unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DE COMPUTAÇÃO E ESTATÍSTICA Variedade Riemanniana e Imersões do tipo Nash: um ensaio e aplicações Augusto Izuka Zanelato Dissertação de Mestrado Pós-Graduação em Matemática Rua Cristovão Colombo, 2265 15054-000 - São José do Rio Preto - SP - Brasil Telefone: (17) 3221-2444 Fax: (17) 3221-2445 Variedades Riemanianas e Imersões do tipo Nash: um ensaio e aplicações Augusto Izuka Zanelato Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Uni- versidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto, São Paulo, para a obtenção do t́ıtulo de Mestre em Matemática. Orientador: Prof. Dr. Manoel Ferreira Borges Neto São José do Rio Preto 2008 Augusto Izuka Zanelato Variedades Riemanianas e Imersões do tipo Nash: um ensaio e aplicações Dissertação apresentada para obtenção do t́ıtulo de Mestre em Matemática do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universi- dade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. BANCA EXAMINADORA Orientador Prof. Dr. Manoel Ferreira Borges Neto UNESP - São José do Rio Preto Primeiro Examinador Profa. Dra. Sandra Regina Monteiro Masalskiene Roveda UNESP - Campos de Sorocaba Segundo Examinador Prof. Dr. Antonio Lúıs Venezuela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul- Campos de Três Lagoas Primeiro Suplente Prof. Dr. José Arnaldo Rovela UNESP - Campos de Sorocaba Segundo Suplente Prof. Dr. Masayoshi Tsuchida UNESP - São José do Rio Preto São José do Rio Preto, 18 de Fevereiro de 2009. 4 “Não há ramo da matemática, por mais abstrato que seja, que não possa vir a ser aplicado, mais cedo ou mais tarde, aos fenômenos do mundo real.” Lobachevsky Aos meus pais, Alceu e Eliana e aos meus irmãos, Alex e Aurelio, ofereço. A minha amada, Andressa dedico. Agradecimentos A Deus por me conceder mais uma vez a oportunidade de crescimento intelectual e espiritual. Ao meu orientador Prof. Borges, pela sabedoria, compreensão e atenção dedicadas a mim sempre com muito carinho e paciência. A todos os professores do departamento, em especial ao Prof. Ranga e à Profa. Socorro. Aos meus estimados pais Alceu e Eliana, por todo amor e principalmente pelo apoio e sacrif́ıcio nestes anos que vivemos tão longe. Aos meus queridos irmãos Alex e Aurelio pela compreensão na ausência e pelo apoio incondicional. A minha amada Andressa, que sempre esteve ao meu lado nos momentos mais dif́ıceis, pelo carinho, paciência, incentivo que foram fundamentais para a realização deste tra- balho. Aos meus amigos, pelo companheirismo em todos os momentos. A todos os professores e funcionários que, direta ou indiretamente, contribúıram para a concretização desta dissertação. Ao CNPq, pelo aux́ılio financeiro. Resumo O presente trabalho tem por objetivo abordar aspectos fundamentais da teoria de imersão proposta por John Nash em 1954, na qual foi mostrado que uma variedade cont́ınua com derivada cont́ınua C1, pode ser imersa em espaços euclidianos de 2n di- mensões. Faz-se importante citar que ao longo do trabalho serão destacados aspectos inovadores do Teorema de Nash, tais como a não necessidade da hipótese de analitici- dade conforme havia sido usada anteriormente por Janet-Cartan, além do aspecto da perturbação que permite construir qualquer outra variedade imersa por uma sequência de deformações infinitesimais. São discutidos também extensões do Teorema de Nash, sobretudo os trabalhos de Greene e de Gunther, e aplicações do método perturbativo de Nash nas Teorias unificadoras da f́ısica. Palavras-chave: Variedade Riemanniana e Imersões ou mergulho do tipo Nash, Nash-Greene, Nash-Gunther, Janet-Cartan, um ensaio e aplicações Abstract The present work has for objective to approach basic aspects of the immersion the- ory proposal for John Nash in 1954, in which it was shown that a continuous variety with continuous derivative C1, can be immersed in Euclidean spaces of 2n dimensions. One becomes important to cite that throughout the work innovative aspects of the The- orem of Nash will be detached, such as the necessity of the hypothesis of in agreement analiticidade had not been used previously for Janet-Cartan, beyond the aspect of the disturbance that allows to construct any another immersed variety for a sequência of in- finitesimal deformations. Extensions of the Theorem of Nash are also argued, over all the works of Greene and Gunther, and applications of the perturbativo method of Nash in the unifying Theories of the physics. Keywords: Riemannian Manifolds; Immersion, Embedding, Nash, Nash-Greene, Nash-Gunther, Janet-Cartan. Sumário 1 Breve introdução histórica sobre a origem da geometria 13 1.1 O nascimento da Geometria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 1.2 A geometria de Euclides. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 1.3 Geometria Não-Euclidiana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 2 Alguns Conceitos Básicos e idéias sobre Medidas 28 2.1 O espaço vetorial Rn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 2.2 Produto Interno e Norma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 2.3 Conjuntos abertos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.4 Conjuntos Fechados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 2.5 Conjuntos Compactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 2.6 Conjuntos conexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 2.7 Conexo por Caminhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 3 Formas Locais de imersões e mergulho em Superf́ıcies 41 3.1 Superf́ıcies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 3.2 Superf́ıcies nos Espaços Euclidianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 3.3 Plano Tangente e Vetor Normal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 3.4 Primeira Forma Quadrática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.5 Segunda Forma Quadrática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3.6 Curvaturas Principais; Curvatura de Gauss e Curvatura Média . . . . . . . 58 3.7 Classificação dos Pontos de uma Superf́ıcie . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 3.8 Linhas de Curvatura, Linhas Assintoticas e Geodésicas . . . . . . . . . . . 64 3.9 Teorema Egregium de Gauss, Equações de Gauss e Codazzi-Mainardi , Teorema Fundamental das Superf́ıcies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 3.10 Forma Local das Imersões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 4 Formas Locais de imersões e mergulho em Variedades 77 4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 4.2 Variedades Diferenciáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 4.3 Imersões em Variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 11 5 Em direção ao Teorema de Nash 89 5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 5.2 Espaços Curvos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 5.3 Geometria Riemanniana (ou Esferica) e Geometria Afim . . . . . . . . . . 91 5.4 Geodésicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 5.5 Componentes Contravariantes e Covariantes em Vetor . . . . . . . . . . . . 95 5.6 Produto tensorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 5.7 Paralelismo e Curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 5.8 A Teoria da Relatividade Geral e desenvolvimento da geometria . . . . . . 101 5.9 A forma local de uma variedade e as equações de Gauss, Codazzi e Ricci . 103 5.10 Os teoremas de Janet-Cartan . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 6 Teoremas de Nash, de Nash-Greene e de Nash-Gunther 118 6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 6.2 Teorema de Nash (1954) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 6.3 Teorema de Nash-Greene . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 6.4 Coordenadas Harmônicas Locais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 6.5 Mergulho por funções harmônicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126 6.6 Teorema de Nash-Greene . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 6.7 Teorema de Nash-Gunther . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136 7 Imersão “a la” Nash e Teoria de unificação 141 7.1 introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 7.2 Elementos da Teoria Não-Abeliana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 7.3 Cosmologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 7.4 Teoria de Kaluza Klein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 7.5 Cálculo de gµν usando imersão de Nash . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 8 Conclusões 150 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163 Caṕıtulo 1 Breve introdução histórica sobre a origem da geometria Neste caṕıtulo descreveremos a história da geometria, de uma forma cronológica e breve, baseada nos principais fatos de sua história. Desde sua origem, fundamentou-se em duas teorias, a primeira defendida por Heródoto que acreditava que a geometria tinha surgido da necessidade prática de se fazer novas demarcações de terras após as inundações, e a segunda defendida por Aristóteles que acreditava que a origem da geometria se deu através do lazer sacerdotal. Passando por Euclides, que através de seu livro “Elemento” se torna uma das figuras mais importantes desta história, se não for a mais importante. Com Euclides a geometria se consolida e passa a ser conhecida como geometria euclidiana. Discutimos a validade do quinto postulado de Euclides, o qual é de vital importância nesta história, pois através da negação deste postulado se constrói duas novas geometrias, denominadas geometria gaussiana e geometria riemanniana. Descrevemos a importância destas novas geometrias no desenvolvimento da matemática e da f́ısica. 1.1 O nascimento da Geometria. O nascimento da geometria se confunde com as próprias origens da matemática. Não se pode afirmar com certeza sobre a origem da matemática, pois os seus primórdios são mais antigos, que a própria arte de escrever. A referência mais antiga de um sistema de medida vem da Grécia, com os antigos babilônios. Herótodo(484 a.C. - 425 a.C.)[1], um famoso historiador grego, defendia a teoria que a geometria se originava no Egito, pois acreditava que tinha surgido da necessidade prática de se fazer novas demarcações de terras após cada inundação anual que ocorria no vale do Rio Nilo. Por outro lado Aristóteles(384 a.C - 322 a.C.)[11] o fundador da lógica sistemática, que era filosofo e biólogo, mas estava completamente a par das atividades dos matemáticos, acreditava que a existência no Egito de uma classe sacerdotal com lazeres é que teria originado o estudo da geometria. Eles tinham teorias opostas sobre a origem. O primeiro acreditava que a origem fosse da necessidade prática e o segundo que a origem fosse do lazer sacerdotal. O fato de às vezes geômetras eǵıpcios serem chamados de “estiradores de corda” pode ser tomado como apoio de qualquer uma das duas teorias, pois eram usadas tanto para fazer demarcações quanto para traçar as bases de templos. Não podemos contradizer nenhum dos dois filósofos quanto à motivação que produziu a origem da matemática, mas é claro que eles subestimaram a idade deste assunto. O homem Neoĺıtico pode ter tido pouco lazer e pouca necessidade de fazer demarcações de terras, porém seus desenhos e figuras mostram uma preocupação com a congruência e simetria que são parte da geometria elementar. 1.2 A geometria de Euclides. Tales de Mileto(624 a.C - 548 a.C.)[11], foi o primeiro matemático verdadeiro que originou uma organização dedutiva da geometria, quem manteve o nome eǵıpcio de geometria cujo significado seria “medida de terras”. Ele foi o primeiro a demonstrar os teoremas de geometria que séculos mais tarde Euclides juntaria em sua obra Elementos. Euclides(aprox. 300 a.C.)