Perspectivas, São Paulo 5:73-88, 1982. AS CONTRADIÇÕES DA REPRODUÇÃO DO CAPITAL NUMA ÁREA CAFEEIRA. Maria A . Moraes S I L V A * RESUMO: As mudanças e contradições que ocorreram na composição orgânica do capital, nos úl­ timos anos, numa área caracterizada pela produção de café. UNITERMOS: Capitalismo e agricultura; integração da agricultura à indústria; industrialização da agricultura; estado, capitalismo e agricultura. 1. INTRODUÇÃO O nosso objetivo neste trabalho é es­ sencialmente o de analisar as mudanças e as contradições que ocorreram na compo­ sição orgânica do capital, nos últimos anos, no município de Altinópolis, situa­ do no extremo nordeste do Estado de São Paulo, cuja principal atividade econômica é a produção de café. A história de Altinópolis se confun­ de, ela mesma, com a história do café nos seus avanços e recuos nas diferentes re­ giões do Estado de São Paulo. As primeiras plantações de café neste município datam do final do século X I X (10:51) e aumentam consideravelmente nas três primeiras décadas do século atual (10:55). Os fazendeiros de café, atraídos pela terra roxa, traziam consigo capitais, mão- de-obra, deslocados de áreas cuja fertili­ dade natural das terras não mais assegura­ va os níveis optima de reprodução do ca­ pital. Este processo de avanço foi acompa­ nhado de um processo paralelo de recuo; assim, na medida em que o capital se im­ plantava, as antigas formas de produção eram dissolvidas: os vestígios indígenas (inscrições nas numerosas grutas existen­ tes no município), o relato oral dos mais antigos habitantes da cidade, confirmam não só a existência e a dizimaçâo dos indígenas, como também os posseiros fo­ ram rechaçados destas terras (12 e 3)**. No âmbito deste trabalho, não nos cabe analisar a acumulação primitiva des­ te capital, o que, aliás, se insere no qua­ dro de nossas preocupações de uma futu­ ra pesquisa. Nossas atenções serão aqui voltadas para um período histórico muito preciso: a fase correspondente à industrialização da agricultura (11:98), iniciada sobretudo no conjunto geral do Estado de São Paulo a partir dos anos sessenta. Este processo da industrialização da agricultura implicou a integração da agri­ cultura à indústria, e a redefinição de dois aspectos essenciais: — desigualdade nas formas de reprodu- • Departamento de Antropologia e Sociologia — Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documen­ tação — UNESP — 17.500 — Marília — SP. ** Os dados específicos sobre os atos de violência que caracterizaram a "compra" destas terras dos antigos posseiros nos foram relatados pelos antigos moradores da cidade. Hoje muitos dos grandes proprietários do município receberam co­ mo herança terras cuja apropriação se insere no quadro geral da "desapropriação" consentida. 73 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa ãrea cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. ção do capital agrário nas diferentes re­ giões do Estado de São Paulo. — reestruturação das formas de explora­ ção da força de trabalho, com a predomi­ nância da categoria dos trabalhadores "bóias-fr ias" . Este segundo aspecto já foi por nós analisado num outro trabalho (16). To­ maremos, então, o primeiro aspecto, ten­ do como base real para esta análise um to­ tal de 68 propriedades agrárias deste mu­ nicípio, o qual contava em 1979, data da nossa pesquisa de campo, com 15 milhões de cafeeiros, distribuídos em 350 proprie­ dades, e 280 proprietários, e com uma po­ pulação de trabalhadores paus-de-arara TABELA 1 — Explorações agrícolas de Altinópolis residentes na periferia da cidade, estima­ dos em 2 000 pessoas. 2. O A U M E N T O D A C O M P O S I Ç Ã O ORGÂNICA D O C A P I T A L No período 1960-70, a agricultura de Altinópolis torna-se bastante mecanizada. Os meios mecânicos de tração começaram aí a ser introduzidos nos anos 50, mas o seu crescimento só se torna importante a partir dos anos 60. O recenseamento de 1940 revela a inexistência de tratores. De acordo com a Tabela 1, nota-se o largo emprego da for­ ça de trabalho, ao invés do capital técni­ co. Ano e n.° de exploração Humana Animal Mecânica Animal e mecânica Ano e n.° de exploração índice índice índice índice 1940 229 — — — — — — - 1950 220 150 100 65 100 — — 5 100 1960 241 126 84 79 121 8 100 28 560 1970 301 62 41 56 86 37 462 146 2920 Fonte dos dados brutos: Recenseamentos agrícolas e demográficos de 1940, 1950, 1960 e 1970. Entretanto, grandes transformações foram produzidas em relação ao capital técnico, como mostram os dados da Tabe­ la 2. TABELA 2 — Máquinas e instrumentos agrícolas de Altinópolis Ano e n.° explorações N.°de explorações Tratotes N.°de explorações máquinas de tração colhedeiras 1940 229 0 0 40 82 1 1950 220 4 4 77 123 - 1960 241 34 38 141 158 — 1970 301 90 112 242 412 18 Fonte dos dados brutos: Recenseamentos agrícolas de 1940, 1950, 1960 e 1970. 74 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. No período 60-70, o número de trato­ res aumentou consideravelmente. Mas, a Tabela 2 não reflete toda a realidade, por­ que aí são apenas consideradas as máqui­ nas dos proprietários das explorações agrícolas. Deste modo, além destas máquinas registradas pelos Censos, existe uma gran­ de quantidade de máquinas agrícolas de grande porte (tratores de mais de 100 Cv, máquinas colhedeiras automotrizes, etc) cujos proprietários não são em geral os proprietários de terras. Levando-se em conta o alto preço de tais máquinas, os proprietários que não possuem recursos financeiros para comprá-las, as alugam durante os perío­ dos de colheita, principalmente dos ce­ reais. Os proprietários dessas maquinas, geralmente moram na cidade e desempe­ nham outras funções, ou não . Empregam a mão-de-obra assalariada. Observa-se que o simples fato de ser empregado como tratorista representa uma promoção para os trabalhadores, porque