UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA Élderson Mariano de Souza Valois Detecção molecular da viabilidade de Mycobacterium leprae em animais silvestres e possível associação na manutenção da transmissão da doença em região hiperendêmica da Amazônia Meridional Tese apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Doutor em Doenças Tropicais. Orientadora: Prof.a Dra. Ida Maria Foschiani Dias Batista Coorientadora: Prof.ª Dra. Eliane Ignotti Botucatu (2019) Élderson Mariano de Souza Valois Detecção molecular da viabilidade de Mycobacterium leprae em animais silvestres e possível associação na manutenção da transmissão da doença em região hiperendêmica da Amazônia Meridional Tese apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Doutor em Doenças Tropicais. Orientadora: Prof.ª Dra. Ida Maria Foschiani Dias Batista Coorientadora: Prof.ª Dra. Eliane Ignotti Botucatu 2019 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CÂMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: LUCIANA PIZZANI-CRB 8/6772 Valois, Elderson Mariano de Souza. Detecção molecular da viabilidade de Mycobacterium leprae em animais silvestres e possível associação na manutenção da transmissão da doença em região hiperendêmica da Amazônia Meridional / Elderson Mariano de Souza Valois. - Botucatu, 2019 Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de Medicina de Botucatu Orientador: Ida Maria Foschiani Dias Baptista Coorientador: Eliane Ignotti Capes: 20100000 1. Epidemiologia molecular. 2. Mycobacterium leprae. 3. Animais como transmissores de doenças. 4. Zoonoses. Palavras-chave: Epidemiologia molecular; Genes 16S rRNA e RLEP; Mycobacterium leprae; Mycobacterium lepromatosis; Zoonoses. DEDICATÓRIA DEDICATÓRIA “Dedico esse trabalho a tia Deuza que me apoiou em toda minha trajetória acadêmica, foi mãe, psicóloga, amiga e por último e não menos importante, colaboradora da minha pesquisa de doutorado. Obrigado por existir!” AGRADECIMENTOS AGRADECIMENTOS Ao universo (Deus) A minha orientadora (Ida Foschiani) pela dedicação, por ter acreditado nesse trabalho e ter feito acontecer. A minha coorientadora (Eliane Ignotti) uma grande pessoa que sempre me incentivou a ir mais longe. A Instituição Lauro de Souza Lima (Dr. Marcos Virmont, Dra. Patrícia Sammarco Rosa, Dra. Andrea, Noeme, Rosangela, Sr Batista, Rock). Pelo apoio e suporte para que eu concluísse este doutorado. Ao CPD ILSL, Eric, e o Japa (Ulisses). A portaria e segurança do ILSL (Robert, Reginaldo, Sr. Zé, Amanda, Ana Paula, Vanderley, Malra, Marcio, Michel, Douglas) A Universidade do Estado de São Paulo – UNESP, professores e programa de pós- graduação em Doenças Tropicais. A Bruna Jorgetto da pós-graduação pelo apoio e atenção que teve dado durante esses anos em meu doutoramento. A Universidade Federal de Mato Grosso - Sinop (Professores Roberta Bronsone, Gustavo Canale) David pela amizade e disponibilidade em ajudar com as coletas dos animais. A Universidade do Estado de Mato Grosso (Professores doutores Almeri Bumpi, Manoel Santos-Filho) Dr. Patrick ao qual sem suas coletas eu não teria amostras. Ao grupo de pesquisa da biologia molecular que me deram apoio, em especial a Amanda que esteve comigo em todas etapas da minha pesquisa, e aos amigos Elô, Vitor, Nathan, Ana Elisa e Gabi. A equipe técnica da biologia molecular (Priscila Balalai). Aos meus compadres e amigos (Ana Paula e Kiwi). Aos amigos (Robson, Tetê, Magalei, Nilo, e Welvis). Aos amigos de longa data (Marcele, Rafael, e Contita) de Sinop. Aos meus amigos Cesar, Igor, Kazuo, e Hugo de Cuiabá. Ao meu amigo Diogo, Rio de Janeiro. Aos colegas de estudo (Bruna, Giovana, Mariane, Keren, e Rodrigo). EPIGRAFE EPIGRAFE “Deixem que o futuro diga a verdade e avalie cada um de acordo com o seu trabalho e realizações. O presente pertence a eles, mas o futuro pelo qual eu sempre trabalhei pertence a mim”. Nikola Tesla LISTA DE ABREVIATURAS CEPA - Comitê de Ética em Pesquisa Animal DD - Dimorfa-Dimorfa DT - Dimorfa-Tuberculóide DV - Dimorfa-Virchowiana IB- Índice Baciloscópico IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMBio - Instituto Chico Mendes MB- Multibacilar OPAS - Organização Pan-Americana de Saúde PB- Paucibacilar PGL– Phenolic glycolipid (Glicolipídeo fenólico) PQT- Poliquimioterapia qPCR - Polymerase chain reaction quantitative real time RNAr - Ribosomal ribonucleic acid (ácido ribonucleico ribossômico) RT-PCR / qPCR- Real Time Polimerase Chain Reaction (Reação em Cadeia da Polimerase) / PCR quantitativo (Polymerase chain reaction quantitative) SINAN - Sistema de Informação de Agravos de Notificação SISBIO - Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade SNP - Single Nucleotide Polimorphim TT - Tuberculóide- Tuberculoide VV - Virchowiana-Virchowiana WHO - World Health Organization (OMS - Organização Mundial da Saúde) LISTA DE FIGURAS Figura 1. Mapa mundial epidemiológico da distribuição de casos novos de hanseníase em 2017 (Organização Mundial da Saúde, 2018). .................................................... 36 Figura 2. Sintenia genômica e principais características de M. leprae e M. lepromatosis. Os 126 contigs de M. lepromatosis distinguem-se com cores vermelhas e laranja. As listras azuis claras indicam as repetições dispersas em M. leprae. A linha preta indica uma variação estrutural confirmada entre M. leprae e M. lepromatosis (Singh et al. 2015). .................................................................................................... 39 Figura 3. Mapa de localização da área de estudo, sedes municipais, área dos clusters de captura dos roedores e marsupiais, área de captura dos tatus Dasypus novemcinctus e Biomas no Estado de Mato Grosso, Centro-Oeste, Brasil. ............ 51 Figura 4. Detecção molecular de M. leprae para sequência repetitiva RLEP (enumerador bacilar), 16S RNAr (viabilidade) e RLEP+16SRNAr em amostras de orelha, fígado e baço oriundas de animais silvestres das Ordens Didelphimorphia e Rodentia. ................................................................................................................... 60 Figura 5. Mapa da área geográfica do Estado do Mato Grosso onde estão localizados os municípios de captura e coleta das amostras de baço, fígado e orelha de animais silvestres. ................................................................................................................... 65 Figura 6. Mapas de localização dos Clusters B, C e F nas áreas de fragmentos florestais onde foram capturados os animais silvestres da ordem Didelphimorphia e Rodentia. ................................................................................................................... 66 Figura 7. Mapas de localização dos Clusters G, H, I e J nas áreas de fragmentos florestais onde foram capturados os animais silvestres da ordem Didelphimorphia e Rodentia. ................................................................................................................... 67 Figura 8. Mapa de calor gerado para a variável RLEP mostrando a intensidade de animais infectados entre a fronteira rural e o perímetro urbano dos municípios de Santa Carmem, Sinop, Sorriso, Ipiranga do Norte e Vera. A representação das áreas corresponde ao ponto de coleta dos animais. ........................................................... 69 Figura 9. Mapa de calor gerado para a variável 16S RNAr mostrando a intensidade de animais infectados entre a fronteira rural e o perímetro urbano dos municípios de Santa Carmem, Sinop, Sorriso, Ipiranga do Norte e Vera. A representação das áreas corresponde ao ponto de coleta dos animais. ........................................................... 70 Figura 10. Detecção molecular de M. leprae para RLEP (presença), 16S RNAr (viabilidade) e RLEP+16SRNAr em amostras de orelha, fígado e baço oriundas de tatus da espécie Dasypus novemcinctus. ................................................................. 71 Figura 11. Imagem de satélite do Estado de Mato Grosso, Brasil (A); área de captura dos tatus (Dasypus novemcinctus) no município de Marcelândia – MT (B); destaque para local de coleta em pomar de perímetro urbano (C). .......................................... 72 Figura 12. Eletroforese em gel de agarose para confirmação da amplificação do fragmento de 244 pb para M. lepromatosis em amostras de fígado e baço. ............ 73 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Informação dos animais silvestres capturados e organizados em nível de Ordem e Gênero segundo os dados de estrato vertical, dieta, biomas e tipo de amostras coletadas. .................................................................................................. 53 Tabela 2. Frequência da positividade de M. leprae em amostras de animais silvestres por gênero e tipo de amostras da Ordem Didelphidae .............................................. 62 Tabela 3. Frequência da positividade de M. leprae em amostras de animais silvestres por gênero e tipo de amostras da Ordem Rodentia utilizando os marcadores RLEP e 16S RNAr .................................................................................................................. 64 RESUMO As bactérias Mycobacterium leprae e mais recentemente Mycobacterium lepromatosis são os agentes etiológicos da hanseníase que causam sérios danos neuromotores e podem evoluir para incapacidades irreversíveis. A incidência de casos novos de hanseníase em todo o mundo foi de 2.77/100 mil habitantes. No Brasil, em 2016, foram 2.665 casos somente do Estado de Mato Grosso na Amazônia Meridional, esses valores representam 88,9/100 mil habitantes no índice geral de detecção para a hanseníase. Foram capturados animais silvestres naturalmente infectados por Mycobacterium leprae e Mycobacterium lepromatosis das Ordens Cingulata, Didelphimorphia, e Rodentia, todos estavam em fragmentos florestais próximos a grupos humanos. Um total 327 amostras de biópsias foram avaliados, dos quais recuperou-se 254, sendo 187 amostras de orelhas, 77 baço, e 63 fígado de 187 animais silvestres das Ordens Cingulata, Rodentia e Didelphimorphia. Após extraídos DNA e RNA de baço, fígado, e orelha, foram avaliados por qPCR para os genes RLEP (enumerador) e 16S rRNA (viabilidade). Três gêneros apresentaram positividade nas orelhas para ambos os genes RLEP e 16S rRNA, sendo 18% para Dasypus (Cingulata), 60% para Proechimys (Rodentia) e 64% para Marmosa (Didelphimorphia). Enquanto que nos testes utilizando PCR multiplex obteve-se 12 amostras positivas para o gene henM referente a Mycobacterium lepromatosis, dos 13 gêneros avaliados apenas Proechimys e Marmosa apresentaram presença para o bacilo. A presença frequente do homem nos fragmentos florestais onde foram encontrados animais silvestres positivos para M. leprae ou Mycobacterium lepromatosis, aumenta a possibilidade do risco de uma infecção zoonótica. Tendo em vista que a metodologia de qPCR por meio do gene 16S rRNA foi efetiva para demonstrar a presença de M. leprae viável em animais silvestres. Palavras-chave: Epidemiologia molecular; Genes 16S rRNA e RLEP; Mycobacterium leprae; Mycobacterium lepromatosis; Zoonoses. ABSTRACT Bacteria Mycobacterium leprae and more recently Mycobacterium lepromatosis are the etiological agents of leprosy that cause serious neuromotor damage and can progress to irreversible impairments. The incidence of new cases of leprosy worldwide was 2.77 / 100 thousand inhabitants. In Brazil, in 2016, there were 2,665 cases of the State of Mato Grosso alone in the Southern Amazon, which represent 88.9 / 100 thousand inhabitants in the general detection index for leprosy. Wild animals naturally infected with Mycobacterium leprae and Mycobacterium lepromatosis from the Cingulata, Didelphimorphia, and Rodentia orders were all captured in forest fragments close to human groups. A total of 327 biopsy specimens were evaluated, of which 254 were recovered, being 187 samples of ears, 77 spleen, and 63 liver of 187 wild animals of the Orders Cingulata, Rodentia and Didelphimorphia. After extracting DNA and RNA from spleen, liver, and ear, they were assessed by qPCR for the RLEP (enumerator) and 16S rRNA (viability) genes. Three genera presented positivity in the ears for both RLEP and 16S rRNA genes, 18% for Dasypus (Cingulata), 60% for Proechimys (Rodentia) and 64% for Marmosa (Didelphimorphia). While in the tests using multiplex PCR, 12 samples were positive for the henM gene for Mycobacterium lepromatosis, of the 13 genera evaluated only Proechimys and Marmosa showed presence for the bacillus. The frequent presence of man in the forest fragments where M. leprae or Mycobacterium lepromatosis positive wild animals were found increases the possibility of the risk of a zoonotic infection. Considering that the qPCR methodology by means of the 16S rRNA gene was effective to demonstrate the presence of viable M. leprae in wild animals. Keywords: Molecular epidemiology; 16S rRNA and RLEP genes; Mycobacterium leprae; Mycobacterium lepromatosis; Zoonoses. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 32 2. REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................... 34 2.1 Breve histórico da hanseníase ..................................................................... 34 2.2 Epidemiologia ................................................................................................ 35 2.2.1 A hanseníase no mundo ........................................................................... 35 2.2.2 A hanseníase no Brasil .............................................................................. 36 2.2.3 A hanseníase no Estado do Mato Grosso ................................................. 36 2.3 Agente etiológico da hanseníase ................................................................. 37 2.4 Aspectos microbiológicos e moleculares de M. leprae e M. lepromatosis ............................................................................................................................... 37 2.4.1 As Micobactérias ....................................................................................... 37 2.4.2 Microbiologia de M. leprae e M. lepromatosis ........................................... 38 2.4.3 O genoma de M. leprae e M. lepromatosis ............................................... 38 2.5 Patogênese e formas clínicas da hanseníase ............................................. 39 2.6 Diagnóstico clínico e laboratorial ................................................................ 41 2.7 Tratamento da hanseníase ............................................................................ 43 2.8 Transmissão da hanseníase ......................................................................... 44 2.8.1 Pessoa a Pessoa ...................................................................................... 44 2.8.2 Casos autóctones e importados ............................................................... 44 2.8.3 Transmissão Zoonótica por animais silvestres ......................................... 45 3. JUSTIFICATIVA .................................................................................................... 49 4. OBJETIVOS .......................................................................................................... 50 4. 1 Objetivo Geral ............................................................................................... 50 4. 2 Objetivos Específicos ................................................................................... 50 5. METODOLOGIA ................................................................................................... 51 5.1 Desenho e área do Estudo ............................................................................ 51 5.2 Obtenção dos animais silvestres ................................................................. 52 5.2.1 Amostras de animais silvestres ................................................................. 52 5.2.2 Amostras de tatus silvestres (Dasypus novemcinctus) ............................. 53 5.3 Sítio de coleta das amostras de biópsias dos animais silvestres ............ 54 5.4 Extração de RNA e DNA das amostras de animais silvestres ................... 54 5.5 Tratamento das amostras de RNA ............................................................... 55 5.6 Transcrição reversa das amostras de RNA ................................................. 56 5.7 Ensaio de viabilidade: Detecção de M. leprae por qPCR ........................... 57 5.8 PCR multiplex para detecção de M. leprae e M. lepromatosis .................. 58 5.9 Método de Georreferenciamento .................................................................. 59 6. RESULTADOS ...................................................................................................... 60 6.1 Animais silvestres: marsupiais e roedores ................................................. 60 6.2 Detecção de M. leprae em amostras de animais silvestres das ordens Didelphimorphia e Rodentia: enumeração e viabilidade molecular ............... 60 6.3 Análise Geoespacial de animais silvestres das ordens Didelphimorphia e Rodentia ................................................................................................................ 65 6.4 Detecção de M. leprae em amostras de animais silvestres da espécie Dasypus novemcinctus: enumeração e viabilidade molecular ....................... 71 6.5 Localização espacial da área de coleta de tatu Dasypus novemcinctus no município de Marcelândia - Mato Grosso. ......................................................... 72 6.6 Detecção de M. lepromatosis por PCR Multiplex ....................................... 73 7. DISCUSSÃO ......................................................................................................... 74 8. CONCLUSÕES ..................................................................................................... 82 9. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 83 10. ANEXOS ........................................................................................................... 100 32 1. INTRODUÇÃO A hanseníase é uma doença infectocontagiosa crônica causada por Mycobacterium leprae (M. leprae), que possui predileção pelas células de Schwann, macrófagos e nervos periféricos de indivíduos com predisposição genética para o desenvolvimento desta doença (1,2). M. leprae foi descrito em 1873 pelo médico norueguês Gerhard Hansen e foi a primeira bactéria a ser identificada e correlacionada a uma doença infecciosa (3). O diagnóstico precoce da doença e o tratamento com a poliquimioterapia (PQT) são estratégias chave e definitivas de controle da hanseníase (4). A PQT foi introduzida em 1994 no Brasil, utilizando uma associação de três drogas para hanseníase multibacilar (MB): rifampicina, clofazimina e sulfona; e duas drogas para os paucibacilares (PB): rifampicina e sulfona (5). A criação da classificação operacional foi determinante para o tratamento, dividindo as formas clínicas em paucibacilares (PB) nos casos com até cinco lesões cutâneas e em multibacilares (MB) com mais do que cinco lesões (6). Além do diagnóstico precoce, é fundamental a regularidade na tomada mensal das drogas do esquema PQT para o êxito do tratamento da hanseníase, pois sua irregularidade predispõe ao desenvolvimento de incapacidades físicas e a ocorrência de recidivas, que quando adequadamente investigadas, podem decorrer da falha no tratamento, por reinfecção, persistência bacilar ou resistência às drogas (5). Em 2017, as taxas de incidência de casos novos em todo o mundo foram de 2.77/100 mil habitantes, evidenciando a alta capacidade de dispersão e infectividade do bacilo, mesmo diante das medidas de combate protocoladas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (7). No Brasil, as regiões que compõem a Amazônia e o entorno detêm os maiores números de casos da doença (8). Em 2016, a região Centro-Oeste apresentava 4.701 casos novos, sendo que 2.665 eram do Estado de Mato Grosso com 88,9/100 mil habitantes no índice geral de detecção para a hanseníase (9). Segundo o Ministério da Saúde (MS), a transmissão ocorre pelo contato estreito e prolongado entre um indivíduo susceptível e um paciente infectado por meio da inalação dos bacilos contidos na secreção nasal ou gotículas expelidas na fala, sendo a da mucosa nasal a principal via de transmissão (10). Nas últimas décadas, estudos foram empreendidos para obter um melhor entendimento das vias de transmissão de M. leprae entre as comunidades afetadas 33 sem sucesso. Os estudos epidemiológicos identificaram um risco aumentado em indivíduos que vivem em contato próximo com pacientes com hanseníase. No entanto, em muitos casos novos não é possível identificar o caso índice na cadeia de transmissão (11). Evidências de hanseníase zoonótica nos EUA e a descoberta do DNA do M. leprae no ambiente estão desafiando o paradigma tradicional de que o bacilo é transmitido apenas de humano para humano (11). Ocasionalmente desiquilíbrios ecológicos desencadeiam o surgimento de doenças emergentes (12,13), assim como os causados pelo desmatamento e fragmentação das florestas tropicais no mundo (14). Como M. leprae pode persistir e possivelmente proliferar no ambiente em associação com certas plantas e animais (15), é concebível que a infecção possa ser resultante da exposição prolongada ou repetida a uma fonte ambiental contendo bacilos viáveis. A investigação experimental nesses casos fica comprometida em virtude da impossibilidade do cultivo in vitro de M. leprae; portanto, as evidências são obtidas indiretamente por meio de estudos epidemiológicos e mais recentemente por métodos moleculares (16). A sequência repetitiva RLEP foi descrita como enumerador molecular de M. leprae com base na amplificação por qPCR e apresentou resultados correlatos com a contagem microscópica, permitindo uma quantificação rápida e específica do bacilo em tecidos de camundongos e tatus (14). Destaca-se que a contagem microscópica não fornece dados absolutos sobre a viabilidade do bacilo. No entanto, a contagem de Bacilos Álcool-Ácido Resistentes (BAAR) e qPCR utilizando a sequência repetitiva RLEP gera informações de viabilidade apenas indiretamente, à medida que os números de bactérias aumentam ao longo do tempo em uma população em crescimento (17). A impossibilidade na determinação da viabilidade do M. leprae a partir da detecção do DNA fez com que pesquisadores voltassem sua atenção para a molécula de RNA, por meio da transcrição reversa e posterior amplificação da molécula alvo 16S RNAr revelando alta sensibilidade na detecção de organismos viáveis, permitindo também a implementação de metodologias que inativam inibidores na detecção de RNA do M. leprae em amostras ambientais (18). A presença de animais naturalmente infectados pelo M. leprae em áreas de alta endemicidade vem motivando a investigação sobre a existência de fatores ambientais 34 e zoonóticos envolvidos na dinâmica de transmissão da hanseníase (20, 29, 30, 31, 32-35). Na região da Amazônia legal, por exemplo, é frequente e cultural o hábito de consumir carne de animais silvestres como fonte de proteína e tratamentos terapêuticos, e essa prática portanto, vem sendo considerada um fator de risco para o desenvolvimento de doenças (26–28). Deste modo, a detecção da infecção natural de animais selvagens naturalmente infectados por M. leprae viáveis pode promover uma melhor compreensão sobre a transmissão da hanseníase em áreas de alta endemicidade . 