FACULDADE DE CIÊNCIAS - CAMPUS DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PARA A CIÊNCIA TESE DE DOUTORADO AS FACULDADES DE TECNOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO: um histórico da instituição e aspectos relativos ao ensino de Matemática nela praticado ROSEMEIRY DE CASTRO PRADO ORIENTADOR PROF. DR. ANTONIO VICENTE MARAFIOTI GARNICA BAURU 2018 UNIVERDIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” ROSEMEIRY DE CASTRO PRADO AS FACULDADES DE TECNOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO: um histórico da instituição e aspectos relativos ao ensino de Matemática nela praticado Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência – Área de Concentração em Ensino de Ciências e Matemática – para obtenção do título de Doutor em Educação para a Ciência junto ao Programa de Pós- Graduação em Educação para a Ciência – Área de Concentração em Ensino de Ciências e Matemática. Bauru 2018 Prado, Rosemeiry de Castro. AS FACULDADES TECNOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO: um histórico da instituição e aspectos relativos ao ensino de Matemática nela praticado/ Rosemeiry de Castro Prado, 2018 369f.:il.,fig.,quadros Orientador: Antonio Vicente Marafioti Garnica Tese (Doutorado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2018 1.Matemática – Estudo e ensino. 2.Educação Matemática - História. 3.Pesquisa Qualitativa. 4. Professores - formação. 5.História Oral. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca da Unesp - Campus de Bauru/S FACULDADE DE CIÊNCIAS - CAMPUS DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PARA A CIÊNCIA Tese intitulada AS FACULDADES DE TECNOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO: um histórico da instituição e aspectos relativos ao ensino de Matemática nela praticado, de autoria de Rosemeiry de Castro Prado, analisada pela banca examinadora constituídas pelos seguintes professores: _______________________________________________________________ Prof. Dr. AntonioVicente Marafioti Garnica - Orientador Departamento de Matemática – UNESP/Bauru _______________________________________________________________ Profª. Drª. Maria Laura Magalhães Gomes Instituto de Ciências Exatas – ICEX / UFMG _______________________________________________________________ Prof. Dra. Maria Ednéia Martins-Salandim Departamento de Matemática – UNESP/Bauru _______________________________________________________________ Prof. Dra. Ivete Maria Baraldi Departamento de Matemática – UNESP/Bauru _______________________________________________________ Prof. Dr. Wagner Rodrigues Valente Departamento de Educação / Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP/Guarulhos Bauru, 01 de março de 2018 UNIVERDIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” O sonho Sonhe com aquilo que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos. A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se machucam. Para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passaram por suas vidas. Clarice Lispector AGRADECIMENTOS Dentre as inúmeras palavras que constam nos dicionários, uma é capaz de me mover e comover – GRATIDÃO. Para mim, “gratidão” significa mais do que o reconhecimento de uma pessoa por alguém que lhe prestou um benefício. Gratidão é sinônimo de amor, de amizade, de cumplicidade, de companheirismo e de agradecimento, ou seja, é tudo o que de melhor a vida pode nos proporcionar. Logo, um só sentimento preenche o meu coração e a minha alma ao final de mais um caminho percorrido e de um sonho realizado: GRATIDÃO. Gratidão, a todos e por tudo! São muitos a quem eu devo gratidão e, por isso, temo, por algum descuido, deixar de mencionar todos aqueles que gostaria. Peço, desde já, desculpas. Assim, agradeço a Deus pela força, pela oportunidade e por todas as bênçãos derramadas em mim. Ele me fez uma pessoa abençoada. Agradeço aos meus queridos pais José Carlos e Nair, exemplos de lisura, amor e força. Sou espelho da garra de ambos. Agradeço à Paula, que além de filha, amiga e criatura especial, é a razão da minha vida. Agradeço à minha irmã Raquel e as minhas sobrinhas Talita e Laura, queridas e amadas. Agradeço aos amigos de sempre e aqueles que fiz durante o Doutorado, os quais me fortaleceram e possibilitaram a concretização de um sonho. Obrigada aos queridos Lucila, Adalberto, Eduardo, Armando, Anália, Kátia, Eliza, Marcela, Eunice, Telma, Vera, Chixaro, Fadir, Valéria, Paulo Denadai, Anderson, Murilo e Dirce. Agradeço a todos os amigos da Fatec Ourinhos, da Oapec de Santa Cruz do Rio Pardo, aos depoentes que, de forma sempre solícita, ajudaram-me muito, e aos meus queridos alunos. Aos estimados membros da Banca, minha gratidão eterna: assertivos, carinhosos, amorosos, sábios e pessoas especiais. Mais uma benção em minha vida... Ao Vicente, meu orientador, o que dizer? Não há palavras que possam expressar tamanha gratidão. Seria impossível. Seria pouco. Contudo, creio que a vida não seja feita de acasos, mas sim, de desígnios, de presentes e de presenças. A ele coube (e caberá) a graça divina de transformar sonhos em realidade. Obrigada por realizar o meu! Obrigada, sempre... RESUMO PRADO, Rosemeiry C. AS FACULDADES DE TECNOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO: um histórico da instituição e aspectos relativos ao ensino de Matemática nela praticado. 2018. 369 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, Bauru, São Paulo, 2018. As Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo (Fatec), instituições públicas de ensino superior, são o tema central desse trabalho que foi desenvolvido tendo como abordagem metodológica a História Oral. Duas frentes estão entrelaçadas nessa proposta: a primeira trata mais diretamente de uma história das instituições escolares, enquanto a segunda, tentando esmiuçar as práticas de ensino de Matemática nas Fatec, levanta a possibilidade de se compreender o surgimento ou o estabelecimento de um discurso sobre uma matemática escolar “nova”, uma cultura matemática própria de instâncias vinculadas à educação tecnológica. Nossos objetivos específicos concentram-se em abordar estruturas e características singulares às Fatec; compreender aspectos do contexto político, social e administrativo vigente quando da criação dessas instituições; contextualizar, num dado momento histórico, o surgimento dessas escolas no cenário educacional e sua demanda por professores de Matemática; estudar o lugar ocupado pela Matemática nas Fatec; e criar fontes, contribuindo com outras pesquisas. Para compor nossas compreensões, contamos com narrativas de oito professores de Matemática que iniciaram suas carreiras nessas instituições durante as décadas de 1970, 1980 e 1990, vivenciando o ambiente da Fatec São Paulo, “paradigma” de todas as unidades hoje existentes. Além disso, buscamos ter à mão um acervo de fontes escritas que articuladas às narrativas orais dos nossos colaboradores, apoiam nosso percurso de pesquisa. O estudo segue apresentado em três Cadernos de Pesquisa, cada um deles dividido em blocos interdependentes nos quais são apresentados (a) os pressupostos metodológicos e as fontes narrativas que dão sustentação às análises; (b) uma história da Fatec, focando mais detidamente as décadas de 1970 a 1990; e (c) aspectos das alocuções das práticas relativas ao ensino e aprendizagem de Matemática nessa instituição. Palavras-chave: Fatec. Educação Matemática. História Oral. Educação Tecnológica. História da Educação Brasileira. História da Educação Matemática no Brasil. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ensino_superior http://pt.wikipedia.org/wiki/Ensino_superior ABSTRACT PRADO, Rosemeiry C. THE TECHNOLOGY FACULTIES OF THE STATE OF SÃO PAULO: a history of the institution and aspects related to the teaching of Mathematics in it. 2018. 369 f. Thesis (Doctorate) - Faculty of Science, University Júlio de Mesquita Filho, Bauru, São Paulo, 2018. The Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo (Fatec), which are public institutions of higher education, are the central theme of this work that was developed with an Oral History methodological approach. Two fronts are interweaved in this proposal: the first deals more directly with the history of school institutions, while the second, in an attempt to marshal the teaching practices of Mathematics at Fatec, raises the possibility of understanding the emergence or the establishment of a discourse on "new" mathematics at school, a mathematical culture specific to instances related to technological education. Our specific objectives focus on addressing unique structures and characteristics at Fatec; as well as understanding some political, social and administrative aspects of these institutions while they were created. Another aim is to contextualize, at a given historical moment, the emergence of these schools in the educational scenario and their demand for mathematics teachers; and to study the position occupied by Mathematics at Fatec in order to create data that could contribute to other researches. In order to compose our understanding, we have the narratives of eight Mathematics teachers who began their careers in these institutions during the 1970s, 1980s and 1990s, experiencing the environment of Fatec São Paulo, the "paradigm" for all the existing units. In addition to that, it is also a target to have at hand a collection of written sources that articulate the oral narratives of our collaborators and support our research. The study is presented in three Research Papers, each of them divided into interdependent blocks in which the methodological assumptions and the narrative sources that support the analyzes are presented; (b) a history of Fatec, focusing more closely on the 1970s to 1990s; and (c) aspects of the speeches of the practices related to the teaching and learning of Mathematics in this institution. Keywords: Fatec. Mathematics Education. Oral History. Technological Education. History of Brazilian Education. History of Mathematics Education in Brazil. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Fachada do edifício do Instituto Profissional Feminino, no Brás-SP. ................... 208 Figura 2 - Corpo docente da Escola Profissional Feminina de São Paulo. ............................ 209 Figura 3 - Pátio da Escola Profissional Masculina na capital do estado de São Paulo. ......... 210 Figura 4 - Regiões administrativas das Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo. 225 Figura 5 - Laboratório de Física Aplicada – Fatec São Paulo – Fase Inicial. ........................ 233 Figura 6 - Laboratório de Física Aplicada – Fatec SP – década de 1970. .............................. 235 Figura 7 - Laboratório de Eletrônica – Fatec São Paulo......................................................... 238 Figura 8 - Laboratório de Metrologia – Fatec São Paulo - 1994. ........................................... 240 Figura 9 - Instrução Programada sobre Limites do material didático "Introdução ao Cálculo" do Colégio Universitário da UFMG. ...................................................................................... 308 Figura 10 - Estudo Dirigido sobre Geometria Plana – Colégio Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais/Coltec ............................................................................................. 309 Figura 11- Lista de Cálculo II – Professor Syozo Yamazato ................................................. 311 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Expansão do número de matrículas nas Universidades......................................... 193 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Relação das entrevistas........................................................................................... 