Unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Filosofia e Ciências Câmpus de Marília – SP ROSAMARIA CRIS SILVESTRE FLUXO DE ENCAMINHAMENTO DOS ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: DO PRESCRITO AO VIVENCIADO Marília – SP 2019 ROSAMARIA CRIS SILVESTRE FLUXO DE ENCAMINHAMENTO DOS ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: DO PRESCRITO AO VIVENCIADO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Marília, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Anna Augusta Sampaio de Oliveira Marília – SP 2019 Silvestre, Rosamaria Cris FLUXO DE ENCAMINHAMENTO DOS ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL : DO PRESCRITO AO VIVENCIADO / Rosamaria Cris Silvestre. -- Marília, 2019 127 p. : il., tabs. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Orientadora: Anna Augusta Sampaio de Oliveira 1. Atendimento Educacional Especializado. 2. Deficiência Intelectual. 3. Educação Especial. 4. Sala de Recursos. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). S587f ROSAMARIA CRIS SILVESTRE FLUXO DE ENCAMINHAMENTO DOS ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: DO PRESCRITO AO VIVENCIADO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Marília, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação. BANCA EXAMINADORA Presidente e orientadora:______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Anna Augusta Sampaio de Oliveira, Universidade Estadual Paulista (Unesp, Marília) 2ª Examinadora: ____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Rosângela Gavioli Prieto, Universidade de São Paulo (USP, São Paulo) 3ª Examinador: ____________________________________________________ Prof. Dr. Miguel Claudio Moriel Chacon, Universidade Estadual Paulista (Unesp, Marília) Marília, 15 de janeiro de 2019 Dedico este trabalho a todos meus alunos, os pequenos da primeiríssima infância da Teia de Aprendizagens até os universitários da UniCEU/São Camilo, que disseram: – Rosa! Terminou o mestrado? – Não se esqueça! A sua vitória é a nossa vitória! AGRADECIMENTOS O verbo agradecer significa reconhecer, oferecer graças, demonstrar ou expressar gratidão, verbo que apresenta múltiplas regências e, neste momento, eu tenho muitas pessoas a agradecer e tenho muito medo de esquecer alguém, pois acredito que além de ter muitas pessoas a agradecer, com certeza farei de diversas formas os agradecimentos, mas por enquanto, o reconhecimento por este trabalho nesta página, realizo àqueles que estiveram mais próximos no cotidiano, acompanharam o processo desde seu início. O início, sem dúvida nenhuma, à Deus força maior da minha vida, a minha família, minha mãe e meu irmão, os primeiros a incentivarem e os que mais sentiram minha ausência, nunca se queixaram, pelo contrário incentivavam ainda mais, riram e choraram comigo em todos os momentos. A extensão da minha família, todos os amigos, porém gratidão é pouco para expressar o que sinto em compartilhar este trabalho com o Fábio Junio, responsável por me conduzir nas primeiras viagens à Marília para participar do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inclusão Social (GEPIS), em dividir comigo a tarefa da pesquisa em São Paulo, de apoiar a segunda viagem à Cuba, palavras de incentivo durante o processo seletivo na Unesp, me levar para qualificação, pois estava impossibilitada de locomoção, meu leitor, revisor junto com a Juliana, maravilhosa, e tudo isto ele resumiu apenas em: .”[...] quem auxilia um amigo não se incomoda jamais [...] ganha pontos para uma vida longa e cheia de conquistas dos amigos [...] suas conquistas deixam minha vida mais significativa [...] e eu aprendo muito e gosto disso”. A minha amiga Cátia Gravosky que, assim como Fábio, não me abandonou um minuto, a primeira a ouvir “não vou tentar o Mestrado”, “consegui ser aprovada no processo seletivo”, “eu vou desistir do Mestrado”, sim, muitas vezes pensei em desistir, e ela sempre com palavras de bom ânimo e fortalecimento. Falar de fortalecimento é lembrar de físico, força, mas meu emocional foi primordial neste período, muito bem acariciado pela Adriana Paula, Aguinailda, Luiz Gebara e, por aquele que zela pelo meu espiritual, Paulo Oliveira. Agradecer aos responsáveis pelo físico, Alexandre Isaias e toda equipe do Team Bike que se alegraram quando fui aprovada no processo seletivo e compreenderam muito bem quando disse que me afastaria dos treinos em virtude dos estudos, aos médicos Vinicius de Paula e Fernando Umada, a cada consulta perguntavam como estava à dissertação e até alteraram agendamento de exames e consultas para melhor desempenho e dedicação. Minhas fisioterapeutas Amanda e Regiane com o compromisso e responsabilidade de me deixar de pé até a defesa, conseguiram muito antes com louvor! Aos meus colegas da Prefeitura de São Paulo, com destaque à Rosangela Jacob com sua brevidade e comprometimento com minha pesquisa, a atenção da Silvana Drago e equipe, meus diretores e colegas no incentivo da Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Eldy Poli Bifone e EMEI Mário de Andrade. Aos Diretores Regionais Maria Khadiga Saleh e Marcos Mendonça que não mediram esforços para o deferimento do afastamento para o Mestrado, mas que, infelizmente, não foi aceito, coincidentemente, hoje ambos aposentados, com legado de gestão de qualidade na educação pública paulistana inquestionável! Serão sempre meus exemplos! A todos meus colegas do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAI) e todas as coordenadoras com ótimas contribuições, em especial minha equipe da Diretoria Regional de Ensino (DRE) Ipiranga: Adriana Gomes, Alexandre, Claziane, Solange e Luciana. As queridas colegas e professoras do Centro Universitário Assunção (UNIFAI): Lilian Barone e Solange Fustinoni por todo carinho e incentivo. Aos meus colegas do GEPIS, companheiros de caminhada acadêmica Angelo, Luiz, Mariana, Salete, Glacielma, Fernanda Dourado, Kátia Fonseca, Patricia Lara. Agradecimento especial à Kátia Paixão pelo apoio, dedicação com minha documentação e dissertação para qualificação, Márcia por incansáveis horas ao telefone, palavras de carinho, amor e entusiasmo, Diego sendo tão “estrangeiro” quanto eu, me apresentou a cidade de Marília. Aos colegas de Unesp Maewa, Fernanda, Camila, Ana Paula, Regiane, Amabriane, Fabiana Koga que harmoniza com sua música e caronas, Elaine a amiga do coração, Cris Marin atenta a todos os prazos e datas, Lucas Prado preocupado com a boa alimentação e prestativo com a documentação. Quando lembro de documentação, lembro das secretárias acadêmicas atenciosas e pacientes, Ana Paula, Luciana, Denise e Valderez. Ainda no município de Marília, agradeço pela hospitalidade do casal da Pousada Santa Mônica, ao taxista Sr. Manoel que além de me conduzir com cordialidade, pontualidade, negociava com o motorista minutos de atraso enquanto realizava a troca de passagens, e ainda dizia: ”[...] não se preocupe, se perder o ônibus a gente corre atrás [...] e mesmo assim se a gente não conseguir te levo até São Paulo [...] importante que você estude!” Realmente, foram muitos dias de estudo, muitas reflexões, aulas maravilhosas com os mestres Prof. Sadao Omote, minha eterna reverência, Prof.ª Graziela Abdin extremamente humana, principalmente no momento da avaliação que estava em licença e considerou mais a avaliação processual que a avaliação final. Agradecer a todos os professores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp, Guarulhos e São Paulo) que me acolheram verdadeiramente como aluna do campus, a generosidade do Prof. Marcos Cezar de Freitas, o entusiasmo e preocupação da Prof.ª Denise De Micheli, meu respeito e admiração ao trio de professores inovadores Prof.ª Magali Silvestre, Prof. Umberto de Andrade Pinto e Prof. Jorge Luiz Barcelos. Aos meus professores da banca de qualificação e defesa Prof. Miguel Claudio Moriel Chacon muito generoso com a estética, organização, minucioso em todos os detalhes; à Prof.ª Rosangela Gavioli Prieto que, assim como Fábio, acompanha minha trajetória muito antes do Mestrado, corrigiu todos os textos de conclusão de aula enquanto fui sua aluna ouvinte e todos os meus projetos de pesquisa, foi, sem dúvida, uma honra e um privilégio todas estas contribuições durante a Dissertação. E a minha orientadora Prof.ª Dr.ª Anna Augusta Sampaio de Oliveira, difícil encontrar palavras que expressem todo o meu agradecimento, desde as orientações noturnas durante a especialização compromissada com o Referencial de Avaliação da Aprendizagem na Área da Deficiência Intelectual (RAADI), extremamente dedicada, atenta, responsável até o ponto final desta dissertação. Seu maior legado na minha vida acadêmica é o olhar humano aos seus orientandos e o olhar no chão da escola! Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito. Martin Luther King RESUMO Este trabalho situa-se no campo dos estudos sobre a educação escolar de estudantes com deficiência intelectual. Destaca como objeto de investigação o Fluxo de Encaminhamento destes estudantes à sala de recursos e objetivou analisar os critérios de identificação e encaminhamento. Os objetivos específicos foram: investigar a existência de diretrizes que definam o fluxo de identificação e encaminhamento para a sala de recursos; identificar como o Centro de Formação e Apoio à Inclusão de cada região do município de São Paulo tem orientado o encaminhamento de estudantes com deficiência intelectual para a sala de recursos; analisar os critérios e orientações sobre avaliação e o encaminhamento com base nas diretrizes municipais e na literatura da área. Também se recorreu às contribuições de pesquisadores brasileiros que abordam o campo da prática educacional e o da avaliação do público-alvo da educação especial, mais diretamente à educação de pessoas com deficiência intelectual em suas relações com os modos de conceber esta deficiência. A pesquisa foi desenvolvida através da realização de entrevistas com um grupo de 13 coordenadoras do Centro de Formação e apoio à Inclusão, e do estudo de documentos nacionais e municipais orientadores do encaminhamento de estudantes ao Atendimento Educacional Especializado, com ênfase no município de São Paulo. As análises foram construídas pelo cotejamento do que dizem as coordenadoras com os documentos estudados e permitiram constatar que cada região segue uma orientação específica para o encaminhamento dos estudantes, orientações formuladas não são suficientes para um roteiro de encaminhamento, muitas dificuldades ainda são enfrentadas, relacionadas, entre outras coisas, aos modos de elaboração dessas orientações e ao seu impacto sobre as coordenadoras, e aos modos de compreender avaliação e deficiência intelectual. Palavras-chave: Atendimento Educacional Especializado. Deficiência Intelectual. Educação Especial. Sala de Recursos. ABSTRACT This work is in the field of studies on school education of students with intellectual disabilities. It highlights as object of investigation the Flow of Routing of these students to the resources room and aimed to analyze the criteria of identification and referral. The specific objectives were: to investigate the existence of guidelines that define the flow of identification and referral to the resource room; identify how the Center for Training and Support to Inclusion in each region of the city of Sao Paulo has guided the referral of students with intellectual disabilities to the resource room; analyze criteria and guidelines on evaluation and referral based on municipal guidelines and literature in the area. We also resorted to the contributions of Brazilian researchers who approach the field of educational practice and the evaluation of the target audience of special education, more directly to the education of people with intellectual disabilities in their relations with the ways of conceiving this deficiency. The research was developed through interviews with a group of 13 coordinators of the Training Center and support to Inclusion, and the study of national and municipal documents guiding the referral of students to the Specialized Educational Assistance, with emphasis in the city of São Paulo. The analyzes were constructed by comparing the coordinators with the documents studied and allowed to verify that each region follows a specific orientation for the referral of students, guidelines are not enough for a routing script, many difficulties are still faced, related, among other things, the ways in which such guidelines are developed and their impact on coordinators, and ways of understanding intellectual disability and assessment. Keywords: Specialized Educational Service. Intellectual Disability. Special Education. Resource Room. LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Relação do material levantado .............................................................. 