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Breve histórico da hanseníase A hanseníase, conhecida também pela designação de lepra, é uma das mais antigas doenças que acomete o homem e remonta as civilizações humanas mais antigas, no que se refere aos fluxos migratórios, atividades militares e comerciais de grande importância na história (19). O conjunto de estudos históricos como a paleomicrobiologia e a epidemiologia molecular contribuíram para evidenciar a dispersão da hanseníase, demonstrando traços genéticos do bacilo de Hansen em esqueletos da antiga Índia (20) e da Europa medieval (21) datados antes mesmo do descobrimento do patógeno em 1873 na Noruega (22). No Brasil os primeiros casos de hanseníase foram observados no Estado do Rio de Janeiro nos anos de 1600(23) (20). Mas somente por volta da década de 30, o governo adotou medidas para a prevenção e tratamento dos pacientes diagnosticados com a doença, por meio do isolamento em asilos-colônias (21). Com a introdução das sulfonas, para o tratamento da hanseníase no final da década de 40, o controle da doença deixa de ser feito por meio do isolamento e da segregação do doente (24,25). 35 2.2 Epidemiologia 2.2.1 A hanseníase no mundo Nas últimas três décadas, a OMS ampliou esforços integrando os países ao redor do mundo para combater a hanseníase, evoluindo progressivamente na detecção passiva de casos e na ampla disseminação do tratamento (26). Os casos de hanseníase com incapacidade são determinados em: grau 0, quando a força muscular e a sensibilidade desses segmentos estão preservadas; grau 1, quando há diminuição da força muscular e/ou diminuição de sensibilidade; e grau 2, quando há deformidade visível nas mãos e/ou pés e/ou olhos (9,27,28). Desde então, as estratégias globais se concentraram na redução da carga da doença com destaque para a sustentabilidade pela integração, visando assim, a diminuição do número de novos casos com grau de incapacidade 2, a promoção da detecção precoce e a redução nas taxas de transmissão, destacando os aspectos humanos e sociais que afetam o controle da doença (29). Em 2017, 150 países relataram 210.671 casos novos de hanseníase, dos quais 95% correspondem a 22 países prioritários (Angola, Bangladesh, Brasil, Comores, Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Egito, Etiópia, Micronésia, Índia, Indonésia, Kiribati, Madagascar, Moçambique, Mianmar, Nepal, Nigéria, Filipinas, Sudão do Sul, Sri Lanka, Sudão e Tanzânia), sendo a taxa de detecção de 2,77/100 mil habitantes. A Índia, o Brasil e a Indonésia são os três países que mantêm a maior incidência da doença, representando 81% dos pacientes recém-diagnosticados e notificados no mundo (Figura 01)(7). 36 2.2.2 A hanseníase no Brasil De acordo com a OPAS/OMS, entre 2011 e 2016, o número de casos novos da doença nas Américas diminuiu 26%, passando de 40 mil em 2007 para 25 mil em 2016 (30). Dos 35 países que compõe as Américas, o Brasil foi o único que não alcançou a meta global de redução da hanseníase como problema de saúde pública, mantendo-se na categoria de hiperendêmico e o segundo maior em número de casos registrados no mundo (7,30). Em 2016 a taxa de detecção de casos novos de hanseníase no país foi de 12,2/100 mil habitantes. No período entre 2012 e 2016 as regiões Centro-Oeste e Norte exibiram as maiores taxas de detecção geral, sendo 37,27/100 mil e 34,26/100 mil habitantes, respectivamente (9). 2.2.3 A hanseníase no Estado do Mato Grosso O Estado de Mato Grosso é considerado hiperendêmico, ocupando a primeira posição com as maiores taxas de prevalência e incidência da doença no país. De acordo com a Portaria nº 2556/ 11/ MS, 27 municípios do Mato Grosso foram priorizados para vigilância em hanseníase, como por exemplo, a região “Vale do Teles Pires” com sede em Sinop e Sorriso e o Norte Mato-grossense com sede em Colíder. Figura 1. Mapa mundial epidemiológico da distribuição de casos novos de hanseníase em 2017 (Organização Mundial da Saúde, 2018). 37 Em 2015, a taxa de detecção foi de 93,0/100 mil habitantes com registro de 3.037 casos novos da doença. (31). No mesmo período de 2012 e 2016, também foi registrada a taxa média de 44,55/ 100 mil habitantes para os casos de incapacidade física com grau 2 que são as mais associadas a discriminação e estigmatização social (9). 2.3 Agente etiológico da hanseníase Descrito em 1873 pelo médico norueguês Gerhard Armauer Hansen em amostras de tecido de pacientes, M. leprae foi o primeiro microrganismo associado a uma doença humana (3). Recentemente, Han e colaboradores descreveram no México uma nova espécie denominada de Mycobacterium lepromatosis (M. lepromatosis) causador da hanseníase e associada aos casos de ‘Fenômeno de Lucio’ que é uma reação cutânea necrosante grave e rara (32,33). 2.4 Aspectos microbiológicos e moleculares de M. leprae e M. lepromatosis 2.4.1 As Micobactérias As micobactérias pertencem à ordem Actinomycetales e à família Mycobacteriaceae. O gênero Mycobacterium inclui 198 espécies e 14 subespécies, incluindo micobactérias intracelulares não cultiváveis e também as ambientais presentes no solo e na água (34). Destacamos as espécies agrupadas em complexos por similaridade genética e epidemiológica: o complexo Mycobacterium avium (35,36); o complexo Mycobacterium abscessus (37); complexo M. tuberculosis (38,39); e o complexo M. leprae sugerido por Scollard et al. (40). 38 2.4.2 Microbiologia de M. leprae e M. lepromatosis M. leprae é um parasita intracelular obrigatório que vive predominantemente em macrófagos, não formador de esporos, não produtor de toxinas e não possui plasmídeo. Apresenta-se sob a forma de bacilo reto ou levemente encurvado, com extremidades arredondadas, medindo cerca de 1 a 8 μm de comprimento e 0,3 μm de diâmetro (41,42). Quando suspensões bacilares são depositadas em lâminas de vidro, estes encontram-se isolados ou em conjunto assemelhando-se a um maço de cigarros. Uma particularidade é sua incapacidade de multiplicação in vitro, sendo necessária para sua manutenção a inoculação de suspensão de bacilos em patas de camundongos e tatus (43). Destacamos que M. leprae possui parede celular semelhante as outras micobactérias, com ácidos micólicos de alto peso molecular. A presença deste componente lipídico é o que confere a resistência álcool ácido observada na coloração de Ziehl Neelsen. Os micosídios (glicolipídeos e peptidoglicolipídeos) presentes na membrana são responsáveis pela permeabilidade celular e estão relacionados com a resistência às enzimas solúveis em água, antimicrobianos e desinfetantes (44,45). Tais propriedades microbiológicas são também atribuídas ao M. lepromatosis. Para tanto, a similaridade entre os dois microrganismos, tanto do ponto de vista microbiológico como clínico, levaram Singh e colaboradores a propor sua representação como “Complexo M. leprae", análogo às espécies que constituem o complexo M. tuberculosis (46). 2.4.3 O genoma de M. leprae e M. lepromatosis Assumindo que o genoma de M. leprae foi topologicamente equivalente e semelhante em tamanho àqueles de todas as outras micobactérias (4,4 Mb) (47,48), uma extensa redução e rearranjo ocorreram durante sua evolução. A análise proteômica comparativa detectou apenas 391 tipos de proteínas solúveis, em comparação com as 1.800 de M. tuberculosis, indicando que os pseudogenes são translacionalmente inertes. Assim, o bacilo da hanseníase pode ter perdido mais de 2.000 genes (49–51). 39 A evolução redutiva do genoma de M. leprae ocasionou mudanças importantes, pois foram eliminados elementos de cadeia respiratória, anaeróbica, oxidativo, sistemas catabólicos e seus circuitos reguladores (52). A redução genômica foi também observada no M. lepromatosis (Figura 02), por meio de recente estudo genômico, verificando-se uma estreita relação entre esses dois patógenos (117). A sequência completa do genoma de M. leprae é constituída por 3.268.203 pares de base (pb) com um conteúdo G+C de 57.8% e cerca de 1.604 genes codificantes. O genoma do M. lepromatosis possui 1477 genes codificantes para proteínas, 1334 pseudogenes e um conteúdo G+C de 57.89% (46). Comparações funcionais sugerem que M. lepromatosis perdeu várias enzimas necessárias para a síntese de aminoácidos, enquanto M. leprae apresenta uma via hemN defeituosa. M. leprae tem um total de 199 kb de sequências (> 500 nucleotídeos) em seu genoma sem correspondência com M. lepromatosis (53). 2.5 Patogênese e formas clínicas da hanseníase Em virtude do tempo lento de multiplicação (em média 16 dias), estudos demonstram um longo período de incubação do bacilo no hospedeiro, algo em torno de dois a sete anos até o surgimento dos sintomas (54,55). Neste contexto, calcula-se que 95% dos indivíduos expostos aos bacilos são naturalmente resistentes à infecção. Nos 5% suscetíveis, a doença pode se manifestar de diferentes formas, dependendo de fatores relacionados ao indivíduo, tais como sexo, idade e susceptibilidade genética e/ ou a condições socioeconômicas e geográficas (9). No entanto, para essa pequena parcela da população considerada Figura 2. Sintenia genômica e principais características de M. leprae e M. lepromatosis. Os 126 contigs de M. lepromatosis distinguem-se com cores vermelhas e laranja. As listras azuis claras indicam as repetições dispersas em M. leprae. A linha preta indica uma variação estrutural confirmada entre M. leprae e M. lepromatosis (Singh et al. 2015). 40 suscetível geneticamente, a infecção pode evoluir para uma das formas clínicas sintomáticas (28). A resposta imune pode ser dividida em inata e adaptativa, englobando as respostas celular e humoral. A resposta imune humoral é baseada na produção de anticorpos, sendo pouco eficiente na eliminação do bacilo, enquanto que, a resposta imune celular pode controlar a proliferação dessas micobactérias (45). Tendo em vista os critérios clínicos, imunológicos e histológicos, os pesquisadores Ridley e Jopling em 1966 recomendaram uma classificação que define em cinco grupos distintos, constituídos por duas formas polares: a Tuberculóide- Tuberculoide (TT) e a Virchowiana-Virchowiana (VV), e três formas instáveis: a Dimorfa-Tuberculóide (DT), a Dimorfa-Dimorfa (DD) e a Dimorfa-Virchowiana (DV) (57). A hanseníase nos indivíduos TT apresenta-se com poucas lesões de coloração castanha na pele, com perdas de sensibilidade, anidrose, queda de pêlos, bem localizadas e delimitadas, não ultrapassando 10 cm de diâmetro (57). As infiltrações são comuns aos pacientes com a forma VV, caracterizadas por pápulas, nódulos, tubérculos e placas dérmicas. Os danos causados aos nervos são graves e o exame histopatológico das lesões revelam a presença de grande quantidade de bacilos (37). Os pacientes com a forma DT possuem as lesões maiores e em maior quantidade, podendo haver abscessos de nervo. Os DV possuem grande quantidade de lesões com simetria e tonalidade castanha, a contar com Índice Baciloscópico (IB) intensamente positivo (49). Em 1982, um Comitê da Organização Mundial de Saúde (OMS) propôs uma classificação simplificada e operacional baseada na contagem do número de lesões na pele. Os pacientes foram agrupados em Paucibacilares (PB), sendo aqueles com baciloscopia negativa, com até 5 lesões cutâneas e sem acometimento de nervos periféricos e em Multibacilares (MB), pacientes com IB positivo, mais de 5 lesões ou acometimento de pelo menos um tronco nervoso (46). 