FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA CÂMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE Programa de Pós-Graduação em Geografia Área de concentração: Produção do Espaço Geográfico Linha de pesquisa: Desenvolvimento Regional PADRÕES DE PRODUÇÃO E CONSUMO DE ENERGIA E A DINÂMICA TERRITORIAL DA INDÚSTRIA NO ESTADO DE SÃO PAULO: 1980 – 2009 Orientação: Prof. Dr. Everaldo Santos Melazzo Evandro Filie Alampi Presidente Prudente – SP Outubro de 2012 2 FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA CÂMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE EVANDRO FILIE ALAMPI PADRÕES DE PRODUÇÃO E CONSUMO DE ENERGIA E A DINÂMICA TERRITORIAL DA INDÚSTRIA NO ESTADO DE SÃO PAULO: 1980 – 2009 Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente- SP) para obtenção do título de Mestre em Geografia. Área de Concentração: Desenvolvimento Regional Orientador: Prof. Dr. Everaldo Santos Melazzo Presidente Prudente – SP Outubro de 2012 3 4 5 “Trabalhe, estude e ame como se estivesse brincando. Procure, lembre dos pontos divertidos do seu trabalho, estudo e relacionamento. Sobreponha os pontos positivos dos negativos. Mas lembre-se também que seu trabalho, estudo e relacionamento não são brincadeiras, dessas casuais, então trate-os com seriedade e responsabilidade. Exerça o paradoxo: Suave e Firme!” Robson Feitosa 6 AGRADECIMENTOS Reservo este espaço da dissertação para agradecer a todos àqueles que deram sua contribuição para que esta fosse realizada. A todos eles deixo aqui meus sinceros agradecimentos. Primeiramente gostaria de agradecer ao Professor Dr. Everaldo Santos Melazzo pela forma que me orientou desde a graduação até a finalização deste trabalho. Por muitas vezes teve de trocar momentos de descanso e lazer para pensar sobre nosso trabalho ou então para revisar o trabalho. Fico grato também pela liberdade de ação que me permitiu o que poucos orientadores estão dispostos, sendo esta decisiva para chegarmos a esta versão, bem como para que tal trabalho contribuísse para o meu desenvolvimento pessoal. Gostaria de agradecer também meus familiares pelo incentivo e, principalmente, paciência por às vezes ter de trocá-los pelos estudos. Um grande beijo para o meu pai Sergio Alampi Filho que me ajudou a encontrar o caminho da energia pela Geografia. Outro para a minha mãe Silvana Filie Alampi por seu companheirismo e sua maneira de ser, que hoje me tornou o que sou. E, outro para minha irmã Fernanda Filie Alampi que mesmo com nossas intrigas de infância se tornou uma grande amiga. Não poderia me esquecer de meus amigos, até porque eles iriam reclamar (como sempre fazem). Aos meus amigos de São José do Rio Preto: Daniel Tavanti, Luiz Heitor Whaiteman, Ricardo Tokoi e Renato Monserrat pelos momentos de descontração que desde pequenos até os dias de hoje passamos. Aos meus amigos de Presidente Prudente, das repúblicas Cavalo de Pau e Caxeta: Anderson Alberto, Anderson Menegassi, Alcides de Castro, Denilton Bergamini Jr., Eric Rafael, Fabrício Prol, Flávio Dalaqua, Guilherme Schiavolin, Maurício Schiavolin e Pedro Murara com os quais morei junto todos esses anos e dividi a experiência de saber lidar com as diferenças e, mesmo assim, continuando como grandes amigos. Agradeço também aos agregados das repúblicas que fazem parte desta lista de amigos de Prudente: Marcus Vinicius Tadeu, Luan Onuma, Henrique Oliveira, Mateus Fernandes, Heron Kamada, não podendo faltar a “digníssima” Mariana Ballarim. Aos professores Dr. Eliseu Savério Sposito e Dr.ª Maria Monica Arroyo por aceitarem participar da banca da qualificação e por contribuírem de forma significativa, com suas sugestões, para esta dissertação. Por último, mas não menos importante, gostaria de agradecer à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pelo apoio financeiro e para todos os funcionários da Seção de Pós-Graduação em Geografia da FCT/UNESP, pela forma simpática que sempre nos atenderam quando necessitamos. 7 SUMÁRIO ÍNDICE DE FIGURAS .................................................................................................. 8 ÍNDICE DE MAPAS ...................................................................................................... 8 ÍNDICE DE ESQUEMA ................................................................................................ 8 ÍNDICE DE QUADROS ................................................................................................ 8 ÍNDICE DE TABELAS ................................................................................................. 9 LISTA DE SIGLAS ...................................................................................................... 10 RESUMO ....................................................................................................................... 11 RESUMEN .................................................................................................................... 12 ABSTRACT .................................................................................................................. 13 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 14 1. ORIGEM E CONSOLIDAÇÃO DA ENERGIA NO BRASIL ......................... 27 2. INDÚSTRIA E ENERGIA NO ESTADO DE SÃO PAULO ............................ 39 3. ELEMENTOS PARA UMA GEOGRAFIA DAS FONTES DE ENERGIA NO ESTADO DE SÃO PAULO ......................................................................................... 63 3.1 – A Energia Elétrica na Produção Industrial Paulista ..................................... 63 3.2 – O Gás Natural na Produção Industrial Paulista ............................................ 70 3.3 – A Produção de Energia a partir da Cana-de-Açúcar na Produção Industrial Paulista ........................................................................................................................... 76 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 82 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 87 ANEXOS ....................................................................................................................... 92 8 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Evolução da Concentração das Usinas Hidrelétricas no Brasil, 1950 e 2000. ........................................................................................................................................ 64 Figura 2 – Gráfico do Consumo de Energia Elétrica Industrial entre os Anos de 1980, 1990, 2001, 2005 e 2008. ............................................................................................... 68 ÍNDICE DE MAPAS Mapa 1 – Estado de São Paulo: Localização das Fontes Energéticas, 2010. ................. 53 Mapa 2 – Estado de São Paulo: Localização das Unidades de Produção de Energia dos Membros da ABRACE, 2012. ........................................................................................ 61 Mapa 3 – Estado de São Paulo: Consumo de Energia Elétrica Industrial, 1980, 1990, 2001, 2005 e 2008. ......................................................................................................... 67 Mapa 4 – Estado de São Paulo: Áreas de Concessão e Distribuição de Gás Natural, 2010 ................................................................................................................................ 75 Mapa 5 – Estado de São Paulo: Potencial de Geração de Energia a partir da Biomassa de Cana-de-Açúcar, 2003 .................................................................................................... 79 Mapa 6 – Estado de São Paulo: Potencial Instalado de Geração de Energia a partir da Biomassa da Cana-de-Açúcar, 2010 ............................................................................... 80 ÍNDICE DE ESQUEMA Esquema 1 – Esquema Interpretativo para a Elaboração das Relações Indústria, Estado e Energia. ........................................................................................................................... 20 ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1 – Principais Fontes de Dados Utilizadas para a Análise Proposta ................. 24 Quadro 2 – Estado de São Paulo: Percentual da Participação do Consumo de Energia dos Gêneros Industriais, por Fonte, 1980, 1990, 2000, 2005 e 2009. ............................ 56 file:///C:/Users/Alampi/Downloads/Dissertação%20Evandro%20Alampi.docx%23_Toc348894694 file:///C:/Users/Alampi/Downloads/Dissertação%20Evandro%20Alampi.docx%23_Toc348894694 file:///C:/Users/Alampi/Downloads/Dissertação%20Evandro%20Alampi.docx%23_Toc348894742 file:///C:/Users/Alampi/Downloads/Dissertação%20Evandro%20Alampi.docx%23_Toc348894745 file:///C:/Users/Alampi/Downloads/Dissertação%20Evandro%20Alampi.docx%23_Toc348894745 file:///C:/Users/Alampi/Desktop/Dissertação%20Versão%206%20-%20Evandro.docx%23_Toc337579176 file:///C:/Users/Alampi/Desktop/Dissertação%20Versão%206%20-%20Evandro.docx%23_Toc337579176 file:///C:/Users/Alampi/Desktop/Dissertação%20Versão%206%20-%20Evandro.docx%23_Toc337579206 file:///C:/Users/Alampi/Desktop/Dissertação%20Versão%206%20-%20Evandro.docx%23_Toc337579206 9 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 - Potência Elétrica Instalada no Brasil (kW). .................................................. 28 Tabela 2 – Oferta Interna de Energia em 10³tep e percentual, 1940 – 1980. ................. 32 Tabela 3 – Oferta Interna de Energia em 10³tep e percentual, 1990 – 2009. ................. 36 Tabela 4 – Participação das regiões administrativas na atividade industrial paulista, segundo total de unidades locais e valor adicionado. 1996 e 2001 ................................ 49 Tabela 5 – Estado de São Paulo: Percentual da Participação do Setor Industrial no Consumo de Energia, 1980, 1990, 2000, 2005, 2008 e 2009. ........................................ 52 Tabela 6 – Estado de São Paulo Participação do Consumo de Energia Industrial por Gênero, 1980, 1990, 2000, 2005 e 2009. ........................................................................ 55 Tabela 7 – Estado de São Paulo: Relação dos Proprietários, Potência, Localização e Tipo de Energia Produzida por Parte dos Membros da ABRACE, 2012. ...................... 60 Tabela 8 - Estado de São Paulo: Percentual de Participação dos 20 Municípios Maiores Consumidores de Energia Elétrica Industrial, 1980 e 2008. .......................................... 65 Tabela 9 – Estado de São Paulo: Percentual do Consumo de Energia Elétrica Industrial das Regiões Administrativas em Relação ao Total, 1980, 1990, 2001, 2005 e 2008. .... 69 Tabela 10 – Estado de São Paulo: Relação dos 15 Municípios que Mais Consumiram Gás Natural no Setor Industrial em 2006. ...................................................................... 71 Tabela 11 – Estado de São Paulo: Relação dos 15 Municípios que Mais Consumiram Gás Natural no Setor Industrial em 2008. ...................................................................... 72 Tabela 12 – Estado de São Paulo: Relação dos 15 Municípios que Mais Consumiram Gás Natural no Setor Industrial em 2010. ...................................................................... 73 Tabela 13 – Estado de São Paulo: Autoprodução de Energia por Setores da Indústria, 2011. ............................................................................................................................... 77 Tabela 14 – Estado de São Paulo:Total de potencial instalado (em KW) das usinas de biomassa (bagaço de cana-de-açúcar), 2003 e 2009....................................................... 