11 PEDRO EGIDIO WARKEN A RECEPÇÃO DE MACHADO DE ASSIS POR JOVENS LEITORES DO SÉCULO XXI ASSIS 2015 PEDRO EGIDIO WARKEN A RECEPÇÃO DE MACHADO DE ASSIS POR JOVENS LEITORES DO SÉCULO XXI Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis - UNESP - Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Doutor em Letras (Área de Conhecimento: Literatura e Vida Social) Orientador: Dr. João Luís C. T. Ceccantini ASSIS - SP 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – Unesp W277r Warken, Pedro Egidio A Recepção de Machado de Assis por jovens do século XXI / Pedro Egidio Warken. Assis, 2015. 631 f. : il. + 1 CD-ROM (anexos) Tese de Doutorado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Orientador: Dr. João Luís C. T. Ceccantini 1. Assis, Machado de, l839-1908. 2. Leituras para estudan-tes. 3. Literatura - Estudo e ensino. 4. Leitores - formação. I. Título. CDD 028.9 AGRADECIMENTOS Há pessoas especiais em momentos distintos de nossa existência. E na ocasião em que se alcança um objetivo tão caro como o da finalização dos estudos de doutorado as personagens que sobem ao palco para receberem o troféu têm aqui os holofotes voltados para os seus nomes. Gratidão sem tamanho para o professor Dr. João Luís Tápias Ceccantini pelo zelo na tarefa de ensinar e pelo seu resoluto compromisso a quem orienta. Agradecimento especial ao Professor Dr. Álvaro Santos Simões Junior, de aulas inesquecíveis, com as quais pode transportar os alunos a outro tempo e espaço. Imensamente grato à professora Silvia Maria Azevedo com quem aprendi a venerar o escritor maior das terras brasileiras, Machado de Assis. Em Silvia não se vê apenas o dever do ofício, mas o prazer pelo conhecimento. À colega de profissão e à amiga de todas as horas, Leslie B. Groh, que foi também a inspiradora desta pesquisa. À colega e amiga dedicada Julia Fumiko, que não poupou ligações telefônicas para saber em que pé estavam os trabalhos da pesquisa, ao mesmo tempo em que oferecia sua colaboração. À minha companheira, Norma, a quem sacrifiquei com o tempo, mas a sua compreensão se revelou maior em meio a tantas horas de reclusão. E, sem poder esquecer os queridos alunos, sem os quais esta pesquisa não seria possível ser realizada. Deles guardo, com saudades os sorrisos, a disposição, o empenho na realização da leitura das obras de Machado de Assis e depois, concedendo entrevistas individuais e coletivas. Por isso desejo registrar os seus nomes, em homenagem e eterna gratidão. Aos alunos do Colégio PGD e a sua dedicada professora Mirian. Meu respeito e gratidão: Douglas, Manuele, Amanda, Lariane, Mateus, Victória, Guilherme, João Pedro, Filipe, Igor, Ana Beatriz, Bruno, Isabela, Vinícius, Camila, Naomi, Gabriela, Sara, Núria, Alisson, Fernando, Gabriel, Rafi, Gabriela, Bruno, Camila, Luisa, João Pedro, Késia, Kaio, Luis Henrique, Isabela, Débora, Carlos, Julia, Grégory, Vinicius, Caroline, Victor, Gustavo, Thiago, Mariana, Vitro, Vitor Hugo, Juliana, Bruna, Lillian, Gabriela, Gabriel, Julia, Beatriz, Felipe, Victor, Rodrigo, Ruy, Fernanda, Nícolas, Bruno e Isabelle. Aos alunos do Colégio da Warta e à professora Édina fico sempre agradecido: Natalino, Ingridy, Mylena, Ana Flávia, Gabriel, Leonardo, José Alexandre, Francilei, Gustavo, Eduardo, Vitória, Michelli, Jéssica, Thaís, Juliana e Maria Letícia. Aos alunos do Colégio Sagrada Família e a sua entusiasta professora Maria Evilma. Minha sincera gratidão: Rodrigo, Adriano, Ana Caroline, Nassiria, Lays, Wollisson, Letícia, André, Gustavo, Letícia Beatriz, Débora, Talita, Rafael, Igor, Raiara, Taylon, Bruno, Tiago, Luciano, Letícia Raquel, Bruno, Nilton, Marcus, Rauona, Kawana, Felipe, Paulo, Lucas, Laryssa e Nagila. Aos alunos do Colégio Professor Hugo Simas e sua professora Valeska, distinta por seu admirável profissionalismo. Minha admiração e gratidão: Marco Aurélio, Camila, Vinicius, Sthephanie, Lincoln, Leonardo, Gabriela, Camila Neves, Izabelly, Ana Paula, Patrícia, Guilherme Henrique, Pedro Henrique, André Eduardo, João Vitor, Silvio, Gisele, Thaynara, Maria Eduarda, Paola, Maria Eduarda M., Victor, Maria Luiza, João Vitor S., Natalia, Isabella de O., Lucas, Rafaela, Ana Paula F., Isabelle, Gabriela, Larissa, Juliana, Jhúlia, Caio e Carolauiny. Aos alunos do Colégio Professor José Aloísio Aragão e a sua professora Tânia, pela delicada acolhida. Imensamente grato: André, Carlos Hector, Felipe, Gabriel, Guilherme, Gustavo, Hugo, Igor, Leonardo, Leonardo H., Leonardo C., Lucas, Lucas B., Matheus, Pedro Henrique, Rafael, Renan, Rômulo, Vinicius, Bárbara, Beatriz, Beatriz, H., Bianca, Larissa, Letícia, Maria Letícia, Marina, Michelle, Naddyne, Nathália, Paula e Rafaela. RESUMO A recepção de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis (1839-1908), por 107 alunos do 2º ano do ensino médio, em quatro colégios estaduais e um particular no município de Londrina – PR, coletada por meio de entrevistas individuais e coletivas, constitui o tema central desta pesquisa. Assim, O objeto deste estudo não é o texto de Machado de Assis propriamente dito, mas a sua recepção pelo aluno leitor. O trabalho toma a estética da recepção da escola alemã de Constança como referencial teórico básico da pesquisa, além de se valer complementarmente de estudos do campo da sociologia da leitura e da literatura afinados com essa corrente teórica. Os principais objetivos desta investigação são o de descrever e analisar a recepção dos dois romances de Machado de Assis – de estrutura bem diferente – pelo conjunto de estudantes observado. Conceitos fundamentais da Estética da Recepção estão na base deste estudo: concretização, distância estética, efeito/recepção, emancipação, estrutura de apelo, experiência estética, horizonte de expectativas e identificação, entre outros. Procura-se examinar a leitura das obras pelos alunos considerando a atenção que voltam à linguagem das obras a elementos estruturantes da narrativa (enredo, personagens, tempo, espaço, narrador, questões de verossimilhança) mediante os quais os leitores demonstram as suas impressões e seu julgamento crítico das obras. A análise dos dados confirma uma hipótese importante levantada antes das entrevistas, realizadas em situação escolar não rotineira – a de que a motivação para a leitura de uma obra literária é um dado fundamental a se considerar. Além disso, foi possível observar leituras bem particulares próprias da fase de um jovem leitor sem grande repertório literário, em que se destacam dificuldades enfrentadas no âmbito da linguagem, da compreensão do contexto da história e do modo como se apresentam os elementos narrativos e descritivos. Por fim, sobressai o fato de que as atitudes das personagens despertam diferentes disposições no leitor que responde de acordo com seus valores e sua visão de mundo. PALAVRAS-CHAVE: Machado de Assis; Dom Casmurro, Memórias póstumas de Brás Cubas, recepção; leitura; formação do leitor; literatura e ensino. RÉSUMÉ La réception de Don Casmurro et Mémoires posthumes de Brás Cubas par 107 étudiants de 2e année de l'école secondaire dans quatre écoles de l'Etat et un particulier dans la ville de Londrina - PR, ainsi que l'analyse des lectures des élèves par le biais d'entretiens individuels / collectifs maquillage l'objet de cette recherche. L'objet de cette étude est pas le texte Assis Machado lui-même, mais sa réception par l'étudiant de lecteur. Cette recherche sur le terrain de la littérature sociale prend la réception esthétique de l'école allemande de Constance comme référence théorique de travail, et les références traitant de la lecture, la littérature et la théorie littéraire. L'objectif principal de cette recherche est d'observer la réception de Machado de Assis fonctionne et l'effet sur le lecteur pour votre lecture. Le déroulement de l'objectif principal impliquent au moins deux: d'abord, observer et analyser la lecture des élèves par rapport aux concepts fondamentaux de l'esthétique de la réception: Livraison, la distance esthétique, effet, l'émancipation, la structure d'appel, l'expérience esthétique, les attentes Horizon et d'identification, par lequel il semble que la proposition de la théorie. Deuxièmement, examiner la lecture des ouvrages par les étudiants qui envisagent la langue et narratives éléments (intrigue, personnages, temps, espace, probabilité et narrateur) à travers laquelle les lecteurs démontrent ses impressions et sa lecture critique des œuvres. Qu'est-ce que défend cette thèse est: d'abord, que la motivation pour la lecture d'une œuvre littéraire est un facteur important à considérer. Les lectures sont erronées et immature propre phase d'un jeune joueur sans conditions préalables, et que la réception des ouvrages tels que Machado de Assis lui offrent quelques difficultés linguistiques ordre, la compréhension de l'histoire de contexte, le mode comment présenter les éléments narratifs et descriptifs. Enfin, l'effet de l'ouvrage sur le lecteur est ce qui se présente plus révélateurs, que les attitudes des personnages éveillent des dispositions différentes sur le joueur qui répond en fonction de leurs valeurs et de vision du monde. MOTS-CLÉS: Machado de Assis; Dom Casmurro, Memórias póstumas de Brás Cubas reception; lecteur; lecture; littérature. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................................11 I PARTE ...........................................................................................................................................23 1 O ABC DA TEORIA .....................................................................................................................24 1.1 A Estética da Recepção e as teorias subjacentes .......................................................................24 1.2 As teses de Jauss .....................................................................................................................28 1.3 Categorias fundamentais da Estética da Recepção ....................................................................30 1.3.1 Concretização ...................................................................................................................30 1.3.2 Distância estética ..............................................................................................................31 1.3.3 Efeito ...............................................................................................................................32 1.3.4 Emancipação ....................................................................................................................35 1.3.5 Estrutura de apelo .............................................................................................................36 1.3.6 Experiência estética ..........................................................................................................37 1.3.7 Horizonte de expectativas .................................................................................................39 1.3.8 Fusão de horizontes ..........................................................................................................40 1.3.9 Identificação .....................................................................................................................41 1.4 Sobre a história dos efeitos ......................................................................................................43 2 MACHADO DE ASSIS CALEIDOSCÓPICO ...............................................................................45 2.1 Machado de Assis: aspectos biográficos ..................................................................................45 2.2 Machado de Assis e a política ..................................................................................................53 2.3 Machado de Assis e a escravidão .............................................................................................61 2.4 Machado de Assis, homem de imprensa ...................................................................................69 2.5 Machado de Assis: fontes e influências ....................................................................................77 2.6 Machado de Assis: homem de letras ........................................................................................87 2.7 A obra Memórias Póstumas de Brás Cubas ..............................................................................92 2.8 A obra Dom Casmurro ............................................................................................................99 2.8.1 Conclusão ....................................................................................................................... 107 II PARTE ....................................................................................................................................... 109 3 O PERCURSO DA PESQUISA E SEUVIÉS METODOLÓGICO ............................................... 110 3.1 Colégio de iniciativa privada ................................................................................................. 112 3.2 Colégios públicos estaduais ................................................................................................... 113 3.3 A metodologia da análise....................................................................................................... 116 4 O LEITOR E SEU PERFIL SOCIOECONÔMICO ...................................................................... 121 4.1 Colégio particular PGD ......................................................................................................... 122 4.2 Colégio Público Estadual da Warta ........................................................................................ 123 4.3 Colégio Público Estadual - Sagrada Família........................................................................... 124 4.4 Colégio Estadual Professor Hugo Simas ................................................................................ 126 4.5 Colégio Estadual Professor José Aloísio Aragão - Aplicação da UEL .................................... 127 5 INTERPRETANDO A LEITURA DOS ALUNOS...................................................................... 129 5.1 Dom Casmurro: Mexendo com os brios do leitor .................................................................. 129 5.2 Uma questão objetiva ........................................................................................................... 129 5.3 Análise pelas categorias da Estética da Recepção .................................................................. 131 5.3.1 Concretização ................................................................................................................ 131 5.3.2 O horizonte de expectativa ............................................................................................. 137 5.3.3 Experiência estética ........................................................................................................ 139 5.3.4 Distância estética ............................................................................................................ 144 5.3.5 Efeito estético ................................................................................................................. 153 5.3.6 Estrutura de apelo .............................................................................................................. 158 5.3.7 Identificação .................. ........................................................................................... 161 5.3.8 Emancipação .................................................................................................................. 164 5.4 Análise com os elementos da narrativa................................................................................ 167 5.4.1 A narração ...................................................................................................................... 167 5.4.2 As personagens de afeição .............................................................................................. 171 5.4.3 As personagens em suas relações .................................................................................... 174 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583707 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583708 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583709 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583710 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583711 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583712 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583713 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583714 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583715 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583716 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583717 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583718 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583719 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583720 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583721 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583722 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583723 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583724 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583725 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583726 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as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583751 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583752 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583753 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583754 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583755 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583756 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583757 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583758 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583759 5.4.4 A personagem pivô ......................................................................................................... 176 5.4.5 O espaço ......................................................................................................................... 179 5.4.6 O tempo/época................................................................................................................ 183 5.4.7 Narrador ......................................................................................................................... 191 5.4.8 Verossimilhança ............................................................................................................. 193 5.5 A linguagem .......................................................................................................................... 195 5.6 O realismo visto pelo leitor .................................................................................................... 201 5.7 Dom Casmurro e Madame Bovary ......................................................................................... 203 5.8 Dom Casmurro e Othelo ........................................................................................................ 204 6 MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, POR UM OLHAR DO SÉCULO XXI ............... 207 6.1 Uma questão objetiva sobre a obra......................................................................................... 207 6.2 Análise com categorias da Estética da Recepção .................................................................... 209 6.2.1 Concretização ................................................................................................................. 209 6.2.2 O horizonte de expectativa .............................................................................................. 212 6.2.3 Experiência estética ........................................................................................................ 213 6.2.4 Distância Estética ........................................................................................................... 