39 Quadro 2- Dados dos Cursos das Fatec até 1994. .................................................................. 241 Quadro 3 - Cursos de Matemática criados até a década de 1960. .......................................... 275 Quadro 4- Docentes e suas respectivas disciplinas – Fatec. ................................................... 300 LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS Abimaq Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos A.C. Antes de Cristo ADS Análise e Desenvolvimento de Sistemas AESU Assessoria para Assuntos de Educação Superior AI-5 Ato Institucional Número 5 ASTI Análise de Sistemas e Tecnologia da Informação BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico BTS Brevet de Technicien Supérieur CADES Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CCC Comando de Caça aos Comunistas Ceci´s Centros de Ensino de Ciências CEET Centro Estadual de Educação Tecnológica de São Paulo CEETEPS Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza CEFET Centro Federal de Educação Tecnológica CESESP Coordenadoria de Ensino Superior do Governo do Estado de São Paulo CESU Coordenadoria de Ensino Superior de Graduação C&T Ciência e Tecnologia CGT Comando Geral dos Trabalhadores CHC/USP Centro Interunidades de História da Ciência da USP Cinterfor Centro Interamericano para el Desarrollo del Conocimiento en la Formación CLT Consolidação das Leis do Trabalho CMN Conselho Monetário Nacional CNI Confederação Nacional da Indústria CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Confea Conselho Federal de Engenharia e Agronomia CPS Centro Paula Souza Crea Conselho Regional de Engenharia e Agronomia Cruesp Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo CSN Conselho de Segurança Nacional CTA Centro Técnico de Aeronáutica DAAD Deutscher Akademischer Austauschdienst DEA Diplôme d'Études Approfondies DETRAN Departamento de Trânsito DEUG Diplôme d'Études Universitaires Générales DISAETE Divisão de e Apoio às Escolas Técnicas e Estaduais DUT Diplôme Universitaire de Technologie EEPG Escola Estadual de Primeiro Grau EMBRATEL Empresa Brasileira de Telecomunicações EMC Educação Moral e Cívica EPB Estudos dos Problemas Brasileiros EPUSP Escola Politécnica da Universidade de São Paulo ESAGS Escola Superior de Administração e Gestão Strong Esalq Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz Etec Escola Técnica Estadual ETI Escola Técnica Industrial EUA Estados Unidos da América FAFI Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto Fapesp Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo Fatec Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo FEA Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade FEI Faculdade de Engenharia Industrial FETEPS Feira Tecnológica do Centro Paula Souza FFCL Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras FGV Fundação Getúlio Vargas FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FIO Faculdades Integradas de Ourinhos FIPE Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas FUNTEC Fundo de Desenvolvimento Técnico e Científico GEACE Grupo Executivo para Aplicação de Computadores Eletrônicos Ghemat Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática no Brasil Ghoem Grupo História Oral e Educação Matemática GTRU Grupo de Trabalho da Reforma Universitária GV Getúlio Vargas H.A.E. Hora de Atividade Específica HP Hewlett-Packard Ibilce Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas IBM International Business Machines ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IME Instituto de Matemática e Estatística INEP Instituto Nacional de Serviços Pedagógicos INOVA Agência de Inovação do Centro Paula Souza IPM Inquérito Policial-Militar IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas INSS Instituto Nacional do Seguro Social ITA Instituto Tecnológico da Aeronáutica IUT Institut Universitaires de Technologie LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação LED Light Emitting Diode MBA Master in Business Administration MEC Ministério da Educação MIT Massachusetts Institute of Technology MPCE Materiais, Processos e Componentes Eletrônicos NHC História das Ciências OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OSPB Organização Social e Política do Brasil PD Processamento de Dados PED Programa Estratégico de Desenvolvimento Petrobrás Petróleo Brasileiro S.A PIB Produto Interno Bruto PIPMO Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra PLA Programação Linear e Aplicações PNI Política Nacional de Informática POLI Escola Politécnica da Universidade de São Paulo PRN Partido da Reconstrução Nacional PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PUC Pontifícia Universidade Católica SBC Sociedade Brasileira de Computação SDECTI Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação Senac Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial Senai Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial Serop Serviço de Orientação Pedagógica Serpro Serviço Federal de Processamento de Dados Sindimaq Sindicato de Máquinas do Estado de São Paulo Sinteps Sindicato dos trabalhadores do Ceeteps SPHAN Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional TCC Trabalho de Conclusão de Curso TI Tecnologia da Informação UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFSCar Universidade Federal de São Carlos UMERP Universidade do Município de São José do Rio Preto UnB Universidade de Brasília UND União Democrática Nacional UNE União Nacional dos Estudantes Unesp Universidade Estadual Paulista Unicamp Universidade de Campinas Uninove Universitário Nove de Julho UNIP Universidade Paulista Univesp Universidade Virtual do Estado de São Paulo Univac Universal Automatic Computer URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas Usaid United States Agency for International Development USP Universidade de São Paulo UTFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná ZFM Zona Franca de Manaus SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 17 1.2 Em síntese, e adiantando algumas conclusões... ............................................................. 30 2. CADERNOS DE PESQUISA .............................................................................................. 34 2.1 Caderno A – Do método e sua mobilização: Fundamentos, procedimentos, fontes e textos complementares .......................................................................................................... 35 2.1.1 Caderno A1 – Os depoentes: como, onde, quem?.................................................... 36 2.1.2 Caderno A2 – Breves considerações sobre história oral, mapeamento e narrativas 40 2.1.3 Caderno A3 – As textualizações .............................................................................. 46 Professor Paulo Henriques Chixaro .............................................................................. 46 Professora Vera Lúcia Silva Camargo ......................................................................... 61 Professor Sidney Carlos Ferrari .................................................................................... 85 Professores Walter Paulette e Ayrton Barboni ............................................................. 93 Professor Jaques Vereta .............................................................................................. 107 Professor Katsuyoshi Kurata ...................................................................................... 120 Professora Suzana Abreu de Oliveira Souza .............................................................. 137 2.1.4 Caderno A4 – Potencialidades: um exercício com narrativas ................................ 145 2.1.5 Caderno A5 – Narrativas outras: A apropriação de fontes para criar fontes .......... 153 2.1.6 Caderno A6 – O Regime Militar e as Universidades ............................................. 164 2.1.7 Caderno A7 – 1968: A Reforma Universitária acontece........................................ 184 2.2 Caderno B – Uma viagem no tempo, os ensinos técnico e tecnológico, uma história da Fatec .................................................................................................................................... 196 2.2.1 Caderno B1 – O ensino profissional: uma viagem no tempo tecnológico ............. 197 2.2.2 Caderno B2 – Os ensinos técnico e tecnológico .................................................... 206 2.2.3 Caderno B3 – A criação da Fatec ........................................................................... 218 2.2.4 Caderno B4 – A história de uma instituição escolar .............................................. 230 2.3 Caderno C – Encontros e desencontros: As Fatec e o Ensino de Matemática nas Fatec ............................................................................................................................................ 245 2.3.1 Caderno C1 – Análises e narrativas: Sobre as Fatec, sua história, e o ensino de Matemática.................................... .................................................................................. 246 2.3.2 Caderno C2 – O ensino de Matemática nas Fatec a partir das nossas entrevistas . 299 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 317 APÊNDICES .......................................................................................................................... 331 APÊNDICE A – Apresentação inicial ................................................................................ 331 APÊNDICE B – Roteiro para as entrevistas ....................................................................... 332 APÊNDICE C - Solicitação de Conferência da Textualização .......................................... 334 file:///E:/TESE_DOUTORADO_ROSE_CASTRO_OFICIAL_abril_2018.doc%23_Toc511926870 file:///E:/TESE_DOUTORADO_ROSE_CASTRO_OFICIAL_abril_2018.doc%23_Toc511926870 file:///E:/TESE_DOUTORADO_ROSE_CASTRO_OFICIAL_abril_2018.doc%23_Toc511926873 file:///E:/TESE_DOUTORADO_ROSE_CASTRO_OFICIAL_abril_2018.doc%23_Toc511926886 file:///E:/TESE_DOUTORADO_ROSE_CASTRO_OFICIAL_abril_2018.doc%23_Toc511926886 file:///E:/TESE_DOUTORADO_ROSE_CASTRO_OFICIAL_abril_2018.doc%23_Toc511926891 file:///E:/TESE_DOUTORADO_ROSE_CASTRO_OFICIAL_abril_2018.doc%23_Toc511926891 APÊNDICE D - Carta Cessão de Direitos .......................................................................... 335 Paulo Henriques Chixaro.............. .................................................................................. 335 Vera Lúcia Silva Camargo............ .................................................................................. 336 Sidney Carlos Ferrari.................... .................................................................................. 337 Walter Paulette.............................. .................................................................................. 338 Ayrton Barboni.............................. .................................................................................. 339 Jaques Vereta................................................................................................................... 340 Katsuyoshi Kurata......................... .................................................................................. 341 Suzana Abreu de Oliveira Souza... .................................................................................. 342 ANEXO – Material didático produzidos pelos professores de Matemática para os cursos das Fatec ....................................................................................................................................... 