41 2.6 Diagnóstico clínico e laboratorial O diagnóstico clínico de um paciente com suspeita de hanseníase baseia-se em sinais dermatológicos e sintomas neurológicos (58). A principal característica da hanseníase são as lesões de pele, que em sua maioria, apresentam alterações de sensibilidade. Esta peculiaridade diferencia a hanseníase das lesões provocadas por outras doenças dermatológicas. As lesões podem ser decorrentes de processos inflamatórios dos nervos periféricos, ou seja, pela ação do bacilo nos nervos, devido a reação do organismo ao bacilo ou por ambas (58,59). A pessoa afetada pela hanseníase pode apresentar um ou mais sinais e sintomas: • A presença de manchas hipocrômicas, podendo ser esbranquiçadas, avermelhadas ou amarronzadas, em qualquer parte do corpo, com perda ou alteração de sensibilidade térmica e ao tato; • Pele seca e com falta de suor, com queda de pelos, especialmente nas sobrancelhas; • Espessamento dos nervos, dor e sensação de choque, fisgadas e agulhadas nos nervos dos braços e das pernas, inchaço de mãos e pés; diminuição da força dos músculos das mãos, pés e face; • Nódulos no corpo, elevados ou não, de 1 a 3 cm de tamanho, ulceras em alguns casos avermelhadas e dolorosas, febre, dor nas articulações, constipação, sangramento, ferida e ressecamento do nariz, e ressecamento nos olhos. • Alguns casos não apresentam lesões de pele, apenas comprometimento de nervos periféricos, ocasionando assim alterações de sensibilidade e força muscular. • Infiltração: aumento da espessura e consistência da pele, com menor evidência dos sulcos, limites imprecisos, acompanhando-se, às vezes, de eritema 42 discreto. Resulta da presença na derme de infiltrado celular, às vezes com edema e vasodilatação. O diagnóstico laboratorial pode ser apoiado por métodos laboratoriais, tais como a baciloscopia por meio do raspado intradérmico, o histopatológico, o PGL-I e as metodologias moleculares por meio da amplificação do DNA e do RNA. Um método de avaliação da hanseníase pela determinação do Índice Baciloscópico (IB) foi proposto em 1962 por Ridley a partir da contagem de bacilos com escala logarítmica variando entre 0 a 6 +. Esse exame de auxílio diagnóstico é realizado a partir do raspado intradérmico dos lóbulos das orelhas, cotovelos e em lesões aparentes (60). A contagem dos bacilos presentes nestes raspados varia de 0 a 6+, com baciloscopia negativa (IB=0) nas formas tuberculóide e indeterminada, fortemente positiva na forma virchowiana, e com resultados variáveis na forma dimorfa (55). O exame histopatológico de lesões de pele ou de nervos é um importante auxiliar no diagnóstico da hanseníase, permitindo também diferenciar as neuropatias. A característica do infiltrado inflamatório, assim como a presença de BAAR oferecem informações relevantes a partir dos achados clínicos dos pacientes avaliados (39). Outra ferramenta utilizada no diagnóstico da hanseníase é a pesquisa de anticorpos das classes IgG e IgM anti-glicolípideo fenólico-1 (PGL-I), que é um antígeno específico do M. leprae. A titulação de IgM está associada com a forma clínica e com a atividade da doença. Na forma virchowiana, são descritos níveis elevados de anticorpos anti-PGL-I, os quais tendem a reduzir com o tratamento poliquimioterápico, enquanto que, na forma tuberculóide a produção destes anticorpos é inexistente (45). Inúmeros testes moleculares para a detecção de M. leprae em amostras clínicas foram desenvolvidos nos últimos anos com a finalidade de melhorar a sua identificação mesmo na presença de um número pequeno de bactérias (61–63). Esses estudos envolveram desde sistemas mais simples até os mais específicos baseados na detecção de regiões gênicas que codificam para o antígeno de 36-kDa 31, de 18- kDa32 ou de 65-kDa 33, assim como para outras sequências repetitivas 34 do M. leprae (64,65). A partir de um painel de 227 amostras de pacientes com hanseníase da Venezuela, México, Mali e Brasil, uma PCR multiplex empregando os primers específicos da sequência repetitiva RLEP e hemN foi realizada, visando a 43 diferenciação das espécies M. leprae e M. lepromatosis, respectivamente. Em 221 casos foi detectado o DNA de M. leprae e em apenas seis casos o de M. lepromatosis, sem evidência de infecções mistas (46). As metodologias para detecção do DNA do M. leprae apresenta importante limitação em virtude da sua inabilidade na distinção entre organismos viáveis e não- viáveis (123). Assim, métodos de detecção do RNA têm sido propostos como ferramenta promissora na discriminação de M. leprae viável e que possam contribuir para o correto prognóstico dos pacientes de hanseníase durante o tratamento, a suspeição de recidivas e sua diferenciação com as reações hansênicas (66,67). Martinez et al. (2009) avaliaram biópsias de pacientes com hanseníase e cultura de células com M. leprae vivo, bem como a sua viabilidade num ensaio de qPCR pela detecção do gene rRNA 16S. Esse estudo contribuiu para um melhor entendimento sobre a estabilidade desses RNAs e mais particularmente da longevidade da mensagem do gene 16S rRNA. Um detalhe importante deste estudo foi a escolha da sequência repetitiva (RLEP) específica do M. leprae como enumerador molecular para uma rápida quantificação do número de bacilos na amostra (67). A viabilidade do M. leprae avaliada em tecidos de animais nu/nu experimentalmente infectados e tratados com rifampicina e rifapentina se mostrou sensível e confiável para detectar bacilo viável em tecidos, sem a necessidade de isolamento bacteriano, tornando esta uma ferramenta importante a ser utilizada em amostras clínicas e em pesquisas de campo (17). Recentemente para obter informações sobre a distribuição global de M. lepromatosis, um PCR multiplex foi implementado utilizando os primers específicos RLEP e hemN visando a diferenciação das espécies M. leprae e M. lepromatosis, respectivamente. 2.7 Tratamento da hanseníase A OMS instituiu em 1982 o uso da poliquimioterapia (PQT) no tratamento da hanseníase, como uma estratégia efetiva para controle da doença e que consiste na combinação de rifampicina, clofazimina e dapsona (68). A rifampicina tem efeito bactericida impedindo a síntese de RNA, enquanto a dapsona atua como droga bacteriostática por inibir a síntese de DNA e proteínas. A clofazimina possui ação 44 bacteriostática e anti-inflamatória, embora seu mecanismo exato de atuação seja ainda desconhecido (69). O Ministério da Saúde fornece os medicamentos em blísteres individuais, que contêm a dose mensal supervisionada e as doses diárias autoadministradas. Para os casos paucibacilares, o tratamento dura seis meses e para os multibacilares tem duração de doze meses. Podem ser administrados outros medicamentos para integrar o tratamento quando existe baixa eficiência contra o bacilo, como minoclina, oflaxacina (70). 2.8 Transmissão da hanseníase 2.8.1 Pessoa a Pessoa Apesar do interesse empregado nas últimas décadas para identificar novos padrões de transmissão da hanseníase, a porta de entrada para o bacilo ainda permanece incerta, embora seja amplamente aceito que o bacilo tenha como porta de entrada o trato respiratório superior (5). Pacientes multibacilares podem liberar milhões de bacilos por dia em suas secreções nasais. De fato, acredita-se que um paciente multibacilar possa apresentar cerca de 100 milhões de organismos vivos por dia em suas secreções nasais. Entretanto, a descarga nasal se torna bacteriologicamente negativa com a PQT, e esta observação tem grande importância no controle da endemia (71). 2.8.2 Casos autóctones e importados Nos Estados Unidos, a hanseníase ocorre especialmente em pessoas que migraram de países estrangeiros onde a doença é prevalente (72). Ao norte do Estado de Louisiana, onde não haviam casos de hanseníase autóctones, foram descritos seis casos novos entre 1982 e 1986, oriundos residentes rurais e sem exposição a contatos e viagens (73). Além de Louisiana, foram descritos casos autóctones no Texas, na Geórgia e na Flórida, mas nenhum dos pacientes relataram exposição a comunicantes previamente infectados (74). Com base nessas informações, os estudiosos acreditam que a principal causa da hanseníase autóctone nos Estados Unidos é a migração 45 internacional. Em Orlando/ Flórida, por exemplo, em 2016 a população nascida no exterior era de 14,2% (408.137 imigrantes) (75). Em 2016, alguns países não endêmicos como Alemanha (2 casos), Chile (1 caso), Emirados Árabes Unidos (40 casos), Japão (3 casos), Kuwait (6 casos), Qatar (36 casos), Holanda (5 casos), Portugal (4 casos) e o Reino Unido (5 casos) tiveram 100% de casos novos em pacientes estrangeiros (76). Na Dinamarca, em 2015, foram diagnosticados 15 casos de hanseníase em pacientes predominantemente do sexo masculino e com média de idade de 28,6 anos sendo que 87% nasceram no sul e sudeste da Ásia, presumindo-se que a infecção ocorreu em seus países de origem (77). Em estudo realizado em Madri (Espanha) avaliou 25 pacientes com hanseníase, que foram acompanhados dos quais 10 eram autóctones e 15 eram considerados alóctones. Quanto aos casos alóctones, a maioria foi diagnosticada em imigrantes latino-americanos (10/15) cuja a idade média foi de 42 anos. Não houve diferenças na distribuição por sexo e o tempo médio estimado desde a chegada na Espanha até a primeira consulta na unidade foi de 3 anos. Mais de 80% dos casos alóctones apresentavam doença multibacilar (78). Devido ao longo período de incubação e com sintomas que ocorrem muito depois da imigração, os médicos em geral não conseguem fazer um diagnóstico preciso da doença. O amplo espectro de sintomas e de reações imunológicas complicam ainda mais o processo de diagnóstico levando ao atraso no início do tratamento e possibilitando o desenvolvimento de incapacidades motoras sérias (77,78). 2.8.3 Transmissão Zoonótica por animais silvestres Por décadas, os seres humanos são considerados os únicos reservatórios de M. leprae. A hanseníase em tatus selvagens da espécie Dasypus novemcinctus (D. novemcinctus), o chamado tatu de nove bandas, foi relatada pela primeira vez em 1975 (79), assim como foi descrita a transmissão natural entre tatus na parte sul dos Estados Unidos (80), sugerindo taxas de prevalência da doença nestes animais acima de 20% em alguns locais (72). Nesse contexto de transmissão, um estudo realizado com 645 tatus em oito locais do sudeste dos Estados Unidos, identificaram 106 (16,4%) animais com 46 sorologia e PCR positivas para M. leprae. Foi também detectado o “SNP type 3I” do bacilo em 35 tatus. Quando comparado com isolados de 52 pacientes da mesma região, 22 (42,3%) dos isolados estavam infectados com pelo menos uma das cepas de M. leprae associada aos tatus (81). Um estudo realizado na Colômbia verificou que 9/ 22 tatus apresentaram PCR positiva para M. leprae. Destaca-se aqui que o consumo e o contato com o tatu D. novemcinctus são comuns, ignorando-se o fato deste animal ser um possível reservatório zoonótico do bacilo (82). Em Curitiba, região sul do Brasil um estudo avaliou a frequência de consumo de carne de tatu entre pacientes com hanseníase e controles pareados por idade e gênero com outras dermatoses. Nenhuma associação entre o consumo de carne de tatu e o desenvolvimento de hanseníase foi observada. (83). No entanto em estudo recente, realizado em duas vilas do município de Belterra, região hiperendêmica no oeste do Estado do Pará, correlacionou-se o consumo da carne de tatu como fator de risco para o desenvolvimento da hanseníase (84). Inúmeros são os estudos envolvendo tatus selvagens infectados por M. leprae. Mesmo frente a avançadas técnicas de biologia molecular, testes sorológicos e histopatológicos, até o momento nenhum resultado permite a confirmação categórica de transmissão zoonótica (85,86). Sabendo-se da suscetibilidade natural do tatu e a sua eficiente propagação experimental do M. leprae in vivo, esse animal é visto como principal modelo de estudo da infecção e do desenvolvimento da hanseníase (87,88). Além de tatus, em 2016 foi relatada a existência de esquilos-vermelhos (Sciurus vulgaris) com lesões características de hanseníase. Os testes sorológicos, histopatológicos e genômicos confirmaram a presença de M. lepromatosis nos esquilos da Inglaterra, Irlanda e Escócia e de M. leprae em esquilos da ilha de Brownsea, Inglaterra, sendo esses roedores