UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES, COMUNICAÇÃO E DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN CENTRO HISTÓRICO DE SÃO LUÍS E ACESSIBILIDADE: estudo e proposta, no campo do design, para inclusão de pessoas com deficiência visual Bauru 2022 1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES, COMUNICAÇÃO E DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN CENTRO HISTÓRICO DE SÃO LUÍS E ACESSIBILIDADE: estudo e proposta, no campo do design, para inclusão de pessoas com deficiência visual ANDRÉA KATIANE FERREIRA COSTA Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Design da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”, da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Campus de Bauru, como requisito à obtenção do título de Doutora em Design. Orientador: Prof. Dr. Luis Carlos Paschoarelli Coorientadora: Profa. Dra. Rosío Fernández Baca Salcedo Bauru 2022 2 3 ANDRÉA KATIANE FERREIRA COSTA CENTRO HISTÓRICO DE SÃO LUÍS E ACESSIBILIDADE: estudo e proposta, no campo do design, para inclusão de pessoas com deficiência visual COMISSÃO EXAMINADORA MEMBROS TITULARES Prof. Dr. Prof. Dr. Luis Carlos Paschoarelli (Orientador) PPG Design – UNESP Bauru Prof. Dr. Márcio James Soares Guimarães Design UFMA São Luís Prof. Dr. Fausto Orsi Medola PPG Design - UNESP Bauru Prof. Dr. Alex Oliveira de Souza Arquitetura e Urbanismo UEMA São Luís Profa. Dra. Cassia Letícia Carrara Domiciano PPG Design – UNESP Bauru MEMBROS SUPLENTES: Profa. Dra. Marizilda dos Santos Menezes PPG Design – UNESP Bauru Profa. Dra. Lívia Flávia Campos Albuquerque PPG Design – UFMA São Luís Profa. Dra. Paula da Cruz Landim PPG Design – UNESP Bauru Profa. Dra. Ana Elisabete de Almeida Medeiros PPG FAU – UnB 4 5 6 Quando se fala de sociedade inclusiva, trata- se daquela capaz de promover e defender os direitos das pessoas com deficiência como o faz para todos os seus cidadãos. Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior 7 A todas as pessoas com deficiência que tive a honra de conhecer, em especial a todas aquelas com deficiência visual que entrevistei e que passearam comigo pelo Centro Histórico de São Luís. Com vocês aprendi que enxergar vai muito além da visão. Minha eterna gratidão. 8 Agradecimentos Ao Pai Eterno, por todas as graças e bênçãos que derrama em minha vida. Aos meus pais, Antônio e Cira; à minha irmã, Adriana, pelo amor incondicional em todos os momentos da vida; ao meu cunhado, Celso; ao meu irmão, Júnior; aos meus tios, em especial as tias Antônia, Teresinha, Dolores, Eurídice e Silmara. Aos meus primos, sobrinhos, afilhados e toda a minha família e amigos que acompanharam esta trajetória, em especial a Deline, Beatriz (Bia), Liane, Dylson e Pajama, pessoas maravilhosas, que me fizeram conhecer tantas pessoas incríveis ‒ não vou citar nomes para não correr o risco de esquecer alguém ou identificar entrevistados. Ao meu orientador Prof. Dr. Luis Carlos Paschoarelli e à minha coorientadora Profa. Dra. Rosío Fernández Baca Salcedo, por suas contribuições, disponibilidade e amizade. Aos membros da comissão avaliadora, o Prof. Dr. Fausto Medola e o amigo e Prof. Dr. Márcio Guimarães, por suas valiosas contribuições, ao grande Prof. Dr. Alex Souza que me acompanhou durante o mestrado, a Profa. Cassia Domiciano e a Profa. Dra. Lívia Albuquerque por sua gentil disponibilidade, a Profa. Dra. Ana Medeiros que me orientou no mestrado, a Profa. Dra. Marizilda Menezes e Profa. Dra. Paula Landim por sua disponibilidade, meu muito obrigada a todos e todas. À Universidade Estadual Paulista – UNESP, campus de Bauru, ao Laboratório de Ergonomia e Interfaces – LEI e a todos que compõem esta conceituada universidade. À Universidade Federal do Maranhão – UFMA, ao Departamento de Desenho e Tecnologia – DEDET e aos colegas, por todo o apoio, aos alunos José de Ribamar Júnior e Cristian Sena que participaram, respectivamente, da pesquisa de campo – com trabalho de fotografia e vídeo ‒ e da edição de imagens. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, e à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão – FAPEMA, pelo investimento destinado ao projeto de Doutorado Interinstitucional DINTER em Design UFMA/UNESP Bauru. 9 Ao Prof. Dr. Luis Paschoarelli, coordenador acadêmico do DINTER, por sua dedicação. À Profa. Dra. Lívia Albuquerque, coordenadora operacional do DINTER, por sua disponibilidade, e à Profa. Paula Landim, coordenadora do Programa de Pós- Graduação em Design na UNESP. Aos colegas de caminhada do DINTER, André, Francisco, Gisela, João e, especialmente, à Karina, com quem compartilhei desde o início reflexões e incertezas. Mais uma vez agradeço a todas as pessoas com deficiência que tive a honra de conhecer ‒ meu respeito às suas trajetórias de lutas e conquistas ‒, aos movimentos e instituições que representam esse segmento da sociedade. Por fim, meus mais sinceros agradecimentos a todos que participaram direta ou indiretamente na realização desta tese. 10 Resumo A relação entre Centros Históricos e acessibilidade é dicotômica em muitas situações dos diversos Sítios mundo afora, especialmente no Brasil. Ambos os temas são amparados por leis, entretanto, muitos pontos elencados na legislação de acessibilidade conflitam com aqueles amparados por leis de preservação patrimonial. Este tema tornou-se mais complexo na contemporaneidade, como ocorre em São Luís ‒ MA, cidade que tem o título de Patrimônio Mundial, porém ainda não alcançou o nível de cidade acessível. Se, de um lado, centros históricos precisam ser preservados, de outro, pessoas com deficiência precisam ter seus direitos garantidos, inclusive o direito à cidade. A pesquisa considera que o maior número de pessoas com deficiência, no Brasil, encontra-se na categoria da deficiência visual e que grande parte das publicações sobre acessibilidade em centros históricos é voltada às pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida, ou, ainda, pessoas com deficiência de modo geral, não se aprofundando no estudo voltado à acessibilidade da pessoa com deficiência visual em espaços patrimoniais, como centros históricos. A pesquisa tem por objetivo analisar as barreiras de acessibilidade impostas às pessoas com deficiência visual em seus deslocamentos e acessos aos espaços do Centro Histórico de São Luís, a fim de propor recomendações que contribuam para um deslocamento com mais segurança e autonomia. Para tanto, utiliza diferentes processos metodológicos, revisão da literatura, em contraponto a observação de estudos de caso que buscaram compreender a perspectiva da participação do público em questão. Foram aplicadas técnicas de identificação dos participantes, entrevistas semiestruturadas, passeio acompanhado (DISCHINGER, 2000), análise de conteúdo (BARDIN, 1977) e registro audiovisual. Como resultado do estudo, foram encontradas barreiras físicas (a ex. as escadarias); barreiras comunicacionais (p. ex., falta de identificação de prédios, ruas e mapa em formato acessível, com audiodescrição; de contraste de cores e ampliação; de rotas e sinalização acessível em múltiplos formatos); e barreiras atitudinais (p. ex., preconceito; falta de informação à população vidente; a falta de cardápio em Braille em restaurantes e falta de sensibilidade). Esta investigação deve contribuir para a mobilidade e orientação das Pessoas com Deficiência Visual no Centro Histórico de São Luís, capital do Maranhão, a fim de lhes proporcionar segurança e autonomia. Destacando as contribuições no campo do design, especialmente quanto à quebra das barreiras comunicacionais (que dizem respeito, por exemplo, a sinalização, equipamentos e Tecnologia Assistiva) e atitudinais (que dizem respeito, por exemplo, a estereótipos e preconceitos à serem vencidos através de materiais e serviços de informação e educação em múltiplos formatos). As recomendações deste estudo consideram as referências técnicas e normativas (p. ex. daquelas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, da lei de acessibilidade e recomendações da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência) em vigor e sugerem acréscimos à da NBR 9050. Palavras-chave: Design; Deficiência Visual; Acessibilidade; Espaço Público Urbano; Centro Histórico de São Luís. 11 Abstract The relationship between Historic Centers and accessibility is dichotomous in many situations in different sites around the world, especially in Brazil. Both themes are supported by laws, however, many points listed in accessibility legislation conflict with those supported by heritage preservation laws. This theme has become more complex in contemporary times, as it occurs in São Luís - MA, a city that has the title of World Heritage, but has not yet reached the level of an accessible city. If, on the one hand, historic centers need to be preserved, on the other hand, people with disabilities need to have their rights guaranteed, including the right to the city. The research considers that the largest number of people with disabilities in Brazil is in the category of visual impairment and that most of the publications on accessibility in historic centers are aimed at people with physical disabilities or reduced mobility, or even people with disabilities in general, not delving into the study focused on the accessibility of the visually impaired person in heritage spaces, such as historic centers. The research aims to analyze the accessibility barriers imposed on people with visual impairments in their displacements and access to spaces in the Historic Center of São Luís, in order to propose recommendations that contribute to a displacement with more safety and autonomy. For that, it uses different methodological processes, literature review, in contrast to the observation of case studies that sought to understand the perspective of the participation of the public in question. Participants' identification techniques, semi-structured interviews, guided tour (DISCHINGER, 2000), content analysis (BARDIN, 1977) and audiovisual recording were applied. As a result of the study, physical barriers were found (eg stairs); communication barriers (eg, lack of identification of buildings, streets and maps in an accessible format, with audio description; color contrast and magnification; routes and signage accessible in multiple formats); and attitudinal barriers (eg, prejudice; lack of information for the sighted population; lack of Braille menus in restaurants and lack of sensitivity). This investigation should contribute to the mobility and guidance of People with Visual Impairments in the Historic Center of São Luís, capital of Maranhão, in order to provide them with security and autonomy. Highlighting the contributions in the field of design, especially in terms of breaking down communication barriers (which concern, for example, signage, equipment and Assistive Technology) and attitudinal barriers (which concern, for example, stereotypes and prejudices to be overcome through information and education materials and services in multiple formats). The recommendations of this study consider the technical and normative references (eg those of the Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, the accessibility law and recommendations of the Convention on the Rights of Persons with Disabilities) in force and suggest additions to that of NBR 9050. Keywords: Design; Visual impairment; Accessibility; Urban Public Space; Historic Center of São Luís. 12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas AD – Audiodescrição AEE – Atendimento Educacional Especializado AIPD – Ano Internacional da Pessoa com Deficiência ANSI – American National Standards Institute APO – Avaliação Pós-Ocupação ASDEVIMA – Associação de Deficientes