216 6.2.5 Efeito estético .................................................................................................................... 219 6.2.6 Estrutura de apelo .............................................................................................................. 221 6.2.7 Identificação ....................................................................................................................... 223 6.2.8 Emancipação ...................................................................................................................... 225 6.3 Análise com os elementos da narrativa ..................................................................................... 227 6.3.1 O enredo ........................................................................................................................ 227 6.3.2 Personagens ....................................................................................................................... 229 6.3.3 Impressões acerca das personagens ................................................................................... 233 6.3.4 Personagens que chamam a atenção .................................................................................. 237 6.3.5 As personagens de afeição ................................................................................................. 241 6.3.6 As personagens e seus valores ........................................................................................... 242 6.3.7 A personagem pivô ............................................................................................................ 244 6.3.8 As personagens e seus conflitos ......................................................................................... 246 6.3.9 O espaço ............................................................................................................................. 252 6.3.10 O tempo/época ................................................................................................................. 257 6.3.11 O narrador e o leitor ......................................................................................................... 264 6.3.12 A verossimilhança ........................................................................................................... 270 6.4 A linguagem ............................................................................................................................. 273 6.5 O leitor e Machado de Assis ..................................................................................................... 275 6.6 O leitor e o realismo ................................................................................................................. 277 6.7 O leitor e a literatura ................................................................................................................. 280 6.8 A Filosofia em Memórias Póstumas de Brás Cubas ................................................................. 282 7 CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE AS OBRAS .................................................. 285 7.1 Rejeição .................................................................................................................................... 286 7.2 A leitura concretizada ............................................................................................................... 287 7.3 Perspectivas .............................................................................................................................. 287 7.4 Experiência com a arte.............................................................................................................. 288 7.5 Espelho ..................................................................................................................................... 290 7.6 Da trama ................................................................................................................................... 291 7.7Atuação do elenco ..................................................................................................................... 292 7.8 Nos tempos de Machado de Assis ............................................................................................ 293 7.9 Os lugares ................................................................................................................................. 294 7.10 Sobre quem conta a história ................................................................................................... 295 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 297 REFERENCIAS ............................................................................................................................. .... 310 ANEXOS.............................................................................................................................. ................316 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583760 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583761 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583762 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583763 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583764 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583765 as%2010%20primeiras.tmp#_Toc435583766 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É importante ressaltar que o propósito deste estudo não é a obra de Machado de Assis, mas a sua recepção pelo aluno leitor. Diante disso, examina-se a leitura e as interpretações que os alunos participantes fizeram mediante as respostas dadas nas entrevistas e dos textos por eles escritos acerca das impressões dos dois livros lidos. Já a razão da escolha do autor e de suas obras encontra explicação na própria teoria abraçada, pois para a Estética da Recepção ao se colocar à prova uma obra literária de valor é oportuno que se faça por meio de um autor de relevância e de suas obras exponenciais. Por essa via Hans Robert Jauss (1921-1997) conclui que as obras, classificadas como grandes, são as que conseguem provocar o leitor de qualquer época, permitindo novas descobertas na leitura, em diferentes momentos da história. Ainda que a condição dessas descobertas seja a ruptura de expectativas por parte do leitor que pode novamente apontar o valor estético da obra, ou seja, o seu valor artístico reconhece-se na medida de sua negatividade em relação às expectativas do leitor. A expectativa em torno da leitura das obras de Machado de Assis por parte dos jovens leitores é que esta pesquisa converta-se em contribuições enriquecedoras. Conta-se também, igualmente, com a possibilidade de ruptura na expectativa do leitor, conforme diz Jauss (1994) para a comprovação do efetivo e incontestável valor artístico das obras em questão. Nesse sentido, é possível que a experiência com tais leituras revele as fragilidades do leitor participante da pesquisa, o que pode trazer novos dados no universo das mazelas que envolvem o ato de ler. Outra possibilidade é que a percepção dos alunos manifeste leituras originais e diferenciadas, dados os diferentes contextos e a idiossincrática visão de mundo deste leitor. Em contrapartida, diante do desafio frente à leitura das obras machadianas, é previsível a dificuldade da recepção entre jovens extemporâneos às produções deste autor e sua estética. Espera-se, contudo, que as obras escolhidas, de um modo ou de outro, despertem o interesse nos alunos leitores, pois se Dom Casmurro se revela instigante pelo conflito envolvido de mistério, ingredientes que atraem o jovem, Memórias Póstumas de Brás Cubas, 12 por sua vez, pode chamar a atenção pela linguagem brincalhona e irônica, o que igualmente prende esse leitor. Expostas as razões da escolha do tema, autor e obras, é de fundamental importância entender o trabalho em razão de seu escopo. Nesse sentido, como objetivo geral, pretende-se observar a recepção das obras de Machado de Assis e o efeito produzido no leitor pela sua leitura. Nos desdobramentos do objetivo principal estão implicados ao menos três específicos: 1º Refletir acerca dos textos escritos pelos alunos na primeira modalidade da pesquisa com a proposição das seguintes questões: a) O que você achou do livro e quais as impressões que você pode descrever agora sobre a leitura?; b) Escreva um resumo do enredo ou da história; c) Elabore um texto crítico a respeito desta obra. Faça comentários, avalie, opine, critique a obra sob os mais vários aspectos; d) Por meio desta narrativa, o que você acha que o autor discute, ou seja, que temas são abordados por ele? Faça comentários a partir deles. 2º. Sondar a leitura dos participantes da pesquisa, com base nos conceitos fundamentais da Estética da Recepção: concretização, distância estética, efeito, emancipação, estrutura de apelo, experiência estética, horizonte de expectativas e identificação, por meio dos quais se comprove a proposição da teoria. 3º. Perscrutar, na recepção das obras pelos alunos, suas impressões, suas apreciações seus valores, sua visão de mundo, sua crítica e avaliações a partir dos elementos da narrativa (enredo, personagens, tempo, espaço, verossimilhança e narrador). O primeiro objetivo cumpre o papel de perceber o que o leitor observou com a leitura das obras espontaneamente expressa. Enquanto que o segundo objetivo se explica pelo fato de que as categorias em questão, ao mesmo tempo em que orientam a proposta, proporcionam condições de retorno e resultado da leitura de uma obra, isto é, provocam um efeito conforme defendem os seus estudiosos. Já o terceiro objetivo, em razão de serem as obras de cunho narrativo, os elementos da narrativa possibilitam a base para o objeto da recepção, bem como os ingredientes que podem provocar, igualmente, efeitos no receptor. Sob a ótica da Estética da Recepção, teoria da Escola de Constança (1967), esta pesquisa se estabelece pela observação e exame das obras de Machado de Assis, de época remota, pelo olhar de um leitor da atualidade. É providencial o que diz Otto Maria Carpeaux (2005): "Podemos, hoje, ler um livro do século XVII assim como o leu um leitor do século XVII? Podemos, hoje, ler Dante assim como o leu um leitor do século XIV?" (CARPEAUX, 2005, Perspectivas da interpretação). A resposta a essa indagação pode ser dada, de modo mais completo no transcurso deste texto e das análises a serem realizadas no seu desenvolvimento. 