2020 FRANCIELE CAROLINE GUERRA MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE VULNERABILIDADES SOCIOAMBIENTAIS AOS RISCOS HIDROLÓGICOS: INUNDAÇÕES EM BRAGANÇA PAULISTA – SP 0 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro FRANCIELE CAROLINE GUERRA MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE VULNERABILIDADES SOCIOAMBIENTAIS AOS RISCOS HIDROLÓGICOS: INUNDAÇÕES EM BRAGANÇA PAULISTA – SP Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientadora: Profa. Dra. Andréa Aparecida Zacharias Supervisor de Estágio no Exterior: Prof. Dr. Lúcio José Sobral da Cunha Rio Claro - SP 2020 G934m Guerra, Franciele Caroline Mapeamento das áreas de vulnerabilidades socioambientais aos riscos hidrológicos: : inundações em Bragança Paulista/SP / Franciele Caroline Guerra. -- Rio Claro, 2020 136 f. : il., tabs., fotos, mapas Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientadora: Andréa Aparecida Zacharias 1. Cartografia. 2. Vulnerabilidade Socioambiental. 3. Riscos Hidrológicos. 4. Análise Fatorial Exploratória. 5. Geografia do Risco. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. 1 FRANCIELE CAROLINE GUERRA MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE VULNERABILIDADES SOCIOAMBIENTAIS AOS RISCOS HIDROLÓGICOS: INUNDAÇÕES EM BRAGANÇA PAULISTA – SP Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geografia. Comissão Examinadora Profa. Dra. Maria Isabel Castreghini de Freitas Prof. Dr. Lúcio José Sobral da Cunha Profa. Dra. Andréa Aparecida Zacharias (Orientadora) Conceito: Aprovado Rio Claro/SP, 07 de maio de 2020. 2 Lago do Taboão Bragança Paulista, São Paulo 3 “Só temos que nos comprometer com a cura da vida na Terra, começando por contentar-nos com a nossa existência. [...] Maduro é o ser humano que desenvolveu a sua essência e se tornou uma benção para os outros” Coen Rōshi “Seja a mudança que você quer ver no mundo” Mahatma Gandhi “[Introverts,] occasionally, just occasionally, I hope you will open up your suitcases for other people to see, because the world needs you and it needs the things you carry. So, I wish you the best of all possible journeys and the courage to speak softly. Thank you very much” Susan Cain 4 À minha avó Adelina (in memorian), em um plano maior está sempre presente. Também a minha avó Aparecida e aos meus sobrinhos Arthur e Manuela, com todo amor e gratidão. 5 AGRADECIMENTOS PELO FINANCIAMENTO Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) processo nº 2017/00564-2 (Bolsa Regular) e processo nº 2018/11369-9 (Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior – BEPE). As opiniões, hipóteses e conclusões expressas nesta dissertação são de responsabilidade da autora e não necessariamente refletem a visão da FAPESP. Agradeço ao parecerista da FAPESP, mesmo sem conhecê-lo, sou muito agradecida, pois sempre foi muito coerente e gentil em suas avaliações. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Francimara e José Guerra, por sempre me apoiarem de forma lúcida em minhas buscas. Ao meu parceiro e amado Roger, por chegar de maneira tão sutil e ser uma das peças chave final do meu mestrado. Obrigada pelas longas conversas, contribuições acadêmicas e pelas revisões finais que foram fundamentais para o encerramento deste ciclo. A Profa. Dra. Andréa Aparecida Zacharias (UNESP/Ourinhos/IGCE), pela orientação, por ter estado disponível sempre que necessário, bem como por ter me dado autonomia ao longo do processo. Sempre me incentivando a voar cada vez mais alto, obrigada por todo aprendizado compartilhado desde o início da minha graduação na Unesp de Ourinhos, são muitas as experiências geográficas juntas vividas. Ao Prof. Dr. Lúcio Cunha (Universidade de Coimbra – Portugal), por ter me supervisionado no estágio de pesquisa no exterior, pelo tempo dedicado à minha pesquisa e a minha estadia em Coimbra, e por ter me mostrado alguns encantos do seu país. Obrigada pelas vivências nobres, conselhos, indicações e cordialidade, bem como por ter me acolhido tão docilmente desde o nosso primeiro contato, ainda na Universidade de Londrina. Agradeço igualmente a Professora Dra. Isabel Paiva, pelos conselhos acadêmicos durante o estágio e pelos momentos vividos e enriquecedores que 6 tivemos em Coimbra e durante nossa viagem a Polônia. E ao Prof. Dr. Luca Dimuccio pelos conhecimentos compartilhados em campo. Também ao espaço cedido do CEGOT e do CES em Coimbra, espaços os quais passei boa parte dos meus dias de estágio, também aos funcionários os quais pude conviver durante este período. Aos novos amigos de Coimbra, Estevão, Eduardo, Washington, Jorge, Maria, Juci, Madá, Fernanda, Marcela, Isis e Rafa, Marcius, Mauricío e Ana, obrigada pela amizade tão intensa que me proporcionaram. Às minhas amigas de República, Cori, Mari, Fer e a Helô agregada na nossa família rs, obrigada meninas pelo companheirismo e pela evolução que tivemos juntas nesses últimos três anos, vocês são muito especial para mim. Às minha amigas de Geografia e de longa caminhada acadêmica, desde a graduação, Marina (sempre me socorrendo nos últimos minutos do segundo tempo rs), Calu, Raíssa e Hannem, obrigada time, por estarem presentes em mais uma etapa. Aos novos amigos que a Geografia de Rio Claro me trouxe, em especial ao Bruno Zucherato, Alessandra, André e Matheus, companheiros de laboratório e inúmeras contribuições que me deram durante este trabalho. E aos companheiros Arthur, Limeira, Gustavo, Janaína, José Renato, Jamili, Estevão e demais colegas de turma. Aos Funcionários do Ceapla, Carlo, Maíca, Claúdio e Serginho, obrigada pelo convívio e a infraestrutura cedida onde passei boa parte dos meus dias desenvolvendo a pesquisa. Também aos funciónarios da Pós-Graduação, Rodrigo e Sandra, que foram essenciais desde o meu primeiro dia de matrícula do programa. Em especial a Rosana do Staepe pela paciência e gentileza , sempre muito disposta e eficiente para cuidar dos meus processos com a Fapesp. Aos professores que sempre foram extremamente solícitos e gentis comigo, particularmente aos professores que, através de suas disciplinas durante o mestrado, proporcionaram debates mais amplos sobre a ciência geográfica, em especial a Profa. Dra. Cenira. Não poderia deixar de agradecer as pessoas que me ajudaram através das terapias neste período de transição pessoal, Danilo (Jesus), Elisa e Igor, obrigada pela oportunidade e por terem sido ferramentas tão importantes na minha vida. 7 À Prefeitura de Bragança Paulista, pelos dados diponibilizados para a realização desta pesquisa, Lourdes, Larissa e Bruna do Planejamento Urbano, e ao Fábio da Defesa Civil que sempre estiveram à disposição. Em especial a Raquel Silva, que me acompanhou nos trabalho de campo em Bragança Paulista, facilitou o reconhecimento da área de estudo e trouxe inúmeras contribuições para a realização deste trabalho. Também a querida Patricia Martineli, que sempre esteve pronta em ajudar e que abriu as portas para eu ter o melhor acesso às informações no município. Aos professores Maria Isabel Castreghini de Freitas, Lúcio Sobral da Cunha e Isabel Paiva, por avaliarem esta dissertação. Agradeço genuinamente a cada pessoa que encontrei durante a jornada do Mestrado, seres iluminados disfarçados a me mostrar o Caminho e a Verdade, de alguma forma me despertaram a compaixão e o respeito para com todos os seres. 8 Resumo Na atualidade, uma série de desastres inter-relacionados ganharam notoriedade no Brasil e no mundo, reunindo episódios que marcaram crescentes perdas, humanas e econômicas, associadas aos riscos e suas consequências. O processo de urbanização, juntamente com a impermeabilização do solo, retificação e assentamento em cursos d’água e encostas, contribuíram para o aumento do impacto de inundações, enchentes e vários outros processos advindos da ação antrópica que levam ao risco socioambiental. Somam-se nas últimas cinco décadas mais de dez mil mortes em desastres naturais no Brasil, a maioria destes relacionadas a inundações e queda de encostas. A magnitude de um desastre está vinculada com os fenômenos sociais, econômicos e demográficos, entre outros, e contribuem para aumentar a vulnerabilidade e exposição da população. O recorte espacial aqui analisado compreende a Região Administrativa do Lavapés, macrozona que envolve a área urbana do município de Bragança Paulista/SP. Bragança Paulista sofre, historicamente, uma série de problemas socioeconômicos e ambientais. Destaca-se o aumento na magnitude e frequência das enchentes devido à extensa cobertura impermeabilizada, pois grande parte da água que antes era infiltrada no solo, passa então a compor o volume que escoa superficialmente. O objetivo principal desta pesquisa funda-se sobre o estudo da espacialidade da vulnerabilidade socioambiental aos riscos hidrológicos, em específico as inundações, considerando a atuação dos fatores desencadeantes na área urbana. Os procedimentos metodológicos são compreendidos em: (a) revisão de literatura e levantamento de dados públicos; (b) elaboração da carta de declividade objetivando-se analisar a suscetibilidade do terreno; (c) classificação da cobertura vegetal e uso e ocupação da terra; (d) coleta e seleção de dados do censo demográfico, com variáveis ponderadas a partir dos critérios de criticidade e capacidade de suporte aplicados à vulnerabilidade social; (e) aplicação da análise fatorial exploratória (AFE) para reduzir a dimensão dos dados; (f) análise de componentes principais (ACP) aplicada aos dados socioeconômicos, demográficos e ambientais; (g) interpretação das séries estatísticas do modelo de AFE; (h) aferição de campo; e por fim, (i) integração dos dados aplicando o método AHP (Analytic Hierarchy Process), que compreende uma análise multicritério para priorização das informações para a elaboração da cartografia de síntese. A integração dos dados obtidos em campo e a elaboração das cartografias intermediárias subsidiaram a confecção da cartografia de síntese final, produzindo assim o cenário da vulnerabilidade socioambiental aos riscos hidrológicos – inundações. Tais resultados possibilitaram uma visão integrada da paisagem com vistas à tomada de medidas mitigadoras por parte do poder público para a gestão municipal. Através da elaboração e análise da espacialidade da vulnerabilidade socioambiental, observam-se áreas mais (e menos) vulneráveis às inundações, o que permitiu estabelecer os padrões de urbanização que impulsionaram e frearam esses processos. A espacialização da vulnerabilidade social apresenta uma tendência de áreas periféricas com alta vulnerabilidade, obedecendo ao padrão de oposição centro-periferia. Por fim, a compreensão acerca do papel da vulnerabilidade socioambiental no âmbito municipal é um recurso fundamental ao poder público para adoção e estabelecimento de políticas e ações de prevenção, alerta, mitigação e recuperação das áreas com população mais vulnerável. Palavras-Chave: Índice de vulnerabilidade socioambiental. Análise de risco. Vulnerabilidade social. Analytic Hierarchy Process (AHP). Análise Fatorial Exploratória (AFE). Análise de Componentes Principais (ACP). Risco de inundações. Cartografia de síntese. 