se trata de um status mais elevado, com um salário mais elevado, e de um tra­ balho qualificado. Estas máquinas substituem a grande maioria de mão-de-obra que era antes em­ pregada na época da colheita dos cereais e também em muitas tarefas nos cafezais. Nos cafezais, empregam-se os trato­ res de pequeno e médio portes. Há alguns anos, as ruas de café eram bem mais estreitas do que atualmente. Aí os colonos podiam plantar as culturas in- tercalares, garantindo parte de sua subsis­ tência. Este método, hoje, desapareceu totalmente. As ruas se tornaram largas, a fim de permitir que alguns trabalhos (car- pa, distribuição de adubos) sejam feitos por máquinas e não pelo trabalho huma­ no. O processo de secagem do café foi também mecanizado. Os proprietários mais ricos possuem máquinas secadoras instaladas na própria propriedade. Os an­ tigos terreiros são característicos dos mé­ dios e pequenos proprietários, que às ve­ zes pagam a secagem dos seus grãos de ca­ fé nas máquinas dos grandes proprietá­ rios. Observa-se que, com o aumento dos preços do café no mercado internacional, houve a tendência para também aumentar o uso das máquinas agrícolas nos cafe­ zais. De acordo com os dados do I E A (6:234), em 1970, eram precisos 131 sacas de café de 60 kg para comprar um trator de 44 H P . Em 1977, esta cifra era de 28 sacas de café para a compra de um trator de mesmo porte. Quanto ao consumo intermediário, houve um grande emprego de fertilizantes do qual falaremos nos itens seguintes. Entretanto, o crescimento do uso de fertilizantes atingiu índices altíssimos no conjunto do Estado de São Paulo, pas­ sando de um índice 100 em 1969, para um índice 283 em 1977 (6:224). A generalização do uso de fertilizan­ tes e de produtos fitossanitários no Esta­ do de São Paulo se verificou de modo ge­ ral em todas as propriedades, independen­ temente das suas superfícies (14:130). No que tange à comercialização de sementes, existem no município vários v i ­ veiros de café que utilizam sementes sele­ cionadas sob a orientação dos agrônomos locais e do Instituto Agronômico de Cam­ pinas. Quanto ao consumo de energia elétri­ ca, em 1970, havia 85 propriedades que a possuíam; em 1977, este número se eleva­ ra a 236. Em 1970, 11 propriedades possuíam 20 silos com uma capacidade de 880 tone­ ladas. Em 1979, segundo estimativas dos agrônomos locais, 150 propriedades já possuíam silos. O mesmo desenvolvimen- 75 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. to se verificou em relação aos depósitos. Em 1970, 193 propriedades contavam com 296 depósitos destinados à produção com uma capacidade de 61.147 metros cú­ bicos. Logo, a agricultura deste município é caracterizada pelo emprego de técnicas modernas, o que a insere na generalidade do movimento da " m o d e r n i z a ç ã o " da agricultura do Estado de São Paulo (14:131). 3. A A C U M U L A Ç Ã O C O N T R A D I T Ó ­ R I A E L I M I T A D A D E S T E C A P I ­ T A L — ANÁLISE D E U M A A M O S ­ T R A D E 68 P R O P R I E D A D E S . 3.1 O material utilizado Nós utilizamos os dados contidos nas declarações de imposto concernen­ tes a 68 propriedades, que nos foram oferecidas pelos próprios proprietá­ rios. Estas declarações fazem parte da Declaração Anual (DA) do Cadastro da Exploração Agrícola, exigido pelo I N C R A , e se referem ao ano de 1978. Este número corresponde a 20% do total das propriedades existentes no município, e corresponde às pequenas, médias e grandes propriedades*. Os dados contidos nestas declara­ ções são distribuídos em dois grupos: 1) Dados pessoais do proprietá­ rio: nacionalidade, endereço, título jurídico da terra, etc. Estes dados não foram considera­ dos, e o nome do proprietário foi subs­ tituído por um número . 2) Dados concernentes à proprieda­ de: a) superfície; b) nível técnico; c) distribuição das superfícies, se­ gundo as formas de utilização do solo; d) mão-de-obra empregada; salá­ rios (temporários, residentes) membros da família que trabalham na propriedade; e) os encargos — despesas com salários — despesas com impostos (I .T.R. — imposto territorial rural, imposto fun­ diário); o pro-rural — que corresponde a um imposto de 2,5% sobre todos os pro­ dutos vendidos pelos proprietários; — despesas com capital: consu­ mo intermediário (sementes, alimentos para o gado, etc); F . B . C . F . (Formação Bruta de Capital Fixo): máquinas agríco­ las, eletricidade, equipamento, constru­ ções, etc. — despesas com juros; f) a produção agrícola — o quantum — a discriminação dos produtos segundo sua ordem de importância; — o valor total da venda dos pro­ dutos (lucro bruto total). Infelizmente, nós não pudemos de­ monstrar a evolução destes dados nos últi­ mos anos, porque não nos foi possível a obtenção das declarações dos anos ante­ riores. Apesar disso, uma análise detalhada destes dados demonstra que a integração desta agricultura ao M . P . C . dominante se faz a partir de pontos muito específicos e contraditórios. Antes, porém, de realizar esta análi­ se, é necessário considerar alguns aspectos particulares a este caso concreto. Primeiramente, uma boa parte dos proprietários não possuem ainda o hábito de fazer um controle sistemático de sua contabilidade. Muitos chegam mesmo, a não emiti­ rem recibos de venda, quando se tratam de pequenas quantidades tais como, 1 porco, 1 saco de arroz, 1 bezerro, etc. Isto se deve ao fato de ainda existir um "pe- * Esta conceituaçao é relativa ao valor da produção e á composição orgânica do capital, e nâo à superfície da proprie­ dade. 76 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. queno comércio" de produtos agrícolas não controlado por grandes empresas (co­ mo no caso do leite e do café). Por outro lado, existem aqueles que perdem os recibos, Isto acontece princi­ palmente em relação ao pagamento dos salários dos "paus-de-arara". Muitos deles se encontram num ver­ dadeiro embaraço no tocante à sua conta­ bilidade " N ó s nos tornamos, há alguns anos, verdadeiros comerciantes, porque é preciso que nos ocupemos de papéis; anti­ gamente, não era assim. A gente só se ocupava da terra e, não de papel. Hoje, a gente fica louco com todas estas exigên­ cias do governo...para nós, tudo isto é muito difícil de fazer, nós não estamos habituados a isto, isto nos complica a vi­ da. . ." Todas estas transformações introdu­ zidas no seio da exploração agrícola, fo­ ram feitas de uma maneira muito brusca. Depois de 1964, estas novas exigências são controladas pelo aparelho I N C R A que é o responsável pela "mise en oeuvre" do E.T. (Estatuto da Terra). Em geral, os grandes proprietários, contratam contadores e estabelecem escri­ tórios nas próprias fazendas, enquanto que os outros "juntam toda a papelada e levam para os escritórios na cidade". Apesar destes aspectos, os dados des­ tas declarações são os que, do nosso pon­ to de vista, se aproximam mais da realida­ de. Talvez, o elemento mais prejudicado seja o relativo ao pagamento dos salários aos trabalhadores "paus-de-arara", cujos recibos, em parte perdidos, nos levam a crer que as despesas aí concernentes são subestimadas. 3.2 As receitas desta agricultura A análise das folhas de imposto nos revela que a grande maioria das receitas destas 68 propriedades se refere ao café; o leite vem em segundo lugar, e a seguir os outros produtos: bovinos, soja, arroz, mi­ lho, segundo a ordem de sua importância. Observa-se a partir destes dados, que, esta agricultura atingiu um alto grau de especialização: produtora de café. Os outros produtos (exceto o leite) ocupam um lugar secundário em relação ao café, se bem que eles apareçam em 38 proprie­ dades, sobretudo naquelas cujas receitas são mais altas. A o contrário do que se passava an­ tes, hoje esta especialização se torna mais visível nas propriedades de baixas recei­ tas. No que diz respeito ao preço total das vendas, o café é o produto fundamental; ele corresponde a 82,32% do total das re­ ceitas; o leite 12,25% e os outros produtos a 5,43%. O café só não aparece em três propriedades. O leite aparece em 42 pro­ priedades. Parece-nos que a combinatór ia leite-café continua existindo. Sabe-se que esta conjugação (leite-café) contribui para diminuir os custos de produção do café, devido à utilização de adubos orgânicos. Esta prática existe ainda hoje. Por outro lado, estes dados nos mos­ tram que a produção de café não é predo­ minante nas propriedades de grandes su­ perfícies. Logo, a produção de café não é a res­ ponsável pela concentração fundiária. O café é um produto que não exigia e não continua exigindo grandes superfícies de terras. Em 1958 (13:28), a utilização das ter­ ras nas propriedades cafeeiras era a se­ guinte, em termos percentuais: — 15,9% : café — 6,8% : outras culturas — 5,2% : parceiros — 3,2% : colonos — 17,4% : outras terras — 51,5% : pastagens Neste momento histórico, a compra de grandes extensões de terra estava liga­ da ao fato de que a propriedade privada 77 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. da terra representava a possibilidade de captação do sobretrabalho e a impossibili­ dade para a maioria da população de se tornar proprietários de terras. Nos nossos dias, o alto preço da terra (entendendo-se por preço a renda capitali­ zada da terra), aliado aos investimentos que nela se faz, tornando-a cada vez mais "terra-capital", engendram dois aspectos interdependentes: a terra enquanto pro­ priedade privada é um instrumento de captação da mais-valia, e esta mais-valia pode ser perfeitamente produzida nos níveis desejados pelo capital, em peque­ nas superfícies. O que acabamos de afirmar, pode ser visto através da Tabela 3, onde procura­ mos estabelecer uma relação entre receita do café e a superfície das propriedades. TABELA 3 — Distribuição das propriedades, segundo a receita do café e a superfície — 1978. Receita de café em Cr$ 1.000,00 Número de Propriedades 0 100 0— 1000 1001 — 2000 2001 — Total Superfície em ha 0 100 30 7 1 38 Superfície em ha 101 1000 7 5 1 13 + 1001 3 11 0 14 Total 40 23 2 65 Consideramos a variação das receitas em Cr$ 1.000,00, e a variação das su­ perfícies em hectares. De acordo com esta tabela, as pro­ priedades de menores superfícies são aquelas que possuem a maior parte da produção de café (estamos supondo que o grau de produtividade dos cafezais seja o mesmo em todas as propriedades). Estas propriedades concentram 62,12% do total das receitas de café. As propriedades cu­ jas superfícies variam de 101 a lOOOha concentram 34,85% do total das receitas e aquelas com mais de lOOOha apenas 3,03%. Estes dados provam que não se pode estabelecer sempre uma correlação entre grande propriedade e grande capitaliza­ ção. A industrialização desta agricultura foi um fenômeno generalizado em todas propriedades, e não somente naquelas de grandes superfícies. Assim, a propriedade n .° 66 possui 82,2ha e apresenta a maior receita (Cr$ 4.486.986,00). É o caso típico de uma pe­ quena propriedade em termos de su­ perfície, mas que jamais poderá ser consi­ derada como "pequena"; trata-se de uma propriedade cujo dono só emprega mão- de-obra assalariada e cuja receita assegura e a coloca entre as grandes. Este caso concreto evidencia o fato de que não é somente a terra enquanto tal que será o elemento fundamental na defi­ nição da situação de classe destes diferen­ tes proprietários. A terra é um elemento necessário, mas não suficiente para esta definição. Is­ to devido à industrialização desta agricul­ tura, isto é, a partir da importância que tomou esta terra com a incorporação de capital — a "terra-capital", segundo a expressão de Marx. Assim sendo, o que definirá, o que determinará o lugar destes agentes nas re­ lações sociais de produção será a impor­ tância de sua "terra-capital" e não sim­ plesmente sua "terra-nua". 