UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP CAMPUS DE JABOTICABAL QUALIDADE EXTRÍNSECA DE PELES E COUROS BOVINOS: UM LEVANTAMENTO EM SETE ESTADOS BRASILEIROS Alexandra Rocha de Oliveira Zootecnista 2013 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP CAMPUS DE JABOTICABAL QUALIDADE EXTRÍNSECA DE PELES E COUROS BOVINOS: UM LEVANTAMENTO EM SETE ESTADOS BRASILEIROS Alexandra Rocha de Oliveira Orientador: Prof. Dr. Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa Coorientador: Dr. Manuel Antônio Chagas Jacinto Tese apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Campus de Jaboticabal, como parte das exigências para obtenção do título de Doutor em Zootecnia. 2013 Oliveira, Alexandra Rocha de O48q Qualidade extrínseca de peles e couros bovinos: um levantamento em sete Estados brasileiros / Alexandra Rocha de Oliveira. – – Jaboticabal, 2013 xiv, 68 f. ; il. ; 29 cm Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, 2013 Orientador: Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa Banca examinadora: Manuel Antonio Chagas Jacinto, Mauricio Mello de Alencar, Pedro Veiga Rodrigues Paulino, Rui Machado, Viviane Corrêa Santos Bibliografia 1. Bovino. 2. Couro. 3. Qualidade. I. Título. II. Jaboticabal- Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. CDU 636.2:636.03 ' ' DADOS CURRICULARES DO AUTOR Alexandra Rocha de Oliveira graduou-se em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa em agosto de 2001 e em março de 2002 mudou-se para Campo Grande, MS, para atuar como Bolsista de Apoio Técnico à Pesquisa em um projeto na Embrapa Gado de Corte. Em março de 2004 ingressou no Programa de Mestrado em Ciência Animal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, defendendo sua dissertação em 2006 e obtendo título de Mestre. Em março de 2008 atuou como Bolsista de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (CNPq) em outro projeto na Embrapa Gado de Corte. Ingressou no Programa de Doutorado da Universidade Estadual Paulista do Campus de Jaboticabal em 2009. Prestou concurso para a área de pesquisa na Embrapa em 2010 e foi aprovada. Assumiu o cargo de Pesquisadora na Área de Tecnologia de Peles e Couros da Embrapa Gado de Corte em janeiro de 2011, onde atua até o presente momento. ' O futuro reserva mil medos, mas a voz que grita em meu peito diz que o medo é bom pra navegar... Gabriel Sater e Chico Teixeira, música Sonhos de Aço. ' AGRADECIMENTOS A Deus, sempre e cada dia mais, por tudo e todos que me cercam de luz e bem-querer. Aos meus pais, pelo amor e incentivo incondicionais e por tentarem me fazer confiar mais em mim. Às minhas irmãs, pela torcida organizada. À Unesp de Jaboticabal, pela estrutura, professores, programa e tradição. Ao Prof. Dr. Mateus Paranhos, por aceitar me orientar mesmo sem me conhecer, depois de um processo difícil de troca de orientação. Aos colegas da pós-graduação, por tornarem a estadia em Jaboticabal mais leve e divertida, e por suportarem meus chororôs de saudade de Campo Grande. À Embrapa Gado de Corte, por me acolher como bolsista há muitos anos atrás, me ver crescer como profissional e especialmente por me possibilitar o estudo que deu origem a este trabalho. É uma honra fazer parte do quadro de funcionários hoje em dia. À amiga-irmã (e hoje colega de Embrapa) Mariana de Aragão Pereira, por me deixar utilizar dados de seu projeto neste trabalho, e especialmente por estar sempre ao meu lado. Há mais de dez anos. Ao Dr. Manuel Jacinto, meu co-orientador, mestre, amigo e irmão de fé. Muito, senão tudo o que sei sobre couro, eu devo a você. Que nossa parceria entre unidades nos traga bons frutos e que a amizade cresça a cada dia. Aos meus amigos de sempre, por nunca deixarem a distância diminuir o afeto e o cuidado. E aos novos amigos, que certamente vieram para somar. Aos membros das bancas de qualificação e defesa, pelo tempo gasto na leitura e nas correções/sugestões. Ao Grupo Bertin, hoje JBS, por abrir suas portas e facilitar nosso estudo em suas unidades desse Brasil imenso e único. À FINEP, por financiar o projeto e me permitir conhecer lugares incríveis e pitorescos em busca dos dados utilizados neste trabalho. A Capes, pela bolsa. vii SUMÁRIO Página RESUMO................................................................................................................... viii ABSTRACT ................................................................................................................ ix LISTA DE FIGURAS ................................................................................................... x LISTA DE TABELAS ................................................................................................ xiii 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1 2 REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................. 4 2.1 A CADEIA PRODUTIVA DE PELES E COUROS ........................................... 4 2.2 A PRODUÇÃO DE PELES E COUROS NO BRASIL ...................................... 5 2.3 CARACTERÍSTICAS DAS PELES .................................................................. 7 2.4 CARACTERÍSTICAS DOS COUROS ............................................................. 9 2.5 PRODUÇÃO DOS COUROS – ETAPAS DO PROCESSO DE CURTIMENTO ............................................................................................... 12 2.6 QUALIDADE DE PELES E COUROS: ORIGEM DOS PRINCIPAIS DEFEITOS..................................................................................................... 13 2.7 ESTRATIFICAÇÃO DAS PELES E COUROS – SISTEMA DE REMUNERAÇÃO DIFERENCIAL .................................................................. 22 3 MATERIAL E MÉTODOS ..................................................................................... 27 3.1 SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO DAS PELES .............................................. 27 3.2 SISTEMA DE MARCAÇÃO/IDENTIFICAÇÃO DAS PELES .......................... 29 3.3 COLETA DE DADOS .................................................................................... 30 3.4 CLASSIFICAÇÃO DOS COUROS ................................................................ 38 3.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA ............................................................................... 41 3.5.1 Teste do 2 para independência e medidas de associação ................ 42 3.5.2 Distribuição Binomial ........................................................................... 42 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................ 44 5 CONCLUSÕES ..................................................................................................... 60 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 61 IMPLICAÇÕES ......................................................................................................... 68 viii ' QUALIDADE EXTRÍNSECA DE PELES E COUROS BOVINOS: UM LEVANTAMENTO EM SETE ESTADOS BRASILEIROS RESUMO – A indústria coureira brasileira vem contribuindo de forma positiva e crescente para o saldo da balança comercial do país. O valor das exportações de couros e peles em 2011 foi de US$ 2 bilhões, e acredita-se que em 2012 os valores devem ultrapassar essa marca. Apesar do quadro favorável, a baixa qualidade da matéria-prima nacional tem limitado desempenhos mais expressivos do setor industrial, e o principal fator limitante à melhoria desta é a inexistência de um sistema de remuneração diferencial pela qualidade da matéria-prima, possível de ser estabelecido a partir de programas de classificação de couros e peles. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) estabeleceu, em 2002, critérios de classificação da pele bovina visando à valorização comercial por meio da Instrução Normativa n. 12, e solicitou à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que os validasse. Após estudos, verificou-se que a metodologia proposta pelo MAPA necessitava de ajustes. O presente estudo teve por objetivo identificar e classificar, com uma nova metodologia, 6.832 peles bovinas nos estabelecimentos de abate em Estados que representassem as cinco Regiões do Brasil, além de acompanhar, em estabelecimentos de curtimento, a classificação comercial, feita pelos próprios, dos 6.832 couros e verificar se havia correlação desta com aquela recebida pelas peles nos frigoríficos, bem como identificar os defeitos mais comuns que afetam as peles e os couros brasileiros. Verificou-se que o sistema nacional de classificação das peles bovinas proposto pelo MAPA e modificada pela Embrapa ainda não é o ideal para que se chegue à remuneração do produtor pela qualidade do couro e que o mesmo necessita de adequações técnicas. Constatou-se que as frequências de defeitos como os causados por carrapatos, bernes curados, bernes abertos, riscos abertos, riscos fechados, dermatites por sarna e marcas a ferro candente, tanto para a classificação das peles quanto para a classificação dos couros, são altamente heterogêneas entre si e que a marcação a ferro candente, as infestações por carrapatos e os riscos fechados são os defeitos mais comumente encontrados nos couros brasileiros. Palavras-chave: bovinos, couro, defeitos, qualidade ix ' EXTRINSIC QUALITY OF BOVINE HIDES AND LEATHERS: A SURVEY IN SEVEN BRAZILIAN STATES ABSTRACT – The Brazilian leather industry has contributed to the positive and growing trade balance of the country. The value of hides and leathers exports in 2011 was US$ 2 billion, and it is believed that in 2012 the values exceed that mark. Despite the favorable scenario, the low quality of the hides has limited most impressive performances of the industrial sector, and the main limiting factor to this improvement is the lack of a system of differential payment for hide’s quality, which can be established with programs of hides and leathers classification. The Ministry of Agriculture, Livestock and Supply (MAPA) established, in 2002, criteria for the classification of bovine hide aimed at commercial value through Normative Instruction n. 12, and asked Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) to validate it. After studies, it was found that the methodology proposed by MAPA needed adjustments. This study aimed to identify and classify, with a new methodology, 6,832 hides in slaughterhouses in states that represent the five regions of Brazil, besides monitoring, in tanning establishments, the commercial classification of those 6,832 leathers and see if there was a correlation with that received by skins in slaughterhouses, as well as identifying the most common defects that affect Brazilian skins and leathers. It was found that the national classification system proposed by MAPA is still not ideal to reach the producer payment for the leather quality and that it requires technical adjustments. It was observed that frequencies of defects such as those caused by ticks, cured grubs, open grubs, open risks, closed risks, dermatitis and candent iron mark, both for the hides and leathers classification, are highly heterogeneous with each other. It was also observed that candent iron mark, tick infestations and closed risks are the most commonly defects found in Brazilian leathers. Keywords: bovines, leather, defects, quality x ' LISTA DE FIGURAS Figura 1. Produção brasileira de peles bovinas em milhões, período de 2002-2011 ................................................................................................. 5 Figura 2. Dez Estados brasileiros maiores produtores de peles bovinas, em 2011 ........................................................................................................... 