78 10 LISTA DE SIGLAS ABRACE – Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres; ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica; BEESP – Balanço Energético do Estado de São Paulo; BIG – Banco de Informações de Geração; BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Social; CNA – Companhia Nacional de Álcalis; CSN – Companhia Siderúrgica Nacional; FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo; Fundação SEADE – Fundação Sistema de Análise de Dados do Estado de São Paulo; GW – Gigawatt GWh – Gigawatt por hora IMP – Informações dos Municípios Paulistas; kV – Quilovolt kW – Quilowatt MW – Megawatt PAC – Programa de Aceleração do Crescimento; PAEP – Pesquisa da Atividade Econômica Paulista; PCH – Pequena Central Hidroelétrica; PND – Plano Nacional de Desestatização; Proálcool – Programa Nacional do Álcool; SIN – Sistema Interligado Nacional; Tep – Tonelada Equivalente de Petróleo; UHE – Usina Hidroelétrica; UTE – Usina Termoelétrica; 11 RESUMO ALAMPI, Evandro Filie. Padrões de Produção e Consumo de Energia e a Dinâmica Territorial da Indústria no Estado de São Paulo: 1980 – 2009. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2012. A dimensão espacial tem ganhado relevância na agenda das discussões sobre as transformações econômicas da produção industrial nos últimos anos. Desconcentração de unidades produtivas e centralização do comando e controle como processos em curso e suas resultantes espaciais exigem abordagens e investigações que partam do concreto em direção à elaboração de interpretações mais compreensivas sobre tais realidades. No bojo de tais processos, um dos mais notáveis é a emergência e consolidação de mudanças estruturais nas relações entre indústria e energia em sua tradução espacial, relações estas que podem ser analisadas sob diferentes pontos de vista. Esta dissertação, além de analisar as questões correlatas à dinâmica industrial, sobretudo no Estado de São Paulo – Brasil, procura enfatizar a importância de voltar os olhares para a elaboração de uma nova Geografia da Energia, uma corrente geográfica que vem sendo pouco abordada desde sua origem e que pode dar suporte a estudos de Geografia Econômica e Industrial. Tendo tais questões em vista, esta dissertação alinha argumentos para tal discussão, que apenas se inicia. Palavras chave: Geografia da Energia, Geografia Industrial, dinâmica industrial, energia, Estado de São Paulo. 12 RESUMEN La dimensión espacial ha ganado importancia en la agenda de discusiones respecto a los cambios económicos de la producción industrial en los últimos años. Desconcentración y centralización como procesos en marcha y sus resultantes espaciales requieren analisis e investigaciones que partan de lo concreto hacia interpretaciones más complejas de estas realidades. Por su vez, uno de los más notables es la aparición y consolidación de cambios estructurales en las relaciones entre la industria y la energía en sus interaciones espaciales y que suelen ser analizados desde diferentes puntos de vista. Esta disertación, además de analizar temas relacionados con la dinámica industrial, especialmente en el Estado de São Paulo – Brasil, pretende subrayar la importancia de una mirada hacia la elaboración de una nueva Geografía de la Energía, una corriente geográfica que ha sido poco discutida desde sus origenes y que puede apoyar los estudios de la Geografía Económica e Industrial. Con tales cuestiones en mente esta disertación propone argumentos para el debate, que acaba de comenzar. Palabras clave: Geografía de la Energía, Geografía Industrial, dinámica industrial, energia, Estado de Sao Paulo. 13 ABSTRACT In recent years, the spatial dimension has gained importance on the context of discussions about industrial production changes. Deconcentration and centralization as ongoing processes and their spatial resulting approaches and investigations requires a path from the concrete toward the development of more comprehensive interpretations of these realities. In the midst of such processes, one of the most notable is the emergence and consolidation of relations between structural changes in industry and energy in his spatial relations which can be analyzed from different points of view. This dissertation, in addition to analyzing issues related to industrial dynamics, especially in São Paul – Brazil, seeks to emphasize the importance of looks back to the Geography of Energy, a geographical approach little discussed since its inception that can support studies of the Economic and Industrial Geography. Having these issues in mind, this dissertation aligns arguments for such a discussion, which has just begun. Key-words: Energy Geography, Industrial Geography, industrial dynamics, energy, state of Sao Paulo. 14 INTRODUÇÃO A origem desta dissertação encontra-se no desenvolvimento de um trabalho de Iniciação Científica intitulado “INDÚSTRIA E ENERGIA: Uma análise a partir da desconcentração industrial no Estado de São Paulo, 1980-2000” 1 , que permitiu uma primeira discussão no debate sobre as relações entre processos de industrialização e as necessárias condições para a oferta de energia. Neste sentido, destacaram-se a análise dos fatores locacionais e as relações de proximidade espacial entre instalações industriais e fontes/suprimentos de energia, bem como as alterações que se processam sobre tais relações de proximidade na medida em que novas e distintas condições técnicas e arranjos institucionais passam a ser observados. Por estar envolvido no contexto de um projeto maior, vinculado ao projeto temático FAPESP “O Novo Mapa da Indústria no Início do Século XXI – Diferentes paradigmas para a leitura territorial da dinâmica econômica no Estado de São Paulo” 2 , desde o início o trabalho buscou contribuir para o referido projeto temático, tomando como eixo central a discussão das relações entre indústria e energia, seja do ponto de vista teórico, através de uma leitura geográfica das condições, meios e vinculações entre o capital industrial e suas fontes de energia, seja do ponto de vista da análise concreta e empírica sobre como tais relações se refletem e produzem o território industrial paulista, frente a mudanças locacionais dentre outros processos que poderiam ser interpretados como a produção de um novo mapa da indústria paulista. Na medida em que o projeto temático busca compreender justamente as mudanças no mapa das atividades produtivas no Estado de São Paulo neste início de século XXI, em que os espaços industriais têm sido objeto de profundas transformações, há a necessidade de leituras que contemplem múltiplas dimensões, em distintas escalas geográficas de análise e a partir de diferentes abordagens teóricas. 1 A pesquisa de iniciação científica contou com auxílio FAPESP durante o período de 01/06/2008 a 31/12/2009, com o objetivo de estudar o papel e as relações entre produção e consumo de energia em geral e posteriormente, em particular, em relação às indústrias produtoras de energia a partir de biomassa (tendo como insumo produtivo básico sub-produtos da cana-de-açúcar) tanto como o consumo e produção de energia, como a análise de novas localizações. Procurou problematizar, como eixo central de análise, a inserção e emergência de capitais locais (capitais que sempre estiveram instalados no interior e vem ao longo dos últimos anos ganhando espaço na economia paulista) na produção do “novo mapa da indústria” do Estado de São Paulo. 2 Projeto coordenado pelo professor Eliseu Savério Spósito, que conta com a participação de uma série de pesquisadores, sendo o orientador desta pesquisa, Everaldo Santos Melazzo, um dos pesquisadores colaboradores. 15 No nosso caso, a atenção se volta para as questões relacionadas à produção e ao consumo de energia por parte das atividades industriais, no contexto específico do Estado de São Paulo. Assim, busca-se aqui investigar quais as fontes de energia que abastecem a indústria no Estado de São Paulo, como vem se alterando ao longo das últimas décadas do século XX, suas localizações, bem como em que medida condicionam ou influenciam a própria localização industrial. A escolha de nossa escala geográfica de análise vai ao encontro das formulações de Haesbaert (2002) a respeito das dinâmicas econômicas presentes na produção do território. Seguindo este autor, partimos da premissa de que, em sua dimensão econômica, o conceito de território deve se remeter à análise das localizações das atividades nele desenvolvidas, relacionado-as com os recursos neles existentes, que os diferencia de outros. Assim, ao mesmo tempo em que se refere às condições particulares de uma determinada localidade ou região que a diferencia de outras, o território pode ser tomado também como resultado das ações de agentes que os diferenciam ao produzir. Tal questão, a ser explorada neste relatório, é parte central do argumento a ser desenvolvido a respeito, inclusive, da própria mudança de paradigmas presente no debate sobre a localização industrial. Sendo assim, a categoria de análise que privilegiamos para ser trabalhada na pesquisa é o território da indústria, entendido preliminarmente como o conjunto de atividades localizadas de transformação industrial que produzem relações, interações e sinergias entre si (considerando-se as cadeias produtivas de que fazem parte) e também com outras atividades, a montante e a jusante, em outras localidades/regiões. Considera- se, ainda, que como resultado e condição que expressa os diferenciados estágios do desenvolvimento capitalista em sua dimensão material, sua análise não pode prescindir da identificação de agentes e de suas ações, ganhando relevância o Estado e suas fundamentais ações na constituição das condições necessárias à oferta de energia. É inclusive, a partir da análise das ações estatais que se procura estabelecer uma cronologia, não necessariamente linear, mas que recupera os principais marcos da regulação do Estado ao longo do século XX sobre a organização da produção de energia, para subsidiar a análise das permanentes relações entre a dinâmica territorial da indústria paulista e suas transformações ao longo do tempo. O desenvolvimento do trabalho, que foi iniciado com a localização de diferentes fontes de energia, o consumo (por volumes e fontes) de diferentes ramos e setores industriais, a complexificação da matriz energética presente no território econômico do Estado de São Paulo permitiu, ainda, que nos aproximássemos do debate 16 a respeito de uma “indústria da energia”. Tal terminologia, utilizada por Gonçalves Júnior (2004) e Vieira (2007), sugere a necessidade de compreender a energia para além de um insumo fundamental em qualquer atividade industrial, mas também como uma mercadoria específica e essencial, resultado de um conjunto de atividades específicas e com autonomia relativa frente a outros ramos e setores da transformação industrial e que faz parte de “uma cadeia econômica, desde sua produção, transporte e usos finais” (VIEIRA, 2007, p. 22), englobando necessariamente, também, desde a produção e o consumo dos bens de capital necessários a sua viabilização até a produção cientifica requerida, a operação e a coordenação dos sistemas envolvidos. Desta maneira, ultrapassando a simples identificação das fontes mais utilizadas na matriz industrial paulista e suas mudanças, a análise de uma indústria de energia assume uma dimensão privilegiada que permite aprofundar o debate a respeito da importância crucial que assumem tais sistemas de energia em sua dimensão locacional, na medida em que não envolvem apenas a produção e o consumo de energia propriamente dita, mais vai além ao requerer a análise de redes, interligações, interações que também produzem o território da indústria, em geral. Deste ponto de vista, laçar mão das concepções de Santos (1996) a respeito das condicionalidades mútuas que se estabelecem entre fixos e fluxos na produção do espaço geográfico apresenta-se, também, como fértil caminho a ser perseguido. Vale ressaltar que a partir destas considerações tratamos aqui a energia não somente como um insumo que move a indústria de modo geral, mas também como uma indústria possuindo características de produção de uma mercadoria (a energia) a partir de suas bases produtivas, concorrendo (de forma direta ou não) entre si, envolvendo uma série de estruturas físicas para sua distribuição no território. Ao direcionar nosso olhar para as relações entre indústria e energia, encontramos novas possibilidades de leitura sobre a produção industrial, a partir da indústria da energia, na medida em que ela consiste em: (...) toda cadeia econômica desde sua produção até o fornecimento ao consumidor final, englobando as fábricas dos equipamentos de produção, transporte e usos finais da energia elétrica, os processos de desenvolvimento tecnológico e de capacitação de pessoal, além de uma série de serviços que devem ser realizados para que esta se concretize como seus estudos e projetos de geração, transporte e usos finais da energia elétrica, que também requerem uma produção científica que sustente o planejamento, a operação e a coordenação destes sistemas (GONÇALVES JUNIOR, 2004, p.2 apud VIEIRA, 2007 p.22). 