13 Este estudo serve-se da teoria recepcional que se propõe a trabalhar na perspectiva da recepção/efeito estético. Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser articulam uma revisão acerca da tríade autor/texto/leitor no final da década de 1960, na Escola de Constança. Verificam os estudiosos alemães que, no contexto histórico da teoria e da crítica literária se dava ou em relação à compreensão do texto ou quanto ao conhecimento do autor. Dessa averiguação nasce a Estética da Recepção que evidencia o efeito de sentidos que certa obra desperta no receptor. Jauss dedica-se, especialmente à pesquisa da recepção, que se dá mediante o diálogo entre o leitor e o contexto, a contextualidade do autor ou da obra por ela mesma. Já Iser elabora a teoria do efeito estético que tem como consequência o leitor implícito e que constitui uma estrutura textual presente no instante da produção da obra. Os dois autores, mesmo que se dediquem a aspectos aparentemente distintos, comungam da ideia de que nem toda leitura seja pertinente. Ainda que cada leitor, em vista de suas inferências culturais, reaja de modo diferente diante de um mesmo texto, a interpretação ocorre a partir do texto e a capacidade dialógica do leitor frente às vozes do texto. Nesse sentido, é natural também que um leitor, num determinado momento da história, com tudo o que envolve tal época, faça uma leitura com percepções muito distintas daquele leitor posterior, distante há quase um século e meio, como é o caso de Machado de Assis. Jauss, coerente com o exercício da hermenêutica literária, não examina o significado de uma obra enquanto um conteúdo cristalizado no texto, mas o vê como proposta de recuperação do diálogo socrático nos seguintes termos do seu procedimento metodológico: "primeiro, Diderot, lendo o diálogo socrático, depois Hegel lendo Diderot. Se acrescentássemos Jauss lendo Diderot e Hegel, e seus leitores lendo Jauss lendo esses dois autores, então podemos ter uma idéia das possibilidades infinitas que tal perspectiva nos abre". (HOLUB apud ZILBERMAN, 2009, p. 72). Tal movimento mostra que não é possível a leitura de uma obra com a mesma compreensão em épocas distintas. O foco dos estudos literários pela dinâmica produção, recepção e comunicação, paradigma quebrado por Hans Robert Jauss (1994) constitui também o cerne desta pesquisa. Assim, o aluno leitor é ouvido em diferentes circunstâncias, de modo que a sua experiência de leitura venha a ser considerada e valorizada na perspectiva de se redescobrir o valor da obra e seu autor. Acreditar que uma obra consagrada pelos críticos tenha o devido valor sem renovar a experiência por meio de um leitor contemporâneo que ratifique o seu valor e que ao mesmo tempo redescubra nela novos valores é, pelo menos, titubeante. Dessa forma, este trabalho, sustentado pela teoria recepcional, deseja reconstruir, mediante o processo de recepção, a dimensão histórica das obras em questão, dispondo do ato da leitura dos jovens em dois 14 sentidos: a) conhecer as obras e, b) observar o leitor da sociedade atual em sua percepção acerca dessas obras. Outra perspectiva contemplada neste trabalho é de que a leitura literária seja efetivamente uma experiência, conforme diz Iser, (1996). Pode-se analisar a literatura objetivamente, segundo o autor, mas como ou por que as repetidas imagens e estruturas podem trazer respostas subjetivas? A subjetividade está na experiência de cada leitor, mesmo que todos os leitores da pesquisa tenham lido o mesmo livro ou a mesma história e do mesmo autor. A objetividade está nestes elementos, mas a subjetividade constitui a experiência de cada qual, em vista de sua visão de mundo, de seu contexto social, histórico, político, econômico entre outros. Essa diversidade de experiências novamente renova a obra, ao mesmo tempo em que evocará novos sentidos e outra vez novas experiências. As experiências realizadas por diferentes escolas (Marxismo, Formalismo Russo, Estruturalismo Tcheco, New Criticism americano) antes da Estética da Recepção são de fundamental importância para a construção da concepção da nova escola, bem como para o seu entendimento. É a crítica de Jauss, realizada em sua aula inaugural em 1967, em Constança, que sustenta a nova teoria com base em suas teses com as quais articula a sua proposta em relação aos estudos literários. E somado a isso, no interior da teoria da Estética da Recepção, idealizada por Jauss e Iser, encontram-se alguns conceitos fundamentais que se traduzem em categorias e que, no presente estudo, servem de esteios na realização das análises das obras machadianas, quais são: Concretização, Distância estética, Efeito, Emancipação, Estrutura de apelo, Horizonte de expectativas, Experiência estética e Identificação. E o propósito de se estudar tais conceitos da Estética da Recepção nesta pesquisa e no âmbito da leitura literária no chão da escola vai na direção de formar um leitor apto e mais amadurecido para a leitura dos cânones da literatura. Nessa perspectiva qual pode ser o impacto social esperado quando uma sociedade lê e lê muito? Essa reposta fica por conta da reflexão individual de cada leitor, mas qual pode ser o seu impacto, em contrapartida, quando numa sociedade um grande número de cidadãos se dispensa desse hábito? Para ser breve, Foucambert responde que a sociedade que não lê é excluída por aquela que sabe ler. Além do mais, a experiência social-histórica demonstra que aqueles que detêm o domínio da leitura e da escrita dominam os iletrados, sendo, por isso, interessante aos primeiros que esse modelo de sociedade se reproduza. Já Paulo Freire diz que ler constitui um ato político. É possível dimensionar as consequências acarretadas pela ausência dessa cultura pelo que apontam os 15 estudiosos, mas é igualmente visível o retrato social diante do que se assiste no dia a dia na sociedade. O objeto de estudo nessa pesquisa consiste em observar como ocorre a leitura literária do jovem estudante na perspectiva da escola de Constança que põe o leitor no foco do estudo, isto é, em primeiro lugar, mas também observa o efeito que a obra causa no receptor e avalia a recepção dos leitores em épocas diferentes. Contudo, esta pesquisa carrega a intenção de promover ao mesmo tempo com uma reflexão que possa contribuir na perspectiva do amadurecimento da leitura literária por parte do aluno na escola, assim como pela criação do hábito e do prazer em fazê-la. As leituras realizadas, contudo, revelam um calcanhar de Aquiles exposto no chão da escola que escancara o problema: a escola, dentro de certos limites, alfabetiza, mas não faz leitores aptos a socialmente desempenharem competências de leitura que o contexto social requer, como já denunciou Zilberman (1988). A leitura literária, para encontrar um terreno fértil nos leitores do interior da escola precisa passar por novas orientações e exige que a escola reflita sobre o seu papel, renove o conceito e a concepção de leitor e texto no sentido de dar uma resposta às demandas sociais, ou seja, trate o ensino de leitura literária como prática social e não apenas uma tarefa burocrática entendida como alfabetização. Entre outras propostas, a leitura estabeleceu-se historicamente como uma ponte para a literatura especialmente na escola do século XX. Assim, encontrou-se na leitura dos autores consagrados uma estratégia para uma base de boa leitura. A leitura e a literatura foram permanentemente instrumentos de ensino, no entendimento de Zilberman, ao invés de se constituírem em disciplinas autônomas. Daí serviram sempre como um exercício de aperfeiçoamento do estudante e nesse fazer pedagógico a literatura era e continua sendo pretexto para aprimorar a habilidade da leitura. As experiências revelam que a escola caminha na contramão das expectativas dos alunos no que tange a leitura literária. Tal atividade não interessa, geralmente, à vida dos jovens estudantes, pois a escola trabalha com ela sem considerar, via de regra, a obra inserida no universo social e esvaziada do sentido que esta poderia ter para esses leitores. Por outro lado as concepções de leitura que dizem respeito ao gosto e prazer transformaram-se em pedagogia da facilitação e correm o risco de eclipsarem a real e importante função da leitura literária para o crescimento dos estudantes leitores. Além do mais, a escola engessa um funcionamento padrão da leitura e da literatura, o que faz dos alunos consumidores e não leitores. 