6 Figura 3. Esquema representativo dos constituintes da pele de origem animal ........................................................................................................ 7 Figura 4. Corte esquemático de uma pele animal típica ........................................... 8 Figura 5. Disposição dos folículos pilosos no couro bovino adulto. .......................... 9 Figura 6. Eletromicrografia do couro de Nelore orgânico do Pantanal Sul- mato-grossense (Microscopia Eletrônica de Varredura – SEM): a) aspecto de cortes perpendiculares à superfície do couro; e b) perpendicular à direção dorsal (SEM) evidenciando o entrelaçamento dos feixes de fibras de colágeno: os feixes de fibras seguem diferentes direções (1 2 3). Os aumentos são, respectivamente, 400x e 800x. ................................................................ 11 Figura 7. Couros wet blue com cicatrizes de danos ocorridos na propriedade rural: a) cicatriz de marcação com ferro candente; b) riscos cicatrizados ................................................................................... 16 Figura 8. Marcas do carrapato da espécie Rhipicephalus (Boophilus) microplus na superfície do couro wet blue ............................................... 17 Figura 9. Defeitos de caráter irreversível: a) orifícios de larva do berne; b) nódulos após as larvas terem caído para empupar. ................................ 20 Figura 10. Manchas circulares na pele (dermatofitose) denominadas ringworms, comumente chamadas de sarna na indústria de curtimento ................................................................................................ 21 Figura 11. Região do grupon – dorso + laterais (1); Pescoço (2); Flanco ou Fralda (3) ................................................................................................. 28 xi ' Figura 12. Martelo tatuador com o dígito A e o número 058, utilizado na marcação das peles................................................................................. 30 Figura 13. Mapa representativo dos sete Estados brasileiros contemplados no estudo ................................................................................................. 31 Figura 14. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado de São Paulo ....................................................................................................... 31 Figura 15. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado de Mato Grosso do Sul .......................................................................................... 32 Figura 16. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado do Pará ........ 33 Figura 17. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado de Minas Gerais ........................................................................................... 34 Figura 18. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado da Bahia. ...................................................................................................... 35 Figura 19. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado de Mato Grosso. .................................................................................................... 36 Figura 20. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado do Rio Grande do Sul ......................................................................................... 37 Figura 21. Classificador de couro wet blue do curtume Bertin (à direita). ................. 39 Figura 22. Estados da federação em ordem crescente de eficiência na produção de peles e couros .................................................................... 49 Figura 23. Médias mensais de Temperatura (°C) e precipitações pluviais (mm/mês) para os anos de 2007, 2008 e 2009 em Mato Grosso do Sul ...................................................................................................... 51 xii ' Figura 24. Médias mensais de Temperatura (°C) e precipitações pluviais (mm/mês) para os anos de 2007, 2008 e 2009 no Rio Grande do Sul ........................................................................................................... 53 Figura 25. Médias mensais de Temperatura (°C) e precipitações pluviais (mm/mês) para os anos de 2007, 2008 e 2009 em Mato Grosso ............ 56 Figura 26. Médias mensais de Temperatura (°C) e precipitações pluviais (mm/mês) para os anos de 2007, 2008 e 2009 em Mato Grosso do Sul ...................................................................................................... 57 xiii ' LISTA DE TABELAS Tabela 1. Participação relativa das causas que originam peles de baixa qualidade, desde o nascimento do bovino até o curtume ...................... 15 Tabela 2. Classificação dos couros oriundos de peles padrão “Brasil Central”, pelo curtume Braspelco, MG ................................................... 24 Tabela 3. Classificação dos couros oriundos de peles padrão “Precoce”, pelo curtume Braspelco, MG .................................................................. 25 Tabela 4. Classificação dos couros oriundos de peles padrão “Precoce” da empresa Carpa Serrana, MT, pelo curtume Braspelco, MG................... 26 Tabela 5. Critérios de classificação da pele bovina estabelecidos pela Instrução Normativa MAPA n. 12/2002, visando à valorização comercial ................................................................................................ 27 Tabela 6. Sistema de classificação das peles bovinas de acordo com a Instrução Normativa MAPA n. 12/2002, modificada pela Embrapa ................................................................................................. 28 Tabela 7. Classificação Nacional de couros comparada à classificação de couros destinados à exportação ............................................................. 40 Tabela 8. Parte da tabela oriunda da coleta de dados, com os números das peles (Núm.), as classificações das peles (Class. pele), os defeitos visualizados nas mesmas (CA, BC, BA, RA, RC, DS, MF), as classificações dos couros advindos das peles (Class. couro) e os defeitos visualizados pelo classificador do curtume (CA, BC, BA, RA, RC, DS, MF) .............................................................. 41 Tabela 9. Percentagens de peles nas classes de classificação A, B e D (de acordo com Instrução Normativa MAPA n. 12/2002 modificada pela Embrapa) e de couros nas classes de classificação A, B, C, D, E, R (classificação comercial) em cada Estado estudado ................. 44 xiv ' Tabela 10. Frequência de ocorrência de defeitos (linha) em cada Estado (coluna) para a classificação de peles e couros. São apresentados os valores das estatísticas do 2 geral com 36 graus de liberdade e o teste binomial para a comparação de defeitos entre Estados ............................................................................ 47 Tabela 11. Valores das estatísticas do 2 e significância entre os sete defeitos (carrapato, berne curado, berne aberto, risco aberto, risco cicatrizado, dermatite por sarna e marca a fogo) para os sete Estados analisados (BA, MG, MS, MT, PA, RS e SP) .................... 48 Tabela 12. Percentagens de ocorrência de defeitos em couros de bovinos provocados por diferentes agentes causadores, em ordem descrescente .......................................................................................... 50 Tabela 13. Probabilidades de ocorrência dos defeitos nos couros da Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo .................................................................... 58 1 1 INTRODUÇÃO O couro bovino encontra suas principais aplicações nas indústrias de calçado (cabedal e solas), de automóveis (estofamento e revestimentos), de mobiliário (estofados de cadeiras e sofás), de tapeçaria, de vestuário e, ainda, na fabricação de diversos artigos manufaturados (selas, malas, entre ourtos). O desempenho da indústria coureira brasileira vem contribuindo de forma positiva para a balança comercial do país. Em 2011, a contribuição do setor para o saldo comercial atingiu 6,86%. Em 2010, essa participação chegou a 8,2%, contra 4,3% em 2009, 6,9% em 2008 e 5,1% em 2007. O valor das exportações de couros e peles em 2007 foi da ordem de US$ 2,194 bilhões, decresceu para US$ 1,880 bilhão em 2008 – início da crise mundial – caindo para aproximadamente US$ 1,161 bilhão em 2009, auge da crise. Em 2010 o setor se recuperou timidamente, exportando US$ 1,743 bilhão, e saltou para US$ 2,045 bilhões nas exportações de 2011 (COUROBUSINESS, 2012). Apesar dos elevados valores das exportações brasileiras, a baixa qualidade da matéria-prima nacional tem limitado desempenhos mais expressivos do setor industrial. Tal fato impossibilita o país de agregar valor ao produto dentro de suas fronteiras e usufruir das oportunidades possibilitadas pela comercialização exclusiva do couro acabado, de melhor cotação no mercado. Atualmente o Brasil exporta 55% de couros acabados, 11% de semi-acabados (crust), 30% de wet blue e 4% de raspa de wet blue (COUROBUSINESS, 2012). O problema da agregação de valor começa no campo, quando ocorrem as principais causas que afetam a qualidade da matéria-prima. Estudos realizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Embrapa Gado de Corte indicaram que os principais defeitos das peles bovinas são as marcas a ferro candente, as lesões de carrapato, além de riscos abertos e cicatrizados (PEREIRA et al., 2005). Em oposição à situação brasileira, na qual apenas 8,5% dos couros produzidos são de primeira qualidade, nos Estados Unidos esse percentual chega a 85% (PEREIRA, 2003). Acredita-se que o Brasil deixe de ganhar US$ 500 milhões/ano em função da baixa qualidade do couro bovino, pois inviabiliza a fabricação de produtos de maior valor agregado, como calçados, móveis, vestuário, entre outros. O principal fator ' 2 limitante à melhoria da qualidade do couro é a inexistência de sistemas de remuneração diferencial pela qualidade da matéria-prima, possíveis de serem estabelecidos a partir de programas de classificação de couros e peles. Atualmente, o couro ainda é remunerado através do sistema "bica corrida", isto é, o pecuarista recebe pela pele, em média, cerca de 7% a 8% do valor da arroba do boi gordo, independente de sua qualidade, o que representa menos de 50% do valor pago aos produtores americanos e europeus (GOMES, 2002). O governo brasileiro, por meio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), demandava soluções tecnológicas definitivas para a problemática da qualidade do couro produzido, fato que reforçou as ações propostas no âmbito do Fórum de Competitividade da Cadeia Produtiva de Couro e Calçados, em especial a proposta de "criar um sistema de classificação de pele oficial e harmonizado em base de defeitos". Em resposta a essa demanda, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), no uso de suas atribuições, estabeleceu, por meio da Instrução Normativa n. 12, de 18 de dezembro de 2002, os critérios de classificação da pele bovina, visando sua valorização comercial. Seu escopo determinava que a classificação do couro se daria em três níveis, diferenciados conforme a presença de defeitos e caracterizados como A, B e C. Definia ainda o corredor de abate das plantas frigoríficas como sendo o local de observação e tipificação da pele bovina. Entretanto, estudos desenvolvidos pela Embrapa visando à análise técnica e operacional da Instrução Normativa MAPA n. 12/2002 revelaram que o sistema de classificação da pele bovina se mostrou inadequado, pois do corredor de abate não se visualiza todos os defeitos nas peles bovinas (PEREIRA et al., 2005). Nesse sentido, foi proposto no âmbito do Fórum de Competitividade da Cadeia Produtiva de Couro e Calçados/MDIC que a Embrapa desse prosseguimento aos trabalhos já desenvolvidos na área de peles e couros e aprimorasse um Sistema Nacional de Classificação da Pele Bovina a fim de validá-lo, visto que já possuía experiência na área e contava com os resultados de projetos anteriores para subsidiar as próximas etapas do processo. Diante do exposto, uma proposta de pesquisa foi considerada um dos instrumentos necessários para avaliar métodos de rastreabilidade que permitissem estabelecer a remuneração pela qualidade das peles entregues pelos pecuaristas ao ' 3 frigorífico, além de avaliar qualitativamente as peles e couros de sete Estados brasileiros representando as cinco regiões do país. Um dos pré-requisitos à concretização desse cenário é, obrigatoriamente, o incremento da qualidade do couro bovino. Para tal, fazia-se necessário primeiramente conhecer o couro produzido no Brasil, que constituiu o objetivo geral do presente trabalho. Especificamente, pretendeu-se: identificar os defeitos mais comuns que afetam as peles e os couros brasileiros; verificar se há diferenças na qualidade de peles e couros produzidos entre sete Estados da Federação que representam as cinco regiões brasileiras e, caso haja, caracterizar essas diferenças; e analisar a adequabilidade da metodologia proposta pela Embrapa que aprimora o sistema de classificação nacional de peles bovinas estabelecido na Instrução Normativa MAPA n. 12/2002. 