localizadas no Prado Norte e Sul /Fonte: UHLEMANN et al., 2016. No trabalho de Ewing et al. (2012), são apresentados os resultados de um monitoramento realizado durante o período de 30 anos das propriedades químicas do solo em áreas úmidas, principalmente em locais onde a atividade agrícola foi intensa, o que evidencia a perda de nutrientes após anos de cultivo nos solos, e aumento significativo da solubilidade de fósforo, e outros elementos como Ca, Mg, Mn, Zn e Cu, que podem causar um possível crescimento de comunidades vegetais não desejáveis. Em conjunto com as condições anaeróbicas do solo que podem degradar também a qualidade da água, em comparação com outras áreas úmidas sem a presença de agricultura por perto. É sugerido neste trabalho que o elevado teor de P presente no solo seja liberado para a água subterrânea quando essas áreas forem restauradas e os solos se tornarem anaeróbicos. O tempo de atividade agrícola é determinante nas mudanças morfológicas, físicas e químicas do solo quando comparadas com os solos de área úmidas não utilizadas na produção agrícola. Quanto maiores os períodos das atividades agrícolas, maiores os valores obtidos para a saturação por bases e para a extração de nutrientes. Foi possível determinar três tipos distintos de solos, de orgânicos a histológicos e minerais. 28 No trabalho de Xiancang Wu et al. (2017), é analisada a evolução de áreas úmidas a partir da modificação da cobertura vegetal e consequentemente dos solos, devido a mudanças climáticas, em um clima atual mais quente e seco (Figura 5). O estabelecimento de um sistema de irrigação na área de estudo e a diminuição do nível freático resultaram em mudanças negativas no armazenamento de águas superficiais e consequente aumento na vulnerabilidade dessas áreas. Foi possível determinar através da análise de imagens de satélite que a água superficial presente nas áreas úmidas é quase totalmente recarregada por águas pluviais, que se infiltra no solo por meio de uma camada argilosa e encontra facilidade em perder e diminuir os níveis ideais para que seja evitada a degradação da área úmida. Figura 5 - Mapas de classificação de cobertura do solo nos anos referentes de: a) 1975; b) 1988; c) 1996 e d) 2002 Fonte: XIANCANG Wu et al., 2017. No estudo realizado por Burghof et al., 2018, são apresentados modelos hidrogeológicos para a estação seca (Figura 6a) e para a estação chuvosa (Figura 6b), que caracterizam a interação entre as águas superficiais e subterrâneas em um aquífero poroso e extremamente heterogêneo, sustentado por um aquífero fraturado profundo. O tempo de residência das águas e a química do meio pelo qual está caminha foram determinados devido à variabilidade da condutividade hidráulica do aquífero. Foram analisados os parâmetros hidrogeológicos e utilizados traçadores ambientais para determinação desta interação e construção do modelo 29 final. Os resultados compreendem que as interações entre as águas superficiais e subterrâneas são importantes tanto em termos de quantidade quanto da qualidade da água disponível. Em locais com intensa agricultura ao redor de áreas úmidas, podem ser transportados contaminantes para as águas subterrâneas, dada que essa ligação entre os dois meios seja conhecida e como apresentado neste estudo, pode ser realizada através da análise de isótopos estáveis como traçadores. Figura 6 - Modelo hidrogeológico conceitual para área úmida em diferentes épocas do ano a) estação seca e; b) estação chuvosa a) b) Fonte: BURGHOF et al., 2018. Pesquisas que caracterizem a interação entre águas superficiais e subterrâneas em áreas úmidas são de fundamental importância para o entendimento de funções de recarga ou descarga nestas áreas. Em Rossman et al. (2018), é apresentado um modelo hidrogeológico da interação entre as águas subterrâneas e superficiais para uma região no semiárido na América do Norte. A partir de mapas de elevação de terreno, foi possível localizar os lagos e as áreas úmidas alimentados por águas subterrâneas. Neste trabalho foi possível obter um modelo de águas subterrâneas através de dados coletados a longo prazo, que determinaram que a recarga da água subterrânea é condicionada pelos fatores de topografia da superfície terrestre, pela condutividade hidráulica, transmissividade do aquífero e pela rede de drenagem. 30 Na pesquisa realizada por Havril et al., 2018, foi determinada a influência da mudança climática nos sistemas de recarga de águas subterrâneas extrapolada de 20 anos a 80 anos. Os resultados comprovam que a resposta do comportamento hidráulico pode ser alterada, e segundo os resultados obtidos a previsão é que os fluxos serão diminuídos. É destacada que a mudança mais significativa dessa simulação seja a modificação da hierarquia do sistema de fluxo ao longo da seção estudada (Figura 7). Figura 7 - Perspectiva da situação hídrica em diferentes anos a) situação atual, b) após 20 anos, c) após 40 anos e d) após 80 anos Fonte: HAVRIL et al., 2018. À medida em que os níveis de água subterrânea diminuam, provavelmente o fluxo se tornará principalmente horizontal, o que afetaria a interação entre as águas superficiais e subterrâneas e resultaria diretamente na diminuição dos regimes de fluxo ecológicos significativos como no caso das áreas úmidas. Em Furlan et al. (2020) foram utilizados o método