60 Quadro 2 – Matrícula de estudantes público-alvo da Educação Especial por DRE no município de São Paulo em 2016, e número de estudantes com DI ......................... 65 Quadro 3 – Definição e descrição das categorias de análise ................................... 68 Quadro 4 – Dados sobre a Formação Inicial das Coordenadoras ............................ 82 Quadro 5 – Dados sobre a Especialização das Coordenadoras .............................. 83 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Divisão geográfica administrativa da Prefeitura de São Paulo, conforme Diretoria Regional e respectivas subprefeituras ........................................................ 64 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AACD Associação de Assistência à Criança Deficiente AAMR Associação Americana de Retardo Mental AEE Atendimento Educacional Especializado ADEFAV Centro de Recursos em Deficiência Múltipla, Surdocegueira e Deficiência Visual ANDE-Brasil Associação Nacional de Equoterapia AHIMSA Associação Educacional para Múltipla Deficiência APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais CAPS Centro de Atenção Psicossocial CEFAI Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão DI Deficiência intelectual DIPED Divisão Pedagógica DOT-EE Diretoria de Orientação Técnica – Educação Especial DRE Diretoria Regional de Educação GEPIS Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inclusão Social GRAAC Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer IMT Iniciação ao Mundo do Trabalho INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira LDB Lei de Diretrizes e Bases MEC Ministério da Educação NAAPA Núcleo de Apoio e Acompanhamento para Aprendizagem NANI – Unifesp Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar da Universidade Federal de São Paulo NEE Necessidades Educativas Especiais ONEESP Observatório Nacional da Educação Especial PAAI Professor de Apoio e Acompanhamento à Inclusão PAEE Público-Alvo da Educação Especial PAPNE Programa de Atendimento aos Portadores de Necessidades Especiais PMSP Prefeitura do Município de São Paulo PNE Plano Nacional de Educação PUC Pontifícia Universidade Católica RAADI Referencial de Avaliação da Aprendizagem na Área da Deficiência Intelectual SAAI Sala de Apoio e Acompanhamento à Inclusão SAP Sala de Apoio Pedagógico SAPNE Sala de Atendimento aos Portadores de Necessidades Especiais SME-SP Secretaria Municipal de Educação de São Paulo SPDM Associação Paulista para Desenvolvimento da Medicina SRM Sala de Recursos Multifuncionais TEG Transporte Escolar Gratuito TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UBS Unidade Básica de Saúde UFSCar Universidade Federal de São Carlos UNESP Universidade Estadual Paulista USP Universidade de São Paulo SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 17 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 24 1. Os estudantes com deficiência intelectual na escola: o prescrito .......................... 32 1.1 Produção do conhecimento sobre processo de avaliação na área da Deficiência Intelectual: dados da literatura .................................................................................. 37 1.2 Contribuições dos pesquisadores da rede Observatório Nacional da Educação Especial (ONEESP) .................................................................................................. 43 2. O estudante com deficiência intelectual e a constituição de políticas públicas: análise do prescrito nas legislações .......................................................................... 46 2.1 Notas sobre a avaliação pedagógica na Educação Brasileira ............................. 46 2.2 Política de Educação Especial do município de São Paulo................................. 52 3. CAMINHOS METODOLÓGICOS .......................................................................... 59 3.1 Material e método ................................................................................................ 60 3.2 Entrevistas Semiestruturadas .............................................................................. 62 3.3 Local de pesquisa ............................................................................................... 63 3.4 Participantes ........................................................................................................ 66 3.5 Procedimento de análise dos dados ................................................................... 67 4. Fluxo do encaminhamento: o prescrito nos documentos ...................................... 69 5. EM BUSCA DO VIVENCIADO .............................................................................. 81 5.1 Caracterização dos Entrevistados ....................................................................... 81 5.2 O vivenciado na voz dos Coordenadores ............................................................ 86 5.2.1 Fluxo de encaminhamento: Identificação ......................................................... 86 5.2.2 Fluxo de encaminhamento: Avaliação .............................................................. 97 5.2.3 Fluxo de encaminhamento: Indicação ............................................................ 102 5.2.4 Fluxo de Encaminhamento: desafios, contradições e necessidade para exequibilidade de cada etapa .................................................................................. 106 6. PARA NÃO CONCLUIR... ................................................................................... 110 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 114 APÊNDICES ............................................................................................................ 125 ANEXOS ................................................................................................................. 128 17 APRESENTAÇÃO Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela Será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela. Será que a morena cochila escutando o cochilo do chocalho Será que desperta gingando e já sai chocalhando pro trabalho. (MORENA, 1980). Não sou morena, sou negra, não sou de Angola, mas meus antepassados com certeza são. Meu nome: Rosa, da minha avó e Maria, da minha Bisavó. Então, sou Rosamaria. Nasci no Brasil, em plena ditadura militar, na cidade de São Paulo. Meu avô fundou uma das primeiras Escolas de Samba na cidade de São Paulo. Quando nasci, meu pai era presidente da Escola, portanto, cresci no samba e dentro de uma escola, que não era de ensino regular, mas de efervescência cultural. Minha infância foi alegre e feliz no meio de tanta diversidade. Meu primeiro contato em escola regular e pública aconteceu aos sete (7) anos, porém fiquei apenas um (1) ano, pois, segundo minha professora, a escola pública não era para mim, meus pais deveriam investir em um ensino particular. Na opinião da professora eu não tinha perfil de estudante de escola pública, uma vez que ingressei no ensino fundamental alfabetizada e o ensino privado, na ocasião, e na interpretação de minha professora, oferecia mais “conhecimento”. Na realidade, a escola na década de 1980 vivia um momento de exclusão, ora com alto índice de repetência, lembro-me de colegas terem permanecido três (3), quatro (4) anos na 1ª série, ora excluía quem se apresentava “acima da média”, então vivi meu primeiro momento de exclusão. Cursei toda a educação básica na mesma instituição particular, na qual meus professores foram fundamentais para minha escolha profissional. Lembro o quanto meu pai desejava meu ingresso na graduação do curso de Engenharia, assim como fez meu irmão, mas meu professor de Matemática Benedito, meu amigo até hoje, conseguiu me convencer que eu seria uma ótima Pedagoga, por tudo que vivenciei em sala de aula e nas atividades de Estudo do Meio (viagens à Angra dos Reis, Universidade de São Paulo (USP, São Carlos), Cidade Histórica de Santos, Cidade Histórica de Minas Gerais, entre outras), pois esclarecia meus colegas, fazia 18 apresentações para outras séries, além de ser aluna eleita representante da turma por quatro (4) anos consecutivos, para mediação de conflitos e oradora da turma da 8ª série (hoje 9º ano do ensino fundamental). Talvez teria alguns saberes necessários para prática educativa? Segundo Paulo Freire (2014), ensinar não é apenas transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção, ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo. Com este sentimento de fazer a diferença, e de intervir no mundo, ingressei no curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com imensa alegria e satisfação, pouco frustrada, pois o então educador Paulo Freire, na ocasião, só lecionava para o curso de pós-graduação, mas generoso e humilde como era, sempre que possível dialogava conosco, seja em aula ou nos corredores da Universidade. Minha ansiedade por atuar era tanta que no mesmo ano do início da graduação comecei a lecionar em uma escola particular, porém na primeira oportunidade retornei à escola pública lecionando no ensino público como educadora de uma creche na Secretaria do Menor. Importante destacar que em 1992 as creches não eram responsabilidade da educação, mas da assistência social. Neste período de 1992 até a conclusão de minha graduação, tinha total certeza que atuaria na Educação Infantil, pelo direito à creche, pela luta da creche ser do setor educacional e não apenas assistencial, o que persistiu na minha atuação como Coordenadora Pedagógica no Serviço Social. Após 10 anos, com muita perseverança, ingressei como professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental na Prefeitura de São Paulo (PMSP). Entretanto, apenas em 2004 as creches se tornam responsabilidade da secretaria da educação. Entretanto, minha trajetória toma novos rumos bem significativos pouco antes disso, com o falecimento de meu pai, em decorrência de câncer no estômago. Em 1997 me torno voluntária do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAACC), onde passo a realizar a contação de histórias para as crianças e jovens no setor denominado Quimioteca. Um dos critérios do voluntariado do GRAAC, o qual me agradava muito, era o fato de que o voluntário deveria atuar em um setor que não correspondesse a sua profissão. 19 Alguns anos mais tarde, minha melhor amiga entra em episódio psiquiátrico, e a minha presença ou de sua irmã eram o seu alicerce para ações simples do cotidiano, tais como, escovar os dentes, ir trabalhar, etc. Como diz o poeta na música “Amizade” do conjunto Fundo de Quintal, “[...] quero chorar o teu choro, quero sorrir teu sorriso, valeu por você existir amigo [...]”