343 17 1. INTRODUÇÃO Esta pesquisa de doutorado dá continuidade a questões anteriormente exploradas durante o Mestrado em Educação Matemática realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 2003, no qual abordamos aspectos da trajetória do professor de Matemática brasileiro, mais especificamente, do professor secundário de Matemática no Brasil, o que nos remeteu a dois momentos: o primeiro, anterior à criação das Faculdades de Filosofia; o segundo, em período posterior, considerando os egressos dessas instituições. Para construirmos a dissertação intitulada “Do engenheiro ao licenciado: os concursos à cátedra do Colégio Pedro II e as modificações do saber do professor da Matemática do ensino secundário”, recorremos a várias fontes, tais como os documentos pertencentes a arquivos pessoais e acervos escolares, principalmente os do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Foi durante o mestrado que começamos a pensar questões acerca do fazer historiográfico, suas implicações na pesquisa científica e como o surgimento de um modo diferenciado de escrever a história científica emergiu, a partir de 1920, por influência da Nova História das Ciências (NHC), mudando o modelo então claramente marcado pelo relato das grandes guerras e da política. O nascimento da NHC sob o signo de uma nova sensibilidade historiográfica levou a questionamentos sobre a história tradicional principalmente devido aos anseios e às exigências do novo homem que surgia na sociedade. A necessidade de uma história mais abrangente e totalizante nascia do fato de que o homem se sentia como um ser cuja complexidade em sua maneira de sentir, pensar e agir não podia reduzir-se a um pálido reflexo de jogos de poder, ou de maneiras de pensar e agir dos poderosos do momento (BURKE, 1992, p.7). Participar de um grupo de pesquisa1 durante o mestrado nos possibilitou discutir e tematizar essa abertura de novas possibilidades da Historiografia e percebermos que a narrativa que vai além dos grandes homens, dos grandes feitos e das grandes guerras provocou um novo tipo de história que não despreza o subjetivo, o indivíduo e seu comportamento. Além da alteração temática e focal, esta nova abordagem histórica colocava em relevo o âmbito interdisciplinar, propondo aproximar diversos ramos das ciências. Não diferentemente do que ocorreu à Historiografia devido às parcerias interdisciplinares, também a Nova História marcou de modo direto os diversos ramos da ciência, contrapondo-se ao 1 Trata-se do Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática no Brasil (GHEMAT), criado em 2000. 18 tradicional, redefinindo o significado das práticas científicas antes apresentadas como um sistema de proposições e enunciados que valorizam quase que exclusivamente o caráter abstrato (PRADO, 2003). Entender que uma ciência, a comunidade que a produz e a sociedade na qual se produz implica flexibilidade nas interpretações e modificações que dependem do contexto em que as práticas científicas estão inseridas (PESTRE, 1998) abriu caminho para que chegássemos ao doutorado, pois nos aproximou de trabalhos sobre a história das ciências e, consequentemente, da História da Educação Matemática, cujas práticas de pesquisa estão intimamente relacionadas às interpretações do pesquisador, ou seja, às hermenêuticas disparadas para criá- las. O doutorado - sonho antes interrompido pelos percalços da vida - começou a se concretizar no momento em que participamos de uma aula de pós-graduação ministrada por um professor que já conhecíamos da época de nossa graduação e que também havia sido parte da banca do nosso mestrado. Após o término dessa disciplina, nascia a confiança de que o momento havia chegado e o ingresso no programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, sob a orientação do professor Vicente Garnica, tornou-se possível. Apesar da certeza de que atribuição de significados é um papel do pesquisador, visto que a cada vez que se conta uma história surge a possibilidade de se apropriar de outros conhecimentos, criando uma história cujas verdades jamais serão definitivas, mas sempre criadas em movimento, um novo desafio, na forma de uma nova metodologia, estava por vir: fazer parte do Ghoem – Grupo História Oral e Educação Matemática – possibilitou trilhar um caminho diferente daquele do mestrado. De modo inverso ocorrido no doutorado, onde caminhamos nas cercanias de uma cultura escolar (professores de Matemática) para uma cultura técnica (professores das Fatec), no mestrado perpassamos por uma cultura técnica (engenheiros) que deu origem a uma cultura escolar (professores de Matemática). Deste modo, tendo como guia a plausibilidade, além dos procedimentos e fundamentos propostos pela História Oral para construir uma versão historiográfica, este trabalho tem a intenção de contar uma história sobre as Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo (Fatec) enfatizando, nessa história, a trajetória e a atuação de professores de Matemática, com o que essa pesquisa se inscreve no campo da História da Educação Brasileira, mais especificamente, na História da Educação Matemática no Brasil. Ultrapassando a concepção positivista dos fatos, a importância exacerbada dada aos documentos escritos e às fontes primárias e a intenção de promover um resgate de fatos 19 definitivos, o Ghoem pretende ir além de uma história magistra2 sem deixar de considerar nenhuma fonte que o discurso historiográfico nos ensinou a considerar. A historiografia defendida nos trabalhos do grupo busca construir significados a partir de significados. Contar uma história como a que aqui propomos, que trata das Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo e dos professores de Matemática que nela atuam, significa considerar um contexto que vai sendo criado em meio às hermenêuticas das variadas narrativas – escritas, orais ou iconográficas – que pudemos acessar ou criar. Apesar do mito das origens estar arraigado em muitos discursos atuais sobre historiografia, propomos lançar mão, aqui, da ideia de começo: a história é descontínua e plena de rupturas, de reinícios, invenções e retomadas. Ainda assim, o estudo da duração das coisas – o estudo dos modos como algo se transforma em meio a alterações e manutenções –, a historiografia, exige arbitrarmos um início a partir do qual uma narrativa será tecida: o começo não é a origem antes de tudo, mas o ponto a partir do qual um determinado fio narrativo se desenrolará, em meio a vários pontos possíveis. A origem-começo arbitrada para essa nossa narrativa sobre as Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo e seus professores de Matemática foi a década de 1970, e circulamos no período que compreende as décadas de 1970, 1980 e 1990, ainda que se tornou necessário romper essas fronteiras temporais em alguns momentos. Trata-se de uma época e de um cenário em que, após o golpe militar de 1964, o anseio pela necessidade de limpar o país e o sistema político de quaisquer ameaças julgadas ideologicamente subversivas volta-se de forma imediata à comunidade estudantil com foco principal nas universidades, atingindo tanto estudantes como professores e pesquisadores. A liberdade de expressão, de comunicação, de livre circulação de ideias, de produções científicas e literárias ficou na mira de agentes e instrumentos controladores, acarretando choques entre grupos, pressões e repressões que marcaram a história no nosso país, caracterizando um tempo difícil, de contradições autoritárias, de posturas paradoxais, de imposições e de dimensões destrutivas (mas também construtivas) que atingiram a política educacional brasileira. No que se refere à faceta destrutiva do regime, destaca-se, no âmbito das políticas universitárias, o estado autoritário que prendeu, demitiu, expurgou, aposentou professores considerados ideologicamente suspeitos, pois eram tidos como contrários às teses do apregoado anticomunismo que se instalava no país. Vigiou de modo direto a atuação dos 2 Historia est Magistra Vitae é uma expressão latina, tirada do De Oratore de Cícero, significando que "a história é mestra da vida”, o conhecimento do passado que garante um rumo para o futuro. 20 estudantes e dos diretórios acadêmicos das instituições de ensino, instalando mecanismos de controle das possíveis articulações apresentadas como avessas à ordem nacional. Uma das estratégias do governo militar para controlar a população e impedir o surgimento de ideias contrárias ao regime foi a criação dos Atos Institucionais – conjuntos de leis que não necessitavam da aprovação do Congresso Nacional para entrar em vigor – retirando os direitos dos cidadãos e concentrando mais poder nas mãos dos governantes. Por meio desses Atos, vários políticos legalmente eleitos perderam seus mandatos, muitos profissionais perderam seus empregos e o Congresso Nacional foi fechado. Direitos fundamentais do cidadão foram suspensos e qualquer um podia ser preso. Especificamente, o Ato Institucional nº 5, AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, foi o mais duro golpe da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem considerados inimigos do regime. O AI-5 não só se impunha como um instrumento de intolerância em um momento de intensa polarização ideológica, como referendava uma concepção de modelo econômico em que o crescimento seria feito com "sangue, suor e lágrimas” (MOTTA, 2014). A outra face dessa política adotada efetivou reformas impactantes até mesmo para os dias de hoje. A reforma do ensino superior, realizada durante o regime militar, buscou transformações de modo a atualizar o sistema que já não mais atendia às necessidades dos estudantes e da sociedade da época. Assim, o outro lado do regime efetuou construções com impulsos de modernização. A nossa história, para ser registrada, teve como metodologia a História Oral, que é um dos modos de se criar narrativas, fontes orais que são transformadas em registros escritos. Contudo, valer-se da História Oral não significa negligenciar outras fontes, principalmente se a intenção do oralista é usar a História Oral para uma operação historiográfica: todas as fontes são bem-vindas se, sujeitas a um exame hermenêutico, nos permitirem criar significados plausíveis, estando – fontes e hermenêuticas – enraizadas numa teorização que, ao mesmo tempo, elas ajudam a criar e/ou promover, fazendo vibrar compreensões e significados. Para compor nossa narrativa, contamos com narrativas de professores que atuaram/atuam nas Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo. Mais especificamente, nossos colaboradores são professores de Matemática que iniciaram suas carreiras nessas instituições durante as décadas de 1970, 1980 e 1990 e que, de algum modo, vivenciaram o ambiente da Fatec São Paulo, “paradigma” de todas as unidades hoje existentes. 