geofísico de tomografia elétrica e veículos aéreos não tripulados para quantificar o volume de água retido dentro de uma área 31 úmida tropical bem como inferir a conexão entre a água superficial com a água subterrânea através de pontos preferenciais de infiltração para a caracterização da hidrodinâmica da área estudada. Em Casagrande et al., 2021, é apresentado um modelo de recarga de águas superficiais para área úmida interior, sem conexão com corpos hídricos em região de cultivo de cana-de- açúcar no estado de São Paulo através do mapeamento realizado de forma não invasiva. São propostas três áreas relacionadas à dinâmica hidrológica: área úmida atual, área de inundação e expansão potencial da área úmida (Figura 8). O caminho em destaque demonstra o fluxo preferencial da recarga. Em Moreira et al., (2021) foram realizados estudos na estação ecológica de Itirapina-SP e aplicado o método da eletrorresistividade com intuito de caracterização de área úmida como zona de recarga para o aquífero profundo em conjunto com análises de solo (Figura 9). A hidrodinâmica local está associada à evolução geoquímica da cobertura do solo devido à complexidade estrutural adquirida pela dissolução da crosta ferrosa (laterita) que sustenta o relevo. Figura 8 - Modelo de caminho de fluxo de água. O detalhe mostra o fluxo de água por meio de fraturas Fonte: CASAGRANDE et al., 2021. 32 Figura 9 - Mapa de superfície de condutividade hidráulica, com a localização dos perfis do solo, e mapas de resistividade elétrica para profundidades de 2 m, 4 me 9 m Fonte: MOREIRA et al., 2021. 33 3 ÁREA DE ESTUDO 3.1 LOCALIZAÇÃO A área de estudo está localizada no município de Araras no estado de São Paulo, distante cerca de 180 km da capital do estado (Figura 10). O município tem uma área estimada em 644.830 km² e população de cerca de 132.000 habitantes. O desenvolvimento econômico da cidade está ligado a atividades industriais. Segundo dados do IBGE 2019, o município apresenta cerca de 98,6% dos domicílios com esgoto sanitário adequado, 84,2% de domicílios urbanos em vias públicas com arborização e 34,9% de domicílios urbanos em vias públicas com urbanização adequada, quando são constatados a existência de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio (IBGE, 2019). Figura 10 - Mapa de localização, com destaque para o município de Araras e a área úmida estudada Fonte: MAXAR TECHNOLOGIES 2020, GOOGLE. A área está inserida na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) 9, localizada na região nordeste do estado de São Paulo, na bacia do rio Mogi Guaçu. Abrange uma área geográfica de 59 municípios, dos quais 27 têm sua área totalmente contida na bacia. Possui área de mais de 15.000 km² divididos entre cinco sub-bacias denominadas: Alto Mogi, 34 que é referente a esta pesquisa, Peixe, Jaguari Mirim, Médio Mogi e Baixo Mogi, os dados pluviométricos desta sub-bacia estão em média de 1.343,4 mm ao ano em uma área de 4.058,69 km², apresenta clima tropical com as chuvas intensas nos meses de dezembro a março e temperatura média anual de 27,7ºC (CBH-MOGI, 2017). Os mananciais de grande porte presentes nesta unidade são: o rio Mogi Guaçu que banha 28 municípios, o rio Jaguari-Mirim (Águas da Prata, Santo Antônio do Jardim, São João da Boa Vista e Vargem Grande do Sul) e o rio do Peixe (Socorro, Serra Negra, Águas de Lindóia, Lindóia e Itapira). E de menor porte o ribeirão das Anhumas (Estiva Gerbi, Mogi Guaçu e Espírito Santo do Pinhal); rio da Itupeva (Espírito Santo do Pinhal, São João da Boa Vista e Aguaí); córrego Rico (Guariba e Jaboticabal); córrego da Forquilha (Araras e Conchal); córrego Monte Verde (Santa Lúcia e Américo Brasiliense); ribeirão Santa Rosa (Descalvado, Porto Ferreira e Pirassununga); ribeirão Areia Branca (Porto Ferreira e Descalvado); córrego Jaboticabal (Águas de Lindóia e Socorro); ribeirão do Meio (Leme e Araras); ribeirão do Pinhal (Engenheiro Coelho, Conchal, Mogi Mirim e Araras); ribeirão do Roque (Pirassununga, Santa Cruz da Conceição, Leme e Araras) e ribeirão da Penha (Serra Negra e Itapira) (CBH-MOGI, 2017). A Província geomorfológica corresponde à Depressão Periférica Paulista caracterizada pela predominância de relevo suave, colinoso, sustentado pelas rochas sedimentares da Bacia do Paraná. Os principais rios são o Pardo, Mogi-Guaçu, Piracicaba e Tietê. No geral são rios consequentes em relação às camadas da Bacia do Paraná (MELO, 1995). O rio Mogi Guaçu tem partes da sua bacia situadas tanto no Planalto Atlântico (curso superior) quanto na Depressão Periférica (curso médio superior), nas Cuestas Basálticas (curso médio inferior) e no Planalto Ocidental (curso inferior) (CBH-MOGI, 2017). Os solos com maior representatividade territorial na UGRHI 09 são os Latossolos Vermelhos e Latossolos Vermelhos Amarelos, que juntos possuem um percentual de aproximadamente 70,5% em relação à área total (CBH-MOGI, 2017). Especificamente os solos que predominam na região de interesse são os Latossolos Vermelhos, Latossolos Vermelho- Amarelos, Argilossolos Vermelho-Amarelo e Gleissolos nas áreas úmidas (ROSSI, 2017). A área de estudos está localizada sob bacia sedimentar do Paraná, na Formação Tatuí que representa os siltitos e arenitos micáceos. Os aquíferos que estão presentes em toda a UGRHI 9 são desde os fissurais do Pré- Cambriano e Serra Geral até os granulares como o Tubarão, Guarani, Bauru e Passa Dois (por vezes denominado aquiclude), estes livres, com vazões desde 1 m³/h até em média 20 m³/h, e em alguns pontos até 100 m³/h e área correspondente a cada um deles varia desde 19,75% para 35 os aquíferos Guarani e Tubarão para 6,69% para o Passa Dois. Na região de estudos, está presente em maiores profundidades o aquífero Tubarão (CBH-MOGI, 2017). Estão cadastrados na plataforma do SIAGAS-CPRM 115 poços tubulares no município de Araras-SP. As vazões dos poços no entorno dos locais de interesse variam entre 1 m³/h até 40 m³/h, devido principalmente à alta heterogeneidade geológica local (CPRM, 2018). 