. Valeu muito por existir minha amiga Luzia, pois ao participar de seu acompanhamento terapêutico fui apresentada à equitação, esporte recomendado pelo terapeuta para que ela “tomasse as rédeas da sua vida”. E, um dia, enquanto aguardava a terapia de minha amiga, o dono da hípica realizava atendimento a um menino com Síndrome de Down e solicitou o meu auxílio, sabendo que eu era professora. Fiquei muito feliz em ter apoiado o atendimento, amo cavalos e amo crianças, e ao dizer estas duas frases o dono da hípica sugeriu que eu estudasse e fizesse um curso em Equoterapia. Fiz o curso em Equoterapia pela Associação Nacional de Equoterapia (ANDE- Brasil), tornando-me pedagoga de Equoterapia, no qual atuei como voluntária na cavalaria da Polícia Militar e em algumas hípicas na cidade de Santo André (SP), como a Coração Valente, o que me possibilitou vivenciar educação menos formal. Neste período, a Prefeitura de São Paulo ofereceu vagas para os professores da rede municipal realizarem um curso de especialização em Educação Especial, promovido pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Confesso que a princípio não me interessei, mas minha coordenadora pedagógica me incentivou, porém não pude realizar a inscrição, pois um dos critérios era que tivesse um escolar com deficiência na turma ou que tivesse realizado cursos na área, oferecidos exclusivamente pela prefeitura. Nesta ocasião, uma coincidência aconteceu, se é que podemos chamar de coincidência, houve o ingresso de estudante com Síndrome de Down na escola de educação infantil onde eu lecionava, a fala do diretor foi: “Rosa você que leva jeitinho com os especiais, pode ficar com este estudante?” No momento fiquei surpresa e sem reação, não acreditava que professor “leva jeitinho”, além de ficar muito apreensiva com a nova situação, pois não contaria com a presença de um cavalo na escola para apoiar nas aulas, como acontecia na Equoterapia. Então, como faria? Por ser a professora que “levava jeitinho” tive prioridade na realização de cursos ofertados pela Secretaria Municipal de Educação (SME) na área da 20 Educação Especial e, então, após ficar em uma lista de espera consegui retornar à escola pública novamente como aluna, cursando a especialização em Deficiência Intelectual (DI) oferecida pela Unesp/Marília em parceria com Prefeitura de São Paulo (2010). Preciso salientar que esta formação era uma formação em serviço, então, após anos de magistério pude desempenhar a função de professora de Educação Especial na Diretoria Regional de Itaquera-SP. Para mim, foi um grande desafio, pois nesta região de São Paulo, à época, todos os estudantes com deficiência estudavam em uma única escola. Com a mudança da Diretora Regional e da Coordenadora do setor de Educação Especial (CEFAI), houve a necessidade de orientar todos os diretores de escola desta região quanto a mudança de paradigma, houve a implantação das Salas de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (SAAI) sendo eu, então, uma das primeiras professoras regente de SAAI dessa região. Em meio a toda discussão sobre educação especial e enfretamento no cotidiano escolar, em que a maioria dos professores não concordava com a abertura da SAAI, em que os estudantes com deficiência não participavam de passeios e outras diversas situações atitudinais, refleti, então, sobre meu papel como professora e, a partir disso, surgiu meu tema de artigo para finalizar a especialização que cursava: A sala de apoio e acompanhamento à inclusão no município de São Paulo: reforço escolar ou acompanhamento educacional? Minha maior inquietação era, de fato, qual o papel da SAAI? Como deveria atuar com os estudantes? Como apoiar os professores? Eu já tinha consolidada experiência como coordenadora pedagógica, porém na educação infantil e, neste momento, tinha tantos outros questionamentos sobre a questão do trabalho inclusivo e de suporte na educação especial. Importante destacar que, entre minhas escolhas profissionais, nunca tinha cogitado a educação especial, entretanto minha trajetória profissional me impulsionou para este caminho. Foi neste momento que iniciei profissionalmente a atuação em Classe Hospitalar no Hospital São Paulo e desta atuação surgiram muitos questionamentos, angústias, com este alunado, excluídos do convívio físico da escola comum. Nesta área, as experiências eram muito diferenciadas do cotidiano escolar, como, por exemplo: vivenciar o luto como rotina; o fazer pedagógico com algumas estratégias que passaram a ter outro significado, como, por exemplo, contar uma história e não 21 deixar uma parte para depois, mas sim contá-la, do início até o fim, uma vez que não havia como prever se o estudante estaria no leito no dia seguinte. Essa angústia do exercício docente vivenciada no interior de um hospital atrelada a minha atuação com vistas a melhorar a qualidade da SAAI e a elaboração de minha monografia me permitiu várias reflexões sobre o assunto. Finalizei a especialização em 2011 e submeti um artigo com total apoio da Prof.ª Anna Augusta sobre o assunto, o qual foi aceito no Congresso Internacional de Educação Especial em Cuba no ano de 2012. Foi uma importante experiência em minha vida profissional, pois, um novo mundo, em todos os sentidos, se abriu à minha frente, conheci outra cultura, na qual se pode juntar salsa e samba! Retorno ao Brasil, com muita vontade e ânimo para estudar cada vez mais a área da Educação Especial. Deste modo, iniciei os estudos como ouvinte na disciplina da Prof.ª Rosangela Prieto na USP, “Políticas Públicas em Educação Especial”, com intuito de aprofundar os estudos sobre SAAI. Esta disciplina foi fundamental para minha formação, pois passei a entender a importância da legislação, a conhecer e analisar sua relevância para o cenário educacional em qualquer modalidade de ensino. A disciplina e a visita à Cuba foram um “chocalho” para meu estudo. Me sacudiram tanto que não parei mais de estudar e ingressei no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inclusão Social (GEPIS), da Unesp de Marília; fui colaboradora do Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar da Universidade Federal de São Paulo (NANI-UNIFESP); participei de todos os Congressos de Educação Especial na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) a convite da Gabriela Tannús Valadão, Lucélia Cardoso e outras colegas que conheci em Cuba, que faziam parte do grupo de orientandas da Prof.ª Enicéia Mendes e tentei, por várias vezes, o processo de seleção de mestrado na UFSCar, Unifesp, Unesp até ingressar na Unesp em Marília no ano de 2015. Para além de todo este movimento acadêmico, tenho a certeza que uma das minhas principais motivações para o estudo foi minha experiência como Coordenadora do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAI) iniciada em 2013, na Diretoria Regional do Ipiranga, responsável por toda região da Sé, Vila Mariana, Ipiranga e Vila Prudente no município de São Paulo. Esta diretoria apresenta uma interessante particularidade, pois é a região com o maior número de instituições conveniadas da área da Educação Especial, dentre elas, Associação de 22 Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), Centro de Recursos em Deficiência Múltipla, Surdocegueira e Deficiência Visual (ADEFAV), Associação Educacional para Múltipla Deficiência (AHIMSA), Nossa escola, Nosso Lar, entretanto, na ocasião contava com poucas salas de recursos, em funcionamento, apenas sete (7). Uma das atribuições do CEFAI é realizar o encaminhamento do Público-Alvo da Educação Especial (PAEE) para estas instituições conveniadas, em um curto período, menos de um (1) mês. Recordo-me, durante à época de minha gestão no CEFAI, fizemos mais de 30 encaminhamentos para as instituições. O setor de Convênios/SME me parabenizando pelo número e agilidade, porém, fizeram-me alguns questionamentos nos quais jamais esqueci: Como foram avaliadas as pessoas que vocês encaminharam? Quais foram os critérios? Por que vocês optaram por uma instituição e não por outra? Fiquei paralisada por alguns momentos, sem ação, porque na realidade nenhum encaminhamento havia passado por avaliação, era comum que apenas algum familiar entregasse os documentos necessários ou recebesse o telefonema de uma ou outra instituição, pois a pessoa com deficiência já frequentava a instituição e era necessário formalizar a matrícula. Minha maior constatação foi de que, na verdade, não estudávamos tanto encaminhar papéis ou pedidos, não trabalhávamos em cartório e, sem perceber, desconsiderávamos o nosso maior objetivo, que era apoiar a qualidade de vida e que precisávamos de um olhar mais apurado sobre estes encaminhamentos. Entendo que apesar da distância do chão da escola, como gestora nunca deveria me distanciar do papel principal nesse processo: a docência, realizar avaliação inicial e formativa, realizávamos uma vez por mês supervisão nas instituições e, raramente, acompanhávamos a trajetória destes estudantes após o encaminhamento. Minha grande motivação para esta pesquisa no âmbito do mestrado foi repensar o papel do CEFAI, no que diz respeito ao encaminhamento a sala de recursos, pois acredito que esta seja a porta principal para muitos desdobramentos das ações pedagógicas na escola comum, e que se deve ter cuidado para que não se torne apenas mais uma ação administrativa. Encerro esta breve apresentação com as palavras que recebi de meu pai, por meio de trecho de psicografia intermediado por Osvaldo Silvestre, em 12 de outubro de 2005: 23 Não sei se nós, como pais, te oferecemos todas as orientações, o que sei, porém, é que você soube aproveitar o pouco que o nosso conhecimento ofereceu, transformando esse pouco num material tão extenso e profundo. Essa alegria compensa toda a minha dor de saudade [...] (SILVESTRE, 2005). Espero que o pouco registrado nesta dissertação possa se transformar em um material que possibilite o repensar de muitas vidas. 24 INTRODUÇÃO O Brasil vem se esforçando nos últimos anos para efetivar a concepção de educação inclusiva, preconizada no marco normativo da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), como resultado há um aumento significativo de matrículas nas salas comuns de estudantes público-alvo da educação especial, entre aqueles com deficiência intelectual. Pesquisadores como Meletti e Bueno (2013), identificaram que deste aumento significativo de matrículas, o maior número se encontra entre os estudantes com deficiência intelectual. Entretanto, não podemos desconsiderar a afirmativa de Veltrone e Mendes (2011) sobre a subjetividade da própria identificação da deficiência intelectual, dizem as autoras: É importante considerar que apesar da porcentagem alta de alunos com deficiência intelectual esta identificação nem sempre é precisa. Isso ocorre porque a nomenclatura e conseqüente definição do que seja a deficiência intelectual sofreram e ainda sofrem alterações ao longo da história. (VELTRONE; MENDES, 2011, p. 414). Outros autores (OLIVEIRA, 2015), do mesmo modo, reafirmam esta fragilidade do conceito e diagnóstico deste público, seja pelos parâmetros subjetivos de avaliação, ou seja, pela dificuldade diagnóstica da rede de saúde. A deficiência intelectual caracteriza-se como uma condição complexa, historicamente apresentou variações significativas na compreensão e definição conceitual (ALMEIDA, 2004), segundo Aranha (2000) até o século XVIII a deficiência intelectual advinha de conceito médico como uma doença mental, com os avanços de estudos na área da Psicologia e da Pedagogia, no século XIX inicia-se intervenções educacionais e um entendimento da diferenciação ente a doença e a deficiência intelectual, que neste período era denominada deficiência mental, porém apenas na segunda metade do século XX que as