78 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. De acordo com as informações das folhas de impostos dos proprietários, ou­ tros elementos se destacam. A propriedade n .° 56 possui o maior preço da terra e é a maior propriedade em extensão (2.383,4ha). Mas, constata-se que este preço não é tão elevado se nós o compararmos com os de outras propriedades. O preço da terra da propriedade n .° 68; com 154,8ha, é 60% maior do que o da propriedade n .° 56, cuja superfície é 16 vezes maior do que a propriedade n.° 68, da mesma forma, a receita total desta última é três vezes maior do que a propriedade n .° 56. Um outro exemplo poderá ser forne­ cido pela comparação entre as proprieda­ des n.° 20 e 66. A primeira com 640,7ha e a segunda com 82,2ha. O preço total da terra da segunda é 1,5 vezes maior do que o da primeira, cuja superfície é oito vezes maior. Estes exemplos bastam para funda­ mentar nossa hipótese, segundo a qual, neste caso concreto, a "terra-capital" re­ presentada pelos cafezais com alta produ­ tividade, é o elemento fundamental na ca­ racterização das camadas sociais aí exis­ tentes. Este aspecto transparece nos pró­ prios discursos. " O senhor J ... não pos­ sui grandes extensões de terras, mas os ca­ fezais que ele possui eqüivalem a centenas de hectares de terras." 3.3. As despesas com capital Antes de fazermos esta análise é ne­ cessário esclarecer alguns pontos funda­ mentais para a compreensão destes dados. Quando o consumo intermediário era produzido na própria propriedade, os proprietários evitavam a " s a í d a " de uma certa parte da mais-valia extraída no mo­ mento da produção imediata. Com o processo de industrialização da agricultura, os proprietários foram obrigados a comprar os seus meios de produção da indústria. Neste processo, algumas firmas in­ dustriais (o caso da indústria de fertilizan­ tes) tiveram enormes vantagens e privilé­ gios garantidos pelo Estado (15:141), através dos subsídios, o que implicou uma maior produtividade agrícola. Por outro lado, o Estado estabeleceu outros meios de proteção desta indústria, cuja produção interna aumentou conside­ ravelmente nos últimos anos (4:125). Quanto maior for o emprego de ferti­ lizantes menores serão as somas pagas em imposto pelos proprietários; assim, as compras em fertilizantes são multiplica­ das por seis; os outros produtos recebem um tratamento diverso: os que correspon­ dem à F . B . C . F . têm suas compras multi­ plicadas por cinco; as compras dos defen­ sivos são multiplicadas por três e as da ali­ mentação do gado por um. Além destes mecanismos oficiais, que vão permitir maiores vendas dos fertili­ zantes por parte das indústrias deste setor, outros são postos em prática, também com o mesmo objetivo. Em geral, os técnicos dos Bancos re­ cebem grandes comissões na venda de fer­ tilizantes. Em alguns casos, eles são ver­ dadeiros "vendedores de adubos" destas empresas. Existem também muitos outros ven­ dedores particulares destes produtos que percorrem cotidianamente as proprieda­ des. Podemos para efeito de ilustração, citar um fato curioso que se passou conos­ co no momento das entrevistas. A o che­ garmos à uma propriedade, todas as jane­ las e portas da residência estavam fecha­ das. Depois de algum tempo apareceu a mulher dizendo-nos: " A b r i a porta por­ que vi que se tratava de uma mulher, e, imaginei que não poderia haver mulher vendendo adubo. Desculpe-me, mas, os vendedores de adubo quando chegam, a gente não tem outro meio senão comprar, de tanto que eles insistem..." 79 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. Numa outra propriedade havia uma quantidade enorme de adubos de diferen­ tes espécies jogados na terra. Fomos in­ formados de que tais adubos não serviam para o café, e foram comprados sem a consulta aos técnicos e devido à insistên­ cia dos vendedores e ignorância dos pro­ prietários quanto ao produto (9:29). A indústria de fertilizantes se benefi­ cia nas vendas, seja através dos mecanis­ mos postos em prática pelo Estado (os subsídios na importação, ou os meios pa­ ra diminuir os impostos fundiários) seja através destes meios citados acima. Podemos dizer, que existe uma espé­ cie de "acumulação fo rçada" nesta agri­ cultura. Quanto mais a agricultura se tor­ na compradora destes produtos, mais au­ menta sua integração à indústria, o seu grau de financiamento e de hipoteca. Desta maneira, cria-se uma conjun­ ção de interesses das firmas situadas fora do setor agrícola, de maneira a fornecer o processo de acumulação do capital. Esta integração resulta da combina­ ção dos seguintes fatores: — venda dos produtos industriais a preços elevados (14: 177); — para comprar tais produtos (so­ bretudo os fertilizantes) a agricultura tem necessidade dos financiamentos; as condi­ ções de financiamentos se traduzem por um aumento do endividamento dos pro­ prietários. 3.3.1 O consumo intermediário e a F . B . C . F . (Formação Bruta do Capital F i ­ xo) De acordo com as folhas de imposto, constata-se que: — 66 propriedades utilizam tratores, — 66 propriedades utilizam fertili­ zantes, com um total de 1.718.030 kg du­ rante o ano de 1978, — 67 propriedades empregam se­ mentes selecionadas. As compras com produtos referentes ao consumo intermediário são bem mais elevadas do que com as do F . B . C . F . As­ sim, as despesas do consumo intermediá­ rio cobrem 64,19% do total dos gastos em capital e da F . B . C . F . apenas 35,81 %. Estes dados podem ser melhor vistos através das tabelas que se seguem. TABELA 4 — Distribuição das propriedades, segundo a receita do café e a F.B.C.F. — 1978 Receita de café em C r i 1.000,00 Número de Propriedades 0—1000 1001 — 2000 2001 — Total Formação de Capital Fixo Cr$ (1000) 0 50 9 2 3 14 Formação de Capital Fixo Cr$ (1000) 51 100 3 5 8 16 Formação de Capital Fixo Cr$ (1000) + 101 1 4 9 14 Formação de Capital Fixo Cr$ (1000) Total 13 11 20 44 De acordo com esta tabela, constata- maiores nas propriedades com maiores re- se que as maiores receitas em café corres- ceitas, como mostra a Tabela 5. pondem aos maiores gastos em F . B . C . F . K T „ „„ „ „ • t ... r 6 No tocante ao consumo mtermedia- Se consideramos a receita total, vere- rio, verificam-se praticamente as mesmas mos que os gastos com F . B . C . F . são tendências. 