21 Um levantamento dos possíveis participantes das entrevistas foi feito contando com a ajuda inicial de um professor que trabalhou na Fatec São Paulo e atualmente faz parte do corpo docente da Fatec Ourinhos, instituição na qual a pesquisadora também atua como professora. Além de ser o primeiro entrevistado desta pesquisa, o professor Paulo Henriques Chixaro permitiu o contato com outros colegas que ainda atuam no quadro de professores de Matemática da Fatec São Paulo, ou seja, o professor Chixaro fez um levantamento dos professores da disciplina que atuavam na docência quando da implantação da Fatec São Paulo e também fez o acerto da data e horário por e-mail com três professores, de modo que as entrevistas pudessem ser realizadas na própria Fatec São Paulo. Apenas dois puderam comparecer e o terceiro, após justificativa, além de marcar uma nova data, indicou mais dois amigos, professores de Matemática da instituição e da mesma época considerada. Outros dois depoentes foram indicados pelo último professor entrevistado. Logo, devido à familiaridade e à facilidade de acesso, entrevistamos primeiramente os professores Chixaro, Vera Lúcia Silva Camargo e Sidney Carlos Ferrari, da Fatec Ourinhos. O professor Chixaro sugeriu novos depoentes - os professores Walter Paulette, Ayrton Barboni e Jaques Vereta, todos da Fatec São Paulo – e este último indicou-nos os professores Katsuyohi Kurata e Suzana Abreu de Oliveira Souza. O professor Kurata, por sua vez, contribuiu para que acontecessem os depoimentos dos colegas Seizen Yamashiro e Maria Ilíria Rossi. Assim, saímos a campo percorrendo vários caminhos. O trabalho com as entrevistas nos possibilitou, por exemplo, perceber diversas facetas quanto à docência dos professores de Matemática das Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo (Fatec), instituições públicas de ensino superior, pertencentes ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS), autarquia do Governo do estado de São Paulo vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, e que ainda mantém vínculo com a Universidade Estadual Paulista – Unesp. A instituição foi criada pelo Decreto-Lei de 6 de outubro de 1969, na gestão do governador Roberto Costa de Abreu Sodré (1967 – 1971), como resultado de um Grupo de Trabalho cuja intenção era avaliar a viabilidade de implantação gradativa de uma rede de cursos de tecnologia com duração de dois e três anos, tendo por objetivo a formação de técnicos de nível superior para começar a operar o Centro Estadual de Educação Tecnológica de São Paulo (CEET). Nossas entrevistas, em muitos momentos, aparecem como pontas de icebergs que revelam e disparam elementos ao entorno da necessidade de suprir uma mão de obra diferente das existentes até então, formando um profissional intermediário entre o engenheiro e o 22 técnico, assumindo, muitas vezes, a expectativa de uma formação que visaria atingir o almejado desenvolvimento econômico de que o país necessitava. Nos cursos oferecidos em suas faculdades, as grades curriculares contemplam disciplinas da área de Matemática, tendo já se tornado usual o discurso sobre a necessidade de se apropriar dos conteúdos e conhecimentos da Matemática como ferramenta para as disciplinas específicas da formação técnica, entendendo-se que não há como dissociar Tecnologia e Matemática, e que a disciplina necessita de um tratamento metodológico diferenciado daquele dado à Matemática seja nos cursos técnicos, nos de formação de professores e nos de formação de matemáticos profissionais, do campo da pesquisa acadêmica. Pesquisar sobre questões relacionadas aos professores e à disciplina de Matemática do ensino tecnológico implica problematizar aspectos da História da Educação Matemática que podem servir para projetar ações futuras no cenário educacional. Construir uma história sobre a docência e a Matemática nessas instituições, a cultura de suas práticas escolares, a atuação e contribuição desses profissionais para a difusão dos saberes nessas instituições pode proporcionar uma visão diferenciada e crítica do contexto social dos sujeitos e da dinâmica da própria Instituição. Assim, o problema desta pesquisa pode ser sintetizado na indagação sobre a trajetória da atuação e docência dos profissionais do ensino da Matemática nas Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo no período que abarca as décadas de 1970, 1980 e 1990, na intenção de compreender aspectos da dinâmica de funcionamento dessas instituições e do lugar ocupado pela Matemática3 nas Fatec – o de ferramenta para o ensino dos tecnólogos. Mais precisamente, apesar de se tratar de uma instituição que atualmente possui 68 faculdades espalhadas pelo estado, concentramos nossos olhares nas Fatec São Paulo e Ourinhos, pois à primeira ainda é atribuído todo um olhar que a vê como modelo para as demais, e a segunda esteve, em determinado período, diretamente subordinada à faculdade de São Paulo, tendo sido criada como extensão de campus, acatando e reproduzindo as decisões de lá emanadas. Vale ressaltar que pouco ainda se sabe sobre a história desses professores em suas faculdades, o que limita a reflexão, a ação e a proposição de mudanças para o desenvolvimento institucional (BOLÍVAR; DOMINGO; FERNÁNDEZ, 2001). 3 Quando mencionamos a Matemática nas Fatec, referimo-nos às diversas disciplinas que contemplam os conhecimentos matemáticos, como o Cálculo, a Matemática Discreta, a Estatística, etc. Tratam-se de várias rubricas e, a cada uma, certamente uma possível história poderia ser atribuída e (re) pensada. Contudo, não nos foi possível referenciar particularmente tais disciplinas e, ao longo do texto, atribuímos o termo geral de “a Matemática”. 23 Compreender elementos relevantes do entorno dos professores de Matemática traz a possibilidade de contribuir para o entendimento dos diversos interesses relacionados ao ensino e ao papel atribuído à Matemática nas Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo. Em outras palavras, defende-se a possibilidade de se recorrer ao passado dos professores de Matemática, recriando e assumindo um presente que pode projetar um horizonte de ação para o futuro num contexto que valoriza os sujeitos que fazem ou fizeram parte de uma história (BOLÍVAR; DOMINGO; FERNÁNDEZ, 2001). Por sua vez, mais rica será essa perspectiva se considerarmos a prática historiográfica sob um novo prisma, ou seja, como uma prática científica que reconduz a subjetividade e as intenções humanas como protagonistas nos exercícios de pesquisa acadêmica. Neste sentido, adotando-se uma perspectiva que caminhe junto com estudos já realizados na linha temática que trata da história da atuação dos professores de Matemática, o estudo sobre as Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo pode ajudar a constituir um cenário para uma cultura matemática escolar, no bojo de outros trabalhos já disponíveis em nosso grupo de pesquisa. Pretende-se, portanto, que este texto seja mais uma contribuição ao mapeamento proposto pelo Grupo de História Oral e Educação Matemática (Ghoem)4 que, dentre suas várias propostas, pretende lançar um olhar sobre a formação de professores de Matemática no Brasil. Deste modo, o objetivo geral dessa pesquisa é registrar uma versão histórica das Faculdades de Tecnologias no estado de São Paulo nas décadas de 1970, 1980 e 1990 e o ensino de Matemática nelas praticado. Há, pois, duas faces entrelaçadas nessa proposta: a primeira delas refere-se a um esforço mais diretamente relacionado a uma história das instituições escolares, enquanto a segunda, tentando esmiuçar as práticas de ensino de Matemática nas Fatec, levanta a possibilidade de se compreender o surgimento ou o estabelecimento de um discurso sobre uma matemática escolar “nova”, uma cultura matemática própria de instâncias vinculadas à educação tecnológica e, em nosso caso, mais especificamente, à educação tecnológica de nível universitário. Nossos objetivos específicos concentram-se em abordar estruturas e características singulares às Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo; compreender aspectos do contexto político, social e administrativo 4 É significativo /.../ nas pesquisas vinculadas ao GHOEM, a preocupação de seus pesquisadores em explicitar uma concepção de História ao invés de tomá-la como “natural”. Ressalta-se que, ainda que haja uma explicitação desta concepção, não há a intenção destes em se assumirem como historiadores e sim como educadores matemáticos que se valem da metodologia da História Oral para compreender temas relativos à Educação Matemática (MARTINS-SALANDIM, SOUZA, FERNANDES, 2010). 24 vigente quando da criação dessas instituições; contextualizar, num dado momento histórico, o surgimento dessas instituições no cenário educacional e sua demanda pelos professores da área de Matemática; estudar o lugar ocupado pela Matemática nas Fatec; e lançar mão de depoimentos para uma operação historiográfica com a finalidade de se criar e estudar fontes para esta e para outras possíveis pesquisas, contribuindo com o mapeamento proposto pelo Ghoem. Logo, para se tornarem inteligíveis as relações entre a implantação dos cursos tecnológicos, a trajetória de formação dos professores e a atuação dos docentes na disciplina de Matemática nos cursos de tecnologia das Fatec, é preciso que nos envolvamos em problematizações como as que dizem respeito à concepção de formação, de educação tecnológica e do papel da Matemática nesse cenário, bem como detectar e tentar compreender as contradições entre ensino e pesquisa numa faculdade tecnológica, e as apropriações de modelos estrangeiros na constituição das faculdades de tecnologia. Este trabalho estruturalmente atende às exigências de um modelo científico, contudo, assumimos que se trata de um relatório da trajetória que nos torna pesquisadores cada vez mais envolvidos com os processos de produção em pesquisa na nossa área de interesse. Para apresentá-lo, recorremos à estratégia de compor o texto em três cadernos – A, B e C – cada um deles composto por outros cadernos, buscando que cada um desses elementos da tese discutisse temas próximos sem que perdessem – ou deixassem o leitor perder – o sentido de vinculação ou complementação entre eles. Ao mesmo tempo, escolhemos, para elaborar cada texto, seguir uma perspectiva muito próxima à multipaper, cada um dos Cadernos tendo começo e fim definidos de modo a poderem ser lidos com certa independência uns dos outros. O caderno A segue apresentado em sete cadernos menores – A1, A2, A3, A4, A5, A6 e A7. O primeiro deles apresenta os nossos depoentes e as circunstância que possibilitaram a realização das entrevistas. O A2 traz algumas considerações sobre a metodologia utilizada – a História Oral –, o Mapeamento realizado pelo Ghoem e o trabalho com narrativas. O A3 traz as textualizações integrais das entrevistas realizadas com nossos colaboradores, enquanto o Caderno A4 defende e exercita um dos princípios defendidos pelo Ghoem sobre História Oral, qual seja, o de que qualquer metodologia deve ser pensada em trajetória, problematizando-se o alcance e as limitações dos procedimentos dos quais se lançou mão. Já o Caderno A5 efetiva uma potencialidade da História Oral: valer-se não só da criação de fontes orais5, mas também 5 Dizemos fontes orais sabendo que, ainda que inicialmente elas sejam constituídas em interlocução real com nossos depoentes, em momentos de entrevistas, elas tornam-se, aplicada uma série de procedimentos, fontes 25 mobilizar fontes orais (tornadas narrativas escritas) já disponíveis em outros estudos6, visando a colocar em diálogo essas narrativas de diferentes proveniências. Percebe-se, portanto, até aqui, que o Caderno A é composto por textos acerca da Metodologia de Pesquisa – textos em que se tenta apresentar, ainda que brevemente, os princípios do método bem como o modo como ele é efetivado nesta pesquisa. Os dois últimos cadernos A têm natureza um pouco distinta, mas complementar, à dos cadernos até aqui apresentados: eles não tratam propriamente de metodologia, mas de estudos prévios, atrelados à opção metodológica. São dois estudos elaborados para estruturar inicialmente a metodologia desta pesquisa e efetivamente mobilizá-la. Tanto a elaboração dos roteiros de pesquisa, quanto a familiarização com o tema da investigação e a realização das entrevistas foram trazendo questões que exigiram buscas paralelas, visando a compreender assuntos que seriam potencialmente citados ou foram efetivamente citados nas primeiras entrevistas. Dois desses temas, julgamos, exigiriam uma elaboração mais profunda da pesquisadora, quais sejam, o Regime Militar e a Reforma Universitária. Assim, os estudos sobre eles levaram à elaboração dos dois textos que compõem os últimos cadernos: o A6 aborda o cenário político, social e cultural das décadas em que vigorou o regime militar no Brasil, bem como o da situação das universidades imersas nesse panorama, enquanto o Caderno A7 traz um estudo sobre a Reforma Universitária ocorrida no final da década de 1960, seus pressupostos e desdobramentos. O segundo caderno, B, é composto por quatro textos – os cadernos B1, B2, B3 e B4. Em B1 o tema é a tecnologia, e nele há uma breve viagem que passa pelo uso de algumas técnicas e tecnologias ao longo da história e termina considerando o discurso sobre a necessidade da educação tecnológica no mundo contemporâneo. Com o caderno B2 pretendemos promover uma discussão sobre os ensinos técnico e tecnológico na história da educação profissional no Brasil, enquanto o B3 tece o cenário da criação das faculdades de tecnologia no Brasil e, mais especificamente, no estado do São Paulo. O último componente desse bloco B tem seu foco na história de uma instituição escolar, o que fazemos à luz das discussões dos três primeiros cadernos desse mesmo bloco, retomando de forma mais explícita os depoimentos já apresentados nos cadernos A. Trata-se da história da “luta” pela busca da constituição de uma história das faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo a partir de alguns de seus atores, seus professores e administradores. Disso, tem-se que o tema central nesses Cadernos B é mais fortemente marcado pela história da instituição, ainda que essa história seja escritas. Ainda que sejam escritas, são explícita e assumidamente lastreadas pela oralidade, e a alteração de suporte ocorre mais pela facilidade de manuseio e divulgação. 