pessoas com deficiência intelectual começam a se integrar na escola e na sociedade. De acordo com Jannuzzi (2004), se observa no decorrer da própria definição de deficiência intelectual uma alteração de paradigma, daquele focado no ambiente e não apenas na deficiência/organismo. Oliveira (2018) enfatiza que “[...] embora persistam visões 25 biologizantes da deficiência intelectual, podemos apreender novas formas de conceber e localizar estes sujeitos [...]” e com base na teoria Vygotskyana afirma o caráter histórico da constituição do próprio sujeito e das interpretações sociais sobre sua condição. Em consonância com De Carlo (2006, p. 68), cuja base teórica é Vygotskyana, entendemos que a “[..] deficiência tem caráter mais social do que biológico [...]”, portanto, há de se considerar as relações sociais como afirma Barroco (2012, p. 12) “[...] se acompanharmos esse indivíduo na sua experiência prática social, poderemos ver como sua capacidade natural sofre modificação, conforme as demandas e os recursos criados pelos homens [...]”, assim, sem desconsiderar sua condição primária, de ordem biológica, é preciso compreender a condição de deficiência intelectual numa complexa relação com o contexto social, no qual se constroem as interpretações com base nas referências sociais e historicamente colocadas. Não há como pensar a deficiência intelectual e suas implicações meramente no plano biológico, é preciso considerar o plano social – o ambiente concreto e material de vida –, no qual se podem criar as possibilidades de enfrentamento das marcas biológicas, que é, justamente, onde devemos centrar a atenção: como podemos criar possibilidades de desenvolvimento para estas pessoas e apreender suas dificuldades olhando além dos fatores inerentes à condição biológica, como, também, aqueles provenientes das limitações do contexto social e histórico (OLIVEIRA, 2018). Neste sentido, aumenta a responsabilidade da escola e do professor, e a avaliação que é uma prática pedagógica, assume sua importância, pois permite a identificação das particularidades e especificidades dos estudantes com DI e conduz o fazer pedagógico. O processo de avaliação pedagógica ao levantar hipóteses sobre a condição de deficiência intelectual, conforme preconizado pela legislação atual, define a elegibilidade do escolar para o Atendimento Educacional Especializado (AEE). Conforme Art. 21 - O encaminhamento dos educandos e educandas público-alvo da Educação Especial para o AEE dar-se-á após avaliação pedagógica/estudo de caso conforme o Anexo IV desta Portaria, envolvendo a equipe escolar, o educando e educanda, os professores que atuam no AEE, os familiares e responsáveis e, se 26 necessário, a Supervisão Escolar e outros profissionais envolvidos no atendimento (SÃO PAULO, 2016a). Segundo Veltrone e Mendes (2011), estudos anteriores já apontavam essa problemática (ALMEIDA, 1984; DENARI, 1984; MENDES, 1995; JANUZZI, 2004), evidenciaram a dificuldade nos procedimentos de identificação e diagnóstico desses estudantes para a elegibilidade para encaminhamento aos serviços educacionais especializados, e como resultado apontaram a precariedade do processo de avaliação, no caso a diagnóstica, e a falta de formação de todos os envolvidos neste processo. Estudos mais recentes como o de Bridi (2011) coloca em discussão justamente o dilema atual, ou seja, como resultado da avaliação pedagógica cabe ao professor especializado decidir sobre o encaminhamento ao AEE e o registro do estudante em uma das categorias do PAEE definidas pelo Ministério da Educação e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (MEC/INEP). Sem dúvida, impõe uma decisão bastante difícil para o professor especializado que, se por um lado, não tem competência técnica para atestar a condição de deficiência intelectual, por outro lado, ao perceber as dificuldades das crianças acaba por incluí-la no AEE com o objetivo de contribuir com sua aprendizagem. É fato que a Nota Técnica nº 4/2014 (BRASIL, 2014a) esclarece que a ausência do laudo não é impedimento para que o estudante frequente o AEE e que o relatório pedagógico do professor especializado pode indicar a necessidade ou não de encaminhamento. Entretanto, na definição do PAEE está explicitado entre um dos públicos, aqueles com deficiência, portanto ao registrar o estudante sem laudo específico, a escola estaria assumindo condição a qual ela não tem como avaliar, o que tem gerado muita angústia no professor especializado. Dessa forma, acredito que, cada vez mais, temos colaborado para o desenvolvimento de associações como estas: se o aluno frequenta o Atendimento Educacional Especializado, é, portanto, um aluno deficiente. Essas associações são desencadeadas a partir de uma definição mais delimitada do universo de alunos da educação especial encaminhados a frequentar o atendimento (BRIDI, 2011, p. 504). Veltrone (2011), da mesma forma, aponta a questão histórica na área da educação especial em relação à indefinição de critérios para a identificação da 27 deficiência intelectual e se propõe a realizar um estudo para conhecer os processos de identificação e, sem querer simplificar a riqueza de seus dados, eles apontam o quanto a ausência de parâmetros mais claros e objetivos tem trazido como consequência avaliação subjetiva e arbitrária em relação à condição de deficiência intelectual. Outras autoras a tratar do tema foram Fantacini e Dias (2015), esclarece a importância do papel da escola e do professor da sala comum na indicação da possibilidade de encaminhamento de um estudante com DI para avaliação de outros profissionais da educação, entretanto, geralmente, o professor especialista é o único profissional que assume esta tarefa. As pesquisas de Veltrone e Mendes (2011) anunciam que os documentos que versam sobre o AEE para os estudantes com deficiência intelectual não esclarecem com objetividade a função deste serviço, além dos profissionais da educação apresentarem dúvidas como estes estudantes lidam com o saber e a produção do conhecimento. Consequentemente, a indefinição do papel a ser desempenhado pelo AEE colabora com a fragilidade da avaliação pedagógica, pois se não sei para quê e o porquê da frequência no AEE, o quê avaliar? Como planejar a ação pedagógica? Todas essas questões se fazem presentes na organização da educação especial dos municípios, principalmente relacionadas à deficiência intelectual, desde a identificação à prática pedagógica. Os documentos nacionais estabelecem diretrizes gerais as quais devem orientar as políticas municipais e estaduais. A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME-SP) estabeleceu sua política de educação especial pelo Decreto nº 45.415, de 18 de outubro de 2004 (SÃO PAULO (Município), 2004a), e pela Portaria nº 5.718, de 17 de dezembro de 2004 (SÃO PAULO (Município), 2004b), e segundo esta legislação as SAAI destinam-se ao apoio pedagógico especializado de caráter complementar ou suplementar aos estudantes público-alvo da educação especial, desde que identificada e justificada a necessidade deste serviço, por meio de realização de avaliação educacional do processo ensino e aprendizagem. Segundo o Decreto nº 51.778, Parágrafo único do Art. 10: [...] esta avaliação educacional será o instrumento orientador para definir a utilização do serviço de apoio pedagógico especializado, que permeará todos os encaminhamentos, e será realizada com a participação da família, do Professor regente da SAAI, do Supervisor 28 Escolar e do Centro de Formação e Apoio à Inclusão (CEFAI), e se preciso for dos profissionais da saúde e de outras instituições. (SÃO PAULO (Município), 2010). Podemos observar que isto traz a ideia de avaliação educacional, a qual é mais abrangente que avalição pedagógica ou mesmo clínica diagnóstica e o faz envolvendo múltiplos olhares, como o da família, da escola e mesmo da saúde. Entretanto, essa indicação do Decreto não é suficiente para se definir o fluxo de encaminhamento e os critérios para acesso, no caso, à SAAI que, posteriormente, receberá a denominação de Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) (SÃO PAULO, 2016b). Embora o município possua documentos orientadores em relação à avaliação pedagógica, especificamente na área da deficiência intelectual (SÃO PAULO, 2008, 2012), trata-se de referências de avaliação de desempenho curricular, a ser realizada pelo professor da classe comum. Documentos complementares ao Decreto e mesmo posteriores, ainda não definem claramente como se deveria conduzir o processo de identificação, avaliação e encaminhamento para a SRM do estudante com deficiência intelectual. A partir desse contexto e da problemática relacionada ao encaminhamento para os serviços de educação especial nos propomos a realização desse estudo e temos a expectativa de responder as seguintes questões: 1. Quem realiza a identificação, avaliação do encaminhamento para a sala de recursos no município de São Paulo? 2. Qual instrumento de avaliação ou quais os critérios são utilizados para encaminhar os estudantes com deficiência intelectual para a sala de recursos neste município? 3. A política Municipal paulistana orienta o fluxo de encaminhamento para os estudantes com deficiência intelectual? Algumas destas questões foram anunciadas por Prieto (2006) que ao se referenciar ao encaminhamento de 310 estudantes para a sala de recursos então denominada Sala de Atendimento aos “Portadores de Necessidades Especiais” (SAPNE), desses, 123 estudantes não foram indicadas as razões para esse encaminhamento, ainda que houvesse a necessidade de justificativa médica ou psicológica. O estudo desta autora, embora em momento diferente do atual, já 29 apontava alguns problemas relacionados à avaliação, encaminhamento e acesso aos serviços de educação especial. Essa constatação reitera evidência já registrada na tese de doutorado de Prieto no período de 1986 a 1996 quando se indicou que: embora todas as professoras demonstrassem conhecer a necessidade de uma avaliação dos estudantes, feita por profissional habilitado para o diagnóstico da deficiência intelectual, em complementação ao diagnóstico educacional, feito pela professora da classe em que o estudante estava matriculado, foram unânimes em reconhecer que este procedimento dificilmente era seguido, pela excessiva demora em se obter a avaliação, realizada por instituições conveniadas com a Prefeitura (SOUSA, PRIETO, 2000). As professoras que informaram as razões que levaram os estudantes a serem encaminhados às SAPNE expressaram-se com diferentes graus de precisão, bem como, algumas delas, indicaram mais de uma causa, não destacando a causa principal ou a queixa específica para caracterizar a necessidade de apoio especializado. Ao que parece, a decisão de encaminhamento do estudante à SAPNE era apenas da escola, usualmente envolvendo a professora da classe comum e a da SAPNE, em que essas nem sempre dispunham, mesmo quando necessário, de subsídios de laudos psicológico ou médico que apoiassem tal encaminhamento. Como nos indicam as pesquisas, a problemática parece permanecer até a atualidade, com indefinições e imprecisões relacionadas à deficiência intelectual, seja no que se refere à avaliação pedagógica ou mesmo procedimentos para assegurar a avaliação diagnóstica, considerando-se a definição do público-alvo da educação especial nos documentos nacionais e municipais, que relaciona o AEE com a condição do sujeito, no caso em estudo, com a deficiência intelectual. Por isso, nosso estudo se concentra na investigação sobre o fluxo de encaminhamento (identificação-avaliação-indicação) para a SRM de estudantes com deficiência intelectual. Como mencionado, entendemos que a problemática apontada em estudos anteriores podem não ter sido superada. A literatura ainda tem demonstrado maior prevalência para esta deficiência voltada a esses estudantes, depositadas no professor especializado, embora o AEE seja para aqueles com deficiência intelectual, condição que a escola não tem como atestar. 