Visuais do Maranhão AVD – Atividade da Vida Diária BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BPBL – Biblioteca Pública Benedito Leite BPC - Benefício de Prestação Continuada BV – Baixa Visão CAP – Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual do Maranhão CDPD ‒ Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência CEDEMAC – Centro Desportivo Maranhense de Cegos CF – Constituição Federal CH – Centro Histórico CHSL – Centro Histórico de São Luís CID ‒ Classificação Internacional de Doenças CNRTA ‒ Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva CORDE – Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CPHNAMA ‒ Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão CVI – Centro de Vida Independente DEDET – Departamento de Desenho e Tecnologia DPE ‒ Defensoria Pública Estadual DPHAP – Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão DU – Desenho Universal DI – Desenho Inclusivo ESCEMA – Escola de Cegos do Maranhão FDN ‒ Fundação Dorina Nowill FUMPH – Fundação Municipal do Patrimônio Histórico de São Luís IBC – Instituto Benjamin Constant IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IFES – Instituições Federais de Ensino Superior IFMA – Instituto Federal do Maranhão IL – Instituto Laramara IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 3ª SR/IPHAN – 3ª Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional LBI – Lei Brasileira de Inclusão Libras ‒ Língua Brasileira de Sinais 13 MinC – Ministério da Educação NBR – Normas Brasileiras NVDA – Non Visual Desktop Access ONGs – Organizações Não Governamentais OM – Orientação e Mobilidade OMS – Organização Mundial da Saúde ONU – Organização das Nações Unidas PcD – Pessoa com Deficiência PcDV – Pessoa com Deficiência Visual PEVI – Prática Educativa para uma Vida Independente PNC – Plano Nacional de Cultura PNPA ‒ Plano Nacional de Promoção da Acessibilidade PPRCHSL – Programa de Preservação e Requalificação do Centro Histórico de São Luís RFFSA ‒ Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima SECTI – Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação SEDIHPOP – Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SESC – Serviço Social do Comércio SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEMEPED ‒ Secretaria Municipal Extraordinária da Pessoa com Deficiência SEMISP ‒ Secretaria Municipal de Inovação, Sustentabilidade e Projetos Sociais SMTT – Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes SNCT – Semana Nacional de Ciência e Tecnologia SRM – Sala de Recursos Multifuncionais SUS – Sistema Único de Saúde TA – Tecnologia Assistiva TIC – Tecnologia de Informação e Comunicação TJMA – Tribunal de Justiça do Maranhão TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFMA ‒ Universidade Federal do Maranhão UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 14 LISTA DE FIGURAS Figura 1 ‒ Evolução das práticas de inclusão de PcD na sociedade...............................42 Figura 2 ‒ Mapa Tátil e sinalização podotátil interna do prédio da Fundação Dorina.........47 Figura 3 ‒ Linha do tempo no painel da Fundação Dorina Nowil.....................................48 Figura 4 ‒ Sala de exposição e de impressão da Fundação Dorina Nowil.......................49 Figura 5 ‒ Simulação de ambientes internos e externos da Dorina Nowill.........................50 Figura 6 ‒ Trilha sensorial, piso podotátil atual e antigo – Laramara..................................50 Figura 7 ‒ Porta com informação acessível e painéis informativos..................................51 Figura 8 ‒ Loja de brinquedos inclusivos – brincanto e área da piscina e recreação.......51 Figura 9 – Espaço lúdico e sala de estimulação essencial para crianças de 0 a 6 anos.....52 Figura 10 – Sala de PEVI e OM ‒ CAP..............................................................................53 Figura 11 – Sala de tradutores, produção gráfica e biblioteca ‒ CAP.................................54 Figura 12 ‒ Laboratório de informática, salas de impressa Braille, gráfica, reuniões, para cursos em Braille e biblioteca ‒ ASDEVIMA......................................................................55 Figura 13 – Praça com escada e rampa – Guimarães, Portugal......................................65 Figura 14 ‒ Rua de pedestre em Madri e rua compartilhada em Barcelona, Espanha…66 Figura 15 – Escada rolante no Park Guell, em Barcelona, Espanha...............................66 Figura 16 – Mecanismo de transporte inclinado para cadeira de roda ‒ museu em MG.71 Figura 17 – Peças identificadas em Braille no Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE…72 Figura 18 – Mapa tátil do Centro Histórico do Recife Centro de Artesanato de PE..........73 Figura 19 – Mapa tátil na Casa de Cultura Luiz Gonzaga, Recife-PE...............................73 Figura 20 – Basílica de São Bento, Olinda além do olhar – fachadas táteis - PE.............74 Figura 21 – Delimitação das zonas de proteção patrimonial..............................................78 Figura 22 – Rampas inadequadas, calçadas obstruídas, pavimento desnivelado...........79 Figura 23 – Obstrução de calçadas por ambulantes e desníveis calçadas e imóvei.......79 Figura 24 – Árvore, rampa móvel e calçada sem sinalização e ambulantes....................80 Figura 25 – Escadaria da Rua do Giz ligando Praia Grande à Av. Pedro II.....................81 Figura 26 – Diferença de nível entre o bairro da Praia Grande e a Av. Pedro II...............82 Figura 27 – Carros elétricos no CH e Plataforma Elevatória do restaurante do SENAC...83 Figura 28 – Falta de sinalização para orientação e informação para PcDV......................84 Figura 29 – Conjunto Deodoro, Rua Grande e Recorte espacial da pesquisa..................85 Figura 30 – Mobiliário, placas metálicas, balizadores e desnível não sinalizado..............86 Figura 31 ‒ Requalificação Rua Grande com acessibilidade............................................86 Figura 32 ‒ Piso tátil no Interior do Mercado das Tulhas....................................................87 Figura 33 – Maquete tátil do prédio da Pinacoteca – SP...................................................91 Figura 34 – Escultura tátil em bronze e audioguia............................................................91 Figura 35 – Mapa tátil – galeria da Pinacoteca – SP........................................................92 Figura 36 – Impressão em 3D de artefato arqueológico, réplica de peça da exposição...93 Figura 37 ‒ BPBL – Espaço Braille, globo tátil (identificar continentes) ...........................93 Figura 38 – BPBL ‒ Impressora Braille/computador com ledor de tela e lupa eletrônica.94 Figura 39 – BPBL ‒ Livro falado, livro em Braille..............................................................94 15 Figura 40 – Projeto “Ciranda Inclusiva, uma Roda de Conversa: Acessibilidade e Inclusão”.........................................................................................................................100 Figura 41 – CHSL, recorte espacial da pesquisa............................................................106 Figura 42 ‒ Uso de tecnologia assistiva e sistemas da informação................................110 Figura 43 ‒ Uso de transporte e dependência de acompanhante..................................113 Figura 44 – CHSL, percurso de ida considerando lugares mais citados nas entrevistas..140 Figura 45 – Terminal da Integração em frente ao shopping da Criança.........................141 Figura 46 – Estacionamento entre o Shopping da Criança e Odylo Costa Filho.............142 Figura 47 – Centro de Criatividade Odylo Costa Filho na Rua da Alfândega..................142 Figura 48 – Entrada da Feira da Praia Grande na Rua da Alfândega...............................143 Figura 49 – Praça Nauro Machado na Rua da Estrela x Beco da Alfândega.................144 Figura 50 –Defensoria Pública em frente à entrada principal da Feira da Praia Grande..145 Figura 51 – Escola de Capoeira, Museu do Reggae e da Gastronomia na Rua da Estrela.............................................................................................................................146 Figura 52 – Av. Dom Pedro II..........................................................................................147 Figura 53 – Av. Dom Pedro II e vista do Palácio dos Leões............................................147 Figura 54 – Palácio La Ravardière esquina com Rua Montanha Russa, e dos Leões....147 Figura 55 – Recorte espacial no CHSL, participante nº1, percurso de ida e volta............150 Figura 56 – Participante nº 1, início do passeio no Centro de Criatividade do Odylo......151 Figura 57 – Participante nº 1 no ponto 4. Feira da Praia Grande (Mercado das Tulhas)...152 Figura 58 – Participante nº 1 passando na Praça Nauro Machado e Defensoria Pública.153 Figura 59 – Participante nº 1 passando na Feira da Praia Grande e Escola de Capoeira.153 Figura 60 – Participante nº 1 passando no Museu do Reggae e Museu da Gastronomia154 Figura 61 – Participante nº 1 passando no Palácio La Ravardière e Palácio dos Leões155 Figura 62 – Participante nº 1 no caminho de volta passando pelo Beco Catarina Mina.157 Figura 63 ‒ Recorte espacial no CHSL, participante nº2, percurso de ida e volta............158 Figura 64 – Participante nº 2 e percurso no mapa tátil em A3 com alto-relevo com 3D color................................................................................................................................159 Figura 65 – Participante nº 2 passando no Odylo Costa Filho e na Feira da Praia Grande............................................................................................................................160 Figura 66 – Participante nº 2 na calçada da Rua da Alfândega x com Rua da Estrela......160 Figura 67 – Participante nº 2 na Praça Nauro Machado, Defensoria Pública e Feira.....161 Figura 68 – Participante nº 2 na escola de Capoeira, Museus do Reggae e da Gastronomia...................................................................................................................162 Figura 69 – Participante nº 2, passando por canteiros, bancos e Palácios, e a vista.....163 Figura 70 – Participante nº 2, voltando da Pedro II pela escadaria do Beco Catarina Mina................................................................................................................................164 Figura 71 – Recorte espacial no CHSL, participante nº 3, percurso de ida e volta............165 Figura 72 – Participante nº 3 se deslocando do Terminal da integração para o Odylo.....166 Figura 73 – Participante nº 3 do Odylo para a Feira da Praia Grande............................167 Figura 74 – Participante nº 3 na calçada da Feira da Praia Grande, na Rua da Alfândega........................................................................................................................168 Figura 75 – Participante nº 3 na Praça Nauro Machado.................................................168 16 Figura 76 – Participante nº 3 reclamando do letreiro da Defensoria e da rampa na calçada............................................................................................................................169 Figura 77 – Participante nº 3 reclamando da falta de acessibilidade no mapa da Feira...170 Figura 78 – Participante nº 3 reclamando dos obstáculos no meio da Rua da Estrela......171 Figura 79 ‒ Participante nº 3 tentando ler as informações nas placas............................171 Figura 80 – Participante nº 3 subindo a Rua da Estrela e encontrando muitos obstáculos.......................................................................................................................172 Figura 81 – Participante nº 