considerados um reservatório ambiental da doença (89). É possível obter também informações que sugerem a presença de M. leprae em solo contaminado (90,91), em água de poços (92), em plantas (93), assim, como o relato da infecção pelo bacilo em diferentes espécies animais, como em primatas, incluindo chimpanzés e outros macacos em cativeiros (94,95) e em ratos selvagens (96,97). Nesse contexto, fica evidente a necessidade de um melhor entendimento do papel dos animais silvestres na epidemiologia das doenças infecciosas e nos 47 mecanismos de transmissão para o homem. O ambiente está em constante fluxo entre os patógenos, os seres humanos, os animais domésticos e animais selvagens, e esta troca é de natureza dinâmica e está em constante evolução (98). Importante aqui salientar que a inserção humana em áreas florestais tem levado à fragmentação das florestas, destruindo habitats e aumentando sua exposição a infecções zoonóticas (99) por meio de interações com reservatórios, a exemplo disso temos: a leishmaniose (100), a malária (101) a dengue (102), e com espécies silvestres, resultantes do contato direto e do consumo de carne de caça (103–105). Esse é um aspecto relativamente novo no estudo da ecologia de infecções zoonóticas, que aponta o aparecimento de doenças em áreas afetadas pela fragmentação florestal por meio do aumento da densidade e do contato entre os indivíduos dentro dessas áreas (106). Destacamos que a matriz de pastagem, ou a lavoura tornam-se os limitadores dos fragmentos florestais, que são assim aumentados pela pressão urbana (107,108), aos quais poucas espécies ultrapassam-no como, por exemplo, alguns grupos de roedores, marsupiais e cingulatas, que acabam por entrar em contato com o homem, seja indiretamente, ou pela ação da caça (109). Brevemente destacamos alguns dos aspectos e características mais importantes das ordens cingulata, didelphimorphia e rodentia. A Ordem Cingulata inclui 20 espécies de tatus, os quais estão presentes em toda a América, desde o sudeste dos Estados Unidos até o norte da Argentina e sul do Brasil. A origem dos tatus supostamente vem da América do Sul, onde a maioria das espécies são encontradas, e D. novemcinctus é a única espécie encontrada no sudeste dos Estados Unidos (110). As características fisiomorfológicas descritas a quase todas espécies de tatus são: armadura óssea que cobre cabeça, corpo e cauda. A dieta pode ser considerada onívora, pois baseia-se principalmente em insetos, frutos, e plantas, e em alguns casos em pequenos vertebrados (111). Os tatus da espécie D. novemcinctus podem ser encontrados em campos abertos, florestas contínuas e fragmentos de matas. Estes animais são terrestres e vivem em tocas que podem medir de 3,5 metros de profundidade a 7,5 metros de comprimento (110,111). 48 Os animais da Ordem Didelphimorphia são um grupo de mamíferos com distribuição abrangente nas Américas, com provável origem na América do Sul. Atualmente, a família Didelphidae conta com mais de 95 espécies distribuídas desde o sul do Canadá até o norte da Argentina, sendo este grupo com maior dispersão (112). Os didelfídeos podem ser considerados sinantrópicos, dada sua interação com ambientes antropizados, pois, são animais que possuem alta resiliência às mudanças causadas pelo homem nas paisagens, como por exemplo a fragmentação de florestas. No meio urbano, podem ser encontrados em troncos de árvores, galpões e nos forros dos telhados de casas. Por serem animais generalistas, obtêm fontes proteicas nos restos de lixo (113,114). No Brasil os didelfídeos são conhecidos como gambás e cuícas, sendo encontrados nos extratos terrestres, semiaquáticos, e arborícolas (115). As doenças parasitárias mais comuns aos didelfídeos são causadas por protozoários. Dentre os mais conhecidos são os gêneros Trypanosoma e Leishmania. Além desses patógenos, podem também ser reservatórios de espécies do gênero Babesia, Physaloptera, Capillaria, Gnathostoma, Acantocephala e Paragonimus (116). Há cerca de 4.000 espécies de mamíferos, dos quais, 1.500 pertencem à Ordem Rodentia. No Brasil, são listados 71 gêneros e 235 espécies de roedores de ocorrência em todo o território nacional (112). Devido à diversidade de espécies, os roedores podem ser encontrados em todos os extratos verticais nas florestas, com uma ampla distribuição pelos biomas. Muitas espécies de roedores são especializados em determinados ambientes, como áreas de rios, lagos e pântanos, ou extremos como as regiões áridas do nordeste (112). O crescimento populacional dos roedores vem ocasionando um problema de saúde pública, por serem reservatórios de várias doenças (117). No Brasil, os casos de hantaviroses (118,119) e leptospirose (120) são as doenças recorrentes causadas por roedores sinantrópicos, sendo necessárias medidas de controle desses animais (126). 49 3. JUSTIFICATIVA Existem muitos questionamentos sobre o que ocorre quanto à transmissão de doenças e parasitas em áreas de interface entre humanos e animais silvestres. A epidemiologia e as relações entre o ambiente, hospedeiros, vetores e parasitas podem ser extremamente complexas. A presença humana está se intensificando em praticamente todos os ambientes, e a urbanização pode alterar a biologia de hospedeiros, vetores e patógenos. Alguns podem pensar em aves invadindo uma granja de produção, outros em peões e rebanhos em suas rotas anuais pelo Pantanal, e alguns imaginam cenários tais como propriedades rurais no entorno de fragmentos da Mata Atlântica, ou vilas de ribeirinhos que vivem de caça e pesca na Amazônia, mas que também criam animais domésticos para complementar sua dieta. Todas as visões estão corretas e representam a interface, porém muitas facetas permeiam tais paisagens. Questões culturais, econômicas, ecológicas, conservacionistas e de saúde estão envolvidas, desde que humanos e seus animais domésticos começaram a fazer parte da paisagem do planeta (121,122). M. leprae é considerado um patógeno humano obrigatório, com sua rota primária de transmissão sendo inter-humana. Evidências de transmissão zoonótica para humanos ganharam força a partir da identificação do tatu D. novemcinctus como um reservatório natural do bacilo no sul dos Estados Unidos (123). Recentes evidências de surto de infecção por M. lepromatosis em esquilos vermelhos (Sciurus vulgaris) relatado no Reino Unido (124) reforçam a necessidade de investigação da existência de hospedeiros não humanos ou reservatórios naturais desse bacilo. Atualmente nos deparamos com muitas informações sobre a possibilidade de transmissão zoonótica de M. leprae e M. lepromatosis, com esse estudo buscou-se a presença de bacilo viável em outros reservatórios animais em potencial. Esperamos com esses resultados uma compreensão mais apurada da distribuição desses patógenos em animais silvestres que habitam áreas de alta endemicidade da hanseníase. 50 4. OBJETIVOS 4. 1 Objetivo Geral • Investigar a infecção natural de animais silvestres (Ordens Cingulata, Dildephimorphia e Rodentia) com M. leprae e M. lepromatosis e a possível ligação com a doença humana em uma área de hanseníase hiperendêmica na Amazônia meridional. 4. 2 Objetivos Específicos • Realizar a detecção molecular de M. leprae por meio da sequência repetitiva RLEP (enumerador molecular) pela técnica de qPCR. • Investigar infecção natural de M. lepromatosis em animais silvestres por PCR multiplex utilizando primers específicos hemN e RLEP (M. leprae) para diferenciação das espécies. • Demonstrar a viabilidade de M. leprae a partir da análise do gene 16S RNAr pela técnica de qPCR em animais silvestres. 51 5. METODOLOGIA 5.1 Desenho e área do Estudo Trata-se de um estudo ecológico descritivo com amostras de animais silvestres das ordens Didelphimorphia e Rodentia capturados em fragmentos florestais e matriz de pastagens na região Centro-Norte do Estado de Mato Grosso, entre a fronteira rural e o perímetro urbano dos municípios de Santa Carmem (Cluster B), Sinop (Clusters B, C e G), Sorriso (Cluster I), Ipiranga do Norte (Cluster F e J) e Vera (Cluster H). A ordem Cingulata é representada por tatus Dasypus novemcinctus que foram capturados em área urbana e rural do município de Marcelândia (Figura 03). Figura 3. Mapa de localização da área de estudo, sedes municipais, área dos clusters de captura dos roedores e marsupiais, área de captura dos tatus Dasypus novemcinctus e Biomas no Estado de Mato Grosso, Centro-Oeste, Brasil. O Estado do Mato Grosso está localizado na região Centro-Oeste do Brasil e é o terceiro maior do país, com área total de 903.378 km², segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (125). Está localizado entre as 52 coordenadas 9° 27' 28"e 17° 50' 04" S e 50° 30' 22" e 61° 27' 34" W. Dados de 2012 apresentam três biomas em sua área: o Pantanal (10% da área), Cerrado (40%) e Amazônia (50%). Pela classificação de Köppen (126), o Estado de Mato Grosso apresenta dois tipos climáticos: Am (clima tropical úmido ou sub-úmido) localizado no norte; e Aw (clima tropical com inverno seco) localizado na região central do estado e no sul mato- grossense (127). A temperatura média anual varia de 23°C a 32°C, sendo os meses de setembro a março os mais quentes. Possuem duas estações definidas sendo, “seca” entre maio e agosto com precipitação abaixo de 60 mm, e “chuvosa” de setembro a abril com precipitações médias de 2200 mm. A precipitação total de chuvas no ano entre os meses de outubro a abril é de 86%, e nos meses restantes a ocorrência é menos frequente (128). As condições climáticas da região dos municípios de estudo são tipicamente tropicais estando situados em zona de transição entre Cerrado e Amazônia. 5.2 Obtenção dos animais silvestres As amostras de animais silvestres da Ordem Didelphimorphia e da Ordem Rodentia foram obtidas por meio da colaboração com a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e a University of East Anglia – Reino Unido (UEA), como parte do projeto internacional “Alterações no uso da terra: emergência de doenças infecciosas e parasitárias na Amazônia” (em inglês: Land use change: emerging infectious and parasitic diseases in Amazon), fomentado pelo edital “Global Innovation Initiative (Início: 01/2015 Término: 11/2016)”. A homologação para obtenção das amostras animais foi expedida pelo Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade - SISBIO de acordo com a Instrução Normativa ICMBio, Nº: 7270-14 (Anexo 01), e também aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal - CEPA da Universidade Federal de Mato Grosso (Anexo 02). 5.2.1 Amostras de animais silvestres No período de 2015 a 2016 foram coletadas 300 amostras de orelha, baço e fígado de 176 animais silvestres, dos quais 88 são da Ordem Rodentia e outros 88 da 53 Ordem Didelphimorphia. Informações sobre os animais silvestres podem ser encontradas na Tabela 01. Tabela 1. Informação dos animais silvestres capturados e organizados em nível de Ordem e Gênero segundo os dados de estrato vertical, dieta, biomas e tipo de amostras coletadas. Taxa Estrato Vertical *Dieta **Biomas Tipos de Amostras RODENTIA Orelha Baço Fígado Calomys Sem dados Sem dados Sem dados 12 6 5 Hylaeamys Terrestre Fr/Gr Am, Ma, Ce, Pt 2 0 2 Neacomys Terrestre Sem dados Am, Ce 1 0 0 Necromys Terrestre Fr/On Am, Ma, Ce, Ca, Pt, Pp 2 2 1 Oecomys Arbóreo Fr/Se Am, Ce,Pt 8 2 2 Proechimys Terrestre Fr/Gr Sem dados 58 27 18 Rhipidomys Arbóreo In/On Am, Ma, Ce, Ca, Pt, Pp 5 3 3 DIDELPHIMORPHIA Caluromys Arbóreo Fr/On Am, Ma, Ce, Pt 3 2 3 Didelphis Escansorial Fr/On Am 8 2 2 Marmosa Escansorial In/On Am, Ma, Ce, Pt 51 19 13 Marmosops Escansorial In/On Am 13 1 2 Metachirus Terrestre In/On Am, Ma, Ce, Pt 4 1 1 Monodelphis Terrestre In/On Ce 9 4 3 Total (176) (69) (55) *Dieta: Frutívoro (Fr), Granívoro (Gr), Insetívoro (In), Onívoro (On), e Sementívoro (Se). **Biomas: Amazônia (Am), Caatinga (Ca), Cerrado (Ce), Mata Atlântica (Ma), Pantanal (Pt) e Pampas (Pp). 