80 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5:73-88, 1982. TABELA 5 — Distribuição das propriedades, segundo a receita total e a F.B.C.F. -1978. A receita total em Cr$ 1.000,00 Número de propriedades 0— 1000 1001 — 2000 2001 — Total Formação de Capital 1 50 14 4 3 21 Formação de Capital 51 100 4 2 5 11 Fixo CrIlOOO + 101 1 5 12 18 Fixo CrIlOOO Total 19 11 20 50 A Tabela 6 mostra a forma pela qual rio, e na Tabela 7 estes dados se referem à se distribuem as propriedades segundo a receita total e ao consumo intermediário, receita do café e o consumo intermediá- TABELA 6 — Distribuição das propriedades, segundo a receita do café e o consumo intermediário -1978 Receita de café em CrJ 1.000,00 Número de propriedades 0—1000 1001 — 2000 2001 — Total Consumo Intermediário em CrJ 1000 0 50 14 11 4 29 Consumo Intermediário em CrJ 1000 51 200 1 8 4 13 Consumo Intermediário em CrJ 1000 + 201 1 4 9 14 Consumo Intermediário em CrJ 1000 Total 16 23 17 56 TABELA 7 — Distribuição das propriedades, segundo a receita total e o consumo intermediário — 1978 Receita total em Cr$ 1 000,00 0—1000 1001 — 2000 2001 — Total Consumo intermediário Cr$ 1000 0 50 15 11 4 30 Consumo intermediário Cr$ 1000 51 100 1 8 1 10 + 101 1 4 18 23 Total 17 23 23 63 Através destas tabelas, verifica-se que existe uma relação entre a importân­ cia da receita (do café e total) e os gastos com capital, de tal forma que às menores receitas correspondem os menores gastos em capital e vice-versa. Esta situação conduz a uma diferen­ ciação no grau de capitalização destas propriedades, muito embora os investi­ mentos em capital sejam generalizados em todas elas. 3.4. As despesas com salários O que se observa na análise dos da­ dos concernentes às despesas com capital variável nesta amostra de 68 propriedades é que tais despesas são maiores do que com capital constante. Apesar disso, vi- 81 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. mos que, nos últimos anos, houve um grande aumento na composição orgânica do capital. Se se levam em conta os resultados globais, verifica-se que as despesas com capital correspondem a Cr$ 18.063.064,00 e com salários a Cr$ 24.940.276,00. Por­ tanto, as despesas com capital constante correspondem a 72,42% das despesas com salários. Por outro lado, existe uma variação nos salários das diferentes categorias de trabalhadores (permanentes, "paus-de- arara" engajados por empreiteiros e "paus-de-arara" independentes dos em­ preiteiros). As despesas com os trabalhadores temporários correspondem a 37,08% do total da soma dos salários pagos, a dos trabalhadores temporários engajados por empreiteiros a 33,79% e a dos trabalhado­ res permanentes a 29,13%. A presença dos trabalhadores engaja­ dos por empreiteiros aparece mais inten­ samente nas propriedades cujas receitas são mais elevadas. Os outros trabalhadores temporários e os trabalhadores permanentes aparecem em todas as propriedades. Estabelecendo-se uma relação entre receita total e despesas em salários, chega- se aos seguintes resultados, de acordo com a Tabela 8. TABELA 8 — Distribuição das propriedades de acordo com a receita total e os salários pagos — 1978 Receita total em Cr$ 1 000,00 Número de propriedades 1 — 1000 1001 — 2000 2001 — Total Salários em Cr$1000 1 100 19 12 6 37 Salários em Cr$1000 101 200 0 5 8 13 Salários em Cr$1000 + 201 0 0 18 18 Salários em Cr$1000 Total 19 17 32 68 Estes dados nos mostram que a ten­ dência geral nestas propriedades com ca- feeiros é esta: as fazendas com maiores re­ ceitas são aquelas que possuem maiores gastos com salários. Assim, o total das despesas com salários (acima de Cr$ 200 000,00) nas propriedades cujas receitas to­ tais são superiores a Cr$ 2.000.000,00 cor­ respondem a 100%. A o contrário, as pequenas receitas correspondem às despesas mais fracas em salários (51,35%). Apesar disso, estas propriedades chegam a gastar cifras eleva­ das com salários 32,43% (de Cr$ 100.000,00 a 200.000,00) e 16,21% (acima de Cr$ 200.000,00). A grande maioria destes gastos se realiza durante o período da colheita, in­ teiramente manual, que se prolonga, em geral, do mês de maio ao mês de setem­ bro. Todos estes dados mostram o aspecto contraditório e limitado deste capitalis­ mo. Apesar da introdução de novas técni­ cas modernas, neste caso concreto da cul­ tura cafeeira, não houve uma diminuição dos gastos com capital vivo. Há autores que procuraram demons­ trar que o café utiliza uma grande quanti­ dade de mão-de-obra porque trata-se de uma cultura que emprega pouca técnica. Isto é falso. A o longo da análise destes dados, pode-se constatar exatamente o contrário. 