3 localizando a Igreja da Sé, o Palácio dos Leões e mapa.....173 Figura 82 – Participante nº 3 localizando canteiro, árvore, bancos e lixeira...................174 Figura 83 ‒ Participante nº 3 localizando a maré, telhado, carros e jardim do Palácio...174 Figura 84 – Participante nº 3, caminho de volta, ruas de Nazaré e Giz, com obstáculos.176 Figura 85 – Recorte espacial no CHSL, participante nº4, percurso de ida e volta............177 Figura 86 – Participante nº 4 do Terminal da integração para o Odylo.............................178 Figura 87 – Participante nº 4 do Odylo para a Feira da Praia Grande............................179 Figura 88 – Participante nº 4 na Rua da Alfândega entre poste, floreira, mesa e calçadas..........................................................................................................................180 Figura 89 ‒ Participante nº 4 explorando a Praça Nauro Machado..................................181 Figura 90 – Participante nº 4 tentando ver letreiro da Defensoria, mapa e nomes de ruas.................................................................................................................................182 Figura 91 ‒ Participante nº 4 passando pelos Museus do Reggae e da Gastronomia...183 Figura 92 – Participante nº 4 descendo escada na frente da Capitania dos Portos........184 Figura 93 – Recorte espacial no CHSL, participante nº 5, percurso de ida e volta...........186 Figura 94 – Participante nº 5 atravessando a avenida e estacionamento........................187 Figura 95 – Participante nº 5 pela Rua da Alfândega, passando no Odylo e Feira.........188 Figura 96 – Participante nº 5 pela Rua da Alfândega esquina com Rua da Estrela........189 Figura 97 – Participante nº 5 na Praça Nauro Machado..................................................190 Figura 98 – Participante nº 5 na entrada da Câmara dos Vereadores e choque com árvore..............................................................................................................................191 Figura 99 – Participante nº 5 na calçada da Defensoria Pública.....................................191 Figura 100 – Participante nº 5 e mapa na entrada principal do Mercado das Tulhas......192 Figura 101 – Participante nº 5 experimentando o piso tátil da Feira................................193 Figura 102 – Participante nº 5 na escola de Capoeira, Museus do Reggae e Gastronomia...................................................................................................................194 Figura 103 – Participante nº 5 caminhando na Pedro II, canteiros, árvores, bancos, lixeiras.............................................................................................................................195 Figura 104 – Participante nº 5 nos Palácios La Ravardière e dos Leões, e vista..............196 Figura 105 - Participante nº 5 na escadaria do Beco Catarina Mina no caminho de volta.197 Figura 106 – Participante nº 5 no caminho de volta pelo Beco Catarina Mina..................198 Figura 107 ‒ Recorte espacial no CHSL, participante nº 6, percurso de ida e volta..........199 Figura 108 – Participante nº 6 iniciando seu percurso no Odylo, na Rua da Alfândega....200 Figura 109 - Participante nº 6, no piso tátil da Feira, seguindo na Rua da Alfândega.......201 Figura 110 – Participante nº 6, na Praça Nauro Machado e Defensoria, com obstáculos202 Figura 111 - Participante nº 6, sobre mapa da Feira e ambiente aglomerado................203 17 Figura 112 – Participante nº 6, passando pelos Museus do Reggae e da Gastronomia...204 Figura 113 – Participante nº 6, na Av. Pedro II passando por lixeira e bancos...............205 Figura 114 – Participante nº 6 explorando percurso em frente ao Palácio de La Ravardière e o dos Leões..................................................................................................................206 Figura 115 - Participante nº 6 voltando pelo Beco Catarina Mina, escadaria.................208 Figura 116 – Participante nº 6 procurando o prédio onde fez um curso, na Rua Portugal209 Figura 117 ‒ Participante nº 6 em direção à Casa do Maranhão, com muitos obstáculos.......................................................................................................................210 Figura 118 ‒ Participante nº 6 contornando a Casa do Maranhão, com muitos obstáculos.......................................................................................................................211 Figura 119 ‒ Recorte espacial no CHSL, participante nº7, percurso de ida e volta ..........213 Figura 120 – Participante nº 7 no início do percurso, no Odylo.......................................214 Figura 121 ‒ Participante nº 7 no piso tátil da Feira e caminhando pela calçada da quadra.............................................................................................................................215 Figura 122 – Participante nº 7 na Praça Nauro Machado, Defensoria Pública e Feira…216 Figura 123 – Participante nº 7 em calçadas de pedra de lioz e rua em paralelepípedo…217 Figura 124 – Participante nº 7 na escola de Capoeira, Museus do Reggae e da Gastronomia...................................................................................................................218 Figura 125 ‒ Participante nº 7 no canteiro da Pedro II, entre lixeira, bancos e vegetação.......................................................................................................................219 Figura 126 – Participante nº 7 encontrando um mapa da área e sem acessibilidade.......220 Figura 127 ‒ Participante nº 7 fazendo caminho de volta pelo Beco Catarina Mina.........221 Figura 128 – Recorte espacial no CHSL, participante nº 8, percurso de ida e volta..........222 Figura 129 - Participante nº 8 iniciando seu percurso no Odylo.......................................223 Figura 130 – Participante nº 8, no percurso da Feira à Praça Nauro Machado................224 Figura 131 ‒ Participante nº 8 caminhando em direção à Defensoria Pública e à Feira...224 Figura 132 – Participante nº 8 diante do mapa em frente à Feira.....................................225 Figura 133 – Participante nº 8 explorando o piso tátil da Feira da Praia Grande..............226 Figura 134 – Participante nº 8 na calçada da Feira sentido Escola de Capoeira..............226 Figura 135 - Participante nº 8 passando pelos Museus do Reggae e da Gastronomia....227 Figura 136 – Participante nº 8 encontrou escada na calçada da Rua da Estrela..............228 Figura 137 - Participante nº 8 procurando identificar bancos e lixeiras............................229 Figura 138 ‒ Participante nº 8 caminhando em direção aos Palácios de Lá Ravardière e Palácio dos Leões...........................................................................................................230 Figura 139 – Participante nº 8 no local onde as pessoas costumam apreciar a vista.......231 Figura 140 ‒ Participante nº 8 voltando pelo Beco Catarina Mina, parada na escadaria..232 Figura 141 ‒ Uso de tecnologia assistiva e sistemas da informação...............................233 18 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Acessibilidade – Legislação e Normas...............................................................56 Tabela 2: Preservação do Patrimônio – Legislação e Normas.........................................60 Tabela 3: Participantes por características da deficiência visual.....................................110 Tabela 4: Escolaridade, uso de tecnologias e deslocamento de PcDV..........................114 Tabela 5: Como as PcDV são vistas e como gostariam de ser vistas............................116 Tabela 6: Pessoas com Baixa Visão – significado de acessibilidade e avaliação de espaços requalificados....................................................................................................118 Tabela 7: Pessoas Cegas – significado de acessibilidade e avaliação de espaços requalificados..................................................................................................................120 Tabela 8: Pessoas com Baixa Visão – dificuldade no deslocamento.............................121 Tabela 9: Pessoas Cegas – dificuldade no deslocamento..............................................122 Tabela 10: Pessoas com Baixa Visão – deslocamento, uso e habilidades.....................123 Tabela 11: Pessoas Cegas – deslocamento, uso e habilidades......................................125 Tabela 12: Pessoas com Baixa Visão – PcDV deixa de fazer, locais que mais frequenta e que não frequenta...........................................................................................................127 Tabela 13: Pessoas Cegas – PcDV deixa de fazer, locais que mais frequenta e que não frequenta.........................................................................................................................128 Tabela 14: Pessoas com Baixa Visão – barreiras físicas, comunicacionais e atitudinais.130 Tabela 15: Pessoas Cegas – barreiras físicas, comunicacionais e atitudinais...............132 Tabela 16: Pessoas com Baixa Visão – pontos positivos, pontos negativos e sugestões134 Tabela 17: Pessoas Cegas – pontos positivos, pontos negativos e sugestões..............136 Tabela 18: Participantes do Passeio Acompanhado e independência no recorte espacial da pesquisa.....................................................................................................................148 Tabela 19: Percurso de ida e volta no recorte espacial da pesquisa..............................234 Tabela 20: Sugestões de melhorias................................................................................237 19 Sumário 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 21 1.1. Trajetória .................................................................................................................................................................. 22 1.2. Contextualização ao Tema ........................................................................................................................... 25 1.3. Questão da Pesquisa ....................................................................................................................................... 30 1.4. Hipótese .................................................................................................................................................................... 30 1.5. Objetivo ..................................................................................................................................................................... 30 1.6. Estrutura da Tese ............................................................................................................................................... 31 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................................................................................... 33 2.1. Pessoa com Deficiência Visual e Acessibilidade ......................................................................... 34 2.1.1. Percepção Espacial, Orientação e Mobilidade da PcDV ....................................................... 38 2.1.2. Processo Histórico de Construção de Direitos e Luta por Acessibilidade .................... 41 2.1.3. Referências no Apoio à Inclusão Educacional e Social da PcDV ..................................... 46 2.2. Ações e Políticas de Acessibilidade em Centros Históricos ................................................ 55 2.2.1. Referência Técnica e Normativa ......................................................................................................... 