4 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 A CADEIA PRODUTIVA DE PELES E COUROS A cadeia produtiva do couro tem início na atividade da pecuária na qual são empregados diferentes sistemas de criação resultando em peles de diversas qualidades, fato que gera segregações durante o processamento do couro e seus derivados (AZEVEDO, 2002). A pele fresca ou salgada é fornecida pelos frigoríficos aos curtumes para o processamento em diferentes estágios: processamento completo até couros acabados, ou processamento parcial até o curtimento, obtendo o couro denominado wet blue, ou semiacabados, obtendo o couro denominado crust. Outros curtumes utilizam o couro wet blue para produzir o couro acabado e são denominados seção de acabamento (AZEVEDO, 2002). A cadeia produtiva do couro reúne cerca de 10 mil indústrias, entre elas a de curtimento, de calçados, de estofamento, de vestuário e componentes, além de equipamentos para essas indústrias. A cadeia produtiva de couros, calçados, estofamentos e vestuário gera mais de 500 mil empregos e movimenta uma receita superior a US$ 21 bilhões por ano (GOERLICH, 2010). As indústrias químicas também são importantes integrantes da cadeia produtiva do couro, permitindo aos curtumes atenderem às demandas das indústrias de calçados, móveis, vestuário, automóveis e aeronáutica (SILVA; BATALHA; MOURA, 2005). O complexo industrial do couro é formado por aproximadamente 800 empresas que atuam no processamento das peles transformando-as em couros. Trata-se de uma atividade que gera um Produto Interno Bruto anual de aproximadamente US$ 3 bilhões, emprega cerca de 500 mil pessoas e produz US$ 900 milhões em impostos por ano (BITTENCOURT, 2007). As peles bovinas brasileiras são consideradas de qualidade inferior quando comparadas com as americanas e europeias. Se houvesse redução nos defeitos, o país deixaria de perder entre US$ 500 milhões a um bilhão por ano (KONZEN, 2006). Essas perdas são decorrentes das marcas e cicatrizes causadas na pele dos bovinos ainda no pasto, pelos ectoparasitas (berne, carrapatos, sarnas e micoses) e ' 5 por equívocos de manejo (arame farpado nas cercas, utilização de grilhões e marca a fogo no local inadequado). 2.2 A PRODUÇÃO DE PELES E COUROS NO BRASIL Em 2011 a produção mundial de peles foi de aproximadamente 229 milhões e a brasileira de 43 milhões de unidades (INFORMA ECONOMICS FNP, 2013). A variação na produção de peles bovinas no Brasil ao longo dos últimos dez anos foi de 34,5 milhões em 2002 a 44,5 milhões em 2010 (Figura 1). Figura 1. Produção brasileira de peles bovinas em milhões, período de 2002-2011 Fonte: Informa Economics FNP (2013). Os dez Estados brasileiros maiores produtores de peles em 2011 foram Minas Gerais (11,95%), Goiás (9,69%), Mato Grosso do Sul (9,59%), Mato Grosso (8,79%), São Paulo (7,55%), Rio Grande do Sul (7,07%), Pará (6,8%), Bahia (6,71%), Paraná (5,76%), Rondônia (5,35%). Juntos eles foram responsáveis pela produção de 79,27% do total nacional (Figura 2). ' 6 Figura 2. Dez Estados brasileiros maiores produtores de peles bovinas, em 2011 Obs.: os sete Estados brasileiros escolhidos para a coleta de dados do presente estudo estão representados em laranja. Fonte: Informa Economics FNP (2013). Os Estados do Rio Grande do Sul e São Paulo possuem a maior produção nacional de couros bovinos, pois concentram 51,14% das indústrias de curtimento brasileiras (749 indústrias). No passado os curtumes foram instalados próximos aos frigoríficos, e estes, próximos aos rebanhos de bovinos de corte e aos grandes centros de consumo, fato que ilustra a atual disposição espacial e a preponderância desses dois Estados nas atividades de abate e processamento de peles e couros. Entretanto, devido ao aumento na produção de bovinos de corte nos Estados de Rondônia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Bahia, Goiás e Minas Gerais, novos frigoríficos e curtumes estão sendo construídos próximos às atuais fontes de matérias primas. Para suprir sua demanda interna, os curtumes do Rio Grande do Sul e de São Paulo frequentemente importam peles frescas, salgadas, e até couros no estágio wet blue, de outros Estados. Os dois maiores exportadores de couros para o mercado internacional também são Rio Grande do Sul e São Paulo. Esses Estados exportaram 45,68% do total nacional em 2011, sendo que o Estado de São Paulo exportou 57.490 toneladas por US$ 442,39 milhões e o Rio Grande do Sul 56.067 toneladas por US$ 492.22 milhões. O melhor desempenho do Rio Grande do Sul se deve à exportação de maior quantidade de couro de maior valor agregado (semi-acabado e acabado) do que São Paulo. ' 7 2.3 CARACTERÍSTICAS DAS PELES A pele é um tegumento externo, resistente e elástico que envolve o corpo dos animais. Trata-se do maior órgão de um animal, sendo responsável por diversas e importantes funções fisiológicas. Uma de suas principais funções é a de regular e manter constante a temperatura do corpo que cobre (HOINACKI, 1989). Por possuir terminações nervosas a pele é responsável pelas sensações de frio, calor e contato tátil. Ela auxilia na excreção de substâncias indesejáveis do metabolismo celular e tem a função de impedir a entrada de microrganismos, bem como atua como um filtro em relação à passagem das radiações solares. A pele é constituída de água, proteínas, gorduras, minerais e pigmentos (Figura 3). Figura 3. Esquema representativo dos constituintes da pele de origem animal Fonte: adaptado de Sharphouse (1995). A pele animal é composta de epiderme, derme e hipoderme. A epiderme é constituída pelos seguintes estratos, de fora para dentro: stratum corneum (queratinoso), estratum lucidum, stratum granulosum, stratum spinosum, estratum geminativum ou camada basal (SILVA, R., 2000). Nessa camada é encontrada a melanina, responsável pela pigmentação e proteção da pele contra a radiação solar. Os pelos, as glândulas sebáceas e as glândulas sudoríparas estão presentes na ' 8 derme superficial, ou camada termostática ou ainda, “flor” (Figura 4). No processo de curtimento todo o sistema epidérmico é removido. Figura 4. Corte esquemático de uma pele animal típica Fonte: adaptado de Sharphouse (1995). A camada mais importante de uma pele para os curtidores é a derme, constituída basicamente de colágeno, proteína que será transformada em couro. A camada superior da derme é denominada camada termostática, por abrigar o sistema responsável pela regulação da temperatura no animal, e a inferior, é denominada camada reticular, pois nesta camada as fibras de colágeno estão fortemente entrelaçadas, à semelhança de uma rede. As fibras que constituem a camada termostática são mais delgadas e menores, comparadas às fibras da derme reticular (HOINACKI, 1989). A hipoderme é composta principalmente por tecido adiposo e representa a interface entre a pele e a musculatura, tecidos e órgãos do animal que ela recobre. A região dorsal dos animais apresenta maior densidade e entrelaçamento de feixes de fibras de colágeno e é denominada grupão, ou grupon. Devido a essas ' 9 características e por constituir a maior parte contínua, essa região é considerada a mais nobre da pele bovina. 2.4 CARACTERÍSTICAS DOS COUROS As espécies animais são diferenciadas por meio do desenho definido pela disposição dos folículos pilosos presentes na superfície do couro denominado “flor” ou “grão”. Em função da idade ocorrem modificações nas dimensões das peles e, consequentemente, na aparência do grão. O couro de bezerro, por exemplo, apresenta maior número de folículos pilosos ou grãos por unidade de área do que o couro de um animal adulto (HOINACKI, 1989). O número de folículos pilosos no couro do bezerro e do adulto em que este se transforma é o mesmo, diferindo no diâmetro e espaçamento entre eles. A superfície do couro ou flor de bovino adulto apresenta folículos pilosos facilmente visíveis, com disposição peculiar. Eles possuem tamanhos uniformes, são bastante agrupados e sem padrão de alinhamento (Figura 5). Figura 5. Disposição dos folículos pilosos no couro bovino adulto Fonte: Manuel Antonio Chagas Jacinto, 2012. ' 10 A palavra “colágeno” deriva da palavra grega kolla, que em português significa cola. As fibras de colágeno se entrelaçam para formar uma estrutura muito resistente, permeável e altamente flexível. A disposição e angulação das fibras colágenas variam com a espécie animal, originando diferentes couros, com características e utilizações específicas. Nas Figuras 6 “a” e “b” pode ser observado o entrelaçamento dos feixes de fibras de colágeno do couro de novilha orgânica do Pantanal Sul-mato-grossense do Brasil. Os feixes de fibras seguem diferentes direções (1 2 3). A molécula de colágeno ou protofibrilla é formada por três cadeias polipeptídicas enroladas em forma de um helicóide sobre seu mesmo eixo, denominadas hélices, com aproximadamente 14Å de diâmetro (ESCUDERO, 1985). ' 11 Figura 6. Eletromicrografia do couro de Nelore orgânico do Pantanal Sul-mato- grossense (Microscopia Eletrônica de Varredura – SEM): a) aspecto de cortes perpendiculares à superfície do couro; e b) perpendicular à direção dorsal (SEM) evidenciando o entrelaçamento dos feixes de fibras de colágeno: os feixes de fibras seguem diferentes direções (1 2 3). Os aumentos são, respectivamente, 400x e 800x Fonte: Manuel Antonio Chagas Jacinto, 2012. Além de variar entre espécies, a estrutura das fibras de colágeno varia também com a localização destas no corpo do animal. No ventre e na virilha, os feixes de fibras são mais finos e menos densos. Nas áreas da paleta e do pescoço ' 12 os feixes são mais espessos e a superfície é enrugada devido à constante movimentação do animal enquanto vivo. A área do grupon é a mais uniforme e compacta, compondo a região mais extensa, lisa e durável do couro, sendo a mais utilizada na fabricação dos melhores artefatos. 