9 Abstract A series of interrelated disasters have currently gained prominence over the Brazil and worldwide, gathering episodes that have resulted in increasing losses, both human and economic, related to risks and their consequences. The urbanization process, along with degree of saturation, soil imperviousness, rectification and improper settlement on hillslopes and near to the rivers, have contributed to an increasing impact of floods and several human-induced processes that lead to socio-environmental risk. In the last five decades, there have been more than ten thousand deaths caused by natural disasters, most of them related to floods and landslide. The magnitude of a disaster is related to social, economic and demographic phenomena, among others, and contributes to increasing the population's vulnerability and exposure. We analyzed the Lavapés Administrative Region, a macrozone encompassing the urban area of Bragança Paulista/SP municipality. The city of Bragança Paulista have suffered, historically, a plenty of socioeconomic and environmental issues. The increasing intensity and frequency of the floods are noteworthy due to extensive impervious cover, since large water volumes that were previously infiltrating, now become part of the surface runoff. The main objective here relies on the spatial distribution of socio-environmental vulnerability related to hydrological risks, particularly floods, considering the triggering factors in urban areas. The methodological procedures are comprised of: (a) literature review and public data collection; (b) mapping the slope classes; (c) supervised classification of vegetation cover and land use; (d) collection and selection of demographic census data, weighting variables based on criteria of criticality and support capacity applied to the social vulnerability; (e) application of Exploratory Factor Analysis (EFA) to summarize data; (f) Principal Component Analysis (PCA) applied to socioeconomic, demographic and environmental data; (g) interpretation of the statistical results produced by EFA model; (h) fieldwork validation; and finally, (i) data integration using the Analytic Hierarchy Process (AHP) method, a multicriteria analysis to rank information for the preparation of synthesis cartography. The data integration regarding fieldwork data and different thematic maps supported the final synthesis mapping, then producing the scenario of socio-environmental vulnerability to floods. These results support a broader view of landscape aiming mitigating measures to a better municipal management. Through the spatial analysis of socio-environmental vulnerability, the most and least vulnerable areas to floods were characterized, which allowed the establishment of urbanization patterns that promote and stopped these processes. The spatial distribution of social vulnerability reflected a tendency of peripheral areas having high vulnerability, obeying the pattern of center-periphery opposition. Finally, the understanding concerning the role of socio-environmental vulnerability at municipal level is a crucial ability for the stakeholders to adopt and establish policies and actions to prevent, alert, mitigate and recover the most vulnerable areas. Keywords: Socio-environmental vulnerability index. Risk analysis. Social vulnerability. Analytic Hierarchy Process (AHP). Exploratory Factor Analysis (EFA). Principal Component Analysis (PCA). Flood risk. Synthesis cartography. 10 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ......................................................................................................... 12 1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA ................................................................... 16 1.1 OBJETIVOS .......................................................................................................... 21 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................ 22 2.1 Riscos .................................................................................................................. 25 2.2 Vulnerabilidade ................................................................................................... 32 2.3 Abordagens Metodológicas e Indicadores de Risco, Vulnerabilidade e Resiliência a Desastres ...................................................................................................................... 35 3. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO................................................. 41 3.1. Geologia .............................................................................................................. 43 3.2. Geomorfologia ..................................................................................................... 45 3.3. Pedologia ............................................................................................................. 47 3.4. Clima ................................................................................................................... 49 3.5. Hidrografia........................................................................................................... 49 3.6. Áreas Permeáveis ................................................................................................ 52 3.7. Demografia .......................................................................................................... 54 3.8. Expansão urbana ................................................................................................... 57 3.9. Legislação ............................................................................................................ 58 3.9.1. Plano Diretor do Município de Bragança Paulista .................................................... 59 3.9.2. Código de Urbanismo ................................................................................................... 61 3.9.3. Código de Obras ............................................................................................................ 61 3.9.4. Lei Orgânica do Município de Bragança Paulista ..................................................... 62 4. METODOLOGIA DO ESTUDO .......................................................................... 63 4.1 Revisão de Literatura e levantamento de dados .................................................. 67 4.2 Carta de Declividade .............................................................................................. 68 4.3 Classificação da Cobertura Vegetal e Uso e Ocupação da Terra ........................... 69 4.4 Coleta e seleção de dados do Censo Demográfico ................................................. 70 11 4.4.1 Etapa 1: Seleção das variáveis ...................................................................................... 70 4.5 Análise Fatorial Exploratória ................................................................................. 76 4.5.1 Etapa 2: Análise de Componentes Principais (ACP) aplicada aos dados socioeconômicos, demográficos e ambientais. ..................................................................... 77 4.5.2 Etapa 3: Implementação do Modelo de Análise Fatorial Exploratória (AFE) ................... 78 4.6 Carta da Vulnerabilidade Social ............................................................................. 82 4.7 Trabalho de Campo ................................................................................................ 82 4.8 Integração dos dados e Elaboração das Cartografias de Síntese ............................ 83 5. RESULTADOS E DISCUSSÕES ........................................................................ 88 5.2 Cobertura Vegetal e Uso e Ocupação da Terra ........................................................ 88 5.1 Análise de Declividade ............................................................................................. 91 5.3 Análise Social ........................................................................................................... 96 5.4 Análise de Susceptibilidade aos Riscos Hidrológicos – Inundações ...................... 105 5.5 Análise da Vulnerabilidade Socioambiental ao Risco de Inundação ..................... 118 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 126 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 129 ANEXO – RELATÓRIO DOS DADOS ESTATÍSTICOS GERADO NO SPSS (STATISTICAL PACKAGE FOR THE SOCIAL SCIENCES). ..................................... 136 Chuvas, rios e cidades. Ilustração de Ítalo Stephan, publicado no livro "Fábulas urbanas e outras lições sobre as cidades", de 2019. 12 APRESENTAÇÃO Esta dissertação apresenta os resultados da pesquisa de mestrado intitulado “Mapeamento das Áreas Vulneráveis aos Riscos Hidrológicos: um estudo de caso no município de Bragança Paulista/SP”, cujo desenvolvimento teve suporte financeiro pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo - FAPESP, conforme Processo nº 2017/00564-2. A análise ocorreu a partir do estudo do risco e das vulnerabilidades por se tratar de um tema importante, atual, que tem demandado estudos internacionais, mas que no Brasil, ainda é recente, tomando como base a Lei nº12.608 de 10 de abril de 2012, sobre a qual o art. 2º prevê que "é dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios adotar as medidas necessárias à redução dos riscos de desastre", sejam eles de origem natural ou antrópica, visando respostas e recuperação articulada com os órgãos municipais de defesa civil1 e junto a sociedade civil organizada buscar a resiliência. A intenção de pesquisar o município de Bragança Paulista (SP) derivou de um desafio que nos é proposto por se tratar de uma área cuja realidade é bastante complexa, considerando-se seus condicionantes naturais e sua expansão (o relevo, cursos d’água e sua contextualização geográfica), tanto pelas influências socioeconômicas quanto políticas. O desenvolvimento deste trabalho justifica-se pelo tema ser pertinente e por Bragança Paulista apresentar preocupações históricas quanto a ocorrências de problemas no âmbito hidrológico, com importantes e frequentes registros de eventos de enchentes e inundações, evidenciadas pela ação emergencial apontada no trabalho prévio de setorização das áreas de risco do Serviço Geológico do Brasil (CPRM, 2012), do Governo Federal. A partir desta perspectiva dialógica, a dissertação de mestrado encontra-se dividida em partes, que em síntese correspondem ao: (1) estudo e aprofundamento dos temas abordados, como vulnerabilidade socioambiental e riscos hidrológicos, em Fundamentação Teórica; (2) estudo e síntese das características sociais e ambientais de Bragança Paulista, discorridos em Caracterização da Área de Estudo; (3) revisão e 1 De acordo com os procedimentos estabelecidos pelo órgão central do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil – SINPDEC. 13 aplicação dos métodos de coleta e seleção de dados, assim como tratamento estatístico e cartografia, retratados e organizados em Metodologias do Estudo; (4) compilação dos resultados, com enfoque, em última instância, nas áreas mais socio-ambientalmente vulneráveis aos riscos hidrológicos, que foram associadas com as discussões pertinentes aos Resultados e Discussões; onde, por fim, em Conclusões e Considerações Finais dá- se o fechamento às questões e as inquietações levantadas na pesquisa. As Figuras 1, 2 e 3 sintetizam as três principais etapas de execução da pesquisa, ilustradas em formato de organogramas de execução. A primeira etapa, “Concepções teóricas do risco e vulnerabilidade” (Figura 1), compreende a revisão bibliográfica dos principais temas e conceitos abordados pela pesquisa, bem como as principais metodologias e correntes de estudo. Figura 1. Quadro esquemático da primeira etapa da pesquisa. 14 A segunda etapa, “Processo de Análise” (Figura 2), busca estabelecer, com base nas propostas de gestão de risco, uma forma para a identificação, análise e a avaliação dos riscos hidrológicos, mais especificamente inundações, e da vulnerabilidade que a área em estudo está sujeita. Figura 2. Quadro esquemático da segunda etapa da pesquisa. A terceira etapa, “Cartografia da Vulnerabilidade Socioambiental aos riscos Hidrológicos” (Figura 3), apresenta uma reflexão dos resultados obtidos sobre a técnica de representação da vulnerabilidade, destacando as potencialidades e fragilidades da representação cartográfica de acordo com o cenário apresentado. Se busca, portanto, apresentar contribuições no aperfeiçoamento da linguagem cartográfica para o planejamento, prevenção e mitigação dos riscos. Em última instância, analisa-se em profundidade as características socioambientais das áreas com problemas históricos relacionados aos riscos de inundação em Bragança Paulista. 