[1], que pode ser considerado como o pai da geometria es- creveu trabalhos cobrindo tópicos variados como óptica, astronomia, música e mecânica, e até um livro sobre seções cônicas. Porém seu maior feito é sem duvida a obra “Elemen- tos”[9] que foi considerado o texto matemático mais bem sucedido de todos os tempos. Foi escrito em 300 a.C. aproximadamente, e está dividido em treze livros ou caṕıtulos, dos quais os seis primeiros são sobre geometria plana elementar, os três seguintes são sobre teoria dos números, o décimo livro sobre incomensurabilidade e os três últimos tratam principalmente sobre geometria no espaço. Seus livros apresentavam, de maneira sistemática, a Matemática como ciência dedu- tiva. Isto significa que toda afirmação deve ser deduzida logicamente de outras afirmações mais simples, e assim sucessivamente. É claro que no começo devem existir algumas afirmações não demonstradas, que Euclides chamou de postulados. Euclides formulou 23 14 definições, cinco postulados geométricos e cinco noções comuns com o objetivo de formu- lar um sistema livre de suposições baseadas na intuição ou conjecturas. A partir desta base ele demonstrou 465 teoremas, os quais eram todos os conhecimentos geométricos da época. Apesar da fama de Euclides e de seu “best seller” “ Elementos”, sabe-se pouco de sua vida. Nenhum lugar de nascimento foi associado a seu nome, apesar de algumas edições de os “Elementos”, o tinham freqüentemente identificado como Euclides de Megara. Mas, trata-se de um erro de identidade. O verdadeiro Euclides de Megara era um disćıpulo de Sócrates, nosso Euclides, freqüentemente chamado de Euclides de Alexandria lecio- nou em um instituto conhecido como Museu, situado em Alexandria. Pela natureza de seu trabalho se presume que ele tenha estudado com algum disćıpulo de Platão (aprox. 427a.C.)[11], se não na própria academia. Euclides não dava muita importância para os aspectos práticos do assunto, pois há uma historia que diz que quando um estudante perguntara para que serviria a matemática ele ordenou para que seu escravo desse para o estudante três moedas, “pois ele precisa ter lucro com que aprende”. Na seqüência discutiremos o quinto postulado de Euclides. Ele procurou escolher, como postulados, afirmações que, por sua simplicidade, seriam aceitas por qualquer pessoa de bom senso e que eram, em um certo sentido, evidentes por si mesmo. Os quatro primeiros postulados de Euclides, enunciados a seguir[15], satisfazem ple- namente às condições de simplicidade e evidencia acima mencionados: 1. Dois pontos determinam uma reta. 2. A partir de qualquer ponto de uma reta dada é posśıvel marcar um seguimento de comprimento arbitrário. 3. É posśıvel descrever um ćırculo com centro arbitrário e raio arbitrário. 4. Todos os ângulos retos são iguais. (O ângulo reto é definido do seguinte modo: se duas retas se cortam formam quatro ângulos iguais, o ângulo comum assim determinado é chamado reto.) 15 O quinto e último postulado, entretanto, é conhecido como postulado das paralelas: 5. “Se duas retas, em um mesmo plano, são cortadas por outra reta, e se a soma dos ângulos internos de um lado é menor do que dois retos, então as retas se encontrarão, se prolongadas suficientemente do lado em que à soma dos ângulos é menor do que dois ângulos retos”. [1,2]. Veja na figura (1.1). r 2 r 1 r α β Figura 1.1: O quinto postulado de Euclides 16 1.3 Geometria Não-Euclidiana. O desenvolvimento histórico da geometria não-Euclidiana foi o resultado de tentativas de se provar o quinto postulado de Euclides. Observe que apesar de não conter a palavra paralela, ele é também conhecido como axioma das paralelas (ou postulado das paralelas). A razão de chamarmos o quinto postulado de Euclides de axioma das paralelas se dá por ele ser totalmente equivalente a qualquer uma das afirmações seguintes que contém a palavra paralela 1. Se uma reta no mesmo plano intersecta uma das paralelas, intersectará a outra. 2. Retas que são paralelas a uma reta são paralelas entre si. 3. Duas retas que se intersectam não podem ser paralelas a uma mesma reta. 4. Sejam dados, em um plano, uma reta r e um ponto p que não está em r. Então existe uma e só uma reta paralela a r passando por p (figura 1.2). P r Figura 1.2: Postulado das paralelas 17 As primeiras investigações sobre o quinto postulado de Euclides tentavam provar sua validade; inicialmente tentou-se deduźı-lo logicamente a partir dos outros quatros, assim ele se tornaria um teorema e sua validez estaria garantida. Por exemplo, Proclus (500 d.C.) admitia que dado um triângulo, existe um triângulo semelhante a ele com área arbitrária; Legendre (1752 - 1833 d.C.) admitia que dado um ângulo e um ponto p no seu interior, é posśıvel passar por p uma reta que encontra os dois lados do ângulo (figura 1.3). P C B Figura 1.3: Como estas tentativas falharam, foi inevitável que os matemáticos se voltassem para os métodos indiretos. Dois matemáticos notáveis, que empregaram redução ao absurdo para provar a validade do postulado, foram Girolamo Saccheri (1667-1733)[11] e Johann Lambert (1728-1777)[11]. 18 Girolamo Saccher[16] foi um jesúıta que ensinava em colégios de sua ordem na Itália. Morreu no próprio ano que publicou um livro chamado “Euclides ab omni naevo vindicatus [1]” (Euclides com toda falha retida), em que fez um elaborado esforço para provar o axioma das paralelas. Ele trabalha com um quadrilátero ABCD que tem ângulos retos A e B no qual AD = BC (figuras 1.4, 1.5 e 1.6). Tal quadrilátero é atualmente conhecido como quadrilátero de Saccheri. Deveria ser observado na geometria Euclidiana que AD é paralelo a BC, e isso torna os ângulos D e C retos. Porém Saccheri, conclui que, na verdade dispunha de três opções 1. Os ângulos em C e D são ambos retos (figura 1.4). 2. Os ângulos em C e D são ambos obtusos (figura 1.5). 3. Os ângulos em C e D são ambos agudos (figura 1.6). A B D C Figura 1.4: Quadrilátero de Saccheri caso (1) A B D C Figura 1.5: Quadrilátero de Saccheri caso (2) 19 A B D C Figura 1.6: Quadrilátero de Saccheri caso (3) Algumas das conclusões obtidas das opções (2) e (3) são surpreendentes e se chocam com a “intuição” e o matemático desiste Johann Heinrich Lambert[1] um súıço alemão, autor de uma variedade de temas matemáticos e não-matemáticos, chamou a atenção sobre o fato que sobre a superf́ıcie de uma esfera a soma dos ângulos internos de um triangulo é maior que dois ângulos retos. Na tentativa de provar o quinto postulado de Euclides ele seguiu os passos de Saccheri, mas com um quadrilátero com três ângulos retos (agora conhecido como quadrilátero de Lambert), e então considerou as três possibilidades para o quarto ângulo. 1. Reto. 2. obtuso 3. agudo A partir destas três conclusões ele provou que o quanto a soma é menor que, ou excede dois retos, é proporcional à área do triangulo. Foi com Saccheri e Lambert que começavam ser dados os primeiros passos para a descoberta de uma nova geometria a ”geometria não-euclidiana”. No fim do século dezoito, chegamos ao cume da filosofia clássica, com Kant Weierstrass(1815-1897 d.C.)[11]. Ele era uma continuação da herança platônica, da procura da certeza e da imutabilidade no conhecimento humano. Ambos Platão e Kant acreditavam na existência de uma única geometria, a Euclidiana. Na Cŕıtica da Razão Pura, Kant chama o espaço Euclidiano de “uma necessidade inevitável do pen- samento”. Em sua opinião a intuição geométrica deveria prevalecer sobre a formali- dade matemática[4,5]. Carl Friedrich Gauss (1777-1855 d.C.)[16] seguia uma linha oposta acreditando que o rigor matemático era necessário para a geometria. Aos quinze anos, Gauss foi o primeiro matemático a aceitar a idéia de que negando 20 o postulado das paralelas se poderiam construir uma geometria consistente. Entre 1813 e 1816, já como professor da Universidade de Göttingen, Gauss desenvolveu o que hoje chamamos de geometria hiperbólica. No dia seis de novembro de 1824, Gauss escreve para seu amigo Taurinus, um advogado que estudava matemática: ”A suposição de que a soma dos três ângulos é menor que 180o leva a uma geometria especial, bem diferente da nossa, que é absolutamente consistente, e que eu desenvolvi de modo bem satisfatório para mim mesmo....... ”[ 3 ], Ele nunca publicou essa descoberta. Acredita-se que ele temia a reação dos filósofos seculares. A honra dessa particular descoberta, a geometria não-euclidiana, deve-se a Bolyai e Lobachevsky, apesar de Gauss ter sido o primeiro a alcançar tais conclusões. Ambos abor- daram a questão através do postulado das paralelas, considerando as três possibilidades: por um ponto dado pode se traçar mais de uma, exatamente uma ou nenhuma paralela a uma reta dada. Nicolai Ivanovitch Lobachevsky (1792-1856)[1,11], Russo natural de Gorki, teve sua vida acadêmica na Universidade de Karzan, primeiro como aluno, depois como profes- sor, e de 1827 a 1846 como reitor. Publicou em russo em 1829 o primeiro artigo sobre geometria não-euclidiana: “Sobre os Prinćıpios da Geometria”, numa desconhecida re- vista russa chamada “O mensageiro de Karzan”, na qual ele intitulava essa nova geome- tria de “geometria imaginaria”. Na tentativa de provar o quinto postulado de Euclides, ele admitiu que isso fosse imposśıvel, surgindo assim, uma nova geometria. Nessa geome- tria, hoje conhecida como geometria hiperbólica (ou geometria Lobachevsky), a soma dos ângulos internos de um triângulo é menor que 180o. Em 1840, publicou um pequeno livro em alemão intitulado “Geometrishe Lentersuchungen Zeir Theorie der Parallellinien” (In- vestigações Geométricas Sobre as Teorias das Paralelas). Morreu sem ver seus trabalhos reconhecidos. O amigo húngaro de Gauss, Farkas Bolyai, tinha gasto muito tempo de sua vida tentando provar o postulado das paralelas, e quando soube que seu filho Jo- hann Bolyai (1802-1860)[1,5] estava seguindo seus passos na busca da prova do postulado, escreveu ao filho: 21 “Pela amor de Deus, imploro a você, desista. Receie isto tanto quanto as paixões sensuais porque isso, também, pode tomar o seu tempo e privá-lo de sua saúde, paz de esṕırito e felicidade da vida ”. Mas o filho não convencido continuou suas pesquisas, e no ano de 1823 escreveu a seu pai dizendo que tinha ”criado um mundo novo e diferente, a partir do nada”. Ele a chamou de “Ciência Absoluta do Espaço”. Ele se referia geometria não-Euclidiana. Foi publicado em 1832 no apêndice de um livro de seu pai, Temtame[1]. Após a morte de Gauss, especialistas encontraram em suas anotações correspondências e pesquisas sobre o espaço não-euclidiano, bem como trabalhos de Lobachevsky e Bolyai. Seu segundo livro e “Ciência Absoluta do Espaço” respectivamente, a ambos Gauss teve uma postura de aprovação, mas não apoio impresso. Em 1867, os trabalhos de Lobachevsky e Bolyai foram inclúıdos na segunda edição do influente livro Baltzer, El- ementos da Matemática , tornando-se referência para os que trabalhavam com a nova geometria [1]. Infelizmente Gauss, Lobachevsky e Bolyai não conseguiram visualizar de forma simples o novo espaço descoberto, chamado de espaço hiperbólico. Isto foi feito, mais tarde, por Beltrami[11], e de uma forma mais simples ainda por Henri Poincaré[1,3]. Enquanto a evolução da geometria hiperbólica não estava completa, G.F.B Riemann (1826-1866)[1,2] filho de um pastor de aldeia, concluiu Göttingen, seu doutorado em 1851, com uma tese sobre teoria das funções de variáveis complexas, onde encontramos as famosas equações de Cauchy-Riemann. Ele almejava uma posição de conferencista em Göttingen. Em 1854 Riemann se tornou Privatdozent na Universidade de Göttingen, e segundo uma tradição, ele foi designado a apresentar um Habilitationschrift (conferência) perante o corpo docente. Entre os três temas entregues por Riemann, Gauss escolheu o ter- ceiro tópico, o tema “Sobre as hipóteses que estão no fundamento da geometria”. O motivo de Gauss escolher este tópico foi que nos