2.5 PRODUÇÃO DOS COUROS – ETAPAS DO PROCESSO DE CURTIMENTO O curtimento é a transformação de pele em couro, por meio da ligação do colágeno aos produtos químicos que impedem o desenvolvimento de micro- organismos responsáveis pela decomposição da proteína. Durante o processo de curtimento, as peles bovinas são submetidas às etapas químicas de caleiro, desencalagem, purga, desengraxe, piquelagem, curtimento, neutralização, recurtimento, tingimento, engraxe e acabamento. E às etapas mecânicas de descarne, enxugamento, rebaixamento, estiramento, vácuo ou “toogling”, lixamento, amaciamento, prensagem e medição (THORSTENSEN, 1976). As peles conservadas por salga são remolhadas para incorporar novamente a umidade perdida durante o processo de desidratação (BELAVSKY, 1965). No caleiro, as peles são tratadas com hidróxido de cálcio, sulfeto de sódio, aminas e enzimas com o objetivo de abrir a estrutura fibrosa e eliminar os pêlos da epiderme (SHARPHOUSE, 1995). A utilização de produtos alcalinos no caleiro provoca o intumescimento das peles, facilitando a remoção, através da operação mecânica de descarne, da camada subjacente à derme, constituída de tecido muscular e adiposo (THORSTENSEN, 1976). Os componentes alcalinos do caleiro são eliminados da pele na desencalagem, através de reações com produtos que facilitam sua remoção na forma de sais solúveis, preparando a pele para a purga. A limpeza da estrutura fibrosa pela eliminação dos constituintes indesejáveis é realizada na operação de purga, através de enzimas proteolíticas (HOINACKI, 1989). A remoção da graxa natural é feita entre a purga e o píquel, ou durante a execução das etapas, com solventes, tensoativos e enzimas adequados ao pH de cada etapa. ' 13 No píquel são utilizados ácidos orgânicos e inorgânicos e cloreto de sódio; os ácidos preparam a pele para receber os curtentes e o cloreto de sódio bloqueia o intumescimento provocado pelos ácidos (BIENKIEWICZ, 1983). O pH desta etapa (pH=3,0) interrompe a ação da purga, desativando as enzimas. O curtimento é a etapa de transformação de pele em couro, tornando o material estável e imputrescível através da ação do curtente (ADZET, 1985a). Os curtentes podem ser inorgânicos de origem mineral, ou orgânicos de origem vegetal, sintético e aldeídos (HOINACKI, 1989). Após o curtimento, os couros são rebaixados em espessura e classificados quanto à ocorrência de defeitos e seguem para a etapa de neutralização, quando são preparados para a etapa de recurtimento. O recurtimento é executado após a etapa de neutralização ou antecedendo-a e visa definir parte das características físico-mecânicas, tais como maciez, elasticidade, enchimento e algumas características de toque e tamanho de poro – abertura do folículo piloso (HOINACKI, 1989). Os produtos de recurtimento são empregados isoladamente ou misturados e podem ser orgânicos ou inorgânicos. No mesmo banho de recurtimento ou em novo banho, os couros são tingidos com corantes aniônicos ou catiônicos, dependendo do pH do substrato e do efeito desejado. O engraxe pode ser realizado antes ou após o tingimento com o objetivo de incorporar substâncias lubrificantes no couro para promover sua maciez, através do movimento das fibras de colágeno (PORÉ, 1974). Após o engraxe, o couro é exposto ao ar para secar naturalmente ou em estufas; em seguida é amaciado, lixado e acabado com aplicação de resinas e lacas e prensado para a fixação do aspecto definitivo (ADZET, 1985b). 2.6 QUALIDADE DE PELES E COUROS: ORIGEM DOS PRINCIPAIS DEFEITOS Apesar de sua importância, as peles ainda continuam sendo consideradas subproduto da atividade pecuária e, como tal, relegada a condição inferior à da carne. A Embrapa, por meio do Programa de Carne e Couro de Qualidade, vem demonstrando que, na produção de um animal de qualidade, também é produzido ' 14 um couro de qualidade, pois pressupõe a utilização de técnicas e cuidados adequados ao bem estar e desempenho animal. Os defeitos encontrados nas peles se refletem nos couros produzidos, bem como nos produtos que destes advém. A quantidade e a distribuição de defeitos nos couros têm importantes implicações comerciais, pois podem reduzir a área aproveitável (GORE et al., 2002). Tais defeitos ocorrem tanto durante a criação do animal quanto após o abate, nas etapas de esfola e curtimento. Atualmente, devido à crescente tecnologia empregada nos curtumes, os defeitos adquiridos no processamento da pele não causam tanta preocupação quanto àqueles ocasionados nas propriedades rurais e no transporte dos animais até o frigorífico. O problema da qualidade da pele reside no fato de que, em geral, o pecuarista não é remunerado pela qualidade. Portanto, não há mecanismos de mercado para induzir a redução de danos à pele, já que os cuidados necessários para garantir menor incidência de defeitos incorrem, necessariamente, em custos adicionais (BRASIL, 1999). De acordo com Gomes (2002), atualmente, a pele é remunerada através do sistema “bica corrida”, isto é, em média, o pecuarista recebe pela pele cerca de 7% a 8% do valor da arroba do boi gordo, independente de sua qualidade, o que representa menos de 50% do valor pago aos produtores americanos e europeus. Entretanto, não há uma política explícita de remuneração da pele, que torne claro ao produtor o valor recebido pela matéria-prima. O sistema de produção animal, tipicamente extensivo e de longo prazo, expõe os bovinos por mais tempo aos elementos causadores de defeitos na pele, como os parasitas, as cercas de arame farpado, os ferrões e a prática de marcação a ferro quente fora dos locais recomendados, cujas injúrias inutilizam a parte nobre do couro. No Brasil, as infestações mais comuns abrangem aquelas causadas por berne, moscas-dos-chifres e carrapatos. A suscetibilidade a estas infestações se dá pela predominância dos climas tropical e subtropical úmido no país, que apresentam condições favoráveis à ocorrência de doenças parasitárias, além de sua dimensão continental, que dificulta o controle (GRISI et al., 2002). Segundo esses autores os ' 15 prejuízos causados pelos principais ectoparasitos em bovinos podem exceder US$ 2 bilhões. Nos Estados Unidos, as perdas econômicas causadas por infestações de ectoparasitas ultrapassavam os US$ 2 bilhões até a década de 1990 (BYFORD; CRAIG; CROSBY, 1992), causando diminuição na produção animal, pois os animais andavam mais, pastavam menos e estavam sob estresse constante. Em meados da década de 1980, Rocha e Oliveira (1985) aprofundaram estudos sobre os dois períodos mais críticos para a qualidade das peles bovinas, quais sejam, do nascimento do animal ao embarque para o abate (em geral, mais de dois anos) e do embarque à salga e armazenamento ou beneficiamento pelos curtumes (poucos dias). Os resultados indicaram que cerca de 60% dos defeitos na pele são provenientes do manejo dos animais na propriedade rural, e os demais ocorrem durante o transporte da fazenda para o frigorífico, na esfola e na salga (BRASIL, 1999; GOMES, 2002; ROCHA; OLIVEIRA, 1985). Tendo em vista que 40% dos defeitos são ocasionados em poucos dias, Rocha e Oliveira (1985), Vogellar et al. (1992) e Ferrari (1993) justificaram que as campanhas de conscientização deveriam priorizar o período que se estende do embarque ao processamento, pois os resultados podem ter impactos já no curto prazo (Tabela 1). Tabela 1. Participação relativa das causas que originam peles de baixa qualidade, desde o nascimento do bovino até o curtume Período Causas Participação (%) 1* 2** 3*** 1º Do nascimento ao embarque para abate; atuação do pecuarista (mais de dois anos) 1. Ectoparasitas 40 40 30 2. Marcas de fogo 10 10 5 3. Traumas de manejo 5 5 10 4. Acidentes (pasto/curral) 5 5 5 2º Do embarque ao abate e salga; atuação do abatedor / curtume (2 a 3 dias) 5. Traumas de transporte 10 10 5 6. Técnica de esfola deficiente 10 15 15 7. Conservação deficiente 20 15 30 Fonte: *Rocha e Oliveira (1985), **Vogellar et al. (1992) e ***Ferrari (1993). ' 16 (a) (b) Na Figura 7 são exemplificadas algumas cicatrizes cujas causas ocorrem entre o nascimento e o embarque dos animais para abate. Figura 7. Couros wet blue com cicatrizes de danos ocorridos na propriedade rural: a) cicatriz de marcação com ferro candente; b) riscos cicatrizados Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. As lesões causadas pelos carrapatos, em especial os da espécie Rhipicephalus (Boophilus) microplus, aparecem na flor do couro, mas cada estágio ' 17 parasitário do carrapato causa um tipo de alteração na pele animal (SHARPHOUSE, 1995). Após algumas horas à fixação das larvas ocorre uma vasodilatação local. Na fase final do estágio parasitário, ocorre infiltração de leucócitos, eosinófilos e neutrófilos, decorrentes da reação dos tecidos frente às substâncias inoculadas pelo aparelho bucal do carrapato. Esse aparelho penetra profundamente na pele animal, permanecendo fixado pelo hipostômio e pela solidificação da secreção salivar (MASSARD; FONSECA, 2004). As reações dos tecidos à saliva do carrapato implicam na destruição do tecido e na formação de cavidades puntiformes na derme caracterizadas pela presença do cemento implantado ao redor das peças bucais do parasita (MARQUES; YAMAMURA; VISOTTO, 2000). Essas lesões são visíveis somente na camada “’flor” e podem ser amenizadas na etapa de acabamento do couro (Figura 8). A irritação causada pelas picadas, efeito da liberação de histamina no desencadeamento do processo alérgico que a inoculação da saliva do carrapato causa, também pode fazer com que os animais se cocem em mourões, cercas, árvores e outras superfícies, ocasionado riscos na pele. Figura 8. Marcas do carrapato da espécie Rhipicephalus (Boophilus) microplus na superfície do couro wet blue Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 18 A cópula e as mudanças de fases de vida do Rhipicephalus (Boophilus) microplus ocorrem num único hospedeiro – o bovino – e, geralmente, os fatores climáticos pouco afetam o desenvolvimento nesta fase do carrapato, pois o microclima que os envolve está intimamente relacionado à fisiologia do bovino (SUGUISAWA; SOUTELLO, 2004). A maior influência da temperatura ambiente é observada na fase de pré-postura, que vai do desprendimento do carrapato do hospedeiro até a expulsão do primeiro ovo. A temperatura ideal para essa fase é de aproximadamente 27 °C. Sob condições adversas, isto é, baixas temperaturas, a fêmea do carrapato não efetua a postura, porém é capaz de se manter viva até as condições se tornarem favoráveis para iniciar novamente o processo. As fêmeas dos carrapatos são capazes de permanecer em pré-postura por até 90 dias, e em situações desfavoráveis podem permanecer vivas nas pastagens por até cinco meses (PENNA, 1990). A fêmea da mosca do berne (Dermatobia hominis) captura outras espécies de moscas e fixa uma massa de ovos sobre seu abdome transformando-as assim em mosca forética, vetora ou transportadora dos ovos. Quando a mosca transportadora pousa sobre um animal as larvas penetram no orifício do folículo piloso para se desenvolverem. A larva infestante uma vez em contato com a pele movimenta-se em média 20 minutos até penetrar, localizando-se no tecido subcutâneo. Durante 35-50 dias a larva desenvolve-se no tecido subcutâneo do animal, alcançando a fase de 3º ínstar – sua maturidade. Após completar o ciclo no animal, cai no solo, e em local umedecido e protegido inicia a sua fase de pupa. O período pupal também sofre influência climática, sob temperatura de 25 °C e umidade relativa de 60% a 80%, podendo variar de 30 a 43 dias (média de 42 dias). Em seguida ocorre a metamorfose, da qual emerge a mosca adulta apta a copular, capturar os vetores e reiniciar o ciclo holometabólico (SILVA, A., 2006). Locais onde há matas e morros tem a preferência das moscas-dos-bernes, que se multiplicam com mais intensidade em regiões de clima quente e úmido. Por isso seu desenvolvimento é mais rápido no verão, onde o ciclo pode durar de 24 a 28 dias. Os picos populacionais costumam ocorrer entre outubro e fevereiro. No inverno, esse período pode durar 120 dias (COOPERCITRUS, 1993). ' 19 Nos países do Cone Sul, incluindo alguns Estados do Sul do Brasil, as infestações dos bovinos iniciam-se durante a primavera, atingem seu pico máximo no verão e diminuem durante o outono (BORJA, 2004). Nos Estados de São Paulo, Paraná e Minas Gerais a ocorrência de berne é mais comum, enquanto que no Estado de Mato Grosso e no sertão nordestino, a ocorrência é menor. A raça do bovino também influencia na suscetibilidade à infestação por berne. Animais zebuínos apresentam maior resistência às infestações quando comparados a animais taurinos (MORAES et al., 1986; BIANCHIN et al., 2007) e aos cruzados. Gomes, Honer e Silva (1996) analisaram a infestação em bovinos com diferentes graus de sangue zebuíno no cerrado brasileiro, observando que o Nelore puro tem menor susceptibilidade que os cruzados, em especial os da raça Brangus. Bovinos europeus, cuja temperatura do corpo é mais elevada, são menos adaptados ao calor e possuem pelagem escura. Tais características favorecem maiores infestações, pois estes animais buscam locais mais protegidos do sol, tais como bosques e matas, onde há alta incidência de vetores. Em locais onde infestações de bernes são comuns, os bovinos são abatidos com larvas no corpo e as peles exibem os furos dessas larvas após a esfola. Na indústria de curtimento esses orifícios são denominados berne aberto. Se os orifícios são cicatrizados, formam-se nódulos que podem ser vistos tanto na “flor” quanto no carnal do couro curtido, neste caso é denominado berne curado ou berne cicatrizado (Figuras 9a-9b). Esse tipo de defeito é de caráter irreversível (HORN, 1984). ' 20 (a) (b) Figura 9. Defeitos de caráter irreversível: a) orifícios de larva do berne; b) nódulos após as larvas terem caído para empupar. Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. Outro agente que causa defeitos nos couros bovinos é o fungo Tricophytum verrucosum. É uma dermatofitose – micose cutânea – que infecta as estruturas queratinizadas de animais e homens, causando manchas circulares na pele ' 21 denominadas ringworms, comumente chamadas de sarna pelo setor coureiro (Figura 10). Fatores como aglomerações animais, umidade, calor, estresse e imunodeficiência favorece a passagem da forma sapróbia para a patogênica, desenvolvendo lesões de dermatofitose as quais são caracterizadas por alopecia, presença de crostas e prurido (SILVEIRA et al., 2003). Quando barreiras de defesa superficial, tais como atividade mecânica, flora microbiana e pH da pele, encontram-se alterados em decorrência de fatores estressantes intrínsecos (idade, troca de dentes ou alguma doença de base) e/ou extrínsecos (clima, épocas de carência e manejo) os propágulos infectantes (conídeos) do Trichophyton sp. germinam e, graças a ação de potentes queratinases, invadem a queratina em poucas horas após a sua instalação (PEREIRA; MEIRELES, 2001). A dermatofitose curada não deixa cicatriz na pele, mas, se o animal for abatido durante a infestação, a “flor” apresenta-se grosseira nos locais infectados (SHARPHOUSE, 1995). Figura 10. Manchas circulares na pele (dermatofitose) denominadas ringworms, comumente chamadas de sarna na indústria de curtimento Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 22 As moscas-dos-chifres (Haematobia irritans) causam transtornos aos animais devido à sua ação irritante aliada a lesões, perda de sangue e transmissão de doenças (HORNER; GOMES, 1990). Estima-se que um animal seja picado de 20 a 30 vezes por dia por cada mosca. A média de infestação é de 500 moscas por animal, mas em estações quentes do ano o número de moscas infestando um bovino pode chegar a 4.000. As lesões devido às moscas-dos-chifres são mais comuns em peles provenientes do Paraná e de Mato Grosso do Sul, mas são de difícil visualização (SÃO PAULO, 2010). 2.7 ESTRATIFICAÇÃO DAS PELES E COUROS – SISTEMA DE REMUNERAÇÃO DIFERENCIAL Os defeitos provocados por ectoparasitas além de prejudicarem a “flor” do couro, reduzindo a qualidade extrínseca, interferem negativamente na qualidade intrínseca, reduzindo a resistência à tração e ao rasgamento (JACINTO et al., 2012). A qualidade extrínseca é definida por meio de escores estabelecidos por técnicos treinados nas indústrias de curtimento para estratificar os couros em classes comerciais em função da dimensão do couro, dos tipos de defeitos e da sua localização e intensidade (JACINTO; OLIVEIRA; ANDREOLLA, 2009). Tanto os problemas na qualidade extrínseca quanto os na qualidade intrínseca dos couros refletem negativamente na indústria de curtimento. Couros com defeitos em grandes extensões da “flor” não podem ser utilizados na fabricação de estofamentos, assim como couros com defeitos que atinjam as fibras de colágeno não podem ser utilizados para a fabricação de calçados ou itens de selaria, uma vez que dependem de boa resistência à tração. Considera-se que aproximadamente 90% das peles brasileiras apresentam baixa qualidade extrínseca (SANTOS et al., 2001). Outros trabalhos afirmam que somente 8% dos couros brasileiros podem ser classificados como de alta qualidade (ALVEZ; RENOFIO; BARBOSA, 2008). Em 2002, o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil em parceria com a Agência de Promoção de Exportações criou o Programa de Melhoria da Qualidade do Couro Cru (pele), que tinha por objetivo melhorar a qualidade dos couros exportados, agregar valor e permitir o salto do Brasil em direção à liderança do ' 23 mercado mundial de couro. O programa focava pecuaristas, frigoríficos e curtumes, e tinha o intuito de transferir ao segmento a visão de cadeia, com todos os segmentos atuando em sinergia. Para tanto, os pecuaristas eliminariam a marca a fogo fora dos locais previstos por lei e os frigoríficos melhorariam a qualidade da esfola, reduzindo ou eliminando defeitos de abertura, raias e furos (COUROBUSINESS, 2002). Apesar dos esforços do programa, pouco se conseguiu mudar entre os pecuaristas e a explicação para tal é que os mesmos continuavam não recebendo pela qualidade da pele. O sistema de remuneração da pele continua sendo o de “bica corrida”, aquele em que o pecuarista recebe pelo couro cerca de 7% a 8% do valor da arroba do boi gordo, independente de sua qualidade (GOMES, 2002). A remuneração do produtor pela melhoria da qualidade das peles bovinas é imprescindível. Para isso, além de um sistema de classificação exequível, torna-se necessário um sistema que permita a rastreabilidade desde a propriedade rural até o curtume, e que a informação sobre a qualidade retorne ao início da cadeia para permitir essa remuneração. De acordo com o FAIR Programme (1998 apud JACINTO; OLIVEIRA; ANDREOLLA, 2009, p. 16) um dispositivo para permitir a rastreabilidade de peles e couros deve ter as seguintes características: [...] capaz de ser legível por equipamento e por humanos; 100% recuperável; legível em couro “flor integral” (couro com superfície preservada) e em raspa (camada inferior resultante da divisão do couro); capaz de ser legível em pele “in natura”, couro wet blue, couro semiacabado e couro acabado; capaz de ser legível sobre vários tipos de acabamento; capaz de resistir a todas as operações mecânicas e químicas do processo de curtimento; portátil; de fácil manejo; de baixo custo; capaz de receber informações adicionais e capaz de manter a integridade da superfície da pele ou do couro. Além da remuneração da pele paga pelo frigorífico, o empresário rural deveria ser estimulado, através do acréscimo de um valor ou porcentual sobre o preço de mercado, se entregasse, para abate, um animal com pele de melhor qualidade. Essa modalidade de negócio foi proposta por Frizzo Filho (1993), na qual todo couro deveria ser identificado ou segregado durante o processamento até o estágio de wet blue, quando pudesse ser medido, avaliado e classificado. Na sua visão, a ' 24 implantação de um incentivo financeiro ao produtor por uma pele de melhor qualidade só seria possível após a classificação. O único curtume que pagava pela qualidade das peles que adquiria era o Curtume Braspelco, localizado no município de Uberlândia, MG. Ele adotava a metodologia de remuneração extra, diferencial, em relações comerciais com três fornecedores. O primeiro entregava pele padrão “Brasil Central” (Tabela 2), o segundo, padrão “Precoce” (Tabela 3), e o terceiro, padrão “Precoce” da empresa Carpa Serrana de Barra do Garça, MT (Tabela 4). Tabela 2. Classificação dos couros oriundos de peles padrão “Brasil Central”, pelo curtume Braspelco, MG Classe Classificação (%) Índice** Diferencial AA* 0 1,25 0,0000 A 13 1,17 0,1521 B 30 1,09 0,3270 C 35 1,00 0,3500 D 12 0,88 0,1059 E 6 0,75 0,0450 F 4 0,50 0,0200 - 100 - 1,0000 *Essa classe equivale ao couro de terceira na classificação comercial corrente. **Índice preconizado por Frizzo Filho (2002). Fonte: adaptado de Jacinto e Pereira (2004). Cálculo para remuneração: Custo da pele in natura (R$/kg) .......................................................... 2,21 Massa média (kg/pele) ....................................................................... 42,00 Valor da pele (R$/pele) – sem ICMS, à vista ...................................... 93,00 Na Tabela 2 são mostradas as porcentagens de classificações de um lote de couros padrão Brasil Central. No lote não há couros com classificação AA, mas 13% dos couros foi classificado como A, 30% foi classificado como B e assim sucessivamente. Na Tabela 3, onde estão as porcentagens de classificações de um lote de couros padrão Precoce, há 5% dos couros com classificação AA, 25% com ' 25 classificação A, 35% com classificação B e assim sucessivamente. Já na Tabela 4 são apresentadas as porcentagens de classificações de um lote de couros padrão Super Precoce, onde só há couros AA (30%), A (50%) e B (20%). A remuneração extra é paga ao se somar os diferenciais e multiplicar o valor encontrado pelo valor da pele in natura, no caso citado, R$ 93,00. Tabela 3. Classificação dos couros oriundos de peles padrão “Precoce”, pelo curtume Braspelco, MG Classe Classificação (%) Índice** Diferencial AA* 5 1,25 0,0625 A 25 1,17 0,2925 B 35 1,09 0,3815 C 25 1,00 0,2500 D 10 0,88 0,0883 E 0 0,75 0,0000 F 0 0,50 0,0000 - 100 - 1,0748 *Essa classe equivale ao couro de terceira na classificação comercial corrente. **Índice preconizado por Frizzo Filho (2002). Fonte: adaptado de Jacinto e Pereira (2004). Cálculo para remuneração: Custo da pele in natura (R$/kg) .......................................................... 2,21 Massa média (kg/pele) ....................................................................... 42,00 Valor da pele (R$/pele) – sem ICMS, à vista ...................................... 93,00 Valor da pele (93,00 x 1,0748) (R$/pele) ........................................... 99,96 Diferencial (R$/pele) ........................................................................... 6,96 Proposta Braspelco (+70% do diferencial) ......................................... 4,87 ' 26 Tabela 4. Classificação dos couros oriundos de peles padrão “Precoce” da empresa Carpa Serrana, MT, pelo curtume Braspelco, MG Classe Classificação (%) Índice** Diferencial AA* 30 1,25 0,3750 A 50 1,17 0,5850 B 20 1,09 0,2180 C 0 1,00 0,0000 D 0 0,88 0,0000 E 0 0,75 0,0000 F 0 0,50 0,0000 - 100 - 1,1780 *Essa classe equivale ao couro de terceira na classificação comercial corrente. **Índice preconizado por Frizzo Filho (2002). Fonte: adaptado de Jacinto e Pereira (2004). Cálculo para remuneração: Custo da pele in natura (R$/kg) .......................................................... 2,21 Massa média (kg/pele) ....................................................................... 42,00 Valor da pele (R$/pele) – sem ICMS, à vista ...................................... 93,00 Valor da pele (93,00 x 1,0748) (R$/pele) ........................................... 109,56 Diferencial (R$/pele) ........................................................................... 