16 Reduzida à predileção do aluno, de conteúdo pragmático e de técnicas mirabolantes, os educadores acomodam-se sem perceber que o trabalho com a leitura literária exige maior complexidade estratégica. Por fim, a formação do gosto pela leitura não passa pela mera interpretação de texto. A formação, no entanto, requer mais do que isso, envolve a vida do jovem leitor e sua visão de mundo. E é pela consciência dos cidadãos, em grupo e individualmente, que uma sociedade se transforma. Sendo assim, a leitura literária pode oferecer possibilidades infinitas, porém, em outras condições e diferentes das que aí estão. Em relação à temática da literatura e seu ensino, o desalento não é menor. Se ler e ensinar a ler se revela uma tarefa penosa para alunos e professores, quanto mais ler uma obra literária. A sociedade atual se apresenta imediatista, tecnológica, pragmática e utilitarista. Por isso, não se encontra nela muito espaço para um hábito que requer tempo significativo, que não contempla a tecnologia mirabolante, mas mexe com a subjetividade e trabalha com diferentes valores que não sejam apenas os úteis. É aí que reside o grande desafio para o cultivo da leitura literária. Mas será a literatura realmente importante para tal sociedade? Como pode se configurar uma sociedade sem literatura? A própria Estética da Recepção responde que a literatura e as outras artes distanciam o ser humano da trivialidade do dia a dia para transportá-lo para outra dimensão, para não dizer ao êxtase ou à sublimação. Este efeito encontra a sua ressonância no conceito de emancipação da teoria da recepção que mediante a experiência estética promete livrar o ser humano da rotina e dos constrangimentos do cotidiano. Porém, os outros conceitos no interior da Estética da Recepção, junto com a emancipação - concretização, distância estética, efeito, estrutura de apelo, horizonte de expectativas, experiência estética e identificação -, podem garantir, de acordo com Jauss, um estudo mais eficaz da obra de arte literária, bem como experimentá-la com prazer de fato. Se os estudiosos da Estética da Recepção encontram uma forma mais coerente de estudo da literatura, assim como o seu entendimento no contexto histórico, Jauss (SCHILLER Apud JAUSS, 1994, p. 8) iniciou esse movimento com o seu questionamento na universidade de Constança quando recorre ao que Friedrich Schiller já havia dito: "que papel resta hoje, portanto, a um estudo histórico da literatura?" Esta provocação é senão fruto de uma ebulição no imaginário dos estudiosos de longa data, imbuídos do desejo de colocar os estudos literários em harmonia com um novo projeto, condizente com a realidade do pensamento moderno, já que o ensino de teoria literária dos novos tempos não mais se coaduna com o modelo grego (Mimesis) de se estudar literatura. Assim, a qualidade e a categoria de uma obra literária não resultam nem das condições históricas ou biográficas de seu nascimento, nem tão 17 somente de seu posicionamento no contexto sucessório do desenvolvimento de um gênero, mas sim dos critérios da recepção, do efeito produzido pela obra e de sua fama junto à posteridade. Assim, no desejo de estudar literatura de um modo mais significativo a Estética da Recepção cria conceitos por meio dos quais se pode compreender e avaliar a experiência com a recepção de uma obra literária e não apenas estudá-la com elementos biográficos entre outros elementos formais, ou seja, ficar meramente na contemplação de sua moldura. Jauss (2013) afirma que o impacto cultural da leitura admite três diferentes formas: a criação de uma norma, a transmissão e a sua ruptura. A obra pode difundir ou transmitir os valores dominantes de um grupo social, - uma literatura estereotipada ou oficial -, ou comprovar outros valores - uma literatura militante ou didática - e também quebrar valores tradicionais para renovar o horizonte de expectativas do receptor. De acordo com Jauss (2013), devido à leitura, as obras literárias contribuem imensuravelmente com a evolução das mentalidades. Neste sentido, são capazes de pré-formar, em alguns casos, os comportamentos, estimular uma nova atitude, ou até modificar as expectativas habituais. Tal estudo encontra-se no cerne de sua obra Pour une esthétique de la réception (2013). Num exame da experiência estética por parte do leitor ou de uma comunidade leitora, Jauss (2013) defende que é preciso considerar os dois elementos constitutivos da concretização de seu sentido: a recepção, que o destinatário da obra delimita e o efeito que a própria obra produz. Além do mais, entender a relação leitor e texto que constitui um processo e compõe uma relação entre os dois horizontes ao se fundirem. Em consequência, o leitor passa a entender a obra nova, ou a que lhe parecia estranha, compreendendo-lhe, desse modo, os pressupostos e reconstituindo-lhe o seu horizonte exclusivamente literário. Se Jauss (1994) centra suas pesquisas na fenomenologia da resposta pública ao texto, Wolfgang Iser procura respostas no ato individual da leitura. Enquanto Ingarden fazia do leitor um mero preenchedor ou seguidor de instruções, crítica de Iser, este último procura propiciar ao leitor maior participação no texto, concedendo-lhe a possibilidade de concretizar a obra na ordem de diferentes interpretações. Segundo Eagleton (1997, p. 123), “essa generosidade, porém, é condicionada por uma instrução rigorosa: o leitor deve construir o texto de modo a torná-lo internamente coerente". Iser não considera a concretização idealizada por Ingarden uma comunicação, de fato, entre texto e leitor, daí propor os espaços vazios. Os espaços vazios e a negação partem da noção de lugares indeterminados elaborados por Ingarden que os denomina de hiatos, lacunas deixadas de propósito pelo autor para serem preenchidos pelo leitor. Neste sentido, Iser revitaliza tal conceito dizendo que os espaços não 18 necessitam ser completados obrigatoriamente, carecem, porém, de uma combinação dos esquemas textuais, um encadeamento que mobilize a formação do objeto imaginário e a alteração de perspectiva. E nas palavras de Iser: “Os lugares vazios incorporam os ‘relés do texto’, porque articulam as perspectivas de apresentação, possibilitando a conexão dos segmentos textuais” (ISER 1999, p. 126). Umberto Eco, em Leitura do texto literário lector in fábula (1983), ao referir-se aos espaços vazios, advoga que o autor, ao deixá-los, antecipa a possibilidade de seu preenchimento pelo leitor. Conforme o autor italiano “um texto é um mecanismo preguiçoso (ou econômico) que vive da mais valia de sentido que o destinatário lhe introduz” (ECO, 1983, p. 55), de modo que “à medida que passa a pouco e pouco, da função didascálica à função estética, um texto pretende deixar ao leitor a iniciativa interpretativa” (ECO, 1983, p. 55). Essa asserção reforça a hipótese de o texto se apresentar em estado potencial para que o leitor o concretize. E os espaços vazios que se deslocam pela estrutura do texto ocasionam a transposição do ponto de vista do leitor para firmar a interação entre leitor e texto. O preenchimento dos espaços vazios apresenta-se para o leitor como um estímulo, já que o força, além de refazer as representações já construídas, a repensar o que foi posto antecipadamente em segundo plano e conferir, de novo, a organização dos elementos. Tais espaços causam o rompimento das expectativas do leitor, visto que a referência é o não dito. Nesta direção, Iser (1999) frisa que, quando o leitor percebe o que estava oculto, os vazios vêm para constituir o repertório do texto, levando-o à ação e simultaneamente a fazer uso de sua competência criadora. Iser (1999, p. 173) ainda considera os espaços vazios em relação à negatividade, outro conceito concebido como anulação das concepções habitualmente tidas como corretas, isto é, “ademais rompe-se a tríade tradicional do verdadeiro, bom e belo, pois sua concordância não mais é capaz de orientar nossa conduta”. Nesse sentido, a negatividade na obra literária, na ótica de Iser, assegura a oposição dos horizontes entre o certo e o errado, entre o compreendido e o não compreendido. Assim, a negação constitui uma função comunicadora, já que conduz o leitor a interrogar e cogitar acerca do que está subjacente ao texto. Quanto à continuidade e deslocamento da obra literária em tempos diferentes, Iser (1996) ampara-se em Jauss (1994) para demonstrar que os textos se comunicam, não somente com os leitores contemporâneos, porém, com outros públicos ao longo dos tempos e dialogam com estes sem perder seu caráter inovador, admitindo maneiras diversas de acordo com o repertório desse público novo. Com esse entendimento, portanto, esta pesquisa procura refletir 19 acerca do comportamento de leitura dos jovens que se iniciam na recepção das obras literárias no intuito de compreendê-las o que pode movê-los para uma leitura prazerosa associada à do estudo da literatura. Para saber do estado da questão acerca dos estudos da Estética da Recepção da obra literária sustentados especialmente por Jauss e Iser da escola alemã de Constança buscou-se, inicialmente, elementos no trabalho de Renata Capatto (2005) que efetuou uma pesquisa na qual realizou a análise de vinte dissertações e teses versando sobre a recepção de obras literárias de acordo com a teoria da Estética da Recepção entre os anos 1980 a 2003. A principiar pela experiência realizada pela autora, o comportamento dos jovens leitores coincide coma a experiência da presente pesquisa no que tange às primeiras impressões da obra na observação dos alunos leitores. Assim, é comum a atitude de rejeição frente ao texto literário; porém, na medida em que leem alguns apresentam sinais de apreciarem a leitura da narrativa; já caracterizar o texto como "chato" e "difícil de entender" são expressões recorrentes nas suas críticas; em outro sentido, mesmo não gostando da leitura, reconheciam a importância dos textos no mundo da literatura; e mesmo não tendo produzido o esperado prazer estético, a experiência com a leitura proporcionou aprendizado ou despertou para dar importância e valor à literatura; outros se recusaram a ler ou simplesmente deixaram tacitamente de fazê-lo; e ainda houve os que leram por obrigação ou dever de ofício escolar ou porque familiares falaram da importância de ler uma obra literária; mas também se revelaram os leitores que leem prazerosamente, já que têm o habito de ler, não a literatura dos cânones, porém porque leem best sellers entre outros que não sejam clássicos. Capatto (2005) orienta o seu interesse por uma pesquisa que resulta em dados significativos por meio das produções realizadas nas universidades brasileiras e que, ao mesmo tempo, possam mostrar os rumos das pesquisas acerca da leitura/recepção. Trabalhos que não podem ficar apenas nos anais das bibliotecas do país, pois além de revelarem o estágio das pesquisas sobre o tema nos tempos de 1980 a 2003, podem servir como importante fonte para outros pesquisadores. A autora da pesquisa pautou a trajetória de seu projeto pelo conceito de leitor segundo a Estética da Recepção e este especialmente de acordo com dois autores: Regina Zilberman (2009) e Terry Eagleton (2006). Já os trabalhos por ela analisados foram realizados em diferentes universidades