dez anos a partir de 1816, Gauss fez um levanta- mento geodésico de algumas áreas da Alemanha, e observou que a topologia do condado poderia ser descrita por medidas tangenciais, produzindo assim um mapa bidimensional a partir de dados tridimensionais. O resultado no caso de Riemann foi a mais célebre confer- encia da história da matemática, pois apresentava uma ampla visão de toda a geometria, intituda “Über die Hypothesen welche der Geometrie zu Grunde liegen[1,11]”. Como re- sultado, a palestra descrevia outro tipo de geometria não-euclidiana, o espaço eĺıptico. Esta nova geometria tinha um sentido bem mais amplo que o geometria hiperbólica, em que a questão é simplesmente encontrar quantas retas paralelas passam por um ponto. Riemann percebeu que a geometria nem deveria tratar de pontos ou retas ou do espaço, 22 mais sim de coleções de n-uplas que são combinadas segundo uma regra. Ele percebeu que entre as regras mais importantes para qualquer geometria, está aquela de calcular distância entre dois pontos que estão infinitamente próximos. Assim percebeu que podem ser usadas outras fórmulas da distância que não a usada por Euclides, ou seja, que natu- ralmente a métrica usada determinara as propriedades do espaço. O problema do espaço eĺıptico é que além de quebrar o quinto postulado de Euclides ele também era incon- sistente com dois outros postulados de Euclides. Ele reinterpretou o segundo postulado afirmando que este apenas garantia que as retas não tinham limites. Porém ele não foi tão feliz com o primeiro postulado. Apesar disto, sua obra e a necessidade de quebrar outros postulados de Euclides, causaram um impacto na matemática do final do século XIX. As geometrias euclidianas, de Lobatchevsky, e Riemanniana, possuem formas diferentes de medida e aspectos projetivos diferentes. Uma comparação das três é extremamente interessante. Por isso, vamos citar agora alguns exemplos importantes, onde destacamos as principais diferenças entre as três geometrias. Teorema de Pitágoras. Euclidiana c2 = a2 + b2 Lobatchevskiano 2(e c k + e− c k ) = (e a k + e− a k )(e b k + e− b k ), onde k é fixa riemanniana ds2 = αdx2 + 2βdxdy + γdy2 onde ( α β β γ ) é positivo-definido Dada a reta r e o ponto p não sobre r Euclidiana Uma e somente uma reta é paralela a r passando por p Lobatchevskiano Pelo menos duas retas são paralelas a r passando por p riemanniana Nenhuma reta é paralela a r passando por p Duas retas distintas intersectam em Euclidiana No máximo um ponto Lobatchevskiano No máximo um ponto riemanniana Uma (eĺıptica única) duas (eĺıptica dupla) Uma reta A 23 Euclidiana É separada em duas partes por um ponto Lobatchevskiano É separada em duas partes por um ponto riemanniana Não é separada em duas partes por um ponto Retas paralelas Euclidiana São eqüidistantes Lobatchevskiano Nunca são eqüidistantes riemanniana Não existem 24 Se uma reta intersecta uma reta paralela Euclidiana Deve intersectar a outra Lobatchevskiano Pode ou não intersectar a outra riemanniana ............................... A hipótese de Sacheri válida é que; Euclidiana Ângulo reto Lobatchevskiano Ângulo agudo riemanniana Ângulo obtuso Duas retas distintas perpendiculares à mesma reta, são paralelas. Euclidiana São paralelas Lobatchevskiano São paralelas riemanniana intersectam A soma dos ângulos de um triângulo é Euclidiana Igual a 180 graus Lobatchevskiano Menor do que 180 graus riemanniana Maior do que 180 graus A área de um triângulo é Euclidiana independente Lobatchevskiano Proporcional ao defeito riemanniana Proporcional ao excesso Da soma de seus ângulos Dois triângulos que tem ângulos correspondentes iguais são Euclidiana semelhantes Lobatchevskiano congruentes riemanniana congruentes 25 Apesar disto muitos matemáticos se recusavam a aceitar esta nova geometria. Isto mudou dramaticamente depois do anúncio de Albert Einstein (1879-1955)[2,11] de sua Teoria da Relatividade Geral. Einstein precisava de uma nova geometria que descrevesse a gravitação como uma distorção do espaço. Foi então que ele descobriu as obras de Lo- batchevsky e Riemann e de outros sobre geometria diferencial. As obras de Lobatchevsky e Riemann permitiram que Einstein as aplicasse a qualquer campo gravitacional. Foi quando Einstein teve o embasamento matemático para o principio da equivalência. A idéia dada por Einstein de que o espaço era curvo não era nova, tinha sido proposta por Riemann, em 1854 “A questão da validade da geometria ... não está relacionada com a questão da base interna das relações métricas do espaço... nós devemos procurar a base de suas relações métricas fora dela, nas forças de ligações que agem nele...”[6]. Em 1870 ela foi novamente proposta por William Kingdon Clifford, com o artigo sobre a “Teoria Espacial da Matéria”, que escreveu “Na verdade, eu mantenho que”: 1. As pequenas porções do espaço são de uma natureza análoga aos pequenos montes numa superf́ıcie que é, na média, plana; 2. A propriedade de ser curvo ou distorcido é transmitida continuamente de uma porção de espaço para outra como uma onda; 3. “Esta variação da curvatura do espaço é realmente o que acontece naquele fenômeno que chamamos de movimento da matéria...” [7]. Mas foi Einstein quem realizou este pensamento, em 1915. Einstein apresentou seu artigo “As Equações do Campo Gravitacional”. Cinco dias antes, Hilbert (1862-1943 d.C.)[1,11] apresentou a dedução das mesmas obras. Sua produção era independente, e até superior em alguns aspectos, porém ele reconheceu a teoria como sendo de Einstein por quem tinha uma enorme admiração. 26 27 Assim em 1915 logo após Einstein ter apresentado seu artigo, a resposta a Kant sobre o caráter não intuitivo das geometrias não-euclidiana, que parecia ter sido atribúıda dire- tamente ao próprio Riemann, se torna realizável. Riemann argumenta que se a intuição é a base da verdade geométrica, atribuindo formas e comparações, então isto é de fato algo que tem a ver com f́ısica, já que ele depende de medida e instrumentos. E assim se consolida definitivamente a geometria não-euclidiana na sociedade cientifica. Caṕıtulo 2 Alguns Conceitos Básicos e idéias sobre Medidas 2.1 O espaço vetorial Rn Seja n um número natural. O espaço euclidiano n-dimensional é o produto cartesiano de n fatores iguais a R: Rn = R×R× . . .×R Os pontos de Rn são, todas as n-listas x = (x1, x2, . . . , xn) cujas coordenadas x1, x2, . . . , xn são numeros reais. Dados x = (x1, x2, . . . , xn) e y = (y1, y2, . . . , yn) em Rn e um número real α tem-se x = y se, e somente se, x1 = y1, x2 = y2, . . . , xn = yn. E definimos a soma x + y e o produto escalar α.x por x + y = (x1 + y1, x2 + y2 + · · ·+ xn + yn) α.x = (α.x1, α.x2, . . . , α.xn). Estas operações fazem de Rn um espaço vetorial de dimenção n sobre o corpo dos reais, no qual o elemanto neutro para a adição é 0 = (0, 0, . . . , 0) e o simétrico de x = (x1, x2, . . . , xn) é −x = (−x1,−x2, . . . ,−xn). Os elementos de Rn serão as vezes chamados pontos e as vezes chamados de vetores. Geometricamente, considerar x ∈ Rn como vetor significa imaginar a seta que tem origem 2.2. Produto Interno e Norma 29 no ponto 0 e extremidade em x. 2.2 Produto Interno e Norma Um produto interno num espaço vetorial real E é uma função que associa a cada par de vetores x, y ∈ E, corresponde um número real, indicado por < x, y >, tal que, para quaisquer x, x′, y, y′ ∈ E e α ∈ R se tenham < x, y >=< y, x > (comutativa) < x + x′, y >=< x, y > + < x′, y > (Distributiva da soma) < α.x, y >=< x, α.y >= α < x, y > (produto por escalar) x 6= 0 =⇒< x, x >> 0 (positividade). O exemplo mais importante é o produto interno canônico do espaço euclidiano Rn, o qual é dado por < x, y >= x1.y1 + x2.y2 + · · ·+ xn.yn ; onde x = (x1, x2, . . . , xn), y = (y1, y2, . . . , yn). Uma norma de um espaço vetorial E sobre R é uma função que associa a cada x ∈ E um número real não negativo, indicado por ‖x‖, chamada de norma de x, de maneira que: ∀x, y ∈ E e α ∈ R, se tenham ‖x‖ = 0 ⇐⇒ x = 0, ‖α.x‖ = |α|.‖x‖, ‖x + y‖ ≤ ‖x‖+ ‖y‖ ,onde |α| é o valor absoluto do número real α. Mostraremos em seguida três importantes exemplos de norma em Rn. 2.2. Produto Interno e Norma 30 Dado x ∈ Rn, x = (x1, x2, . . . , xn) temos: ‖x‖m = max{|x1|, |x2|, . . . , |xn|}. (Norma do Máximo ) ‖x‖s = |x1|+ |x2|+ · · ·+ |xn|. (Norma da Soma) Temos também ‖x‖ = √ < x, x >, ou seja: ‖x‖ = √ x2 1 + x2 2 + · · ·+ x2 n. O número ‖x‖ é chamado de norma euclidiana ou comprimento do vetor x ∈ Rn. Assim dados dois pontos x, y ∈ Rn podemos definir a distância entre x a y como sendo a norma euclidiana de x− y ou seja ‖x− y‖ = √ < x− y, x− y >. Observe que dados dois vetores x, y ∈ Rn, temos que x é ortogonal a y se < x, y >= 0. Teorema 2.2.1. Desigualdade de Cauchy-Schwarz Para quaisquer x, y ∈ Rn, tem-se | < x, y > | ≤ |x|.|y|. Vale a igualdade somente se, um dos vetores x, y é um multiplo escalar do outro. Demonstração: Isto é óbvio se y = 0. Se, porém, for y 6= 0, poremos α = < x, y > |y|2 . Como o vetor z = x− α.y é ortogonal a y. Segue-se dáı que ‖x‖2 =< z + α.y, z + α.y >= |z|2 + α2|y|2, donde |x|2 ≥ α2.|y|2 =< x, y >2, ou seja: |x|2.|y|2 ≥< x, y >2, como queriamos demonstrar Vale a igualdade se , e somente se, z = 0, ou seja, x = α.y. A norma euclidiana ‖x‖ = √ < x, x >, goza das seguintes propriedades: ∀x, y ∈ Rn, ∀α ∈ R, i) |x + y| ≤ |x|+ |y|; ii) |α.x| = |α|.|x|; 2.3. Conjuntos abertos 31 x 6= 0 =⇒ |x| > 0. As duas últimas são evidentes e a primeira decorre da desigualdade de Cauchy-Schwarz. De fato |x + y|2 =< x + y, x + y >= |x|2 + |y|2 + 2 < x, y >≤ |x|2 + |y|2 + 2.|x|.|y| = (|x|+ |y|)2. Portanto: |x + y| ≤ |x|+ |y|, (Desiguadade Triângular). 2.3 Conjuntos abertos Uma norma em Rn permite que se definam algumas noções geométricas básicas. Definição 2.3.1. Definimos a bola aberta de centro num ponto a ∈ Rn e raio r > 0, como sendo o conjunto de todos os pontos x ∈ Rn cuja distância ao ponto a é menor que r. Usaremos a notação B(a, r) para indicar esse conjunto. Assim: B(a, r) = {x ∈ Rn; |x− a| < r}. Analogamente definimos a bola fechada B[a, r] e a esfera S[a, r] ambas de centro a e raio r, como sendo; B[a, r] = {x ∈ Rn; |x− a| ≤ r} e S[a, r] = {x ∈ Rn; |x− a| = r}. Conjuntos Abertos Definição 2.3.2. Seja X um subconjunto de Rn dizemos que X é um conjunto aberto em Rn se para todo pontos x ∈ X existe δ > 0 tal que a bola aberta B(x, δ) está contida em X. Em outros palavras: X é aberto em Rn ⇐⇒ ∀x ∈ X, ∃δ > 0 : B(x, δ) ⊂ X. Definição 2.3.3. Seja X um subconjunto de Rn dizemos que um ponto x ∈ X é um ponto interior de X existe δ > 0 tal que a bola aberta B(x, δ) esta contida em X ou seja: 2.3. Conjuntos abertos 32 |x− a| < δ =⇒ x ∈ X. O conjunto dos pontos interiores de X é chamado de conjunto interior de X e é denotado por intX. Observação Um conjunto X é aberto se, e somente se, intX = X. 1)Todo intervalo aberto do tipo (a, b), a, b ∈ R é um intervalo aberto em R. 2)Seja u = (x, y) ∈ R2 e δ > 0 a bola aberta B(u, δ) = {v = (x′, y′) ∈ R2; |u− v| < δ} é um conjunto aberto em R2. 3)Toda bola aberta de centro u = (x, y, z) e raio δ > 0, definida por B(u, δ) = {v ∈ R3; |u− v| < δ} é um conjunto aberto em R3. Teorema 2.3.1. Os conjuntos abertos do espaço euclidiano Rn gozam das seguintes pro- priedades: 1)O conjunto vazio Ø e o espaço Rn iteiro são abertos. 2)A interseção A = A1∩ . . .∩Ak de um número finito de conjuntos abertos A1, . . . , Ak é um conjunto aberto 3)A reunião A = ∪λ∈LAλ de uma famı́lia qualquer (Aλ)λ∈L de conjuntos abertos Aλ é um conjunto aberto. Demonstração: 1)Um conjunto só pode deixar de ser aberto se contiver algum ponto que não seja interior. Como Ø não contém nenhum ponto, é aberto. Rn é obviamente aberto. 