15 Figura 3. Quadro esquemático da terceira etapa da pesquisa. Ainda ao final do documento, são apresentadas as realizações no período de vigência desta pesquisa, contempladas em um pequeno Memorial do Percurso Acadêmico da Bolsista. 16 1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA As encostas e os cursos d’água são periodicamente deflagrados por precipitações de diferentes intensidades e durações, focos de grande atenção nas pesquisas geomorfológicas, hidrológicas e geotécnicas. Historicamente, provocam problemas de ordem socioambiental e por vezes socioeconômica, com grande impacto no meio urbano, como inundações, alagamentos, deslizamentos de terra, queda de barreiras, entre outros, podendo gerar impactos que vão desde desastres a catástrofes. “Seu estudo é fundamental para a compreensão das paisagens naturais, bem como para sua aplicação no controle de erosão dos solos tanto em áreas rurais ou urbanas” (GUERRA, 2011, p. 15). As mudanças no processo de urbanização global, sobretudo a partir do século XX, têm incentivado cada vez mais, nas esferas governamentais, a criação de programas de desenvolvimento com elevado investimento financeiro. Tais medidas são tomadas, em regra, na perspectiva de melhorar o controle dos centros urbanos, consequência da ocupação desordenada e acelerada. Temos como exemplo o caso do município de Petrópolis, “[...] cujas características do meio físico, como encostas íngremes, solos profundos e chuvas concentradas, têm causado centenas de mortes nas últimas décadas” (GUERRA, 2011, p. 25). Na atualidade, ganharam notoriedade uma série de desastres inter-relacionados2, reunindo episódios que marcaram crescentes perdas, humanas e econômicas, associadas aos hazards3 e suas consequências. Não obstante, no Brasil, também é um assunto relevante nos dias atuais, “[...] um dos maiores problemas enfrentados pelas cidades brasileiras hoje é a ocorrência de inundações ou enchentes, que têm causado grandes prejuízos financeiros e até mesmo perdas de vidas humanas” (GUERRA, 2011, p. 82), como os casos de Brasiléia/AC em 2015 e São Luís do Paraitinga/SP em 2010 entre tantos outros. Apontada por líderes de organizações internacionais, a última década está marcada por alguns dos piores desastres naturais já registrados, e transparece que o cenário futuro está distante de ser favorável. Desde a adoção do Quadro de Ação de 2 Furacões Katrina (2005) e Sandy (2012), o grande terremoto no leste do Japão (2011), e os terremotos em Christchurch, Nova Zelândia (2010 e 2011) e no Nepal (2015). 3 A process, phenomenon or human activity that may cause loss of life, injury or other health impacts, property damage, social and economic disruption or environmental degradation. Hazards may be single, sequential or combined in their origin and effects. Each hazard is characterized by its location, intensity or magnitude, frequency and probability (UNISDR, 2017). 17 Hyogo, no ano de 2005, foram registrados mais de 3.400 desastres em todo o planeta. Terremotos, inundações, tempestades, secas, ondas de calor e outros perigos naturais resultaram em 750.000 mortes, cerca de 90% delas em países de baixa renda (ONU, 2015). Para além dessas eventualidades de ocorrências, o risco inclui seguramente a vulnerabilidade, combinada com o nível das consequências previsíveis sobre a sociedade, o ambiente e o território (CUNHA, 2013). Desde o final da década de 1990, a concentração da população em grandes metrópoles ocasionou o aumento da poluição e da frequência das inundações em função da impermeabilização do solo e da canalização das drenagens. Já nos últimos anos, encara-se o efeito inverso, com o aumento da população urbana ocorrendo especialmente nas áreas periféricas, ocupando-se áreas de mananciais, com risco de inundação e de movimentos de massa devido à expansão urbana nas encostas, que são, ainda, progressivamente desmatadas para tal fim. O processo de urbanização, juntamente com a impermeabilização do solo, retificação e assentamento em cursos de água e encostas, contribuiu para o aumento do impacto de inundações, enchentes e vários outros processos advindos da ação antrópica que levam ao risco ambiental. Deste modo, as modificações progressivas da ação do ser humano sobre o meio ambiente, muitas vezes mal planejadas e mal executadas, fazem com que a população fique frequentemente exposta a situações de risco. O termo “risco” tem sido um tema bastante debatido na comunidade científica nacional e internacional, tanto em termos conceituais, devido a sua polissemia, quanto em relação aos melhores métodos de avaliação (CUTTER, 2003; ALVES, 2006; UNISDR, 2015; MENDES, 2011a), e pela problematização das componentes que configuram o próprio risco. O risco é uma relação dualista entre a perigosidade e a vulnerabilidade, sendo assim, no momento em que há exposição à manifestação de um fenômeno perigoso, é preciso que a sociedade consiga se recuperar, ou seja, que tenha enfrentamento, resistência e resiliência (TELES & CUNHA, 2016). A identificação e a caracterização da população residente em áreas de risco fornecem informações geográficas fundamentais para subsidiar ações de redução de danos humanos, ambientais, sociais e econômicos. Fato é que a magnitude de um desastre está relacionada com os fenômenos sociais, econômicos e demográficos, entre outros, que contribuem para aumentar a vulnerabilidade e exposição da população a esses eventos (IBGE, 2018). 18 Ocorreram no Brasil, “entre 1940 e 1990, 1.161 eventos catastróficos, incluindo deslizamentos, corridas de lama, quedas de blocos e enchentes, com centenas de mortes nesse período, bem como perdas materiais” (GUERRA, 2011, p. 25). Soma-se nas últimas cinco décadas mais de 10,225 mortes em desastres naturais, a maioria em inundações e devido à queda de encostas (PIVETTA, 2016). No ranking mundial, o país ocupa a 123ª posição no índice dos países mais susceptíveis a cataclismos (UNISDR, 2015), visto que 85% dos desastres são causados por três tipos de ocorrências: inundações bruscas, deslizamento de terra e secas prolongadas (UNU-EHS, 2016). Em 2011, ocorreu no Brasil o maior desastre natural deste século, que culminou na morte de aproximadamente 900 pessoas e afetou mais de 300 mil na região serrana do Rio de Janeiro, além de severas perdas econômicas, da ordem de 4,8 bilhões de reais, segundo o Banco Mundial (2012). Anteriormente, várias outras tragédias ocorreram em quase todo o estado de Santa Catarina no ano de 2008, contabilizando 135 mortes, sendo um quarto delas em Ilhota, pequeno município de 12 mil habitantes que dista pouco mais de 100 km da capital Florianópolis. A partir de 2011 e 2012, o governo federal estabeleceu como base das políticas ambientais federais a Lei nº 12.608/2012, a qual integra ações de prevenção e mitigação, voltadas para a gestão de risco e resposta a desastres naturais, promovendo a fiscalização dessas para o bem do patrimônio ambiental urbano, sendo aperfeiçoada pelo Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres. Este plano foi desmembrado em quatro eixos principais: (1) mapeamento das áreas de risco, sob responsabilidade do Serviço Geológico do Brasil – CPRM; (2) estruturação do sistema de monitoramento e alerta por meio do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – CEMADEN; (3) obras estruturantes do (à época) Ministério das Cidades e (4) fortalecimento dos órgãos de defesa civil via Secretaria Nacional de Defesa Civil – SEDEC. Existe, ainda, a necessidade de defender os investimentos em redução de risco e resiliência, sendo conduzido, portanto, à agenda política, conforme articulado no Quadro de Sendai para a Redução de Riscos de Desastres4 e no uso de indicadores de Metas de 4 O Marco de Sendai (2015-2030) é um instrumento sucessor do Marco de Ação de Hyogo (2005-2015), seu objetivo reside em: prevenir e reduzir o risco de desastres existentes através da implementação de medidas econômicas, estruturais, jurídicas, sociais, de saúde, culturais, educacionais, ambientais, tecnológicas, políticas e institucionais integradas e inclusivas para a prevenção e redução a exposição a 19 Desenvolvimento Sustentável – ODS5, ambos preconizados pela ONU. Por sua vez, o retorno do investimento em atividades de resiliência está impulsionando os interesses em melhorar a qualidade dos indicadores (sociais, físicos e econômicos). Esta dissertação inscreve-se nos seguintes itens da ODS: 6 – Água e Saneamento; 10 – Redução das desigualdades; 11- Cidades e Comunidades Sustentáveis; e 13 – Ação Climática. Concentra-se particularmente na primeira prioridade de Sendai – “entender o risco de desastres” –, trabalhando a priori na escala local, apoiando as partes interessadas conforme descrito no item (b): “Incentivar o uso e o fortalecimento das linhas de base e avaliar periodicamente os desastres, riscos, vulnerabilidade, capacidade, exposição, características de perigo e seus possíveis efeitos sequenciais em escala social e espacial relevante nos ecossistemas, de acordo com as circunstâncias nacionais” (UNISDR, 2015). À custa de todos os acontecimentos citados, foram estimuladas pressões locais e globais. Ocorreu consequente apoio à iniciativas de resiliência e gerenciamento de riscos de desastres em nível local, no intuito de promover o envolvimento de comunidades potencialmente afetadas. Como exemplo prático, a comunidade técnico-científica que trata da adaptação às mudanças climáticas adotou o princípio da resiliência por meio de programas de apoio e ação, como as “cidades resilientes ao clima” (ICLEI, 2015). Em 2010, o Escritório das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres (UNISDR) iniciou sua campanha Making Cities Resilient (tornando as cidades resilientes, em tradução livre), que já conta com mais de 2570 cidades participantes em todo o globo (UNISDR 2013; 2015a, b). A Lei nº 12.608 de 10 de abril de 2012 foi criada para que os municípios sujeitos a processos geológicos potencialmente danosos incorporem os mapeamentos das áreas de riscos e com vulnerabilidades em seus Planos Diretores. Para isto institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) no âmbito local, que em articulação com a União e os Estados, em seu Art. 8º (e incisos IV e V), destaca que é competência dos riscos e vulnerabilidade a desastres, aumentar a preparação para resposta e recuperação e, assim, fortalecer a resiliência. (UNISDR, 2015). 5 Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nasceram na Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável no Rio de Janeiro em 2012. O objetivo foi produzir um conjunto de objetivos que suprisse os desafios ambientais, políticos e econômicos mais urgentes que nosso mundo enfrenta. Atualmente são 169 metas que demonstram a escala e a ambição da nova Agenda universal. Eles se constroem sobre o legado dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e concluirão o que estes não conseguiram alcançar. Eles são integrados e indivisíveis, e equilibram as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental. https://translate.googleusercontent.com/translate_f#16 https://translate.googleusercontent.com/translate_f#18 https://translate.googleusercontent.com/translate_f#18 https://translate.googleusercontent.com/translate_f#18 20 Municípios: IV - identificar e mapear as áreas de risco de desastres e V - promover a fiscalização das áreas de risco de desastre e vedar novas ocupações nessas áreas. É assim instituída a legislação que potencializa a elaboração de mapeamentos de síntese que indicam as áreas de riscos e expressam o comportamento do ambiente, segundo suas reais potencialidades e vulnerabilidades. Se aplicados, por exemplo, ao ordenamento territorial previsto nos Planos Diretores municipais, tais mapeamentos podem subsidiar pesquisas ambientais por indicar os espaços com características comuns de potencialidades, vocações, restrições, conflitos, fragilidades e suscetibilidades do território. Os resultados da análise de vulnerabilidade socioambiental à riscos hidrológicos serão de significativa relevância na construção de sistemas de identificação, observação e monitoramento do espaço urbano. Estas questões são particularmente importantes para aqueles que são susceptíveis às condições hidrometeorológicas e climáticas adversas, capazes de deflagrar os processos de inundações que produzem o risco de ocorrência de desastres, com impactos significativos para a sociedade e o ambiente. Neste sentido, compreende-se a importância do diagnóstico ambiental, através dos mapeamentos de riscos e vulnerabilidades, como avanço na direção da identificação e entendimento dos problemas e fragilidades de uma determinada região. De modo marcante, as representações cartográficas apresentam uma forma de comunicação e atuação social. Nesta perspectiva, o mapeamento e diagnóstico das áreas com potencial de risco alto e muito alto à inundações e enchentes em zonas tropicais, auxilia a busca pela precaução e preservação através de estudos no ordenamento territorial, servindo para a sustentabilidade ambiental frente aos riscos naturais, antrópicos e mistos, que englobam o meio social, cultural, econômico e patrimonial. 