30 Diante do exposto, este estudo teve como objetivo geral: investigar e analisar as diretrizes legais, os critérios de identificação, avaliação utilizados para a indicação dos estudantes com deficiência intelectual à sala de recursos multifuncional na rede de ensino paulistana; e como objetivos específicos nos propomos a: 1. Identificar e analisar quais norteadores utilizados e aplicados pelo Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAI) de cada região em relação ao fluxo de encaminhamento. 2. Identificar os desafios, contradições e necessidades para exequibilidade de cada etapa desse fluxo. Com a publicação do Decreto nº 57.379, de 13 de outubro de 2016 (SÃO PAULO, 2016b), que institui, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, a Política Paulistana de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, as Salas de Apoio e Acompanhamento à Inclusão – SAAI, foram transformadas em Salas de Recursos Multifuncionais. Destacamos que esta investigação foi conduzida durante a implementação desta última legislação da Educação Especial Paulistana. Organizamos esta dissertação em cinco (5) seções. Na Seção 1, intitulada: “Os estudantes com deficiência intelectual na escola: o prescrito”, apresentamos o aporte teórico, papel do Atendimento Educacional Especializado, e o público-alvo da educação especial, com ênfase nos estudantes com deficiência intelectual. Na Seção 2: “O estudante com deficiência intelectual e a constituição de políticas públicas: análise do prescrito nos documentos” nos propomos a retomar a legislação municipal no que tange suas ausências, avanços, retrocessos para a escolarização do estudante com deficiência intelectual. A seguir, na Seção 3: “Caminhos Metodológicos” apresentaremos o percurso metodológico, o universo da pesquisa, o instrumento de investigação e os participantes que contribuíram para este estudo. Logo após, na Seção 4: “Fluxo de encaminhamento: o prescrito nos documentos” nos propomos a retomar a legislação municipal no que diz respeito suas ausências, avanços, retrocessos para a escolarização do estudante com deficiência intelectual. 31 Por fim, na Seção 5: “Em busca do vivenciado” apresentaremos a narrativa dos coordenadores do CEFAI de cada região, responsáveis pelo delineamento e execução das ações relacionadas ao fluxo de encaminhamento ao AEE no município de São Paulo, como lidam com as tensões e pistas que nos indicam para o constante diálogo com a Política de Educação Especial Paulistana. Ao finalizarmos o estudo, elaboramos algumas considerações finais discutindo nossas hipóteses teóricas a partir das diretrizes para a organização e funcionamento do AEE, à luz da literatura da área. 32 1. OS ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA ESCOLA: O PRESCRITO Elogio ao aprendizado Aprenda o mais simples! Para aqueles cuja hora chegou Nunca é tarde demais! Aprenda o ABC; não basta, mas Aprenda! (BRECHT, 1986). O acesso à escola regular para os estudantes público-alvo da educação especial está garantido desde a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e na Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996), evidencia-se no Art. 58, que a Educação Especial deve ser oferecida, preferencialmente na rede regular de ensino. Nota-se, entretanto, que apesar desta prerrogativa, na prática os estudantes público-alvo da educação especial (PAEE) continuavam inseridos em ambiente segregados. Os avanços da escola brasileira na perspectiva de inclusão têm acontecido lentamentente, como anunciado por Bertold Brecht (1986) que nunca é tarde demais, a partir de 2001 com a Resolução CNE/CEB nº 2 (BRASIL, 2001a), ao descrever que o atendimento dos estudantes com deficiência terá início desde a educação infantil, que a educação especial deve ser definida dentro de uma proposta pedagógica da escola regular, que as mesmas devem se organizar para o atendimento começar a mencionar e denomina as salas de recursos para viabilizar e intensificar este acesso a rede regular de ensino, há, portanto, um impulsionar da inclusão escolar. Com o impacto da legislação na reorientação das escolas, nos preocupamos nesta seção em descrever ainda que sucintamente, a trajetória vivenciada pelos estudantes PAEE na garantia de direito à escolarização, com base nas normativas e literatura da área da educação especial, com destaque para a avaliação na educação especial, pois acreditamos que esta é um dos instrumentos essenciais na efetivação com qualidade à escolarização no âmbito da Educação Básica, seja com o acesso a sala de recursos ou outro serviço de educação especial. 33 A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) reafirma o compromisso com a ideia de uma escola para todos e uma perspectiva de oferta de serviços da educação especial que transversaliza da educação básica ao ensino superior. Esses serviços estão definidos e caracterizados como atendimento educacional especializado (AEE) ao público-alvo da educação especial e deve ofertar serviços e recursos que possam garantir seu acesso e permanência em toda sua trajetória escolar. A Resolução CNE/CEB nº 4, de 2 de outubro de 2009, preconizava o público-alvo do AEE, como: I – alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial. II – alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação. III – alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade (BRASIL, 2009). O AEE no Brasil se caracteriza, mediante o acesso do público-alvo da Educação Especial às Salas de Recursos Multifuncionais (BAPTISTA, 2011), ambientes que, segundo o Decreto nº 7.611/2011 (BRASIL, 2011) devem ter por objetivos: I – prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio especializado de acordo com as necessidades individuais dos estudantes; II – garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular; III – fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; IV – assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas e modalidades de ensino. Importante ressaltar que apesar do AEE no Brasil se caracterizar prioritariamente com o atendimento nas salas de recursos, o mesmo pode ocorrer em centro de atendimento educacional especializado da rede pública conveniadas 34 com a Secretaria de Educação, em ambiente hospitalar, ou ainda em ambiente domiciliar (BRASIL, 2009). O Plano Nacional de Educação (PNE) instituído pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, visa efetivar, o acesso e a qualidade da educação por meio de estabelecimento de diretrizes para as políticas públicas, no decênio (2014-2024). Entre 20 metas estabelecidas pelo PNE a meta 4, diz respeito à educação especial: [...] universalizar, para a população de quatro a dezessete anos com deficiência, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao AEE, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia do sistema educacional inclusivo, de salas de recurso multifuncional, classes escolas ou serviços especializados, público ou conveniados (BRASIL, 2014b). Segundo INEP (2016b) o primeiro relatório de metas do PNE, em 2010 o percentual de estudantes de quatro (4) a dezessete anos com deficiência que frequentavam a escola regular era de 80%, e passou para 88,4% em 2015 (INEP, 2016b). A realidade atual mostra um aumento significativo no número de estudantes PAEE no ensino comum, em consonância aumenta o desafio da comunidade educativa – gestores, professores, funcionários da escola, família – que não se sente preparada para efetuar as acomodações necessárias, desconhecem as especificidades de algumas deficiências e não compreendem as possibilidades desses estudantes (STAINBACK, 1999). Estas dúvidas dos profissionais da educação são evidenciadas quando se faz necessário realizar uma das muitas tarefas complexas na educação, a avaliação. A avaliação pode representar a exclusão, se não for usada para promover a aprendizagem e partir das condições próprias de cada estudante (HOFFMANN, 2005). A Educação Especial apresenta, sem dúvida, papel importante a desempenhar perante os estudantes com deficiência, e a avaliação educacional é essencial nesse processo, pois é por meio da avaliação que se pode decidir sobre os suportes especializados necessários (e se necessários) e as suas possibilidades de aprendizagem. 35 A avaliação pedagógica na educação especial é um tema pertinente, polêmico, e, além disso, com diferentes funções, como, por exemplo, historicamente, a avaliação cumpria papel de identificar estudantes que se destacavam fora dos padrões, os chamados, “alunos-problema”, (FREITAS, 2013) e estes eram encaminhados para as classes especiais, no ambiente escolar, conforme paradigma da época e, como consequência, muitas vezes, excluídos da interação dos demais estudantes. Neste período, a avaliação para o encaminhamento destes estudantes para os serviços de educação especial era baseada por orientações de modelos médico/terapêutico, portanto, com caráter clínico com foco na condição individual, muitas vezes com ênfase no diagnóstico e no tratamento. Outra função da avaliação localiza-se na aprendizagem, ou seja, formas de analisar o desempenho escolar dos estudantes. Assim, que a escola adotava uma concepção estática de avaliação (LUNT, 1995), com foco no produto de aprendizagem e na verificação, na classificação, por meio de provas que quantificavam o quanto o estudante aprendeu. Esta dupla função da avaliação e a articulação com concepções lineares e centradas no indivíduo, contribuiu para evidenciar o fracasso, localizado no sujeito e decisões de encaminhamento baseadas mais no diagnóstico clínico, do que em avaliações pedagógicas, como evidenciado por número expressivo de pesquisadores, os quais investigaram o encaminhamento de crianças com deficiência para as classes especiais ou as marcas da exclusão no processo de aprendizagem de muitas crianças da escola brasileira (PASCHOALICK, 1981; FERREIRA, 1989; CORREA, 1990; WERNER JUNIOR, 1993; PATTO, 1993; PADILHA, 1994; MENDES,1995; JANNUZZI, 2004). Com o advento do paradigma da inclusão escolar, verifica-se mudança de foco, o qual passa a ser o contexto, os apoios e a ênfase para a melhoria na qualidade de educação para todos e com todos, no reconhecimento da unicidade do processo de aprendizagem, numa perspectiva de diversidade e heterogeneidade. Documentos como “Saberes e Práticas da inclusão” (BRASIL, 2006a) apresentam subsídios para os sistemas de ensino na reflexão de seus atuais modelos de avaliação e na busca de novas estratégias educativas. Entretanto, ainda é possível identificar várias queixas dos professores e suas angústias nos corredores escolares com falas como: “sei que ele tem algo [...] só não sei dizer o que?”, ao se referirem aos estudantes com suspeita de deficiência ou dificuldade de aprendizagem, o que demonstra a importância de constituir formas de avaliação que possam contribuir 36 para apontar caminhos de ensino e consolidação da aprendizagem na direção proposta pelos documentos que preconizam a ideia de uma educação inclusiva. Segundo Jesus (2004) estes discursos ganham importância porque demonstram os medos e angústias dos professores, os quais encontram nova organização de sala de aula e são responsáveis pelo ensino, o qual deve considerar a diversidade, a heterogeneidade e a particularidade de cada um dos estudantes, sejam eles com deficiência ou sem deficiência. Se considerarmos de forma mais particular a deficiência intelectual, encontramos situação ainda mais complexa, seja pela questão diagnóstica ou pela avaliação