55 2.2.2. Exemplos de Centros Históricos em Diferentes Partes do Mundo ................................... 64 2.2.3. Experiências Brasileiras de Centros Históricos Acessíveis .................................................. 68 2.2.4. Plano Nacional de Cultura e Plano Viver Sem Limites ........................................................... 74 2.2.5. São Luís sob a Perspectiva das Políticas e Ações Inclusivas ............................................ 77 2.3. Acessibilidade e Tecnologia para Pessoas Com Deficiência ............................................... 88 2.3.1. Tecnologia Assistiva em Espaços Culturais à Pessoa com Deficiência Visual no Brasil 90 2.3.2. Tecnologia Assistiva para Pessoas com Deficiência Visual no Centro Histórico de São Luís: o que foi feito ............................................................................................................................................... 92 3. MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................................... 95 3.1. Característica do Estudo ............................................................................................................................... 96 3.2. Revisão da Literatura ....................................................................................................................................... 96 3.3. Questões Éticas .................................................................................................................................................. 98 3.4. Característica da Amostra ............................................................................................................................ 99 3.5. Procedimento de Amostragem .................................................................................................................. 99 3.6. Protocolos para Coleta de Dados ......................................................................................................... 102 3.7. Procedimentos de Coleta de Dados ................................................................................................... 104 20 3.7.1. Procedimentos da Primeira Etapa da Coleta de Dados – Entrevista ........................... 104 3.7.2. Procedimentos da Segunda Etapa da Coleta de Dados – Passeio Acompanhado 105 4. RESULTADOS E ANÁLISES ........................................................................................... 108 4.1. Resultado das Entrevistas ........................................................................................................................ 109 4.2. Análise das Entrevistas ............................................................................................................................... 138 4.3. Resultados do Passeio Acompanhado ............................................................................................. 140 4.4. Análise do Passeio Acompanhado ...................................................................................................... 233 5. RECOMENDAÇÕES .......................................................................................................... 246 5.1. Quanto às barreiras físicas ....................................................................................................................... 247 5.2. Quanto às barreiras comunicacionais .............................................................................................. 252 5.3. Quanto às barreiras atitudinais .............................................................................................................. 255 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 256 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................... 264 ANEXO ......................................................................................................................................... 273 Anexo 1 – Parecer consubstanciado do CEP ................................................................................................... 273 Apêndice 2 – Formulário de Identificação ........................................................................................................... 277 Apêndice 3 - Roteiro de Entrevista .......................................................................................................................... 279 Apêndice 4 – Visita Técnica à Fundação Dorina Nowill ............................................................................... 280 Apêndice 5 – Visita Técnica à Instituição Laramara ...................................................................................... 281 Apêndice 6 – Visita Técnica à ASDEVIMA ......................................................................................................... 281 Apêndice 7 – Visita Técnica ao CAP ...................................................................................................................... 282 Apêndice 8 – Pesquisas selecionadas .................................................................................................................. 283 21 1. INTRODUÇÃO 22 1.1. Trajetória Esta pesquisa resulta de um processo de diversas aproximações com o tema “CENTRO HISTÓRICO DE SÃO LUÍS E ACESSIBILIDADE: estudos e propostas para inclusão de pessoas com deficiência visual”. Orientada sob a perspectiva da observação, participação e inclusão, a construção do objeto de pesquisa para o doutorado se deu dentro de um processo de amadurecimento teórico e metodológico que teve por intencionalidade associar as trilhas já iniciadas em distintas etapas da formação acadêmica e da atuação profissional em um mesmo caminho. Como parte fundamental que conduziria à delimitação do recorte espacial e objetivos da pesquisa, tratou-se de identificar e contatar grupos de Pessoas com Deficiência ‒ PcD do Estado do Maranhão por meio de redes e movimentos representativos que reclamam seus direitos, bem como representantes de instituições públicas e Organizações Não Governamentais ‒ ONGs cuja atribuição é a defesa e promoção de direitos de PcD. No entanto, o interesse em pensar o design a serviço do atendimento de demandas das necessidades de PcD surgiu na década de 1990. Ao desenvolver o trabalho de conclusão da graduação com o tema “Acessório facilitador de mão para digitação”, um projeto de Tecnologia Assistiva ‒ TA, voltado para uma moradora do Centro Histórico de São Luís ‒ CHSL e usuária de cadeira de rodas, se estabeleceram os contatos iniciais com PcD, através do Centro de Vida Independente ‒ CVI. À época o trabalho como técnica, no Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Maranhão – DPHAP-MA permitia refletir sobre diversas nuances daquele recorte territorial. A pesquisa realizada no mestrado de Arquitetura e Urbanismo, “Ações educativas e práticas preservacionistas no Centro Histórico de São Luís”, apontou, dentre as conclusões, que práticas preservacionistas vão desde a conservação de bens pelo Estado até a conservação integrada e gestão compartilhada, visando à proteção e à 23 requalificação através de processo democrático e inclusão social; que a educação patrimonial reclama a integração das instituições de preservação, universidade e comunidade; que muitas ações educativas ocorreram em São Luís, onde os instrumentos variavam de acordo com o público, o conteúdo, a linguagem e o objetivo (COSTA, 2016). É relevante salientar que entre as diversas ações educativas e práticas preservacionistas, sejam voltadas à divulgação, informação, marketing turístico ou orientação técnica, não contemplam a inclusão de PcD, nem favorecem acessos deste público a informações sobre o patrimônio e centro histórico, tampouco buscaram promover acessibilidade física e atitudinal, ações que poderiam contribuir para facilitar os deslocamentos e o consumo de produtos culturais, de lazer e de entretenimento. Tomando como base esse percurso, esta pesquisa de doutorado reuniu as duas temáticas, ou seja, CHSL e PcD, com foco na Pessoa com Deficiência Visual ‒ PcDV. Foi vislumbrado o desenvolvimento desta com a aproximação e vivência com PcD, dando seguimento ao trajeto iniciado. Nessa perspectiva, começou-se a frequentar algumas reuniões, eventos e rodas de conversa de movimentos de PcD desde o ano de 2016. A atuação como observadora participante em atividades promovidas tanto por movimentos sociais, ONGs – Organizações Não Governamentais, quanto agendadas pelas instituições públicas, contribuíram para melhor compreensão sobre os aspectos direta e indiretamente relacionados ao tema desta pesquisa. Nessa perspectiva, vale frisar reuniões e eventos, em lugares diversos como: a Escola de Cegos do Maranhão – ESCEMA (2016); o Projeto Inclusive Praia – Estação Inclusiva na Praia do Calhau (2017- 2019); a Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular – SEDIHPOP (2018); a II Mostra de Conhecimentos e TA de 16 a 20/10/2018, dentro da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia – SNCT: ciência para a redução das desigualdades – no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas ‒ SEBRAE (2018); a exposição “Eu sou mulher” – exposição fotográfica com modelos mulheres com deficiência – no Tribunal de Justiça do Maranhão – TJMA (2019); o Seminário de Acessibilidade 24 Cultural no Serviço Social do Comércio ‒ SESC, dentro do projeto Mãos à Obra (de 18 a 22/3/2019). Além de eventos na Biblioteca Pública Benedito Leite – BPBL (2019-2020); na Casa Josué Montello (2019); na Associação de Deficientes Visuais do Maranhão – ASDEVIMA (2019-2020); Centro Desportivo Maranhense de Cegos – CEDEMAC (2019) e Projeto Mãos à Obra no SESC (2021) com exposições inclusivas, peças teatrais e shows inclusivos. Ainda foram realizadas visitas técnicas à Fundação Dorina Nowill ‒ FDN e ao Instituto Laramara ‒ IL, ambos em 14/2/2020, na cidade de São Paulo. A finalidade foi conhecer a trajetória, os serviços desenvolvidos e as instalações das duas referências brasileiras na área. A pandemia da Covid-19 (2019-nCoV, causada pelo Coronavírus SARS-CoV-2), decretada pela Organização Mundial da Saúde ‒ OMS em março de 2020 (OMS, 2020) e amparada no Brasil pelo Decreto Legislativo N°06, de 20 de março de 2020 (Brasil, 2020), não permitiu a visita planejada com o mesmo objetivo ao Instituto Benjamin Constant – IBC, no Rio de Janeiro. O planejamento e a execução de uma atividade de troca de saberes e levantamento de demandas e percepções desses diferentes atores foram viabilizados por meio da formatação da “Ciranda Inclusiva, uma Roda de Conversa: Acessibilidade e Inclusão (2019) ” – projeto idealizado como passo inicial para delimitação desta pesquisa e realizado por meio de uma articulação proposta a um grupo de docentes e discentes do Departamento de Desenho e Tecnologia ‒ DEDET do curso de Design da Universidade Federal do Maranhão ‒ UFMA. A ideia, ao contrário do que estamos habituados, não era nós, enquanto acadêmicos e pesquisadores do assunto, chamarmos para dentro dos muros da universidade as PcD e representantes de instituições e entidades que os representam para falarmos, mas sim para ouvi-los; tal feito reverberou de forma bastante positiva. A realização da Ciranda visava levar a discussão para dentro da universidade e à criação da cultura não só de aproximação com o objeto de estudo ‒ PcD ‒ dos pesquisadores, mas de escuta. Foi um momento ímpar para a sensibilização e conscientização dos presentes quanto à importância de desenvolver projetos com a 25 participação da PcD desde o início, procurando entender suas necessidades e seus desejos para melhores resultados, pois o lema desse público é “nada sobre nós sem nós”. Pelo exposto, o projeto da Ciranda foi de fundamental importância não só para esta pesquisa, mas contribuiu para sensibilização da comunidade acadêmica, servindo como embrião para desenvolver outras atividades que vêm sendo realizadas por pesquisadores do Design. A partir daí, e com as alterações trazidas pela pandemia, continuou-se a participar de eventos acadêmicos e promovidos por movimentos da PcD no formato remoto, por meio de diversas lives sobre a temática acessibilidade e inclusão. 