21 1.1 OBJETIVOS Diante do cenário apresentado, o objetivo principal desta pesquisa é a representação cartográfica das áreas quanto à vulnerabilidade socioambiental aos riscos hidrológicos, em específico as inundações, considerando a atuação dos fatores desencadeantes na área urbana do município de Bragança Paulista/SP. No intuito de obter a meta principal tornam-se objetivos específicos da pesquisa: 1. Identificar e quantificar o grau da vulnerabilidade socioambiental quanto à susceptibilidade à inundação; 2. Quantificar e qualificar os fatores sociais, ambientais, demográficos e socioeconômicos preponderantes no aumento e/ou diminuição da vulnerabilidade socioambiental; 3. Proceder a análise espacial de síntese por meio do mapeamento da vulnerabilidade socioambiental, propondo novos meios de colaboração para medidas mitigadoras ao (re)ordenamento territorial de Bragança Paulista/SP. 22 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A ciência moderna do saber geográfico é estruturada como conhecimento científico a partir do positivismo, e fundamenta-se em estudar a Terra e o ser humano. Se debruça sobre as forças de interação, suas unidades regionais, sua organização espacial e as características próprias dos elementos terrestres, sobretudo a botânica, a geomorfologia e o clima (PATTISON, 1977). Neste sentido, a Geografia Moderna busca incorporar o racionalismo científico do método proveniente das ciências da natureza (MARANDOLA JUNIOR, 2014). O racionalismo trouxe à Geografia a certeza de ser e pensar, prometendo resolver os problemas, controlar e dominar as catástrofes e os fenômenos da natureza, trazendo a segurança total. Como vemos em situações de risco associados aos eventos da natureza, a ciência é utilizada para tentar predizer o futuro, a fim de responder as demandas (e anseios) da sociedade. Essa visão do cientista permanece até hoje, como vemos em situações de risco associadas a eventos naturais. Toma-se como exemplo os cientistas associados ao IPCC (Painel Intergovernamental em Mudanças Climáticas), que no ano de 2007, anunciaram, pelas evidências da época, que há mais de 90% de probabilidade de que o aquecimento global tenha causas antropogênicas. No contexto histórico, se tem a noção de risco entre os séculos XVII e XIX, quando os Europeus exploraram novos territórios e confrontaram-se com diferentes costumes, condições climáticas e com o aparecimento de doenças que arruinaram milhares de famílias (MENDES et al., 2011a). Com a revolução industrial nos séculos XVIII – XIX, surgiu uma nova perspectiva quanto ao conceito de risco, passando a ser associado a formas de exploração, relacionadas ao elevado número de acidentes de trabalho. “Na segunda metade do séc. XX, no seguimento das duas Grandes Guerras Mundiais, o conceito de risco era associado à pobreza e à fome” (MENDES et al., 2011a, p.16). De acordo com Mendes et al. (2011a), até o século XVIII os desastres naturais eram associados a vontades divinas e ao destino. A partir do século XX se traz a racionalização contemporânea e a preocupação científica de estudar o comportamento dos sistemas naturais e humanos, devido às fatalidades causadas. A Tabela 1 agrupa as definições a partir do discurso ocidental. 23 Tabela 1. Definições de risco no discurso ocidental. Conceito Período (século) Condição Cura/Tecnologia Tropicalidade Séc. 17-19/princípio do 20 Doença Medicina Ocidental Desenvolvimento Pós II Guerra Mundial Pobreza Investimento/Ajuda ocidental Desastres Naturais Séc. 20 até a atualidade Hazard Ciência Ocidental Fonte: Bankoff (2004) in Mendes et al. (2011a). Nas últimas décadas do século XX, o conceito de risco adquiriu um status social relevante, passando a ser referência de segurança das sociedades tecnologicamente mais desenvolvidas. A partir da década de 1970, passou-se a questionar o maior número de desastres, os quais se deviam a processos físicos e de ordem natural (BANKOFF, 2004 apud MENDES et al., 2011a). O avanço das tecnologias, bem como dos meios de comunicação observados ao longo do século XX, permitiram a criação e a sistematização de dados referentes à ocorrência de desastres. Estes bancos de dados possibilitaram à humanidade meios mais precisos para a compreensão da ocorrência de desastres e, consequentemente, para a sua antecipação e enfrentamento. Assim, os estudos sobre os riscos e a vulnerabilidade possuem vital importância para o desenvolvimento de políticas e práticas de identificação, análise, prevenção e mitigação de desastres. A cartografia de vulnerabilidade, como área científica aplicada aos estudos do risco, busca um nível de diferenciação espacial apoiado em dados estatísticos de caráter social, cultural e econômico. Estes normalmente são representados a partir dos níveis de percepção sobre os modos como os processos potencialmente perigosos dos territórios se manifestam, em função tanto das características da população quanto das decisões políticas e de proteção civil (CUNHA, 2015). A ciência geográfica como ciência que busca a categorização e diferenciação espacial possui um papel de destaque nos estudos dos riscos, uma vez que a compreensão do funcionamento social de uma comunidade, assim como o espaço geográfico que ela ocupa, serão ao mesmo tempo o gatilho e o campo de manifestação dos riscos. O entendimento desses padrões auxilia na determinação da possibilidade das manifestações dos desastres e também no estabelecimento de políticas e práticas para o seu enfrentamento e o restabelecimento da normalidade. Os estudos dos riscos são permeados 24 por diferentes áreas do conhecimento, que apresentam conceitos e usos diversos das suas categorias e conceitos envolvidos. Os estudos de riscos e vulnerabilidades vêm ganhando espaço nas discussões acadêmicas, jurídicas, políticas e práticas por todo mundo. Por ser um campo científico de estudo ainda recente, cujas primeiras sistematizações, tal qual a conhecemos hoje, remonta o século XIX, possui uma diversidade muito grande de conceitos utilizados e uma limitação da sua avaliação e da sua representação espacial. Nos estudos da vulnerabilidade, as representações cartográficas divergem, entre outros aspectos, no que diz respeito a sua escala de manifestação. Como os desastres possuem naturezas diversas, podem ter tanto uma atuação mais restrita e localizada, como uma atuação mais extensiva e difusa, o que dificulta o estabelecimento preciso de sua circunscrição. Por exemplo, definir a área de influência de uma seca é uma tarefa muito mais complicada do que determinar a influência de um desmoronamento de encosta ou da inundação de um rio. Portanto, a tarefa do estabelecimento de uma escala geográfica nos estudos dos desastres pode ser dificultada. Assim, estabelecer se um estudo de risco e vulnerabilidade deve ser desenvolvido tendo em conta as escalas nacionais, regionais, municipais ou locais é um desafio sobre a disponibilidade dos dados e também sobre a manifestação do fenômeno que deve ser incluído na sua determinação, sendo as indicações mais comuns a utilização de um nível de informação que tenha uma relação e correspondência com a vida cotidiana da população em estudo. 25 2.1 Riscos A concepção de risco está ligada à situação de perigo, ameaça ou probabilidade de ações prejudiciais, estrago esperado ou não esperado. Esta intervenção pode estar relacionada à sociedade. Assim, o termo risco é associado à vulnerabilidade, resultante de fatores físicos, sociais, econômicos e ambientais de uma comunidade, a uma situação de perigo ou dano, de perdas material e humana, de origem natural ou de ação antrópica, com um conjunto de consequências incertas (Figura 4). Há diversos aspectos a se considerar quando se trata de riscos, os quais vem sendo analisados por estudiosos há séculos. Esta tradição surgiu antes da degradação ambiental planetária, bem como das discussões oriundas sobre a qualidade de vida urbana. Desde então, os estudos sobre a relação homem-meio/sociedade-natureza fez coincidir nos impactos resultantes da ação antrópica sobre um determinado espaço. Figura 4. Concepção de risco. Fonte: Mendes et al. (2011a). Determinados autores apresentam o conceito de risco como sendo o resultado da multiplicação da perigosidade pela vulnerabilidade, apresentando-se como condição dependente uma da outra, como pode ser visto na Tabela 2. 26 Tabela 2. Conceitos de risco descritos na literatura. Conceito de Risco Autor O termo risco é usado para descrever a probabilidade de consequências negativas fruto da interação entre perigosidades, comunidade e ambiente. EMA (2002) No que concerne ao risco existe uma concomitância e condicionamento mútuo entre perigosidade e vulnerabilidade. Quando uma ou duas das componentes do risco são alteradas, está-se a inferir com o risco em si. Cardona (2004) 1ª Fase (início da década de 90): Desastre = Perigosidade × Vulnerabilidade Davis (2004) 2ª Fase: Desastre = Perigosidade × Vulnerabilidade/Capacidade Risco = Perigosidade × Vulnerabilidade Wisner (2004) Risco = Perigosidade × Vulnerabilidade ONU (2004) Risco = Perigosidade × Vulnerabilidade Almeida (2005) Fonte: Mendes et al. (2011a). O conceito de risco possui inúmeros significados e acepções, sendo os seus sentidos diferenciados pelos campos do conhecimento nos quais este é aplicado. Aven e Renn (2010) realizam uma discussão bastante extensa sobre diversos conceitos do termo risco, para o qual conseguem estabelecer alguns padrões utilizados em suas definições. Em seu estudo, os autores definem 9 principais concepções do conceito de risco que se diferenciam pelos elementos e abordagens que utilizam na sua determinação (Figura 5). O primeiro grupo de definição do termo risco é mais simplista e concebe este como o resultado das expectativas das perdas pelo acontecimento de um evento inesperado. Assim, busca estabelecer o que pode ser perdido se um desastre ocorrer, centrando os seus esforços no levantamento dos elementos que podem ser danificados em virtude da ocorrência de um evento. O segundo grupo de definição do risco percebe este como a determinação da probabilidade de um evento incerto ocorrer. Enquanto o primeiro grupo de definição centra-se no que pode ser perdido, o segundo centra-se na probabilidade de algo inesperado ocorrer. O terceiro e quarto grupos possuem perspectivas bastante semelhantes, apesar de sensivelmente diferentes. Enquanto um busca o estabelecimento da incerteza, o outro busca objetivar essa incerteza. A diferença está nos meios do seu conhecimento, enquanto 27 um não coloca preocupação com sua medida, mas apenas com o conhecimento ou não de sua presença, o outro tenta realizar a sua mensuração. O quinto grupo de conceito do risco percebe este como uma função entre a possibilidade de algo ocorrer com as perdas potenciais que essa ocorrência pode gerar. Essa perspectiva passa a considerar o risco em uma análise mais complexa, fruto da interdependência entre mais de um fator. O sexto, sétimo e oitavo grupos de conceitos de risco também consideram o risco como funções entre elementos interdependentes. Nesses grupos tenta-se mensurar as chances de um evento ocorrer, seja na sua incerteza, na previsão do evento ou na determinação de um cenário, seja no grau de perdas que será observado como consequência dessa ocorrência. As bases de sua construção são a previsão e o inventário dos bens e valores que podem ser danificados. O nono, e último, grupo de conceito de risco, possui um caráter mais genérico e abrangente, e busca entender o risco como os efeitos das incertezas e imprevisibilidade de um determinado objetivo estabelecido. Figura 5. Quadro síntese dos grupos de definições de risco. Adaptado de Avenn e Renn (2010). Aven (2012) busca agrupar todas essas definições conceituais das concepções de risco de maneira a estabelecer as tendências e a cronologia de sua evolução. Como resultado desse estudo, ressalta como grupo dominante das tendências nos estudos atuais de risco, a vertente holística, composta pelos grupos de definições 5, 6, 7, 8 e 9, uma vez que estes levam em consideração aspectos mais completos da compreensão dos desastres na sua mensuração. 