pedagógica e curricular, ou ainda, como apontam Veltrone e Mendes (2011) os documentos que versam sobre o AEE para os estudantes com deficiência intelectual não esclarecem a função deste serviço, portanto, os professores, sejam especializados ou os da classe comum, continuam a apresentar dúvidas de como conduzir o processo educativo. Certamente, estas dúvidas, poderiam ser equacionadas por meio do processo de avaliação, desde que os critérios ou as referências avaliativas estivessem mais claros, como proposto e analisado no estudo de Oliveira (2015) ao focar a avaliação pedagógica, a ser realizada pelo professor da classe comum, com base nas expectativas curriculares, propostas pelo sistema educacional, no caso, o de São Paulo (SÃO PAULO, 2007). Ao analisarmos o processo histórico do tema da avaliação na educação especial, podemos notar que tem sido difícil passar de um modelo de avaliação diagnóstica com resquícios de atendimento clínico-terapêutico, realizada por especialistas da área da saúde, com propósito de identificação, sustentada numa concepção de avaliação normativa, para mais recentemente, uma visão da avaliação pedagógica e formativa, a qual considera o processo, e não o produto, respeita e responsabiliza todos os envolvidos no processo educativo – professores, família, especialistas, escola e estudante. Anache e Resende (2016) sinalizam a importância da avaliação e sua implicação, inclusive na construção de valores culturais que permeiam o cotidiano da escola e sua influência no futuro escolar dos estudantes, e, assim, como reconhecido por Valadão (2013) e Veltrone (2011) cada estudante é único, singular, com suas necessidades educacionais específicas e cabe à escola identificar e prover a melhor resposta educacional possível, tanto em termos de definir qual o 37 serviço educacional especializado que necessita, quanto tempo ficar neste serviço, e outras decisões que se fizerem necessárias. O ideal e preconizado pela proposta de uma educação inclusiva, seria uma avaliação dinâmica, na qual o professor dialoga com o estudante e com todos os envolvidos, seja na comunidade escolar, na família ou com os especialistas clínicos. Outro aspecto a ser mencionado seria o Projeto Político Pedagógico como um documento norteador, uma diretriz a partir da qual se compartilha os múltiplos caminhos de aprendizagem e com isso o estudante com deficiência intelectual recebe outro olhar, ou deveria receber, o olhar que respeita sua diferença, considera suas potencialidades e a avaliação pedagógica como sinalizadora na tomada de decisões coletivas e compartilhadas a respeito do estudante com deficiência intelectual. Neste sentido, nos preocupamos em apresentar alguns passos que já foram trilhados por pesquisadores anteriormente a este estudo. 1.1 Produção do conhecimento sobre processo de avaliação na área da Deficiência Intelectual: dados da literatura A produção científica na área de Educação Especial vem aumentando consideravelmente, porém, parece-nos que o conhecimento produzido pelas pesquisas não tem gerado impacto na construção e na prática das políticas educacionais desta área (MENDES, 2010). Com o intuito de conhecer a produção na área sobre o assunto em tela – avaliação pedagógica na área da DI – realizamos levantamento bibliográfico, tendo como fonte de dados teses e dissertações indexadas no Banco de Teses da Capes sobre encaminhamento de estudantes com deficiência intelectual aos serviços de educação especial, publicadas entre os anos de 2008 a 2017. O período foi escolhido levando-se em consideração a publicação da Portaria nº 13 (BRASIL, 2007) a qual dispõe sobre a implantação da sala de recursos como apoio à oferta do atendimento educacional especializado. Além disso, as pesquisas sobre os estudantes com deficiência intelectual começaram a apresentar mais investigações após o programa de implantação de sala de recursos multifuncionais (SRM), em 2007 (FANTINATO; MENDES, 2016). 38 Nossa busca no Banco de Teses da Capes foi orientada pelos seguintes descritores: avaliação; identificação; deficiência intelectual. Ao utilizarmos o descritor avaliação encontramos extenso número de pesquisas, que remetem a avaliação de projetos, avaliação de sistemas, entre outros. Com o descritor identificação foram encontrados, no período de 2008 a 2017, 262 trabalhos, sendo destes, 83 teses e 179 dissertações, nos quais 34 eram do público-alvo da educação especial e 30 eram voltados especificamente ao estudo sobre a deficiência intelectual. Dentre estas, elegemos 11 que mais tangenciam com o nosso tema. Para realizarmos a análise das pesquisas encontradas, seguimos o roteiro de análises de teses e dissertações produzido por Mendes et al. (2002), analisamos objetivos, metodologia e resultados e organizamos, cronologicamente, a descrição dos estudos. Veltrone (2008) identificou, descreveu e analisou a percepção dos estudantes com DI a respeito da matricula na classe comum, por meio de entrevistas com 20 estudantes, sendo 10 deles egressos de classes ou escolas especiais e 10 eram seus colegas de classe. Além da entrevista, a autora fez uso da técnica de desenhos com interrogações. Os resultados apontaram que os estudantes consideram tanto aspectos positivos quanto negativos e há relatos tanto de acolhimento quanto de exclusão nos espaços educacionais inclusivos. Os relatos positivos destacam os apoios dos serviços de educação especial e os negativos referem-se as dificuldades na aprendizagem do conteúdo. A tese de Bridi (2011) teve como objetivo conhecer os processos de identificação e diagnóstico dos estudantes com DI, no contexto do AEE. A autora analisou manuais diagnósticos e classificatórios com o propósito de “[...] conhecer a lógica que sustenta a produção do diagnóstico” da DI, bem como “[...] suas dimensões clínica e pedagógica, suas relações e seus efeitos no campo escolar” (BRIDI, 2011, p. 6). O estudo foi desenvolvido na rede municipal de ensino de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Para atingir os objetivos, Bridi (2011) utilizou como fontes os documentos oficiais, pareceres descritivos elaborados pelas professoras, questionários e entrevistas. Os resultados apontaram que a identificação do estudante com DI que frequentava o AEE, naquela realidade, era realizada, na maioria das vezes, pelo professor de educação especial. Apesar da identificação desse estudante priorizar os aspectos pedagógicos, em muitos dos casos 39 investigados pautava-se em premissas clínicas para a identificação da DI. Quanto ao parecer das professoras, parte dedicava-se a destacar as possibilidades de aprendizagem dos estudantes e propostas para atividades escolares. Outra parte evidenciava nos pareceres as limitações do estudante deixando de sinalizar recursos que poderiam auxiliar na aprendizagem dos mesmos. A tese de Veltrone (2011) descreveu o processo de avaliação para identificação dos estudantes com DI no estado de São Paulo. O estudo foi dividido em diferentes etapas. Inicialmente, foi realizada análise da documentação oficial que regia, na época, o processo de avaliação e identificação do estudante PAEE no país e no estado de São Paulo. A autora chegou à conclusão de que faltavam diretrizes para a definição e avaliação do estudante com DI. Posteriormente, o estudo visou descrever o processo de avaliação e diagnóstico e, para isso, investigou como este era realizado na esfera municipal, estadual e na escola especial. Na esfera pública percebeu que a avaliação era feita principalmente por professores da classe comum, enquanto que na escola especial havia a equipe multidisciplinar, cujo objetivo era o diagnóstico. O estudo foi realizado em cinco municípios paulistas e, em cada um deles, foram analisadas as três (3) instâncias envolvidas no atendimento ao estudante com DI oferecidos pelo munícipio. Ao todo, o estudo totalizou 15 locais de coleta de dados, envolvendo o uso de entrevistas e desenvolvimento de grupos focais. As evidências permitiram concluir que não há diretrizes comuns no processo de avaliação para identificação do estudante com DI, pois o número e formação dos profissionais envolvidos, bem como os critérios e procedimentos utilizados variam para cada equipe entre os diferentes locais, mesmo considerando-se um mesmo município. Assim, um mesmo estudante pode ser identificado em um local, e possivelmente, não o seria em outras dessas instâncias. Com uma perspectiva de discussão que se aproxima daquela praticada por Veltrone (2011), o estudo conduzido por Delevati (2012) analisou as configurações do AEE na rede municipal de Gravataí/RS, a partir da observação participante e análise documental, verificou-se que o processo de encaminhamento dos estudantes para o AEE é orientado por um roteiro organizado pelo Núcleo de Educação Especial. Os estudantes são encaminhados, preferencialmente, com o diagnóstico de deficiência comprovado por parecer técnico. Os estudos de Veltrone 40 (2011) e Delevati (2012), além do objeto de estudo em comum com nossa temática, contribuem ao considerar a avaliação da equipe multidisciplinar. A pesquisa relatada por Milanesi (2012) teve como objetivo verificar se existiam três (3) formas nos municípios pesquisados para identificação e encaminhamento dos estudantes para as SRM, quais sejam: a. quando o professor da sala comum faz a queixa inicial e então o professor da SRM fará pré-avaliação para ver se há necessidade ou não de o estudante começar a frequentar a SRM; b. quando a criança possui alguma deficiência e já frequenta uma instituição especializada no município e, então, em casos como esse, a criança já frequentaria a escola com o laudo e com o apontamento da necessidade de frequentar a SRM; e, c. quando, no momento da matrícula escolar, a família informar que o estudante possui alguma especificidade, nesse caso, a equipe gestora da escola já encaminharia para avaliação na SRM. Este estudo detalha a etapa inicial da avaliação que denominamos identificação, pretendemos além desta etapa detalhar todo o processo, a identificação, a avaliação até a indicação se o estudante com DI será encaminhado à sala de recursos ou outro serviço de educação especial. A tese de Gonzalez (2013) buscou analisar os motivos que embasam o encaminhamento dos estudantes para salas de recursos da rede municipal de ensino de São Paulo, com recorte de gênero e cor/raça, e pode apontar que em 2011 a maioria dos estudantes atendidos em salas de recursos era composta por aqueles identificados com deficiência intelectual, sendo que 60% eram do sexo masculino. Mas em relação a cor/raça foi registrado supremacia de estudantes classificados pela escola como brancos 42%, pardos 29% e negros 6%. A coleta de dados foi realizada em uma escola municipal paulistana de ensino fundamental, foram entrevistadas a coordenação pedagógica e a professora de sala de recursos, bem como analisados os prontuários dos estudantes. Esta pesquisa apontou que o laudo médico foi o principal motivo de encaminhamento para este serviço, enquanto que procuramos anunciar se há outros motivos e quais seriam estes motivos para encaminhamento. 