17 A partir daí podemos verificar a complexidade que existe por trás deste termo, ou seja, a indústria da energia pode ser observada por diversos aspectos, e é neste sentido que procuramos compreendê-la como um elemento importante a ser incorporado na pesquisa da geografia industrial brasileira. Mais que a análise de um insumo produtivo, trata-se de compreender a própria cadeia produtiva organizada para sua produção. Em que pese esse olhar mais amplo, resultado das ações desenvolvidas durante o processo de elaboração da dissertação, nosso objetivo é analisar e apresentar as dinâmicas verificadas nas últimas duas décadas na produção e no consumo de energia industrial, frente às mudanças locacionais da indústria no Estado de São Paulo, problematizando-os à luz dos denominados processos de desconcentração industrial e das alterações no padrão energético da indústria paulista. Assim, mesmo reconhecendo a emergência e a relevância de uma indústria da energia, restringimos nossa análise, aqui, a seu tratamento como um insumo fundamental para a atividade econômica da transformação industrial. Entendemos que, para tanto, seja necessário analisar as mudanças da matriz de produção, bem como de consumo de diferentes fontes de energia das indústrias, considerando-se a emergência e consolidação de fontes de energia pouco utilizadas pela indústria no passado, além de analisar e avaliar em que medida tais mudanças tem impactado/transformado a divisão regional do trabalho industrial no Estado de São Paulo. Se anteriormente fizemos referência à necessidade da compressão do papel do Estado em tais processos relacionados à constituição da matriz energética, o que só é possível se compreendermos sua atuação na escala geográfica nacional, por sua vez a análise, ao voltar-se também para o Estado de São Paulo em sua dimensão econômica, privilegiada pelas origens e concentração histórica da indústria no Brasil, volta-se para a heterogeneidade em termos das diferentes regiões que o compõem. E em relação à dimensão teórica assume-se que a análise deve compreender a diferencialidade dos territórios da indústria paulista, evitando uma simplificação (a ser debatida) entre “capital” e “interior”, ou entre metrópole industrial e regiões não industriais, ou ainda entre concentração da dinâmica industrial na “metrópole expandida” e demais regiões (genericamente identificadas). No que se refere à metodologia e aos procedimentos metodológicos, desde a primeira iniciativa de pesquisar as relações entre indústria e energia, no ano de 2007 no nível de graduação, nos deparamos com alguns problemas. Problemas estes que viemos 18 lidando até a fase atual da pesquisa e, certamente, aprendendo e construindo estratégias de pesquisa no que condiz às relações entre indústria e energia. Seja pela disponibilidade de dados, seus métodos de manipulação e organização, bem como em busca de uma definição mais precisa para uma análise temporal, estamos superando estas barreiras e nosso “desafio metodológico” vai em busca de uma articulação que nos permita compreender de que maneira território da indústria, Estado e as condições concretas da produção e consumo de energia, se articulam a partir da denominada “desconcentração industrial do Estado de São Paulo”. Ponto que merece ser destacado é aquele relacionado à coleta e manipulação dos dados empregados, pois nos deparamos com uma diversidade de dados, de diferentes fontes, todas elas não diretamente relacionadas à geografia em si, e que ao nos depararmos com alguns deles não estabelecíamos relações que nos possibilitassem uma análise mais concreta, seja pela forma trabalhada por quem a publicou, seja pela incompatibilidade de nomenclaturas, divisões e metodologias. Dadas tais dificuldades ligadas a nosso objeto de pesquisa, optamos em iniciar nossos procedimentos a partir da elaboração de um esquema interpretativo que procurasse contemplar as relações existentes entre indústria, Estado e energia no Brasil, desde a consolidação do parque industrial e energético brasileiro, até as novas questões inerentes ao debate. Seguimos uma cronologia, apresentando os principais fatores ligados ao início da industrialização, em paralelo aos setores da economia e da energia, com particular atenção à sua concentração no território paulista. O que nos fez pensar neste esquema foi a forte relação entre o crescimento econômico e a oferta de energia, pois segundo Manners (1976): (...) o crescimento econômico consiste essencialmente em aumentar a produtividade média de uma força de trabalho, e isto, por sua vez, é influenciado pela quantidade de energia que pode ser incorporada ao processo de produção (MANNERS, 1976, p.11). O autor ainda acrescenta que o desenvolvimento econômico 3 de uma região gira em torno tanto do aproveitamento dos recursos de energia, como no transporte da mesma, para locais menos providos de recursos energéticos (MANNERS, 1976). 3 Não entraremos na discussão de desenvolvimento econômico, pois esta discussão não faz parte de nossos objetivos, portanto utilizamos os termos “desenvolvimento econômico” somente como uma expressão utilizada pelo autor, mas estamos cientes que há uma grande discussão teoria acerca das diferenças entre crescimento e desenvolvimento econômico. 19 A partir destas ideias o Esquema 1 foi elaborado como um ponto de partida necessário para organizar as ideias que deveriam, de maneira explicita, ou mesmo de forma subjacente, estar presentes no debate/análise a ser realizada. Assim, na primeira parte/bloco à esquerda, encontra-se alinhados os fatos/processos relacionados a origem da industrialização no Brasil, à direita estão alinhados os fatos/processos relacionados aos principais acontecimentos na economia brasileira e, ao centro estão os fatos/processos inerentes a origem da oferta de energia no Brasil. Nossa análise temporal não se encontra totalmente circunscrita às décadas estabelecidas no esquema interpretativo, sendo que esta divisão foi inserida mais como uma forma de compreender a evolução dos eventos e seus encadeamentos, podendo conter algumas variações ao longo de cada eixo. Porém como nosso objetivo não é estabelecer datas e sim apreender o movimento destas alterações, as linhas de décadas foram traçadas para melhor compreender os processos que foram percebidos a partir das fontes de dados utilizados e dos debates teóricos incorporados a análise. 20 Elaboração: Evandro Filie Alampi Esquema 1 – Esquema Interpretativo para a Elaboração das Relações Indústria, Estado e Energia. 21 Além da contribuição do esquema supracitado, pensamos na elaboração um quadro subdividido em: fontes de dados, documentos/bancos de dados, informação/variável, eixo, tema e questões abordadas no trabalho. Ou seja, procuramos organizar todas nossas informações coletadas até o momento e sistematizá-las em um único quadro, a fim de enfatizar as fontes de dados trabalhadas, seus limites e potencialidades, para assim podermos aprofundar tais questões. Nele procuramos elencar nossas fontes de dados sequencialmente de acordo com o grau de importância para nosso trabalho, o que não significa que algumas fontes sejam menos importantes que outras, mas que para nosso objeto de trabalho e nossa articulação proposta, algumas nos ajudaram mais que outras. O sitio da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) 4 é uma rica fonte de dados online (BIG- Banco de Informações de Geração). Mesmo que não forneça as bases de dados para uma série histórica longa, já nos permite pensar as fontes de energia do Brasil, em nosso caso, específicas do Estado de São Paulo, informando a localização, a fonte e a potência instalada, contribuindo para nossas discussões relacionadas à energia, no tema da produção energética. A partir destes dados foi elaborado o Mapa 1 que apresenta a localização das diferentes fontes de energia do Estado de São Paulo. Para sua elaboração, além da base de dados importada do sítio da ANEEL, utilizamos os softwares Microsoft Excel®, pgAdmin®, OpenJump® para a organização e manipulação dos dados e das bases cartográficas e, por fim, o software CorelDRAW® para as edições finais. Outra rica fonte de dados relacionados a energia é o sítio da Secretaria de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo 5 . Além de disponibilizar boletins informativos mensais do setor elétrico paulista, apresenta também uma série de documentos como os Balanços Energéticos do Estado de São Paulo, os Anuários Estatísticos, a previsão da Matriz Energética do Estado de São Paulo – 2035, além das principais notícias conjunturais do setor. Os dados da Secretaria aqui utilizados são aqueles ligados ao consumo e produção de energia, divididos tanto pelas fontes, como pelos gêneros da indústria paulista. Tais dados são de grande relevância para o trabalho, seja na discussão da indústria propriamente dita, como da energia, pois permitem uma análise dos padrões 4 www.aneel.gov.br 5 www.energia.sp.gov.br 22 espaciais, devido a informações sobre localização e disponibilidade das fontes de energia. Outro conjunto de dados da Secretaria de Saneamento e Energia encontra-se relacionado ao consumo do gás natural. Como iremos aprofundar mais adiante em relação a esta fonte, é possível verificar que sua inserção na matriz energética paulista foi impulsionada pela alteração gradativa do consumo paulista, ocasionando alterações relevantes de sua importância no sentido das fontes de alguns gêneros da indústria. Os dados referentes ao gás natural estão também relacionados ao consumo industrial e divididos entre os 15 municípios que são os maiores consumidores, em diferentes momentos. Para compreender a dinâmica industrial paulista, precisamos nos atentar para as alterações no nível dos seus municípios, para isto, os dados disponíveis no site da Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) 6 contribuiu na elaboração do Mapa 2 que ajuda a compreender melhor tais aspectos da dinâmica industrial paulista vigente frente aos processos de desconcentração industrial, a partir do consumo de energia elétrica industrial. A série que constitui o Mapa 2 foi elaborada no software Philcarto® que, a partir dela, nos permitiu problematizar e analisar as relações com a desconcentração industrial e as mudanças do padrão espacial da indústria, com o cosumo de energia elétrica. Os dados dos associados da ABRACE (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres) contempla as informações de seus associados que nos ajudaram a construir o debate relacionado às indústrias energointensivas do Estado de São Paulo e seus rebatimentos no território paulista. Deparando-nos com grande quantidade de dados e com a complexidade de relações existentes entre eles, passamos a elaborar algumas questões orientadoras: Como apresentar tais dados? Quais as relações a serem exploradas? Como agrupá-los? A partir daí elaboramos uma estratégia de análise dos dados a fim de separá-los por Regiões Administrativas e/ou por Municípios, nos dados industriais, bem como por fontes de energia, nos casos ligados à energia. Os dados aqui apresentados, das diferentes fontes, juntamente com as ideias expostas a partir do Esquema 1 irão nos guiar no restante do trabalho, como meios e caminhos de pensar e articular nossas ideias, no sentido da construção de nosso 6 www.seade.sp.gov.br 23 pensamento, levantando hipóteses para uma discussão mais refinada ao final da pesquisa. 