3.2 CONTEXTO GEOLÓGICO 3.2.1 Bacia Sedimentar do Paraná Presente em território sul-americano, a denominada bacia sedimentar do Paraná é uma extensa depressão deposicional, desenvolvida completamente sobre a crosta. É de caráter intercratônico, corresponde a mais de 1.500.000 km² e cobre geograficamente além do território brasileiro, o nordeste da Argentina, o norte do Uruguai e do Paraguai. Preenchida com sedimentos paleozóicos, mesozóicos, lavas basálticas e localmente rochas cenozóicas (SCHNEIDER et al., 1974; ZALÁN et al., 1987). A origem da denominação Bacia do Paraná é devido ao curso do rio Paraná paralelo ao eixo maior da bacia, na direção NNE-SSW, por aproximadamente de 1.500 km até que seja alterada a direção para leste-oeste, onde ocorre o cruzamento no arco de Assunção e a Formação da fronteira entre o Paraguai e a Argentina (Bacia Chaco-Paraná) (MAACK, 1952). Tem formato alongado nas direções NNE-SSW e apresenta dois terços da porção pertencente ao território brasileiro cobertos por derrames de lavas basálticas com espessuras de até 1700m. Um terço da bacia é representada por um cinturão de afloramentos sedimentares que a preenchem. Estas porções que constituem a bacia representam a superposição de pacotes depositados ao menos em três diferentes ambientes tectônicos decorrentes da dinâmica de placas que conduziu a evolução do Gonduana. A bacia sedimentar é dividida em cinco estágios principais de deposição que variam desde o período do Siluriano ao Cretácio. As três sequências Paleozóicas Rio Ivaí, Paraná e Gonduana I se referem aos ciclos de transgressão-regressão marinha (ZALÁN et al., 1987). A sequência Siluriana é correspondente às Formações rio Ivaí, seguido pela Vila Maria com camadas marinhas e Furnas que cobre o fim deste ciclo com depósitos regressivos. Todo esse ciclo tem influência glacial e provavelmente foi depositada em um golfo completamente aberto. A sequência depositada no período Devoniano corresponde à Formação Ponta Grossa. A base é composta desde por arenitos transgressivos basais até folhelhos marinhos enriquecidos, gradativamente até o topo 36 com matéria orgânica. Esta sequência representa um possível mar restrito. Sequência Permo- Carbonífera é caracterizada pelos depósitos continentais da Formação Campo do Tenente e Aquidauana na parte superior da bacia da base do Grupo Itararé que rapidamente passam a ser depósitos marinhos da Formação Mafra e rio do Sul. Esta sequência tem forte influência glacial e indica a entrada de mar epicontinental pelo Sul, que cobre somente a metade da bacia. No Eopermiano com o nível do mar ainda em subida é registrada uma retrogradação. Depósitos clásticos arenosos invadem o mar e se depositam em forma de pacotes deltaícos correspondentes a Formação rio Bonito. Uma vez cessado, os sedimentos indicam que houve transgressão marinha (Formação Palermo/Tatuí), que atinge o máximo de areia durante a deposição de folhelhos betuminosos da Formação Irati. Este ciclo representa um extenso mar epicontinental com entrada pelo Sul (ZALÁN et al., 1987). As sequências correspondentes a era Mesozóica são estritamente continentais (Formação Rosário do Sul e Pirambóia), que consistem em alternância de ambientes lacustres, fluviais e eólicos. A sequência Juro-Cretácea representa um mar gigantesco de dunas arenosas (Formação Botucatu), que posteriormente é coberto por um gigantesco derramamento de lava (ZALÁN et al., 1987). Uma alternativa complementar às teorias que já foram formuladas, apresentada por Milani (2007), a bacia foi dividida em seis sequências delimitadas no topo e na base por discordâncias. Estas seis unidades são descritas como pacotes rochosos, com intervalos temporais de dezenas de milhões de anos de duração denominados de Supersequências. As três primeiras Supersequências são o rio Ivaí do período Ordoviciano-Siluriano, Paraná no Devoniano, Gonduana I no Carbonífero-Eotriássico e estão associadas aos movimentos de transgressão e regressão do nível da linha de costa, devido às oscilações no nível do mar na época. As Supersequências Gondwana II do Meso a Neotriássico, Gonduana III no Neojurássico-Eocretáceo e Bauru do Neocretáceo correspondem aos pacotes sedimentares continentais e às rochas ígneas associadas (MILANI et al., 1997). Dentre estas divisões, a Supersequência Gonduana I documenta o ciclo completo de transgressão-regressão e determina os pacotes sedimentares que caracterizam individualmente os grupos Itararé, Guatá e Passa Dois (MILANI, 2007). No estado de São Paulo as unidades litoestratigráficas são constituídas pelos grupos Itararé, Passa Dois, São Bento, Bauru e Paraná, além dos depósitos Cenozóicos. Na região específica do estudo, a unidade é limitada a Formação Tatuí. 