do país, cujos contatos se deram com as respectivas bibliotecas por COMUT ou intercâmbios. Outros exemplares a pesquisadora adquiriu por meio de doações feitas ao grupo de pesquisa de Leitura e Ensino de literatura da UNESP de Assis. De acordo com Capatto, diferentes sites mantidos pelas instituições acima mencionadas, também 20 foi onde a pesquisadora encontrou tais estudos. A autora destacou ainda o portal de periódicos CAPES; o Projeto de Memória de Leitura - UNICAMP; a Divisão de Bibliotecas documentação PUC-Rio; a Universidade Brasil - o portal dos universitários; a Biblioteca Nacional - catálogos, on-line de monografias, periódicos, obras de referência, teses, músicas, manuscritos, obras raras, iconografia, etc; a Biblioteca Virtual de educação; o BICIT; e, por fim, o MIT Theses OnLine. No intuito de atualizar as informações acerca do estado da questão, após a pesquisa de Capatto, procurou-se dados em dezoito importantes universidades do país, porém encontraram-se trabalhos em apenas quatorze delas. No desdobramento da pesquisa, assim resultou a garimpagem: no estado do Rio Grande do Sul, especialmente na UFRS existem (10) dez pesquisas até os dias de hoje; no estado de Santa Catarina em sua UFSC encontram- se (02) duas; no estado do Paraná, na UFPR há (07) trabalhos; na UNIOESTE paranaense encontra-se apenas (01) um; já na paranaense UEM existem (17) dezessete até agora; na paranaense UEL apenas (01) um; no estado de São Paulo, principiando pela UNESP, há (04) quatro pesquisas; na UNICAMP encontrou-se apenas (01) uma pesquisa; enquanto na USP existem (14) dissertações e teses; à medida que no estado de Minas Gerais e em sua UFMG encontram-se (16) dezesseis investigações; no estado do Rio de Janeiro, especialmente na UFRJ há (12) doze obras; também na PUC do Rio há (01) uma composição; na universidade Capixaba da UFES encontra-se (01) uma busca; e, por fim na UNB há (03) produções. Isto totalizam, portanto, (90) noventa pesquisas em Estética da Recepção com obras literárias até o ano de 2015. Renata Capatto realizou a sua pesquisa recolhendo dados de trabalhos que tratam da vertente em discussão a partir da década de 1980 até o ano de 2003, data em que ela apresentou a defesa de sua dissertação de mestrado. Já a presente pesquisa recolhe dados também dos anos oitenta, porém com uma acentuada concentração de pesquisas na última década até o ano de 2014. É importante registrar que no universo desses noventa (90) trabalhos garimpados, os autores da Estética da Recepção - Jauss, Iser e Zilbernman - aparecem em todas as referências, porém nem em todos estes os autores são o foco da pesquisa, ou seja, aparecem outros autores como fios condutores desses trabalhos. Isto posto, resta expor a forma de como o grande texto organiza-se e articula-se. Após a introdução e na primeira parte do texto, o primeiro capítulo trata de fundamentar teoricamente este estudo. Sustentado pela Estética da Recepção, esse capítulo expõe de modo conciso a gênese, o contexto e alguns conceitos fundamentais da escola de Constança, no 21 sentido de minimamente acompanhar-se o propósito e a concretização da análise mediante os dados coletados a partir da leitura das obras por parte dos alunos. O segundo capítulo, denominado Machado de Assis caleidoscópico, deve-se à multifacetada obra do autor entre ser poeta, dramaturgo, contista, romancista, cronista e com o pé em duas escolas: romântica e realista, ainda que ele próprio negue ser um autor realista. Este capítulo reúne, além de dados biográficos, as principais e diferentes temáticas com as quais Machado de Assis ocupava-se durante a vida - política, escravidão, imprensa - além de informações quanto às influências e o homem de letras que foi por excelência. É preciso ressaltar que o papel desse capítulo presta-se a registrar o percurso de verticalização da leitura da obra de Machado de Assis, acompanhado da bibliografia crítica produzida sobre o autor, o que contribui para formular as questões para os alunos sobre os livros em pauta, bem como para analisar e interpretar as respostas desses "leitores ingênuos" à luz de leituras mais densas da obra machadiana, percebendo nuances nas leituras dos alunos. Na segunda parte do trabalho, o primeiro capítulo é dedicado ao percurso da pesquisa e sua metodologia, ou seja, a descrição da trajetória da pesquisa de campo e bibliográfica de que este trabalho se compõe. Este fragmento do texto traz detalhadamente desde a pesquisa em seu embrião, os eventos com os quais o pesquisador ocupou-se até a sua concretização. A partir da justificativa acima feita, desencadeou-se o processo de desenvolvimento do projeto a começar pela procura da linha de pesquisa, a universidade e professor orientador que aceitasse acompanhar os trabalhos, a frequência às disciplinas necessárias, a submissão ao comitê de ética, entre outras exigências do programa. Depois houve o estudo dos critérios para a escolha dos colégios em Londrina com os quais desejava-se trabalhar para cumprir com a finalidade da proposta. Em seguida, deu-se o primeiro contato com os alunos para a devida orientação, organização e finalmente a realização da pesquisa propriamente dita. A primeira fase da realização do trabalho incluiu a colaboração do professor de literatura na escola onde a pesquisa realizou-se, bem como todas as ações decorrentes da leitura das obras até a coleta dos dados. Enfim, a transcrição dos dados a partir de gravações em vídeo e áudio, até a computação dos dados e a análise dos mesmos. O segundo capítulo trata do perfil socioeconômico do participante da pesquisa, isto é, apresenta-se um quadro indicador de identificação do público com o qual trabalhou-se na pesquisa de campo e o modelo instrumental pelo qual buscou-se examinar os dados fornecidos pelos alunos. O terceiro capítulo apresenta o exame das duas obras de Machado de Assis: Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Isto é, com os dados reunidos a partir da 22 leitura dos dois textos e mediante as duas modalidades inquiridoras (as quatro questões iniciais e a das entrevistas individuais e coletivas) procedeu-se com a análise e reflexão desses elementos da pesquisa em que se revela o caráter da recepção de uma obra literária realizada pelo público da pesquisa. O quarto capítulo traz uma análise sintetizada acerca das convergências e divergências entre as duas obras encontradas na leitura pelos alunos. Essa acareação prestou- se a verificar se haveria uma possível distinção na recepção às duas obras, realizada pelos leitores, uma vez que se tratam de criações de um mesmo autor, produzidas no mesmo momento histórico, porém distintas no enredo e na temática. Finalmente, considerando este trabalho especialmente uma leitura do pesquisador acerca da experiência dos leitores de uma determinada época, espera-se que com esta produção revelem-se novos e significativos dados que possibilitem contribuir para uma nova reflexão em torno do fenômeno da recepção da obra literária. E que, simultaneamente, a vivência da leitura pelos jovens traga subsídios com os quais se possa trabalhar de modo mais produtivo e inovador. 23 I PARTE 24 1 O ABC DA TEORIA 1.1 A Estética da Recepção e as teorias subjacentes A Teoria da Recepção ou Estética da Recepção reformula a historiografia literária e propõe uma interpretação de texto a quebrar com o exclusivismo da teoria de produção e representação da estética nos moldes tradicionais porque pensa a Literatura pelo tripé: produção, recepção e comunicação, isto é, autor, obra e leitor numa relação dinâmica. Essa teoria quer reconstruir, por meio do processo da recepção, a dimensão histórica da pesquisa literária numa mudança de paradigma em torno da investigação literária e discursiva colocando o ato da leitura numa dupla perspectiva: o que diz respeito à obra e a descoberta por parte do leitor de uma sociedade. A Estética da Recepção aponta para as condições sócio- históricas das diferentes interpretações de texto, isto é, o discurso literário, mediante seu processo receptivo, pode construir-se numa pluralidade de estruturas de sentido historicamente intermediadas. A partir das reflexões de Hans Robert Jauss a Estética da Recepção nasce no momento da aula inaugural do professor da Universidade de Constança em 1967, ocasião em que ele faz uma contundente crítica ao modo pelo qual se abordava a história da literatura na disciplina da teoria literária. A sua palestra, com o título: O que é e com que fim se estuda a história da literatura? É publicada no ano de 1969 com o título A história da literatura como provocação à teoria literária, com desdobramentos da proposta inicial. Ao criticar a história da literatura Jauss (1994) o faz com o argumento de que, normalmente a teoria literária organiza um rol de obras conforme disposições gerais: por um lado aborda as obras particularmente em ordem cronológica ou “seguindo a cronologia dos grandes autores e apreciando-os conforme o esquema de ‘vida e obra’” (JAUSS, 1994, p.6). A outra disposição dos estudos literários coloca os autores canônicos da Antiguidade Clássica sem deixar lugar para contemplar-se os menores. Pela análise de Jauss (1994), a história da literatura, ao orientar-se por um cânone ou apenas descreve a vida e obra de certos autores cronologicamente organizada, não considera a historicidade das obras, desprezando assim a face estética da criação literária. Desta maneira, a qualidade e o padrão de uma obra literária, ao invés das condições biográficas ou históricas de sua origem ou de sua disposição no 25 contexto sucessório no desenvolvimento de um gênero, deve resultar dos critérios da recepção, do efeito produzido por ela, bem como de sua notoriedade posterior. A crítica levantada por Jauss (1994) com o propósito de remover a distância entre literatura e história, o conhecimento histórico e estético, leva o autor alemão a lançar mão de diferentes fundamentos que se ocupam de estudar a literatura quais sejam: Marxismo, Formalismo Russo, Estruturalismo Tcheco, New Criticism americano entre