2 4 Q u a d ro 1 – P ri n ci p a is F o n te s d e D a d o s U ti li za d a s p a ra a A n á li se P ro p o st a F o n te s d e D a d o s D o cu m en to s/ B a n co s d e D a d o s In fo r m a çã o /V a ri á v el E ix o T e m a Q u e st õ es A n ee l B an co d e In fo rm aç õ es d e G er aç ão ( B IG ) In fo rm aç ão s o b re o s p ro d u to re s d e en er g ia , n as d if er e n te s fo n te s E n er g ia P ro d u çã o d e E n er g ia M u d an ça s n a m at ri z en er g ét ic a (p o r fo n te , lo ca li za çã o e p o tê n ci a S ec re ta ri a d e S an ea m e n to e E n er g ia d o E st ad o d e S ão P au lo B al an ço E n er g ét ic o d o E st ad o d e S ão P au lo (B E E S P ) D ad o s d e co n su m o e p ro d u çã o d e en er g ia , re la ci o n ad o s a in d ú st ri a E n er g ia P ro d u çã o /C o n su m o d e E n er g ia P ad rõ es e sp ac ia is , lo ca li za çã o , p o r fo n te e p o r g ên er o D ad o s d is p o n ív ei s n o s it e R el aç ão d o s 1 5 m ai o re s m u n ic íp io s co n su m id o re s d e g ás n at u ra l E n er g ia C o n su m o d e E n er g ia P ad rõ es e sp ac ia is d o c o n su m o d e g ás n at u ra l n a in d ú st ri a p au li st a F u n d aç ão S E A D E In fo rm aç õ es d o s M u n ic íp io s P au li st as ( IM P ) D ad o s so b re c o n su m o d e en er g ia el ét ri ca i n d u st ri al p o r re g iõ es e m u n ic íp io s E n er g ia /I n d ú st ri a C o n su m o d e E n er g ia in d u st ri al R el aç ão c o m a d es co n ce n tr aç ão in d u st ri al - m u d a n ça n o p ad rã o es p ac ia l d a in d ú st ri a A ss o ci aç ão B ra si le ir a d e G ra n d es C o n su m id o re s In d u st ri ai s d e E n er g ia e C o n su m id o re s L iv re s (A B R A C E ) D ad o s in st it u ci o n ai s R el aç ão d o s as so ci ad o s E n er g ia /I n d ú st ri a In d ú st ri a s E n er g o in te n si v as R el aç õ es e sp ac ia is d as i n d ú st ri as en er g o in te n si v as E la b o ra çã o : E v an d ro F il ie A la m p i. 25 Por fim, não há como deixar de lado nesta Introdução a perspectiva de análise incorporada a esta investigação que deriva da contribuição de Manners (1976) quem sugeriu em sua obra, “Geografia da Energia”, que seu estudo é importante, sobretudo se verificarmos que há uma “intima relação” entre o consumo de energia e a renda de um país ou determinada região e que é na análise de sua produção e consumo que se encontra uma das chaves para o entendimento da dinâmica econômica. Tendo tais questões como elementos centrais e eixos para a análise a ser desenvolvida, apresentamos nossa dissertação dividida em três capítulos, além das considerações finais e a bibliografia. No capitulo 1, a seguir, adentramos no debate relacionado à origem e consolidação da produção de energia no Brasil, ou seja, desde os primeiros empreendimentos isolados, enfatizando e detalhando os principais acontecimentos da indústria da energia brasileira. O fio condutor desta exposição é a ação do Estado brasileiro na formulação e implementação de distintos marcos regulatórios para o setor da energia. Se no primeiro capítulo a escala nacional é referência, no segundo iniciamos nossa discussão de maneira direcionada a indústria e, em particular, no Estado de São Paulo. A discussão direciona-se a compreender as implicações, rebatimentos e articulações no território industrial paulista, de maneira a articular as ações estatais, os processos de mudanças estruturais que levaram à constituição de uma indústria da energia e, também, as condições específicas da distribuição da indústria em todo o Estado de São Paulo. Tal análise é precedida, entretanto, pelo debate a respeito das mudanças que têm sido verificadas na própria distribuição da produção industrial entre as diferentes regiões paulistas. A partir dos dados da produção industrial nas diferentes regiões e da bibliografia que debate os denominados processos de desconcentração industrial problematiza-se os elementos centrais para a compreensão da dinâmica espacial que, como será analisado, não se restringe a movimentos de relocalização de plantas industriais, mas também se refere ao adensamento de estruturas produtivas diversas em diferentes localizações do Estado. Ao final, procuramos apresentar e compreender as relações entre os gêneros industriais e suas fontes de energia nos direcionando para o que se entende por indústrias energointensivas, ou seja, indústrias que necessitam de muita energia em seu processo produtivo. O capítulo três, por fim, aborda as três fontes de energia mais utilizadas no parque industrial paulista, selecionadas devido à sua importância, não apenas em relação aos volumes consumidos, mas também em decorrência da possibilidade de uma 26 discussão sobre suas localizações. Ou seja, a localização dos produtores de tais fontes de energia, sendo cada vez mais mediadas pelo conjunto dos sistemas técnicos da sua distribuição, articulam e fazem interagir os diferentes lugares da produção industrial, proporcionando a ampliação, diversificação e disseminação da oferta no território. Encerrando nossa discussão proposta, nas considerações finais apresentamos de maneira detalhada uma análise de todo o material trabalhado e nossas interpretações, de maneira que as análises elaboradas consigam dar um parâmetro para novas possibilidades de interpretação a partir do Novo Mapa da Indústria no Início do Século XXI. 27 1. ORIGEM E CONSOLIDAÇÃO DA ENERGIA NO BRASIL A principal fonte de energia no Brasil era praticamente relacionada apenas ao uso da lenha, até meados do século XIX. Além desta, as principais cidades contavam com os lampiões alimentados a azeite de peixe e velas de sebo na iluminação pública, e também com a tração animal e a energia dos ventos para o transporte (respectivamente, terrestre e na navegação) de bens e produtos. A economia fortemente associada às atividades agrário-exportadoras não gerava uma demanda de energia que exigisse sua produção em grandes volumes, bem como prescindia de sistemas técnicos que interagissem diferentes localidades, dado o caráter disperso daquela produção em distintas unidades relativamente autônomas. A economia fortemente ligada às atividades agrário-exportadoras, não havia uma demanda por energia. Somente a partir de 1846, com a iniciativa ambiciosa do Barão de Mauá de iniciar um processo de industrialização do Brasil a utilização de outras fontes de energia começa a ser registrada (LEITE, 2007). Podemos então compreender como se deram os primeiros investimentos na matriz energética brasileira, ou seja, investimento privados, por iniciativas isoladas para suprir as necessidades das primeiras indústrias e às elites locais, que em sua maioria encontrava-se ligadas ao cultivo do café. Dentre outras, a mais conhecida foi a iniciativa do Barão de Mauá que introduziu as primeiras caldeiras a vapor em que se queimava carvão mineral, principalmente para a instalação em navios e locomotivas a vapor. E, em 1854 são iniciados os esforços para a substituição da iluminação pública a azeite de peixe pela iluminação a gás, no Rio de Janeiro. Com isso, o Barão se afirmava como o primeiro grande consumidor de energia do país (LEITE, 2007). Segundo o mesmo autor, já na metade do século XIX o carvão mineral se consolidava como a nova fonte de energia brasileira, mesmo que ainda importada da Inglaterra. Entretanto, entre 1879 e 1890 já são constatadas várias construções de pequeno porte para geração de energia elétrica. Estas pequenas usinas térmicas, foram construídas com o objetivo de atender a iluminação pública e geração de força motriz e tração urbana, principalmente com os bondes. Porém, é no início da década de 1890 que se observa um grande marco na produção da energia elétrica do Brasil, com a instalação das primeiras hidrelétricas, que se tornariam a principal fonte de energia até hoje. Inicia-se, então, a utilização da 28 energia hidráulica para a geração de eletricidade, como se constata na Tabela 1, que aumenta sua potência gradativamente a partir de 1890 e chega a um total de 778.802kW em 1930. Segundo Franco (2009) a pioneira foi a Usina Hidrelétrica Ribeirão do Inferno, em 1883, e seguiram-se a inauguração da Usina Hidrelétrica da Companhia Fiação e Tecidos Silvestres, de 1885, a Usina Hidrelétrica Ribeirão dos Macacos em 1887, todas elas no Estado de Minas Gerais. Em 1887 também foi construída a Usina Termelétrica Velha Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e, em 1889, a Usina Hidrelétrica Marmelos em 1889, em Juiz de Fora – MG. Tabela 1 - Potência Elétrica Instalada no Brasil (kW). Ano Térmica Hidro Total % Hidro 1883 52 - 52 - 1885 80 - 80 - 1890 1.017 250 1.267 20 1895 3.843 1.991 5.834 34 1900 5.093 5.283 10.376 51 1905 6.676 38.280 44.956 85 1910 32.729 124.672 157.401 82 1915 51.106 258.692 309.798 84 1920 66.072 300.946 367.018 82 1925 90.608 416.875 507.483 82 1930 148.752 630.050 778.802 81 Fonte: Conselho Mundial de Energia. Comitê Nacional Brasileiro. Estatística brasileira de energia, 1. Rio de Janeiro, 1965. Extraído de: LEITE, 2007. Analisando a Tabela 1, verifica-se a importância que as hidrelétricas ganharam rapidamente no Brasil, passando de 0% para 20% entre 1883 e 1890, sendo que em 1900 já atinge mais da metade do total instalado e, em 1930, 81% do total. Importante ressaltar que estas usinas estavam localizadas em áreas estratégicas, próximas ao mercado consumidor da época, ou seja, entre o eixo Rio – São Paulo e muitas delas localizando-se no Estado de Minas Gerais, pela quantidade de rios propícios a instalação de barragens, que se localizavam próximas ao eixo onde estavam os principais consumidores de energia, principalmente do setor industrial. Segundo Franco (2009): A gênese da indústria da energia elétrica no Brasil foi tocada por pequenos produtores e distribuidores, geralmente organizados como empresas de âmbito municipal e comandadas por comerciantes, fazendeiros e empresários locais. Não era incomum a existência de 29 instalações autoprodutoras nas indústrias e em unidades de consumo doméstico nas fazendas (FRANCO, 2009, p.115). Esta lógica de produção para o auto-consumo ressalta a fragmentação das dos sistemas e das instalações iniciais da época, sendo estas não interligadas e dispersas. No bojo das mudanças que começam a ser observadas, inicia-se e intensifica-se o debate sobre os serviços de energia a partir da década de 1920, com a criação da Comissão Federal de Forças Hidráulicas, órgão do Ministério da Agricultura, relacionado à política da indústria de energia elétrica no Brasil. Trata-se, portanto, da primeira iniciativa que configurará a importância que o tema passará a ocupar na agenda do Estado brasileiro. Já na segunda metade da década de 1920 se iniciaram os primeiros investimentos por empresas estrangeiras do setor da energia no país, destaque para a “São Paulo Railway, Light and Power Ltd.” (FRANCO, 2009). Segundo Leite (2007) já em 1930 a Região Sudeste participava com cerca de 80% da capacidade total de energia instalada no país, e mais da metade deste total encontram-se concentrados na cidade de São Paulo; a Região Norte com 10%; o Sul 8%; e o Norte com 2%. De um lado já observa-se a forte