6 Aliás, como já indicamos, do mesmo modo como mobilizamos fontes escritas ou de qualquer outra natureza que nos permitam, plausivelmente, criar sentidos para nosso tema de pesquisa. 26 complementada pelos Cadernos C (que tratarão mais especificamente do ensino de Matemática nas Fatec) e pelos Cadernos A (que tratam do método, já que todas as compreensões a que chegamos estão, sempre, essencialmente vinculadas ao modo como chegamos a elas). Assim, fechando os registros que este trabalho nos permitiu elaborar, estão os Cadernos C com suas duas subdivisões: C1 e C2. O primeiro retoma as entrevistas, agora tentando analisar mais detalhadamente cada uma delas: trata-se de um (re) dizer do que foi dito pelos depoentes ou de como compreendemos e atribuímos significado ao que deles ouvimos, uma enunciação narrativa que, embora elaborada pelo pesquisador, seria impossível sem os depoimentos e depoentes que tornaram esses textos possíveis. O Caderno C2 focaliza mais detidamente, desses depoimentos, o viés relativo ao ensino de Matemática nas Fatec. Assim, os três cadernos, acreditamos, perpassam os caminhos que nossa questão de pesquisa apontava: compreender aspectos da história das Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo e das práticas de ensino de Matemática nessas Faculdades. Outra arquitetura poderia ter sido criada para apresentar esses registros sobre o tema que escolhemos estudar: a configuração dos Cadernos foi a que se mostrou possível, dada a pressão do tempo que é sempre curto para operar com tantas informações, e dada a limitação da elaboração textual que deve dizer de modo organizado compreensões que muitas vezes são resultados de um processo bastante caótico. Foi também uma configuração que, em meio a essas pressões, se mostrou adequada para apontar aspectos das duas frentes desse trabalho, uma história institucional da criação das Fatec e, como parte dessa história, um esboço das práticas de ensino de Matemática nessa instituição. Tão logo terminado o Exame de Qualificação, as discussões entre pesquisadora e orientador voltaram-se ao modo como poderíamos atender às contribuições dadas pelos participantes da banca. Operacionalmente, decidiu-se que as imprecisões e equívocos pontuais, fossem conceituais, de tom ou de estilo, seriam os primeiros itens a serem revisados. Feito isso, passamos a pensar uma arquitetura que pudesse aproveitar ao máximo os textos já elaborados e, ao mesmo tempo, permitisse – até quanto nos fosse possível – incorporar sugestões de temas propostos pela Banca de Qualificação. Nesse processo, foram fundamentais não apenas as sugestões e discussões ocorridas durante o Exame de Qualificação deste trabalho, mas também outras interlocuções que mantivemos nesse período, com outros pesquisadores. Em especial, devemos fazer referência ao trabalho de doutorado, em desenvolvimento na Universidade Federal de Minas Gerais, de Kelly Maria de Campos Fornero Abreu de Lima Melillo, sob a orientação da professora Maria 27 Laura Magalhães Gomes, cuja versão final tem como título “Histórias de práticas de ensinar- aprender Matemática no Colégio Técnico da UFMG – COLTEC (1969-1997)7”. No Exame de Qualificação de Melillo, o professor Luciano Mendes de Faria Filho apresentou o que, sob seu ponto de vista, poderia ser tomado como um guia para os estudos voltados à História das Instituições. A pertinência e clareza dessa discussão – cuidadosamente transcrita por Melillo e compartilhada conosco – nos guiou, e ainda que sejamos totalmente responsáveis pelo modo como a implementamos neste nosso trabalho, há que se registrar a importância vital dessa interlocução para a organização final deste nosso estudo. Esse registro, não apenas por Melillo e sua orientadora pertencerem ao mesmo Ghoem ao qual pertencemos, ressalta quão visceral é o trabalho colaborativo, posto que nenhuma compreensão surge do nada, despregado de um coletivo. As considerações do professor Luciano nos levaram a elaborar um primeiro esboço da arquitetura deste nosso trabalho, algo como um roteiro para a conclusão desse relato de pesquisa. As primeiras considerações sobre isso foram as que seguem: Dois pontos seriam fundamentais: (a) tratar da História da Fatec e (b) pensar o funcionamento da Matemática nessa instituição (aqui se encaixando uma discussão sobre o surgimento de uma nova cultura matemática escolar – aquela vinculada ao ensino tecnológico – proposta a nós, como sugestão, durante nosso Exame de Qualificação). Ou seja, uma das coisas seria acompanhar as transformações da instituição ao longo do tempo e qual lugar a Matemática ocupa nessa instituição em diferentes momentos. Precisávamos tentar explicitar ao leitor que a pesquisa se iniciou focando uma instituição e que o trabalho, na sua versão final, mostra uma outra instituição, carregada de outros significados, mais densa, tendo agregado – por conta dos sentidos que atribuímos às fontes criadas e consultadas – todas as mudanças pelas quais passou, ainda que mantendo, nesse período, alguns pontos de estagnação. O que permanece e o que se modifica, nesta instituição, neste transcurso? Parecia importante ressaltar, de algum modo, essa dimensão. Como elementos para uma história da instituição, pareceu-nos necessário, dentre tantos elementos, pensar (a) na trajetória dos egressos e como – sendo a Fatec uma instituição voltada ao mundo do trabalho –, ao longo do tempo seus alunos foram, com maior ou menor dificuldades, incorporados ao mercado; (b) na “origem” da instituição e nas finalidades que ela visava; (c) no recrutamento de alunos e professores. Quanto aos alunos, havia informações 7 O Coltec é uma instituição que oferece ensino técnico de nível médio e faz parte de uma Unidade da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, em Belo Horizonte, denominada Ebap (Escola de Educação Básica e Profissional), que engloba, também uma escola de Ensino Fundamental, o Centro Pedagógico - CP, e o Teatro Universitário. 28 acerca dos vestibulares? A endogenia seria uma característica da instituição? Os professores eram recrutados entre os alunos ali formados – já que essa tem se mostrado uma prática comum (a estratégia conhecida como o aproveitamento da “prata da casa”) aos cursos de Licenciatura estudados no mesmo projeto de Mapeamento no qual este nosso trabalho se inscreve?; (d) na organização interna da instituição: quais os cursos criados ao longo do tempo? Houve alterações sensíveis na proposta de desenvolvimento do ponto de vista das políticas internas (gerenciamento, administração)?; (e) quanto às questões didático- pedagógicas e às práticas político-pedagógicas, como elas se caracterizam?; (f) na “materialidade” das Fatec, em que estão envolvidas tanto elementos administrativos quanto pedagógicos como estruturas físicas, materiais didáticos, equipamentos etc. Trata-se de pelo menos considerar aspectos sobre o que se tem chamado de "Cultura Material Escolar" e que poderia ajudar a compreender o que aquela comunidade considerava como inovação. O que esses materiais traziam de inovador? Nesse sentido, mais do que olhar para um elemento ou outro, deveria ser observado o conjunto de materiais como um componente de uma cultura material de uma escola, que é uma escola de ensino tecnológico; (g) na sociabilidade entre alunos e professores; (h) nas transformações da instituição no período: elementos mais formais (as finalidades, a organização, o número de cursos, o número de alunos). O tratamento deste item, de algum modo, no corpo do trabalho, poderia preparar o terreno para discutir o ensino de Matemática em instituição muito distinta das demais instituições, sejam elas secundárias, de ensino técnico, sejam elas universitárias, mais notadamente “acadêmicas”. Quais finalidades? Qual o lugar institucional das Fatec? Qual seu lugar simbólico? Quanto à história das disciplinas, ou seja, o lugar da Matemática e das práticas relacionadas ao ensino e aprendizagem de Matemática nas Fatec, deveríamos nos perguntar, de modo panorâmico, sobre as relações entre o que se discutia quanto ao ensino de Matemática, de um modo geral, e o ensino de Matemática nas Fatec: (a) Quais materiais, livros, estratégias de ensino?; (b) até que ponto o grupo dos professores de Matemática da instituição tinha/teve/tem autonomia para pensar o ensino de Matemática com certas características? Do que eles se apropriavam?; (c) parecia importante mostrar (se houvesse elementos para tanto) a criatividade ou o conservadorismo nas proposições relativas ao ensino. Uma prática tradicional, em alguns ambientes, pode ser altamente subversiva ou inovadora em comparação a outros ambientes; (d) Havia elementos, nas fontes disponíveis, sobre as aulas, as atividades cotidianas das classes de Matemática?; e (e) é essencial, problematizando as práticas de ensino de Matemática, focar as políticas de aprendizagem e as 29 práticas de avaliação. O professor ensina, os alunos têm estratégias de aprendizagem, o professor avalia: o que os depoentes falam sobre isso? Tendo esboçado, nesse roteiro inicial, alguns dos elementos que deveriam ser por nós considerados, a questão passou a ser como criar uma arquitetura textual na qual esses temas seriam, de algum modo – por vezes mais pontualmente, por vezes incidentalmente – contemplados. Chegamos à conclusão de que elaborar Cadernos de Pesquisa – um conjunto de textos sobre temas específicos, mas relacionados, que se retroalimentavam e ao mesmo tempo poderiam ser lidos de modo independente – era uma estratégia indicada, pois ao mesmo tempo poderíamos, seguindo nossas disposições iniciais, aproveitar ao máximo os textos já apresentados para o Exame de Qualificação – revisados pontualmente, seguindo as indicações da Banca – e incluir, tanto quanto nos fosse possível, considerações sobre temas ainda ausentes, sugeridas pela Banca. Seriam, em princípio, três Cadernos de Pesquisa, assim caracterizados inicial e provisoriamente: (A) No CADERNO DE PESQUISA: sobre a metodologia e as fontes mobilizadas seriam apresentadas as discussões gerais sobre metodologia, sobre História Oral, sobre as fontes mobilizadas (tanto as criadas por nós quanto as já disponíveis em outros trabalhos de pesquisa, livros, artigos, materiais administrativos, etc.), sobre o contato com os depoentes e a realização das entrevistas e a íntegra das textualizações das entrevistas com nossos colaboradores. Deveriam fazer parte desse Caderno considerações mais detalhadas sobre as fontes orais