2)Seja a ∈ A. Então, para cada i = 1, . . . , k, temos ainAi. Como Ai é aberto, existe δi > 0 tal que B(a, δi) ⊂ Ai. Seja δ = min{δ1, . . . , δk}. Então B(a, δ) ⊂ A. 3)Dado a ∈ A, existe λ ∈ L tal que a ∈ Aλ. Sendo Ak aberto, existe δ > 0 com B(a, δ) ⊂ Ak ⊂ A. Logo A é aberto. Definição 2.3.4. Considere uma função f : X −→ Rn e Y ⊂ Rn, definimos a imagem inversa de Y , f−1(Y )como sendo: f−1(Y ) = {x ∈ X;∃y ∈ Y ; f(x) = y}. 2.4. Conjuntos Fechados 33 Teorema 2.3.2. Seja f : X −→ Rn uma função definida no conjunto X ⊂ Rn. Então f é cont́ınua se, e somente se, a imagem inversa f−1(A) de todo aberto A ⊂ Rn for um conjunto aberto em X. Demonstração: (⇐=) Se f é cont́ınua e A ⊂ Rn é aberto, tomemos um ponto a ∈ f−1(A). Então f(a) ∈ A. Pela definição de aberto, existe ε > 0 tal que B(f(a), ε) ⊂ A. Sendo f cont́ınua, existe δ > 0 tal que x ∈ X, |x − a| < δ =⇒ |f(x) − f(a)| < ε. Isto significa que f(B(a, δ)∩X) ⊂ B(f(a), ε) ⊂ A, donde B(a, δ)∩X ⊂ f−1(A). Logo f−1(A) é aberto em X. (=⇒) Se a imagem inversa por f de todo aberto de Rn é aberto em X; então, dados a ∈ X e ε > 0, como B(f(a), ε) é aberto,concluimos que A = {x ∈ X; |f(x)− f(a)| < ε}é aberto em X. Evidentemente, a ∈ X. Logo existe δ > 0 tal que B(a, δ) ∩ X ⊂ A. Isto significa porém quex ∈ X, |x− a| < δ =⇒ |f(x)− f(a)| < ε, ou seja, que f é cont́ınua no ponto a. Como a ∈ X é qualquer. f é cont́ınua. 2.4 Conjuntos Fechados Definição 2.4.1. Seja X um subconjunto de Rn definimos seu complementar como sendo Rn −X e denotamos por Xc. Definição 2.4.2. Seja X um subconjunto de Rn dizemos que X é um cunjunto fechado em Rn se seu complementar é aberto. Em outrs palavras: X é fechado em Rn ⇐⇒ Rn−X é aberto. Definição 2.4.3. Seja X um subconjunto de Rn dizemos que um ponto x ∈ X é um ponto aderente de X se ∀ε > 0, B(x, ε) ∩X 6= Ø O conjunto dos pontos aderentes de X é chamado de fecho de X e denotado por X X = {x ∈ X;∀ > 0; B(x, ε) ∩X 6= Ø}. 2.4. Conjuntos Fechados 34 Observação Um conjunto fechado X está contido em seu fecho (X ⊂ X). 1)Todo intervalo aberto do tipo [a, b], a, b ∈ R é um intervalo fechado em R. 2)Seja u = (x, y) ∈ R2 e δ > 0 a bola fechada B(u, δ) = {v = (x′, y′) ∈ R2; |u−v| ≤ δ} é um conjunto fechado em R2. 3)Toda esfera fechada de centro u = (x, y, z) e raio δ > 0, definida por B(u, δ) = {v ∈ R3; |u− v| ≤ δ} é um conjunto fechado em R3. Definição 2.4.4. Seja X ⊂ Rn. Um ponto a ∈ Rn chama-se ponto de acumulação do conjunto X quando toda bola aberta de centro a contém algum ponto de X, diferente do ponto a. Noutros termos, para todo ε > 0, deve existir x ∈ X tal que 0 < |x− a| < ε. Por exemplo, seja X ⊂ Rn a bola aberta de centro na origem e raio r > 0. Todo ponto a ∈ Rn com |a| = r é ponto de acumulação de X. Com efeito, dado ε > 0, podemos, sem perca de generalidade, supor ε < 2r. Então o ponto x = (1− ε/2r)a pertence à bola X, é diferente de a e tem-se |a− x| = ε 2 < ε. Teorema 2.4.1. Os conjuntos fechados do espaço euclidiano Rn gozam das seguintes propriedades: 1)O conjunto vazio Ø e o espaço Rn iteiro são fechados. 2)A reunião F = F1 ∪ . . . ∪ Fk de um número finito de conjuntos fechados F1, . . . , Fk é um conjunto fechado. 3)A intrseção F = ∩λ∈LFλ de uma famı́lia qualquer (Fλ)λ∈L de conjuntos fechados Aλ é um conjunto fechado. Demonstração: 1)O conjunto Ø é fechado pois seu complementar Rn é aberto, analogamente Rn é fechado pois seu complementar Ø é aberto. 2)Se F1, . . . , Fk são fechados então A1 = F c 1 , . . . , Ak = F c k são abertos, portanto A1 ∩ . . . ∩ Ak é aberto. Logo F1 ∪ . . . ∪ Fk = Ac 1 ∩ . . . ∩ Ac k = (A1 ∩ . . . ∩ Ak) c é fechado. 3)Se cada Fλ, λ ∈ L é fechado então cada Aλ = F c λ é aberto, logo A = ∪λ∈LAλ também é aberto. Sendo assim, o conjunto F = ∩λ∈LFλ = ∩λ∈LAc λ = (∪λ∈LAλ) c = Ac é fechado. 2.5. Conjuntos Compactos 35 Teorema 2.4.2. Seja f : X −→ Rn uma função definida no conjunto X ⊂ Rn. Então f é cont́ınua se, e somente se, a imagem inversa f−1(F ) de todo fechado F ⊂ Rn for um conjunto fechado em X. Demonstração: (⇐=) Isto decorre do teorerema analogo para abertos, juntamente com o fato de que os conjuntos abertos em X são exatamante aqueles cujos comple- mentares são fechados em X. Com efeito, se f é cont́ınua. Então, para cada F ∈ Rn fechado, temos F = Ac, onde A ⊂ Rn é aberto.Logo f−1(A) é aberto em X. Mas f−1(F ) = f−1(Ac) = X − f−1(A), portanto f−1(F ) é fechado em X. (=⇒) Se a imagem inversa por f de todo fechado em Rn é fechado em X, então a relação f−1(A) = X − f−1(F ), com A = F c, mostra que a imagem inversa por f de todo aberto A ⊂ Rn é um aberto em X, portanto f é cont́ınua. 2.5 Conjuntos Compactos Definição 2.5.1. Um subconjunto X ⊂ Rn diz-se limitado quando existe um número real c > 0 tal que |x| ≤ c para todo x ∈ X. Isto equivale a dizer que X está contido na bola fechada de centro na origem e raio c. Definição 2.5.2. Diremos que um conjunto K ⊂ Rn é compacto quando ele for limitado e fechado. Assim, por exemplo, são compactos todas as esferas e bolas fechadas do espaço euclid- iano, mas o espaço Rn não é compacto (salvo se n = 0!). Teorema 2.5.1. Em virtude do teorerema de Bolzano-Weierstrass, um conjunto K ⊂ Rné compacto se, e somente se, toda seqüência de pontos xk adimite uma subseqüência que converge para um ponto de K. Demonstração:Pelo teorerema de Bolzano-Weierstrass, “Toda seqüência limitada em Rn posssui uma subseqüência convergente”. Como uma seqüência xk é limitada quando o conjunto dos seus termos é limitado em Rn. 2.6. Conjuntos conexos 36 Portanto o teorerema decorre diretamente da definição de conjunto compacto e do teorerema de Bolzano-Weierstrass. Propriedade 2.5.1. i) Se K1, . . . , Kp são compactos em Rn, então K1 ∪ . . . ∪ Kp é compacto. ii)A interseção de uma famı́lia qualquer de compactos Kλ ⊂ Rn é um conjunto com- pacto. iii)Se K ⊂ Rm e L ⊂ Rn são compactos então o produto carteziano K × L ⊂ Rm+n é compacto. Demonstração: i)Como K1, . . . , Kp são compactos em Rn logo existem números reais ci > 0 e bolas fechadas de centros na origem e raios ci B[0, ci], com i = 1, . . . , p tais que Ki ⊂ B[0, ci], assim tome c = max{ci}, logo para qualquer x ∈ K1∪, . . . ,∪Kp implica |x| ≤ c, implica que K1∪, . . . ,∪Kp é limitado. E como pelo teorerema de fechados a reunião de fechados é fechado implica K1∪, . . . ,∪Kp é fechado. Portanto K1∪, . . . ,∪Kp é compacto. ii)Como Kλ são compactos em Rn logo existem números reais ci > 0 e bolas fechadas de centros na origem e raios ci B[0, ci], com i ∈ λ tais que Ki ⊂ B[0, ci], assim tommando c igual a qualquer ci, teremos que para qualquer x ∈ Kλ implica |x| ≤ c, implica que Kλ é limitado. E como pelo teorerema de fechados a interseção de uma famı́lia de fechados é fechado implica Kλ é fechado. Portanto Kλ é compacto. iii)Se K ⊂ Rm e L ⊂ Rn são compactos então existem números reais c > 0 e d > 0 tais que K ⊂ B[0, c] e L ⊂ B[0, d] logo tome p = (c, d), implica que o produto cartesiano K ×L ⊂ B[0, p], implica que K ×L é limitado. E como o produto cartesiano de fechados é fechado, implica que K × L é compacto. 2.6 Conjuntos conexos Definição 2.6.1. Um conjunto M ⊂ Rn se diz desconexo quando existem dois conjuntos abertos G e H ambos não vazios, de maneira que G ∩H = Ø e G ∪H = M . Neste caso dizemos que o par de abertos G e H formam uma desconexão de M e denotamos tal fato por M = G/H. Um conjunto conexo é um conjunto que não é desconexo. Portanto, dizer que M é conexo significa dizer que não existe nenhuma desconexão de M . 2.6. Conjuntos conexos 37 Por exemplo; 1) R − {0} é desconexo. Também é desconexo todo conjunto discreto X ⊂ Rn, com mais de um ponto. Com efeito, por definição, cada ponto x ∈ X é isolado, isto é, dado x ∈ X, existe ε > 0 tal que B(x, ε) ∩X = {x}. Assim, cada ponto x ∈ X é um conjunto aberto em X e, por conseguinte, todo subconjunto A ⊂ X é aberto em X, pois é uma reunião dos seus pontos. Portanto podemos obter conjuntos G,H ⊂ X abertos tais que G ∩H = Ø e G ∪H = X, ou seja uma desconexão de X e, portanto X é desconexo. 2)Todo conjunto unitário em Rn é conexo. Com efeito, considere A = {p} um conjunto unitário em Rn, logo os únicos subconjuntos de A são Ø e {p}, onde Ø é aberto, mas {p} é fechado, portanto não consiguimos uma desconexão de A. Portanto A é conexo. 3)Q ⊂ R todo subconjunto A de Q, não unitário tem-se A desconexo. Com efeito, sejam p, q ∈ A com p 6= q, logo existe i ∈ R−Q tal que p < i < q. Considere os conjuntos G =]−∞, i[∩A e H =]i,∞[∩A, G,H são abertos em A, com G 6= Ø e H 6= Ø, pois p ∈ G e q ∈ H e G∩H = Ø e G∪H = (]−∞, i[∩A)∪ (]i,∞[∩A) = (R−{i})∩A = A, (i 6= A). Portanto A = G/A, logo A é desconexo. Proposição 2.6.1. Um conjunto M ⊂ Rn é desconexo se,e somente se, existe uma função cont́ınua e sobrejetora de M em {0, 1}. Demonstração: (=⇒) Por hipótese existem abertos G e H de M de maneira que M = G/H. Consideremos f : M −→ {0, 1} definida por f(x) = 0,∀x ∈ G, e f(x) = 1, ∀x ∈ H. É claro que f é sobrejetora uma vez que G 6= Ø e H 6= Ø. E f é cont́ınua porque, considerando os abertos de {0, 1} que são Ø, {0}, {1}, {0, 1}, todos tem como imagem inversa por f um aberto de M posto que f−1(Ø) = Ø, f−1({0}) = G, f−1({1}) = H e f−1({0, 1}) = M . (⇐=)Por hipótese existe uma sobrejeção cont́ınua f : M −→ {0, 1}. Assim, são abertos não vazios G = f−1({0}) e H = f−1({1}). Como, ainda, G ∩ H = f−1({0}) ∩ f−1({1}) = f−1({0}∩ {1}) = f−1(Ø) = Ø e G∪H = f−1({0, 1}) = M , então M = G/H. Proposição 2.6.2. Seja f : M −→ N uma função cont́ınua. Se M é conexo, então f(M) é um subconjunto conexo de N . Demonstração:Suponhamos f(M) desconexo. Existe então g : f(M) −→ {0, 1} cont́ınua e sobrejetora. Sendo então f1 : M −→ f(M) 2.7. Conexo por Caminhos 38 definida por f1(x) = f(x), ∀x ∈ M , f1 é obviamente sobrejetora e é cont́ınua pelo fato de que f é cont́ınua. Portanto a função g ◦ f1 : M −→ {0, 1} é cont́ınua e sobrejetora o que é absurdo pois M é conexo. Proposição 2.6.3. Se A e B são subconjuntos conexos de um espaço M e A ∩ B 6= Ø, então A ∪B também é conexo. Demonstração:Se A ∪ B fosse desconexo existiria uma função f : a ∪ B −→ {0, 1} cont́ınua e sobrejetora. Seja p ∈ A∩B e vamos supor f(p) = 0. Então existe q ∈ A∪B de maneira que f(q) = 1. Supondo por exemplo que q ∈ A, então a função f |A : A −→ {0, 1} ´´e cont́ınua (restrição de uma função cont́ınua é cont́ınua) e sobrejetora (f |A)(p) = 0 e (f |A)(q) = 1. Mas isto é absurdo, visto que A é conexo. Proposição 2.6.4. Seja M um espaço tal que, para quaisquer p, q ∈ M , existe um sub- conjunto conexo A ⊂ M , de modo que p, q ∈ A. Então M é conexo. Demonstração:Suponhamos que existisse f : M −→ {0, 1} cont́ınua e sobrejetora. Considerando então p, q ∈ M de modo que f(p) = 0 e f(q) = 1, seja A ⊂ M um subconjunto conexo tal que p, q ∈ A ⊂ M (existe por hipótese). Logo a função f |A : A −→ {0, 1} é cont́ınua e sobrejetora o que contrária à hipótese. 2.7 Conexo por Caminhos Definição 2.7.1. Um caminho em um conjunto M ⊂ Rn é uma função cont́ınua f : I −→ M , onde I = [0, 1]. Os pontos f(0) e f(1) são chamados ponto inicial e ponto final, respectivamente, do caminho. Veja na figura (2.1). Definição 2.7.2. Um conjunto M se diz conexo por caminhos se, para quaisquer a, b ∈ M , existe um caminho f em M de maneira que f(0) = a e f(1) = b. 2.7. Conexo por Caminhos 39 0 1 f(0) f(1) f Figura 2.1: caminho no espaço M . Proposição 2.7.1. Todo conjunto conexo por caminhos é conexo. Demonstração:Seja M conxo por caminhos e admitamos que M é desconexo. Então existe g : M −→ {0, 1} cont́ınua e sobrejetora. Sejam a, b ∈ M pontos tais que g(a) = 0 e g(b) = 1. Por hipótese existe um caminho f : I −→ M de modo que f(0) = a e f(1) = b. Assim a aplicação g ◦ f : I −→ {0, 1} é cont́ınua e sobrejetora uma vez que (g ◦ f)(0) = g(a) = 0 e (g ◦ f)(1) = g(b) = 1. Absurdo pois I é conexo. Observação: Não vale a rećıproca da proposição acima. Um exemplo intuitivo desse fato é o seguinte. No R2 o conjunto A formado pelo ponto p = (0, 1) e por todos os pontos de famı́lia: An = {( x, xn n− 1 ) ; 0 ≤ x ≤ 1 } n = 2, 3, . . . é conexo mas não é conexo por caminhos: não existe nenhum caminho do ponto inicial p e final q = (1, 1). Veja na figura (2.2). 