correlação entre a oferta concentrada vis a vis à própria dinâmica do surgimento e adensamento das atividades de transformação industrial. De outro, percebe-se também que esta concentração, por sua vez, estimulou a economia industrial brasileira, em especial no Estado de São Paulo, que impulsionada com a crise cafeeira em meados dos anos 1930, requer cada vez mais uma redução de custos, principalmente com a mão-de-obra urbana e energia abundante e barata (LEITE, 2007). A superação de um período de hegemonia agrário-exportador para a predominância de uma estrutura produtiva de base urbano-industrial, trás consigo a necessidade de maior de regulamentação das questões relacionadas à energia no país, como destaca Vieira (2007): O desenvolvimento da indústria de eletricidade requeria maiores plantas e integração das instalações entre regiões e municípios vizinhos, objetivando ganhos de escala. Nesse processo, as pequenas centrais térmicas e hidrelétricas das empresas locais brasileiras foram sendo gradativamente assumidas por empresas maiores, com destaque para grupos estrangeiros, que detinham porte e capacidade para atender às novas exigências financeiras e tecnológicas (VIEIRA, 2007, p.34). Assim, as novas condições técnicas com maiores unidades de geração permitem o início de um processo de integração espacial dos sistemas de produção e 30 distribuição. As redes que começam a se formar entre diferentes localidades permitirão, ao mesmo tempo, expandir a oferta em áreas cada vez mais distantes dos locais de produção e possibilitam (com a maior oferta disponível) a aglomeração de grandes consumidores em seletivas localizações. Na ausência de instrumentos jurídicos capazes de ordenar o setor, as empresas estrangeiras cresciam e ampliavam seu poder de influência sobre o mercado consumidor, via tarifas, volumes produzidos e investimentos realizados, tornando-se cada vez mais poderosas frente aos demais ramos de atividades do capital industrial. Com isso, grupos econômicos como a Light (canadense) e a American Foreign Power (americano) se destacaram no mercado brasileiro de energia elétrica por serem grandes fornecedores de energia elétrica, principalmente em grandes centros urbano-industriais como São Paulo e Rio de Janeiro na década de 1940 (VIEIRA, 2007). De grande importância nesse contexto, em 1934 foi promulgado o Código de Águas que coordenava o uso de recursos hídricos no Brasil. A partir daí o Estado, em seu caráter cada vez mais regulador e intervencionista passa a centralizar e outorgar todas as fases da energia elétrica: geração, transmissão e distribuição. Por fim, o aumento da demanda, pela industrialização crescente, do aumento do poder de mercado das empresas estrangeiras, provocou questionamentos de setores do capital industrial nacional, e da regulação que se inicia por parte do Estado brasileiro sobre o setor, são acompanhados por mais uma significativa mudança: o Estado passou a assumir cada vez mais intensamente os processos de produção e distribuição de energia. Tolmasquim (2011) faz referência a um Modelo Estatal de planejamento e gestão da produção e distribuição da energia. Mais que um regulador, o Estado passou à condição de produtor, inclusive com uma clara “divisão de tarefas” entre governo federal e governos estaduais. A União assumiu a construção de grandes usinas e do sistema de transmissão. Os estados membros, com algumas exceções ficaram responsáveis pela distribuição (TOLMASQUIM, 2011, p.4). Concomitante a estas alterações, podemos destacar a criação da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce e a CNA – Companhia Nacional de Álcalis, empresas criadas pelo Estado, que necessitam de muita energia em seu processo de produção, que influenciaram no crescimento da produção industrial, mais rápido do que o setor da energia (FRANCO, 2009). 31 Leite (2007), entretanto apresenta os limites do modelo na medida em que a economia nacional no início da década de 1950 cresceu, mas o ritmo da capacidade instalada para a produção de energia não seguiu este mesmo crescimento. Em outras palavras, a demanda continuava crescendo, levando rapidamente a níveis críticos a oferta de eletricidade, ocasionando às primeiras crises de abastecimento. Na segunda metade dos anos de 1950 a economia brasileira experimentou uma de suas principais fases de expansão, associada ao Plano de Metas do governo Juscelino Kubistchek, registrando-se saltos na capacidade produtiva existente, fortes mudanças tecnológicas nos setores de bens de consumo não-duráveis, duráveis e de bens de capital, novas articulações entre os capitais privados (nacional e estrangeiro) e o capital estatal na produção de insumos básicos e equipamentos (PIQUET, 2007). Franco (2009) afirma que a crise política dos anos 1960 foi determinante para a estagnação dos investimentos no Brasil, afetando de forma significativa a indústria da energia. Somente com a reforma tributária imposta durante o regime militar que o setor público “recuperou sua capacidade de investimento e o acelerado processo de desenvolvimento econômico, entre 1968 e 1974, conhecido como o ‘milagre brasileiro’” (FRANCO, 2009, p.120). A esse “milagre econômico” Piquet (2007) acrescenta que: No caso latino-americano, a difusão e o auge do planejamento alcançaram sua máxima expressão nas décadas de 1960-1970, chegando mesmo em certos âmbitos tecnocráticos a se observar uma clara tendência a idealizá-lo como instrumento capaz de promover o desenvolvimento econômico e social. Nessa época não só havia um paradigma onipresente no discurso dos atores políticos e sociais de que o desenvolvimento econômico era um objetivo compartilhado por todos como se acreditava firmemente que o Estado fosse o principal ator desse processo. Um Estado investidor, regulador e, ainda, protetor do mercado interno e da indústria nacional. Assim, ao desenvolvimento se associavam a industrialização e uma metodologia de como planejar (PIQUET, 2007, p.19). Assim, é possível afirmar que os aludidos limites do modelo Estatal para a provisão de energia nos volumes e tarifas requeridas ao processo industrial foram superados, justamente, por seu aprofundamento, isto é, ampliando-se o papel do Estado, seja na regulação, seja na produção, inclusive com a diversificação das fontes utilizadas. Podemos verificar na Tabela 2, a seguir, que a oferta interna de energia neste período encontrou-se em ascensão, tanto na fonte hidráulica como nas outras fontes, apontando o salto no setor de energia no período considerado. 32 Tabela 2 – Oferta Interna de Energia em 10³tep 7 e percentual, 1940 – 1980. FONTES 1940 1950 1960 1970 1980 10³tep % 10³tep % 10³tep % 10³tep % 10³tep % Petróleo, Gás Natural e Derivados 1.522 6,41 4.280 12,86 12.668 25,74 25.420 37,97 56.485 49,22 Carvão Mineral e Derivados 1.520 6,40 1.583 4,76 1.412 2,87 2.437 3,64 5.902 5,14 Hidráulica e Eletricidade 352 1,48 536 1,61 1.580 3,21 3.420 5,11 11.063 9,64 Lenha e Carvão Vegetal 19.795 83,34 25.987 78,09 31.431 63,86 31.852 47,58 31.083 27,09 Produtos da Cana 563 2,37 892 2,68 2.131 4,33 3.593 5,37 9.217 8,03 Outras 0 0,00 0 0,00 0 0,00 223 0,33 1.010 0,88 Total 23.752 100 33.278 100 49.222 100 66.945 100 114.760 100 Fonte: Balanço Energético Nacional, 2010. Organização: Evandro Filie Alampi A oferta de energia cresce em ritmo acelerado no período, com destaque à Lenha e Carvão Vegetal que é a principal fonte de energia ofertada em 1940, alcançando mais de 80% do total. Esta fonte permanece em crescimento até 1960 e após esta década há uma estagnação e amplia-se a utilização de outras fontes. Ganha destaque o Petróleo, Gás Natural e Derivados que cresce entre as décadas de 1960 e 1980, principalmente pelo uso de automóveis e ascensão da indústria petroquímica brasileira e, conta com quase a metade do total consumido no país durante os anos de 1980. A fonte Hidráulica e Eletricidade quase triplica sua oferta entre 1950 e 1960, continuando seu crescimento no período, e o mesmo acontece com a fonte Produtos da Cana que amplia sua representatividade com a implantação do Pró-Alcool 8 entre as décadas de 1970 e 1980. É cada vez mais claro e importante o papel do Estado na constituição da matriz energética brasileira, como sendo o responsável pela sua expansão e consolidação. Porém, segundo Tolmasquim (2011) na década de 1980 eclodiu uma crise do setor energético brasileiro, por conta da crise econômica e fiscal causada, principalmente, 7 O “TEP” é a unidade básica adotada pelo Balanço Energético Nacional (ANEEL) que significa Tonelada Equivalente de Petróleo, uma vez que a mesma está relacionada diretamente com um energético importante e expressa um valor físico. 8 O Programa Nacional do Álcool ou Proálcool foi criado em 14 de novembro de 1975 pelo decreto n° 76.593, com o objetivo de estimular a produção do álcool, visando o atendimento das necessidades do mercado interno e externo e da política de combustíveis automotivos. De acordo com o decreto, a produção do álcool oriundo da cana-de-açúcar, da mandioca ou de qualquer outro insumo deveria ser incentivada por meio da expansão da oferta de matérias-primas, com especial ênfase no aumento da produção agrícola, da modernização e ampliação das destilarias existentes e da instalação de novas unidades produtoras, anexas a usinas ou autônomas, e de unidades armazenadoras (BIODIESELBR.COM,2012). 33 pela crise do petróleo em 1979. O Estado tornou-se incapaz de financiar a expansão do sistema. Além disto, Na mesma época, tinha início, em diversos países, um movimento de revisão do papel do Estado. Segundo esta nova concepção, e especificamente no caso das indústrias de rede, o Estado passaria a ter função única e exclusiva de regulador da atividade econômica, incentivando a iniciativa privada a assumir a atividade empresarial nas indústrias de rede, até então sob responsabilidade do Estado (TOLMASQUIM, 2011, p.5). O debate econômico e político brasileiro foi matizado por tendências liberais e o papel do Estado questionado desde o início dos anos 1990. A menor intervenção estatal nas atividades econômicas passa a fornecer a tônica para o inicio de um processo de desregulação. Neste contexto, Franco (2009) destaca que: Desde 1992, quando a elaboração do Plano Nacional de Desestatização (PND) 9 já se falava na privatização da indústria da energia elétrica. Elaborado ainda no governo Fernando Collor de Mello (1990-1992), definia dentre suas prioridades a venda das empresas distribuidoras de energia elétrica, embora essas fossem majoritariamente controladas pelos governos estaduais (FRANCO, 2009, p.123). É a partir de tais condicionantes que é possível perceber a montagem de um novo marco regulatório do setor elétrico. Tal marco tinha como principal objetivo introduzir um mercado competitivo entre as empresas privadas, e, além disto, foi caracterizado, principalmente, pela desestatização do setor, sendo o rumo destas novas ações, até hoje, bastante contestado. Biondi (2001) critica tanto a atuação do Estado nas privatizações, como a forma em que foram estabelecidas as normas, preços e prazos de pagamento dos ativos levados ao mercado através de leilões. Segundo o autor: A privatização indiscriminada de setores como energia e telecomunicações não ocorreu no resto do mundo afora – nem mesmo no México, apesar de suas fortes ligações com os Estados Unidos. Aqui, o patrimônio acumulado durante décadas, ou séculos, à custa do 9 O marco jurídico do programa de privatização do Governo de Fernando Collor foi instituído pela lei n° 8031, de 12 de abril de 1990, que criou o Programa Nacional de Desestatização (PND). Que tinha por objetivos: “reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades devidamente exploradas pelo setor público; contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o saneamento das finanças do setor público; permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vieram a ser transferidas à iniciativa privada; contribuir para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia; permitir que a administração pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais; e, contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa.” (SAURIN e PEREIRA, 1998). 