28 Além disso, a concepção do risco como uma função entre fatores espaciais, sociais e temporais, integrados como parte tanto da incerteza de um evento ocorrer quanto das consequências que podem ser resultantes do seu desencadeamento, consistem em um meio bastante completo e que oferece respostas suficientes para as abordagens espaciais e geográficas do risco. O International Risk Governance Council define risco como uma consequência incerta de um evento ou uma atividade em relação a algo dotado de valor humano. Neste conceito, é importante destacar a importância da inclusão dos elementos de incerteza e do fator humano. Assim, o risco pode ser sintetizado como o conhecimento dos distúrbios causados por um evento que pode afetar um indivíduo ou comunidade. O risco é, assim, algo social. O escritório para a redução de riscos de desastres (UNISDR) da Organização das Nações Unidas (ONU), por sua vez, define o risco como a probabilidade de consequências nocivas ou perdas esperadas (mortes, feridos, propriedades, meios de subsistência, atividade econômica) resultantes de interações entre processos perigosos naturais ou humanos e condições vulneráveis. Nesta definição, percebemos a inclusão de uma série de dimensões sobre a causa do risco. Nesse conceito são definidas as causas humanas às quais são atribuídos os riscos, sendo estas o ser humano em si, seja na possibilidade de perdas de vida, seja no número de pessoas afetadas, como suas posses e seus meios de sobrevivência. É evidente nesse conceito uma preocupação na salvaguarda não apenas do indivíduo ou comunidade em si, mas também das componentes de sua subsistência. A consideração tanto de perdas humanas como econômicas nas definições de risco não é uma exclusividade somente das Nações Unidas. O Center for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) também inclui em sua definição de risco esses aspectos, sendo ele definido como perdas esperadas (de vidas, pessoas feridas, propriedades danificadas e atividade econômica interrompida) devido a um processo perigoso particular para uma determinada área e período de referência. Nesse caso, são especificados quais os critérios exatos de danos necessários na determinação do risco. Outra definição de risco que foi muito utilizada e pautada na perspectiva holística é proposta por autores que entendem o risco como resultado do somatório entre os fatores 29 da perigosidade (hazard) e da vulnerabilidade (vulnerability), sendo este expresso pela equação: Risk = Hazard + Vulnerability Nessa definição de risco, percebe-se uma tentativa de quantificação do termo risco, bem como do seu desdobramento em dois elementos de compreensão: a perigosidade e a vulnerabilidade. A divisão do risco entre a perigosidade e a vulnerabilidade incute também o seu conceito dentro da perspectiva geográfica, uma vez que a variação espacial será determinante para o estabelecimento de ambos os termos sobre os quais o risco é composto. Essa mesma perspectiva de pensamento é partilhada por Wisner et al. (2004), que considera o risco como o produto entre a perigosidade e a vulnerabilidade. Assim como Willis (2007) que, em seu estudo sobre o risco de ataques terroristas, define-o como uma função entre ameaça, vulnerabilidade e consequências. Na interação desses três elementos, a contenção do risco está centrada na determinação do prejuízo esperado. Muitos outros autores concebem o risco de maneira semelhante à apresentada por Rebelo (2010), para o qual o risco consiste na interação, ainda que não numa verdadeira adição simples, de dois grupos de elementos, sendo estes a Perigosidade (Álea ou Hazard) – que, em função da sua pertinência espacial ou temporal, é formada pela Susceptibilidade e pela Probabilidade; e a Vulnerabilidade, a qual, por sua vez, também pode ser subdividida em população exposta, valores dos bens e vulnerabilidade social. A compreensão do conceito de risco por meio da utilização de subconceitos permite uma abordagem mais específica da sua utilização, a qual será lançada mão neste estudo por meio da determinação da vulnerabilidade. O conceito de perigosidade (hazard) pode ser definido como a possibilidade de um evento perigoso ocorrer, enquanto o conceito de vulnerabilidade diz respeito aos possíveis impactos que este evento pode causar ao atingir as pessoas e estas retornarem ao estado da normalidade. Já o risco corresponde à interação entre a perigosidade e a vulnerabilidade, ou seja, o resultado final quando da ocorrência de um desastre, podendo ser classificado em diferentes intensidades e se referindo a algum valor humano que pode ser bens materiais, recursos naturais ou mesmo pessoas. 30 Nota-se que o risco possui uma complexidade muito grande em função de sua ampla aplicação, tanto no que diz respeito ao seu conceito, como nos seus estudos de caso. Nesse contexto, determinados autores apresentam o conceito de risco como sendo o resultado do produto da ameaça (no mesmo sentido da perigosidade) pela vulnerabilidade, apresentando-se como condições interdependentes (DAGNINO e CARPI JÚNIOR, 2007). Nessa perspectiva, como não se trata de uma soma, mas sim de um produto, se um desses componentes chegar ao patamar nulo, anula também o risco. Por exemplo, uma área que apresenta uma comunidade muito ameaçada por processos perigosos, mas que não apresenta nenhuma vulnerabilidade, não está exposta ao risco, assim como uma população muito vulnerável que não está ameaçada também se encontra fora de risco.6 De acordo com a terminologia da UNISDR (2017), na Estratégia Internacional para a Redução de Desastres, enquanto a perigosidade determina a localização geográfica, intensidade e probabilidade de um evento ocorrer, o conceito de vulnerabilidade determina a predisposição dessa ocorrência. Entende-se por perigosidade a causa de dano ou situação que causa perda e ameaça as pessoas, sendo assim, “perigosidade será sinônimo das condições existentes que dão origem a uma situação de risco” (MENDES et al., 2011a, p.22). A vulnerabilidade, por sua vez, é um conceito complexo que impõe a necessidade da sua divisão em tipologias, sendo essas, o resultado de diversas interações. O que implica no desenvolvimento tanto de processos físicos, como da dimensão humana (sociais, econômicos e ambientais), podendo ser um fenômeno desestabilizador de origem natural ou antrópica, que vai aumentar a suscetibilidade da comunidade ao impacto dos perigos (MENDES et al., 2011a). Ao analisar a Figura 6, pode-se encontrar a intensidade de risco (alto, médio e baixo) dependente da combinação entre o nível de ameaça (eixo horizontal), e o nível de vulnerabilidade (eixo vertical). É possível notar que o risco está presente em todos os 6 Vale destacar que casos como estes são apenas teóricos, uma vez que sempre irá existir algo vulnerável ou que pode ser afetado por um processo perigoso (pessoas; bens; nem que seja o aspecto ou condição paisagística ou ambiental). O inverso também não funciona de modo tão radical, há sempre processos perigos que podem acontecer (mesmo que não haja movimentos de vertente, tremores de terra, inundações ou secas, em teoria pode sempre haver, por exemplo, o impacto de um meteorito. Por isso se diz que o risco zero não existe. Há sempre processos perigosos e há sempre contextos que podem ser afetados. 31 quadrantes, mesmo que os níveis de vulnerabilidade e de ameaça sejam baixos, aumentando na medida em que as variáveis vão se intensificando. De acordo com Dagnino e Carpi Júnior (2007), a complexa fórmula leva em conta a relação 𝑅 = 𝑓(𝐴, 𝑉), em que risco (R) é função da ameaça (A) e vulnerabilidade (V). Esta função depende do problema analisado, podendo estar relacionado a/ao: • Uso e ocupação do solo na região; • Transposição das águas; • Morfometria da bacia ou do rio; • Índice de impermeabilização; • Obras de engenharia para conter ou minimizar os riscos. Ao envolver vários fatores que podem diminuir ou aumentar o risco, ao qual o ser humano encontra-se exposto, existirá sempre uma situação de risco. O mesmo acontece com a vulnerabilidade, por ser uma condição indissociável da ocorrência do risco. Figura 6. Relação entre níveis de ameaça e de vulnerabilidade na determinação de intensidade de riscos. Fonte: Dagnino e Carpi Júnior (2007). 32 Em síntese, vimos que há várias linhas de abordagem do risco, considerado pelos autores como função ou produto (multiplicação), em que a inexistência de um dos fatores vai implicar na inexistência do risco. Cabe destacar que, soma, multiplicação ou função significam apenas que o risco depende da perigosidade (ou ameaça) e da vulnerabilidade, e que estes dois aspectos devem ser considerados na análise do risco (cartografia, análise, gestão, socorro e emergência, etc). 2.2 Vulnerabilidade O conceito de vulnerabilidade possui um sentido bem definido dentro do conhecimento científico, embora seja utilizado (e apropriado) por diferentes campos do conhecimento, estando atrelado, em termos gerais, aos estudos do risco. Sua definição, dentro do senso comum, a concebe como o lado fraco de um assunto ou questão e como o ponto por onde alguém ou algo pode ser ferido e/ou atacado. A definição da ONU para o termo vulnerabilidade considera-a como as condições determinadas por fatores ou processos físicos, sociais, econômicos e ambientais que aumentam a vulnerabilidade de uma comunidade ao impacto de ameaças. É importante notar nessa definição o caráter negativo do termo empregado, sendo, para o sentido inverso, a utilização do termo “capacidade”, concebida nessa perspectiva como os fatores positivos que auxiliam o indivíduo ou comunidade no enfrentamento da resistência e resiliência. Essa oposição aponta para uma perspectiva centrada na compensação, onde os resultados consistem em uma consideração aparentemente simplista de prós e contras, o que em termos práticos se apresenta mais complexo. Essa concepção centrada na compensação também é apontada por Wisner et al. (2004) sob a definição da vulnerabilidade pelo modelo da pressão e alívio. Nessa perspectiva, a vulnerabilidade é o resultado do conjunto de situações que a intensificam e a atenuam, sendo a situação de risco presente quando as pressões exercidas são maiores do que as condições que a aliviam. Outra definição importante do conceito de vulnerabilidade consiste naquela proposta por Cutter (2011), que considera a vulnerabilidade como a busca de uma explicação racional e experimental para definir, descrever, explicar e prever os danos – causados por eventos que podem causar prejuízos a um indivíduo, comunidade, estrutura ou objeto – e, ainda, para identificar seus pontos frágeis. 