37 3.2.2 Geologia Regional 3.2.2.1 Formação Tatuí Inicialmente a denominação Tatuí foi proposta por (WASHBURNE, 1930) para as rochas do permo-carbonífero, depositadas em ambiente pós-glacial. No estado de São Paulo este pacote não está tão bem preservado como no sul do país, onde é passível sua subdivisão dentro do Supergrupo Tubarão (CHAHUD, 2011). A Formação é composta de siltitos e arenitos micáceos, calcíferos e com pirita, intercalações de calcários, folhelhos e camadas conglomeráticas com fósseis de vertebrados (PETRI & FÚLFARO, 1983). A Formação Tatuí, no estado de São Paulo, é, segundo Soares & Landim (1973) e Schneider et al. (1974), correlata ao Grupo Guatá na porção superior da Formação rio Bonito e toda a Formação Palermo. Quanto à estratigrafia, esta é formada por sucessão de siltitos que predominam em torno de 90% de toda área definida e arenitos finos bem selecionados, com presença de camadas de conglomerados de origem flúvio-deltaica (STEVAUX, 1986; ASSINE et al., 2003). A Formação é dividida em membros inferior e superior, a partir da diferenciação visual de coloração vermelha a marrom para a porção basal e uma tendência de cores esverdeada a acinzentada e até siltitos pretos carbonosos, que refletem condições mais redutoras para o topo. Um diastema é a característica de mudança entre os pacotes (SOARES, 1972). Autores distintos sugerem paleoambientes diferentes, embora sejam escassos os trabalhos para esta área como evidência principal. Almeida & Barbosa (1953) e Barbosa & Gomes (1958) defendem que as rochas presentes na Formação Tatuí sejam de origem marinha rasa, já Fúlfaro et al. (1984) e Perinotto (1987) defendem que ambiente de deposição é representado por uma plataforma marinha, um sistema costeiro e, localmente, por um sistema de leques deltaicos. Petri & Fulfaro (1983) defendem que os depósitos teriam se formado em lagoas ou lagoas de salinidade variável, e Assine et al. (1999) tratam a porção superior da Formação Tatuí como um sistema de alto mar sobre uma plataforma marinha dominada por ondas com evidências de marés. 3.3 GEOMORFOLOGIA A grande variabilidade geomorfológica brasileira descrita por King (1956) percorre desde vários planaltos de erosão e escarpas de serras a amplos vales e picos gnáissicos arredondados. Alguns desses aspectos podem ser produtos da erosão, de agradação, e outros relacionados ao tectonismo. Os modelos de evolução da paisagem estão condicionados a fatores 38 climáticos, tectônicos ou cíclicos/acíclicos. O resultado atual da paisagem brasileira é de uma planície, resultante da desnudação ocorrida entre o período Cretácio inferior e o Terciário- médio, quando foi soerguida, e mais tarde foi reduzida a um planalto dissecado pela erosão policíclica. Vestígios desse planalto dissecado ainda são observados desde a Bacia do Paraná nos estados de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo, denominados por estes sucessivos processos ocorridos de peneplanação Sul Americana. As superfícies resultantes dos processos erosivos dessa época são: Gonduana, uma superfície aplainada com grandes inclinações durante o Cretácio inferior; Pós-Gonduana, com superfícies irregulares, com topografia acidentada e idade Cretácica superior; Superfície Sul-Americana, quase desértica com desenvolvimento local e de idade Triássica superior; e uma superfície denominada Velhas, que representa superfície fóssil, mais antiga de todas que emerge em rochas do tipo gonduânico com terrenos que sofreram glaciação antiga e de idade Carbonífera (KING, 1956). Os ciclos ocorridos durante o Terciário superior são marcados pelo entalhamento epirogênicos do Terciário médio e posteriormente marcados pelo entalhamento e abertura de vales que destruíram a maior parte do planalto produzido pelo ciclo Sul-Americano e que ocupam atualmente quase toda a paisagem brasileira. Eventos posteriores que atuaram durante o Terciário superior e o Quaternário localmente atingiram uma fase mais avançada de aplainamento. Após tais eventos, um novo ciclo é iniciado imediatamente, denominado Velhas, que atingiu um nível de base no Terciário Superior, e é representado na forma de vales que dissecaram o planalto produzido pelo ciclo Sul-Americano. No nordeste brasileiro os últimos vestígios do aplainamento ocorrido foram destruídos pela erosão e atualmente é representado pelos tabuleiros (KING, 1956). De modo geral as feições geomorfológicas encontradas no Brasil podem ser divididas em agradação presente nos extensos depósitos de aluviões da bacia Amazônica e mais comumente encontradas as feições de degradação como as chapadas e planaltos dissecados, como ocorrem no estado de Minas Gerais. Dentro dos estados brasileiros, as paisagens são representadas por antigos maciços do Brasil Atlântico e paisagens da bacia sedimentar do rio Paraná. São resumidas em área de transição nítida, entre o relevo das regiões cristalinas, acidentadas e altas, da porção sul-oriental do Planalto Brasileiro e as zonas mais suaves e homogêneas de relevos e estruturas peculiares ao Brasil Meridional (AB’SABER, 1953). 