34 povo brasileiro, foi entregue a preços vergonhosamente baixos principalmente a multinacionais dos países ricos, que continuam a privilegiar suas estatais ou a manter seus mercados “fechados” a grupos de outros países. Um novo lance desse verdadeiro assalto contra o Brasil e o povo brasileiro está sendo confirmado para o mês de julho, com a fixação da data para novos leilões destinados a “vender”, a preço de banana, áreas fantásticas de produção de petróleo descobertas pela Petrobrás, principalmente no litoral, na chamada plataforma submarina (BIONDI, 2001, p.106). Vieira (2007) afirma, ainda, que o setor elétrico participou com 31% na arrecadação do governo com as privatizações, sendo que o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) exerceu funções essenciais nas privatizações: (i) gerindo as privatizações federais; (ii) gerindo por delegações as privatizações de alguns estados, incluindo prestação de acessoria e adiantamentos financeiros (...); e (iii) acima de tudo, o BNDES proporcionou financiamentos aprovados celeremente aos compradores, nacionais ou estrangeiros. Além disso, o BNDES ampliou o montante de créditos concedidos às concessionárias assim privatizadas (VIEIRA, 2007, p.136). Continuando esta linha crítica a respeito das privatizações, principalmente a respeito da indústria da energia elétrica, Vieira (2007) afirma que: A reforma era justificada, segundo seus idealizadores, para promover um incremento significativo do desempenho estatal mediante a introdução de formas inovadoras de gestão e de iniciativas destinadas a: quebrar as “amarras do modelo burocrático”, descentralizar os controles gerenciais e flexibilizar normas, estruturas e procedimentos (VIEIRA, 2007, p.94). O Decreto Federal 915 de 1993 marca o início da liberalização e privatização do setor elétrico brasileiro. Segundo Vieira (2007), este novo modelo tinha a pretensão de transformar o setor elétrico de uma estrutura monopolizada para uma estrutura competitiva, ou seja, (...) institui a competição na geração e na comercialização, o livre acesso às redes elétricas, um regulador forte na transmissão e distribuição, como também determinando quem seria considerado consumidor cativou ou consumidor livre 10 (VIEIRA, 2007, p.108). 10 Segundo Tolmasquim (2011): Antes de 1995, só existia a figura do consumidor “cativo”, que estava obrigado a comprar energia elétrica exclusivamente da distribuidora local. Em 1995, na preparação para a reforma dos anos 1990, foi criada a figura do consumidor livre com o intuito de dar opção de escolha na contratação dos serviços de fornecimento de energia, ou seja, consumidores com carga igual ou superior a 3MW optam pela empresa que irão adquirir energia. O consumidor livre é aquele que, atendido em qualquer tensão, exerceu a opção de compra de energia elétrica (...) sua carga tem de ser de 3MW ou maior, e a tensão, de 69kV ou superior. Novos consumidores, com carga de 3MW ou maior, conectados ao SIN[Sistema Integrado Nacional] após 07 de julho de 1995, não estão sujeitos aos limites de tensão. [grifo nosso] (TOLMASQUIM,2011, p.67-68). 35 Por fim, também sobre o modelo do setor elétrico instaurado na década de 1990, Tolmasquim (2011), Vieira (2007) e Biondi (2001) apontam que este foi elaborado “às pressas”, procurando instalar um padrão que havia sido estabelecido na Inglaterra e na França, onde se criaram parcerias que estruturaram os mercados elétricos, mas não foi essa realidade no Brasil. VIEIRA (2007, p.139) explicita, ademais, que “o modelo de mercado instituiu em negar que o Estado tivesse papel central, e não apenas indicativo, no planejamento estratégico da eletricidade.” Por seu lado, Tolmasquim (2011) enfatiza, ainda, que este modelo: (...) não ofereceu à sociedade brasileira os três objetivos de qualquer serviço público, em particular a prestação de serviços de energia elétrica: confiabilidade de suprimento, modicidade tarifária e universalidade (TOLMASQUIM, 2011, p.21). Após a segunda grande crise do setor elétrico brasileiro (apagões do início dos anos 2000), em 2004 se inicia a elaboração e implementação de um novo modelo de marco regulatório no setor elétrico. Este, chamado comumente de “Modelo de Contratação Multilateral” tem como uma de suas características básicas não haver: (...) uma empresa centralizadora das compras de energia, mas sim um pool de empresas, que uma vez licitados os empreendimentos de geração, assinariam contratos bilaterais com cada agente vencedor da licitação. Os agentes demandantes de energia ficariam responsáveis pelo pagamento de uma receita permitida, de forma proporcional à energia adquirida (TOLMASQUIM, 2011, p.23). Por se tratar de uma alteração relativamente recente, muitos autores ainda abordam estas mudanças, apenas do ponto de vista da análise da elaboração do modelo e suas características fundamentais. No que se refere ao período de nossa atual análise, observa-se um novo contexto de planejamento econômico se estabelecendo no Brasil, onde, no caso da energia, atuam diferentes agentes produtores e consumidores, e o Estado como um centralizador e fiscalizador das diversas empresas participantes da geração de energia. A Tabela 3 apresenta a evolução da oferta de energia no Brasil de 1990 a 2009, como uma continuação da Tabela 2 apresentada anteriormente, para que possamos analisar quais as principais alterações que vem ocorrendo na matriz energética brasileira. 36 Tabela 3 – Oferta Interna de Energia em 10³tep e percentual, 1990 – 2009. FONTES 1990 2000 2005 2009 10³tep % 10³tep % 10³tep % 10³tep % Petróleo, Gás Natural e Derivados 62.085 43,72 96.999 50,89 105.079 48,06 113.567 46,56 Carvão Mineral e Derivados 9.615 6,77 13.571 7,12 13.721 6,27 11.572 4,74 Hidráulica e Eletricidade 20.051 14,12 29.980 15,73 32.379 14,81 37.064 15,19 Lenha e Carvão Vegetal 28.537 20,10 23.060 12,10 28.468 13,02 24.610 10,09 Produtos da Cana 18.988 13,37 20.761 10,89 30.147 13,79 44.447 18,22 Outras 2.724 1,92 6.245 3,28 8869 4,06 12.670 5,19 Total 142.000 100 190.616 100 218.663 100 243.930 100 Fonte: Balanço Energético Nacional, 2010. Organização: Evandro Filie Alampi Como podemos notar, há um salto na oferta de energia no período percebe-se que somente a fonte Lenha e Carvão Vegetal diminuiu sua participação a partir dos anos de 1990 e vem perdendo seu peso relativo até 2009. Já as outras fontes apresentam ganhos neste período. Destaque para o Petróleo, Gás Natural e Derivados, a Hidráulica e Eletricidade e Produtos da Cana. Mesmo com a variação de seu percentual as fontes derivadas de Petróleo e Gás Natural aumentam em seu número absoluto. Os produtos da cana ganham seu peso na oferta interna de energia, chegando a mais de 18% do total, e contando com um aumento significativo se relacionarmos com a análise contida na Tabela 2, que compreende o período entre 1940 e 1980. Segundo Tolmasquim (2011) o novo modelo implementado em 2003-2004 foi motivado pela necessidade de correção de deficiências encontradas no modelo anterior como: - Superestimação do lastro dos contratos iniciais; - Ausência de coordenação institucional entre órgãos setoriais; - Falta de modelo regulatório juridicamente consistente e robusto, que - estimulasse o investimento privado; - Falta de planejamento estrutural; - Restrição ao investimento das Empresas Estatais. (TOLMASQUIM, 2011, p.239). Ainda segundo Tolmasquim (2011) com o novo modelo retomou-se o planejamento de longo prazo que permitirá a escolha de projetos mais eficientes e soluções mais econômicas na expansão da oferta de energia, bem como o monitoramento do sistema, a criação de reserva de energia e o ajuste de crédito para viabilização de novas ofertas. O autor conclui, também, que o êxito deste novo modelo: (...) principalmente na contratação de energia nova, deve-se também à constante atuação do Estado, que permitiu eliminar barreiras técnicas 37 e econômicas que impediam a contratação de energia, especialmente a de fontes renováveis (...) (TOLMASQUIM, 2011, p.244). Outro fator que o autor apresenta em suas conclusões é que a segurança de suprimentos energéticos é determinante para o desenvolvimento, sendo que este deve ser acompanhado de um planejamento de longo prazo e de monitoramento permanente das condições de atendimento e, por fim, podemos afirmar que o novo marco regulatório vem garantindo a expansão da capacidade de geração de forma mais eficiente e segura (Tolmaquim, 2011). A partir desta afirmação podemos verificar que concomitante ao Novo Modelo de Contratação Multilateral, novas ações de planejamento energético no Brasil foram iniciadas, e intensificaram-se, principalmente a partir da criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que engloba uma série de setores estratégicos para a estrutura econômica do país, áreas como saneamento, habitação, transporte, energia e recursos hídricos. De acordo com as informações contidas no sítio do programa 11 , O PAC – Programa de Aceleração do Crescimento foi lançado no início de 2007 e previu uma receita total de R$503,9 bilhões até 2010. Nas questões ligadas à energia tem o objetivo de investir R$ 274,8 bilhões em geração e transmissão de energia, petróleo, gás natural e combustíveis renováveis. Tais investimentos foram previstos até o fim de 2010, mas em março de 2010 o governo lança a segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) que incorpora ainda mais ações nas áreas social e urbana, além de mais recursos para continuar construindo a infraestrutura logística e energética, e está previsto até 2014. Encontram-se em Anexo as Tabelas III e IV, que apresentam uma série de investimentos do PAC por tipo, subtipo, empreendimento, investimentos previstos entre 2007 e 2010, investimentos previstos após 2010 e o estágio atual (dezembro de 2010) do empreendimento, todos relacionados ao Estado de São Paulo. Na Tabela 2 constam os empreendimentos exclusivamente paulistas e na Tabela 3 os de caráter regional, onde o Estado de São Paulo está envolvido. A nosso ver, este modo de planejar reforça o referido Modelo de Contratação Multilateral, que pretende estimular as empresas a novas ações para investir em novas fontes ou até mesmo em novas unidades geradoras de energia. Ou seja, o Estado dá o suporte necessário para que novos agentes produtores possam entrar no sistema elétrico 11 38 brasileiro, a fim de reduzir as tarifas e aumentar a oferta de energia disponível. Portanto observamos, aqui e trataremos a seguir, um suporte por parte do Estado para a transformação da energia de matéria prima em produto final, sinalizando a importância da análise da energia tanto como insumo como indústria, ou seja, indústria da energia. Como se pode observar este capítulo procuramos abordar, de forma resumida, os principais acontecimentos presentes no debate energético no Brasil, sendo que ao final nos limitamos em apresentar os principais argumentos de Tolmasquim (2011) em relação ao novo modelo ainda vigente. Não nos prendemos em analisar tal viabilidade ou quais são os rebatimentos verificados até o momento, pelo fato de ser um assunto ressente e que precisa ser analisado ao longo de sua vigência, mesmo porque este não é o principal objetivo do trabalho. A partir destas principais mudanças ocorridas no setor energético brasileiro, juntamente com as ações do Estado, direcionamos nossa análise para a dinâmica industrial paulista, ou seja, quais os reflexos que a estruturação da indústria da energia brasileira trás ao território paulista. De modo que daremos foco à produção e ao consumo de energia industrial, em suas diferentes fontes. Neste sentido, com a emergência e consolidação de novas fontes de energia e sua geração em localizações mais diretamente relacionadas às Regiões Administrativas que não aquelas próximas região metropolitana de São Paulo é possível traçar um debate que aprofunde tais temas a partir de uma geografia da energia relacionada a um novo mapa da indústria paulista. 