1.2. Contextualização ao Tema Segundo a OMS, aproximadamente 285 milhões de pessoas no mundo são cegas ou possuem Baixa Visão ‒ BV, e as principais causas da deficiência visual são os erros de refração não corrigidos (43%); catarata (33%) e glaucoma (2%) (OMS, 2014), sendo esta última a principal causa da cegueira. Ainda segundo a OMS, cerca de 70% da população cega apresenta algum resíduo visual, ou seja, percebem luz, sombra ou objetos em movimento, e somente cerca de 10% das pessoas declaradas cegas permanecem com a ausência da percepção de luz. De acordo com a Classificação Internacional de Doenças ‒ CID 10, são quatro os níveis de função visual: visão normal; visão subnormal (BV) moderada; BV grave e cegueira. Por seu turno, os dados estatísticos do Censo Demográfico de 2010 informam que 45,6 milhões de pessoas, ou seja, 23,9% da população brasileira se declara com algum tipo de deficiência (visual, auditiva, motora e mental ou intelectual), destas, a maior parte se declara PcDV, afetando 18,6% da população (IBGE, 2010). O governo federal lançou uma Nota Técnica 01/2018 – Releitura dos dados de PcD no censo demográfico de 2010, à luz das recomendações de Washington. Essa nota atualiza os dados de prevalência de deficiência. De acordo com essa releitura, o número 26 de PcD no Brasil cai de 23,9% para 6,7%, mascarando a realidade no quantitativo de PcD, contando só com as deficiências mais severas. A Nota alega que o censo de 2010 levou em consideração todos que usavam óculos a partir de um determinado grau. O censo de 2010 contempla a deficiência visual do nível leve ao severo, enquanto a referida nota técnica corrobora com o governo atual que é mínimo em relação a investimentos na ampliação da oferta de TA pelo Sistema Único de Saúde ‒ SUS. Assim, neste trabalho não foi considerada a nota técnica em questão, inclusive porque não houve um novo censo para corroborar com a nota (SASSAKI, 2020). Os dados do censo de 2010 mencionados acima anunciam a necessidade de adoção de medidas com vistas a garantir direitos às PcDV. Em relação ao direito à acessibilidade cultural, a Constituição Federal – CF de 1988 determina que é obrigação do Estado “facilitar o acesso aos bens e serviços coletivos, como a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos” (art. 227, §1°) e que “a lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas com deficiência” (227, § 2º) (BRASIL, 2006, p. 142). Essas garantias constitucionais apontam para a acessibilidade dos espaços públicos urbanos, espaços culturais, bem como centros históricos. Nota-se, no entanto, a relação dicotômica entre Centros Históricos – CH e acessibilidade em muitas situações em diversas cidades no Brasil e no mundo. Ambos os temas são amparados por leis, entretanto muitos pontos elencados na legislação da acessibilidade conflitam com aquelas que amparam as leis de preservação patrimonial, enquanto isso as PcD reclamam seus direitos, inclusive o direito de ir e vir, segundo o art. 5º, da CF de 1988 (BRASIL, 2006). Entre as abordagens sobre o patrimônio algumas recomendam intervenções com utilização de materiais e técnicas originais. Outras recomendam intervenções com 27 distinguibilidade entre o antigo e o novo, utilizando materiais de fácil remoção, possibilitando futuras intervenções com novos materiais e tecnologias. Desde Ruskin até Brandi, são discutidas melhores formas de intervir para a preservação. Atualmente parece haver um consenso quanto a chamada restauração crítica - importância de sempre observar os conceitos de distinguibilidade e de reversibilidade nas intervenções com a utilização de materiais para a preservação (CHOAY, 2006). Estas abordagens foram incorporadas a algumas cartas patrimoniais adotadas inclusive pelo Brasil. O recorte espacial da pesquisa abrange o bairro da Praia Grande e a Av. Pedro II, compreendendo a área mais antiga do centro histórico e Patrimônio Mundial pela UNESCO desde 1997. Quanto à questão da acessibilidade, a tese foca em diversas barreiras, conforme definição da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ‒ LBI da PcD, pois foram as mais citadas pelas pessoas com deficiência visual entrevistadas. Portanto, além dos obstáculos físicos, há um conjunto de situações que envolvem atitudes e comportamentos que impedem o acesso de pessoas com deficiência nesses locais. Conforme dispõe o art. 3º, da Lei nº 13.146, de julho de 2015 (Lei Brasileira de Inclusão), consideram-se: a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo; b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados; d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação; e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas. (BRASIL, 2017, p.69) As soluções para os problemas de acessibilidade física podem ser encontradas aplicando-se a NBR 9050/2020 – que trata da acessibilidade a edificações, mobiliário, 28 espaços e equipamentos urbanos; e que segue os preceitos de Desenho Universal ‒ DU enquanto “concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico”, somando-se a Tecnologia Assistiva – TA enquanto área que engloba elementos, produtos, instrumentos, equipamentos, recursos tecnológicos e serviços, como favorecedores da funcionalidade ou realização de atividades por PcD, mobilidade reduzida, promovendo a autonomia pessoal (BRASIL, 2009a). A TA também é conhecida como Tecnologia de Apoio ou Ajudas Técnicas em diferentes países com predominância do termo TA em países de língua inglesa (BRASIL, 2009a). Na busca por soluções aos problemas de acessibilidade, deve-se considerar ainda o Design Inclusivo ‒ DI, na perspectiva da diversidade humana e da inclusão social. Nesse sentido, é fundamental inserir a PcD nas etapas do projeto, do início ao término, de forma colaborativa, a fim de obter melhores resultados quanto à eficiência do produto ou serviço oferecido para o público-alvo, considerando-se ainda o lema da pessoa com deficiência que é “Nada sobre Nós sem Nós” (SASSAKI, 2007, p.20-30). Segundo Sassaki (2009), o termo acessibilidade diz respeito aos aspectos físicos, cognitivos e atitudinais, sendo seis as suas dimensões – arquitetônica (físicas), comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal. Já Maior (2018), sem se distanciar desta perspectiva, explica uma sociedade inclusiva como “aquela capaz de promover e defender direitos das PcD como faz para todos os seus cidadãos” (MAIOR, 2018, p. 109). A análise das barreiras impostas às pessoas cegas e com baixa visão no CHSL, devido à falta de condições ideais de acessibilidade, ao mesmo tempo que evidencia violação de direitos e requer ação dos governos para intervenções adequadas também sinaliza para a necessidade de mudanças culturais e aponta caminhos para o encontro de soluções seguras, eficientes e acessíveis, para autonomia, independência, equiparação de oportunidades e inclusão social à PcDV. A relevância desta pesquisa se dá por ser um 29 assunto ainda pouco estudado e menos ainda resolvido do ponto de vista das particularidades do ambiente cultural, deixando uma lacuna digna de ser aprofundada. Foram encontradas pesquisas de mestrado e doutorado sobre Centro Histórico de São Luís e Acessibilidade (RIBEIRO, 2008; PAIVA, 2009; CUNHA, 2012; SANTOS 2018), entretanto nenhuma delas tratava desse público especificamente, justificando assim a importância da pesquisa em questão (APÊNDICE A7). A contribuição desta pesquisa se deu com o entendimento das estratégias utilizadas por PcDV em seus deslocamentos no CHSL, da escuta e através da participação dessas pessoas, pois, ao apontarem suas dificuldades, necessidades e desejos, em uma situação real, nos faz pensar junto com elas em alternativas para a promoção de acesso e usufruto ao centro histórico com segurança e autonomia. Assim, a pesquisa contribuiu identificando e analisando as condições de acessibilidade no recorte espacial, após conhecimento das demandas apontadas por pessoas com deficiência visual e percebidas in loco pelo observador, propondo recomendações para futuros trabalhos e o desenvolvimento de soluções em design universal, tecnologia assistiva para acesso de PcDV aos espaços públicos e atividades no centro histórico, considerando as diversas barreiras (especialmente as físicas, comunicacionais e atitudinais) e promovendo a acessibilidade em múltiplos formatos (desenvolvimento de produtos informativos em Braille, alto-relevo com letras ampliadas e contraste de cores para pessoas com baixa visão, áudio e táteis, com QR code acessível, telas interativas e outras tecnologias, audiodescrição, material informativo e educativo sobre o local e tudo que ali existe para atender a esse púbico, mas também material informativo e educativo para os videntes a fim de diminuir as barreiras atitudinais), na perspectiva de atender as individualidades e a diversidade humana construídas em processo colaborativo. Para alcançar os objetivos deste estudo, a pesquisa utilizou o multimétodos, revisão sistemática e assistemática da literatura (artigos, teses, dissertações, livros, 30 documentos – leis, normas, resoluções e diretrizes vigentes por órgãos de preservação do patrimônio, bem como os que asseguram os direitos das pessoas com deficiência), em contraponto a observação de estudos de caso que buscaram compreender a perspectiva da participação do público em questão. Foram aplicadas técnicas de identificação dos participantes, entrevistas semiestruturadas (BARDIN, 1977), passeio acompanhado (DISCHINGER, 2000), análise de conteúdo (BARDIN, 1977) e o registro audiovisual no capítulo 3 - Material e Métodos. 1.3. Questão da Pesquisa A pesquisa se constituiu a partir dos seguintes questionamentos e interesse de análise: Quais estratégias as PcDV utilizam para se deslocarem e usufruírem do CHSL? Como o design pode contribuir com essa inclusão? 1.4. Hipótese Pessoas com BV e pessoas cegas podem se deslocar e usufruir do CH com alguma segurança e autonomia, desde que seja dada a igualdade de oportunidade por meio de políticas públicas e intervenções adequadas, do DU, da TA, da escuta a PcDV em processos de decisão sobre essas, trabalhando em parceria com eles e não para eles. 1.5. Objetivo Objetivo Geral Analisar e avaliar as barreiras de acessibilidade impostas às pessoas com deficiência visual em seus deslocamentos e acessos aos espaços do centro histórcio de São Luís, a fim de propor intervenções que contribuam para um deslocamento com mais segurança e autonomia. 31 Objetivos Específicos I- Identificar quais limitações envolvem a relação entre patrimônio cultural edificado e as intervenções necessárias à acessibilidade de pessoa com deficiência visual; II- Mapear e analisar as barreiras de acessibilidade encontradas pelas pessoas com deficiência visual no recorte espacial da pesquisa; III- Compreender quais estratégias as pessoas com deficiência visual utilizam para se deslocarem e usufruírem do Centro Histórico de São Luís; IV- Propor recomendações de acessibilidade no recorte espacial da pesquisa, visando ao deslocamento com mais segurança e autonomia por pessoas com deficiência visual. 