2.7. Conexo por Caminhos 40 dddddppppppppppppp pppppppppppppppp p=(1,0) q=(1,1) Figura 2.2: Contra exemplo de conexidade por caminhos O suporte de uma função cont́ınua f : Rn → C, denotado por supp{f}, é o fecho do conjunto de pontos x ∈ Rn onde f(x) é não-zero, isto é, supp{f} = {x ∈ Rn : f(x) 6= 0} Seja a função infinitamente diferenciável em Rn j(x) =    exp [ − 1 1−|x|2 ] se |x| < 1 0 se |x| ≥ 1 Seu ”suporte”é a bola unitária {x ∈ Rn :| x |≤ 1}. De fato, o suporte de j é dado por: supp{j} = {x ∈ Rn : (x) 6= 0} Como j(x) 6= 0 ⇔ | x |< 1 então, supp f{j} = {x ∈ Rn :| x |< 1}, fecho da bola unitária sem o bordo. Como o fecho da bola unitária aberta (sem o bordo) é a bola unitária (com o bordo), {x ∈ Rn :| x |≤ 1}, Como A = A + A ′ onde A ′ são os pontos de acumulação então, supp{j} = {x ∈ Rn :| x |≤ 1}. Caṕıtulo 3 Formas Locais de imersões e mergulho em Superf́ıcies Neste caṕıtulo trataremos do estudo local e global de uma superf́ıcie em um espaço Euclidiano n-dimensional. Este estudo foi baseado no livro da Professora Keti Tenenblat [18]. Não houve a preocupação, neste caṕıtulo 3, de demonstrar os Teoremas enuncia- dos, porquanto são demonstrações conhecidas e já bem discutidas em inúmeros textos didáticos como de K. Tenenblat [18], B. o’Neill [5] e outros. Para este estudo vamos definir alguns conceitos fundamentais como plano tangente, primeira e segunda forma quadratica, etc. Através destes conceitos poderemos classificar um ponto arbitrário da superf́ıcie em eĺıtico, hiperbólico, parabólico e planar. Também vamos definir e estudar alguns conceitos sobre imersão e mergulho de uma superf́ıcie em um espaço euclidiano n-dimensional. 3.1 Superf́ıcies Nesta Seção definiremos alguns conceitos básicos que serão utilizados nas seções sub- seqüentes. Como visto anteriormente podemos definir o espaço euclidiano de dimensão n como o conjunto Rn de todas as n-uplas x = (x1, . . . , xn) de números reais. Os vetores e1 = (1, 0, . . . , 0), e2 = (0, 1, 0, . . . , 0), . . . , en = (0, . . . , 0, 1) formam uma base natural do 3.1. Superf́ıcies 42 espaço Rn A noção de superf́ıcie de dimensão m num espaço euclidiano Rn (n ≥ m) é generaliza- ção direta dos objetos que encontramos na geometria diferencial clássica, as curvas do R3 que possuem vetor tangente em cada ponto e as superf́ıcies do R3 que possuem em cada ponto um plano tangente. Seja U um subconjunto aberto de Rm. Uma função vetorial f : U −→ Rn é uma correspondência que , para cada x ∈ U, associa um único f(x) ∈ Rn, e que pode ser definida pela seguinte relação: f(x) = (f 1(x), . . . , fn(x)), x ∈ U onde f 1, . . . , fn : U −→ R e são chamadas de funções coordenadas de f . A figura (3.1) mostra uma representação geométrica da função vetorial f . R m R n x U f(U) f(x) f Figura 3.1: Representeção geometrica da superf́ıcie Temos que uma aplicação f : U −→ Rn é diferenciável no ponto x ∈ U, quando existe uma transformação linear T : Rm −→ Rn tal que f(x + h) = f(x) + Th + r(x), com lim h→0 r(x) |h| = 0 ou seja lim t→0 f(x + th)− f(x) t = 0. Que pode ser interpreado geometricamente como mostra a figura (3.2). 3.1. Superf́ıcies 43 R m R n x U f(U) f(x)f x+h T h f(x+h) Figura 3.2: Representeção geometrica do vetor tangente A transformação linear T : Rm −→ Rn é única. Ela é chamada de derivada da aplicação f no ponto x e é denotada por f ′(x) ou Df(x). Observamos que uma função f : U −→ Rn é diferenciável em x se, e somente se, suas funções coordenadas são diferenciáveis em x, ou seja, Df(x).h = Df 1(x).h, . . . , Dfn(x).h Uma aplicação f : U −→ Rn chama-se um difeomorfismo entre U e Rn se ela é diferenciável e bijetora e sua inversa g = f−1 : V = f(U) −→ U também é diferenciável. Dada uma aplicação f : U −→ Rn, podemos associar a matriz Jf(x) chamada de matriz jacobiana de f no ponto x, que é definida por Jf(x) =   ∂f 1 ∂x1 (x) ∂f 1 ∂x2 (x) . . . ∂f 1 ∂xm (x) ∂f 2 ∂x1 (x) ∂f 2 ∂x2 (x) . . . ∂f 2 ∂xm (x) . . . . . . . . . . . . ∂fn ∂x1 (x) ∂fn ∂x2 (x) . . . ∂fn ∂xm (x)   onde ∂f ∂xj (x) = (Df(x).ej) = (Df 1(x).e1, . . . , Dfn(x).ej), que é denominada j-ésima derivada parcial de f no ponto x. 3.2. Superf́ıcies nos Espaços Euclidianos 44 3.2 Superf́ıcies nos Espaços Euclidianos Neste seção estudaremos os conceitos básicos e algumas propriedades geométricas locais de superf́ıcies no espaço euclidiano R3. Todos os conceitos estudados para R3 podem ser estendidos para Rn. Definição 3.2.1. Definimos uma superf́ıcie parametrizada, regular(ou simplesmente uma superf́ıcie), como uma aplicação X : U ⊂ R2 −→ R3, onde U é um aberto de R2, tal que a) X é diferenciável de classe C∞; b) Para todo q = (u, v) ∈ U a diferencial de X em q, dXq : R2 −→ R3, é injetora. O subconjunto X(U) obtido pela imagem da aplicação X, chamada de traço de X, e as variáveis u, v são os parâmetros de superf́ıcie. Seja X : U ⊂ R2 −→ R3 uma superficie parametrizada, assim fixado u0, v0, as curvas u 7−→ X(u, v0) e v 7−→ X(v0, u), são denominadas curvas coordenadas de X em (u0, v0). Os vetores Xu(u0, v0) e Xv(u0, v0) são os vetores tangentes as curvas coordenadas. Veja na figura (3.3). Xu(u0, v0) = dXq(e1) = ( ∂x ∂u (u0, v0), ∂y ∂u (u0, v0), ∂z ∂u (u0, v0), ) (3.1) Xv(u0, v0) = dXq(e2) = ( ∂x ∂v (u0, v0), ∂y ∂v (u0, v0), ∂z ∂v (u0, v0), ) (3.2) 3.2. Superf́ıcies nos Espaços Euclidianos 45 X v z x y u u=u0 v=v 0 X v (u0,v0) X u (u0,v0) Figura 3.3: Vetores tangentes as curvas coordenadas Exemplo 3.2.1. Sejam p0 = (x0, y0, z0) um ponto de R3, a = (a1, a2, a3) e b = (b1, b2, b3) vetores linearmente independentes de R3. Considere a aplicação X : U ⊂ R2 −→ R3 que para cada (u, v) ∈ R2, associa X(u, v) = p0 + ua + vb, isto é, X(u, v) = (x0 + ua1 + vb1, y0 + ua2 + vb2, z0 + ua3 + vb3). Então X é uma superf́ıcie parametrizada regular, pois X é diferenciável e os vetores Xu ≡ a, Xv ≡ b, são linearmente independentes. A aplicação X descreve um plano de R3 que passa pelo ponto p0, ortogonal ao vetor a× b. As curvas coordenadas de X descrevem retas do plano paralelas aos vetores a e b respectivamente. Veja na figura (3.4). Proposição 3.2.1. Considere f : U ⊂ R2 −→ R3 uma função real diferenciável C∞, e (u, v) ∈ U um aberto de R2, então a superf́ıcie parametrizada, regular, que descreve o gráfico de f é definida pela aplicação X(u, v) = (u, v, f(u, v)). 3.3. Plano Tangente e Vetor Normal 46 v u X x z y p 0 a b Figura 3.4: 3.3 Plano Tangente e Vetor Normal Seja α(t) = X(u(t), v(t)) uma curva diferenciável, cujo traço está contido na superf́ıcie descrita por X. Dizemos que α é uma curva da superf́ıcie. Nós definiremos um vetor tangente à superf́ıcie como sendo o vetor tangente a uma curva da superf́ıcie. Definição 3.3.1. Considere X(u, v) uma superf́ıcie parametrizada regular, dizemos que um vetor w ∈ R3 é um vetor tangente a X em q = (u0, v0) se w = α′(t0), onde α(t) = X(u(t), v(t)) é uma curva da superf́ıcie, tal que (u(t0), v(t0)) = (u0, v0). Observação 3.3.1. Os vetores Xu(u0, v0) e Xv(u0, v0) são vetores tangentes a X no ponto q = (u0, v0), pois como visto anteriormente são tangentes às curvas coordenadas de X. Definição 3.3.2. O plano tangente de X no ponto q = (u0, v0) é definido como o conjunto de todos os vetores tangentes a X no ponto q, e podemos denotá-lo por TqX. Observe que os conceitos de vetor tangente e plano tangente são definidos em um ponto (u0, v0) do domı́nio da aplicação X e não no ponto X(u0, v0). Veja na figura (3.5). 3.3. Plano Tangente e Vetor Normal 47 t0t0 totttttttt t0 α X v u U q (u(t),v(t)) X(U) α(t0) α'(t0) TqX Figura 3.5: Na proposição a seguir veremos que o plano tangente TqX é o conjunto de R3 gerado por Xu(q) e Xv(q). Proposição 3.3.1. Seja X(u, v) uma superf́ıcie parametrizada regular e um ponto q = (u0, v0). Então o plano tangente TqX é o conjunto de vetores obtidos como combinação linear de Xu(u0, v0) e Xv(u0, v0) (Veja na figura (3.6)). Pela definição dada de superf́ıcie parametrizada regular, Xu e Xv são vetores linearmente independentes. Observamos que em geral Xu e Xv não são ortogonais, nem unitários. 3.3. Plano Tangente e Vetor Normal 48 X(u0,v0 ) X v (u0,v0 ) X u (u0,v0 ) T q X Figura 3.6: Plano Tangente Definição 3.3.3. Seja X(u, v) uma superf́ıcie parametrizada, regular, e um ponto q = (u0, v0), dizemos que um vetor de R3 é normal a X se é ortogonal ao plano tangente TqX, isto é, é ortogonal a todos os vetores tangentes a X em q. Veja na figura (3.7). Considere o plano tangente TqX, existe uma única direção normal a este plano e assim existem exatamente dois vetores unitários normais a X em q. Logo podemos fixar o vetor unitário normal a X em q, da seguinte forma N(q) = Xu ×Xv |Xu ×Xv|(q). (3.3) Se o domı́nio da superf́ıcie X é um aberto U ⊂ R2 então, variando (u, v) ∈ U temos uma aplicação diferenćıal N : U −→ R3, denominada aplicação normal de Gauss, que definimos por: N(u, v) = Xu ×Xv |Xu ×Xv|(u, v), (3.4) e cuja imagem está contida na esfera unitária, centrada na origem. Veja na figura (3.7) e (3.8). 3.3. Plano Tangente e Vetor Normal 49 v u U q N X x y z N(u,v) TqX X(q) Xu X v N Figura 3.7: Vetor Normal Exemplo 3.3.1. Seja X(u, v) = (u, v, √ 1− u2 − v2), (u, v) ∈ U onde U = {(u, v) ∈ R2; u2 + v2 < 1}. Consideremos o ponto q = (u0, v) = (0, 0). Pela proposição anterior, os vetores Xu(0, 0) = (1, 0, 0) e Xv(0, 0) = (0, 1, 0) formam uma base do plano tangente TqX. Portanto, todo vetor tangente a X em q é da forma (a, b, 0) onde a, b ∈ R e o vetor é N(0, 0) = (0, 0, 1). 3.4. Primeira Forma Quadrática 50 x y z XXXu X u N X v T q X Figura 3.8: 3.4 Primeira Forma Quadrática Para desenvolver o estudo sobre as teorias das superf́ıcies vamos introduzir duas formas quadráticas. A primeira está relacionada com o comprimento de curvas em uma superf́ıcie, ângulos entre vetores tangentes e com área de regiões da superf́ıcie. A segunda está relacionada com a curvatura das curvas da superf́ıcie. Vamos ver que estas duas formas quadráticas determinam localmente a forma de uma superf́ıcie a menos de sua posição no espaço. 3.4. Primeira Forma Quadrática 51 Definição 3.4.1. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3, denominamos a primeira forma quadrática de X em q, a aplicação que ∀q ∈ U associa um número real dado por: Iq : TqX −→ R w −→ Iq(w) =< w, w >= |w|2. Consideremos uma superf́ıcie dada por X(u, v) e um ponto q = (u0, v0). Então pela proposição (3.3.1), temos que o vetor w ∈ TqX é da forma w = aXu(u0, v0) + bXv(u0, v0), onde a, b ∈ R. Logo podemos escrever Iq(w) = a2 < Xu, Xu > (u0, v0) + 2ab < Xu, Xv > (u0, v0) + b2 < Xv, Xv > (u0, v0), onde podemos usar a seguinte notação E(u0, v0) =< Xu, Xu > (u0, v0), F (u0, v0) =< Xu, Xv > (u0, v0), G(u0, v0) =< Xv, Xv > (u0, v0), assim podemos escrever Iq(w) = a2E(u0, v0) + 2abF (u0, v0) + b2G(u0, v0). Quando variamos (u, v) temos as funções diferenciáveis E(u, v), F (u, v) e G(u, v) que são denominadas coeficientes da primeira forma quadrática, e elas satisfazem as seguintes propriedades: a) E(u, v) > 0 e G(u, v) > 0 para todo (u, v), pois os vetores Xu e Xv são não nulos; b) E(u, v)G(u, v)− F 2(u, v) > 0. 3.4. Primeira Forma Quadrática 52 De fato, como |Xu ×Xv|2+ < Xu, Xv >2= |Xu|2|Xv|2, logo temos que: EG− F 2 = |Xu|2|Xv|2− < Xu, Xv >2= |Xu ×Xv|2 > 0. Exemplo 3.4.1. Seja X(u, v) = p0 + uw1 + vw2, (u, v) ∈ R2, onde po ∈ R3 e w1, w2 são vetores ortonormais de R3, isto é X descreve o plano ortogonal a w1 × w2 que por p0. Então Xu(u, v) = w1 e Xv(u, v) = w2. Como w1 e w2 são ortonormais obtemos que os coeficientes da primeira forma quadrática são as funções constantes E(u, v) = 1, F (u, v) = 0, G(u, v) = 1. Observamos que uma mudança de parametro, embora modifique os coeficientes da primeira forma quadrática, a mantém invariante. Seja X(u, v) uma superf́ıcie parametrizada regular. Se α(t) = X(u(t), v(t)), t ∈ I ⊂ R, é uma curva diferenciável da superf́ıcie então, para t0, t1 ∈ I, t0 ≤ t, o comprimento de t0 a t1 é dado por: ∫ t1 t0 |α′(t)|dt = ∫ t1 t0 √ Iq(t)(α′(t))dt. Onde usamos o fato de que α′(t) é um vetor tangente à superf́ıcie em q(t) = (u(t), v(t)). Sejam w1 e w2 são vetores tangentes a X e não nulos em q = (u, v), então o ângulo 0 ≤ θ ≤ π formado por w1 e w2 é dado por: cos θ = < w1, w2 > |w1||w2| . Podemos expressar cos θ em termos da primeira forma quadrática, observamos que w1 + w2 é um vetor tangente a X em q e < w1 + w2, w1 + w2 >= |w1|2 + 2 < w1, w2 > +|w2|2. Assim temos: cos θ = Iq(w1 + w2)− Iq(w1)− Iq(w2) 2 √ Iq(w1)Iq(w2) . 