39 2. INDÚSTRIA E ENERGIA NO ESTADO DE SÃO PAULO Após compreender os principais condicionantes da produção de energia no Brasil e algumas articulações produzidas, tanto no nível de território, como do espaço geográfico, iniciaremos, aqui, uma discussão que nos permita aproximar da dinâmica industrial. Iniciaremos nossa abordagem em uma perspectiva da indústria de modo geral, passando pelo início da industrialização brasileira e seus reflexos no território paulista, e em seguida procuramos compreender as relações que, até o momento, destacamos como importantes para contribuir com os estudos sobre localização industrial paulista, relacionando-a a energia. Para tal recorreremos a alguns “clássicos” da Geografia Industrial, tais como Estall e Buchanan, Manuel Correa de Andrade, Pierre George, Harry Richardson, entre outros. Tais autores, em sua maioria, abordam em suas obras assuntos multidisciplinares nas ciências geográficas que vão desde questões locacionais como também fontes de energia, investimentos, economia regional, estruturação urbana entre outros. Aqui apresentaremos uma discussão a partir de suas abordagens sobre questões relacionadas à energia, o que significa dizer que trata-se, primordialmente das relações entre fontes de energia e localização industrial, principalmente considerando que se trata de publicações entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Tal perspectiva já fica clara em Estall e Buchanan quando afirmam que: Temos que considerar a importância de suprimentos energéticos reais e imediatamente possíveis para a indústria e seus efeitos sobre a sua localização, e para esse fim limitar-nos-emos às principais fontes de combustível e energia para a indústria moderna, isto é, carvões, petróleo, gás natural e, muito aquém de todos estes, a energia hidráulica. Deve-se ter em mente que essas fontes de energia podem ser utilizadas, quer diretamente, quer indiretamente, pela indústria. Em outras palavras, a indústria moderna muitas vezes tem uma opção tanto do tipo da fonte de energia primária a utilizar como da forma em que utilizá-la. A utilização direta implica uma localização seja no local da exploração, seja num ponto ao qual a fonte energética pode ser levada economicamente. Empregada indiretamente, a fonte de energia primária é transformada em energia sob outra forma, que pode ser mais conveniente ou barata de usar ou transportar (ESTALL e BUCHANAN, 1976, p.51). Os autores enfatizam a relação estratégica e de dependência entre a disponibilidade, real ou imediatamente possível, de oferta de energia e a localização das atividades industriais. A partir das dotações desiguais do meio natural, as variações de qualidade, acessibilidade e custos de exploração dos recursos energéticos são 40 produzidas também desiguais distribuições da localização industrial. Com isso, afirmam a dependência da implantação de sistemas de transporte/transmissão de energia de um local a outro para que possam suprir as necessidades daqueles não beneficiados por fontes energéticas. De maneira mais explicita no trecho a seguir é possível perceber que: Com tais desigualdades regionais de recursos de energia a economia (e a política) do transporte de energia assume grande significado. A transportabilidade da energia desempenha papel de relevância quanto à decisão de um recurso conhecido poder ou não ser explorado, e qual das várias possíveis fontes energéticas realmente será utilizada em qualquer local considerado. Torna-se patente, portanto, que o suprimento e os custos da energia exercem importante efeito sobre decisões de localização em certas indústrias (ESTALL e BUCHANAN, 1976, p. 53). Assim, as desigualdades na disponibilidade de oferta geram efeitos diretos na localização industrial: Os principais efeitos da localização da utilização industrial de eletricidade até agora discerníveis são: I) na localização das indústrias do processo elétrico; II) no permitir que maior número de indústrias capitalizem as localizações de mercado onde os recursos energéticos locais se tenham tornado insuficientes ou dispendiosos ou faltem inteiramente; e III) juntamente com outros progressos que ajudem a diminuir a importância relativa das considerações relativas à energia nas decisões sobre localização (ESTALL e BUCHANAN, 1976, p. 70). Emerge daí, que a desigual, e por vezes, escassa distribuição espacial da fonte ou do suprimento de energia desencadeie como um de seus produtos mais notáveis não apenas diferenças entre indústrias que se capitalizam e, conseqüentemente, podem crescer e dominar o mercado frente a outras, mas também, dados os propósitos de nossa discussão, produzam desigualdades entre localidades e regiões. George (1983), nesta mesma linha, explicita a impossibilidade de um sistema de armazenamento de energia para solucionar tal questão, enfatizando a necessidade de ações que visem facilitar o processo de transmissão e localização tanto das indústrias, como também das fontes geradoras de energia: a produção e o consumo da energia elétrica, estão determinados pela impossibilidade de seu armazenamento e ao aumento do preço proporcionalmente à distância entre o produtor e o consumidor (GEORGE, 1983, p.99). O espaço aqui aparece como distância a ser vencida, sendo diretamente associado, portanto, a um custo adicional a ser apropriado desigualmente pelas 41 atividades econômicas, interferindo até mesmo na concorrência entre empresas e em suas possibilidades de crescimento. Estall e Buchanan (1976) apontam, também, para a necessidade de aprimoramentos na transmissão da energia para o desenvolvimento e a localização das indústrias, relacionados principalmente à transmissão elétrica, incorporando o desenvolvimento tecnológico, que aparece como estratégia de superação de custos adicionais: A demanda industrial de eletricidade é, portanto, acentuada, achando- se em rápido crescimento. Também quanto a oferta, os progressos técnicos têm aumentado grandemente a eficiência das usinas geradoras de eletricidade térmica, bem como a capacidade dos engenheiros de aproveitar a força hidráulica disponível. Tais empreendimentos, ao afetarem a localização da nova capacidade geradora, também influenciaram a localização da indústria. Mas o setor do progresso tecnológico com maiores possibilidades para a localização industrial é o que se relaciona com a transmissão elétrica (ESTALL e BUCHANAN, 1976, p. 70). Richardson (1975), por sua vez, aponta a relação entre localização e custos de transporte, indicando uma possibilidade de lucro máximo para uma empresa quando os custos de transporte são mínimos, seguindo os princípios norteadores do espaço como um custo a ser vencido. Segundo o autor: Os produtores de bens de consumo nesse caso serão estimulados a localizar-se perto do mercado consumidor, ao passo que as fases iniciais de produção serão atraídas pelas fontes de fornecimento de matérias-primas. Se o mercado consumidor e as fontes de matérias- primas estão separados espacialmente, o resultado será uma dispersão vertical das localizações. Quanto maiores os custos de transporte, tanto maior será o grau de dispersão espacial, especialmente em uma indústria que elabora um mesmo produto e está em concorrência pura (RICHARDSON, 1975, p.117). Andrade (1987), já no final da década de 1980, abre a discussão para outras questões, principalmente aquelas relacionadas à produção/implantação de novas fontes de energia. Indica, assim, a viabilidade/necessidade da exploração da energia hidrelétrica, a mobilização da agricultura para a produção de álcool hidratado para combustíveis (Proálcool), a partir da mandioca e da cana-de-açúcar e alternativas como a geração de energia através de reatores nucleares, no caso das usinas nucleares de Angra dos Reis – RJ. Essas “novas” fontes são vistas por Andrade (1987) como saídas para aumentar a oferta de energia no mercado, alterando inclusive os padrões de localização das atividades da indústria da transformação. 42 A partir de Santos (1996), porém, é possível recuperar outras e distintas determinações para a relação entre indústria e energia. Para ele, a etapa mais recente do desenvolvimento capitalista, caracterizada como meio técnico-científico-informacional, revolucionou e revoluciona de maneira permanente não apenas a produção em si, mas também os processos e as formas de produzir, bem como as condições específicas em que ocorre a produção. O volume, a natureza e a intensidade de “fixos e fluxos” requeridos permanentemente e de forma crescente para viabilizar a produção e o consumo permitem buscar novas interpretações para a discussão da localização industrial, ou seja, este meio técnico é caracterizado pelos meios de produção, transmissão e distribuição de energia, para o qual são fundamentais as normas e regulações no nível de Estado, como também por meio de investimentos privados. Sendo assim, podemos considerá-lo como um meio geográfico, como um produto particular de um conjunto de determinações seja pelas relações emanadas do Estado, como também a partir dos investimentos privados ligados a energia. Entre os principais autores que contribuem para a interpretação desta “nova era industrial” estão Georges Benko, Barjas Negri, André Fisher, Sandra Lencioni, Silvia Selingardi Sampaio, entre outros. A interpretação destes autores aponta para uma mudança de paradigma, uma alteração em relação ao processo de uma localização industrial mais dinâmica, onde a indústria produz o meio, sendo ela quem faz com que novas estruturas tecnológicas se implantem em diferentes territórios, os revolucionado de acordo com suas necessidades. Assim, aquela indústria que outrora dependia exclusivamente da combinação de vários fatores e dotações naturais para se instalar em uma localidade dá lugar a outra que se destaca por sua dinâmica e sua capacidade de alterar e produzir o território, mesmo que ainda seja considerada a advertência de Haesbaert (2002), quando afirma que: (...) uma atividade é territorializada quando sua efetivação econômica depende da localização (dependência do lugar), e quando tal localização é específica de um lugar, isto é, tem raízes em recursos não existentes em muitos outros espaços ou que não podem ser fácil e rapidamente criados ou imitados nos locais que não os têm (HAESBAERT, 2002, p.44). Sendo, então, concreto o território, as atividades nele desenvolvidas dependem das dotações da localização, ou seja, relacionam-se com os recursos nele existentes, o que o diferencia dos outros. Porém, ao mesmo tempo em que se refere às condições particulares de uma determinada localidade que as diferencia de outras, o território pode 43 ser tomado também como resultado das ações de agentes que o diferenciam e dota-o de atributos ao produzi-lo. E esta é uma das dimensões presentes no debate contemporâneo a respeito dos paradigmas sobre a localização industrial. Firkowski e Spósito (2008), ao exporem as idéias de André Fischer no livro “Indústria, ordenamento do território e transportes: uma contribuição de André Fischer” aborda as relações privilegiadas dessas empresas em relação aos territórios. Os autores afirmam que o território pode e deve ser considerado um espaço onde há relações de poder, projetos sociais e estratégias de valorização que ao mesmo tempo se contradizem, ou seja, relações de organização, controle, desenvolvimento, ordenamento