3.3.1 Depressão Periférica Paulista 39 No estado de São Paulo, o pesquisador Moraes Rego foi o primeiro a descrever e dividir regionalmente o estado de acordo com o relevo e apresentá-lo em formato de mapa, e posteriormente foi então proposta a divisão geomorfológica para o estado de São Paulo em: Litoral, Planalto Atlântico e Planalto Ocidental e a Depressão Periférica. Estas mesmas divisões são apresentadas em Almeida (1964), com o incremento de uma nova unidade geomorfológica as Cuestas Basálticas (AB’SABER, 1956). O local de estudo está situado na Depressão Periférica Paulista entre as terras altas do Planalto Atlântico e as cristas das Cuestas Basálticas. Esta feição é definida como o principal compartimento topográfico de origem predominantemente desnudacional do estado de São Paulo. É considerada uma área rebaixada entre as terras altas do Planalto Atlântico e as cristas das Cuestas Basálticas e é extremamente sensível a erosão. Em sua origem, no oeste de Minas Gerais, a Depressão Periférica tem a forma de um corredor de cerca de 50 km com topografia colinosa. Quando na altura da zona do Médio Mogi Guaçu e do Paranapanema atinge cerca de 80 km a 100 km de largura e cerca de 120 km na região do Médio Tiete (AB’ SABER, 1956) (Figura 11). Figura 11 - Perfil geomorfológico esquemático do estado de São Paulo Fonte: AB’SABER, 1956 A topografia é pouco acidentada com desníveis entre 20 m e 50 m, e em raros casos superiores a 100 m. Este compartimento recobre os sedimentos paleozóicos em regiões superficiais, corpos intrusivos magmáticos na forma de sills e diques de diabásio descontínuos. Estas camadas mergulham na direção noroeste e apresentam inclinações variáveis. No Grupo Tubarão as camadas basais são maiores, de aproximadamente 20 km, e no Grupo Passa Dois 40 são menores, no máximo 7 km. Esta estrutura em conjunto com a litologia variada representa as camadas mais resistentes evidentes na topografia (PENTEADO, 1976). É notável a presença em toda a área da Depressão Periférica Paulista níveis intermediários em dois ou quatro patamares desdobrados entre o topo aplainado das colinas e o assoalho, geralmente plano das várzeas. São cobertos por cascalheiras que indicam fases sucessivas de aplainamento lateral e entalhe a partir das alternâncias climáticas e do tectonismo positivo e lento, pós sub-nivelamento geral inter-planáltico, até épocas mais recentes no Pleitocesno e o Holoceno. O formato levemente convexo das estruturas e a presença de vegetação natural, quase que totalmente modificada atualmente, são resultados dos processos morfoclimáticos. Na fase quente e úmida, mesmo que de curta duração no tempo geológico, não conseguem amenizar totalmente as paleoformas resultantes da atuação mais secas do clima passado (PENTEADO, 1976). Toda esta região contém uma rede de drenagem organizada de forma hierárquica e caráter dendrítico, que se procede das terras elevadas do Planalto Cristalino; são os rios Tiete e afluentes, os rios Piracicaba e Sorocaba. Os sedimentos presentes no Grupo Tubarão, divisa entre as bacias dos rios Piracicaba e Mogi Guaçu, apresentam campos cimeiros nivelados entre 620 m e 650 m de altitude. Também nas áreas de Cuestas nos sedimentos da série Passa Dois, esse tipo de nivelamento é observado (ALMEIDA, 1964). A Depressão Periférica é subdividida em três seguimentos, conforme descrito por Deffontaines (1935): Zona do Mogi Guaçu, Zona Média do Tietê e Zona do Paranapanema. A Zona do Médio Tietê no sentido da Zona do Mogi Guaçu corresponde a cerca de 2/5 da área total da Depressão Periférica, onde as camadas mergulham na direção noroeste com inclinações crescentes no Grupo Tubarão de 20 m/km e nos arenitos triássicos presentes nos derrames basálticos de 3 m/km. Apresenta topografia pouco acidentada com desníveis locais raros que excedem 200 m. Predominam colinas baixas de formas suavizadas, separadas por vales jovens. Possui uma rede de drenagem bem-organizada com três rios principais: o Tietê, o Piracicaba e o Sorocaba, todos procedentes de elevações do Planalto Cristalino (ALMEIDA, 1964). Na Zona do Paranapanema as formações presentes nesta unidade são idênticas à Zona do Médio Tietê com o acréscimo da Formação Furnas. É um pacote de camadas arenosas, resistentes com espessas camadas com mais de 200 m. Apresenta maiores altitudes de rochas paleozoicas no estado de São Paulo por estarem depositadas sob rochas cristalinas. Mergulham para noroeste no mesmo sentido mergulha a Formação (ALMEIDA, 1964). 41 A Zona do Mogi Guaçu é menor área da Depressão Periférica Paulista. É caracterizada como uma típica depressão topográfica, pois seu relevo varia de 530 a 720 m de altitude. A cerca de 900 m a leste é dominada pelas elevações do Planalto Atlântico e a oeste pelos campos cimeiros da Cuesta Basáltica externa. Os rios Pardo e Mogi Guaçu compõem toda a rede hidrográfica (ALMEIDA, 1964). 