1.6. Estrutura da Tese Esta tese está estruturada em seis capítulos. O capítulo 1 - INTRODUÇÃO, traz a trajetória da autora corroborando com a justificativa do trabalho e a contextualização ao tema com base teórica, a questão da pesquisa, a hipótese, os objetivos, metodologia e estrutura da tese. No capítulo 2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA, constrói-se o alicerce teórico destacando a PcDV e acessibilidade, conceitos de percepção espacial, orientação e mobilidade; faz-se uma abordagem histórica de ações e políticas de acessibilidade até a contemporaneidade e em centros históricos. O capítulo 3 - MATERIAL E MÉTODOS esclarece as características da pesquisa e questões éticas, as características da amostra, os protocolos e procedimentos utilizados nas entrevistas enquanto primeira etapa da coleta de dados e no passeio acompanhado como segunda etapa da coleta, os métodos e ferramentas utilizados. 32 No capítulo 4 - RESULTADOS E DISCUSSÕES, são revelados os resultados das entrevistas e passeios acompanhados, interpretados com métodos qualitativos da análise de conteúdo. O capítulo 5 - RECOMENDAÇÕES, sugere às próximas pesquisas sobre o tema a realização do passeio acompanhado com as mesmas pessoas em diferentes turnos do dia e dos dias da semana; o conhecimento prévio do recorte espacial e por PcDV que não frequentam o lugar; e desenvolvimento de projetos de design da informação, para a educação e com a tecnologia assistiva na perspectiva de quebra das barreiras físicas, comunicacionais e atitudinais. No capítulo 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS, tem-se um balanço geral das relações que vêm se estabelecendo entre a proteção do centro histórico, a acessibilidade das pessoas com deficiência visual e de que modo as ferramentas que promovem a quebra de barreiras podem tornar possível para a PcDV o deslocamento e usufruto do ambiente histórico com mais segurança e autonomia mantendo a sua harmonia. 33 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 34 Este capítulo apresenta noções conceituais adotadas pela pesquisa, das quais se destacam: deficiência visual, acessibilidade, centro histórico, desenho universal, tecnologia assistiva, design inclusivo, percepção espacial, orientação, mobilidade e design participativo. A referência à fundamentação teórica que orienta a construção do trabalho da tese mostra-se essencial à análise dos dados em capítulos posteriores. 2.1. Pessoa com Deficiência Visual e Acessibilidade Inicialmente, é importante frisar que a deficiência é um conceito em evolução, como afirma a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ‒ CDPD, da ONU, aprovada em Nova York em 2007, ratificada pelo Estado brasileiro por meio do Decreto nº 186, de 2008, culminando na Lei Brasileira de Inclusão – LBI, Lei nº 13.146/2015. Trata- se de uma construção histórica, marcada por distintos paradigmas que se alteram com o passar do tempo e disputa de domínio de determinada abordagem. Nesse decurso, pessoas com deficiência já foram consideradas e nominadas como inválidas, deficientes, excepcionais, portadoras de deficiência e especiais, sendo a partir de 1990 chamadas Pessoa com Deficiência ‒ PcD (SASSAKI, 2003). Apesar de ser comum a opinião pública confundir, a deficiência não é uma doença. Essa compreensão, que conforme Maior (2018) está associada a um modelo biomédico e de integração social, que coloca a deficiência “como consequência de doença ou acidente, gerando alguma incapacidade a ser superada” (2018, p. 115), é superada, à medida que se afasta das discussões centradas no modelo social (SASSAKI, 1997); esse contexto social, noção afirmada por essa comissão, é o maior avanço em termos conceituais que foi alcançado até aqui. A deficiência, de acordo com a CDPD, “resulta da interação entre PcD e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (BRASIL, 2009a; BRASIL, 2017, p.17-18). 35 Segundo a LBI (lei nº 13.146/2015), PcD são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2017). Maior (2018) chama atenção que nem a legislação brasileira, nem as políticas públicas do país traduzem os avanços dos textos internacionais contemporâneos adotados pela ONU. Em que pese a grande evolução, as ações do Estado, segundo a autora, alinham-se aos parâmetros da OMS que utilizam a classificação internacional na categorização da deficiência e “persiste com a definição de deficiência e incapacidade estritamente restrita sobre as limitações do corpo” (MAIOR, 2018, p.112). Se a noção de deficiência está associada e “resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (BRASIL, 2017 p.17-18), segundo a CDPD, é possível duas conclusões sobre deficiência: i) ela não se limita ao corpo de uma pessoa; ii) ela não aceita generalização, ao contrário, aponta a necessidade de compreender a diversidade desse público e das demandas decorrentes dessa diversidade. No que tange a deficiência visual, deve-se observar que a CID-10 define quatro níveis de função visual: visão normal; visão subnormal ou Baixa Visão BV moderada; BV grave e cegueira, a partir daí classifica os possíveis níveis de comprometimento da capacidade visual ou acuidade visual (SOCIEDEDE BRASILEIRA DE VISÃO SUBNORMAL, 2010, p. 10-15), ou seja, “capacidade de reconhecer com precisão e nitidez os detalhes dos objetos na relação de seu tamanho e distância em relação ao observador” (LOPES, 2010, p.75). 36 A pessoa com BV, e grau de comprometimento visual 1, possui acuidade visual1 entre 6/18 (metros) ‒ a pessoa enxerga a 6 metros o que uma pessoa com visão normal enxergaria a 18 metros – e 6/60 (metros) – a pessoa enxerga a 6 metros o que uma pessoa com visão normal enxergaria a 60 metros. Em pés, essas frações correspondem respectivamente a 20/70 (pés) – a pessoa enxerga a 20 pés o que uma pessoa com visão normal enxergaria a 70 pés – e 20/200 (pés). A pessoa com BV e grau de comprometimento visual 2 possui acuidade visual 6/60 e 3/60 (metros), em pés, respectivamente 20/200 e 20/400 (pés) (SOCIEDEDE BRASILEIRA DE VISÃO SUBNORMAL, 2010). A pessoa cega possui grau de comprometimento visual de 3 a 4 com uma acuidade visual entre 3/60 (metros) e 1/60 (metros), ou seja, 20/400 (pés) e 5/300 (pés), até apenas a percepção da luz e ausência de percepção da luz. Quanto ao campo ou cone visual, ou seja, “espaço visto pelo observador através dos seus olhos” (LOPES, 2010, p.74-75). Segundo o Decreto nº 5.296/2004, a pessoa com BV possui acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica, tem campo visual entre 20º e 50º; e pessoa cega é quando há perda ou redução da capacidade visual em ambos os olhos em caráter definitivo e que não possa ser melhorada ou corrigida com tratamento cirúrgico, clínico e ou lentes, quando a soma do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º (BRASIL, 2004). Tanto a cegueira quanto a BV podem ser congênitas ou adquiridas. Quando uma pessoa nasce cega ou fica cega até os 5 anos de idade é considerado congênito, pois não pode utilizar a memória visual para suas construções mentais (ORMELEZI, 2000; QUEIROZ, 2014). A perda da visão após essa faixa etária é chamada de cegueira adquirida. Acessibilidade, conforme a lei nº 10.098/2000, art. 2º, é a “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e 37 equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida” (BRASIL, 2000). Sua ausência mostra-se de diferentes formas no cotidiano das pessoas com deficiência. Na acessibilidade física ‒ em terminais de ônibus; nos espaços públicos urbanos; nas praças; equipamentos urbanos; nas instituições; nas casas de cultura – museus, teatros; na acessibilidade comunicacional – na sinalização ‒ com atenção às pessoas cegas e às de BV; informação e serviços especializados para que à pessoa com deficiência visual possa acessar espaços, atividades e bens culturais com independência, autonomia e equiparação de oportunidades ‒ textos em Braille, alto-relevo, letras ampliadas, lupa, vídeos com legenda para BV, telas interativas e outras TA, material informativo e educativo sobre o próprio centro histórico e tudo que ali existe em formato acessível para pessoas com e sem deficiência, acessibilidade atitudinal, construído em processo colaborativo com as pessoas com deficiência, no sentido de desmistificar estereótipos, eliminar preconceitos, sensibilizar a população vidente ‒ no Centro Histórico, comerciantes, empregados e visitantes ‒, na perspectiva da inclusão desse público; na acessibilidade instrumental – com adequação nos aparelhos, equipamentos, utensílios, ferramentas, computadores e outros dispositivos que permitam o acesso em múltiplos formatos visando à igualdade de oportunidades. De certa forma, a acessibilidade metodológica está presente também nas outras dimensões de acessibilidade, considerando que se trata de substituir formas tradicionais do fazer através de adequação de métodos e técnicas e que podem ser aplicados para qualquer dimensão da acessibilidade. Quanto à acessibilidade atitudinal – quebra de capacitismo, preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações em relação à PcD por meio da sensibilização e conscientização da sociedade vidente – apesar de ser uma dimensão comportamental, de certo modo, esse tipo de acessibilidade está presente nas demais e pode se materializar de diversas formas na concretização de atitudes acessíveis, 38 como na elaboração de material informativo/educativo para os videntes. Tais intervenções envolvem a investigação das barreiras de toda ordem e seus impactos na vida das PcD, no caso desta pesquisa das pessoas com deficiência visual. 2.1.1. Percepção Espacial, Orientação e Mobilidade da PcDV A percepção visual consiste em um conjunto de processos psicológicos através dos quais as pessoas reconhecem, organizam e interpretam os estímulos do ambiente e enviam ao cérebro, dando significado às sensações recebidas, formando então uma espécie de mapa mental. Segundo Gibson (1966), são cinco os sistemas perceptivos: orientação, audição, tato, olfato-paladar e visão, em que o sistema de orientação tem como órgão receptor o labirinto, situado no ouvido, este capta a força da gravidade e o deslocamento corporal, sendo responsável por manter a posição vertical e o equilíbrio corpóreo (GIBSON, 1966; DISCHINGER, 2000; QUEIROZ, 2014). Este sistema oferece estabilidade aos outros sistemas perceptivos e define referências. Segundo Lora (2003), o sistema de orientação é a união de sistemas conhecidos como: cinestésico/proprioceptivo – proporciona consciência da posição e movimentos do próprio corpo; memória muscular ‒ repetição de movimentos que se converte em movimentos automáticos; vestibular/labiríntico – possibilita informações sobre posição do corpo e componentes rotatórios e lineares dos movimentos sobre um eixo em graus, como perceber uma curva a tantos graus. No sistema auditivo, o ouvido capta vibrações do ar, localização sonora e percepção da natureza (GIBSON, 1966). Ele permite compreender sons externos e localização individual em relação aos sons (DISCHINGER, 2000) e alteração do som em relação a ambientes abertos ou fechados. Já o sistema háptico/tato, permite por meio do contato direto da pele a percepção de formas, tamanho, texturas e temperatura tanto dos objetos quanto dos ambientes. No sistema gustativo-olfativo as cavidades receptoras oral e nasal são responsáveis pela distinção química, física e cheiro dos alimentos (GIBSON, 39 1966). Através do olfato, a pessoas com deficiência visual diferencia odores na cidade facilitando sua orientação, como exemplo lojas com cheiros característicos. Quanto ao sistema visual, é responsável pela captação de luz, formas e cores (GIBSON, 1966). É através do conjunto dos sistemas perceptivos que percebemos o espaço de forma geral, ainda que a visão se sobreponha aos demais sentidos – por registrar de modo imediato e simultaneamente as formas, as distâncias e profundidade (DISCHINGER, 2000). Essas referências teóricas fazem compreender que, independentemente da visão, o espaço pode ser percebido através de outros sentidos e sensações, tais como: ouvindo e diferenciando sons produzidos pelo movimento do próprio corpo; sentindo onde pisa; localizando-se e reconhecendo atividades e eventos por seus sons; por meio do toque, reconhecendo formas, texturas, materiais, temperaturas – o calor do sol, o vento ‒, por meio do olfato, pode-se perceber o cheiro (DISCHINGER, 2000). Vale frisar que além das pessoas com BV, a maior parte das pessoas cegas possuem algum resíduo visual, com percepção de luz e vultos. A visão para elas continua sendo importante, pois os pontos luminosos e objetos coloridos tornam-se pontos de referência. Por meio da audição, a PcDV percebe distância e profundidades dos ambientes, ajudando em sua orientação. E através do tato/pele, as pessoas cegas conseguem informações para sua orientação, podem conhecer os objetos e o mundo. Assim, conseguem desenvolver habilidades para distinguir espaços cobertos ou fechados; sombras por árvores ou edificação; o movimento do ar percebido por meio da pele, possibilitando a percepção de abertura de vãos, término de corredores, saída de um ambiente, esquina de uma rua (LORA, 2003), o ar mais abafado próximo de uma parede. Apesar de envolver múltiplos sentidos, a compreensão de espaços, ambientes e grandes objetos acontecem de forma fragmentada e também por meio da combinação das diversas informações que recebe por diferentes sentidos até conceber uma imagem mental do espaço. Para tanto é exigido da PcDV maior atenção aos sentidos remanescentes, processo que consequentemente resulta na apuração destes. 