5.2.2 Amostras de tatus silvestres (Dasypus novemcinctus) Nos anos 2016 e 2017 foram recebidas amostras de 11 tatus do gênero Dasypus novemcinctus capturados na área rural e urbana do município de Marcelândia - Mato Grosso. As amostras foram obtidas de animais caçados para comercialização conjunta com produtos silvestres coletados da floresta de forma a complementar a renda familiar de moradores locais. Após a retirada das amostras, os animais foram devolvidos aos caçadores. 54 5.3 Sítio de coleta das amostras de biópsias dos animais silvestres Dos animais silvestres foram coletadas fragmentos de orelha, fígado e baço que foram armazenados em microtubos de 1,5 mL com 600 µL de solução estabilizadora de RNA (RNAlater Ambion®) e transportadas ao Laboratório de Biologia Molecular do Instituto Lauro de Souza Lima. As amostras foram estocadas a -20°C até o momento do seu processamento. 5.4 Extração de RNA e DNA das amostras de animais silvestres O RNA de biópsias de animais silvestres foi extraído e purificado utilizando o FastRNA ProTM Blue kit (116025050) – MP Biomedicals e o equipamento FastPrep 24 (MP-Biomedicals), segundo recomendado pela Quiagen. Após a completa retirada da solução estabilizadora de RNA (RNAlater Ambion®), as biópsias foram congeladas e maceradas em nitrogênio líquido em uma base de aço inox (técnica de “snapfreeze”). Cada biópsia macerada foi imediatamente colocada em um FastPrep Lysing Matrix tubes com 1 mL de RNApro™ Solution (incluso no kit) e em seguida homogeneizada no equipamento FastPrep 24 (MP-Biomedicals) por 40 segundos numa velocidade de 6,5m/s por duas vezes para romper a parede celular. Os tubos foram retirados do equipamento e colocados em centrífuga por 15 minutos em uma velocidade de 13.200 rpm a 4ºC. Após a centrifugação aproximadamente 700 µL de sobrenadante foi retirado e colocado em novo microtubo. O material que ficou no FastPrep Lysing Matrix tubes foi guardado para posterior extração de DNA. Um volume de 600 µL de clorofórmio gelado foi adicionado em cada microtubo contendo amostras, misturado gentilmente por inversão e mantido em repouso por 1 minuto. Em seguida, os microtubos foram centrifugados a 13.200 rpm por 15 minutos e a 4°C. O sobrenadante (~200 µL) de cada amostra foi retirado e colocado em um novo microtubo. Foi adicionado então um volume de 600 µL de isopropanol e novamente misturado por inversão. Em seguida as amostras foram colocadas no freezer -20°C overnight. No dia seguinte, os microtubos com as amostras foram centrifugados por 30 minutos a 13.200 rpm em 4°C. Todo o sobrenadante foi descartado e os pellets de 55 RNA foram lavados em 600 µL de etanol e em seguida centrifugados por 15 minutos em uma velocidade de 13.200 rpm a 4°C . Todo volume de etanol foi descartado e os pellets de RNA foram eluídos em água DPEC Rnase/ Dnase/ free (Ambion®) e congelados em freezer -80°C. O DNA de M. leprae foi então purificado a partir fase aquosa e da interfase (~500 µL) que permaneceu nos tubos lysing matrix FastPrep® ProBlue (MP- Biomedicals). A extração do DNA foi realizada pela adição de 200 µL de Tris-EDTA 10mM (pH 8,0) e 500 µL de clorofórmio-álcool-isoamílico (25:24:1) em cada microtubo com amostra e homogeneizados por duas vezes no instrumento PQ FastPrep 24. Em seguida as amostras foram centrifugadas a 13.200 rpm por 15minutos. O sobrenadante (~300 µL) de cada amostra foi transferido para outro microtubo e precipitado com 500 µL de isopropanol e 30 µL de acetato de sódio 0,3M e centrifugado novamente a 13.200 rpm por 10 minutos. Em seguida todo sobrenandante foi descartado e o “pellet” de DNA foi lavado com 1 mL de etanol 70% gelado e centrifugado de 10 minutos. Após a centrifugação o Etanol foi retirado e o pellet de DNA foi mantido em temperatura ambiente para secagem. Os pellets de DNA foram eluídos em um volume de água DPEC que variou de 40 a 150 µL e armazenados a -20°C até o uso. 5.5 Tratamento das amostras de RNA As amostras foram quantificadas em Nanodrop® (Thermo Scientific), observando-se a concentração do RNA obtido e sua qualidade por meio da relações da pureza. Após a quantificação, as amostras foram diluídas na concentração de 2 µg/ µL de RNA em volume final de 40 µL . Em cada um dos tubos de amostra com 40 µL, foi acrescentada uma mistura de 10 µL contendo 5 µL Buffer DNASE, 3 µL DNASEâ turbo, 2 µL água DPECâ, perfazendo um volume total de 50 µL. Em seguida as amostras foram colocadas em um termociclador a 37º C por 1 hora. Após esse tempo, as amostras foram mantidas em gelo para resfriar e a elas foram acrescentados 6 µL de inativador de DNASE turboâ em cada microtubo, que foram em seguida agitados e mantidos por 2 minutos em estante em temperatura ambiente. 56 Após esse tempo, o sobrenadante (~35 µL) foi transferido para novo microtubo, tomando o extremo cuidado para não tocar no inativador que fica no fundo. As amostras foram guardadas em freezer -80ºC. 5.6 Transcrição reversa das amostras de RNA Foram transcritos 2000 ng de RNA para cada amostra. Para cada amostra havia um microtubo transcrito (RT ) e um outro não transcrito (NRT). Aos microtubos com as amostras em duplicatas e previamente marcados foram acrescentados 11 µL de RNA tratado, 1 µL de Random Primer e 1 µL de DNTP. Em seguida, as amostras foram colocadas no termociclador a 65ºC por 5 minutos, e ao término foram mantidas em gelo para resfriar. Em cada microtubo RT foram adicionados 7 µL de uma mistura contendo 4 µL de Buffer 5x, 1 µL de DTT, 1 µL de Água DPEC, e 1 µL de Superscript III e 4 µL de Buffer 5x, 1 µL de DTT, 2 µL de Água DPEC para cada microtubo NRT. Todos os tubos foram homogeneizados delicadamente e mantidos por 5 minutos em temperatura ambiente. Os microtubos RT e NRT foram incubados em termociclador a 50ºC por 60 minutos de inativação da reação com aumento da temperatura para 70ºC por 15 minutos. Após resfriar em gelo, foram adicionados 80 µL de água DPEC em cada microtubo. Após a transcrição, as amostras foram novamente quantificadas e diluídas para uma concentração de 25ng/ µL e em seguida estocados em freezer -20ºC até o momento de uso. 57 5.7 Ensaio de viabilidade: Detecção de M. leprae por qPCR Os níveis de 16S RNAr de M. leprae foram determinados usando primers e sondas do gene 16S RNAr específico para M. leprae utilizando os ensaios TaqMan (Quadro 01), a partir de uma mix com volume total de 25 µL para cada amostra contendo solução 2X de TaqMan master mix, 500 nM de cada primer e 100 nM da sonda. O volume de cDNA para cada amostra variou de 2 a 10 µL. Quadro 01. Primers e Sondas do gene 16S RNAr específico para M. leprae utilizados nos ensaios TaqMan. Alvo Descrição Primer Sequência de Primers RNAr 16S RNAr 16S MLRNAr16S - F 5´-GCA TGT CTT GTG GTG GAA AGC – 3´ MLRNAr16S - R 5´- CAC CCC ACC AAC AAG CTG AT – 3´ MLRNAr16S probe 5´- CAT CCT GCA CCG CA – 3´ Fonte: Martinez et al (2009). A sequência repetitiva RLEP baseado em DNA foi o enumerador bacteriano utilizado como normalizador dos níveis de 16S RNAr (Quadro 02). Para este ensaio foram utilizados volumes de DNA que variaram de 2 a 10 µL, adicionados a uma mistura de 25 µL para cada amostra, contendo 2X TaqMan master mix, 200 nM de cada primer e 100 nM da sonda. As reações de qPCR, para os genes 16S RNAr e RLEP foram submetidas a uma ciclagem de 50°C por 2minutos, 95°C por 10minutos e 40 ciclos de 95°C por 15 segundos e 60°C por 1 minuto utilizando equipamento StepOnePlusTM (Real Time PCR Systems – Life Technologies). Todas as análises foram realizadas em triplicata, controle negativo (mix sem DNA e cDNA) e positivo (DNA e cDNA da cepas referencia Thai-53). Quadro 02. Primers e Sondas da sequência repetitiva RLEP específica para o M. leprae utilizados nos ensaios TaqMan. Alvo Descrição Primer Sequência de Primers RLEP Elemento repetitivo MLRLEP - F 5´- GCA GCA GTA TCG TGT TAG TGA A – 3´ MLRLEP - R 5´- CGC TAG AAG GTT GCC GTA T- 3´ MLRLEP probe 5´- CGC CGA CGG CCG GAT CAT CGA – 3´ Fonte: Martinez et al (2009). 58 5.8 PCR multiplex para detecção de M. leprae e M. lepromatosis Para esta análise foram utilizados o sistema de primers LPM244 que amplifica um fragmento de 244 pb do gene hemN de M. lepromatosis que foi perdido pelo M. leprae, e os primers RLEP 7 e RLEP 8 que amplificam um fragmento de 450 pb da sequência repetitiva RLEP de M. leprae (Quadro 03). Quadro 03. Sequência de Primers específicos utilizadas nos ensaios para detecção da presença de M. leprae e M. lepromatosis. Alvo Primer Sequência de Primers M. lepromatosis LPM244 - F 5´- GTT CCT CCA CCG ACA AAC AC – 3´ LPM244 - R 5´- TTC GTG AGG TAC CGG TGA AA – 3´ M. leprae RLEP - 7 5´- TGA GGC TTC GTG TGC TTT GC – 3´ RLEP - 8 5´- ATC TGC GCT AGA AGG TTG CC – 3´ Fonte: Singh et al (2015). As reações de PCR foram realizadas para um volume de 25 μL por reação contendo 2,5 μL de Buffer 10X, 2 μL de MgCl2 , 0,6 μL de DNTP, 1,5 μL para cada primer (2 μM), 2 μL de Betaína (Opcional), 0,4 μL de Taq DNA polimerase, 5,5 μL de água destilada estéril. A cepa Thai-53 foi utilizada como controle positivo e como controle negativo uma alíquota da reação sem DNA. As reações de PCR, para os genes hemN e RLEP foram submetidas a uma desnaturação inicial a 95°C por 10 minutos, seguida de 40 ciclos de 30 segundos de desnaturação a 95°C, 40 segundos de hibridização a 58°C e extensão de 30 segundos a 72°C, seguido de uma extensão final de 10 minutos a 72°C. Os produtos amplificados foram analisados por meio da análise em eletroforese em gel de agarose a 1,5% em tampão TBE (Tris/ Ácido Bórico/ EDTA) 0,5% a 140 V por 3 horas. A visualização dos produtos foi feita por meio do corante GelRed (GelRed Nucleic Acid Gel Stain, 10.000X /Uniscience do Brasil) em um transiluminador UV. 59 5.9 Método de Georreferenciamento As coordenadas dos pontos amostrais em graus decimais foram importadas ao ArcGIS 10.5 - ESRI utilizando para isso o Datum SIRGAS 2000 no Sistema de Coordenadas Geográficas SIRGAS 2000. O Shapefile com o limite dos municípios de Mato Grosso adquirido no site do IBGE foi importado ao mesmo software utilizando-se o mesmo sistema de coordenadas dos pontos amostrais. Os mapas de calor para as variáveis RLEP e 16S foram gerados no ArcGIS utilizando-se o interpolador de Kernel com raio adaptativo e saída de valores em densidade. Os mapas de distribuição das variáveis RLEP e 16S para as diferentes amostras foram gerados por meio da classificação da quantidade pelo método da graduação de símbolos e salvos no formato TIFF com 300 dpi de resolução. 60 6. RESULTADOS 6.1 Animais silvestres: marsupiais e roedores Partindo de um total de 300 amostras obtidas de marsupiais e roedores, um total de 227 amostras foram recuperadas, distribuídas em 108 orelhas (47,58%), 66 baços (29,07%) e 53 fígados (23,35%) foram submetidas a extração de RNA e DNA. Durante a etapa de extração de RNA foram perdidas 68 amostras de orelhas (38,6%), três de baço (4,34%) e dois de fígado (3,63%). A perda expressiva de 73 amostras de orelhas se deve ao fato de serem peças muito pequenas. 6.2 Detecção de M. leprae em amostras de animais silvestres das ordens Didelphimorphia e Rodentia: enumeração e viabilidade molecular Das amostras positivas de animais silvestres submetidas à qPCR para detecção de M. leprae por enumeração e viabilidade molecular foram observadas segundo as Ordens com 101 amostras positivas (44,5%) da ordem Didelphimorphia (marsupiais) e 126 (55,5%) positivas da ordem Rodentia (roedores). Na figura 04 observam-se as duas ordens distribuídas por tipo de amostra e positividade para os marcadores RLEP (enumerador bacilar), 16S RNAr (viabilidade baciliar) e a combinação de ambos RLEP+16S RNAr. Figura 4. Detecção molecular de M. leprae para sequência repetitiva RLEP (enumerador bacilar), 16S RNAr (viabilidade) e RLEP+16SRNAr em amostras de orelha, fígado e baço oriundas de animais silvestres das Ordens Didelphimorphia e Rodentia. 