3.4 HIDROLOGIA E HIDROGEOLOGIA A unidade de gerenciamento de recursos hídricos do estado de SP (UGHRI), de número 9 comtempla a Bacia Hidrográfica do rio Mogi Guaçu, composta pelo rio de mesmo nome que corta o município a norte e seus afluentes, o mais próximo da área úmida é o Ribeirão Bonito. Esta unidade é subdividida em outras cinco sub-bacias, das quais a Sub-bacia Alto Mogi é referente ao local de desenvolvimento desta pesquisa (Figura 12). Figura 12 - Localização das drenagens na Bacia Hidrográfica do rio Mogi Guaçu a) Drenagens presentes na UGHRI 9 b) Recorte das drenagens presentes no município de Araras-SP Fonte: Dados IBGE, 2020. O volume de chuvas para o município tem variado nos últimos anos, conforme é apresentado no gráfico abaixo (Figura 13). Com série de dados analisados entre os anos de 2017 e 2020 a média anual de precipitação é de 1297 mm para 2017, 1238,6 mm para 2018, 1302,7 mm para o ano de 2019. O ano de 2019, início de aquisição de dados da pesquisa na área úmida, os valores apresentam maior volume pluviométrico entre os apresentados. Os meses de maio, junho, julho, agosto e setembro são os meses com menores volumes de precipitação ao longo dos anos, meses estes, de estação seca, salvo os determinados meses que o volume precipitado 42 é discrepante como ocorrem em abril no ano de 2019, maio do ano de 2017 e agosto do ano de 2018. Figura 13 - Dados relativos ao volume de chuvas precipitadas no município de Araras-SP ao longo dos meses no decorrer de 2017 a 2021 Fonte: SAEMA, 2020. Os sistemas aquíferos presentes em toda a UGHRI 9 são: Pré-Cambriano, Serra Geral, Tubarão, Guarani, Bauru e o aquiclude Passa Dois. Cada sistema aquífero apresenta diferentes parâmetros quanto a classificação das águas subterrâneas (CBH-MOGI, 2017). A região da área úmida está sob o aquífero Tubarão, profundo, granular de porosidade primária e em condições de confinamento e/ou semiconfinamento (ODA et al., 2012), com predominância de águas ácidas e pouco mineralizadas com baixos valores de condutividade elétrica e baixa concentração de sólidos totais dissolvidos, dureza, sódio e cloreto, que compreende uma área total de 19% da região da bacia. Por ser um aquífero de origem glacial, com rochas bastante heterogêneas, desde o Grupo Itararé, a Formações Tatuí e rochas intrusivas, o seu comportamento como aquífero é extremamente irregular ao longo de aproximadamente 20.000 km² com espessuras de atingem 1.000 metros (CETESB, 2018) (Figura 14). Está inserido na província geomorfológica da Depressão Periférica Paulista e está presente em diversas unidades de gerenciamento de águas subterrâneas do estado de São Paulo (4, 5, 9, 10 e 14) (SÃO PAULO, 2005). 43 Figura 14 - Perfil dos aquíferos presentes nos estados de São Paulo e do Paraná Fonte: SÃO PAULO, 2005. Quanto à hidroquímica do aquífero, as águas são classificadas como fracamente salinas, bicabornatadas sódicas e secundariamente bicabornatadas cálcicas ou mistas. O pH varia de 4,8 a 8,9 e o resíduo sólido de 21 mg/L a 421 mg/L, o que as caracterizam como adequadas para o abastecimento público (DAEE et al., 2005). Quanto à espessura deste aquífero, em direção ao interior da bacia, no contato entre o aquífero com embasamento pré-Cambriano, a espessura aumenta na direção oeste e o contorno estrutural da base evidência desníveis no embasamento, principalmente nas regiões de Salto de Pirapora, Itu e Campinas, porção média da bacia do rio Piracicaba e das cidades de Tietê, Capivari e Mombuca (CBH-MOGI, 2017). Com o intuito de determinar as principais características hidrogeológias da área de forma regional, foram analisados poços de captação d’água cadastrados na plataforma SIAGAS-CPRM próximos a região de estudo. Os poços destacados (Figura 15) apresentam perfil litológico correspondente, os perfis e dados descritivos representam as informações contidas na plataforma SIAGAS-CPRM dos quais dados referentes a construção de poços, estimativa de vazão, por vezes, são omitidos e a descrição litológica O perfil da Fazenda Reserva, distante cerca de 2,77 km, apresenta até os 15 m uma camada descrita como solos 15 m a 22 m arenito com intercalação de folhelho, dos 22 m a 36 m ocorrem intercalações entre siltito, arenito e folhelho, a partir dos 36 m aos 40 m diamictito, dos 46 m aos 70 m arenito, siltito e ritimitos, consecutivamente, dos 68 m aos 106 m intercalações entre diamictito, conglomerado e arenito. O teste de bombeamento destaca o nível estático em 15 m e vazão após a estabilização de 9 m³/h. O sítio Conceição está a 5,72 km de distância da área úmida e é descrito por apresentar uma camada superficial de solo silto-arenoso até 15 m, dos 35 m aos 90 m siltito, de 77 m a 99 m rocha cristalina, arenito de 90 m a 98 m e por fim dos 98 m a 126 m siltito novamente. Nenhuma informação quanto a parâmetros hidrogeológicos ou a teste de bombeamento foi divulgada. O perfil descrito como Caio Prado, distante 3,93 km, apresenta a camada de solo de 44 1 m de espessura com descrição de solo argiloso e siltitos descritos até 100 m, sem maiores informações de demais parâmetros. O poço descrito na Fazenda de Farinha de mandioca, distante cerca de 4,87 km, é descrito desde a superfície até 150 m de siltitos, com vazão especificada de 5,8 m³/h (CPRM, 2020). Figura 15 - Mapa de localização dos poços de água cadastrados na plataforma SIAGAS- CPRM próximos a área úmida estudada destacada em vermelho Fonte: Adaptado com dados do SIAGAS - CPRM 2020. 