82 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. Então, a única explicação que se tem é a própria lógica desta agricultura, que possui seus próprios mecanismos, o que faz com que o processo da industrializa­ ção da agricultura seja um processo dife­ rente da industrialização propriamente di­ ta. É a própria lógica da agricultura que determina o caráter contraditório deste capital. De uma maneira geral, os proprietá­ rios reclamam dos altos custos de salários, sobretudo durante a colheita. Muitos pre­ tendem tomar medidas urgentes para a mecanização da colheita, através do uso das colhedeiras de café. No entanto, as máquinas existentes só podem ser utilizadas em terrenos are­ nosos (região da alta Araraquarense) on­ de os grãos secam todos ao mesmo tempo. Nas outras regiões, a maturação dos grãos não é uniforme, e isto impede o emprego de tais máquinas que funcionam sob vi­ brações nos galhos, provocando a queda dos grãos. Além destas características intrínse­ cas à planta, outras questões se colocam. Primeiramente, o preço da máquina, que ultrapassa as possibilidades financei­ ras de muitos proprietários. Em segundo lugar, a colheita se pas­ sando durante alguns meses apenas, impli­ ca a ociosidade destas máquinas durante a maior parte do ano. Isto faria elevar o custo destas má­ quinas, além do que ela só poderia operar em terrenos planos. Além disso, é preciso questionar, no caso do uso generalizado destas máqui­ nas, a situação de milhares de trabalhado­ res que só encontram emprego durante a colheita. Isto faria aumentar ainda mais o subemprego e o desemprego. Mas, apesar destes aspectos contradi­ tórios, isto não quer dizer que não exista valorização deste capital. A ausência da mecanização da colheita é contrabalança­ da pela existência de outros mecanismos postos em prática para se conseguir uma elevação da produtividade do trabalho: a combinação do trabalho de empreita com meios de produção tais como tratores, adubos, inseticidas, etc. O trabalho de empreita é empregado em todas as operações, e não apenas na colheita. Isto estende o círculo de explora­ ção da força de trabalho familiar (mulher e as crianças). Se as crianças são empregadas por determinado tempo, os seus salários são menores do que os dos homens adultos (e- les recebem um salário correspondente a 30 ou 40% ao dos homens), enquanto o salário das mulheres corresponde a 70 ou 80% ao dos homens. Em resumo, apesar da alta composi­ ção orgânica deste capital, a lógica da agricultura, aliada às relações de produ­ ção, conduzem às despesas elevadas com salários nesta agricultura, o que constitui sua própria contradição. No entanto, isto não impede nem o aumento da produtivi­ dade do trabalho, nem um alto grau de exploração da força de trabalho. Tudo is­ to favorece a acumulação deste capital impondo-lhe ao mesmo tempo limites. 3.5 As despesas com impostos De acordo com as folhas de impos­ tos, existem três tipos de impostos: o P r ó - rural, o Imposto Fundiário e o Funrural. O Pró-rural (5:34) se caracteriza por um imposto de 2,5% sobre a venda de to­ dos os produtos agrícolas. Torna-se evi­ dente que ele é mais elevado nas proprie­ dades com receitas maiores. O imposto fundiário (5:33) é calcula­ do a partir de um valor fixo correspon­ dente a 0,2% do valor da "terra-nua", nas propriedades cujas superfícies exce­ dem a 25ha. Este imposto está ligado ao nível de produtividade das propriedades; aquelas com pouca produtividade paga­ rão mais imposto. O Pró-rural e o Funrural aparecem em todas as propriedades; o imposto fun­ diário só aparece em 23 propriedades. 83 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. U m outro imposto que não é registra­ do por esta contabilidade concerne ao "confisco" sobre cada saca de café vendi­ da. Em agosto de 1979, a situação das vendas de café era a seguinte: — preço de cada saca de café Cr$ 6 700,00 — confisco sobre cada saca de café Cr$ 3.432,00 — I . C . M . sobre cada saca de café Cr$ 457,52 — Encargos Cr$ 160,00 — Preço pago aos proprietários Cr$ 2.650,48. O confisco corresponde, pois, a 51,22% do preço de cada saca de café ex­ portada. A soma dos impostos (confisco, I . C . M . , Encargos) corresponde a Cr$ 4 049,52, ou seja, a 60,44% do preço de ca­ da saca exportada. A análise destes dados demonstra o grau de importância que toma a transfe­ rência de recursos da agricultura para a indústria. O confisco é o ponto de confli­ to entre os produtores de café e as outras fracções dominantes. 4. AS CONDIÇÕES D O F I N A N C I A ­ M E N T O D E S T E C A P I T A L Na medida em que se desenvolve o processo de acumulação do capital na agricultura, a capacidade de autofinancia- mento dos agricultores se reduz e eles têm necessidade de recorrer constantemente aos capitais exteriores ao setor agrícola. Não obstante, este financiamento produz efeitos diferentes no tocante aos grandes proprietários e àqueles cujas re­ ceitas são fracas. Para tal análise, nós dispusemos dos dados contidos nas folhas de imposto dos proprietários e de dados que nos foram fornecidos pelo Banco do Brasil da cidade de Batatais, onde uma boa parte dos pro­ prietários de Altinópolis recorre ao crédi­ to rural. Mas estes últimos dados consis­ tem em dados gerais sobre o crédito e as hipotecas. Foi somente através das entrevistas com os proprietários que pudemos verifi­ car uma dependência crescente desta agri­ cultura para com os órgãos credores dos quais os mais importantes são o Banco do Brasil e o Banco do Estado de São Paulo. O crescente recurso dos proprietários ao crédito é um meio de sua integração à indústria. Este mecanismo é um instru­ mento eficaz para a transferência de valo­ res da agricultura para a indústria, na me­ dida em que haja um crescimento da pro­ dução agrícola, mas também é um instru­ mento para aumentar as diferenças sociais através da proletarização dos proprietá­ rios de pequenos recursos. 4.1 O crédito Os créditos se dividem em três cate­ gorias, de acordo com o Decreto n .