recolhidas de outros trabalhos e os textos complementares gerados para apoiar nossa ida à campo (como o texto sobre a Ditadura). Ficava caracterizado, assim, cada Caderno, como um conjunto de cadernos. Um segundo bloco (B), o CADERNO DE PESQUISA: da história da Fatec, trataria mais especificamente da história das Fatec, já com inserções das entrevistas dos depoentes. Ou seja, a elaboração deste Caderno deveria aproveitar o que já estava disponível no Caderno anterior para compor como que um diálogo com o que havia sido levantado nas fontes escritas disponíveis. Os marcadores fundamentais, portanto, e, entretanto, seriam aqueles relativos à história da instituição, listados no roteiro apresentado anteriormente. Por fim, seria elaborado um terceiro caderno. (C), o CADERNO DE PESQUISA: o ensino de Matemática na FATEC a partir dos depoimentos de alguns se seus professores) cujos principais indicadores estavam inicialmente esboçados no roteiro de problematizações relativo à História das Disciplinas. Aqui deveria se ter em conta a criação de uma Matemática escolar específica para o ensino tecnológico, que não parecia ser, já em 30 princípio, prerrogativa apenas das Fatec, mas também de outros cursos, tanto universitários quanto secundários (neste caso, os de ensino técnico). Esse foi o percurso que nos levou a elaborar, do modo como elaboramos, o trabalho que apresentamos em seguida. O leitor perceberá que – esta é a nossa avaliação – todos os elementos que nos dispusemos a considerar foram, de algum modo, em algum dos Cadernos, considerados. Podem não ter sido considerados em sua plenitude, ou com a profundidade julgada necessária. Pode haver repetições tanto quanto pode haver – e certamente haverá – ausências, falhas, lacunas, possibilidades de complementação e a necessidade, em alguns casos, de fundamentações teóricas mais adensadas. Essa foi, entretanto, uma elaboração possível, e se nessa introdução optamos por registrar minuciosamente o percurso que nos fez chegar até ela e apresentá-la como relatório final deste estudo, foi por acreditar que uma pesquisa não é meramente seu resultado, mas a coreografia – pensada e praticada – dos esforços individuais e coletivos que a tornaram possível, e que a explicitação dessa coreografia pode servir, formativamente, para provocar outros pesquisadores. 1.2 Em síntese, e adiantando algumas conclusões... As compreensões a que chegamos e os modos de chegar a elas estão em toda a extensão de um trabalho de pesquisa, e não estancadas em tópicos específicos. Assim, para subverter o modelo segundo o qual os “resultados” são um arremate que vêm apenas antes da listagem de referências, optamos por trazer, já nesta introdução, essa breve síntese de percursos e conclusões que, por certo, se complementará com outros sentidos no trajeto registrado em todo este volume. Para alcançar nossos objetivos, utilizamos tanto entrevistas que envolveram alguns professores de Matemática das Fatec São Paulo e Ourinhos, quanto variadas fontes escritas. Ao nos direcionar – não unicamente, mas principalmente – pelos aportes que norteiam o Grupo de “História Oral e Educação Matemática” (Ghoem), constituído por pesquisadores, professores e alunos de graduação e pós-graduação, assumimos uma característica singular quanto aos processos de investigação e análise de dados, contemplando a gravação de depoimentos de pessoas envolvidas de forma direta ou indireta com a Educação Matemática. Como num trabalho de arqueólogo que procura indícios para poder definitivamente mergulhar em seus estudos, cada entrevista nos permitiu pensar sobre nossos depoentes e seus vínculos com o cenário da criação e desenvolvimento das Faculdades de Tecnologia do estado 31 de São Paulo, num panorama afetado por imposições políticas, econômicas, educacionais e interesses diversos. No cenário de criação das Fatec, encontramos um discurso fortemente marcado pela necessidade de industrialização e modernização, que suscitou um posicionamento mais efetivo em relação à educação nacional, acentuando a dualidade entre as formações intelectualizada e instrumental, uma vez que se ampliou o número de escolas e cursos voltados ao atendimento dos diversos ramos profissionais. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, promulgada em 1961 (Lei nº 4.024/1961), trouxe mudanças significativas para a educação profissional, embora não tenha conseguido superar a dualidade entre as modalidades ensino regular e ensino técnico. Em 1971, sob o governo militar, a reforma da educação básica promovida pela Lei nº 5.692/71 – Lei da Reforma de Ensino de 1º e 2º graus – estrutura a educação de nível médio brasileiro como sendo profissionalizante para todos. Logo, há um forte repensar na educação, apoiado no discurso que defende o atendimento à crescente demanda das classes populares por acesso a níveis mais elevados de escolarização, acarretando uma forte pressão pelo aumento de vagas no ensino superior. O desenvolvimento do país também demandava mão de obra qualificada para atender o tão almejado crescimento e desenvolvimento industrial, marcado pela intensificação da internacionalização do capital. É justamente nesse período de bruscas evoluções na produção industrial e de instalação de empresas multinacionais que se nota a falta do profissional “tecnicamente gabaritado”, intermediário entre o de nível médio e o engenheiro. Nas muitas discussões surgidas para implantação de cursos para formação de tecnólogos, no governo de Roberto Costa de Abreu Sodré, o Centro Estadual de Educação Tecnológica de São Paulo foi criado. Ao transitarmos pelas décadas de 1960 a 1990, percebemos permanências e alterações no que diz respeito à educação técnica e tecnológica. Neste transcurso, em seu início, na década de 1970, uma instituição foi criada, no apogeu do regime militar, num Estado cujo governo encorajava uma organização política e social baseada na supremacia dos técnicos, lançando mão de estratégias educacionais que pudessem, ao mesmo tempo, sobreviver com orçamentos menores, suprir a grande demanda de então por cursos superiores e formar profissionais que pudessem colaborar com o desenvolvimento do país, apostando-se na valorização de um ensino tecnológico, entre os ensinos técnico e o acadêmico existentes até então no país. A proposta educacional inicial era a formação de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho. Tal aposta conseguiu, naquele momento, inserir os egressos, em quase 32 sua totalidade, no mercado de trabalho, visto que a oferta de emprego era maior do que a demanda. Nas Fatec, a pesquisa não necessariamente seria acadêmica, mas industrial, exigindo uma prestação de contas do trabalho docente para evitar que a atmosfera pouco formal e de livre exercício do cargo não resultasse em acomodação (MOTOYAMA, 1995, p. 117). Houve a criação de um grupo de estudo baseado nos Junior Colleges e nas escolas técnicas alemãs, inspirando a tese de formação inicial do Centro com professores não necessariamente vinculados à universidade, mas, sim, provenientes do mercado e da indústria (MOTOYAMA, 1995, p. 156-158). O currículo de ensino de vários países foi estudado e alguns estão nitidamente refletidos no projeto inicial da Fatec São Paulo, como decidido pelos pioneiros do Centro. Posteriormente, desses currículos e programas foram retirados os aspectos mais teóricos da Física e do Cálculo, ajustando-os à realidade industrial (MOTOYAMA, 1995, p. 172), dando-nos indícios de que a Matemática foi se sustentando como disciplina cuja formação deveria ser específica, instrumental, ministrada por professores rígidos quanto à disciplina escolar, como era o professor Aníbal Callado, graduado pela Escola Politécnica da USP. A década de 1980 já não mais apresentou a mesma configuração da anterior. Surgia a necessidade de reformulações de ordem salarial, de capacitação dos professores e funcionários, de reformas e ampliações das áreas, espaços e materiais nas unidades de ensino do Centro. A oferta de emprego não mais superava a demanda e os egressos começaram a ter dificuldades para se inserir no mercado de trabalho. Os anos de 1990 trataram de aparelhar pedagógica e estruturalmente as dezenas de escolas profissionais de nível médio que, a partir de 1980, foram transferidas para o Centro Paula Souza, respondendo a um convênio entre os governos federal, estadual e municipal. Foi necessário reorganizar a tradição da estrutura disciplinar rígida imposta aos profissionais destinados ao mercado de trabalho pelos professores que, em sala de aula, reproduziam essa postura e a exigiam dos alunos. Foi também necessário sanar graves problemas de infraestrutura das escolas técnicas agregadas à instituição. A vinda de mais escolas técnicas ao Centro Paula Souza exigiu um trabalho de recuperação de ordem material e pedagógica ao longo dos anos. Havia a preocupação de superar o discurso tradicional de que o objetivo das Fatec era o de formar mão de obra para o mercado: era necessário, além disso, contribuir com o desenvolvimento do país, formando alunos com perfil crítico, aptos para participar de discussões sociais e políticas (MOTOYAMA, 1995). As escolas técnicas serviriam de 33 trampolim, tanto para os professores que ali atuavam, como para os seus alunos, às Fatec existentes e às que estariam por vir. É ainda importante ressaltar que os depoimentos, além desses fatores subjetivos que não podem ser encontrados em outros documentos, também trazem informações que não estão – ou que dificilmente são encontradas – nos arquivos escolares. Note-se, por exemplo, a quase total ausência de referências acerca do Programa de Pós-Graduação criado em parceria entre o Centro Paula Souza e a Faculdade de Engenharia Naval da Universidade de São Paulo, oferecido (como mencionado em uma das entrevistas) – ao que tudo indica, em regime de exceção – na Fatec de Jaú, uma iniciativa bastante significativa numa instituição em que a relação entre pesquisa e prática sempre foi delicada e oscilante. É ainda do depoimento dos professores que vem a informação de que a IBM não só era a empresa responsável por fornecer e manter – inclusive com bolsistas que a própria IBM subsidiava – os equipamentos da Fatec, mas também foi a empresa que, por meio de uma de suas funcionárias, elaborou a primeira grade curricular do curso de Processamento de Dados, numa ingerência tão interessante quanto delicada entre empresa e escola. As práticas informais de contratação, que dispensavam concursos e se baseavam em indicações de professores mais antigos da casa, ainda que bastante comuns nos inícios de muitas instituições – como se pode perceber por várias entrevistas do acervo de depoimentos do Ghoem – não estão registradas formalmente nas documentações da Fatec, e só podem ser apontadas a partir dos depoimentos dos que vivenciaram essas práticas. 34 2. CADERNOS DE PESQUISA Vive, dizes, no presente; Vive só no presente. Mas eu não quero o presente, quero a realidade; Quero as coisas que existem, não o tempo que as mede. O que é o presente? É uma coisa relativa ao passado e ao futuro. É uma coisa que existe em virtude de outras coisas existirem. Eu quero só a realidade, as coisas sem presente. Não quero incluir o tempo no meu esquema. Não quero pensar nas coisas como presentes; quero pensar nelas como coisas. Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes. Eu nem por reais as devia tratar. Eu não as devia tratar por nada. Eu devia vê-las, apenas vê-las; Vê-las até não poder pensar nelas, Vê-las sem tempo, nem espaço, Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê. É esta a ciência de ver, que não é nenhuma. (Vive, dizes, no presente. In Poemas Inconjuntos. Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa, 1946) 35 CADERNO A DO MÉTODO E SUA MOBILIZAÇÃO: FUNDAMENTOS, PROCEDIMENTOS, FONTES E TEXTOS COMPLEMENTARES 2.1 Caderno A – Do método e sua mobilização: Fundamentos, procedimentos, fontes e textos complementares 36 2.1.1 Caderno A1 – Os depoentes: como, onde, quem? Contar um pouco sobre nossos depoentes, quem são e como chegamos a eles, implica relembrar circunstâncias e momentos que possibilitaram nosso trabalho e, de certo modo, significa revisitar o passado que possibilitou dar significado ao nosso cenário de pesquisa. Os professores Paulo Chixaro, Vera Lúcia e Sidney Ferrari, por fazerem parte do mesmo corpo docente em que atua profissionalmente a pesquisadora, pela proximidade, familiaridade e trajetória profissional na instituição, firmaram-se como personagens-chave aos nossos propósitos. São protagonistas de acontecimentos, de práticas e experiências que, ao serem apropriadas, possibilitaram disparar essa nossa operação historiográfica. Nosso primeiro entrevistado foi o professor Paulo Henriques Chixaro. Trabalhando atualmente na Fatec Ourinhos, o professor Chixaro não poderia ficar fora do quadro dos nossos entrevistados por ter atuado por vários anos nas Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo fazendo, consequentemente, parte da história da Educação Matemática dessas instituições. Logo, conhecendo essa sua trajetória profissional e dada a facilidade de contato que tínhamos com ele, marcamos a entrevista na própria Fatec Ourinhos, numa tarde, em nossa sala de reuniões. A entrevista fluiu naturalmente e, já sabendo do nosso propósito, o professor nos contou sua experiência nas Faculdades de Tecnologia. A segunda entrevista também aconteceu na cidade de Ourinhos, numa tarde, nas instalações da Fatec dessa cidade, onde a professora Vera Lúcia Silva Camargo atua como docente nas disciplinas específicas da área de informática. Apesar de a professora não ser especificamente professora de Matemática, ela possui aproximadamente 40 anos de vínculo com o Centro Paula Souza e passou por várias etapas e momentos dessa instituição, como aluna, auxiliar docente, professora efetiva e diretora, assumindo também outros cargos administrativos e pedagógicos. A professora Vera, em vários momentos posteriores à CADERNO A1 OS DEPOENTES: COMO, ONDE, QUEM? 37 entrevista, nos auxiliou em relação a algumas questões que não ficaram claras em seu depoimento. Sidney Carlos Ferrari, o terceiro professor entrevistado, é formado em Matemática e foi o primeiro docente contratado pela faculdade então considerada uma extensão da Fatec São Paulo. Hoje fazendo parte do corpo docente da Fatec Ourinhos, ele foi incluído no quadro de nossos entrevistados. De forma muito objetiva e clara, sua entrevista foi realizada no período noturno, na sala de reuniões da Fatec Ourinhos. Encerradas as entrevistas na Fatec Ourinhos, com a ajuda do professor Chixaro – que contatou seus colegas na Fatec São Paulo –, outros professores de Matemática foram incluídos entre nossos depoentes, por atenderem aos critérios que havíamos adotado no percurso entre a elaboração do projeto de pesquisa e as três primeiras entrevistas realizadas: pretendíamos entrevistar professores com expressiva experiência docente nas Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo, priorizando (a) professores de Matemática, (b) a atuação nas décadas de 1970, 1980 e 1990, e (c) um espaço (São Paulo e Ourinhos)8. Após conseguir, no Departamento de Ensino Geral da Fatec São Paulo, os telefones atuais de cada um dos depoentes que havíamos optado por convidar para participar da pesquisa, mensagens de email também foram trocadas entre eles e o professor Chixaro, que atuou como mediador para agendar datas adequadas para a realização das entrevistas. Um primeiro encontro foi então marcado com os professores Walter Paulette, Ayrton Barboni e Jaques Vereta para uma quarta-feira, dia 16 de novembro de 2016, às 14h. Contudo, devido a problemas pessoais da pesquisadora e do professor Chixaro (que fez questão de acompanhá- la), a entrevista foi adiada para o dia 23 de novembro, também uma quarta-feira, e dela, além da pesquisadora e do professor Chixaro, participaram apenas os professores Walter e Ayrton. A entrevista foi então realizada na “Sala da Matemática” da Fatec São Paulo. Posteriormente, por e-mail, o professor Jaques Vereta justificou sua ausência e colocou-se à disposição para a entrevista em outro dia. Aproveitando esse contato, trocamos informações sobre outros possíveis depoentes, tendo então surgido os nomes do professor Katsuyohi Kurata e da professora Suzana Abreu de Oliveira Souza, então chefe de 8 A cidade de São Paulo, como veremos no desenvolvimento deste trabalho, é o berço das Fatec, enquanto Ourinhos é a unidade em que atua a pesquisadora e onde estão lotados professores com ampla experiência no ensino de Matemática nessa instituição. O recorte tornou-se necessário dada a grande quantidade de unidades da Fatec existentes em todo o Estado de São Paulo. Certamente estávamos atentos à possibilidade e à necessidade de flexibilizar esse e os demais critérios – como, de fato, fizemos – mas esses nossos primeiros parâmetros mantiveram-se, se não fixos, ao menos estáveis, ao longo da pesquisa. Já foi possível apresentar ao leitor uma dessas flexibilizações no convite feito à professora Vera Lúcia Silva Camargo, que não atua como professora de Matemática na Fatec. Seu longo histórico nessa instituição, claramente manifestado em sua entrevista, justifica sua presença entre nossos depoentes. 38 Departamento do Ensino Geral (o que nos chamou particularmente a atenção, já que as decisões relacionadas ao ensino de Matemática passam – ou emanam – desse Departamento). E-mails foram enviados aos professores e decidiu-se que as entrevistas aconteceriam nos dias 06 (à noite) e 07 (pela manhã e tarde) de dezembro, também na Fatec São Paulo. Nos dias combinados, as novas entrevistas foram realizadas. O professor Jaques Vereta agora nos atendeu na sala dos professores de Matemática, mais precisamente no local da antiga “Biblioteca da Matemática”, dentro da “Sala da Matemática”. Era noite, e o professor estava em horário de atendimento aos alunos, mas logo pôde realizar a entrevista, que terminou por volta das 21h. A entrevista com o professor Kurata foi a mais longa das entrevistas realizadas. Considerado um professor tão enérgico quanto formal pelos demais colegas, o colaborador foi se tornando cada vez mais receptivo e emotivo durante o seu relato. O professor Kurata foi o mais cauteloso em relação à autorização da disponibilização integral da entrevista textualizada9, dando opiniões e ideias para complementar o texto ou ratificando/retificando algumas passagens. Antes do início do depoimento do professor Kurata, encontramos outros dois professores na Sala de Matemática (naquele mesmo dia ocorreria uma reunião geral do Departamento). Ao ser apresentada pelo professor Kurata aos professores Seizen Yamashiro e Maria Ilíria Rossi, ele nos sugeriu a possibilidade de ambos participarem de sua entrevista. Ambos aceitaram nosso convite para contribuírem com a pesquisa, mas não lhes era possível participar da entrevista naquele momento: nos reuniríamos, então, quando finalizada a reunião do Departamento do Ensino Geral (DEG), no laboratório da Matemática, estando também, naquele momento, terminada a entrevista com o professor Kurata. A entrevista efetivamente ocorreu e durou cerca de uma hora, mas uma chuva torrencial, no momento dessa entrevista, causou interferências no áudio das gravações (em áudio e vídeo) que fizemos, o que nos impediu de aproveitar esse registro para essa pesquisa. Os prazos para a finalização deste trabalho impediram que retomássemos a iniciativa de entrevistá-los. A entrevista com a professora de Matemática e chefe do Departamento de Ensino Geral, Suzana Abreu de Oliveira Souza10, ocorreu, como combinado, em sua sala, no DEG, às 9 Os procedimentos usuais em História Oral, seguidos nessa nossa pesquisa, serão apresentados posteriormente. 10 Como o leitor poderá perceber na continuidade deste texto, a professora Suzana foge a um dos critérios fixados inicialmente, a saber, aquele do tempo de experiência docente na Fatec. A decisão de entrevistá-la – aproveitando as circunstâncias daquele momento em que estávamos na Fatec São Paulo – e manter sua entrevista nesta pesquisa foi discutida e acordada entre pesquisadora e orientador, que julgaram importante trazer como que 39 14h do mesmo dia. Foi uma entrevista breve, já que logo depois dela aconteceria a reunião do Departamento, para a qual também fomos convidados. Uma sistematização dessas informações com os nomes, datas e lugares das entrevistas está registrada no quadro 1, abaixo: Quadro 1 - Relação das entrevistas. ENTREVISTADO DATA DURAÇÃO LOCAL Paulo Henriques Chixaro Mestre em Engenharia Naval e Oceânica pela USP, no ano de 2003. Atualmente é professor da Fatec Ourinhos, SP. 16/03/2016 57min13s Ourinhos Vera Lúcia Silva Camargo Graduada em Processamento de Dados, pelo CEETPS (1977-1978) 27/07/2016 1h16min50s Ourinhos Sidney Carlos Ferrari Doutor em Engenharia de Produção, pela UFScar, em São Carlos, interior de São Paulo (2016). 16/09/2016 33min36s Ourinhos Walter Paulette Doutor pela Unesp - Rio Claro em Educação Matemática (2003). 23/11/2016 51min51s São Paulo Ayrton Barboni Mestre em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP (1983). 23/11/2016 51min51s São Paulo Jaques Vereta Mestre em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000). 06/12/2016 1h09min São Paulo Katsuyohi Kurata Mestre em Tenologia em Gestão, Desenvolvimento e Formação, pelo Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, CEETEPS (2007). 07/12/2016 1h30min49s São Paulo Suzana Abreu de Oliveira Souza Doutora em Matemática Aplicada na Universidade de São Paulo (2001) 07/12/2016 33min São Paulo Maria Ilíria Rossi Mestre em Ensino de Ciências e Matemática, na Universidade Cruzeiro do Sul (2012) 07/12/2016 1h09min São Paulo Seizen Yamashiro Mestre em Geometria Não-Euclidiana, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000) 07/12/2016 1h09min São Paulo Fonte: Autora (2017). Optamos por apresentar integralmente, no Caderno A3, nossas textualizações na ordem em que foram realizadas as entrevistas. uma atualização dos modos como vem ocorrendo, nas Fatec, o ensino de Matemática, pois ainda que a professora Suzana seja uma contratação mais recente da instituição, seu cargo de Chefe de Departamento de Ensino Geral permite a ela uma visão panorâmica e atualizada sobre esse tema. 40 2.1.2 Caderno A2 – Breves considerações sobre história oral, mapeamento e narrativas A criação das Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo tem, em sua gênese, elementos contextuais que vão desde os fatores de ordem política como a Ditadura, passando por um movimento estudantil que ganhava força devido às precárias condições do ensino superior, e por um forte repensar educacional que, de algum modo, constitui um dos pontos focais para a Educação Matemática no âmbito da formação geral e técnica. No caso da formação técnica em nível superior, essa Matemática não é qualquer Matemática: trata-se daquela que ajudaria o país a se desenvolver científica e tecnologicamente. Logo, há, subjacente à história das Faculdades de Tecnologia, um pensamento educacional geral que atrela saber matemático, saber pedagógico e saber científico e, nesse meio, o saber tecnológico. Quando optamos por investigar a criação das Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo e aspectos de modo como, nelas, ocorre o ensino de Matemática, inscrevemos essa nossa intenção no Projeto de Mapeamento da Formação e Atuação de Professores que ensinam/ensinaram Matemática no Brasil11 e, nesse projeto, pelas tramas metodológicas da História Oral. A intenção desse Projeto é “elaborar, em configuração aberta, um registro das condições em que