3.4.1 Qualidade das águas e disponibilidade hídrica Os municípios desta unidade de gerenciamento 9, existe o relatório de qualidade das águas superficiais do estado de São Paulo (Quadro 1) em relação ao município de Araras-SP no ano de 2008 e 2009 foram classificadas como péssima e ruim respectivamente, e entre 2010 e 2015 como regular. Os resultados que se referem aos anos de 2016 e 2017 são classificados como péssimos. A classificação dos dados são estimados pelo indicador de coleta e tratamento de esgoto da população urbana de município (ICTEM), desenvolvido pela CETESB, formado pelos elementos de coleta, tratamento e eficiência de remoção, eficiência global de remoção, destino 45 adequado de lodos e resíduos de tratamento, efluente de estação não desenquadra a classe do corpo receptor, que representam as condições a serem avaliadas no sistema público de tratamento de esgotos de modo a permitir a transformação dos valores nominais de carga orgânica em valores de comparação entre situações distintas dos vários municípios, refletindo a evolução ou estado de conservação de um sistema público de tratamento de esgotos (CETESB, 2018). Quadro 1 - Dados da qualidade da água no municípios de Araras-SP MUNICÍPIO 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 ARARAS 2,7 1,4 5,3 6,31 5,6 5,6 5,6 5,6 1,5 1,5 Legenda 0< ICTEM < 2,5 PÉSSIMO 2,6 < ICTEM < 5,0 RUIM 5,1 < ICTEM < 7,5 REGULAR 7,6 < ICTEM < 10 BOM Fonte: CETESB, 2018. A disponibilidade hídrica superficial apresenta dados de vazões média em torno de 199 m³/s e vazões mínimas de 48 m³/s em toda a extensão da UGHRI 9. A captação de água superficial de modo geral é realizada em todos os municípios, com tendência a ser mais explorada a oeste na unidade de gerenciamento UGHRI 9. A demanda por água subterrânea é mais restrita a alguns municípios e é mais evidente na porção leste. No geral a captação da água está relacionada a usos específicos como o abastecimento público, de indústrias, uso rural e soluções alternativas como abastecimento de hotéis, condomínios entre outros. Nos municípios das áreas de estudo, o maior uso da água é na zona rural, seguido pelas soluções alternativas, industriais e abastecimento público (SÃO PAULO, 2017). De modo geral na UGRHI 9, o balanço hídrico como resultado da quantidade de água que entra e sai do sistema em um determinado intervalo de tempo é definido como positivo em três dos cinco compartimentos da unidade, no peixe, baixo e médio Mogi. Na região do Jaguari Mirim e Alto Mogi (área deste estudo) o balanço hídrico é negativo, o que torna o sistema deficitário em algum componente de água, subterrânea ou superficial. 3.5 USO E OCUPAÇÃO DO SOLO Os diferentes usos do solo em toda a extensão da UGRHI 9 determinaram o agrupamento do solo em diferentes classes, como: agricultura, pastagem, silvicultura, áreas 46 urbanas, áreas de cobertura vegetal, e outros como (corpos d’água e mineração). O quadro 2 apresenta a distribuição do uso do solo em toda a região do Mogi com predomínio do cultivo da cana-de-açúcar (CBH-MOGI, 2017). Quadro 2 - Distribuição do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do rio Mogi Guaçu, com destaque para a região de estudos Distribuição dos usos do solo (%) Tipo de usos do solo ALTO MOGI PEIXE JAGUARI MIRIM MÉDIO MOGI BAIXO MOGI Agrícola 62,78 14,44 51,82 63,90 86,02 Cobertura nativa Silvicultura 15,30 5,39 25,05 1,12 18,36 3,04 20,27 9,23 10,18 0,45 Pastagem 10,93 53,27 22,36 3,98 0,49 Urbanizada 4,10 3,63 2,09 1,84 2,12 Outros 1,50 2,49 2,34 0,78 0,74 Fonte: CBH-MOGI, 2017. No município de Araras estão presentes os Latossolos constituídos por material mineral, tanto o Latossolo Vermelho e Latossolo Vermelho-Amarelo, que são desenvolvidos em relevos planos ou suavemente ondulados, com capacidade alta de drenagem, e por serem profundos e porosos, apresentam condições adequadas para um bom desenvolvimento radicular em profundidade. O Organossolo Mésico corresponde a solos constituídos de material orgânico, pouco evoluídos, de coloração preta, cinzenta muito escura, resultantes de acumulações de restos vegetais em graus variáveis de decomposição, em ambientes de drenagem restrita ou em locais úmidos de altitudes elevadas, que estão saturados com água por poucos dias no período chuvoso (EMBRAPA, 2003) (Figura 13). A área de estudos, hoje ocupada pelo cultivo da cana- de-açúcar, já foi terreno de cultivo de café, principal produção agrícola do estado de São Paulo em meados de 1860, iniciado com a vinda dos imigrantes europeus. Teve auge em 1877, com os trilhos da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, responsável pelo crescimento da região e consequente progresso da cidade de Araras (ARARAS, 2019). Com o passar dos anos o cultivo de café foi substituído para o plantio de cana-de-açúcar. A área rural da cidade de Araras é onde está a maior concentração atual de plantação de cana-de-açúcar. A área desta pesquisa está em terreno que pertence a Usina São João, distante 14 km da área de estudos. A história da família que comanda a empresa é de cinco gerações e foi iniciada com a vinda de Antônio e Caterina Ometto da Itália em 1887, o casal iniciou o trabalho no cultivo de cana no interior paulista. Em 1944 o filho do casal, José Ometto, compra 47 a Fazenda São João em Araras e logo é iniciada as atividades de plantio de cana e início do Grupo Usina São João (USJ, 2020). Na área de estudo foram analisadas imagens de satélite em diferentes meses ao longo dos anos de 2009, 2013, 2018 e 2020. Na figura 16 foi demarcada a área da área úmida e realizado o cálculo do perímetro e área destacados em vermelho na imagem. Esta análise foi realizada a partir da delimitação imposta pelo cultivo de cana-de-açúcar, portanto, não correspondendo as margens naturais da área úmida. Figura 16 - Cálculo