33 Segundo Cutter (2011), existem basicamente três grandes grupos de concepções do conceito de vulnerabilidade: (1) a vulnerabilidade como uma condição preexistente; (2) a vulnerabilidade como reação atenuada; e (3) a vulnerabilidade como a perigosidade dos lugares, esse último corresponde ao que antes foi definido como “ameaça” ou perigosidade. Neste sentido, o conceito de vulnerabilidade tem dois significados claros e distintos. A vulnerabilidade como condição preexistente parte do pressuposto de que a sua identificação e medida baseia-se na identificação de condições que colocam pessoas e lugares em uma situação de vulnerabilidade. Esse modelo de medida da vulnerabilidade se debruça sobre o exame das fontes de perigosidade (ou de exposição potencial a riscos) tanto para desastres biofísicos, como para desastres tecnológicos. O foco maior dos estudos nesta perspectiva está na identificação das perigosidades e na observação da ocupação humana desses locais, assim como no grau ou potencial de perdas e prejuízos associados com os riscos identificados. Para os pesquisadores desta linha da vulnerabilidade, os conceitos-chave para seu entendimento encontram-se na identificação da magnitude, da duração, dos impactos, da frequência e rapidez que caracterizam a exposição de uma comunidade ou indivíduo em risco. Como essa perspectiva leva em consideração a distância das fontes de perigosidade ou risco, Cutter (1996) entende que os processos sociais e históricos dos indivíduos ou comunidades aí localizadas são homogêneos e que não vão interferir na capacidade de enfrentamento e recuperação dos desastres. Outra linha de concepção da vulnerabilidade consiste na compreensão da vulnerabilidade como reação atenuada. Essa linha de pesquisa na área dos riscos e vulnerabilidade foca na capacidade de resposta, incluindo a resistência social e a resiliência ao risco. Neste entendimento, a natureza de um evento perigoso ou as condições que comumente o desencadeiam devem ser consideradas de um ponto de vista resultante de uma construção social e não de uma condição biofísica. Alguns tipos de desastres (como secas e fome) não estão ligados apenas às condições naturais, mas possuem raízes históricas, sociais, culturais e econômicas que impedem o indivíduo ou comunidade de responder adequadamente aos desastres quando a eles estão expostos. Esta concepção da vulnerabilidade reconhece também a importância das diferenças sociais na capacidade de recuperação e resposta aos desastres, mas possui um caráter sociológico mais acentuado e não dá a devida importância à ocupação ou distribuição 34 espacial desses processos, ou seja, não considera as diferenças socioeconômicas que condicionam a localização dos diferentes estratos sociais no espaço, justificando a sua ocupação mais perto ou mais longe de possíveis fontes de risco. O terceiro modelo de concepção da vulnerabilidade exposto por Cutter (1996) é conhecido como vulnerabilidade dos lugares e consiste na integração entre os dois modelos predecessores em uma concepção mais interligada e geográfica da vulnerabilidade, centrada na relação entre a sociedade e o ambiente. Assim, a vulnerabilidade é concebida como o conjunto de processos de natureza ambiental (como os riscos biofísicos) e de natureza humana (como as estruturas sociais e econômicas) capazes de auxiliar as comunidades e indivíduos na resposta aos desastres aos quais estão expostos7. O resultado pode estar vinculado tanto ao espaço geográfico onde as pessoas e locais vulneráveis estão localizados, como ao espaço social onde se encontram os locais com maior vulnerabilidade. Os estudos de Cutter apontam para a importância da compreensão geográfica nos estudos do risco, entendendo que as relações entre sociedade e natureza são indissociáveis, e assim, o envolvimento desses dois componentes são importantes para a compreensão sistêmica da questão. Outras perspectivas da vulnerabilidade acabam por ignorar o fator social e se debruçar sobre políticas ou infraestruturas que são domínios mais explorados pelas áreas de gestão e engenharias, ou então outras perspectivas que levam em conta somente o fator social e desconsideram em como a distribuição espacial da sociedade em questão é colocada e pode interferir nos estudos do risco. Cutter (2003) propõe a técnica estatística da Análise Fatorial Exploratória (AFE) como meio de identificar variáveis de interesse para a determinação da vulnerabilidade. Esses procedimentos estatísticos permitem organizar e identificar fatores, que por sua vez, explicam as dimensões da vulnerabilidade proposta. Essas técnicas possuem ampla aplicação e já foram reproduzidas por estudos posteriores (SCHMIDTLEIN et al., 2008; CUNHA et al., 2011; MENDES et al., 2011b; CUNHA; LEAL, 2012; FREITAS; RAMOS; CUNHA, 2013; BORTOLETTO et al., 2014; FREITAS; ZUCHERATO, 2015) em diversos locais incluindo áreas nos EUA, Brasil e Portugal. 7 Neste caso, Vulnerabilidade dos lugares é igual a Risco. 35 2.3 Abordagens Metodológicas e Indicadores de Risco, Vulnerabilidade e Resiliência a Desastres Em busca de uma visão geral dos conceitos e métodos abordados, neste item procurou-se expandir o conjunto existente de indicadores de risco, resiliência e vulnerabilidade a desastres, averiguando as contribuições e práticas das áreas de implementação dos índices e das variáveis postas em prática em nível amplo na literatura existente. Uma atenção cada vez maior está sendo dada às questões de vulnerabilidade, capacidade e resiliência no gerenciamento de desastres. Desde então, um crescente corpus de literatura vem procurando expandir essa compreensão teórica e de como medi-la empiricamente. Foi identificada na literatura uma variedade de práticas de construção de indicadores compostos de risco, vulnerabilidade e resiliência, sendo o uso de índices hierárquicos ou dedutivos os mais comuns (BECCARI, 2016) Desde que Briguglio (1995) publicou um índice examinando as vulnerabilidades econômicas a desastres dos pequenos estados insulares, em 1995, e a publicação de Cutter (2003) sobre o desenvolvimento de um índice denominado Índice de Vulnerabilidade Social (SoVI), houve um aumento expressivo no número de metodologias para medir o aspecto do risco de desastre, vulnerabilidade ou resiliência (BECCARI, 2016). As publicações nessa temática se ampliaram na década de 2000. No entanto, desde 2010 houve um aumento mais significativo com cerca de dois terços das metodologias de indicadores desenvolvidas. Na Figura 7 é possível observar o crescimento no número de metodologias de novos índices de risco de desastre, vulnerabilidade e resiliência, publicados em cada ano. 36 Figura 7. Crescimento no número de metodologias no mundo após o indice publicado por Briguglio (1995). Em cada ano o número de novos indicadores compostos de risco de desastre, vulnerabilidade e resiliência implementados. Fonte: Beccari (2016). Apesar dos desafios e limitações identificados pelos autores para determinar o estado atual da prática no desenvolvimento de indicadores para o estudo do risco de desastres, vulnerabilidade e resiliência, uma compreensão mais ampla de como os indicadores estão sendo construídos e as variáveis que estão sendo usadas é de grande utilidade para aqueles que estão construindo esses índices e para toda comunidade que estuda a temática. Assim, identificam-se práticas comuns e lacunas presentes, além da amplitude da prática e contribuição para os formuladores de políticas públicas, adequando-as suas necessidades. De acordo com Beccari (2016), são apresentados diversos autores que procuram comparar vários indicadores relacionados ao estudo de desastres. [...] Da Silva and Morera included seven frameworks related to disasters in their examination of 24 composite indicator frameworks relevant to different aspects of seven frameworks related to disasters in their examination of 24 composite indicator frameworks relevant to different aspects of urban performance. Khazai’s VuWiki has indexed about 55 methodologies but undertaken little in the way of comparative urban performance. Khazai’s VuWiki has indexed about 55 methodologies but undertaken little in the way of comparative analysis, the prime focus being the development of an ontology of vulnerability frameworks. The EMBRACE project covered analysis, the prime focus being the development of an ontology of vulnerability frameworks. The EMBRACE project covered 32 frameworks 37 including ecological, sociological, psychological, critical infrastructure and organisational resilience. Balica 32 frameworks including ecological, sociological, psychological, critical infrastructure and organisational resilience. Balica examined 10 diverse indicator methodologies with a focus on natural hazards. Schauser et al. examined 26 threat-specific examined 10 diverse indicator methodologies with a focus on natural hazards. Schauser et al. examined 26 threat-specific indicator methodologies related to climate change. Gall compared four popular social vulnerability indices in a detailed indicator methodologies related to climate change. Gall compared four popular social vulnerability indices in a detailed dissertation. Birkmann examined three global and one local risk and vulnerability indicators to better understand the relevance dissertation. Birkmann examined three global and one local risk and vulnerability indicators to better understand the relevance of scale. In the earliest relevant review Pelling examined tools for the measurement of urban vulnerability and risk. (BECCARI, 2016, p. 2). Beccari (2016) explica que as variáveis estatísticas utilizadas pelos especialistas vieram de conjuntos de dados estatísticos existentes e foram combinados por simples adição com pesos iguais. Foram utilizadas entre 2 a 235 variáveis, embora dois terços das metodologias usassem menos de 40 variáveis (Tabela 3). De acordo com as 106 combinações de dados, conforme a disponibilidade de informação e o objetivo geral e específico dos trabalhos consultados pelo autor, foram utilizadas 2298 variáveis únicas, sendo as mais utilizadas variáveis estatísticas comuns, como densidade populacional e taxa de desemprego. Tabela 3. Variáveis mais usadas em todas as metodologias, segundo Beccari (2016). A Figura 8 ilustra a hierarquia de classificação e a frequência de uso de diferentes 8 O Índice de Gini é um instrumento para medir o grau de concentração de renda. Varia de 0 a 1. Em que 0 representa a situação de igualdade e 1 representa que uma só pessoa detém toda a riqueza. Nome variável Número de metodologias Densidade populacional 33 Taxa de desemprego 31 População 65 anos e mais velha 19 Produto Interno Bruto (PIB) per capita 19 Percentual de população feminina 18 Médicos por População 16 Taxa de alfabetização 15 População total 14 Camas em Hospitais por População 14 Percentual de indivíduos abaixo da linha de pobreza 12 Índice GINI8 12 38 conceitos em diferentes metodologias, bem como a composição de cada metodologia, as quais foram analisadas e agrupadas em subindicadores, indicadores, categorias e ambientes com base nos fenômenos mensurados por cada variável. Figura 8. Esquema usado para classificar variáveis nas metodologias de indicadores compostos. Modificado de Beccari (2016). Foi constatado pelo levantamento que, em média, 34% das variáveis utilizadas em cada agrupamento relacionam-se ao meio social, 25% ao ambiente de desastre, 20% para o ambiente econômico, 13% para o ambiente construído, 6% para o ambiente natural e 3% para outros índices. Entretanto, as variáveis que medem especificamente a ação para mitigar ou se preparar para os desastres são apenas 12%, em média, do número total de variáveis em cada índice. Apenas 19% das metodologias empregaram qualquer análise de sensibilidade ou incerteza e em apenas um único caso foi abrangente. 