3.4. Primeira Forma Quadrática 53 Em particular, o ângulo formado pelas curvas coordenadas de X(u, v) é dado por: cos θ = < Xu, Xv > |Xu||Xv| (u0, v0) = F (u0, v0)√ E(u0, v0)G(u0, v0) . Podemos concluir que as curvas coordenadas de uma superf́ıcie X(u, v) se intersectam ortogonalmente, se e só se, F (u, v) = 0 para todo (u, v). Agora usando a primeira forma quadrática vamos definir a noção de área de regiões de uma superf́ıcie. Definição 3.4.2. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3 D ⊂ U e uma região de R2, tal que X restrita ao interior de D é injetora. A área de região X(D) que pode ser dada por: A(X(D)) = ∫ ∫ D √ EG− F 2dudv. A figura (3.9) mostra uma interpretação geometrica desta definição D D V U X Xv Xu Figura 3.9: 3.5. Segunda Forma Quadrática 54 3.5 Segunda Forma Quadrática Nesta seção vamos introduzir um estudo sobre a segunda forma quadrática, que está relacionada ao estudo das curvaturas de curvas da superf́ıcie. Definição 3.5.1. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3. Fixando o ponto q = (u0, v0) ∈ U, a segunda forma quadrática de X em q é uma aplicação IIq : TqX −→ R, que para cada vetor w ∈ TqX associa IIq(w) da seguinte forma: se α(t) = X(u(t), v(t)) é uma curva diferenciável de superf́ıcie, tal que q = (u(t0), v(t0)) e α′(t0) = w, então definimos: IIq(w) =< α′′(t0), N(u0, v0) >, onde N é o vetor normal a X. Podemos verificar que a segunda forma quadrática não depende da curva escolhida. Se w = aXu(u0, v0) + bXv(u0, v0), consideremos uma curva α(t) = X(u(t), v(t)) tal que q = (u(t0), v(t0)) e α′(t0) = w, isto é, (u(t0), v(t0)) = (u0, v0), (u′(t0), v′(t0)) = (a, b). Como α′ = u′(t)Xu(u(t), v(t)) + v′(t)Xv(u(t), v(t)) e α′′(t) = u′′(t)Xu(u(t), v(t)) + (u′(t))2Xuu(u(t), v(t))+ 2u′(t)v′(t)Xuv(u(t), v(t))+ (v′(t))2Xvv(u(t), v(t)) + v′′(t)v′(t)Xv(u(t), v(t)), 3.5. Segunda Forma Quadrática 55 logo IIq(w) =< α′′(t0), N(u0, v0) >= a2 < Xuu, N > (u0, v0) + 2ab < Xuv, N > (u0, v0)+ b2 < Xvv, N > (u0, v0), onde a última expressão não depende da curva α. Como feito na primeira forma quadrática podemos usar a notação e(u0, v0) =< Xuu, N > (u0, v0), f(u0, v0) =< Xuv, N > (u0, v0), g(u0, v0) =< Xvv, N > (u0, v0), assim podemos escrever IIq(w) = a2e(u0, v0) + 2abf(u0, v0) + b2g(u0, v0). Quando variamos (u, v) temos as funções diferenciáveis e(u, v), f(u, v) e g(u, v) que são denominadas coeficientes da segunda forma quadrática. Definição 3.5.2. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3 e um ponto q = (u0, v0). A função curvatura normal em q é uma aplicação kn : TqX − {0} −→ R que para cada vetor w ∈ TqX não nulo, associa: Kn(w) = IIq(w) Iq(w) . 3.5. Segunda Forma Quadrática 56 Observação 3.5.1. Seja w ∈ TqX, w 6= 0, então kn(λw) = kn(w) para todo número real λ 6= 0. De fato, considere w = aXu(u0, v0) + bXv(u0, v0) onde (a, b) 6= (0, 0). denotando por e0, f0, g0 os coeficientes da segunda forma quadrática em (u0, v0), temos kn(λw) = IIq(λw) Iq(λw) = λ2a2e0 + 2λ2abf0 + λ2b2g0 λ2 < w, w > = a2e0 + 2abf0 + b2g0 < w, w > = IIq(w) Iq(w) = kn(w). Portanto, podemos pensar na curvatura normal em q segundo uma direção tangente à superf́ıcie. Vejamos a interpretação geométrica da curvatura normal e da segunda forma quadrática. Seja w um vetor unitário de TqX e α(s) = X(u(s), v(s)) uma curva regular da superf́ıcie, parametrizada pelo comprimento de arco, tal que q = (u(s0), v(s0)) e α′(s0) = w. Supon- hamos que a curvatura de α em s0, k(s0) 6= 0. Então, IIq(W ) =< α′′(s0), N(u(s0), v(s0)) >= k(s0) < n(s0), N(u(s0), v(s0)) >= k(s0) cos θ 3.5. Segunda Forma Quadrática 57 Portanto: kn(w) = k(s0) cos θ onde n(s0) é o vetor normal a α em s0 e θ é o ângulo formado pelos vetores n(s0) e N(u(s0), v(s0)). Veja na figura (3.10). X Z Y w n(S0) N(u(S 0 ),v(S 0 )) α(S,0) θ Figura 3.10: Ângulo entre vetores 3.6. Curvaturas Principais; Curvatura de Gauss e Curvatura Média 58 3.6 Curvaturas Principais; Curvatura de Gauss e Cur- vatura Média Na seção anterior, apresentamos a função curvatura normal. Veremos que esta função admite um máximo e um mı́nimo. Os valores máximo e mı́nimo da função curvatura normal em um ponto q serão chamados de curvaturas principais e a partir delas definiremos as curvatura de Gauss e a curvatura média. Proposição 3.6.1. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3 e kn a função curvatura normal de X em q = (u0, v0). Então, existem vetores unitários e ortogonais w1, w2 ∈ TqX tais que, k1 = kn(w1) e k2 = kn(w2) são os valores máximo e mı́nimo da função de curvatura normal. Usando a notação da proposição anterior temos que os vetores w1 e w2 são chamados de vetores principais de X em q e as curvaturas k1 e k2 são denominadas as curvaturas principais de X em q. As direções do plano tangente TqX determinadas pelos vetores principais são chamadas de direções principais. O produto das curvaturas principais k(q) = k1k2, é chamada de curvatura gaussiana de X em q e a semi-soma de k1 e k2 H(q) = k1 + k2 2 , é chamada de curvatura média de X em q. Segue-se destas definições que as curvaturas principais de X em q são soluções da equação: x2 − 2H(q)x + k(q) = 0. Observação 3.6.1. notamos que uma mudança de parâmetro pode mudar o sinal da curvatura média entretanto a curvatura gaussiana permanece inalterada. 3.6. Curvaturas Principais; Curvatura de Gauss e Curvatura Média 59 Proposição 3.6.2. (Fórmula de Euler) Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3, considere um ponto q = (u0, v0) pertencente ao dominio de X e k1 e k2 as curvaturas principais de X em q e w1 e w2 os vetores principais em q. Para todo w ∈ TqX tal que |w| = 1, se w = cos θw1 + θw2, então kn(w) = k1 cos2 θ + k2 sin2 θw2. A proposição seguinte nos permite obter k(q) e H(q) a partir dos coeficientes da primeira e segunda formas quadráticas. Proposição 3.6.3. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3. Se q = (u0, v0), então k(q) = e0g0 − f 2 0 E0G0 − F 2 0 . H(q) = 1 2 e0G0 − 2f0F0 + E0g0 E0G0 − F 2 0 . A proposição permite calcular k(u, v) e H(u, v) de uma superf́ıcie parametrizada reg- ular X(u, v), a partir dos coef́ıcientes da primeira e segunda formas quadráticas. E resol- vendo a equação x2 − 2H(u, v)X + k(u, v) = 0 obtemos as curvaturas principais k1 e k2 da superf́ıcie. A seguir veremos como obter os vetores principais a partir de k1 e k2. Proposição 3.6.4. Sejam X(u, v) uma superf́ıcie parametrizada regular, q = (u0, v0). Um vetor não nulo w = a0Xu(q)+ b0Xv(q) é uma direção principal de curvatura principal k0, se e so se, a0, b0 satisfazem o sistema de equações: (e0 − k0E0)a0 + (f0 − k0F0)b0 = 0 (f0 − k0F0)a0 + (g0 − k0G0)b0 = 0 3.6. Curvaturas Principais; Curvatura de Gauss e Curvatura Média 60 Exemplo 3.6.1. Consideremos o parabolóide descrito por X(u, v) = (u, v, v2 − u2), (u, v) ∈ R2. Calculando os coef́ıcientes da primeira e segunda forma quadrática em q = (0, 0), obtemos E(0, 0) = 1, F (0, 0) = 0, G(0, 0) = 1, e(0, 0) = −2, f(0, 0) = 0, g(0, 0) = 2. Segue da proposição (3.6.3) que K(0, 0) = −4 e H(0, 0) = 0. Portanto as curvaturas principais em q = (0, 0), que são as soluções da equação x2−4 = 0, são k1 = −2 e k2 = 2. As direções principais são as soluções do sistema: (e0 − k1E0)a0 + (f0 − k1F0)b0 = 0 (f0 − k2F0)a0 + (g0 − k2G0)b0 = 0, 3.6. Curvaturas Principais; Curvatura de Gauss e Curvatura Média 61 quando substituimos k0 respectivamente por k1 e k2, obtemos o vetor principal w1 = Xu(0, 0) = (1, 0, 0) para k1 = −2 e w2 = Xv(0, 0) = (0, 1, 0) para k2 = 2. Veja na figura (3.11)[18]. X(u,v) Z Y X Figura 3.11: 3.7. Classificação dos Pontos de uma Superf́ıcie 62 3.7 Classificação dos Pontos de uma Superf́ıcie Nesta seção veremos que o sinal da curvatura Gaussiana em um ponto q nos permite estudar o comportamento da superf́ıcie em pontos próximos de q. Inicialmente vamos considerar a seguinte classificação. Definição 3.7.1. Seja X(u, v) uma superf́ıcie parametrizada regular. Dizemos que q = (u, v) é um ponto: a) eĺıtico se k(q) > 0; b) hiperbólico se k(q) < 0; c) parabólico se k(q) = 0 e H(q) 6= 0; d) planar se k(q) = 0 e H(q) = 0. Exemplo 3.7.1. a) Todos os pontos de uma esfera são eĺıticos. b) A origem de um parabolóide hiperbólico é um ponto hoiperbólico. c) Todo ponto de um cilindro é parabólico. d) Todo ponto de um plano é um ponto planar. Observação 3.7.1. a)Em um ponto eĺıtico as curvaturas principais têm sinais iguais, portanto as curvas da superf́ıcie neste ponto estão para um mesmo semi-plano determinado pelo plano tangente TqX. b)Em um ponto hiperbólico, como as curvaturas principais têm sinais distintos, ex- istem curvas na superf́ıcie cujas concavidades estão voltadas para os dois semi-planos determinados pelo plano tangente TqX. Exibimos este resultado na proposição a seguir. Proposição 3.7.1. Considere X(u, v), (u, v) ∈ U ⊂ R2 uma superf́ıcie parametrizada regular e q = (u0, v0). a)Se q é um ponto eĺıtico, então existe uma vizinhança W de q, com W ⊂ R, tal que X(W ) está contido e um dos semi-espaços fechados determinados pelo plano tangente TqX. 3.7. Classificação dos Pontos de uma Superf́ıcie 63 b)Se q é um ponto hiperbolico, então em toda vizinhança W de q, W ⊂ U existem q1 e q2 tais que X(q1), X(q2), pertencem a semi-espaços distintos determinados pelo plano tangente TqX. Observação 3.7.2. Se q é um ponto parabólico ou planar de uma superf́ıcie X(u, v) então, para (u, v) próximo de q, a posição do ponto X(u, v), relativamente ao plano tangente TqX, não é determinada. Agora vamos considerar os pontos da superf́ıcie em que as curvaturas principais coin- cidem. Definição 3.7.2. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3. Definimos que um ponto q ∈ U é dito ponto umb́ılico da superf́ıcie X, se as curvaturas principais de X em q coincidem. Em um ponto umb́ılico q de uma superf́ıcie X, a curvatura normal de qualquer vetor não nulo é constante igual a k1 = k2. Portanto todo vetor unitário do plano tangente TqX é um vetor principal. Observação 3.7.3. Para toda superf́ıcie parametrizada regular X(u, v), segue-se da definição de curvatura Gaussiana e curvatura média que H2(u, v)−K(u, v) ≥ 0, já que H2(u, v)−K(u, v) = (k1 − k2) 2 4 ≥ 0. Portanto um ponto q = (u, v) é umb́ılico, se e só se, H2(u, v)−K(u, v) = 0. Exemplo 3.7.2. a) Temos que todo ponto planar de uma superf́ıcie é um ponto umb́ılico. b)Seja um parabolóide eĺıtico definido por X(u, v) = (u, v, u2 + v2), (u, v) ∈ R2. Então q = (0, 0) é um ponto umb́ılico. 3.8. Linhas de Curvatura, Linhas Assintoticas e Geodésicas 64 Proposição 3.7.2. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3. Um ponto q ∈ U é umb́ılico, se e só se, existe um número real λ tal que e0 = λE0, f0 = λF0, g0 = λG0 onde E0, F0, G0, e0, f0, g0 são os coeficientes de primeira e segunda forma quadrática em q. E neste caso, λ é igual às curvaturas principais de X em q. Proposição 3.7.3. Sejam X : U ⊂ R2 −→ R3 uma superf́ıcie parametrizada regular onde U é um subconjunto aberto e conexo de R2. Se para todo ponto q ∈ U, q é um ponto umb́ılico de X, então a curvatura Gaussiana K é constante em U e K ≥ 0. Além disso, se K − 0, então X(U) está contido em uma esfera de raio 1√ K . Observação 3.7.4. A condição do conjunto U ser conexo pode ser sempre satisfeita restringindo-se convenientemente o domı́nio de X. 3.8 Linhas de Curvatura, Linhas Assintoticas e Geodésicas Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3, (u, v) ∈ U, onde u e v são funções diferenciáveis com parâmetro t, t ∈ R, logo a curva diferenciável α(t) = X(u(t), v(t)) é uma curva da superf́ıcie X. Se a curva α é regular dizemos que α é uma curva regular da superf́ıcie. Entre as diversas curvas regulares da superf́ıcie, vamos apresentar três tipos de curvas que merecem um estudo especial. São as chamadas linhas de curvatura, linhas assintoticas e as geodésicas. Definição 3.8.1. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3, e também uma curva regular α(t) = X(u(t), v(t)), onde t ∈ I ⊂ R dizemos que α é uma linha de curvatura da superf́ıcie X, se para todo t ∈ I o vetor α′(t) é uma direção principal de X em (u(t), v(t)). 3.8. Linhas de Curvatura, Linhas Assintoticas e Geodésicas 65 Exemplo 3.8.1. a) Toda curva regular de um plano é uma linha de curvatura. b)Toda curva regular de uma esfera é uma linha de curvatura. Na proposição a seguir vamos obter equações que nos permitirão determinar as linhas de curvatura de uma superf́ıcie. Proposição 3.8.1. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3 e α(t) = X(u(t), v(t)), t ∈ I ⊂ R uma curva regular desta superf́ıcie. Então α é uma linha de curvatura de X, se e só se, u(t) e v(t) satisfazem   (v′)2 −u′v′ (u′)2 E F G e f g   = 0, onde E, F, G, e, f, g são os coeficientes de primeira e segunda forma quadrática de X em (u(t), v(t)). Agora veremos na proposição a seguir que por cada ponto umb́ılico, de uma superf́ıcie parametrizada regular, passam duas linhas de curvatura. Proposição 3.8.2. Seja X(u, v), (u, v) ∈ U ⊂ R2, uma superf́ıcie parametrizada regu- lar. Se (u0, v0) ∈ U é um ponto não umb́ılico de X, então existe uma vizinhança V de (u0, v0), V ⊂ U, de pontos umb́ılicos, tal que para todo q ∈ V existem duas linhas de curvatura α(t) = X(u(t), v(t)) satisfazendo (u(0), v(0)) = q. Observação 3.8.1. Se (u0, v0) é um ponto umb́ılico de uma superf́ıcie X(u, v), então nada podemos afirmar sobre existência de curvaturas passando por (u0, v0). Por exemplo, no parabolóide eĺıtico X(u, v) = (u, v, u2 + v2) o ponto (0, 0) é umb́ılico e existem infinitas linhas de curvatura X(u(t), v(t)), tal que (u(0), v(0)) = (0, 0). 3.8. Linhas de Curvatura, Linhas Assintoticas e Geodésicas 66 A seguir vamos introduzir o conceito de linhas assintóticas. Definição 3.8.2. Sejam X(u, v), (u, v) ∈ U ⊂ R2, uma superf́ıcie parametrizada regular e q um ponto de U. Uma direção tangente a X em q, onde a curvatura normal se anula, é chamada direção assintótica de X em q. A seguir veremos como determinar a quantidade de direções assintóticas em q em termos da curvatura Gaussiana em q. Proposição 3.8.3. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3, e um ponto q de U: a) Se q é um ponto eĺıtico, então não existem direções assintóticas em q. b) Se q é um ponto hiperbólico, então existem exatamente duas direções assintóticas em q. c) Se q é um ponto parabólico, então existe uma única direções assintóticas em q, que é também a principal. d) Se q é um ponto planar, então a direção é assintóticas em q. Definição 3.8.3. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3. Uma curva regular α(t) = X(u(t), v(t)), t ∈ I ⊂ R, é uma linha assintótica de X, se para todo t ∈ I, α′(t) é uma direção assintótica de X em (u(t), v(t)). Exemplo 3.8.2. a) Do item (d) da proposição temos que toda curva regular de um plano é uma linha assintótica. b) Se (u, v) é uma superf́ıcie regular e α(t) = X(u(t), v(t)) é uma reta, então α é uma linha assintótica de X. A seguir vamos obter as equações diferenciais que permitem determinar as linhas assintoóticas de uma superf́ıcie. Proposição 3.8.4. Considere uma curva regular α(t(= X(u(t), v(t)), t ∈ I ⊂ R de uma superf́ıcie X(u, v). Então, α é uma linha assintótica de X, se e só se, as funções u(t), v(t) satisfazem a equação: 3.8. Linhas de Curvatura, Linhas Assintoticas e Geodésicas 67 e(u′)2 + 2fu′v′ + g(v′)2 = 0, (3.5) onde e, f, g são os coeficientes da segunda forma quadrática de X em (u(t), v(t)). Vemos na proposição a seguir a existência de linhas assintóticas em uma vizinhança de um ponto hiperbólico. Proposição 3.8.5. Seja X(u, v), (u, v) ∈ U ⊂ R2 uma superf́ıcie parametrizada regu- lar. Se (u0, v0) ∈ U é um ponto9 hiperbólico de X, então existe uma vizinhança V de (u0, v0), V ⊂ U, de pontos hiperbólicos tal que, pata todo q ∈ V , existem duas linhas assintóticas, α(t) = X(u(t), v(t)), que satisfaz q = (u(0), v(0)). Exemplo 3.8.3. Consideremos o helicóide descrito por X(u, v) = (u cos(v), u sin(v), v), (u, v) ∈ R2. Assim obtemos suas linhas assintóticas. Os coeficientes da segunda forma quadrática são dados por e = 0, f(u, v) = − 1√ 1 + u2 , g = 0. Neste caso a equação e(u′)2 + 2fu′v′ + g(v′)2 = 0, se reduz a − 1√ 1 + u2 u′v′ = 0. Portanto, temos as equações u′ = 0, v′ = 0. Conclúımos que as curvas coordenadas são as linhas assintóticas. Vamos agora introduzir a noção de curvas geodésica de uma superf́ıcie. As geodésicas são as curvas mais importantes das superf́ıcies. 3.8. Linhas de Curvatura, Linhas Assintoticas e Geodésicas 68 Definição 3.8.4. Seja X(u, v) uma superf́ıcie parametrizada regular. Uma curva regular α(t) = X(u(t), v(t)) é uma geodésica da superf́ıcie X se, para todo t ∈ I, α′′(t) é um vetor normal a X em u(t), v(t). Exemplo 3.8.4. a) Toda reta contida em uma superf́ıcie é uma geodésica da superf́ıcie. b)Consideremos uma esfera de raio r > 0. Temos que o ćırculo máximo, parametrizado pelo comprimento de arco, é uma geodésica da esfera e reciprocamente, toda geodésica da esfera tem o traço contido em um ćırculo máximo. De fato, todo ćırculo máximo, parametrizado pelo comprimento de arco, tem o vetor α′′ apontado para o centro da esfera, portanto normal à esfera. Agora vamos obter as equações diferenciais que permitem obter as geodésicas de uma superf́ıcie. Considere uma superf́ıcie parametrizada regular X(u, v), (u, v) ∈ U ⊂ R2. Como para cada ponto (u, v) ∈ U os vetores Xu, Xv, N são linearmente independentes, temos que Xuu, Xuv, Xvv, Xu e Xv podem ser expressos como combinação linear de Xu, Xv, N . Ou seja; Xuu = Γ1 11Xu + Γ2 11Xv + a11N, Xuv = Γ1 12Xu + Γ2 12Xv + a12N, Xvv = Γ1 22Xu + Γ2 22Xv + a22N, (3.6) Nu = b11Xu + b12Xv, Nv = b21Xu + b22Xv. Onde os coeficientes Γk ij, aij, bij devem ser determinados. Nas duas últimas igualdades usamos o fato de que Nu e Nv são vetores tangentes à superf́ıcie. Os coeficientes Γk ij são chamados śımbolos de Christoffel da superf́ıcie X. Considerando o produto interno das três primeiras relações anteriores (3.6) com N , obtemos a11 = e, a12 = f, a22 = g. (3.7) 3.8. Linhas de Curvatura, Linhas Assintoticas e Geodésicas 69 Para determinar os outros coeficientes, consideremos o produto interno de cada relação em ( 3.6 ) com Xu e Xv, obtendo: Γ1 11E + Γ2 11F =< Xuu, Xu >= 1 2 Eu, Γ1 11F + Γ2 11G =< Xuu, Xv >= Fu − 1 2 Ev, Γ1 12E + Γ2 12F =< Xuv, Xu >= 1 2 Ev, Γ1 12F + Γ2 12G =< Xuv, Xv >= 1 2 Gu, Γ1 22E + Γ2 22F =< Xvv, Xu >= Fv − 1 2 Gu, Γ1 22F + Γ2 22G =< Xvv, Xv >= 1 2 Gu, (3.8) b11E + b2 12F =< Nu, Xu >= −e, b11F + b2 12G =< Nu, Xv >= −f, b21E + b2 22F =< Nv, Xu >= −f, b21F + b2 22G =< Nv, Xv >= −g, onde usamos (3.5) e (3.7) nas quatro relações. Resolvendo as quatro primeiras relações de (3.8) para Γ1 11 e Γ2 11, as duas seguintes para Γ1 12 e Γ2 12 a assim sucessivamente obtemos: Γ1 11 = GEu − 2FFu + FEv 2(EG− F 2) , (3.9) Γ2 11 = 2EFu − EEv + FEu 2(EG− F 2) , Γ1 12 = GEv − FGu 2(EG− F 2) , 3.9. Teorema Egregium de Gauss, Equações de Gauss e Codazzi-Mainardi , Teorema Fundamental das Superf́ıcies 70 Γ2 12 = EGu − FEv 2(EG− F 2) , Γ1 22 = 2GFv −GGu − FGv 2(EG− F 2) , Γ2 22 = EGv − 2FFv + FGu 2(EG− F 2) , b11 = fF − gG EG− F 2 , (3.10) b12 = eF − eG EG− F 2 , b21 = gF − fG EG− F 2 , b22 = fF − gE EG− F 2 . Proposição 3.8.6. Seja α(t) = X(u(t), v(t)), t ∈ I ⊂ R, uma curva regular de uma superf́ıcie X(u, v) Então, α é uma geodésica de X se e só se, as funções u(t), v(t) satis- fazendo ao sistema de equações u′′ + (u′)2Γ1 11 + 2u′v′Γ1 12 + (v′)2Γ1 22 = 0, v′′ + (u′)2Γ2 11 + 2u′v′Γ2 12 + (v′)2Γ2 22 = 0, (3.11) onde Γk ij são os śımbolos de Christoffel da superf́ıcie X. 3.9 Teorema Egregium de Gauss, Equações de Gauss e Codazzi-Mainardi , Teorema Fundamental das Superf́ıcies Nesta seção veremos alguns dos teoremas mais importantes da teoria das superf́ıcies, tais como o teorema de Egregium de Gauss, que afirma que a curvatura Gaussiana, depende 3.9. Teorema Egregium de Gauss, Equações de Gauss e Codazzi-Mainardi , Teorema Fundamental das Superf́ıcies 71 somente da primeira forma quadrática. Também veremos a importância da primeira e segunda forma quadráticas para o estudo local da teoria de superf́ıcies com o teorema fundamental das superf́ıcies. Seja X(u, v) uma superf́ıcie e N uma aplicação normal de Gauss, então como vimos anteriormente Xuu, Xuv, Xvv são combinações lineares de Xu, Xv e N . Além disso, como Nu, Nv são tangentes a superf́ıcie, também são combinações lineares de Xu e Xv. Os coeficientes desta combinação não são independentes, pois devem satisfazer as relações: (Xuu)v = (Xuv)u, (Xvv)u = (Xuv)v, (3.12) Nuv = Nvu. Substituindo (3.6) em (3.12), teremos que cada equação de ( 3.12) se reduz a anular uma combinação linear de Xu e Xv e N , que são vetores linearmente independentede R3. Portanto, anulando os coeficientes destas combinações lineares obtemos nove relações, das quais destacamos as seguintes: −EK = (Γ2 12)u − (Γ2 11)v + Γ1 12Γ 2 11 − Γ1 11Γ 2 12 + (Γ2 12) 2 − Γ2 11Γ 2 22 (3.13) onde K é a curvatura gaussiana e ev − fu = eΓ1 12 + f(Γ2 12 − Γ1 11)− gΓ2 11, (3.14) fv − gu = eΓ1 22 + f(Γ2 22 − Γ1 12)− gΓ2 12. (3.15) A equacão (3.13) é chamada de equação de Gauss e as equações (3.14) e (3.15) são chamadas de equações de Codazzi-Mainardi. Estas duas equações são chamadas também de equações de compatibilidade. Como os śımbolos de Christoffel só dependem da primeira forma quadrática, podemos obter da equação de Gauss (3.13) o seguinte resultado. 3.10. Forma Local das Imersões 72 Teorema 3.9.1. Teorema Egregium de Gauss A curvatura Gaussiana só depende da primeira forma quadrática. Uma consequência deste teorema é que uma superf́ıcie isométrica têm a mesma cur- vatura Gaussiana em pontos correspondentes. E podemos observar que em geral a rećıproca desta afirmação não é verdadeira. A importância das equações de Gauss e Codazzi-Mainardi se deve ao fato de que os coeficientes da primeira e segunda forma quadrática, satisfazem tais equações, ou seja determinam uma superf́ıcie a menos de sua posição no espaço. Este é o resultado apre- sentado pelo teorema a seguir. Teorema 3.9.2. Teorema Fundamental das Superf́ıcies Sejam E, F, G, e, f, g funções reais diferenciáveis definidas em um aberto conexo U ⊂ R2, tais que E > 0, G > 0, EG− F 2 > 0. Se as funções satisfazem as equações de Gauss e Codazzi-Mainardi, então: a) Existe uma superf́ıcie parametrizada regular X : U ⊂ R2 −→ R3 tal que E, F, G, e, f, g são os seus coeficientes da primeira e segunda forma quadrática de X. b) Se X e X são duas superf́ıcies satisfazendo (a), então existe um movimento ŕıgido F de R3 tal que X = F ◦X. 3.10 Forma Local das Imersões Definição 3.10.1. Seja U ⊂ Rm, uma aplicação diferenciável f : U −→ Rn chama-se uma imersão de U no espaço Rn se a transformação linear Dfx : Rm −→ Rn é injetiva. Isto, naturalmente, só pode ocorrer se m ≤ n. Quando m = n, toda imersão de classe C1 de U no espaço Rn é um difeomorfismo local. Exemplo 3.10.1. O exemplo t́ıpico é a inclusão: i : Rm −→ Rm+n, dada por i(x) = (x, 0), é linear e Dix = i é injetiva. 