40 A orientação espacial também se desenvolve a partir da percepção ambiental, onde a pessoa com deficiência visual se localiza no espaço e se situa em relação ao contexto daquele ambiente (DISCHINGER; BINS ELY, 2010). Considerando que orientar-se pode ter diferentes significados ‒ caminhar na direção desejada, reconhecer elementos no ambiente, ler mapa – e para além da mobilidade requer “uma compreensão básica de situações espaço-temporais e de relações espaciais em contextos físicos diferenciados” (DISCHINGER; BINS ELY, 2010, p. 98). “Todo cidadão possui numerosas relações com algumas partes da sua cidade e a sua imagem está impregnada de memórias e significações” (LYNCH, 1960, p. 11). Segundo o autor, para que haja qualidade do ambiente visual da cidade e formação da sua imagem mental pelas pessoas, é necessário considerar a orientação espacial, por meio de referenciais ‒ pessoas em suas atividades, partes físicas, delimitação de vias, mapas, nomes de ruas e sinalização (LYNCH, 1960; QUEIROZ, 2014). Enfim, além dos múltiplos modos de orientação fornecidas pelo ambiente ‒ cores, formas, movimento, luz ‒, para que a cidade tenha qualidade, e possa oferecer segurança, os sentidos ‒ o olfato, a audição, o tato, a cinestesia e noção da gravidade ‒, são fundamentais na promoção de um deslocamento fácil e experiências agradáveis (LYNCH, 1960). Lynch acredita na cidade como resultado de um trabalho interdisciplinar e da percepção por todos os sentidos, assim deve considerar atributos da identidade e imagem mental. O mapa é uma estratégia para conhecer geograficamente o mundo, para previamente compreender um ambiente. Então deve ser claro, legível e deve-se economizar esforço mental (LYNCH, 1960). Para a PcDV, faz-se necessário o mapa tátil, com traçado e mais informações em alto-relevo, além do Braille para a pessoa cega, e deve contar com cores contrastantes para a pessoa com BV, além de ser instalado considerando a norma, para ajudar na orientação espacial da PcDV (ABNT, 2020). De acordo com a NBR 9050, seção 5.4.2.1, “Os planos e mapas acessíveis são 41 representações visuais, táteis e/ou sonoras que servem para orientação e localização de lugares, rotas, fenômenos geográficos, cartográficos e espaciais” (ABNT, 2020, p. 46). Além de um espaço eficiente, capaz de oferecer muitas informações por meio dos diversos sentidos, na perspectiva de quebrar todo tipo de barreira, a pessoa com deficiência visual precisa passar por uma reabilitação para aprender técnicas de Orientação e Mobilidade – OM, a fim de conseguir autonomia, independência na sua locomoção e inclusão social. Na orientação, a PcDV estabelece sua própria posição no espaço e em relação aos objetos do ambiente, a mobilidade diz respeito à habilidade de se locomover com eficiência, conforto e segurança. Assim, a OM é a junção dos dois conceitos somados ao conjunto de sistemas perceptivos da PcDV. No treinamento de OM, a PcDV aprende estratégias para o uso da bengala, cão-guia, guia-vidente, auxílios eletrônicos enquanto TA e autoproteção – usando o próprio corpo e seus movimentos para se orientar e locomover (SILVA FILHO, 2017). 2.1.2. Processo Histórico de Construção de Direitos e Luta por Acessibilidade Historicamente as pessoas com deficiência foram segregadas do convívio social. Na antiguidade, eram vistas como castigo de Deus, eram sacrificadas, abandonadas ou exploradas. Em todas as culturas a sociedade passou por diversas práticas sociais, que estão presentes nas terminologias utilizadas sobre as deficiências, bem como no tratamento para com essas pessoas (SASSAKI, 2003), saindo da prática de exclusão social de PcD para a prática da integração social e, atualmente, adotada a inclusão social (SASSAKI, 1997) (Figura 1). A integração, conforme Maior (2018, p. 115), vincula-se ao modelo biomédico em que se busca a “normalização das pessoas com deficiência para atenderem padrões de desempenho e estética exigidos pela sociedade”. A inclusão, portanto, é um processo que historicamente vem retirando esse público da invisibilidade, de situações marginais e 42 discriminatórias, que o vinculava a estereótipos, e que insere a questão de PcD na pauta de direitos humanos, na qual a “convivência entre todas as pessoas pressupõe arranjos sociais com liberdade e igualdade de direitos e um acordo de mútua cooperação, racional e consciente” (MAIOR, 2018, p. 109). Figura 1: Evolução das práticas de inclusão de PcD na sociedade Fonte: Adaptado pela autora com base em Filosofia Hoje (2016) Descrição: imagem dividida em quatro quadros, com desenhos coloridos de pessoas, representando respectivamente da esquerda para a direta e de cima para baixo as palavras exclusão, segregação, integração e inclusão. A primeira escola destinada às pessoas cegas no mundo foi o Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris, inaugurada em 1784, onde o aluno Louis Braille criou, em 1829, o sistema que leva seu sobrenome. Tanto a criação da escola quanto o invento 43 significaram marcos na história da PcDV, pois propiciaram a abertura de novas escolas que adotaram o sistema Braille como método universal de ensino para esse público (FRANCO; DIAS, 2005). O segundo grande marco se deu após a Segunda Guerra Mundial e a partir do movimento pelos direitos civis das PcD, quando surgiram as discussões sobre a acessibilidade. A Organização das Nações Unidas – ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, visando garantir o respeito à dignidade humana. Com o avanço das discussões, foi assinada a Declaração dos Direitos da Pessoa com Deficiência por meio da Resolução ONU 2.542 de 1975, que busca assegurar o direito à dignidade da PcD, bem como a implantação de políticas públicas voltadas para esse público (DUNCAN, 2007; FRANCO; DIAS, 2005). É importante lembrar que a acessibilidade, assim como tantas outras políticas, resulta de lutas por direitos, e cabe ao Estado efetivá-los. Nessa perspectiva, o compromisso das políticas públicas com os direitos sociais decorre do fato de esses direitos terem como perspectiva a equidade e a justiça social, e permitirem à sociedade exigir atitudes positivas, ativas do Estado (PEREIRA, 2008). As reivindicações pelo direito de inclusão e acesso da PcD às diversas políticas públicas evidencia-se a partir da década de 1980, no contexto do processo constituinte e do surgimento de instituições que assumem essa pauta como bandeira de luta. Um marco reconhecido nesse trajeto para reconhecimento de direitos e necessidade de uma sociedade inclusiva foi o ano de 1981, estabelecido pela ONU como o “Ano Internacional da Pessoa com Deficiência”, em que foi adotado o lema “nada sobre nós sem nós” (SASSAKI, 2007, p. 23). Essa mobilização internacional gerou no Brasil, a “articulação de grupos organizados e dirigidos por pessoas com deficiência, cujo diferencial foi a representação pelas próprias pessoas com deficiência” (FERREIRA, 2012, p. 41). 44 A elaboração da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência se dá no contexto de participação dos movimentos sociais, tanto no Brasil como em outros países, junto a representantes de governo e especialistas. Essa Convenção, ressalta Maior (2018), é resultante de uma negociação que envolveu representantes de 192 países membros da ONU, com participação da sociedade civil. As mudanças de paradigmas sobre deficiência seguem junto ao processo de reconhecimento de direitos humanos de PcD, uma luta que Maior (2018) divide em duas fases: uma inicial em que o envolvimento e a condução do processo, por famílias e profissionais dedicados ao atendimento dos deficientes e, posteriormente, a participação direta das pessoas com deficiência, apoiadas por familiares e técnicos, que compreenderam a nova realidade. Em ambas, predominou a atuação das associações da sociedade civil (MAIOR, 2018, p. 107). A associação entre acessibilidade à PcD, arquitetura e design é um exercício que vem sendo feito desde a década de 1960, no âmbito internacional, quando nos Estados Unidos, a American National Standards Institute – ANSI estabeleceu o primeiro padrão de design acessível para as edificações. Enquanto isso, na mesma época surgiu na Suécia a primeira iniciativa que registra a contribuição dessa área de conhecimento para a inclusão de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e idosos. Já em meados da década de 1980, o arquiteto Ronald L. Mace, da Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos EUA, criou o termo Design Universal, que ficou conhecido na Suécia como Design Inclusivo e se propagou pela Europa como Design para Todos (EIDD, 2004; DUNCAN, 2007; CLARKSON; COLEMAN, 2013; FLETCHER et al., 2013). Na década de 1960, um grupo de PcD severa decidiu sair às ruas reivindicando seus direitos, também conhecidos como “Os Tetras Rolantes”, e com liderança de Ed. Robert, fundaram em 1972, em Berkeley, Califórnia (EUA), o primeiro Centro de Vida Independente – CVI. Tratava-se de uma ONG que contribuiu para que PcD severas 45 fizessem a experiência de viver com independência e autonomia em suas próprias casas, a partir da criação de recursos e serviços de apoio pessoais que elas precisavam 2 (SASSAKI, 2007). O CVI espalhou-se pelo mundo e chegou ao Brasil em 1988 (SASSAKI, 2007). Em São Luís-MA, o CVI foi criado na mesma época, no fim da década de 1980 ‒ funcionou nos bairros do Bequimão, São Francisco e São Raimundo e atualmente está desativado. Referindo-se à supressão das desigualdades sociais da PcD e de seu direito à acessibilidade cultural, a CF/88 impõe como obrigação do Estado “facilitar o acesso aos bens e serviços coletivos, como a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos” (art. 227, §1°). Também determina que a lei deve dispor “sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às PcD” (art. 227, § 2º). O Programa de Ação Mundial para pessoas com deficiência, de 1982, da ONU, agrega grande contribuição ao debate da inclusão de PcD, pois se coloca em oposição ao entendimento da incapacidade como um problema individual. Em definições, item 7, aquele documento a ONU afirma que a incapacidade ocorre quando essas pessoas se deparam com barreiras culturais, físicas ou sociais que impedem o seu acesso aos diversos sistemas da sociedade que se encontram à disposição dos demais cidadãos. Portanto, a incapacidade é a perda, ou a limitação, das oportunidades de participar da vida em igualdade de condições com os demais (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1982). A CDPD, aprovada em Nova York em 30/3/2007, foi incorporada, em grande medida, à Lei Brasileira de Inclusão – LBI, Lei 13.146 publicada em 6/7/2015. Em seu preâmbulo, esta lei define DU como “a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de 2 Disponível em: http://www.bengalalegal.com/c-v-i. Acesso em: 3 out. 2022. CRIP CAMP, documentário, 1h42min; direção: James LeBrecht, Nicole Newnham; lançamento mundial: jan.2020. 