16,56 Proposta Braspelco (+70% do diferencial) ......................................... 11,59 27 3 MATERIAL E MÉTODOS 3.1 SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO DAS PELES A partir dos resultados encontrados por Pereira et al. (2007), que apontaram para a mudança no sistema de classificação vigente (Tabela 5), foi proposto um projeto para testar uma nova metodologia de classificação de peles bovinas nos Estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul, representantes das cinco regiões brasileiras, com sugestões de alteração e melhoria das recomendações constantes da Instrução Normativa MAPA n. 12/2002 (Tabela 6). Tabela 5. Critérios de classificação da pele bovina estabelecidos pela Instrução Normativa MAPA n. 12/2002, visando à valorização comercial Defeitos naturais Couro tipo A Couro tipo B Couro tipo C Carrapato Na barriga Na barriga Todo Berne curado Não Fora do grupon Até 4 no grupon Placa de berne Não Não Fora do grupon Risco aberto Não Não Fora do grupon Risco cicatrizado Não Fora do grupon Todo Marca a fogo Não Não Todo Fonte: adaptado de Brasil (2002). A nova classificação proposta prevê a estratificação das peles bovinas em dois tipos principais, A e B. Nas peles do tipo A não são permitidos defeitos, sendo essas as melhores peles, enquanto que nas peles do tipo B são tolerados bernes curados (orifícios cicatrizados), riscos cicatrizados e dermatomicoses ou dermatofitoses (ringworms, frequentemente denominada “sarna” por formarem lesões circulares). As peles com todos os defeitos são desclassificadas (D). Neste estudo, para avaliação das peles utilizando a nova classificação proposta, foram considerados somente os defeitos originados no campo e desconsiderados aqueles decorrentes do manejo no embarque para o frigorífico, do desembarque, do curral de espera e do abate (assimetria, furos e raias). ' 28 Tabela 6. Sistema de classificação das peles bovinas de acordo com a Instrução Normativa MAPA n. 12/2002, modificada pela Embrapa Defeitos naturais Couro tipo A Couro tipo B Couro tipo D Carrapato Não tolerado Não tolerado Tolerado Berne curado Não tolerado Tolerado Tolerado Berne aberto Não tolerado Não tolerado Tolerado Risco aberto Não tolerado Não tolerado Tolerado Risco cicatrizado Não tolerado Tolerado Tolerado Dermatite por Sarna Não tolerado Tolerado Tolerado Marca a fogo Não tolerada Não tolerada Tolerada Fonte: adaptado de Brasil (2002). A avaliação foi realizada na região dorso-lateral das peles, denominada “grupon” (Figura 11). Essas peles eram provenientes de animais recebidos nos frigoríficos para o abate, oriundos das diferentes regiões supracitadas, que diferem quanto à raça, sexo, idade e sistema de produção. Figura 11. Região do grupon – dorso + laterais (1); Pescoço (2); Flanco ou Fralda (3) Fonte: adaptado de Jacinto, Oliveira e Andreolla (2009, p. 10). ' 29 3.2 SISTEMA DE MARCAÇÃO/IDENTIFICAÇÃO DAS PELES Para a marcação das peles foram pré-testadas várias metodologias disponíveis no Brasil, entre elas, o martelo tatuador de peles bovinas, o alicate tatuador de peles suínas e os lacres sem identificação para anotação com caneta de tinta permanente. A metodologia escolhida deveria ser a menos onerosa e que permitisse a recuperação dos números e a classificação A, B e D após o curtimento, antes da classificação comercial, para possibilitar a comparação entre a classificação recebida pelas peles e posteriormente, após o curtimento, pelos couros. A utilização de lacres com anotação à caneta de tinta permanente na identificação das peles não foi viável, pois muitas delas perderam-se no percurso entre o frigorífico e o curtume. Uma das opções seria a utilização de etiquetas eletrônicas (transponders, abreviatura de Transmitter-responder) que emprega a tecnologia de identificação por radiofrequência, mas esse dispositivo deve ser aplicado em locais que impeçam a migração e deve ser de fácil recuperação no frigorífico. O teste de identificação das peles com o alicate tatuador de suínos foi tão efetivo quanto com o martelo tatuador, porém o esforço para fechar o alicate foi grande, conduzindo à fadiga e a dores na mão do operário pelo esforço repetitivo. No manejo do martelo tatuador o operário utiliza o movimento do braço para golpear as peles, fato que minimiza o esforço e reduz a fadiga. Não foram testadas as metodologias que empregam código de barras, chips eletrônicos e matriz de orifícios da Landata por se tratarem de metodologias caras. Escolheu-se, então, o martelo tatuador. Nos curtumes as peles foram pré-descarnadas, empilhadas, classificadas segundo a metodologia proposta no projeto e marcadas sequencialmente. Os números e letras foram tatuados nos dois lados das peles próximo à inserção da cauda visando obter pelo menos uma marca legível (Figura 12). ' 30 Figura 12. Martelo tatuador com o dígito A e o número 058, utilizado na marcação das peles Fonte: adaptado de Jacinto, Oliveira e Andreolla (2009, p. 12). 3.3 COLETA DE DADOS Em outubro de 2008 foram iniciadas as coletas de dados em sete Estados (SP, MS, MT, PA, MG, BA, RS), distribuídos nas cinco regiões brasileiras, e em agosto de 2009 foram concluídas (Figura 13). As etapas do projeto nos Estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pará, Minas Gerais e Bahia foram desenvolvidas nos frigoríficos e curtumes do grupo paulista Bertin, atualmente JBS. Esse grupo foi escolhido porque possui um sistema de classificação de couros padronizado e harmonizado em suas plantas de curtimento. No Estado de Mato Grosso, a pesquisa foi desenvolvida em dois frigoríficos e em um curtume de Cuiabá, e no Rio Grande do Sul, em um frigorífico e um curtume da cidade de Bagé. No Estado de São Paulo, durante as coletas de dados na cidade de Lins, em outubro de 2008, o frigorífico abateu 1.175 machos castrados provenientes de propriedades localizadas nos municípios de Sabino, Cruzália, Buri e Getulina (Figura 14), sendo o rebanho predominantemente constituído de animais cruzados com pelos de colorações diversas. ' 31 Figura 13. Mapa representativo dos sete Estados brasileiros contemplados no estudo Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. Figura 14. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado de São Paulo Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 32 No Estado de Mato Grosso do Sul, durante as coletas no município de Naviraí, em dezembro de 2008, o frigorífico abateu 2.090 machos castrados e 132 fêmeas provenientes dos municípios de Amambai, Aral Moreira, Bela, Caarapã, Camapuã, Campo Grande, Glória de Dourados, Guia Lopes da Laguna, Itaporã, Itaquiraí, Ivinhema, Jateí, Laguna Carapã, Maracajú, Naviraí, Novo Horizonte do Sul e Sete Quedas (Figura 15). A predominância nos currais era de animais Nelore. Figura 15. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado de Mato Grosso do Sul Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 33 No Estado do Pará, durante as coletas de dados na cidade de Marabá, em fevereiro de 2009, o frigorífico abateu 2.413 machos inteiros e 1.156 fêmeas, praticamente todos da raça Nelore, provenientes de propriedades localizadas nos municípios de Água Azul do Norte, Altamira, Anapu, Brasil Novo, Brejo Grande do Araguaia, Cumaru do Norte, Eldorado dos Carajás, Itupiranga, Marabá, Palestina do Pará, Parauapebas, Piçarra, Santana do Araguaia, São Geraldo do Araguaia, Sapucaia, Vitória do Xingú (Figura 16). Durante o período de trabalho em Marabá a empresa Bertin não contava com classificador de couros wet blue, portanto os couros marcados pela equipe foram despachados para a matriz do grupo em Lins (SP). Figura 16. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado do Pará Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 34 No Estado de Minas Gerais, durante as coletas de dados na cidade de Ituiutaba, em fevereiro de 2009, o frigorífico abateu 2.602 machos inteiros, 177 machos castrados e 873 fêmeas provenientes de propriedades localizadas nos municípios de Arinos, Bonfinópolis de Minas, Buritizeiro, Cabeceira Grande, Campina Verde, Campos Altos, Capinópolis, Carmo do Paranaíba, Comendador Gomes, Corumbaíba (GO), Grupiara, Guarda-mor, Gurinhatã, Ipiaçú, Itarumã (GO), Ituiutaba, Jataí (GO), Lagamar, Lagoa Formosa, Lagoa Grande, Limeira do Oeste, Monte Alegre de Minas, Paracatú, Patos de Minas, Patrocínio, Pedra Preta (MT), Prata, Riachinho, Santa Vitória, Unaí, Urucuia, Vazante (Figura 17). Nos currais notou-se a predominância de animais cruzados, especialmente com raças leiteiras compondo os cruzamentos, com pelos de colorações preta e marrom. Figura 17. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado de Minas Gerais Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 35 No Estado da Bahia, durante as coletas de dados na cidade de Itapetinga, em março de 2009, o frigorífico abateu 200 machos castrados, 1.028 machos inteiros e 20 fêmeas, provenientes de propriedades localizadas nos municípios de Itambé, Itapebi, Itapetinga, Itarantim, Potiraguá, Ribeirão do Largo (Figura 18). De Itapetinga, as peles seguiam para a cidade de Baixo Guandu (ES), distante 737 km, para serem curtidas no curtume arrendado pelo Grupo Bertin. A maioria dos animais eram provenientes de cruzamentos de Nelore com raças européias e possuíam pelos de cor preta, marrom e acinzentada. Figura 18. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado da Bahia Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 36 No Estado de Mato Grosso, durante as coletas de dados na cidade de Várzea Grande, em maio de 2009, o frigorífico abateu 1.120 machos castrados, 184 machos inteiros e 130 fêmeas provenientes de propriedades localizadas nos municípios de Acorizal, Barra do Bugres, Cáceres, Chapada dos Guimarães, Colíder, Denise, Jangada, Juína, Lambari d’Oeste, Matupá, Nova Brasilândia, Nova Canaã do Norte, Nova Mutum, Pedra Preta, Poconé, Porto Esperidião, Porto Estrela, Santa Rita do Trivelato, São José do Rio Claro, Terra Nova do Norte (Figura 19). Os rebanhos eram predominantemente compostos por animais da raça Nelore. Figura 19. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado de Mato Grosso Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 37 No Estado de Rio Grande do Sul, durante as coletas de dados na cidade de Bagé, em agosto de 2009, o frigorífico abateu 957 machos e 768 fêmeas provenientes de propriedades localizadas nos municípios de Bagé, Cachoeira do Sul, Dilermando de Aguiar, Dom Pedrito, Formigueiro, Pedras Altas, Rio Pardo, Santana do Livramento, São Gabriel (Figura 20). Os rebanhos eram exclusivamente compostos por raças europeias e seus cruzamentos, cujos pelos eram longos e de colorações preta, marrom ou bege. Figura 20. Mapa representativo das cidades (o) com propriedades que enviaram animais para abate no frigorífico ( ) no Estado do Rio Grande do Sul Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 38 Nos currais de espera dos frigoríficos de cada Estado foi feita a visualização dos lotes e das planilhas de abate fornecidas pelos frigoríficos com as informações sobre o proprietário, o município de origem dos animais, o número de animais, o sexo e o curral de espera ocupado. A equipe observou se o fenótipo correspondia a zebuínos, taurinos ou cruzamentos entre eles. Tal informação auxiliou na compreensão das classificações das peles e dos couros. A classificação e a marcação das peles não puderam ser realizadas no frigorífico, pois esses não dispunham de espaço suficiente para empilhamento e movimentação da equipe, somente para o trabalho de preservação das peles por curto período (24 ou 48 horas). As peles seguiam por um conduto até o local onde foram resfriadas em água a 9 ºC contendo ácido bórico e bactericida e, na sequência, receberam um furo circular de 10 mm de diâmetro na base da cauda e foram penduradas no gancho da esteira de transporte para serem conduzidas até a caçamba do veículo de transporte. Ao chegarem nos curtumes, o veículo de transporte as jogava no chão e as peles então eram empilhadas para serem marcadas e classificadas. Foram realizadas 6.832 classificações e marcações individuais nas peles em cada Estado, a fim de garantir que, ao final do estudo, fossem avaliados 1000 couros em cada Estado. No Estado do Pará foi possível recuperar, após o curtimento, somente 832 peças, pois ocorreu mistura involuntária do couro destinado ao experimento com peças de couro de clientes para os quais a empresa prestava serviços. 