0 10 20 30 40 50 RLEP 16S RLEP + 16S RLEP 16S RLEP + 16S RLEP 16S RLEP + 16S Or el ha Ba ço Fí ga do 45; 28% 17; 11% 17; 10% 36; 22% 3; 2% 3; 2% 27; 17% 7; 4% 7; 4% 45; 31% 14; 10% 14; 10% 27; 19% 3; 2% 3; 2% 22; 15% 8; 5% 8; 6% Didelphimorphia Rodentia 61 Nas amostras de orelha, baço e fígado, a faixa de detecção do gene 16S RNAr variou entre os Ciclos de Threshold (CT) 28 a 37, 32 a 36 e 33 a 37, respectivamente. A detecção da sequência repetitiva RLEP, os CT variaram de 6 a 39, 29 a 38 e 27 a 37 para orelha, baço e fígado, respectivamente. Foram consideradas amostras positivas apenas aquelas com Ct abaixo de 37. No painel de amostras avaliado, a Ordem Didelphimorphia foi representada por seis gêneros de marsupiais conforme a Tabela 02. O maior número de amplificações positivas para RLEP ocorreram em orelhas dos gêneros Marmosa com 60,47% e Monodelphis com 13,95%. Nas amostras de fígado e baço, o gênero Marmosa apresentou uma positividade de 52,17% e 64,00% respectivamente. Nos ensaios de viabilidade do gene 16S RNAr, as amostras de orelhas do gênero Marmosa foi de 66,67% e pela combinação de ambos marcadores (RLEP+16S RNAr) foi observado 63,64% de positividade. Tabela 2. Frequência da positividade de M. leprae em amostras de animais silvestres por gênero e tipo de amostras da Ordem Didelphidae qPCR Caluromys (%) Didelphis (%) Marmosa (%) Marmosopis (%) Metachirus (%) Monodelphys (%) O R EL H A RLEP 1 (8,33%) 4 (33,33%) 26 (34,66%)* 4 (36,36%)* 2 (28,57%) 6 (35,29%)* 16S 1 (8,33%) 1 (8,33%) 8 (10,66%)* 1 (9,09%) 0 (0,00%) 1 (5,88%) RLEP+16S 1 (8,33%) 1 (8,33%) 7 (9,33%)* 1 (9,09%) 0 (0,00%) 1(5,88%) FÍ G AD O RLEP 3(25,00%) 2(16,66%) 12 (16,00%) 2(18,18%) 2(28,57%) 2(11,76%) 16S 1(8,33%) 1(8,33%) 2(2,66%) 1(9,09%) 1(14,28%) 1(5,88%) RLEP+16S 1(8,33%) 1(8,33%) 2(2,66%) 1(9,09%) 1(14,28%) 1(5,88%) BA Ç O RLEP 2(16,66%) 2(16,66%) 16(21,33%)* 1(9,09%) 1(14,28%) 3(17,64%) 16S 1(8,33%) 0(0,00%) 1(1,33%) 0(0,00%) 0(0,00%) 1(5,88%) RLEP+16S 1(8,33%) 0(0,00%) 1(1,33%) 0(0,00%) 0(0,00%) 1(5,88%) *Em negrito são observadas as amostras com maior positividade nas análises de detecção de M. leprae por qPCR 63 Na Tabela 03, a representatividade da Ordem Rodentia foi observada pela presença de sete gêneros. A detecção de M. leprae pela sequência repetitiva RLEP em amostras de orelhas apresentou maior positividade nos animais do gênero Proechimys (53,85%) e Calomys (28,21%). No ensaio de viabilidade para o gene 16S RNAr, os gêneros Proechimys e Calomys foram também os mais positivos com 63,16% e 21,05% respectivamente. Na detecção combinada de RLEP+16S RNAr, a positividade foi 30% para Calomys e 60% para Proechimys. Nas amostras de fígado e baço, os animais do gênero Proechimys foram os mais positivos tanto para RLEP como para 16S RNAr. Tabela 3. Frequência da positividade de M. leprae em amostras de animais silvestres por gênero e tipo de amostras da Ordem Rodentia utilizando os marcadores RLEP e 16S RNAr qPCR Calomys (%) Hylaeamys (%) Necromys (%) Neacomys (%) Oecomys (%) Proechimys (%) Rhipidomys (%) O R EL H A RLEP 11 (39,28%)* 0 (0,00%) 2 (28,57%)* 0 (0,00%) 3 (30,00%)* 21 (22,58%)* 2 (18,18%) 16S 4 (14,28%)* 0 (0,00%) 1 (14,28%)* 0 (0,00%) 1 (10,00%) 12 (12,90%)* 1 (9,09%) RLEP+16S 3 (10,71%)* 0 (0,00%) 1 (14,28%)* 0 (0,00%) 0 (0,00%) 6 (6,45%)* 0 (0,00%) FÍ G AD O RLEP 4 (14,28%)* 2 (100%) 1 (14,28%)* 0 (0,00%) 2 (20,00%) 16 (17,20%)* 2 (18,18%) 16S 0 (0,00%) 0 (0,00%) 0 (0,00%) 0 (0,00%) 1 (10,00%) 4 (4,30%) 1 (9,09%) RLEP+16S 0 (0,00%) 0 (0,00%) 0 (0,00%) 0 (0,00%) 1 (10,00%) 4 (4,30%) 1 (9,09%) BA Ç O RLEP 6 (21,42)* 0 (0,00%) 2 (28,57%)* 0 (0,00%) 2 (20,00%) 26 (24,73%)* 2 (18,18%) 16S 0 (0,00%) 0 (0,00%) 0 (0,00%) 0 (0,00%) 0 (0,00%) 2 (2,15%) 1 (9,09%) RLEP+16S 0 (0,00%) 0 (0,00%) 0 (0,00%) 0 (0,00%) 0 (0,00%) 2 (2,15%) 1 (9,09%) *Em negrito são observadas as amostras com maior positividade nas análises de detecção de M. leprae por qPCR 65 6.3 Análise Geoespacial de animais silvestres das ordens Didelphimorphia e Rodentia A distribuição dos animais silvestres das ordens Didelphimorphia e Rodentia cujas amostras de baço, fígado e orelhas foram obtidas, pertencem a áreas de fragmentos próximos a perímetros urbanos onde a hanseníase apresenta situação hiperendêmica de casos novos, segundo a classificação adotada pelo Ministério da Saúde do Brasil (Figura 05) (129). Figura 05: Em 2018, a taxa de detecção de casos novos de hanseníase por 100 mil habitantes foi de 593, 300, 531, 153 e 46 para os municípios de Ipiranga do Norte, Santa Carmem, Sinop, Sorriso e Vera, respectivamente. As áreas de fragmentos florestais foram divididas em sete Clusters, sendo 17 animais no Cluster B, 17 no Cluster C, 36 no Cluster F (Figura 06) e 19 no Cluster G, 4 no Cluster H, 17 no Cluster I e 01 no Cluster J (Figura 07). Cluster C Cluster B Cluster I Cluster F Cluster J Cluster H Cluster G Figura 5. Mapa da área geográfica do Estado do Mato Grosso onde estão localizados os municípios de captura e coleta das amostras de baço, fígado e orelha de animais silvestres. 66 O Cluster B compreende a área que faz fronteira com os municípios de Sinop-MT e Santa Carmem-MT entre os Rios Azul e Mafalda. Os fragmentos florestais estão localizados a leste da cidade de Sinop e no entorno existem empreendimentos imobiliários como por exemplo, o condomínio de chácaras Taiamã e também empresas do setor agrícola. Nesse cluster foi observado um resultado positivo de 17 (100%) para RLEP e 2 (11,7%) 16S RNAr quando da detecção de M. leprae. O Cluster C está localizado a oeste do bairro Camping Clube “Portal da Amazônia” em Sinop-MT, entre a Rodovia Federal BR-163 (Cuiabá-Santarém) e a Estadual MT-220 (Sinop-Juara). Os fragmentos florestais estão localizados ao redor de condomínios de chácaras, empreendimentos industriais agrícolas, mineração e uma Aldeia Indígena Kayabi. Localizados também na margem Figura 6. Mapas de localização dos Clusters B, C e F nas áreas de fragmentos florestais onde foram capturados os animais silvestres da ordem Didelphimorphia e Rodentia. 67 esquerda do Rio Teles Pires e conectados em uma área de mata semi contínua devido à “área de preservação permanente (APP)”. Na detecção de M. leprae houve amplificação de 17 (100%) e 4 (23,5%) por RLEP e 16S RNAr respectivamente. No município de Ipiranga do Norte-MT entre as estradas estaduais MT- 222 e MT-010 está localizado o Cluster F, e os fragmentos de mata compreendem as áreas isoladas entre as lavouras e as matas semi contínuas as margens do Rio Verde afluente do Rio Teles Pires. Foi observada amplificação de 36 (100%) e 10 (27,7%) para RLEP e 16SRNAr, respectivamente. Figura 7. Mapas de localização dos Clusters G, H, I e J nas áreas de fragmentos florestais onde foram capturados os animais silvestres da ordem Didelphimorphia e Rodentia. 68 No Cluster G, os fragmentos florestais são áreas isoladas por campos de soja e mata semi contínua em APPs do “Córrego Rossana” afluente do Rio Teles Pires e está situado no lado direito do bairro Alto da Glória a sudeste de Sinop- MT na fronteira com Santa Carmem-MT. Esta região fica às margens da Rodovia Federal BR-163 (Cuiabá-Santarém). O fragmento florestal representado pelo Cluster H, está situado no município de Vera-MT à aproximadamente 7 km da sede municipal entre as estradas estaduais MT-225 e MT-140. Aqui existe a separação do fragmento da área contínua por uma barreira antrópica (estrada ou carreador) e a região é banhada pelos afluentes do Rio Caiabi. Apenas quatro amostras de roedores foram avaliadas, sendo três positivas para RLEP e quatro para 16S RNAr. A área de coleta do Cluster I está situada no município de Sorriso-MT, que tem ligação com áreas contínuas, corredores ecológicos e APPs do Córrego Alves e afluentes em direção ao Rio Teles Pires e ao Rio Verde. Está cercado por grandes lavouras de soja e próximo a Rodovia Estadual Geraldo Francisco Cella (MT-242). A positividade para RLEP foi de 17 (100%) e 14 (82,3%) para 16S RNAr. O Cluster J está situado ao norte do município de Ipiranga do Norte-MT, tem um fragmento isolado por campos de soja e com estreita ligação com a floresta contínua. É banhado pelo Córrego Vaivém e afluentes do Rio Teles Pires a margem da Estrada MT-220. Somente um animal foi analisado e o mesmo foi positivo para RLEP e 16S RNAr. 69 Destacamos a seguir os mapas de calor gerados para as variáveis RLEP (Figura 08) e 16S RNAr (Figura 09) utilizando-se o interpolador de Kernel com raio adaptativo e saída de valores em densidade que podem ser visualizados por cores que representam a intensidade de pontos das áreas encontradas com animais infectados com M. leprae. Os valores das escalas referem-se aos resultados dos cálculos da interpolação entre as distâncias e a quantidade de pontos, o que significa dizer que quanto mais vermelho, maior a quantidade de animais infectados naquela área. Figura 8. Mapa de calor gerado para a variável RLEP mostrando a intensidade de animais infectados entre a fronteira rural e o perímetro urbano dos municípios de Santa Carmem, Sinop, Sorriso, Ipiranga do Norte e Vera. A representação das áreas corresponde ao ponto de coleta dos animais. Ipiranga do Norte Sorriso Sinop Vera Santa Carmem 70 Figura 9. Mapa de calor gerado para a variável 16S RNAr mostrando a intensidade de animais infectados entre a fronteira rural e o perímetro urbano dos municípios de Santa Carmem, Sinop, Sorriso, Ipiranga do Norte e Vera. A representação das áreas corresponde ao ponto de coleta dos animais. Ipiranga do Norte Sorriso Sinop Vera Santa Carmem 71 6.4 Detecção de M. leprae em amostras de animais silvestres da espécie Dasypus novemcinctus: enumeração e viabilidade molecular Nesse estudo os 11 tatus da espécie D. novemcinctus apresentaram 100% de positividade nas amostras de orelha para a sequência repetitiva RLEP. Nas orelhas de tatu foram positivas 72,7% e em amostras de baço 12,5% para o gene 16S RNAr. Na análise para RLEP, as amostras de fígado e baço apresentaram 100% de positividade. Para 16S RNAr uma única amostra de baço foi positiva. Somente em oito animais foram coletadas amostras de fígado e baço. Os dados estão representados na Figura 10. Figura 10. Detecção molecular de M. leprae para RLEP (presença), 16S RNAr (viabilidade) e RLEP+16SRNAr em amostras de orelha, fígado e baço oriundas de tatus da espécie Dasypus novemcinctus. O ensaio RLEP mostrou ser o mais sensível (100%) em todas as amostras de tecido de tatu (Ct variando de 25 a 35. Nenhuma amplificação foi obtida nas amostras de fígado. Os resultados foram Cts variou de 31 a 35 nas orelhas e em uma única amostra de baço foi obtida uma Ct 35. O ensaio 16S rRNA / RLEP identificou a presença de M. leprae em oito das 11 orelhas de tatus avaliadas e foram consideradas amostras positivas aquelas com Ct abaixo de 37. 