outros eventos, sem deixar de mencionar os gregos. Causando grande impacto nos meios acadêmicos da época, Jauss (1994) trata dos estudos da literatura defendendo o ingresso da história no expediente da análise do texto literário, criticando as teorias que colocavam o texto como prioridade sem considerar o papel do leitor na experiência literária. O estudioso atribui à herança platônica equívocos como “na filosofia contemporânea da arte sempre que se concede à verdade, manifestada pela arte, a primazia sobre a experiência da arte, na qual se exterioriza a atividade estética como obra dos homens” (JAUSS, 1979, p. 43). A consequência deste paradigma é que a obra de arte é condenada a fechar-se numa única e imutável interpretação, tornando a historiografia literária decadente ou impossível de concretizar-se. Segundo Jauss (2002), numa leitura mais recente, a ambiguidade platônica em torno do conceito de belo pode ver-se no conflito existente entre a experiência artística no sentido real, de um lado, e a consciência estética no âmbito subjetivo de outro. Deste modo, a filosofia de Heidegger converte-se, pela interpretação de Gadamer, em ontologia hermenêutica. Nesse sentido, mesmo Theodor W. Adorno, visto como um adversário resoluto de Platão, involuntariamente atesta o quanto é resiliente o patrimônio platônico de beleza, de poder ambíguo para a "realidad reconciliada [...] y el restablecimiento de la verdad pretérita" (JAUSS, 2002, p. 50). Jauss (1994) traz a teoria e o método da Estética da Recepção como uma reposta à ótica marxista com objeções à teoria do reflexo - a literatura entendida como espelhamento da sociedade - pois pela proposta marxista a literatura moderna não pode ser estudada de modo completo. Ou com as suas palavras: “Somente uma porção reduzida da produção literária é permeável aos acontecimentos da realidade histórica e nem todos os gêneros possuem força testemunhal no tocante à lembrança dos motivos constitutivos da sociedade” (JAUSS, 1994, p. 16). O estudioso alemão aponta as fragilidades da historiografia literária marxista e entre elas a heterogeneidade do simultâneo, ou seja, muitos fenômenos literários não podem ser reduzidos a uma unidade e apenas a um momento histórico. Embora uma importante obra se enquadre na análise da teoria da representação, apontando a direção do processo literário, que 26 seria das outras obras do mesmo período que “correspondem a uma tendência já ultrapassada de gosto, mas cujo efeito sobre a sociedade” ao que parece, tem tanta aceitação quanto a obra nova? (JAUSS, 1994, p. 16). Encerrando com os marxistas, o teórico critica uma prática muito prezada por estes que é a construção de cânones. Segundo Jauss (1994, p. 8) a história da literatura, quando descreve cronologicamente a vida e obra de certo autor ou ao seguir um cânone, não considera a historicidade das obras, deixando de contemplar o fator estético da obra literária, já que o caráter e a qualidade de uma obra não vêm das condições biográficas, bem como não resultam de circunstâncias históricas e nem sequer de sua situação no contexto sucessório no desenvolvimento de um gênero. Advém sim dos juízos da recepção, do efeito produzido pela obra e de sua popularidade posterior. Segundo o formalismo russo a função poética da literatura está na ambiguidade da mensagem pela mera simplificação de seu sentido em relação ao significante. Ou seja, considera meramente o texto por ele mesmo, pouco considerando outros aspectos a exemplo do contexto social, histórico, inclusive o estético. Decorrente disso, diz-se do valor artístico de uma obra residir, não apenas em sua estrutura verbal, porém na maneira como é lida. Segundo os formalistas não há valor artístico de modo absoluto, porque há objetos percebidos como poéticos assim como aqueles concebidos como prosaicos. A arte se define, de acordo com o estudioso russo, como a individualização de momentos importantes. Tais momentos ganham importância ao serem submetidos ao processo de singularização artística, já que na vida prática as coisas escapam da percepção total. O homem, movido pela pressa, empenhado em tudo imediatizar perde a consciência individual dos eventos e dos objetos. Em vista disso abrevia as palavras, cria as siglas, desenvolve esquemas com o fim de superar com mais rapidez seus compromissos e contatos com os outros. Tal processo redunda na automatização da vida psíquica do homem que anula a intensidade em relação ao conhecimento por conta da rapidez. Esvazia-se assim o entusiasmo da descoberta, considerando que as coisas têm importância quando reconhecidas. Até o conceito de aprendizado implica no uso automático dos movimentos e das noções. Assim, quando uma ação torna-se normal é suficiente para desencadear a não consciência de sua execução. Na visão dos formalistas a função primordial da arte é resgatar a intensidade do conhecimento, transformando a descoberta em encanto e criando contatos virgens. Nesta perspectiva é preciso que o artista crie situações imprevistas e inéditas procurando restaurar o ato de conhecer. Em outras palavras, o fim da arte seria desautomatizar o homem, o que deve ocorrer por meio do estranhamento ou a singularização da estrutura diante da contemplação 27 do artista. É preciso que o convívio com a arte seja particularizado, dificultoso e lento, pois para se aspirar à condição do enunciado artístico é mister que seja dito de modo impressionante. Quando se toma o texto poético como metonímia da arte, o formalismo russo, em sua morfologia, advoga que a particularização do texto dá-se com técnicas específicas aplicadas às palavras em seus diferentes níveis: sintático, morfológico e semântico. Aí instaura-se a consciência linguística da literatura. A concepção trivial segundo a qual a literatura é a expressão imediata da vida desfaz-se, pois no entendimento dos teóricos russos, o estranhamento dos enunciados inovadores compõe o complexo de propriedades que agregam valor estético ao texto literário. As críticas feitas por Jauss (1994) aos formalistas já não são tão contundentes, pois ele reconhece que a historicidade da literatura é retomada no método dessa escola. Segundo o crítico alemão a escola formalista, ao procurar seu próprio caminho, já o faz na perspectiva da história. Distingue-se a nova proposição da antiga história da literatura porque abre mão da concepção básica da velha proposta por encerrar um processo continuado e linear para opor-se ao conceito clássico tradicional com um postulado dinâmico de evolução literária. O enfoque da continuidade perdia sua preferência no conhecimento histórico. Consequentemente, a análise literária poderia ficar comprometida para autogeração de novas formas. Ainda assim a proposta feita pela Escola Formalista deixa de ser uma história da literatura considerável e satisfatória. Que uma “obra de arte em sua história” seja entendida como uma evolução de sistemas mediante a “influência das obras sobre a obra” como era considerado por Brunetière, ainda “não é o mesmo que contemplá-la na história”. Para Jauss isso não significa estabelecer uma historiografia interna na história da literatura (BRUNETIÈRE Apud JAUSS, 1994, p. 20). O estruturalismo tcheco é das tendências a fundar-se no paradigma classicista da representação e do modelo do "espelhamento" e da "tipificação". Enquanto explica as descobertas da linguística e da ciência literária estruturalista como formas antropológicas arcaicas, envoltas do mito literário, esta vertente limita o contexto histórico por um lado a estruturas de natureza social primitiva, enquanto a poesia por outro, é expressão mítica ou simbólica de tais modelos sociais que não mudam. De acordo com Jauss (1994) esta corrente negligencia o papel eminentemente social da literatura. Assim sendo, o estruturalismo literário, a ciência literária marxista e formalista, que o antecedem, deixam de indagar como a literatura "marca, ela própria, a concepção de sociedade que constitui o seu pressuposto" e também o estruturalismo não se pergunta de como tal concepção tem marcado esse entendimento por toda a extensão do processo histórico (ZILBERMAN, 2009, p. 19-24). 28 A crítica de Jauss ao estruturalismo é em razão deste limitar-se à existência histórica. De um lado a poesia é a base de uma natureza social primitiva, de outro, a expressão mítica ou simbólica das formas sociais constantes. O New Criticism constitui uma vertente norte-americana dos anos de 1920 por centrar seus estudos em torno das técnicas dos autores de obras literárias desprezando a esquemática vida e obras dos autores. Sua filosofia se detém no estudo detalhista dos elementos do "interior" do texto, cujos aspectos teriam importância para o efeito da leitura e crítica de uma obra. O close reading, utilizado nas análises dos textos, entende que a estrutura do texto e seu significado existem simultaneamente numa unidade, de modo que, na análise literária, também não devem ser separados. O New Criticism é considerado uma escola objetiva em razão dos métodos com que estuda as obras, pois considera o texto uma “unidade em si própria”, autossuficiente e pouco leva em conta a resposta ou a contribuição do leitor. A crítica a essa teoria é, ainda, devido a importância à presença da ambiguidade num texto, ou seja, o fato de que num texto se encontrem, ao mesmo tempo, sentidos diversos. New Criticistas e formalistas, neste particular, comungam da ideia de que o texto é fator de importância única para a leitura e a análise crítica. Neste sentido, o crítico precisa ater-se às palavras impressas e não levar em conta os fatores externos, por serem desnecessários além de prejudiciais à análise. Jauss (1994) critica a postura da ausência de abertura em relação aos agentes externos do texto, bem como a falta de reconhecimento da atuação do leitor no processo da recepção do texto. Segundo o crítico alemão não é possível examinar uma obra desvinculada da apreciação do destinatário leitor, já que sem leitores as obras são incompletas. No exame às correntes teóricas que antecedem a sua Estética da Recepção e para justificá-la Jauss (1994, p. 29) expõe um novo modelo de entendimento da leitura e da crítica literária no qual leva-se em conta simultaneamente o valor estético e histórico da literatura. Ou seja, fariam parte do valor estético todas as leituras já feitas pelo leitor, desde essa recepção e mais a inevitável comparação entre uma leitura e suas referências mediante seu "histórico literário". Enquanto que a importância histórica se concretiza na medida da publicação da obra e de sua recepção pelo público desde o início até o momento presente, constituindo uma “linha do tempo” em que a obra se move durante sua recepção temporal. 