3.4 CLASSIFICAÇÃO DOS COUROS As peles após o curtimento empregando o sulfato de cromo tornam-se azuis e são mantidas úmidas, e nesta fase são denominadas wet blue. Os couros wet blue receberam a classificação comercial do curtume em função da quantidade e da localização dos defeitos (Figura 21). ' 39 Figura 21. Classificador de couro wet blue do curtume Bertin (à direita) Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. Segundo Santos (2007), a classificação nacional de couros pode ser dividida em nove classes de acordo com a presença dos defeitos e aproveitamento da superfície na flor integral, tais como: I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e R (Refugo). Porém, de acordo com o critério para a exportação de couros, é dividida em seis classes: A, B, C, D, E, R (Refugo) (Tabela 7). O curtume Bertin estratificava os couros nestas seis últimas classes, de acordo com a quantidade de defeitos, bem como suas localizações no couro (grupon, barriga ou pescoço). Tratava-se de uma classificação subjetiva feita por classificadores treinados e monitorados pelo curtume visando à padronização dentro do grupo. ' 40 Tabela 7. Classificação Nacional de couros comparada à classificação de couros destinados à exportação Classificação nacional (exportação) Aproveitamento de superfície (flor integral)* (%) I 95 II 80 III 70 IV (A) 60 V (B) 50 VI (C) 40 VII (D) 30 VIII (E) 20 R (refugo) 10 *Sem necessitar de artifícios corretivos Fonte: adaptado de Santos (2007). Na classificação comercial do curtume Bertin ainda existiam outras avaliações dentro das seis classes principais, porém estas subclasses não foram consideradas pela equipe do projeto, pois variavam de acordo com o artefato no qual os couros seriam utilizados após o recurtimento e o acabamento (calçados ou estofamentos). A coleta de dados originou uma tabela que apresenta tanto as classificações das peles quanto as dos couros oriundos destas (Tabela 8). ' 41 Tabela 8. Parte da tabela oriunda da coleta de dados, com os números das peles (Núm.), as classificações das peles (Class. pele), os defeitos visualizados nas mesmas (CA, BC, BA, RA, RC, DS, MF), as classificações dos couros advindos das peles (Class. couro) e os defeitos visualizados pelo classificador do curtume (CA, BC, BA, RA, RC, DS, MF) Núm. Class. pele Defeitos Class. couro Defeitos CA BC BA RA RC DS MF CA BC BA RA RC DS MF 841 D - - - - - - x C x - - - x - x 842 D - - - x x - x D - - - x x x x 843 D - - - - - - x D x - - - x x x 844 D x - - x - - x D x - - x x x x 845 D - - - - - - x D x - - - x x x 846 D - - - - x - x E x - - x x x x 847 D - - - - x - x E x - - - x x x 848 D - - - - x x x D x - - - x x x 849 D - - - - x - x C x - - - x - x 850 D - - - - - - x E x - - x x - x 851 D x - - - - x x D x - - - x x x 852 D - - - - - - x E x - x - x - x 853 D - - - - - - x E x - - - - x x 854 D - - - - - x x E x - - x x x x 855 D - - - - - - x D x - - x x - x 856 D - - - - - x x D x - - x x x x 857 D - - - - - x x D x - - x x x x 858 D x - - - - - x R x - - x x - x Legenda: CA: carrapato; BC: berne curado; BA: berne aberto; RA: risco aberto; RC: risco cicatrizado; DS: dermatite por sarna; MF: marca a fogo. Obs.: “x” = defeitos encontrados. Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. 3.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA Para a análise dos dados as variáveis foram organizadas em tabelas de classificação simples e dupla (Tabelas de Contingência) e analisadas por meio do teste do Qui-quadrado ( 2) para homogeneidade e independência, razões de probabilidades e testes de medidas de concordância (LIPSITZ; FITZMAURICE; MOLENBERGHS, 1996; SILVA; PEREIRA, 1998), utilizando-se o software livre R (CHAMBERS, 2008; VENABLES; SMITH; R CORE TEAM, 2012). Também foi ' 42 utilizado o modelo linear generalizado (MLG), com distribuição binomial e ligação logística, utilizando-se o PROC GENMOD do Statistical Analysis System (SAS), version 9.1.3 – 2002, conforme descritos a seguir. 3.5.1 Teste do 2 para independência e medidas de associação O objetivo é testar se há independência entre as frequências observadas e esperadas das linhas e colunas. São estatísticas que descrevem a associação entre duas variáveis nominais de uma tabela de contingência. Quando a hipótese nula é rejeitada, conclui-se que há um parentesco estatisticamente significativo entre as variáveis. 3.5.2 Distribuição Binomial Utilizando um modelo linear generalizado (MLG), com distribuição binomial e ligação logística, os dados dos aproximadamente sete mil couros avaliados foram analisados. A modelagem foi feita para ocorrência do defeito e o ajuste foi realizado com o programa SAS, version 9.1.3 – 2002, via PROC GENMOD. Dados resultantes deste tipo de análise podem ser considerados como provenientes de uma distribuição binomial com probabilidade , que é a probabilidade de ocorrência do evento, ou seja, Yi Bin (mi , i) Então, o objetivo da análise é modelar a probabilidade ( ) dos couros apresentarem os defeitos (1). Segundo McCullagh e Nelder (1997) e Demétrio (2001), o modelo linear generalizado caracteriza-se por possuir: 1. Componente aleatório – variável resposta Y com distribuição normal, independente, E(Y)= e variância constante ; 2. Componente sistemático – variáveis explicativas ou explanatórias, estabelecidas durante o planejamento da análise, covariáveis x1 x2 .....xp, que entram na estimativa do preditor linear dado por: ' 43 1 p j jx 1 j j pp j jx ; e 3. Ligação entre os componentes aleatório e sistemático, sendo: A generalização introduz um novo componente para o preditor linear e o terceiro componente que especifica idênticos, se especificarmos que i g ii então g(.) pode ser chamado de função de ligação. O modelo linear generalizado permite duas extensões importantes: primeiro, a distribuição do componente aleatório pode pertencer à família exponencial na forma canônica (normal, gama, binomial, etc). Segundo, a função de ligação que liga o componente aleatório ao componente sistemático, relacionando a média ao preditor linear ( ii gg ii ), é uma função monótona derivável (DEMÉTRIO, 2001). A função de ligação sendo determinada como gg ii = i, modela diretamente o parâmetro canônico sendo então chamado de ligação canônica. Segundo McCullagh e Nelder (1997), cada distribuição possui uma função canônica especial, para distribuição binomial a ligação canônica é a logística, ou seja, ln{π/(1-π)} 44 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO A maioria das peles avaliadas no estudo recebeu classificação D (Tabela 9). Os Estados da Bahia, do Mato Grosso e do Pará tiveram 100% de suas peles classificadas como D e, dentre os Estados que tiveram couros com classificação A, somente o Rio Grande do Sul e São Paulo possuem representatividade. Tabela 9. Percentagens de peles nas classes de classificação A, B e D (de acordo com Instrução Normativa MAPA n. 12/2002 modificada pela Embrapa) e de couros nas classes de classificação A, B, C, D, E, R (classificação comercial) em cada Estado estudado Estados / classes de classificação Classificação comercial (%) A B C D E R Bahia Pele (A, B ou D) 0 0 - 100 - - Couro (A, B, C, D, E, R) 0 0 8,1 48,6 40,3 3,0 Minas Gerais Pele (A, B ou D) 0,1 0,8 - 99,1 - - Couro (A, B, C, D, E, R) 0 3,1 15,0 32,3 45,8 3,7 Mato Grosso do Sul Pele (A, B ou D) 0,1 0,3 - 99,6 - - Couro (A, B, C, D, E, R) 0,6 9,9 43,4 28,3 16,8 1,0 Mato Grosso Pele (A, B ou D) 0 0 - 100 - - Couro (A, B, C, D, E, R) 0,1 1,4 31,7 53,5 11,2 2,1 Pará Pele (A, B ou D) 0 0 - 100 - - Couro (A, B, C, D, E, R) 0,2 1,7 22,7 49,8 24,6 1,0 Rio Grande do Sul Pele (A, B ou D) 4,8 0 - 95,2 - - Couro (A, B, C, D, E, R) 24,4 14,5 14,2 16,5 30,3 1,0 São Paulo Pele (A, B ou D) 3,9 6,5 - 89,6 - - Couro (A, B, C, D, E, R) 0,1 11,4 33,2 33,6 21,6 0,2 Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 45 Com os olhos desarmados e devido ao tipo de pelagem de alguns animais, foi possível visualizar, nas peles, somente alguns dos defeitos contidos na tabela proposta na metodologia. Quando o animal possuía pelagem baixa e de cor clara, os carrapatos ainda aderidos às peles e defeitos como riscos abertos, bernes abertos, bernes curados e marcas a fogo candente ficavam evidenciados, mas em animais com pelos escuros ou longos, era possível visualizar somente a marca a ferro candente, mesmo assim com certa dificuldade. Essas observações apontam uma fragilidade do sistema de classificação de peles proposto pela Embrapa, uma vez que alguns defeitos passam despercebidos. A prática de marcar animais a ferro candente no grupon foi a responsável pela desclassificação de 100% das peles nos Estados do Pará, de Mato Grosso e da Bahia, além de 89,6% das peles de São Paulo, 99,6% das peles de Mato Grosso do Sul, 99,1% das peles de Minas Gerais e 95,2% das peles do Rio Grande do sul. Em trabalho anterior, Pereira et al. (2007) avaliaram 1.000 couros em estágio wet blue no Estado de Mato Grosso do Sul, e encontraram resultados semelhantes para couros considerados de baixa qualidade pela Instrução Normativa MAPA n. 12/2002 (classe C), pois 937 couros (93,8%) apresentaram pelo menos uma marca a fogo na região do grupon. Diante de tais resultados, pode-se afirmar que o sistema de classificação de peles proposto pelo projeto não permite a observação de alguns defeitos, mas permite a visualização de marcas a fogo no grupon. Assim sendo, a simples adoção da prática de marcar os animais em locais permitidos e dentro dos padrões pode resultar em peles de melhor classificação. A classificação comercial é mais flexível quando comparada à classificação proposta pela Instrução Normativa MAPA n. 12/2002 e modificada pela Embrapa (A, B e D). No estágio wet blue, o segmento industrial estratifica a avaliação em classes, baseado na quantidade juntamente com a localização dos defeitos dos couros. São classificações subjetivas que contam com a experiência e o treinamento de pessoas exclusivamente destinadas a essa atividade dentro de um curtume. Nos curtumes do Grupo Bertin, os classificadores estratificavam os couros em seis níveis – A, B, C, D, E, R – sendo A e B classes de couros de qualidade superior, C classe de couros de qualidade intermediária, D e E classes de couros de qualidade inferior e R a classe de couros refugados. ' 46 De acordo com a Tabela 9, no Estado do Rio Grande do Sul foi encontrado o maior número de couros com classificação tipos A (24,4%) e B (14,5%). Em segundo e terceiro lugar aparecem os Estados de Mato Grosso do Sul e São Paulo, com menos de 1% do tipo A, porém, com 9,9% e 11,4% do tipo B e 43,4 e 33,2% do tipo C, respectivamente. Os Estados de Mato Grosso, Pará e Minas Gerais não tiveram couros do tipo A e poucos couros do tipo B (menos de 4%) e 31,7%, 22,7% e 15%, de couros do tipo C, respectivamente. Na Bahia e em Minas Gerais, respectivamente, foram encontrados 91,9% e 81,8% de couros nas três piores classificações (D, E, R). A Tabela 10 é uma tabela de contingência dupla (7 defeitos x 7 Estados) e os dados de contagens de cada combinação da célula foram analisados por meio do