ocorreram/ocorrem a formação e atuação de professores de Matemática” (GARNICA; FERNANDES; SILVA, 2011, p. 241), abordando a diversidade geográfica, institucional e temporal em que se formam e atuam professores que ensinam/ensinaram Matemática no Brasil (GOMES, 2014, p. 16). Partindo-se do pressuposto que teorização e metodologia são processos e não meros 11 Trata-se de projeto de ampla envergadura desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa História Oral e Educação Matemática (cf. www.ghoem.org). CADERNO A2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE HISTÓRIA ORAL, MAPEA MENTO E NARRATIVAS 41 resultados que se impõem de um momento para outro, cujos frutos são germinados, colhidos e digeridos mediante palpitantes reflexões, sistematizações, aproveitamentos e abandonos (GARNICA, 2014), este trabalho assenta-se nas possibilidades das narrativas constituídas a partir da História Oral, como fontes de pesquisa, seguindo aportes adotados pelo Grupo de História Oral e Educação Matemática – o Ghoem. O “Mapeamento” proposto pelo Ghoem é um esforço coletivo e contínuo, que cada vez mais assume as feições dos pesquisadores que o sustentam e, ao mesmo tempo, vai tornando a eles mais claras algumas das concepções com que lidam cotidianamente. O projeto é uma iniciativa “necessariamente coletiva, e não visa apenas produzir estudos sobre um tema, mas, também, a ser um artifício de formação de pesquisadores em educação Matemática” (GARNICA, 2014). O mapeamento da formação e prática de professores de Matemática nos permite aportes imprescindíveis para se investigar os aspectos e modos de atuação de professores nas diversas regiões em que atuaram/atuam, bem como as características socioculturais em diversos lugares e momentos (...) Mapear – ou cartografar – a formação e a prática de professores de Matemática, portanto, é um projeto dinâmico que, se permite compreensões, por exemplo, por cotejamentos (sempre parciais) entre instâncias de formação, instituições formadoras, modos de atender ou subverter legislações, etc., também permite que o leitor se perca, pois nunca o mapeado estará configurado de forma definitiva de modo a brandamente submeter-se aos cotejamentos que talvez seu leitor quisesse realizar (...) (GARNICA, 2014, p. 42). Indo ao encontro dessa incompletude e dinamicidade que o mapeamento propõe e pressupõe, mais peças devem ser agregadas visando a contribuir com a configuração de um mosaico histórico sobre a formação e atuação de professores de Matemática pelo Brasil: é o caso da nossa pesquisa, que se propõe (re) pensar e contar “uma história das Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo e do ensino de Matemática nela praticado”. A História Oral utilizada em nosso trabalho preconiza dialogar com fontes de várias naturezas, exercitando a diversidade de interpretações e abraçando uma proposta de configuração coletiva, descentralizada e dinâmica, focando-se nas narrativas criadas a partir da oralidade dos sujeitos que são entrevistados ao longo do trabalho a fim de se criar cenários plausíveis do passado, no caso, relativos à atuação e à formação de professores que atuaram ou atuam nas Faculdades de Tecnologia do estado de São Paulo. Assim, é nas narrativas que se concentra o núcleo do processo de aproximação com o fazer historiográfico proposto nesta 42 investigação. As narrativas são fontes para a escrita da História, mas, assim como outras fontes, não é a História: Narrativas orais são fontes historiográficas. Para servir a pesquisas, narrativas orais usualmente são registradas por escrito devido à durabilidade do suporte e à facilidade de manuseio. Narrativas orais tornadas narrativas escritas são fontes historiográficas. A História Oral é um modo de produzir narrativas orais e com essa finalidade tem sido mobilizada por inúmeros agentes, dentro e fora da academia, sendo praticada, por exemplo, tanto por “pessoas comuns” como por historiadores “de ofício” e pesquisadores dos mais distintos campos. Na academia, a História Oral ganha contornos mais rígidos, inscreve-se numa determinada ordem de discurso, e passa a ser vista como metodologia de pesquisa e até mesmo como “metodologia de pesquisa de abordagem qualitativa”. Para participar dos processos ditos “científicos”, ganha aspecto “científico”: criam-se procedimentos específicos – que variam em cada comunidade que mobiliza a História Oral – segundo marcos regulatórios – “teóricos” – que atendem às perspectivas do “oralista”. (GARNICA, 2013, p. 54). Neste sentido, uma série de procedimentos compõe nossa abordagem metodológica: inicialmente, fizemos contato com os depoentes (colaboradores), registramos cuidadosamente as entrevistas feitas e, junto a outras fontes buscamos, hermeneuticamente, um sentido para essas tantas narrativas, sempre tendo como norte nosso problema de pesquisa. Em nossa pesquisa não foi adotado, a priori, um roteiro fixo para todas as entrevistas, mas foram estabelecidas perguntas, geralmente abertas, direcionadas a compreender um tema específico – a atuação e formação dos professores de Matemática das faculdades de tecnologia do estado de São Paulo. Contudo, estabelecemos um possível modelo que nos norteou em cada entrevista. Os depoimentos, alguns gravados, alguns filmados e outros, gravados e filmados, passaram por um processo chamado transcrição, constituindo um primeiro registro escrito dos depoimentos orais, sendo o pesquisador o mais fiel possível aos diálogos ocorridos entre pesquisadora e colaboradores. Os depoimentos transcritos passaram, posteriormente, pelo momento de textualização, gerando um texto de autoria da pesquisadora com o qual o entrevistado concordou e se reconheceu. Contudo, alguns de nossos colaboradores (professores Kurata e Ayrton Barboni) foram cuidadosos, mais criteriosos e sugeriram alterações e complementações nos textos referentes às textualizações. Os demais, após a leitura realizada, imediatamente concordaram com a publicação do texto original. Aos colaboradores foram solicitadas cartas de cessão para que a pesquisadora pudesse tornar públicos os registros. As cartas foram assinadas e entregues à pesquisadora pessoalmente, pelo correio ou por meio de digitalização e remetidas por email. 43 Em síntese, e reiterando nosso posicionamento quanto à metodologia que guiou essa nossa investigação: apostamos na História Oral. Apostar na História Oral, é importante frisar, de modo algum implica desprezar outras fontes, e essa disposição de valer-se de tantas fontes quantas forem possíveis criar ou juntar, é ainda mais essencial quando se parte da disposição – como é o nosso caso – de usar a História Oral num trabalho cuja natureza é assumidamente historiográfica. As oito entrevistas que realizamos para este trabalho foram feitas com dez entrevistados, mas devido às condições que resultaram na má qualidade do áudio da última entrevista realizada simultaneamente com os professores Maria Ilíria Rossi e Seizen Yamashiro, em 07 de dezembro de 2016, não foi possível obtermos sua transcrição e sua textualização. No momento da entrevista, um temporal acometia a região da Fatec São Paulo e acabou tornando o som inaudível, tanto o do gravador quanto o da filmadora que levamos para o encontro com os professores. Numa decisão conjunta entre pesquisadora e orientador, optamos por não refazer a entrevista, uma vez que ela abordava aspectos e elementos disparadores já contemplados pelos demais entrevistados. Um dos depoimentos é o da professora Vera Lúcia, da área de tecnologia, que, apesar de não lecionar conteúdos específicos da Matemática, nos permitiu revisitar a história do Centro Paula Souza, já que a entrevistada passou pela instituição como aluna, professora auxiliar até chegar ao topo da carreira do magistério dentro da instituição, vivenciando várias fases da Fatec. Os demais entrevistados, além de serem professores que ainda ministram aulas da Matemática nas faculdades, assumiram outros cargos na instituição, o que possibilitou uma visão mais ampla, além daquela da sala de aula, ainda que diretamente relacionada ao trabalho docente. Nossos depoentes, em quase sua totalidade, estão ligados à Fatec São Paulo. Essa foi uma opção por percebermos, ao longo dos nossos estudos, que a faculdade de São Paulo é a unidade da qual irradiam decisões que afetam as demais faculdades. Os depoentes que não atuam na Unidade paulistana são vinculados à Unidade de Ourinhos, onde atua também a pesquisadora. Esses depoentes foram os que dispararam o movimento de rede que nos aproximou dos demais entrevistados. Por meio da metodologia da História Oral conduzimos as entrevistas de modo a registrar esses momentos e as perspectivas dos sujeitos entrevistados sem, contudo, abandonar outros tipos de fontes. Mas, o que nos trazem as narrativas? De acordo com Martins-Salandim (2012): 44 Elas não são testemunhos no sentido daquilo que se viu ou presenciou (do fato “tal como aconteceu”), mas um registro daquilo que se percebe, no presente, de algo que se vivenciou. Diante disso, é necessário aceitar teoricamente que um fato é aquilo que dele se percebe. Uma preocupação daqueles que não dão credibilidade à memória ou desconfiam dela, tendo-a por algo lacunar, insatisfatório, deficiente face à magistralidade e à perenidade dos registros fixados em suportes rígidos como o papel e a pedra, é demarcá-la como fantasiosa, sonhadora, inventiva além dos limites desejáveis. Dessa posição decorre a desconfiança em relação às narrativas e a exclusão dessas narrativas dos domínios da historiografia julgada séria e legítima. Com veemência, alguns desprezam o que, em História Oral, concebemos como fonte legítima: os registros de memória feitos a partir de relatos orais. Isso, entretanto, não significa que a mera coleção de entrevistas constitui, em si, uma operação historiográfica em sua integralidade. Os registros de memória disparam um processo historiográfico que para constituir-se plenamente como tal, exige o cotejamento dessas fontes com outras, de diversas naturezas, e requer um suporte narrativo próprio, concatenado, coerente, reconhecível aos que escrevem história (MARTINS- SALANDIM, 2012, p. 57-58). Entretanto, sendo as narrativas os húmus do Mapeamento, a partir delas é que se dá a busca de outras fontes. A narrativa oral tornada escritura apresentou-se como núcleo da investigação, posto que acreditamos ser possível, com a História Oral, esclarecer trajetórias individuais, eventos ou processos que às vezes não têm como ser entendidos ou elucidados de outra forma, gerando documentos (entrevistas) que possuem uma característica singular: elas são o resultado do diálogo entre entrevistador e entrevistado, entre sujeito e “objeto” de estudo (CURY, 2011). Ao mesmo tempo, documentos escritos, como as apostilas criadas pelos professores da Fatec São Paulo, documentos, legislações, cartilhas do Sindicato dos Trabalhadores do Centro Paula Souza, artigos em revistas e livros de tecnologia, sugeridos ou não pelas entrevistas, foram coletados e estudados. Neste sentido, nossas entrevistas podem trazer à cena detalhes da estruturação e do funcionamento das faculdades de tecnologia em seus diversos aspectos a partir das vozes, das experiências e da sensibilidade de nossos depoentes. Por meio das narrativas surge a possibilidade de se pensar na história da instituição escolar e no ensino de Matemática nas décadas de 1970, 1980 e 1990, e, em como fatores externos, políticos e sociais interferiram de modo direto na implantação e desenvolvimento do Centro Paula Souza. Trata-se de criar, no presente, significados para as (e a partir das) vivências de pessoas que, familiares ao campo que pretendemos estudar – as Fatec – aceitaram colaborar conosco. Não se entende plausivelmente o passado apenas a partir da “história oficial”, tampouco como uma