39 No trabalho de Beccari (2016) com a hierarquia de classificação mostrada na Figura 8, as variáveis foram agrupadas em 334 sub-indicadores, uma média de 6,9 variáveis por sub-indicador. Os sub-indicadores mais comuns foram fortemente influenciados pelas variáveis mais comuns, com alguns sub-indicadores, como o “Acesso à água doméstica” aparecendo apesar de não ter variáveis componentes. O número de metodologias que incluíam variáveis de cada uma das categorias é mostrado na Tabela 4. Isso demonstra que a maioria das metodologias incluía alguma medida de demografia, educação e saúde, com índices existentes e medição de aspectos do governo e do meio ambiente. Esse panorama evidencia a multiplicidade de variáveis utilizadas na composição de índices de vulnerabilidade. Por um lado, é necessário que exista uma organização dessas variáveis e que elas estejam disponíveis para a escala na qual o estudo se propõe, e por outro, é necessário que elas possuam uma utilidade e que reflitam em algum nível as dimensões envolvidas na mensuração da vulnerabilidade. Tabela 4. Número de metodologias usando variáveis em cada uma das 15 categorias, adaptado de Beccari (2016). Categoria Número de metodologias Demografia 87 Educação 67 Saúde 64 Serviços e Infraestrutura 61 Economia 59 Perigos e Impactos em Desastres 59 Mercado de trabalho 47 Meios de subsistência 47 Habitação e Ativos Domésticos 47 Resiliência a Desastres 41 Sociedade civil 39 Geografia 37 Meio Ambiente 28 Governo 24 Índices 21 A Análise de Componentes Principais (ACP) é o método de ponderação estatístico 40 mais popular, utilizado em 17 formas diferentes e tipicamente implementado usando o procedimento desenvolvido para o Índice de Vulnerabilidade Social de Cutter (2003). A partir dessa revisão, nota-se uma ampla gama de práticas no desenvolvimento de indicadores para a medição do risco de desastres, vulnerabilidade e resiliência em nível global e local e em muitos países diferentes. Existe uma diversidade substancial na literatura, com uma variedade de abordagens na seleção de variáveis, métodos de coleta de dados, métodos de normalização, métodos de ponderação, abordagens de agregação e variáveis usadas. No entanto, a prática atual tem duas limitações principais que podem restringir seu uso, ou potencialmente levar a decisões erradas: o baixo emprego de medidas diretas de resiliência a desastres e a pouca utilização de análise de sensibilidade e incertezas (BECCARI, 2016). 41 3. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO A Região Administrativa do Lavapés (Figura 9), recorte espacial desta dissertação de mestrado, está inserida no município de Bragança Paulista (SP). Esta macrozona abrange toda a área urbana da cidade, base deste estudo de vulnerabilidade, e localiza-se a uma latitude 22º54 sul e a uma longitude 46º43 oeste, a uma altitude de 817 metros. A área possui 104,5 km² e apresenta como principal curso d’água o Ribeirão do Lavapés, que corta a cidade no sentido norte-sul. A área total do município é de 513,59 km², dos quais 12.075 ha na área urbana e 37.924 ha na área rural. Segundo dados do IBGE (2018), Bragança Paulista soma 166.753 habitantes e sua densidade demográfica é de 324,68 hab/km². Figura 9. Localização da Região Administrativa do Lavapés, Bragança Paulista/SP. Fonte: Elaboração da autora, 2020. Como a grande maioria dos cursos d’água que atravessam os municípios brasileiros, o Ribeirão do Lavapés sofre impactos com a ocupação do solo urbano em seu entorno, a área de várzea. Destaca-se aqui a sobrecarga da infraestrutura de drenagem urbana e de serviços de saneamento, principalmente após a década de 1980, período em que muitos investimentos no setor foram drasticamente reduzidos. 42 O município de Bragança Paulista foi fundado em 15 de dezembro de 1763, com o título de Estância Climática. Está situado na porção leste do Estado de São Paulo, 88 km ao norte da capital do Estado e próximo à divisa com o Estado de Minas Gerais, limitando-se com os municípios de Pinhalzinho e Pedra Bela ao norte, Atibaia ao sul, Piracaia e Vargem a leste e Tuiuti, Morungaba, Itatiba e Jarinu a oeste. É conhecido como Cidade Poesia, título conquistado pelas colinas, igrejas, praças, jardins e por seu cartão postal, a Lagoa do Taboão. Está inserido em uma região do estado com intensa atividade econômica na agropecuária e indústria, em área de influência direta das Regiões Metropolitanas de Campinas (RMC) e de São Paulo (RMSP). Situada geograficamente na porção sudoeste da Serra da Mantiqueira, Bragança Paulista conserva características de relevos acidentados, com áreas planálticas e montanhosas, em geral de rochas graníticas e xistos, e possui um quadro bastante complexo da rede hidrográfica e com zonas de cisalhamento que podem alterar sua resistência (GAMEIRO, 2008). Hidrograficamente, a região está inserida na Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – PCJ, e abriga áreas verdes consideráveis, as quais são importantes áreas de conservação, preservação da vegetação, fauna e estrutura local. Bragança Paulista sofre uma série de problemas socioeconômicos e ambientais. Dentre estes problemas, encontra-se o a frequência das enchentes devido à excessiva cobertura de áreas impermeabilizadas, pois grande volume de água que antes era infiltrada no solo passa agora a compor o volume que escoa superficialmente. A economia do município (Tabela 5) tem por base o trinômio: agricultura, pecuária e indústria. Também é forte no comércio e no setor de serviços. Atualmente, a Rodovia Fernão Dias (BR–381) constitui a principal estrutura rodoviária que passa pelo município. A importância desta rodovia se justifica pela sua função de interligação da capital paulista com o estado de Minas Gerais e sua capital Belo Horizonte. A partir da caracterização da área, busca-se reconhecer suas particularidades e potencialidades acerca do ambiente e do seu processo histórico atual, como indicadores do agravamento destes eventos. Por ser uma área bastante complexa do ponto de vista geomorfológico, apresenta potencial risco de inundações devido aos processos desestabilizadores de terreno e das edificações. 43 Tabela 5. Atividades econômicas em Bragança Paulista/SP. Fonte: IBGE (2011). 3.1. Geologia Do ponto de vista geológico regional, a área estudada situa-se na Província da Mantiqueira – Setor Central, que se estende ao longo da costa atlântica do Brasil, desde o paralelo 20°S, em Vitória, Espírito Santo, até o paralelo 26° 30’S, em Santa Catarina. Esse setor é constituído por várias unidades litológicas e litoestratigráficas cujas idades vão desde o Arqueano (3.8-2.5 Ga) até o Recente, com predomínio das rochas pré- cambrianas. Conforme pode ser observado na Figura 10, a maior parte do município de Bragança Paulista encontra-se inserida na unidade Complexo Granitóide Socorro, de idade neoproterozóica (ca. 700-600 Ma). O embasamento cristalino é constituído por rochas metamórficas do Grupo Itapira, do Paleoproterozóico (2.5-2.0 Ga). As rochas granitóides são muito comuns nessa região e constituem corpos intrusivos de diversos tamanhos, desde stocks a batólitos, portadores de composição e textura variadas. Na área estudada ocorrem as associações magmáticas Socorro I, Socorro II, Nazaré Paulista e Piracaia. Variável Bragança Paulista PIB ($) São Paulo PIB ($) Brasil PIB ($) Agropecuária 0,4 % 11.265.005 105.163.000 Indústria 0,6 % 193.980.716 539.315.998 Serviços 0,5 % 406.723.721 1.197.774.001 Total 0,6 % 611.969.442 1.842.252.999 44 Figura 10. Mapa geológico de Bragança Paulista/SP. Fonte: BISTRICHI, 2001. A região apresenta como embasamento rochas metamórficas do Complexo Piracaia, de idade paleo a mesoproterozóica. As rochas graníticas fazem parte da Suíte Bragança Paulista. O Complexo Socorro ocorre de maneira localizada no município. Secundariamente, existem depósitos sedimentares terciários (40-30 Ma), na forma de ocorrências restritas, como por exemplo, o de Tanque e os verificados na área urbana central do município (Lago do Taboão), e depósitos aluvionares recentes, ao longo das drenagens atuais, como por exemplo, dos rios Jaguari e Jacareí. Do ponto de vista 45 estrutural, verifica-se a presença da Zona de Cisalhamento Senador Amaral, bem como de inúmeras falhas de direções NE-SW a ela associadas. 3.2. Geomorfologia O município está inserido no Planalto Atlântico, apresenta o relevo bastante movimentado, desenvolvido, principalmente, em rochas metamórficas e ígneas de idades arqueana e proterozóica. Observam-se também relevos convexos e suavizados, na forma de morrotes e colinas, instalados sobre rochas pré-cambrianas e cenozóicas. Pires Neto (1991) identificou 19 tipos diferentes de relevo, no Planalto Atlântico, de acordo com suas amplitudes, conforme pode ser observado na Tabela 6. No município de Bragança Paulista, Bistrichi (2001) identificou os seguintes tipos de relevo: Planícies fluviais (Pf); Terraços fluviais (Tf); Colinas pequenas (Cp); Colinas e Morrotes (CMT); Morrotes (MT); Morrotes dissecados (MTd), Morros dissecados (Md), Morrotes e Morros (MTM); Morros angulosos (Ma), Morros e Montanhas (MMH) e Escarpas (E). A distribuição, em área, dessas formas de relevo pode ser observada na Figura 11. 46 Tabela 6. Características morfométricas e substrato rochoso dos principais tipos de relevo, por Pires Neto (1996), modificado por Bistrichi (2001). 47 Figura 11. Mapa geomorfológico de Bragança Paulista/SP. Fonte: BISTRICHI, 2001. 3.3. Pedologia Os solos presentes no município de Bragança Paulista são lateríticos e têm sua origem em processos sob a influência de clima tropical e/ou subtropical, relativamente quente e com precipitações abundantes, nos quais são fortes a lixiviação dos elementos solúveis e a concentração de ferro e alumínio. Os solos mais comuns são os latossolos e os podzólicos, em geral ocorrendo em associações (Figura 12). Os primeiros ocupam as porções mais planas e amplas de cimeira, enquanto os podzólicos são mais largamente 48 distribuídos, com desenvolvimento muito variado, em topos convexos mais aguçados e nas vertentes (BISTRICHI, 2001). Solos pouco desenvolvidos também são encontrados, tais como cambissolos e litólitos, presentes em formas e feições peculiares do relevo propícias ao seu desenvolvimento, tais como vertentes com declividade forte e rupturas de declive. Ocorrem, ainda, solos hidromórficos associados a relevos de baixa declividade e mal drenados (BISTRICHI, 2001). Figura 12. Mapa Pedológico de Bragança Paulista. Fonte: IAC (1999). 49 3.4. Clima De acordo com Nimer (1971), a posição geográfica da região sudeste do Brasil, nas proximidades do trópico, lhe confere forte radiação solar e uma posição de transição entre duas grandes regiões dominadas por climas muito diferentes: o Sul, controlado especialmente pelas massas de ar de origem polar, e o Nordeste, controlado climaticamente pelas massas de ar provenientes da Zona de Convergência Intertropical e pela poderosa zona de influência dos ventos alísios, por sua vez impulsionados pelo Anticiclone Móvel do Atlântico Sul. O município de Bragança Paulista, devido à sua topografia e conexão com o setor oeste da Serra da Mantiqueira, está inserido em uma zona climática mais fria e relativamente úmida. Esta região está na área geográfica caracterizada por duas isolinhas importantes, as isolinhas de 30 dias e de 60 dias secos por ano, que delimitam as antigas áreas de ocorrência das Florestas Ombrófila Densa e a Estacional Semidecidual. A precipitação média anual da região estudada varia entre 1.300 e 1.500 mm por ano, e, como a maioria das localidades da região sudeste, a precipitação se concentra principalmente nos meses de outubro a março (NIMER, 1971; CIIAGRO, 2011). 