41 Correa (2013) analisou a avaliação, diagnóstico e encaminhamento dos estudantes com deficiência na rede municipal de Londrina, a partir de entrevistas com a equipe psicopedagógica, composta por 12 profissionais, entre eles: coordenadora, quatro (4) psicólogos e sete (7) psicopedagogos, além de quatro (4) professoras da sala de recursos, a análise de laudos de encaminhamento complementou este estudo. Embora este município apresente alguns responsáveis para avaliação, destacou-se que o papel da avaliação e do encaminhamento ficou a cargo da professora da sala de recurso, a qual tem a função de fazer todo o processo avaliativo com o estudante, em relação ao diagnóstico, a ênfase foi dada as questões do indivíduo em detrimento do pedagógico, sendo o processo mais voltado ao funcionamento subjetivo do estudante do que suas relações estabelecidas com o meio de aprendizagem. Para os encaminhamentos, os procedimentos adotados foram, predominantemente, os tradicionais instrumentos de avaliação psicológica, os testes psicométricos realizados por psicólogos, que avaliam a queixa escolar, diagnosticando as prováveis deficiências. Heradão (2014) realizou um estudo no qual objetivou identificar e analisar os instrumentos e procedimentos sugeridos pelas professoras da sala de recursos na elaboração da avaliação pedagógica, apresentou indicações de instrumentos e procedimentos importantes para a concretização da avaliação pedagógica como condição de entrada de estudantes na sala de recursos multifuncionais, para estudantes com deficiência intelectual no município de Osasco. Foi realizado grupo focal com cinco (5) professoras especialistas de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Como resultado foi apontado o uso de ficha de encaminhamento, roteiro de entrevista, ficha de entrevista com pais e atividades a serem realizadas pelos estudantes, porém questiona-se até que ponto tais instrumentos identificam as potencialidades dos estudantes e se são suficientes na tomada de decisão para matricular os estudantes com DI na sala de recursos. Com a preocupação de analisar o processo na avaliação de identificação, planejamento e rendimento dos estudantes com DI, Aguiar (2015) em sua tese realizou entrevistas com as professoras das salas de recursos de dois (2) municípios, Vitória/ES e Serra/ES e, além das professoras no município de Serra, também entrevistou gestores, professores e estudantes com DI, o que resultou no anuncio da necessidade de tornar o tema avaliação mais recorrente nas formações 42 dos professores, estes apresentaram muita dificuldade em lidar com a avaliação para identificação. Ainda sobre as concepções dos professores e a participação da família a pesquisa, “Avaliação e encaminhamento de crianças com deficiência para o AEE na rede municipal de Dourados/MS” de Pietrobom (2016), objetivou analisar o processo de avaliação e os processos de encaminhamento dos estudantes PAEE, para isso foi aplicado questionário para 18 professoras de sala de recurso e grupo focal, como resultado apontam que cada professora realiza um modelo diferente de avaliação, que as avaliações têm sido usadas prioritariamente para definir a elegibilidade do estudante para o serviço e que não há previsão de término nessas propostas de avaliação. Esses resultados evidenciaram a restrita participação da família, que se comporta como mera informante no processo. Emerge daí a necessidade de se pensar em procedimentos de avaliação que sejam mais amplos e menos determinados pelos laudos médicos, que em pouco ajudam a pensar em estratégias e práticas inclusivas. Nesta perspectiva, Almeida (2016a) investigou a avaliação inicial/diagnóstica realizada pelas professoras especializadas para definir o público-alvo da educação especial e as condições e modos de realização desta avaliação, se preocupa em como as orientações do município de Osasco (SP) impactam nesta avaliação, e quais concepções de avaliação e deficiência intelectual emergem desta prática. Foi realizada entrevista com seis (6) professoras especialistas responsáveis pela avaliação inicial, bem como análise de documento orientador da etapa inicial do encaminhamento dos estudantes ao AEE. Constatou-se que as orientações formuladas não são suficientes e muitas dificuldades são enfrentadas, como, por exemplo, o modo de conceber avaliação e deficiência intelectual, o que limita a relação com estes estudantes e a possibilidade de mudanças das práticas educativas. Desses estudos extrai-se significativa dificuldade dos professores, sejam eles especializados ou não, na realização da avaliação com vistas ao suporte e possibilidade pedagógica desses estudantes. Isto reforça a necessidade de formação continuada sobre o tema avaliação para todos os docentes, a fim de eliminar barreiras e melhorar efetivamente a prática educativa para todos. Com o foco de estudar a política e as práticas educativas referentes à inclusão escolar brasileira, foi criado o Observatório Nacional de Educação Especial 43 (ONEESP), que teve como missão contribuir para o processo de universalização do acesso e melhoria da qualidade do ensino oferecida ao PAEE no Brasil. Com esta preocupação, em 2015 foram organizados três (3) livros: “Inclusão escolar e a avaliação do público-alvo da educação especial”, “Inclusão Escolar e os desafios para a formação de professores de educação especial” e “Inclusão Escolar em foco: organização e funcionamento do atendimento educacional especializado”, destes três (3) livros destacamos o segundo da série, que apresenta coletânea de 22 estudos sobre o eixo de avaliação dos estudantes atendidos nas salas de recursos, destes 22 estudos, elegemos 10 estudos que tratam mais diretamente da temática do nosso estudo. Assim, a seguir, descreveremos, resumidamente, os resultados de tais pesquisas, uma vez que podem contribuir na ampliação de nossa análise sobre o fluxo de encaminhamento para a SRM na perspectiva da política de inclusão escolar. 1.2 Contribuições dos pesquisadores da rede Observatório Nacional da Educação Especial (ONEESP) Segundo Mendes e Valadão (2015), algumas pesquisas que focam regiões ou estados brasileiros retratam ainda mais o cenário frágil em torno da educação inclusiva, pois revelam a aplicabilidade das políticas públicas dessa proposta, diretamente in loco, a partir das vozes de seus participantes e confirmam a realidade das ações previstas nos documentos até então apresentados. Neste cenário, é oportuno comentar algumas pesquisas realizadas pelo ONEESP, que em 2011 se constituiu como grupo de pesquisadores preocupados em produzir estudos integrados sobre políticas e práticas direcionadas para a questão da inclusão escolar na realidade brasileira. O estudo inicial se propôs a investigar limites e possibilidade que oferecem SRM, como serviço de apoio para todos os tipos de estudantes PAEE. As pesquisas foram conduzidas em 56 municípios de 16 estados brasileiros – Alagoas, Amapá, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, São Paulo, Santa Catarina, Sergipe, Paraíba, Paraná – e o projeto enfocou três (3) eixos para avaliar esta política, a saber: a formação inicial e continuada dos professores que atuam nas SRM; a organização e funcionamento das SRM; e o processo de avaliação do estudante da 44 SRM para identificação, planejamento e do desempenho, este último se aproxima do objeto do nosso estudo, portanto, faremos um destaque para as pesquisas deste eixo por aproximação e distanciamento de conclusões. Na região Norte, no estado do Pará, a avaliação para encaminhamento para as SRM feita pelos professores, apresenta dois momentos importantes, a inicial que verifica aspectos clínicos e pedagógicos importantes para compreender o encaminhamento, considera a apresentação do laudo, e a segunda avaliação que verifica apenas aspectos pedagógicos. Diferentemente do município de Camboriú (SC) que é realizada apenas uma avaliação e os responsáveis pela definição do encaminhamento dos estudantes com DI para a SRM são o Pediatra e Neurologista. No município de Maceió (AL) há uma preocupação em analisar o diagnóstico clinico, mas, inicialmente, o encaminhamento é feito pelo professor da sala comum, que em segundo momento encaminha para o professor especializado, verificaram que as escolas públicas deste município apresentavam processo de identificação e encaminhamento diversificados, porém o encaminhamento não era atrelado ao laudo clínico. Importante destacar que o AEE ainda se deparava com encaminhamento precipitado de estudantes com problemas de aprendizagem, o que nos leva a questionar a capacidade dos educadores em distinguir entre os estudantes com dificuldade de aprendizagem e os estudantes com deficiência intelectual. Destacamos a preocupação do estado de Goiás, que buscam discutir o modo como os estudantes têm sido identificados para o encaminhamento ao AEE, o diagnóstico (laudo clínico) dificulta o processo de educação inclusiva, existem muitos percalços para a obtenção e só serve para coibir a entrada dos estudantes que não possuem deficiência. Ainda na região central, precisamente em Mato Grosso do Sul, buscou-se identificar os critérios para encaminhar um estudante, foram identificados dois (2) critérios: laudo médico e avaliação acadêmica. Assim, com base no relato da dificuldade no processo de aprendizagem, dos problemas de comportamento, e do laudo médico, determina-se o acesso ou não ao AEE. A avaliação de desempenho acadêmico foi o principal critério apontado para o encaminhamento dos estudantes com DI, porém um quantitativo maior de estudantes com diagnóstico de DI foi encaminhado com base na exigência do laudo, sem considerar o baixo desempenho acadêmico. Ao contrário do mencionado pelos estados da região Norte e Nordeste, 45 no estado do Espírito Santo o laudo não é o único dispositivo para efetivar a matrícula, devido à morosidade no processo em se obter o laudo, educadores desta região se preocupam em buscar ações de intervenção nas SRM tendo por base a indicação do professor da sala comum, do pedagogo e do professor especializado em Educação Especial. Para os estudos no estado de São Paulo, destacamos os municípios de Rio Claro, Bauru e São Carlos, os quais estão descritos nas pesquisas do ONEESP. No município de Rio Claro, estudantes sem laudo frequentam o AEE, percebe-se que existem procedimentos variados, envolve desde a exigência de laudo por profissionais fora da escola até avaliações exclusivamente pedagógica. No município de Bauru evidencia-se uma preocupação com a avaliação processual, contudo, sem uniformidade ou consenso quanto a esse processo, o encaminhamento inicial pode ser realizado por um professor da classe comum ou pelo diretor da escola que indica para a professora de SRM, outra possibilidade, menos frequente, a procura do serviço pela família. Em São Carlos foi possível constatar variações no processo de identificação de estudantes PAEE, este processo ocorre após o ingresso da criança na escola, a partir de seis (6) anos de idade. O encaminhamento passa por uma triagem de responsabilidade do professor de sala comum e a entrada na SRM é definida pelo professor especializado, mediante avaliação pedagógica. Ambos os professores se dizem desconfortáveis com o papel de protagonistas na identificação e encaminhamento à SRM. Diante das pesquisas aqui apresentadas, percebemos que cada município se organiza de forma muito particular, portanto a legislação nacional permite a autonomia e liberdade na construção de suas políticas educacionais, porém os documentos negligenciam a necessidade de identificação e favorecem a avaliação pelos profissionais da escola, não apontam os critérios que deveriam ser utilizados na avaliação, não oferecem diretrizes claras sobre o procedimento de identificação, as indicações do estudante com DI aos serviços podem apresentar incertezas, haja vista ser realizada de modo subjetivo. Se cada município apresenta suas particularidades para avaliação, encaminhamento, nos debruçamos em investigar como ocorre no município de São Paulo com território tão amplo, além de citarmos sobre a indicação que remete a elegibilidade do estudante com DI aos serviços, pouco explorada nestes estudos. 