3.10. Forma Local das Imersões 73 Teorema 3.10.1. Teorema da Aplicação Inversa Sejam U ⊂ Rn um aberto e f : U −→ Rn, uma aplicação de classe Ck, k > 1. Suponha que no ponto p ∈ U a transformação linear f ′(p) : Rm −→ Rn é um isomorfismo. Então a aplicação f é um difeomorfismo de classe Ck de uma vizinhança V de p em uma vizinhança W de f(p). Veja na figura (3.12 ). x 0 f f(x 0 ) V W f T 1 (x)=X+X T 2 (x)=y-f(x 0 ) Figura 3.12: Teorema 3.10.2. (Forma Local das Imersões) Sejam U ⊂ Rn um aberto e f : U −→ Rn, uma aplicação de classe Ck, k > 1. Suponha que no ponto p ∈ U com a transformação linear f ′(p) : Rm −→ Rn é injetora. Então f se comporta localmente como uma inclusão. Com isto queremos dizer que existem abertos V,W,Z com f(p) ∈ Z, Z ⊂ Rn, p ∈ V, V ⊂ U ⊂ Rm, 0 ∈W, W ⊂ Rn. 3.10. Forma Local das Imersões 74 É um difeomorfismo de classe Ck, h : Z −→ V ×W, tal que h ◦ f(x) = (x, 0), para cada x ∈ V A figura(3.13)[17], mostra uma interpretação geométrica para o caso em que m = n = 1. x 0 x 0 0( , )0 x 0 i = hOα π α F Z h E = α'(x0)0R m U W V ξ Figura 3.13: Definição 3.10.2. (Parametrização) Uma parametrização de classe Ck de um cunjunto V ⊂ Rn é um homeomorfismo ϕ : V0 −→ V que também é uma imersão de classe Ck, definida no aberto V0 ⊂ Rm (m ≤ n). Nesse caso ϕ é uma parametrização m-dimensional. Exemplo 3.10.2. Seja V ⊂ R3 o parabolóide {V = (x, y, z) ∈ R3 : z = x2 + y2}. Considere ϕ : R2 −→ V dado por: ϕ(x, y) = (x, y, x2 + y2). Neste caso V0 = R2 e ϕ é uma parametrização 2-dimensional. ϕ′x,y(u, v) = (u, v, 2xu + 2yv), 3.10. Forma Local das Imersões 75 é injetiva. Portanto ϕ é uma imersão de classe C∞. Veja na figura (3.14)[17]. x z y y x ϕ V Figura 3.14: 3.10. Forma Local das Imersões 76 Definição 3.10.3. Uma função f : U ⊂ Rm −→ Rn é chamada submersão se para todo x ∈ U tivermos f diferenciável em x e a transformação linear Dfx : Rm −→ Rn é sobrejetora (n ≤ m) Exemplo 3.10.3. Considere a aplicação ρ : Rm × Rn −→ Rm dedinida por: ρ(x, y) = (x). Logo temos que ρ′(x, y) = ρ e ρ é sobrejetiva. Exemplo 3.10.4. Considere a função ρ : Rm × Rn −→ Rm definida por: ρ(x, y) = x, onde Dρ(x,y) = ρ. é sobrejetiva. Teorema 3.10.3. Forma Local das Submersões Sejam U ⊂ Rm+n e f : U −→ Rm de classe Ck (k ≥ 1). Suponhamos que ∃z0 ∈ U tal que Dfz0 é sobrejetora. Dada uma decomposição Rm+n = E ⊕ F (E cartesiano com F ) com z0 = (x0, y0) tal que ∂2fz0 :−→ Rm é isomorfismo. Então existe um difeomorfismo h : V ×W −→ Z de classe Ck tal que f ◦ h(x, y) = y para todo (x, y) ∈ V ×W , onde x0 ∈ V aberto em E, f(z0) ∈ W aberto em Rm e z0 ∈ Z aberto em Rm+n. Definição 3.10.4. Seja U ⊂ Rn, dizemos que uma aplicação f : U −→ Rn é um mergulho se: i) f é uma imersão. ii) f é um homeomorfismo de V sobre o subespaço f(V ) ⊂ Rn. Caṕıtulo 4 Formas Locais de imersões e mergulho em Variedades Neste caṕıtulo faremos um estudo sobre as Variedades Diferenciáveis, em particular as variedades riemannianas e variedades afins. Inicialmente vamos definir e estudar al- guns conceitos básicos que se farão necessários no desenvolvimento do caṕıtulo seguinte. Estudaremos conceitos como métrica (em particular a riemanniana), componentes con- travariantes e covariantes em vetores, geodésicas, tensores, curvatura no espaço curvo e paralelismo. 4.1 Introdução De forma geral, uma variedade diferenciável é como uma superf́ıcie, só que não precisa estar contido em um espaço euclidiano. 4.2. Variedades Diferenciáveis 78 Definição 4.1.1. Espaço Topológico Seja M um conjunto não vazio. Uma coleção Ω de subconjuntos de M é chamada topologia sobre M se: i)∅, M ∈ Ω, ii)Se G1, . . . , Gn ∈ Ω (n ≥ 1), então G1 ∩ . . .n ∈ Ω. iii)Se (Gi) é uma famı́lia qualquer de conjuntos de Ω, então ∪Gi ∈ Ω. Nestas condições diremos que o par (M, Ω) é um espaço topológico; os membros da classe Ω são chamados conjuntos abertos do espaço e cada elemento de M é designado por um ponto. Quando não houver confusão posśıvel diremos apenas ”espaço topológico M”. Vejamos alguns exemplos. Exemplo 4.1.1. Dado M 6= ∅, a coleção Ω = ℘(M) (conjunto das partes de M)verificamos facilmente que se trata de uma topologia sobre M . Essa topologia é chamada topologia discreta sobre M . Exemplo 4.1.2. Para todo M 6= ∅, a coleção Ω = {∅, M} é uma topologia a que chamaremos topologia caótica sobre M . 4.2 Variedades Diferenciáveis Definição 4.2.1. (Variedade) Uma variedade de dimensão m e classe Ck é um conjunto M ⊂ Rn que pode ser coberto por uma coleção de abertos U ⊂ Rn tais que V = M ∩ U admite uma parametrização ϕ : V0 −→ V de classe Ck definida em um aberto V0 de Rm. Além disso se ψ : W0 −→ W com V ∩W 6= ∅ então ψ−1◦ϕ : ϕ−1(V ∩W ) −→ ψ−1(V ∩W ) é um difeomorfismo de classe Ck. Como mostrado na figura (4.1). Definição 4.2.2. Seja M um espaço topolólico. Um sistema de coordenadas locais ou carta local em M é um homeomorfismo x : U −→ x(U) de um subconjunto aberto U ⊂ M sobre um aberto x(U) ⊂ Rm. 4.2. Variedades Diferenciáveis 79 U0 W0 V W ϕ ψ ψ−1 ο ϕ Figura 4.1: Exemplo 4.2.1. Seja f : Rm −→ Rn uma aplicação de classe Ck então M = {(x, f(x))} : x ∈ Rm é uma variedade de dimensão m e classe Ck. De fato: Basta considerar a carta ψ : Rm −→ M dada por ψ(x) = (x, f(x)). Exemplo 4.2.2. Considere a circunferência unitária definida por S1 = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y2 = 1} é uma variedade de dimensão 1. Como mostrado na figura (4.2). R ϕ Figura 4.2: De fato, considere ϕ : R −→ S1 dada por ϕ(t) = (cos(t), sin(t)) e para obter as cartas locais fazemos restrições no domı́nio de ϕ Exemplo 4.2.3. Sejam as variedades, M1 uma variedade de dimensão m1 e M2 uma variedade de dimensão m2. Então M1 ×M2 é uma variedade de dimensão m1 + m2. 4.2. Variedades Diferenciáveis 80 De fato, se ϕ : V0 −→ V e ψ : U0 −→ U são cartas locais para M1 e M2 respectiva- mente, então V0 ⊂ Rm1 e U0 ⊂ Rm2. Assim a aplicação ϕ× ψ : V0 × U0 −→ V × U dada por ϕ× ψ(x, y) = (ϕ(x), ψ(y)) é uma carta local para M1 ×M2 e como V0 × U0 é aberto de Rm1+m2 implica que M1 ×M2 é uma variedade (m1 + m2)-dimensional. Definição 4.2.3. Seja o espaço topológico M dizemos que é um espaço T2 ou espaço de Housdorff se o seguinte axioma, chamado T2, se verifica [17]: ”Dado quaisquer x, y ∈ E, x 6= y então existem abertos disjuntos Gx e Gy de maneira que x ∈ Gx e y ∈ Gy. Como mostrado na figura (4.3).” x y Gx Gy E Figura 4.3: Espaço Topológico T2 Definição 4.2.4. Um atlas de dimensão m sobre um espaço topológico M é uma coleção U de sistemas de coordenadas locais x : U −→ Rn em M , cujo domı́nio U cobrem M . Os domı́nios U dos sistemas de coordenadas x ∈ U são chamados as vizinhanças coordenadas de U . Por exemplo, os sistemas de coordenadas que são os inversos das parametrizações em uma superf́ıcie Mm ⊂ Rn formam um atlas de dimensão m sobre M . Um espaço topológico M no qual existe um atlas de dimensão M chama-se uma variedade topolólica de dimensão m. Em outras palavras, M é uma variedade topológica de dimensão m se, e só se, cada ponto de M tem uma vizinhança homeomorfa a um aberto do Rm. 4.2. Variedades Diferenciáveis 81 Exemplo 4.2.4. Toda superf́ıcie Mm ⊂ Rn é uma variedade topológica de dimensão m. Definição 4.2.5. Mudança de Coordenadas Dado um sistema de coordenadas locais x : U −→ Rm e y : V −→ Rm no espaço topológico M , tais que U ∩ V 6= φ, cada ponto p ∈ U ∩ V tem coordenadas x1 = x1(p) no sistema x e coordenadas y1 = y1(p) relativamente ao sistema y. A correspondência (x1(p), . . . , xm(p)) ←→ (y1(p), . . . , ym(p)) estabelece um homeomorfismo ϕxy = y ◦ x−1 : (U ∩ V) −→ y(U ∩ V) que é chamado mudança de coordenadas. Veja na figura (4.4)[17]. se z : W −→ Rm é outro sistema de coordenadas locais tal que U∩ V ∩W 6= φ então ϕxz = ϕyz ◦ ϕxy : x(U ∩ V ∩W ) −→ z(U ∩ V ∩W ). Tem-se ϕxx = idx(U) e ϕxy = (ϕyx) −1. Definição 4.2.6. (Variedades Diferenciáveis) Um atlas U sobre um espaço topológico M diz-se diferenciável, de classe Ck, (k ≥ 1), se todas as mudanças de coordenadas ϕxy, x, y ∈ U são aplicações de classe Ck. Notação U ∈ Ck. Como ϕxy = (ϕyx) −1, segue-se que os ϕxy são, de fato, difeomorfismos de classe Ck. Em particular, se escrevemos 4.2. Variedades Diferenciáveis 82 U V M x y y0x -1 R m Figura 4.4: Variedade Diferenciável ϕxy : (x1, . . . , xm) −→ (y1, . . . , ym), então o determinante jocobiano det ( ∂yi ∂xj ) é não nulo em todo ponto de x(U ∩ V ). Seja U um atlas de dimensão m a classe Ck num espaço topológico M . Um sistema de coordenadas z : W −→ Rn em M diz-se admisśıvel relativamente ao atlas U se, para todo sistema de coordenadas locais x : U −→ Rm, pertencente a U , com U ∩W 6= φ, as mudanças de coordenadas ϕxz e ϕzx são de classe Ck. Em outras palavras, se U ∪ {z} é ainda um atlas de classe Ck em M . Exemplo 4.2.5. Seja U o atlas de classe C∞ em R que consiste de uma única carta local x = id : R −→ R. Seja z : R −→ R o sistema de coordenadas dado por z(t) = t3. Então z não é admisśıvel em relação a U pois, embora ϕxz(t) = t3 seja de classe C∞, ϕzx(t) = t 1 3 não é diferenciável em t = 0. 4.2. Variedades Diferenciáveis 83 Um atlas U , de dimensão m e classe Ck, sobre M , diz-se máximo quando contém todos os sistemas de coordenadas locais que são admisśıveis em relação a U . Todo atlas de classe Ck em M pode ser ampliado, de modo único, até se tornar um atlas máximo de classe Ck: basta acrescentar-lhe todos os sistemas de coordenadas admisśıveis. Definição 4.2.7. Uma variedade diferenciável, de dimensão m e classe Ck é um par ordenado (M,U) onde M é um espaço topológico de Hausdorff, com base enumerável e U é um atlas de dimensão m e classe Ck sobre M . A exigência de que o atlas seja máximo não é essencial mas é coveniente. Em alguns contextos admitem-se variedades não Hausdorff ou sem base enumerável. Na realidade, porém, os teoremas mais importantes exigem estas hipóteses. Em outras palavras para provar que (M,U) é uma variedade diferenciável de dimensão m e classe Ck devemos verificar que: i)M é um espaço topológico de Hausdorff com base enumerável. ii)U é uma coleção de homeomorfismos x : U −→ Rm, de conjuntos abertos U ⊂ M sobre abertos x(U) ⊂ Rm. iii)Os domı́nios U dos homeomorfismos x ∈ U cobrem M . iv) Dados x : U −→ Rm e y : V −→ Rm pertencentes a U com U ∩ V 6= φ, então ϕxy : x(U ∩ V ) −→ y(U ∩ V ) é um homeomorfismo de classe Ck. v) Dado um homeomorfismo z : W −→ Rm de um aberto W ⊂ M sobre um aberto z(W ) ⊂ Rm, tal que ϕzx e ϕxz são de classe Ck para cada x ∈ U , então z ∈ U . Para todo r ≤ k, uma variedade de classe Ck pode ser olhado como variedade de classe Cr, pois qualquer atlas de classe Ck está contido num único atlas máximo de classe Cr. Exemplo 4.2.6. Exemplos de variedades. 1)Superf́ıcie no Rn. Toda superf́ıcie de dimensão m e classe Ck, Mm ⊂ Rn, é uma variedade diferenciável de dimensão m e classe Ck, com o atlas U formado pelos sistemas de coordenadas x : U −→ Rm, inversos das parametrizações ϕ : U0 ⊂ Rm −→ U ⊂ M , de classe Ck. 2)Espaços Projetivos. 4.2. Variedades Diferenciáveis 84 Encaremos o espaço projetivo P n como o conjunto de todas as retas H ⊂ Rn+1 que passam pela origem. 3)Variedade de Grassmann. As variedades de Grassmann Gr(Rn+r) é o conjunto de todos os subespaço vetoriais de dimensão r do espaço euclidiano Rn+r. Em particular, P n = G1(Rn+1). 4)Variedades Riemanianas Faremos, na seqüência, um estudo sobre a Variedade Riemaniana. Inicialmente definire- mos métrica riemaniana para isto vamos definir alguns conceitos que serão importantes no desenvolvimento da teoria. Definição 4.2.8. (Métrica) Dado um conjunto M 6= ∅ e considere a aplicação: d : M ×M −→ R+ (x, y) 7−→ d(x, y). Dizemos que d é uma métrica sobre M se as seguintes condições se verificam para quaisquer x, y, z ∈ M : 1) d(x, y) = 0 ⇔ x = 0. 2) d(x, y) = d(y, x) (comutativa) 3) d(x, y) ≤ d(x, z) + d(z, y) (desigualdade Triângular) A imagem d(x, y) recebe o nome de distância de x e y. Uma métrica riemaniana numa variedade diferenciável M é uma correspondência que associa a cada ponto p ∈ M um produto interno no espaço tangente TpM . Seja g uma métrica riemaniana em M . Indicamos com gp(u.v) ou g(p; u, v) o produto interno dos vetores u, v ∈ TpM . Quando não há perigo de confusão usamos a notação < u, v >p ou simplismente < u, v >. Dizemos que g é a distância dos vetores u e v, onde u, v ∈ TpM . 4.2. Variedades Diferenciáveis 85 A norma do vetor tangente u ∈ TpM é definida por: ‖ u ‖=‖ u ‖p= √ < u, u >.