da área da área úmida em diferentes meses ao longo dos anos de 2009 e 2020 a) junho/2020 b) maio/2020 c) junho 2013 d) março/2009 Fonte: GOOGLE EARTH, 2020. Em julho de 2020 o perímetro da área corresponde a 779 m e área 45.462m², em maio de 2018 o perímetro é de 779 m e área de 44.930 m² (Figura 16b), em julho de 2013 o perímetro corresponde a 774 m e área 45.262 m² (Figura 16c) e em março de 2009 o perímetro corresponde a 767 m e a área 44.200 m² (Figura 16d). A área de estudos está cercada pelo cultivo agrícola e consequentemente o uso de insumos ativos é intensificado (Figura 17). Como esta pesquisa visa a análise da interação entre a água superficial com a subterrânea, o uso de herbicidas, inseticidas e fungicidas entre outros simplificadamente chamados de agrotóxicos, é relevante, e o seu devido conhecimento e 48 preocupação com o tipo e quantidade de agrotóxicos lançados na área e, por isso, devem ser considerados. Figura 17 - Maquinário utilizado em campo para injeção de insumos no solo Fonte: PRÓPRIA AUTORA. Os agrotóxicos e afins são definidos como substâncias químicas sintéticas utilizadas em cultivos agrícolas sob a justificativa de evitar prejuízos financeiros aos agricultores, de forma a prevenir e combater organismos que diminuem a produtividade e/ou qualidade da plantação (INCA, 2021). São definidos de acordo com a Lei no 7.802 de 11 de julho de 1989 que: Dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências (BRASIL, 1989). Bem como, o Decreto nº4.074 de 4 de janeiro de 2002, que dispõe sobre: Produtos e agentes de processos físicos, químicos e biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produto agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas nativas ou plantadas e, de outros ecossistemas e em ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da fauna e da flora, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos consideradas nocivos, bem como, as substancias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimulantes e inibidores de crescimento (BRASIL, 2002). 49 A demanda por agrotóxicos para o cultivo da cana-de-açúcar em termos de quantidade de ingrediente ativo (o ingrediente principal do produto) está maior e cresce cada vez mais em quase toda atividade agrícola do estado de São Paulo (SPADOTTO et al., 2004; ABRASCO, 2012). Segundo o sistema do Governo Federal de Agrotóxicos Fitossanitário - AGROFIT, órgão vinculado ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento desde 2013 ocorreu aumento no registro de agrotóxicos para uso no cultivo da cana-de-açúcar no país. No ano de 2016 foram incluídos 77 registros, em 2017 o valor sobe para 184, em 2018 aumenta para 202 e até metade do ano 2019 (AGROFIT, 2014). No ano de 2019, o número de registros aumentou em cerca de 262 novos cadastros de produtos formulados, dentre estes são inclusos os acaricidas, herbicidas, inseticidas, fungicidas, feromônios sintéticos, reguladores de crescimento, agentes biológicos de controle e inseticidas (Tabela 1) (AGROFIT, 2020). Tabela 1 - Ingredientes ativos permitidos no cultivo de cana-de-açúcar e suas respectivas classes Fonte: AGROFIT, 2014. 50 O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) apresenta resoluções específicas quanto à utilização de agrotóxico em determinada cultura, e na cana-de-açúcar está estabelecido pelas resoluções CONAMA 357/05, CONAMA 396/08 e pela Portaria MS 2.914/11 (Tabela 2). Alguns dos valores apresentados na resolução CONAMA 357/11, sofreram alteração e, os valores máximos permitidos para a substância de alacloro atualmente é 20 µg/L e para o metolacloro 10 µg/L (CONAMA, 2005). Tabela 2 - Valores máximos permitidos (μg/L) estabelecidos pelas Resoluções CONAMA 357/2005 e 396/2008 e pela Portaria MS 2.914/2011 para os agrotóxicos permitidos para uso na cultura de cana-de-açúcar no Brasil Fonte: CONAMA, 2005 Estes registros são classificados também quanto ao perigo ao meio ambiente e aos seres humanos devido à sua toxicologia (Figura 18). Cerca de 1000 registros realizados para o cultivo de cana-de-açúcar são considerados produtos muito perigosos ao meio ambiente e cerca de 800 são classificados como produtos perigosos à espécie humana (AGROFIT, 2014). É importante determinar que todas as substâncias químicas apresentam toxicidade, porém medidas de segurança são tomadas para minimizar os efeitos no organismo. Quanto à toxicidade, que é uma medida do potencial tóxico de uma substância (FIOCRUZ, 2017), mais de 500 registros são classificados como moderadamente e extremamente tóxicos (AGROFIT, 2014). 51 Figura 18 - Classificação ambiental e toxicológica dos registros de insumos para cultivo de cana-de- açúcar. Fonte: AGROFIT, 2014. Além dos danos diretos à saúde, o uso de agrotóxicos pode relacionar sua aplicação em determinados locais com a percolação espacial do insumo em locais como corpos de água adjacentes. No trabalho de Acayaba (2017) foram avaliados os principais agrotóxicos utilizados no cultivo de cana-de-açúcar com sua presença em corpos d’água no estado de São Paulo ao longo dos anos de 2015 e 2016. Os resultados identificaram mais frequentemente os agrotóxicos diuron (100%), tebutiuron (95%), hexazinona (95%), ametrina (76%) e imidacloprido (76%). O herbicida tebutiuron foi o composto detectado em maior concentração (214 mg/L), enquanto o diuro