11; 24% 8; 18% 8; 18% 8; 18% 1; 2% 1; 2% 8; 18% 0 0 0 2 4 6 8 10 12 RLEP 16S RLEP + 16S RLEP 16S RLEP + 16S RLEP 16S RLEP + 16S Orelha Baço Fígado Tatus Dasypus novemcintus 72 6.5 Localização espacial da área de coleta de tatu Dasypus novemcinctus no município de Marcelândia - Mato Grosso. Os tatus foram coletados por caçadores em chácaras e áreas urbanas e todos os animais destinavam-se ao consumo próprio ou ao comércio informal como fonte de renda. A região de captura possui várias fábricas para o beneficiamento de madeira de exportação. Esse setor industrial fica afastado do centro da cidade, por isso mantem residências para os funcionários vizinhas aos empreendimentos madeireiros (Figura 11). Figura 11. Imagem de satélite do Estado de Mato Grosso, Brasil (A); área de captura dos tatus (Dasypus novemcinctus) no município de Marcelândia – MT (B); destaque para local de coleta em pomar de perímetro urbano (C). B A C Brasil 73 6.6 Detecção de M. lepromatosis por PCR Multiplex Um total de 176 amostras de animais silvestres das ordens Didelphimorphia e Rodentia foram avaliados por PCR multiplex para os genes hemN e RLEP para a detecção de M. lepromatosis. Nenhuma amostra de animal silvestre testada foi positiva para o marcador RLEP na PCR multiplex. Em relação aos sítios de coleta, as biopsias de orelhas foram negativos, no entanto, 12 amostras de fígado e 14 amostras de baço (figura 12) foram positivas para o marcador hemN com 244 pb referentes a espécie M. lepromatosis. Os gêneros Proechimys e Marmosa apresentaram positividade para o marcador henM que representa presença do bacilo Mycobacterium lepromatosis. Figura 12. Eletroforese em gel de agarose para confirmação da amplificação do fragmento de 244 pb para M. lepromatosis em amostras de fígado e baço. 2080 1500 1000 900 800 700 600 500 400 300 200 100 244 __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __F2 11 F2 33 F2 39 F2 43 F2 20 F2 25 F2 27 F2 16 F2 63 B2 16 B2 44 F2 97PM PM PMC+ C+ C- C- 74 7. DISCUSSÃO Transformações antropogênicas do ambiente natural, sintetizadas na destruição e na fragmentação de habitat naturais obrigam os animais silvestres a refúgios cada vez menores, descontínuos, mais vulneráveis e, fronteiriços com entornos urbano (130). A expansão humana sob as florestas tropicais é um fator de risco para saúde, devido ao surgimento de zoonoses emergentes ou reemergentes (12). As doenças zoonóticas mais comuns no Brasil são leishmaniose, hantavirose, doença de Chagas, febre-amarela e chikungunya (131). Assim, tais doenças são estudadas, visando prevenir possíveis surtos epidêmicos (132,133). Considera-se há mais de três décadas a existência de animais naturalmente infectados por Mycobacterium leprae (M. leprae) (134), e o reconhecimento de reservatórios não-humanos para o bacilo tem por finalidade contribuir com o entendimento dos padrões de transmissão da doença em regiões tropicais (135). A espécie M. leprae é considerado um parasita essencialmente de humanos (136), assim, investigar a presença de animais silvestres infectados com o bacilo pode contribuir para um importante avanço na epidemiologia e no controle da hanseníase (137,138). Este estudo avaliou a presença e a viabilidade do M. leprae em animais silvestres de área hiperendêmica no Centro-Norte do Estado de Mato Grosso, na região amazônica. Destaca-se que essa região vem mantendo os maiores números de casos novos, com índice de detecção geral de 88,9/100 mil habitantes em 2016 (9). A área de coleta situa-se na Amazônia e em parte no Cerrado. Trata-se de uma região altamente antropizada, com mudanças na paisagem ambiental em virtude do desmatamento e extração de madeira, da redução da biodiversidade vegetal por monoculturas como algodão, milho, sorgo, soja, entre outros (74–76). Além disso, a fragmentação da floresta caracteriza um distúrbio ecológico que intensifica a relação dos animais silvestres nessas áreas com animais 75 domésticos e com o homem, potencializando a ocorrência de surtos zoonóticos (88,92,93). A utilização de metodologias moleculares com marcadores específicos tem contribuído na investigação mais aprofundada da relação do M. leprae com o ambiente. Assim, vários estudos têm demonstrado a presença do bacilo no ambiente destacando os possíveis reservatórios e/ou fontes de infecção (81,86,139,140). Métodos moleculares para a determinação da viabilidade do M. leprae, utilizando como alvo o gene 16S RNAr e elementos repetitivos de DNA/RLEP do M. leprae como enumerador bacilar (67), favoreceram o estabelecimento de um teste rápido para avaliar o bacilo viável em biópsias de pele, assim como monitorar a eficácia da PQT (53), além de intensificar as investigações do bacilo no ambiente (91). Esse estudo utilizou-se de marcadores RLEP e 16S RNAr para detecção do M. leprae em 14 gêneros de animais silvestres das Ordens Cingulata, Didelphimorphia e Rodentia. Estes animais foram capturados em remanescentes florestais com diferentes tamanhos, conectividade com a mata e proximidade com grupos populacionais humanos na região Centro-Norte do Estado de Mato Grosso. Tendo em vista que, a ingestão da carne de animais silvestres como obtenção de proteína animal é cultural no Brasil, em especial na Região Amazônica (141,142), existe a preocupação ambiental de que a caça e o consumo de animais silvestres tenha estreita relação zoonótica (98,143,144). Neste contexto, também é descrito a zooterapia, que consiste no uso medicinal de animais para diversas enfermidades, como asma, bronquite, reumatismo, picada de cobras, trombose, entre outras (145,146). Apesar da caça de animais selvagens ser proibida no Brasil (147), a carne ou derivados desses animais são comercializados de forma irregular em conjunto com produtos silvestres coletados da floresta de forma a complementar a renda familiar (146,148). No Brasil, a caça e o consumo de tatus-galinha, tatu peba, tatu canastra (Ordem Cingulata), capivaras, pacas, cotias, mocó (Ordem Rodentia), mucuras, cuícas (Ordem Didelphimorphia) entre outros são habituais (138,149). 76 Entre os grupos de animais avaliados neste trabalho, destacam-se os didelfídeos (Ordem Didelphimorphia), pois, são reconhecidos como reservatórios de doenças comuns ao homem, como Chagas (116,150), Leishmaniose (151) e Leptospirose (152,153). Por serem animais generalistas e ocuparem diferentes estratos verticais, os didelfídeos são comumente encontrados em fragmentos florestais (154,155) e próximos à áreas urbanas, sendo caracterizados como animais sinantrópicos (131,156), o que representa um alto nível de resiliência desse grupo aos impactos causados pelo homem (115). Em relação à infecção por M. leprae em didelfídeos, foram avaliados seis gêneros da Ordem Didelphimorphia, sendo que o gênero Marmosa (60,47%) apresentou a maior positividade nas amostras de orelhas para os genes RLEP e 16S RNAr, fato corroborado pela literatura, em virtude da predileção do bacilo por áreas mais frias do corpo do hospedeiro (157). Um detalhe importante, é que os gêneros Marmosa e Monodelphis podem ser reservatórios do M. leprae pois a positividade do gene 16S RNAr nas amostras de orelha, confirma que o bacilo tem seu o maquinário celular ativo e esta se multiplicando. Esse dado sugere um fator de risco para infecção em seres humanos que vivem áreas de alta endemia de hanseníase, principalmente em locais onde a carne desses animais são consumidas ou utilizadas para fins terapêuticos (138,148,149). Outro grupo avaliado para detecção de M. leprae nesse estudo foram os roedores (Ordem Rodentia), que assim como os didelfídeos e cingulatos, são animais presentes em fragmentos florestais (115,154), que podem ser encontrados desde as áreas de campos, matas de galeria e perímetro urbano, pois ocupam estratos verticais diversificados (158–160). Os roedores têm grande importância em saúde pública, visto que, tendem a manter patógenos zoonóticos em animais domésticos e o homem, em alguns casos servindo como vetores e/ou reservatórios de doenças, tais como leptospirose (152,161), hantavirose (162,163) e leishmanioses (164–166). Dado a sinantropia de roedores como Rattus rattus, esses animais são frequentemente associados a doenças causadas por bactérias do gênero Mycobacterium (167–169). 77 Dos sete gêneros de roedores analisados, seis tiveram positividade nas amostras de orelhas para RLEP e/ou 16S RNAr, com destaque de maior positividade nos gêneros Proechimys e Calomys. Nas amostras de fígado e baco, o gênero Proechimys apresentou maior positividade para ambos os marcadores. Esses dados revelam que o bacilo segue o mesmo padrão de infecção relatados em tatus (Dasypus novemcinctus) encontrados no sul dos Estados Unidos (61,154,167). Entre 2011 e 2015, tatus D. novemcinctus capturados no sul dos Estados Unidos apresentavam infecção por M. leprae e por meio de análises genotípicas de amostras coletadas dos tatus e de pessoas infectadas, foi possível constatar que ambos possuíam a mesma cepa do bacilo (81,86). Como mencionado anteriormente, o consumo de carne de animal silvestre no Brasil, como a do tatu da espécie D. novemcinctus está relacionado a necessidade de ingestão de uma fonte de proteína animal por grupos populacionais humanos na Amazônia (170,171). Estudos evidenciam uma possível transmissão zoonótica do M. leprae a partir do contato com tatu (D. novemcinctus), uma vez que, animais infectados poderiam transmitir o bacilo ao homem pelo manuseio de sua carne (84,172,173). No presente estudo, foram analisados amostras de orelha, fígado e baço de 11 tatus D. novemcinctus com a finalidade de verificar a infecção e a presença de M. leprae viável , visto que a literatura científica apresenta evidências de tatus naturalmente infectados por M. leprae, mas no Brasil há poucos estudos que mostram essa infecção e nenhum estudo que evidencie a replicação do bacilo em tatus no território brasileiro (172,174). Na análise de qPCR RLEP, as amostras de orelhas (direita e esquerda) dos 11 tatus, apresentaram 100% de positividade para a detecção do DNA do M. leprae, 54,5% positivos para amostras de fígado e 72,7% em amostras de baço. Estudo realizado no Município de Belterra, no Pará, dos 16 tatus analisados 62% foram positivos na detecção do M. leprae (84). Salientamos que as coletas feitas em Belterra-PA foram de capturas realizadas em área de floresta, enquanto que, em nossa pesquisa todos os animais foram capturados em área urbana ou chácaras. Este fato sugere que 78 a dispersão do bacilo, pode acontecer a partir de animais infectados em áreas endêmicas da hanseníase. Assim destacamos, o resultado de positividade de 72,7% na viabilidade do gene 16S RNAr em orelhas dos 11 tatus avaliados. Apenas uma amostra de baço foi positiva para esse marcador. Esses dados reforçam a presença de M. leprae viável, ou seja permanece metabolicamente ativo e, portanto, capaz de causar infecção. Observou-se que as amostras de baço e fígado apresentaram menor ou nenhuma positividade para o RNAr 16S em relação às amostras de orelha. A viabilidade reduzida nessas amostras podem estar relacionadas à quantidade de lipídeos observada nas amostras durante a extração, visto que a concentração de RNA foi menor que a observada nas orelhas. O projeto apresentou limitações importantes relacionados ao tempo de abate pelos caçadores, a chegada do animal para coleta das biópsias a serem mantidas em veiculo de manutenção para a preservação do RNA. Além disso, não é possível mensurar as perdas por exposição a temperatura ambiente em bancada e transporte, como também as falhas na extração em decorrência do tamanho das peças extraídas. As infecções por M. leprae em tatus são descritas em vários estudos, mas recentemente roedores do tipo Rattus rattus foram associados a hanseníase causada pelo bacilo M. lepromatosis. Tais dados foram publicados em um estudo realizado em Novo Leon, México, sendo as infecções relacionadas ao consumo da carne de roedores (96). Do mesmo modo que, foram encontrados esquilos vermelhos (Sciurus vulgaris) com hanseníase na Escócia, sendo os bacilos identificados como M. lepromatosis (124). Em nosso estudo, também foi detectada a presença do M. lepromatosis em biópsias de fígado e baço de roedores e marsupiais, utilizando a PCR multiplex para o gene hemN específico para o bacilo. Apesar de ser um resultado importante, para fins de publicação ainda será necessário realizar o sequência mento das amostras por se tratar de informações relevantes para a epidemiologia da doença. Na Amazônia, os roedores possuem grande relevância para ribeirinhos (149), seja para obtenção de proteína, para medicamentos, uso como amuletos, e também na produção de artesanatos (146). Dessa maneira, alertamos para a 79 possibilidade de que