46 Sem dúvida, as pesquisas na área da educação especial precisam avançar nessa discussão, buscar caminhos de análise e proposição de ações no que se refere ao encaminhamento à SRM, e na área da deficiência intelectual, isso não é algo simples. Considerando essa problemática, nosso estudo busca, justamente investigar o fluxo de encaminhamento do estudante com Deficiência Intelectual para a sala de recursos. 2. O ESTUDANTE COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E A CONSTITUIÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: ANÁLISE DO PRESCRITO NAS LEGISLAÇÕES Como todas as coisas deste mundo, e certamente de todos os outros, o juízo dependerá do ponto de vista do observador. (SARAMAGO, 2014). 2.1 Notas sobre a avaliação pedagógica na Educação Brasileira O tema avaliação tem sido muito explorado na área da educação, com variados enfoques de tratamento, marcada em sua trajetória por abordagem psicométrica, avaliação dos objetivos ou quantitativa até avaliação qualitativa, isto sem citarmos avaliação institucional, a qual não iremos aprofundar nesta discussão, pois se distancia do nosso objeto. A abordagem psicométrica surgiu no final do século XIX, no Brasil se intensificou entre as décadas de 1930 a 1950, a partir de discussões sobre inteligência e sua medição, os testes normalizados utilizados por psicólogos, se tornou importante por se sustentar nos fundamentos de medida em ciências, garantia, portanto, legitimidade e cientificidade aos testes. A padronização de testes refletiu no ambiente escolar, de forma que são aplicados testes e provas escritas para observar o rendimento do estudante, esta classificação muitas vezes baseada em testes de QI, pressupõe uma classificação intelectual, este processo enfatiza o fracasso de muitos estudantes que foram encaminhados às “classes especiais”. 47 A partir dos fundamentos da pedagogia tecnicista (década de 1960 à década de 1970), o modelo de avaliação se estrutura no processo de ensino, com base nas mudanças de comportamento dos estudantes. Parte do princípio de treinamento e memorização, acreditava-se que com boas técnicas, seria possível alcançar o comportamento desejado aos estudantes, há uma excessiva preocupação com a obtenção de dados que comprovem o aproveitamento em relação aos objetivos planejados pelos professores, neste contexto os testes objetivos configuram um modelo tradicional de educação, uma abordagem de avaliação quantitativa. Para Luckesi (2011), há 40 anos estamos estudando este tema e essa prática escolar, até então denominada exame escolar, com a Lei nº 5.692/71, se redefine o sistema de ensino no país e deixa-se de utilizar o termo exame escolar e assume a expressão aferição de aproveitamento escolar, mas ainda não se serve dos termos avaliação da aprendizagem, esta que foi citada na LDB, no Art. 5º sobre os critérios do rendimento escolar: a) Avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre as eventuais provas finais (BRASIL, 1996). Nota-se que a LDB preconiza o processo de avaliação e não apenas o produto final, a fim de esclarecer a diferença sutil entre verificação e avaliação, Luckesi (2011) pondera que a verificação se configura na observação, coleta, síntese de dados e se encerra com a informação do que se busca, enquanto que a avaliação vai além, porque realiza o mesmo processo da verificação, mas conduz a uma nova decisão. A verificação congela, é estática enquanto que a avaliação é a dinâmica da ação, que qualifica e subsidia o encaminhamento para a melhor forma de condução do ensino escolar. Segundo Libâneo (2012), a avalição dentro do processo educacional apresenta diferenças com a simples medição, pois essa última “[...] refere-se à aferição, expressa em notas, conceitos, no cotidiano escolar a medição tem sido mais valorizada do que a avaliação, tanto que muitos estudantes estudam para tirar nota, e não para aprender” (LIBÂNEO, 2012, p. 264). 48 Em consonância a esta diferenciação apontada pelo autor, no documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva se faz a seguinte afirmação: A avaliação pedagógica como processo dinâmico considera tanto o conhecimento prévio e o nível atual de desenvolvimento do aluno quanto às possibilidades de aprendizagem futura, configurando uma ação pedagógica processual e formativa que analisa o desempenho do aluno em relação ao seu progresso individual, prevalecendo na avaliação os aspectos qualitativos que indiquem as intervenções pedagógicas do professor. No processo de avaliação, o professor deve criar estratégias considerando que alguns alunos podem demandar ampliação do tempo para a realização dos trabalhos e o uso da língua de sinais, de textos em Braille, de informática ou de tecnologia assistiva como uma prática cotidiana (BRASIL, 2008, p. 12-13). De certa forma, podemos conjecturar que a orientação deste documento ratifica o teor do que vinha anunciado na Resolução nº 2/2001, no Art. 6º, que determina enfaticamente que “[...] os sistemas de ensino devem matricular todos os estudantes, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos” (BRASIL, 2001a). Ao considerar as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos, podemos reiterar que não é uma tarefa fácil, entretanto no documento Diretrizes Nacionais para a Educação Especial, se busca a qualidade ao definir: [...] avaliação pedagógica dos alunos que apresentam necessidade educacionais especiais, objetivando identificar barreiras que estejam impedindo ou dificultando o processo educativo em suas múltiplas dimensões. Essa avaliação deverá levar em consideração todas as variáveis; as que incidem na aprendizagem; as de cunho individual, as que incidem no ensino, como as condições da escola e da prática docente; as que inspiram diretrizes gerais da educação, bem como as relações que se estabelecem entre todas elas (BRASIL, 2001b, p. 34). Em termos de política educacional, é possível notar um esforço em reduzir as práticas classificatórias e excludentes a favor da avaliação apontada como processual, que produza planejamento e decisões, com vistas à efetiva inclusão. O grande desafio está justamente em como se dá este processo, como afirma Oliveira (2011, p. 14) “[...] não são poucas as dificuldades encontradas para que se 49 encontrem critérios e procedimentos adequados que, realmente, possa garantir a análise de todo o processo educacional [...]”. Neste sentido, o documento oficial “Saberes e práticas da inclusão: avaliação para identificação das necessidades educacionais especiais” (BRASIL, 2006b, p. 9) preconiza: Avaliação torna-se inclusiva, na medida em que permitem identificar as necessidades dos alunos, de suas famílias, as escolas e dos professores. Mas identificá-la, apenas, não basta. É preciso construir propostas e tomar as providencias que permitam, concretamente satisfazê-las. Com o intuito que se concretize estas propostas avaliativas inclusivas, no mesmo documento é sugerido que tenham equipes de avaliação cuja tarefa seja “[...] apoiar a ampliação das equipes de profissionais da educação para atender à demanda do processo de escolarização dos estudantes público-alvo da educação especial [...]” (BRASIL, 2014b). Mendes e Veltrone (2011) ao sistematizar e analisar os documentos oficiais sobre avaliação do estudante com DI constataram que há necessidade de procedimento mais sistemáticos que incluam critérios para a identificação, avaliação e indicação para os serviços de educação especial. Com base nas orientações do documento “Saberes e Práticas da Inclusão: avaliação para identificação das necessidades educacionais especiais” (BRASIL, 2006b), o qual considera que na avaliação não basta apenas a identificação, mas é preciso construir propostas e tomar providências que permitam concretamente satisfazê-las, podemos entender que a avaliação na educação especial com o objetivo de tomar decisões sobre o encaminhamento para os serviços de apoio pedagógico, como o AEE, é um processo que se deveria se dar em três etapas importantes: a identificação, a avaliação pedagógica e a indicação. A primeira etapa compreende a Identificação, a qual se dá a partir da queixa do professor comum, com base em suas observações em sala de aula ou a partir da família, capaz também de identificar as necessidades de seu filho, entretanto, não apenas com o foco no sujeito, mas no contexto e nas condições próprias do estudante, da escola ou da família. A segunda etapa deve se caracterizar por estabelecer as condições de aprendizagem do ensino, analisar o empenho pedagógico, os conhecimentos 50 prévios do estudante para oferecer subsídios para o planejamento. E a terceira etapa seria a Indicação, a qual irá definir a elegibilidade do estudante aos serviços pedagógicos especializados disponíveis, indica os recursos humanos necessários, e também, a indicação de propostas orientadoras para o trabalho pedagógico em sala de aula para a organização curricular, portanto finaliza o processo como iniciou, ou seja, com uma devolutiva para o professor da classe comum. A análise do proposto nestas etapas, por documento do próprio Ministério da Educação, nos traz algumas inquietações: como ocorre a identificação dos estudantes com DI? Essas orientações para a identificação, orientação e indicação são seguidas? Os critérios para o fluxo de encaminhamento são pouco claros? Os instrumentos são precários? Para a escola o que é mais importante? Para a escola muitas questões, sem dúvida, são importantes, uma delas é o envio de dados corretos ao Censo Escolar, o qual objetiva ter acesso a informações essenciais sobre a Educação Básica Brasileira, portanto é uma referência para a elaboração e a avaliação das políticas educacionais do país, estado e municípios, e certamente, identificação correta das necessidades dos estudantes com DI – assim como de outras condições – pode possibilitar melhor organização e gestão dos sistemas de ensino às respostas educacionais mais adequadas para garantir a aprendizagem e a escolarização com sucesso destes estudantes, na perspectiva da educação inclusiva, ou seja, considerando a heterogeneidade e a diversidade na constituição dos conhecimentos científicos. Meletti e Bueno (2011), com base no Censo Escolar realizaram um levantamento de matrículas por tipo de deficiência entre 1998 e 2006, e encontraram maior concentração de estudantes com deficiência intelectual. Françoso (2014) em seu estudo na região de Corumbá (MS), também identificou maior aumento de matrículas dos estudantes com deficiência intelectual. Podemos salientar que a partir de 2014, com a Nota Técnica nº 04, foi retirada a exigência do laudo para registro do Censo Escolar, o que pode ter contribuído para o aumento das matrículas dos estudantes com DI, conforme segue: [...] não se pode considerar imprescindível a apresentação do laudo médico (diagnóstico clínico) por parte do aluno com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação, uma vez que o AEE, caracteriza-se por atendimento pedagógico e não clínico (BRASIL, 2014a, p. 57). 51 Entretanto, apesar dessa indicação, não estabelece diretrizes, procedimentos ou critérios norteadores para tal definição, uma vez que a escola não dispõe de instrumentos ou profissionais para avaliar a condição de deficiência intelectual, portanto, o problema permanece, se não é necessário laudo, como justificar o encaminhamento para a SRM se a própria legislação nacional delimita o público-alvo para o AEE e, entre eles, aquele com DI? Outro aspecto importante foi considerado por Silva (2016) ao analisar o aumento das matrículas dos estudantes com deficiência intelectual no estado do Rio Grande do Sul, observou que este aumento ocorreu após 2011, quando há mudanças no preenchimento do Censo Escolar, e a alteração da nomenclatura deficiência mental para deficiência intelectual. O autor com base nos dados encontrados, aponta que a complexidade do processo de diagnóstico e precariedade de instrume