e planificação que se afrontam aos interesses dos diferentes agentes ali inseridos. Podemos então dizer que sejam indústrias que deslocam suas bases produtivas, sejam ainda aquelas que surgem a partir de bases locais de acumulação configuram o território dados seus propósitos, mas alteram também as bases produtivas anteriores (preocupando-se apenas com as relações impostas pelo mercado capitalista) e as relações sociais e de poder pretéritas contidas naquele território. Brandão (2007) aponta ao desenvolvimento capitalista como: (...) intrinsecamente marcado por rupturas, conflitos, desequilíbrios e assimetrias, e apresenta uma peculiar espacialidade de sua riqueza, sob a forma de mercadorias, que requer instrumentos analíticos e conceituais bastante precisos para seu estudo (BRANDÃO, 2007, p.70). Aponta, ainda, que para tratar o desenvolvimento capitalista faz-se necessário trabalhar os conceitos de homogeneização, integração, polarização e hegemonia. (BRANDÃO, 2007). A homogeneização caracteriza-se pela uniformização das condições para a reprodução do capital, resultando em espaços unificados para sua valorização. A integração é caracterizada pelo enlace de espaços e estruturas produtivas, resultando em um combate entre as diversas frações do capital no contexto de uma dada divisão social do trabalho. A polarização, por sua vez, é caracterizada pela dominação e irreversibilidade, resultando em sistemas de relações centro-periferia. Por fim, a hegemonia remete ao sistema de influências, baseado no consentimento ativo, resultando em um poder desigual de decisões (BRANDÃO, 2007). A partir dos conceitos de homogeneização, integração, polarização e hegemonia é possível verificar a influência das atividades industriais na produção do território que ocupa, pois ela o homogeneíza no sentido de criar condições para sua instalação, ela promove um integração, fazendo com que sejam mantidos contatos direto 44 seja com sua sede (quando for o caso), seja com outras atividades complementares, seja ainda com seus fornecedores e/ou clientes. As indústrias polarizam os territórios que ocupam no sentido em que os fazem dependentes dos centros (sejam os centros de comando e gestão, sejam os centros comerciais e de distribuição). O mesmo acontece em relação à hegemonia, pois da mesma maneira em que há um poder desigual de decisões, ou seja, o mercado influencia a produção e é por ela influenciado, emergem capacidades de distintas de comandar, articular e conduzir processos. Segundo ESTALL-BUCHANAN (1973, apud FIRKOWSKI E SPOSITO, 2008, p.115), um dos fatores mais decisivos é o custo do transporte, ou seja, a necessidade de se localizar o mais próximo possível do mercado e das fontes de matéria prima, dentre elas a energia. Portanto, o transporte é extremamente importante para a maximização dos lucros das indústrias, sendo até “considerado como uma parte integrante do processo de produção porque uma mercadoria pode ser considerada sem utilidade quando ela não atinge seu lugar de consumo”. Com isso o território torna-se mais atrativo graças: (...) aos recursos, aos potenciais, às oportunidades que ele propõe e graças também a sua capacidade de adaptação às flutuações das necessidades da atividade econômica. Pode-se então considerar, sobre as bases das redes relacionais que ele autoriza (sub e contratados, sinergias, parcerias...) e das capacidades de inovação que ele propõe ou gera (em curto ou longo prazo), que esse “território” é suscetível de se transformar em fator estratégico do desenvolvimento e da competitividade da empresa (FIRKOWSKI e SPOSITO, 2008, p.61-62). A partir destas condições do território e suas alterações causadas pelos impactos das empresas, Benko (1996) aponta a competitividade existente entre elas em diferentes territórios, ou seja, há uma: (...) tendência atual das grandes empresas a delegar uma parcela do seu poder às filiais dispersas nos quatro cantos do mundo. Para melhorar sua competitividade, as multinacionais confiam suas filiais a administradores autóctones, mais aptos a perceber as especificidades locais nos métodos de gestão e produção (BENKO, 1996, p.67). Evidencia-se, assim, a possibilidade de análise de alguns dos motivos desta nova (re)distribuição das indústrias no território paulista, em que devem ser articulados elementos relacionados á busca por novos mercados, acesso e disponibilidade a mão-de- obra barata, ofertas de matérias-primas, facilidades de instalações/implantação, facilidades de acesso e escoamento de mercadorias a amplos mercados consumidores, 45 melhorando sua competitividade pelos menores preços finais dos produtos e alcance de seus mercados. Em Sposito (2004) apud Furini (2010) observamos esta linha de raciocínio quando afirmam que: No caso da produção industrial, destaca-se a tendência contemporânea de separação territorial das atividades de produção das atividades de comando e gestão. As últimas têm permanecido nas grandes metrópoles nacionais, reforçando seus papéis quaternários e aumentando suas relações internacionais, sobretudo no caso de São Paulo. Os grandes grupos econômicos, ao estabelecerem suas escolhas locacionais para as atividades de produção, ou seja, para a instalação de novas fábricas, têm preferido áreas urbanas ou áreas com localização estratégica, mesmo que estejam localizadas fora das cidades onde são menores os custos da produção (por exemplo, preço da terra e preço da força de trabalho). Esse processo de desconcentração espacial das unidades de produção industrial altera o jogo de forças políticas e sociais que incidem sobre o uso do espaço urbano, sobre a rede de relações em que se ensejam as cidades locais e médias e sobre a dinâmica do trabalho e do emprego. Por outro lado, o processo acompanha-se de centralização do capital, das decisões e da gestão econômica, redefinindo as lógicas territoriais, que se tornam mais e mais associadas aos avanços tecnológicas que articulam sistemas de telecomunicações por satélite a sistemas computacionais em rede (SPOSITO, 2004 apud FURINI, 2010, p.1-2). São estas as motivações concretas que permitem com que a literatura atual sobre tais questões possa se debruçar com cuidado sobre fatores dinâmicos da localização, em que são reequacionadas as complexas relações entre fixos (infra- estruturas instaladas, por exemplo) e fluxos (relacionados à possibilidade real ou potencial de acesso, interações e contatos múltiplos e em variadas escalas). E é neste sentido que deve ser conduzida a investigação a respeito da relação entre localização e energia, englobando não apenas sua geração, mas a capacidade instalada de sua transmissão e não apenas suas fontes, mas seu consumo. Inserindo esta discussão no contexto brasileiro, podemos afirmar que o padrão que se instalou em meados dos anos 1950 no Brasil exigiu uma concentração de investimentos em um curto prazo, sendo o Estado o principal agente atuante, investindo verba pública para concentrar estruturas fundamentais em locais estratégicos, estimulando a concentração das atividades (PIQUET, 2007). Já em um segundo momento, Piquet (2007) afirma que: (...) dada a natureza do padrão locacional das indústrias básicas, a continuidade do processo de acumulação passa a exigir não só a incorporação de crescentes parcelas de território e população como uma redefinição da infra-estrutura de apoio (PIQUET, 2007, p.76). 46 Ou seja, a intervenção do Estado ocorre neste momento em que se baseia no princípio da desconcentração espacial, implantando projetos de integração nacional em centros de médio porte, a fim de garantir a rentabilidade dos capitais já instalados, abrir novas frentes de expansão, fortalecendo os mercados locais, a fim de resolver os “problemas do atraso industrial” (PIQUET, 2007). Para melhor compreender na prática como as relações se fazem presentes no território paulista, nos remetemos à dinâmica industrial do Estado de São Paulo. Para tal, vale ressaltar que até meados da década de 1970 a Região Metropolitana de São Paulo atinge um ponto máximo de concentração das atividades econômicas, seja em relação ao Estado, seja em relação ao país (LENCIONI, 1994). A partir daquele momento, e por conta de uma série de medidas estatais (tanto de governos federal, estadual e municipais), o avanço do processo de urbanização e a difusão espacial de investimentos em telecomunicações e transportes (por exemplo), mas também como resultado de transformações macroeconômicas mais gerais, muitas indústrias remanejaram suas bases produtivas para diversas regiões tanto do Brasil, mas, sobretudo no Estado de São Paulo (NEGRI, 1994). Piquet (2007) acrescenta que nesta época: Os governos dos países latino-americanos põem em prática diversas formas de ação tendo como objetivo diminuir as disparidades inter- regionais e aumentar os níveis de consumo das populações de regiões mais atrasadas. São posturas políticas de desconcentração da indústria e de modernização do setor agrícola de modo a integrar as estratégias de desenvolvimento regional às do planejamento nacional (PIQUET, 2007, p.22). Devido a estas políticas e estratégias de desconcentração industrial, muitas regiões administrativas se tornaram atrativas para certos tipos de indústrias, como é o caso das regiões de Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e Baixada Santista, mas as outras regiões também ganham destaque, tanto a partir da instalação de unidades industriais que se deslocam da metrópole, mas também a partir do adensamento de suas bases produtivas locais/regionais pré-existentes. A bibliografia que compreende a história dos processos de industrialização do Estado de São Paulo indica que este processo foi intensificado no início do século XX, a partir da acumulação de capitais provindos da economia cafeeira e aplicados na construção de estruturas tanto para o funcionamento de unidades produtivas quanto para o transporte de mercadorias e matérias-primas para a indústria (ferrovias, construção de fábricas, usinas de energia etc.), em grande escala no município de São Paulo 47 (MATUSHIMA, 2001) e na área que viria a constituir-se como sua região metropolitana. Porém, podemos identificar que a partir de diferentes fatores, articulados, possibilitaram uma queda relativa nos números de emprego industrial, produto interno bruto, consumo de energia, fluxo de capitais etc. na região metropolitana. Lencioni (1994) aponta, para o aumento do valor da produção industrial nas regiões administrativas exceto a Região Metropolitana de São Paulo, aumentando cerca de 20% entre 1960 a 1985, mostrando nitidamente o “incremento” de sua participação no valor da transformação industrial. Podemos afirmar, então, que a partir dos anos 1970 vai ficando cada vez mais evidente esta busca de novas localizações e territórios pelas indústrias no Estado de São Paulo, decorrente de diversos fatores: seja pelas facilidades de instalação conferidas por tais novas localizações, seja por processos decorrentes de reestruturações internas às próprias empresas, seja ainda por fatores decorrentes de deseconomias da localização metropolitana. Remetendo a Negri (1994), veremos que os dados dos diferentes ramos industriais apontam esta mudança na localização, principalmente a partir de 1980: Em 1980, vamos encontrar diversos ramos industriais fortemente concentrados no Interior de São Paulo; os de maiores participações no valor da transformação industrial estadual eram: madeira (71,5%); alimentos, bebidas, química e couros e peles em torno de 60%; minerais não metálicos com quase a metade; têxtil e papel e celulose com mais de 40%; vestuário, calçados e artefatos de tecidos, mobiliários e a mecânica com pouco mais de um terço do total (NEGRI, 1994, p.224). Nos anos 1980, ainda, o interior continua recebendo investimentos governamentais para suas infra-estrutur