teste do Qui-quadrado ( 2), com 36 graus de liberdade (7-1 x 7-1). Os valores de 2 foram altamente significativos (p<0,0001), indicando que a proporção ou percentagem de cada defeito varia entre os Estados ou ainda que para um mesmo defeito os Estados se comportam diferentemente. Na Tabela 10 é apresentado ainda a aplicação do teste binomial para comparar a proporção ou percentagem de peles e couros entre os Estados. Os resultados conjuntos destes testes mostram que a percentagem de cada defeito é totalmente diferente de um Estado para o outro, podendo ser resultado de vários fatores, entre eles clima, tipo de animal (genética) e manejo dos animais. ' 47 Tabela 10. Frequência de ocorrência de defeitos (linha) em cada Estado (coluna) para a classificação de peles e couros. São apresentados os valores das estatísticas do 2 geral com 36 graus de liberdade e o teste binomial para a comparação de defeitos entre Estados Defeitos Estados BA MG MS MT PA RS SP BA Pele Couro 10 bc 142 a 1 cd 40 bc 30 a 148 a 7 bd 36 c 3 cd 17 d 0 d 20 d 0 d 20 d BC Pele Couro 19 b 389 a 5 c 158 c 8 bc 123 d 2 c 22 f 1 c 57 e 0 c 224 b 35 a 161 c CA Pele Couro 402 a 955 abc 39 d 906 c 48 d 1020 a 236 b 911 bc 122 c 723 d 0 e 994 ab 1 e 764 d RA Pele Couro 175 a 465 ab 57 d 509 a 1 e 15 e 83 c 203 c 126 b 445 b 0 e 131 d 1 e 26 e RC Pele Couro 372 cd 831 a 671 a 700 b 345 d 740 b 257 e 829 a 578 b 704 b 0 f 761 ab 404 c 840 a DS Pele Couro 237 c 300 c 237 c 343 c 279 b 646 b 367 a 843 a 196 c 302 c 0 e 142 d 129 d 577 b MF Pele* Couro# 995 a 994 a 942 b 974 a 1005 a 1003 a 963 ab 966 a 806 c 802 b 950 ab 955 a 894 bc 883 a Legenda: BA: berne aberto; BC: berne curado; CA: carrapato; RA: risco aberto; RC: risco cicatrizado; DS: dermatite por sarna; MF: marca a fogo. * Pele; 2 36 = 2575,1636 p<0,0001 ; # Couro; 2 36 = 2535,8732 p<0,0001 Obs.: Letras diferentes na mesma linha indicam diferença (p<0,05) pelo teste binomial. Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 48 O teste de 2 para verificar se as proporções de ocorrência dos sete defeitos variam entre si dentro de cada Estado é apresentado na Tabela 11. Em ambas as situações (pele e couro), os valores de 2 foram altamente significativos (p<0,0001), indicando que as proporções de ocorrência dos sete defeitos variam significativamente, isto é, a ocorrência dos sete defeitos é bastante heterogênea dentro de cada Estado. A percentagem de cada defeito é totalmente diferente do outro e neste caso pode depender também, entre outros fatores, do clima, do grupo genético e do manejo dos animais. Para fazer uma classificação entre os Estados, da maior para a menor variação, basta classificá-los de acordo com o valor de 2, uma vez que todos têm seis graus de liberdade (sete defeitos). Assim, é possível verificar que a discrepância dos defeitos, da maior para a menor, ocorre nos Estados: MS, MG, SP, MT, PA, BA e RS, para a classificação das peles e nos Estados: RS, MS, MT, SP, MG, PA e BA, para a classificação dos couros. Tabela 11. Valores das estatísticas do 2 e significância entre os sete defeitos (carrapato, berne curado, berne aberto, risco aberto, risco cicatrizado, dermatite por sarna e marca a fogo) para os sete Estados analisados (BA, MG, MS, MT, PA, RS e SP) Estado Pele Couro 2 Significância 2 Significância BA 2.152,3873 < 0,0001 1.193,4612 < 0,0001 MG 3.063,3637 < 0,0001 1.504,8876 < 0,0001 MS 3.220,5501 < 0,0001 2.080,3940 < 0,0001 MT 2.398,6416 < 0,0001 2.076,5333 < 0,0001 PA 2.191,1124 < 0,0001 1.435,3154 < 0,0001 RS ...* ...* 2.242,6185 < 0,0001 SP 2.553,7049 < 0,0001 1.926,9141 < 0,0001 *Não houve possibilidade de calcular a estatística de 2 Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 49 Para comparar a qualidade de peles e de couros nos sete Estados da federação estudados atribuiu-se uma escala numérica (EN: 5, 4, 3, 2, 1, 0) às classes comerciais (CC: A, B, C, D, E, R). A seguir foi definido um índice dado pela somatória da multiplicação da EN pela frequência de peles e couros dentro de cada CC. Logo, o número de peles ou couros de cada classe comercial multiplicado pela correspondente EN fornece um valor indicativo da maior ou menor presença de peles e couros de baixa qualidade, que revela a eficiência relativa de cada Estado na produção de peles e couros; quanto menor o índice, menor a eficiência do Estado. Os valores obtidos estão representados na Figura 22. Observa-se que a ordem dos Estados, de menor para maior eficiência na produção de peles e couros é: BA, PA, MG, MT, SP, MS e RS. Figura 22. Estados da federação em ordem crescente de eficiência na produção de peles e couros Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. Na Tabela 12 são apresentadas as percentagens de ocorrência de defeitos em couros de bovinos, provocados por diferentes agentes causadores. Os Estados estão colocados em ordem decrescente de percentagem para cada agente. Por exemplo, a maior percentagem de ocorrência para berne aberto é representada pelo Estado de Mato Grosso do Sul, vindo em segundo lugar o Estado da Bahia. ' 50 Tabela 12. Percentagens de ocorrência de defeitos em couros de bovinos provocados por diferentes agentes causadores, em ordem descrescente Agentes Estados (%) Berne aberto MS (14,8) BA (14,2) RS (5,9) MG (4,0) MT (3,6) SP (2,0) PA (1,7) Berne curado BA (38,9) RS (22,4) SP (16,1) MG (15,8) MS (12,3) PA (5,7) MT (2,2) Carrapato MS (100) RS (99,4) BA (95,5) MT (91,1) MG (90,6) SP (76,4) PA (72,3) Risco aberto MG (50,9) BA (46,5) PA (44,5) MT (20,3) RS (13,1) SP (2,6) MS (1,5) Risco cicatrizado SP (84,0) BA (83,1) MT (82,9) RS (76,1) MS (74,0) PA (70,4) MG (70,0) Dermatite por sarna MT (84,3) MS (64,6) SP (57,7) MG (34,3) PA (30,2) BA (30,0) RS (14,2) Marca a fogo MS (100) BA (99,4) MG (97,4) MT (96,6) RS (95,5) SP (88,3) PA (80,2) Obs: os Estados estão colocados em ordem decrescente de percentagem para cada agente, da esquerda para a direita Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. Os couros dos Estados do Pará, São Paulo e Mato Grosso foram os que apresentaram menos ocorrência de defeitos dos tipos berne aberto. Exceto por São Paulo, tal fato pode estar ligado aos grupos genéticos utilizados nos rebanhos das propriedades destes locais, a maioria de animais Nelore. Por isso também a ocorrência de defeitos do tipo berne curado foi menor nesses Estados, com exceção de São Paulo. É sabido que animais zebuínos apresentam maior resistência às infestações por bernes quando comparados a animais taurinos (BIANCHIN et al., 2007; MORAES et al., 1986) e aos cruzados (SILVA et al., 2010). No estudo dos últimos autores, observou-se que o grau de infestação natural por bernes variou entre os grupos genéticos Nelore, Canchim × Nelore, Angus × Nelore e Simental × Nelore, e as diferenças dependem do ano-época. Entretanto, em geral os animais Nelore e os Canchim × Nelore são menos infestados por bernes que os Simental × Nelore e esses menos que os Angus × Nelore. A mesma explicação pode ser atribuída às maiores ocorrências de defeitos causados por bernes abertos na Bahia, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. No Estado gaúcho, porque este abriga muitos rebanhos de raças taurinas ou de seus ' 51 0 5 10 15 20 25 30 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 600 650 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Te m pe ra tu ra m éd ia (° C ) Pr ec ip ita çã o (m m /m ês ) Mato Grosso do Sul Precipitação 2007 Precipitação 2008 Precipitação 2009 TºC 2007 TºC 2008 TºC 2009 cruzamentos e, em Minas Gerais e Bahia, porque verificou-se a utilização de raças taurinas típicas de rebanhos leiteiros em muitos cruzamentos, provavelmente na tentativa de se aproveitar os machos não utilizados na produção leiteira das regiões contempladas no estudo. A maioria desses animais possui pelagem escura, mais suscetível ao ataque das larvas de Dermatobia hominis (SANAVRIA et al., 2002). Além de fatores genéticos, fatores climáticos também influenciam na infestação por bernes, pois a presença destes parasitas está associada a regiões que têm temperaturas moderadamente altas durante o dia e relativamente frias durante a noite, precipitação de mediana a abundante e vegetação densa (BORJA, 2004). Segundo o autor, focos de alta infestação são comumente observados em fazendas de pecuária localizadas na Mata Atlântica dos Estados da Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. O Estado de Mato Grosso do Sul também apresenta médias altas de temperaturas e chuvas abundantes em pelo menos seis meses do ano, o que pode ter favorecido a ocorrência de berne no Estado, apesar da predominante criação de animais Nelore (Figura 23). Além disso, pode ter havido um surto na época da coleta dos dados (dezembro de 2008), já que para a ocorrência de defeitos do tipo berne curado, Mato Grosso do Sul apresentou menor incidência do que para bernes abertos. Figura 23. Médias mensais de Temperatura (°C) e precipitações pluviais (mm/mês) para os anos de 2007, 2008 e 2009 em Mato Grosso do Sul Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. ' 52 Quanto à ocorrência de defeitos causados por carrapatos, a ordem decrescente dos Estados estudados foi: Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Pará. Apesar de o teste estatístico discriminar os Estados da maior para a menor ocorrência, constatou-se que a maioria dos couros brasileiros apresenta muitos defeitos decorrentes da ação de carrapatos. A infestação por carrapatos é um problema recorrente no Brasil e desde o início da prática de criação de gado afeta a qualidade do couro bovino no país. A explicação para tal fato pode estar primeiramente ligada à predominância do clima tropical no país, que apresenta condições ideais de temperatura e umidade para o ciclo de vida do ectoparasita. As características climáticas das regiões sudeste, centro-oeste, norte e nordeste do Brasil permitem o desenvolvimento e a sobrevivência do carrapato durante todo o ano, que somente alonga seu ciclo no período de estiagem quando há menos água e temperaturas mais baixas (FURLONG, 1993). Para a região sul do país, as maiores infestações do ectoparasita em bovinos costumam ocorrer de janeiro a junho. O Rhipicephalus (Boophilus) microplus, carrapato mais comumente encontrado no país, difunde-se entre os paralelos 32º Norte e 32º Sul, área em que se encontra o território brasileiro (WHARTON, 1974). Tanto acima quanto abaixo desses paralelos os carrapatos do gênero Boophilus têm dificuldade de sobreviver e multiplicar-se devido aos fatores climáticos, especialmente a temperatura. Nessas regiões o inverno é mais frio e mais extenso quando comparado com as regiões que ficam entre os paralelos 32º Norte e 32º Sul (GONZALES, 2002). A média de temperatura da região de abrangência das coletas no Estado do Rio Grande do Sul – município de Bagé, localizado no paralelo 31S – não limita a ocorrência do carrapato Rhipicephalus (Boophilus) microplus, mas interfere em sua fisiologia, aumentando os períodos entre ecdises das larvas, interferindo na viabilidade e eclosão dos ovos (Figura 24). ' 53 0 5 10 15 20 25 30 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 600 650 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Te m pe ra tu ra m éd ia (° C ) Pr ec ip ita çã o (m m /m ês ) Rio Grande do Sul Precipitação 2007 Precipitação 2008 Precipitação 2009 TºC 2007 TºC 2008 TºC 2009 Figura 24. Médias mensais de Temperatura (°C) e precipitações pluviais (mm/mês) para os anos de 2007, 2008 e 2009 no Rio Grande do Sul Fonte: Alexandra Rocha de Oliveira, 2012. As condições climáticas e a latitude representam os principais fatores reguladores do ciclo biológico dos carrapatos, e neste caso a temperatura exerce um papel dominante, regulando a duração das fases de vida