46 adaptação ou projeto específico”. Mas ressalta que “o desenho universal não excluirá as ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando necessárias” (BRASIL, 2017, p. 22). Já Design Inclusivo ‒ DI alinha-se à ideia de sociedade inclusiva, trabalha na perspectiva da individualidade de cada pessoa e na concepção de ambientes, produtos e serviços adequados à diversidade humana. Tem como principal objetivo contribuir para a inclusão social de todas as pessoas. O envolvimento da PcD nos projetos e as metodologias participativas são comuns nesse caso (SIMÕES, 2006). A noção de individualidade da PcD traz um elemento de reflexão sobre o deisgn universal e nesse sentido é preciso conciliar a noção de design inclusivo, de modo que ao estarem envolvidos na definição de soluções, seja relativizado. Importante notar que esta perspectiva do DU está presente nas legislações sobre direitos de pessoas com deficiência, mas deve-se pensar no generalizante e nas necessidades específicas. No Brasil existem três grandes centros de referência no apoio à inclusão educacional e social de PcDV, são eles, o Instituto Benjamin Constant ‒ IBC (1854), no Rio de Janeiro; o Instituto Laramara ‒ IL (1991) e a Fundação Dorina Nowill ‒ FDN (1946), estes dois últimos em São Paulo. Em São Luís existe a Escola de Cegos do Maranhão – ESCEMA (1967); o Centro de Apoio Pedagógico ao Deficiente Visual do Maranhão – CAP (2001); a Associação de Deficientes Visuais do Maranhão – ASDEVIMA (1984); o Centro Desportivo Maranhense de Cegos – CEDEMAC; Núcleo de Mulheres Cegas e Baixa Visão do Maranhão. A sede destes dois últimos atualmente funciona na ASDEVIMA. 2.1.3. Referências no Apoio à Inclusão Educacional e Social da PcDV Das três referências brasileiras de apoio à inclusão educacional e social ao desenvolvimento e autonomia da pessoa com deficiência visual, foram realizadas para esta pesquisa visitas técnicas, as duas localizadas em São Paulo, à FDN e ao IL, ambas no dia 14/2/2020. A finalidade foi conhecer a trajetória, os trabalhos desenvolvidos, as 47 instalações das duas referências brasileiras na área e fazer registro fotográfico. A pandemia da Covid-19 não permitiu a visita planejada, com o mesmo objetivo, ao IBC, no RJ. A FDN atende gratuitamente PcDV de todas as faixas etárias. Em sua recepção há um mapa tátil onde está situada a Fundação e seu entorno. No referido mapa encontram- se os principais pontos de referência para o deslocamento. As informações em contraste de cores atendem as pessoas de baixa visão e ajudam na orientação e localização, orientação e mobilidade das pessoas. O espaço é sinalizado, com piso podotátil, informações em Braille, alto-relevo e fonte ampliada (Figura 2). Figura 2: Mapa Tátil e sinalização podotátil interna do prédio da Fundação Dorina Nowill Fonte: Da autora (2019) No corredor há um painel com a linha do tempo das pessoas com deficiência visual no mundo e no Brasil, com a criação de instituições visando ao seu desenvolvimento e autonomia (Figura 3). Na sala de exposição ‒ painéis com temas diversos; recursos à PcDV; maquete tátil da exposição; livro falado e digital acessível; material de apoio; livros 48 em Braille; reglete 3 ; gravador; soroban 4 ; computador; bengalas e outro objetos do cotidiano. Na sala de produção gráfica são produzidos os livros em Braille com tecnologia de última geração e na sala de revisão de livros os revisores são sempre pessoas cegas (Figura 4). A Fundação fornece livros para instituições de todo o Brasil. Figura 3: Linha do tempo no painel da Fundação Dorina Nowill Fonte: Da autora (2019) Para a promoção e autonomia da PcDV, a Fundação possui salas de reabilitação e espaços que simulam ambientes como cozinha, lavanderia, quarto, escritório e área de lazer para crianças (Figura 5). O curso de OM e Atividade da Vida Diária – AVD, atualmente reconhecida como Práticas Educativas para a Vida Independente ‒ PEVI, habilita PcDV congênita ou reabilita pessoas com deficiência visual adquirida para uma vida independente. A visita foi finalizada na loja Dorina com produtos variados, inclusive da própria Fundação. 3 É um dos primeiros instrumentos criados para a escrita Braille. http://civiam.com.br/. Acesso em 17 de novembro de 2022. 4 Ábaco japonês de origem chinesa, antigo instrumento de calcular cujo nome deriva do grego “Abai” que significa tábua de contar. https://laramara.org.br/. Acesso em 17 de novembro de 2022. 49 Figura 4: Sala de exposição e Sala de Impressão da Fundação Dorina Nowill Fonte: Da autora (2019) Descrição: quatro fotos em mosaico, da esquerda para a direta e de cima para baixo as imagens sala de exposição com a maquete tátil, recursos à PcDV e sala de produção gráfica. No Instituto Laramara, a visita foi agendada por telefone e guiada pela psicóloga Ângela, apenas para duas pesquisadoras. Na recepção, uma trilha sensorial que nos foi apresentada somente ao final da visita. O instituto possui a única fábrica de máquina Braille da América Latina, onde são fabricados produtos educativos e de TA, desde 1996. O IL atende pessoas com deficiência e familiares de todas as faixas etárias gratuitamente e conta com funcionários com deficiência visual. Todo o prédio possui sinalização podotátil (Figura 6). 50 Figura 05: Simulação de ambientes internos e externos da Dorina Nowill Fonte: Da autora (2019) Figura 6: Trilha sensorial, piso podotátil atual e antigo do Laramara Fonte: Da autora (2019) Os móveis e demais objetos possuem informação em Braille, alto-relevo e fonte ampliada; nos trincos das portas, “pistas”; miniaturas sobre cada sala (Figura 7). O programa de atendimento especializado conta com: OM; Atividade da Vida Diária (Práticas Educativas para a Vida Independente); Braille; soroban; utilização funcional das percepções; soroban; inclusão escolar; sociocultural e lazer; área da piscina e recreação e loja de brinquedos inclusivos ‒ brincanto (Figura 8). 51 Figura 7: Porta com informação acessível e painéis informativos Fonte: Da autora (2019) Figura 8: Loja de brinquedos inclusivos do Laramara – brincanto e área da piscina e recreação Fonte: Da autora (2019 Em São Luís-MA, as referências de apoio à inclusão educacional e social para o desenvolvimento e autonomia de PcDV são: o CAP, a ESCEMA, a ASDEVIMA e o CEDEMAC. No Campus do Bacanga da UFMA, o Colégio Universitário – COLUN oferece cursos de: Braille; soroban e tecnologia assistiva. O Centro de Reabilitação da Pessoa com Deficiência – CE, no Olho D'água, oferece cursos de orientação e mobilidade e atividades como fitoterapia; hidroterapia e atendimentos médicos. 52 O CAP foi criado em 2001, faz atendimento educacional especializado a pessoas com deficiência visual matriculadas na rede de ensino e pessoas da comunidade. É referência na produção de material em Braille e formação continuada a PcDV para a sua inclusão social. Situa-se no bairro do Maranhão Novo, conta com uma equipe multidisciplinar de pedagogos, assistentes sociais, fonoaudióloga, professores cegos e videntes, tradutores e sempre revisores cegos. Oferece serviços de avaliação funcional da visão; avaliação pedagógica; avaliação multiprofissional; atendimento multiprofissional às famílias; cursos e oficinas pedagógicas para a comunidade em geral; reabilitação pedagógica; produção Braille; acompanhamento das escolas comuns e formação continuada de professores. Figura 9: Espaço lúdico e sala de Estimulação Essencial para crianças de 0 a 6 anos ‒ CAP Fonte: Da autora (2022) 53 São oferecidos ainda pelo CAP cursos de Estimulação Essencial; Sistema Braille; Métodos e Técnicas de Soroban; Práticas Educativas para uma Vida Independente – PEVI (antiga Atividade da Vida Independente); Técnica de orientação e mobilidade e tecnologia assistiva (Figura 9, 10 e 11). No CAP existe uma sala que simula ambientes de uma residência (Figura 10). Esses cursos habilitam à PcDV congênita ou reabilita PcDV adquirida para uma vida independente. Figura 10: Sala de PEVI e OM – CAP Fonte: Da autora (2022) A Escola de Cegos do Maranhão – ESCEMA, a escola filantrópica, foi fundada em 1967 pela professora Maria da Glória, mulher com deficiência visual. A escola se encontra no bairro do Bequimão, oferece ensino fundamental e regular, específica de cegos com inclusão de videntes, onde são oferecidos cursos de sistema Braille, alfabetização em Braille, soroban, OM, futebol de cinco, goalball, parquinho, internato, sala de produção Braille e salão para festividades. 54 Figura 11: Sala de tradutores e produção gráfica; e biblioteca – CAP Fonte: Da autora (2022) A Associação de Deficientes Visuais do Maranhão – ASDEVIMA, fundada em 1984 e reformada em 1997 ‒ é uma entidade filantrópica, uma ONG, situada no bairro do Bequimão. A visita técnica agendada por telefone e conduzida pelo então presidente, senhor Mayk Machado, no dia 17/3/2020, teve a finalidade de conhecer os trabalhos desenvolvidos e as instalações. No mesmo terreno localiza-se provisoriamente a sede do Centro Desportivo Maranhense de Cegos – CEDEMAC. São dois prédios, logo na entrada encontra-se a recepção da ASDEVIMA e na lateral do mesmo prédio uma rampa com acesso ao escritório do CEDEMAC. Em seguida o laboratório de informática, as salas para cursos de Braille e a sala de imprensa Braille. No outro prédio encontra-se o salão de reuniões e eventos, uma cozinha e arquivo com documentos em Braille e impressora (Figura 12). Vale ressaltar que as atividades desportivas do CEDEMAC (futebol de salão 55 – futsal; goalball; atletismos; judô; natação; xadrez; cursos de arbitragem e capacitação das modalidades esportivas) são descentralizadas e desenvolvidas em outros endereços. Figura 12: Laboratório de informática, salas de imprensa Braille, gráfica, reuniões, para cursos em Braille e biblioteca Fonte: Da autora (2020) 2.2. Ações e Políticas de Acessibilidade em Centros Históricos 2.2.1. Referência Técnica e Normativa A despeito do direito à liberdade de ir e vir expressa na Constituição Federal de 1988, e dos avanços conceituais e normativas legais que marcam conquistas das PcD, o livre acesso das pessoas cegas ou mesmo com baixa visão ainda não se efetivou. Fica assim demarcado que a relação entre patrimônio cultural edificado e acessibilidade ainda não foi resolvida. Observa-se, de um lado as iniciativas de preservação (Tabela 1) e de outro as garantias pelo direito à cidade e bens culturais pelas PcD (Tabela 2). 56 Tabela 1: Preservação de Patrimônio ‒ Legislação e Normas Ano Carta Patrimonial Preservação do patrimônio Intervenções Fonte 1931 Carta de Atenas Restauração e uso dos monumentos respeitando sua história e arte, a fim de não prejudicar estilo de época nenhuma. Materiais novos sempre reconhecidos como tais. IPHAN, 2004 1964 Carta de Veneza (Carta Internacional sobre Conservação e Restauração de Monumentos e Sítios) Toma por base o respeito aos materiais originais e autenticidade. A remoção de todo o monumento ou parte dele não pode ser tolerada, exceto quando sua salvaguarda o exigir ou quando o justificarem razões de grande int