° 58 380/1960, artigo 11 (2:34): a) o crédito para custeio que corres­ ponde à maioria dos empréstimos. De acordo com dados oferecidos pelo Banco do Brasil da cidade de Batatais (que fornece crédito rural para as cidades de Batatais, Altinópolis, Brodósqui e San­ to Antônio da Alegria), no período de ju­ nho 78 a junho 79, a distribuição dos em­ préstimos agrícolas para o conjunto des­ sas quatro cidades era: — crédito de cus­ teio para cereais Cr$ 21.029.000,00 — crédito de cus­ teio para café Cr$ 212.635.000,00 — crédito de cus­ teio para a pe­ cuária Cr$ 31.228.000,00 O café é, de longe, o produto que concentra a grande maioria do crédito. b) Os empréstimos de investimento para a aquisição de máquinas , eletrifica­ ção, equipamento, construções, formação 84 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. de culturas permanentes, reflorestamen- to, irrigação, etc. (2:35,36). Estes empréstimos se achavam assim distribuídos: — investimentos agrícolas Cr$ 66.411.000,00 — investimentos na pecuária Cr$ 15.782.000,00 c) os empréstimos de comercialização e de pré-comercialização, instituídos pelo Decreto n.° 58.380/1966. O empréstimo de comercialização consiste na "ajuda dos agricultores" no momento da comercialização do produto (2:36). A pré-comercialização concerne o período entre o começo da colheita e o pe­ ríodo da comercialização propriamente dito. A taxa de juro (sempre referente ao ano de 1979) para os empréstimos de co­ mercialização era de 15% e para a pré- comercialização de 22%, independente das condições financeiras dos agriculto­ res. Quanto ao crédito de custeio, existem dois critérios: — quando o valor total das opera­ ções de crédito rural não ultrapassar 50 M . V . R . (maior valor de referência: C r f 1.591,00, para o ano de 1979). Neste caso, a taxa de juros era de 13%. — quando o valor total das opera­ ções de crédito rural for superior a 50 M . V . R . , a taxa de juros era de 15%. Para os créditos de investimento, há também uma variação em relação à taxa de juros. Os proprietários, cujos recursos são mais fracos, pagam menos juros, e vice-versa. Com isto, pode-se pensar num cará­ ter "democrá t i co" na distribuição do cré­ dito, uma vez que os grandes proprietá­ rios pagam juros mais elevados do que os pequenos. Não obstante, constatamos que a na­ tureza e a importância deste crédito não são as mesmas, quando se consideram os grandes proprietários e os pequenos. Assim sendo, o preço de mercado do café sofre uma grande variação no curso do ano. Os preços mais baixos correspon­ dem ao período após o mês de setembro (fim da colheita). Ora, seria perfeitamente normal que os proprietários evitassem tal período de baixa dos preços para venderem o seu produto. No entanto, o prazo do crédito de custeio para o café termina em 30 de outu­ bro. Então, devido a este imperativo, os proprietários de menores recursos são obrigados a vender o seu produto para saldar os empréstimos contraídos . Os ou­ tros proprietários guardam o produto pa­ ra somente vendê-lo no período da alta dos preços (março-abril) . Aí tem-se uma enorme diferença nos preços. No mês de agosto de 1979, o preço do café pago aos proprietários era de C r f 2.700,00 por saca, em março de 1980 este preço oscilava entre Cr$ 5.000,00 a Cr$ 5.200,00. É conveniente acrescentar alguns ou­ tros elementos constatados in loco: a pre­ sença de empresas multinacionais que agem como intermediárias do mercado do café, tais como: Colorado (capital japonês-americano), Anderson Clayton, Nestlé, Intercontinental, etc. No município, e nos vizinhos, não existem entrepostos destas empresas; elas se camuflam através dos "compradores" de café que moram nestas cidades e com­ pram o café para tais empresas. Por outro lado, a ação do Estado é no sentido de privilegiar o comércio des­ tas firmas estrangeiras. Assim sendo, por um decreto gover­ namental, houve a proibição de exporta­ ções de café no período julho-outubro de 1979 (justamente na baixa dos preços). 85 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira: Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. Ora, o que nós constatamos foi que justamente, nestes meses, estas empresas compraram através dos seus agentes a maior parte do café colhido e a colher nes­ te município para estocá-lo e vendê-lo du­ rante a alta dos preços. Segundo um desses compradores, 80% do café colhido em 1979, no municí­ pio de Altinópolis, fora vendido até o f i ­ nal do mês de agosto de 1979. Além disso, há outros elementos a considerar: todos os créditos de investi­ mentos levam em conta a data da comer­ cialização dos produtos. Tomemos um só exemplo: se um proprietário financiar a compra de um trator no mês de janeiro, ele deverá pagar a primeira parcela após um ano. Mas, se ele vender o café no mês de setembro, esta primeira parcela deverá ser paga no mês de setembro e não mais no mês de janeiro do próximo ano. Esta é uma das formas de garantir o pagamento das dívidas assumidas pelos proprietários, e de controlar a produção e a comercialização agrícolas pelos Apare­ lhos do Estado (sobretudo os Bancos e os Créditos Agrícolas), associados aos inte­ resses de grandes empresas industriais que agem na comercialização do café. Este engajamento no circuito econô­ mico e financeiro torna cada vez pior a si­ tuação dos proprietários de menores re­ cursos, e sobretudo os proprietários que só empregam a força de trabalho familiar. Para estes últimos, a única maneira de so­ breviverem como "p ropr i e t á r io s" , é au­ mentando suas horas de trabalho, ou in­ tensificando seu trabalho pela introdução de novas técnicas de produção . Mas, este recurso sempre trará riscos: uma má co­ lheita provocada por geadas, por exem­ plo*, será o suficiente para a perda do "status" de proprietár io. Toda esta situação os conduz a au­ mentarem a produção . Quanto maior a produção, maior a necessidade de com­ prar, financiar, logo, de endividar-se. A corrida aos "investimentos", cor­ responde à "corrida aos endividamen­ tos". "Trabalhar para pagar as dívidas, eis o que fazemos agora." Pode-se dizer que o crédito, que, à primeira vista favorece aos pequenos pro­ prietários de poucos recursos financeiros, devido a uma menor taxa de juros, na rea­ lidade, favorece aos grandes proprietá­ rios, cujos recursos lhes permitem não venderem os produtos durante a baixa dos preços. Para os "pequenos", não é a falta de crédito que os empobrece, mas, exata­ mente o contrário: é justamente o crédito que vai colocá-los no circuito capitalista monopolista, podendo causar-lhes a ruína (1). 