3.5. Hidrografia A região é abastada em riachos, córregos e nascentes, formando 11 microbacias: ao Norte, as microbacias das Araras e do Morro do Agudo; a Oeste, as do Campo Novo, Barreiro, e Biriçá; ao Sul, as da Bocaina e Boa Vista; a Leste, as do Menin, Água Comprida e Sete Pontes; e no centro do município, a microbacia do Lavapés. De acordo com a Sabesp – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, os maiores cursos d’água são representados pelos rios Jaguari e Jacareí, que foram represados no final da década de 1970 e hoje compõem o Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de cerca de 60% da Região Metropolitana de São Paulo (SABESP, 1999). O reservatório, também conhecido como Represa da Sabesp, com 50 km² de área inundada e 2,5 bilhões de metros cúbicos de água, abrange os municípios de Bragança Paulista, Vargem, Piracaia e Joanópolis. O Sistema Cantareira é um dos maiores do mundo. Seus represamentos estão situados em diferentes níveis e são interligados de tal maneira que, desde o Jaguari e o 50 Jacareí, as águas passam, por gravidade, pelas represas dos rios Cachoeira, Atibainha e Juqueri, e chegam à Estação Elevatória de Santa Inês, onde todo o volume produzido é bombeado para a represa de Águas Claras, construída no alto da Serra da Cantareira. Desta represa as águas passam, por gravidade, para a Estação de Tratamento de Água (ETA) Guaraú, que dá vazão a 33 mil litros de água potável por segundo. As barragens dos rios Jaguari e Jacareí dão origem à maior e mais distante represa do Sistema Cantareira. Localizada a uma altitude de 844 metros acima do nível do mar, ela contribui para a vazão do sistema, com 22 mil litros de água por segundo (SABESP, 1999). A partir das cabeceiras da bacia hidrográfica do rio Jaguari, localizadas no sul de Minas Gerais, as águas são transferidas tanto para a estação de tratamento Guaraú, como para a bacia do rio Piracicaba. Portanto, a proteção dos mananciais do Sistema Cantareira diz respeito, diretamente, à vida de duas importantes regiões paulistas: Campinas e Região Metropolitana de São Paulo, que somam mais de 20 milhões de pessoas. Figura 13. Mapa Hidrográfico de Bragança Paulista. Adaptado de www.comitepcj.gov.br. O município de Bragança Paulista está localizado na Bacia do Paraná, na Sub- Bacia Hidrográfica do Rio Jaguari (Figura 13), afluente do Rio Piracicaba, e encontra-se em sua maior parte (cerca de 70%), incluindo toda a área urbana do mesmo, dentro da 51 sub-bacia do Rio Jaguari. O Rio Jaguari atravessa a cidade, e a área urbana do município apresenta alguns de seus afluentes, sendo os principais o Ribeirão do Lavapés (foco deste estudo) e o Córrego do Toró. Bragança Paulista possui também alguns lagos artificiais como o Lago do Taboão, apontado como o cartão postal do município, com pista de cooper, campo de futebol, quadra de vôlei, pista de skate, ciclovia e playground; o Lago do Orfeu, no Jardim Europa, com pista de cooper, playground e um bosque; o Lago dos Padres, situado no início da Avenida Norte-Sul, conserva uma área verde e fazia parte da Fazenda dos Padres Agostinianos, e o Lago do Tanque do Moinho, localizado na região Centro-Norte do município. Bragança Paulista possui uma queda d’água que faz parte da Usina Dr. Tosta, construída no início do século passado, para fornecer energia elétrica à indústria de tecidos Santa Basilissa. Localiza-se a 12 km do centro da cidade, pela rodovia Benevenuto Moretto, que liga Bragança Paulista à cidade de Amparo (SONSIN, 2003). A Tabela 7 apresenta os dados gerais para caracterização do município de Bragança Paulista. 52 Tabela 7. Dados gerais do município de Bragança Paulista (PMBP, 2012). 3.6. Áreas Permeáveis As áreas permeáveis de ocupação urbana foram escolhidas pela sua localização territorial e topografia adequada, além da viabilidade social e econômica para a implantação de alterações para obras de macrodrenagem, com terrenos não ocupados, áreas públicas e áreas de preservação, capazes de serem utilizadas hidricamente para obras de macrodrenagem. A Tabela 8 apresenta uma lista de áreas permeáveis passíveis de serem utilizadas para readequação do sistema de drenagem do município. 53 Tabela 8. Áreas permeáveis do município de Bragança Paulista. Fonte: Prefeitura de Municipal de Bragança Paulista (PMBP, 2012). A Figura 14 apresenta um panorama das áreas permeáveis existentes junto à mancha urbana do município. A numeração existente na Figura 14 é relativa à numeração das áreas permeáveis apresentadas na Tabela 8. Figura 14. Identificação das áreas permeáveis junto à mancha urbana. 54 3.7. Demografia Neste item são apresentados os movimentos demográficos e socioeconômicos no município de Bragança Paulista ao longo do tempo. Os dados que fomentam a análise são dos censos demográficos, no período de 1920 a 2000, e da contagem da população em 1996 e 2007, do IBGE (2011). As tabelas a seguir apresentam dados populacionais do município, estatísticas vitais, condições de vida, e informações sobre emprego e rendimento, segundo a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE (2011). Tabela 9. População urbana e rural e evolução do grau de urbanização do município de Bragança Paulista, de 1970 até o ano de 2018. Fonte: Censos demográficos do IBGE. Tabela 10. Evolução populacional do município de Bragança Paulista segundo a projeção da Fundação SEADE. Fonte: SEADE, 2011. Ano População Urbana População Rural Grau de Urbanização 1970 41.386 22.290 65,0% 1980 62.651 21.399 74,5% 1991 92.409 16.571 84,8% 2000 111.091 13.940 88,9% 2010 142.255 4.489 96,9% 2018 166.753 3.192 98,0% Ano População Total (hab.) 2015 156.241 2020 163.980 2025 170.383 2030 174.665 55 Tabela 11. Dados populacionais do município de Bragança Paulista. Fonte: SEADE, 2011. Tabela 12. Estatísticas vitais do município de Bragança Paulista. Fonte: SEADE, 2011. Tabela 13. Condições de vida e renda do município de Bragança Paulista. Fonte: SEADE, 2011. Tabela 14. Habitação e infraestrutura do município de Bragança Paulista. 56 Fonte: SEADE, 2011. Tabela 15. Emprego e rendimento do município de Bragança Paulista. Fonte: SEADE, 2011. Tabela 16. Economia do município de Bragança Paulista. Fonte: SEAADE, 2011. 57 Tabela 17. Educação do município de Bragança Paulista. Fonte: SEADE, 2011. 3.8. Expansão urbana Para o melhor entendimento da dinâmica atual do território estudado, faz-se necessário abordar o processo de formação de Bragança Paulista e seus condicionantes de expansão da malha urbana pontuando os aspectos gerais de desenvolvimento (econômico, social e político), analisando sua arquitetura em cada época. Bragança Paulista foi fundada em 1763, data referente à edificação da capela de Nossa Senhora da Conceição. Primeiramente chamada de Conceição de Jaguari, era freguesia de Atibaia. Em 1797 conquistava sua emancipação, com a nova designação “Vila de Nova Bragança”. Em 1856 foi elevada a cidade e em 1859 criou-se a Comarca de Bragança, a qual abrangia outros municípios da região. Durante o século XIX ocorreram vários desmembramentos de outros distritos da cidade. A atual denominação de Bragança Paulista somente viria a ocorrer em abril de 1944. Durante o período de 1884 a 1967, datas referentes à inauguração e à desativação da Estrada de Ferro Bragantina, respectivamente, a ferrovia representou um dos importantes condicionantes de crescimento do município nesta época, marcando notavelmente sua paisagem. Sobre o crescimento físico da cidade, este período abarca desde sua ocupação inicial e expansão pelo espigão principal à ocupação dos vales e encostas vizinhas, atravessando os dois principais ribeirões que a margeiam (o Ribeirão Lavapés e o Toró), tendo sempre como destaque a ferrovia que seguia pelo Vale do Lavapés, condicionante da sua expansão. Inserem-se também nesta época as implantações iniciais de infraestrutura (água, esgoto e eletricidade), do final do século XIX e início do XX (ISHIZU, 2009). No primeiro momento, temos o auge do café, da ferrovia a expansão inicial da cidade dentro do espigão e implantação inicial das redes de água, esgoto e energia elétrica. Posteriormente, seguiram-se a expansão da malha ferroviária, a decadência do café e a ocupação urbana nas encostas vizinhas com ainda pouca travessia para além da 58 linha do trem. E, finalmente, surgiram novos rumos para a economia da cidade, os problemas na infraestrutura, a arquitetura com referência moderna, e a explosão de loteamentos abertos ocupando grande área na zona norte, que ultrapassava a estrada de ferro que logo seria desativada. O município de Bragança Paulista apresenta, conforme o Plano Diretor Municipal, 13 zonas homogêneas de ocupação do solo. Dentre estas, 9 possuem características urbanas, cada qual com um diferente nível de urbanização. A mancha urbana do município, bem como sua expansão, é de grande importância em projetos de drenagem urbana, visto que a urbanização e a consequente impermeabilização do solo alteram a capacidade do mesmo em reter a água pluvial, aumentando o escoamento superficial, alterando as condições de drenagem e consequentemente gerando perturbações. A partir de vistas aéreas e visitas técnicas na área urbana do município, é constatado que além da região central, os bairros residenciais mais próximos ao centro e alguns periféricos já apresentam urbanização plena, gerando assim uma mancha urbana consolidada, porém, com especificidades de infraestrutura bem distintas. 3.9. Legislação Aqui são descritas as principais leis que tangem as obras de drenagem urbana para o município de Bragança Paulista. Com relação às políticas de gestão e ordenamento do território, novos elementos foram incorporados à Lei nº 6.766/1979, relativa ao parcelamento do Solo Urbano, e à Lei nº 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, que passam a observar, entre outros: a) a incorporação da redução de riscos de desastres; b) a criação de cidades resilientes; c) a extinção da ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de riscos; d) a conservação e proteção da vegetação nativa, dos recursos hídricos, da vida humana e da moradia em local seguro; e) o mapeamento de áreas susceptíveis a riscos geo-hidrológicos de alto/muito alto grau; f) o plano de contingência de proteção e defesa civil; e g) a criação de órgão municipal de proteção e defesa civil. A Lei nº 9394/1996 institui a inclusão dos princípios de proteção e defesa civil e educação ambiental na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Lei nº 9.394/1996). 59 3.9.1. Plano Diretor do Município de Bragança Paulista O Plano Diretor é um instrumento de política de desenvolvimento social, cultural, econômico, ambiental e de planejamento territorial, aplicável a todo o território do município e referência obrigatória para os agentes públicos e privados que nele atuam (Art. 2º). O Plano Diretor foi instituído pela Lei Complementar nº 534/2007 de 16 de Abril de 2007, e zoneia o município em 12 zonas homogêneas em relação às características de ocupação e utilização do solo: Macrozona Urbana (MUR), Macrozona de Expansão Urbana (MEU), Macrozona de Interesse Social (MIS), destaque especial para estas três primeiras macrozonas citadas, pois são as que compõem toda a área de estudo. Macrozona de Expansão Urbana Controlada (MEC), Macrozona de Expansão Econômica (MEE), Macrozona de Expansão Industrial (MIE), Macrozona de Expansão Industrial Especial (MIN), já estas últimas citadas compõem uma pequena parte dentro da área de estudo. E por fim, Macrozona Rural (MRU), Macrozona Rural Urbanizável (MRR), Macrozona de Proteção Ambiental (MPA) e Macrozona de Proteção Permanente (MPP), Macrozona de Contenção de Urbanização (MCU e MCU2). A Figura 15 apresenta o macrozoneamento do município, de acordo com o Plano Diretor. Em relação à drenagem urbana, o Plano Diretor cita no Artigo 91º que “são elementos referenciais para o saneamento ambiental, de modo a melhorar as condições de vida da população no município e impedir a degradação dos seus recursos naturais, os seguintes sistemas”, destacado no Item III “Sistemas de Drenagem Urbana”. Neste mesmo sentido, o zoneamento urbano e a previsão de crescimento da mancha urbana são de fundamental importância para o planejamento e dimensionamento do sistema de drenagem urban