4.2 As hipotecas ** Segundo o Banco do Brasil, no perío­ do junho-1978, junho-1979, havia 310 pe­ quenos proprietários, com um total de 2.480 contratos de credito rural nos qua­ tro municípios (Altinópolis, Batatais, Santo Antônio da Alegria e Brodósqui) . De acordo com a mesma fonte, havia neste período 612 propriedades hipoteca­ das nestes municípios, o que correspondia a 41% do total das propriedades. É importante observar que a existên­ cia dessas hipotecas não surte o mesmo efeito sobre os proprietár ios. As entrevistas com os proprietários nos mostraram o seguinte: os grandes es­ tão com muitas hipotecas, mas isto não implica na sua ruína, porque cada vez mais eles compram terras, investem em suas propriedades sem contar a sofisticação de seus consumos pessoais. Torna-se claro que esta acumulação é contraditória e limitada, permitindo a uma minoria de proprietários um alto * As geadas de julho de 1981 provocaram, neste municipio, a queima de sete milhões de cafeeiros e inúmeras falências de pequenos proprietários de terra. ** Os dados sobre as hipotecas nos foram fornecidos pelo Banco do Brasil. 86 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5:73-88, 1982. nível de riqueza. U m proprietário nos dis­ se que ele teve a "oportunidade de "guar­ dar o café" e vendê-lo na alta dos pre­ ços...a morte da agricultura está no mo­ mento da comercialização, e é aí que nos­ so produto é roubado". Mas, não é o crescimento das dívidas hipotecárias que nos explicará a "crise" dos proprietários; é preciso, aí, fazer a distinção entre aqueles que, apesar dessas dívidas se enriquecem e aqueles que se empobrecem (7:130). Os pequenos proprietários e os que empregam o trabalho familiar, se inserem neste quadro: se eles não pagarem as dívi­ das eles devem abandonar a sua pretensa propriedade. (8:118,119). Aí, nós chegamos à questão da "re­ partição do bo lo" . É evidente que os grandes proprietários detêm uma parte da mais-valia extraída dos trabalhadores e que outra parte é dirigida para outros se­ tores situados fora da agricultura: a in­ dústria, os bancos oficiais, os bancos pri­ vados, as Caixas Econômicas, etc. A análise das hipotecas mostra que o endividamento da agricultura se insere no quadro da integração da agricultura aos demais setores, mas, que não se pode ficar no único nível de considerar a agricultura como um setor dominado. É preciso tam­ bém verificar aqueles que são realmente os dominados, os explorados no seu tra­ balho, e aqueles que apesar da ausência de sua hegemonia (no bloco do poder) não se constituem numa classe explorada, mas, ao contrário, exploradora. 5. CONCLUSÕES Através da análise de um caso con­ creto, constatamos que a acumulação do capital na agricultura não possui a mesma lógica da acumulação do setor industrial. Na medida em que se desenvolve a economia de mercado, aprofunda-se a di­ visão do trabalho entre agricultura e in­ dústria e aumenta o nível das forças pro­ dutivas da agricultura. O aumento da pro­ dução é acompanhado da introdução de novos meios de produção que são produ­ zidos cada vez mais pelo setor industrial, portanto, pelo setor situado fora da agri­ cultura. Isto leva à integração da agricul­ tura à indústria, integração esta que se completa pelas vendas da agricultura à in­ dústria. No entanto, este processo de indus­ trialização da agricultura, que não só visa à modernização da maneira de produzir, mas também ao aumento da mais-valia relativa, provoca uma diferenciação na reprodução dos diferentes capitais indivi­ duais situados no setor agrícola. Esta diferenciação ao privilegiar os grandes capitais em detrimento dos meno­ res, reforça a contradição desta acumula­ ção, na medida em que, apesar do desen­ volvimento das condições técnicas da pro­ dução, há um grande investimento em ca­ pital variável. A "corrida para a mode rn i zação" da agricultura implica pois, neste caso con­ creto, na existência de limites impostos à própria reprodução ampliada do capital, limites estes impostos pela própr ia dinâ­ mica da agricultura. SILVA, M . A . M . — The contradictions of the reproduction of the capital in a region productive of cof- fee. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. ABSTRACT: The changes and contradictions in the organic composition of the capital, in thelast years, in a region productive ofcoffee. KEY-WORDS: Capitalism and agrículture; integration of agriculture by theindustry; State, capi- talism and agriculture. 87 SILVA, M . A . M . — As contradições da reprodução do capital numa área cafeeira. Perspectivas, São Paulo, 5: 73-88, 1982. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. A D A M S , D.W. et alii. — Is expensive credit a bargain for small farmers? the recent Brazil experience. Economics and Sociology Oc- casionaí Paper, (58), 1972. 2. AGUIAR, F . M . — Teoria eprática do crédito rural. Piracicaba, Herba, 1977. 3. BARRIGUELLI , J.C. — Subsídios à história das lutas no campo em São Paulo (1870- 1956). São Carlos, Univ. Federal, 1981. 4. BRASIL. Ministério da Agricultura. — Política para o setor agrícola brasileiro. Brasília. G E M A B - C O B A L , 1973. 5. GUIMARÃES, M . K . — Crédito rural. São Paulo, Nobel, s.d. 6. INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA, São Paulo. Prognóstico, 1977-78. São Pau­ lo, 1978. 7. KAUTSKY, K. — La question agraire: études sur les tendences de 1'agriculture moderne. Paris, François Maspero, 1979. 8. LENINE, V. — Le capitalisme dans 1'agricul­ ture. In: Oeuvres. Paris, Ed. Sociales, 1976. v.4. 9. MARTINS, J.S. — Capitalismo e tradiciona- lismo. 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