1.2 As teses de Jauss 29 De modo amplo a teoria recepcional de Hans Robert Jauss (1994) tem como objetivo vincular história e estética. Depois, há uma relação entre autor e obra no contexto histórico no qual se dá a leitura da obra. Neste duplo viés reside a importância das teses de Jauss para a teoria da Estética da Recepção sendo que as quatro teses iniciais tratam da estética, enquanto as três últimas dizem respeito à história literária. A primeira tese integra a discussão da relação dialógica entre texto e leitor. Um texto jamais se apresentará atemporal ou monológico, já que este texto se atualiza continuamente no instante de sua leitura. Ou seja, a historicidade da literatura não ocorre pela cronologia da obra literária e sim pelo diálogo dinâmico mediante a obra e seus leitores. Na segunda tese o autor trata acerca do "saber prévio". A obra literária refere-se ao já conhecido e não se apresenta como novidade cabal. Uma obra revela-se como um eco de outra, o que pode despertar expectativas de caráter emocional no leitor. Na terceira tese é referido o conceito de horizonte de expectativas, de caráter privilegiado entre os demais, este conceito define a recepção pelo público de maneira que as expectativas se dão de modo a serem satisfeitas, frustradas ou rompidas. À incompatibilidade do horizonte de expectativas entre leitor e obra Jauss (1994, p. 31) denomina de distância estética, conceito que tem como consequência a reação do público e do qual decorre o valor da obra literária. Na quarta tese Jauss (1994, p. 35) discute a respeito dos sentidos de um texto construídos historicamente, ou seja, esse tempo histórico do leitor reflete na construção dos sentidos do texto. Hermeneuticamente, um texto somente é compreendido quando se entende a pergunta à qual este representa uma resposta. Nesta perspectiva, a reconstrução do horizonte de expectativas de uma obra constitui caráter fundamental. Na quinta tese, a leitura de um texto literário é discutida pelo ponto de vista diacrônico, entendido também como a linha do tempo. Uma obra, disposta na série literária, não deve ser considerada somente em vista de sua recepção inicial. As leituras realizadas posteriormente alteram uma obra, colocando-a historicamente, num momento distinto daquele em que ela foi produzida. As obras literárias, na teoria da Estética da Recepção, constituem um conjunto amplo de possibilidades, já que é possível vislumbrar outros sentidos a cada leitura feita e isto autoriza um permanente reexame dos textos. Na sexta tese o autor alemão analisa a obra literária pelo viés sincrônico, isto é, o entendimento da leitura no momento de cada época. Neste sentido, segundo o autor, a historicidade da literatura se confere na confluência entre o aspecto sincrônico e diacrônico. 30 Daí que a importância da obra literária pode ser definida mediante as diferentes compreensões de leitura realizadas em momentos distintos, com a possibilidade de ser mais valorizada num momento que em outros. A sétima tese contempla os aspectos sincrônico e diacrônico e abrange a vivência do dia a dia do leitor que rompe com seu horizonte de expectativas, permitindo um juízo crítico em relação à leitura da obra em análise, bem como à de obras posteriores. Denominado de caráter emancipatório da obra literária, este é um conceito básico da última tese. Neste contexto é considerado o efeito social, ético e psicológico da obra, mais do que o efeito estético. 1.3 Categorias fundamentais da Estética da Recepção Nas próximas linhas desenha-se um quadro composto por um conjunto de oito categorias que figuram como conceitos essenciais na teoria da Estética da Recepção. Essas noções permitem a compreensão da teoria como um todo, mas auxiliam igualmente no estudo dos textos literários em particular para se observar o processo comunicativo que se estabelece historicamente entre o autor, a obra e o leitor. 1.3.1 Concretização Por seu caráter subjetivo, dialético e dialógico o texto literário traz estruturalmente pontos de indeterminação, ou seja, lacunas ou vazios a serem preenchidos pelo leitor no ato da leitura. Tudo isso provoca o processo de interação atinente ao fenômeno literário, deflagrando, em consequência, a constituição do sentido da obra literária. Wolfgang Iser - companheiro de Hans Robert Jauss e o segundo importante esteio da teoria recepcional - emprega o conceito de concretização como a atividade própria do leitor no trato com o texto quando aquele completaria os vazios constantes na obra mediante o exercício de sua experiência estética, resultado do diálogo com textos lidos e concretizados previamente. Nessa perspectiva, o leitor transforma-se em elemento fundamental para concretização do sentido e, simultaneamente, agente com compromisso pela recepção da obra, 31 somente compreendia na sua totalidade pela decorrência da comunicação. O conceito de concretização foi recuperado por Iser a partir de dois outros estudiosos do fenômeno literário, Felix Vodicka e Roman Ingarden, casando seus enfoques sem contrariá-los. De acordo com Regina Zilberman (1994, p. 14) Ingarden entende o leitor como o "responsável pelo preenchimento dos pontos de indeterminação próprios ao estrato dos objetos apresentados". No entanto, para a autora "essa circunstância não confere maior relevância ao destinatário, nem restringe a autonomia da obra" (ZILBERMAN, 2009, p. 14-15). Já para Vodicka, integrante do Círculo Linguístico de Praga, a concretização subordina-se ao código introjetado pelo leitor, caracterizando uma categoria semiótica sujeita a alterações, pois varia de acordo com as diferentes épocas, situações e classes. 1.3.2 Distância estética No interior da terceira tese, Jauss (1994) trata do texto que pode satisfazer o horizonte de expectativas do leitor, ao mesmo tempo em que é possível acarretar estranhamento e rompimento do horizonte de expectativas para mais ou para menos, movendo esse leitor para a percepção renovada da realidade. Jauss denomina essa distância entre as expectativas do leitor e sua concretização de "distância estética", responsável por definir “o caráter artístico de uma obra literária” (JAUSS, 1994, p. 31). Considerando que o horizonte de expectativas modifica ao longo do tempo uma obra que já surpreendeu pela novidade, pode, em momento posterior, perder os seus atrativos diante dos leitores. Diante disso, Jauss conclui que as obras, classificadas como grandes, são as que conseguem impelir o leitor de qualquer época permitindo novas descobertas na leitura, em diferentes momentos da história. Há um diálogo intenso entre o mundo da leitura e o horizonte de leitura projetado pelo leitor. E leitor algum se acerca inocentemente de uma obra, já que toda aproximação é realizada intencionalmente, pois satisfaz um desejo do espectador. O horizonte de expectativas do leitor, entretanto, pode ser saciado ou rompido por um determinado público. Ao se dar a satisfação à obra caracteriza-se, na expressão de Jauss (1994, p. 32), como "arte culinária" ou de pura diversão, ou seja, manifesta-se sem nenhuma exigência de mudança de horizonte. Atende meramente a expectativas que esboçam uma inclinação dominante do gosto, na medida em que atende à demanda pela reprodução do belo trivial corrobora 32 sentimentos íntimos, ratifica as fantasias do desejo, torna palpáveis as expectativas não comuns simplesmente, porém, para "solucioná-los" no espírito edificante como questões pensadas previamente. A partir daí, formula-se o princípio teórico seguinte: apenas a ruptura de expectativas pode indicar o valor estético de uma obra, isto é, o valor artístico da obra está na medida de sua negatividade em ralação às expectativas de seu leitor. Decorrente desta hipótese é possível construir-se o exame de impacto, pois este se dá na quebra de expectativas, fato que desenvolve o rompimento de barreiras e a intersecção de fronteiras. Em vista desse princípio, as obras importantes são aquelas que constantemente despertam nos leitores, de épocas diferentes, a formulação de outras perguntas que os conduzem para a emancipação no que diz respeito ao sistema de normas estéticas e sociais em vigor. Essa alternativa “caracteriza a nossa modernidade mais recente – inverter a relação entre pergunta e resposta e, através da arte, confrontar o leitor com uma realidade nova” (JAUSS, 1994, p. 56), fomentando a ampliação dos seus horizontes, ampliação proporcionada pela obra de arte que impede a sua compreensão por um horizonte de expectativa prefixado. Por fim, Jauss diz que se exclui o leitor da posição de público privilegiado para ser colocado na condição de um terceiro, de um primário que, frente a uma realidade de sentido estranho, precisa ele mesmo buscar as perguntas que lhe indicam para a qual visão de mundo e para qual dificuldade humana encontra-se voltada à questão da literatura. 1.3.3 Efeito Há dois modos distintos de recepção, de acordo com Jauss (1979). Em primeiro lugar vem o processo atual em que se concretizam o efeito e o significado do texto para o leitor contemporâneo e, em segundo lugar, a reconstrução do processo histórico em que o texto é recebido e interpretado que ocorre de modo diverso de leitor para leitor de diferentes épocas. Nesse sentido, a execução precisa observar o confronto entre o efeito atual da obra em relação ao desenvolvimento histórico da experiência e formar o critério estético, tendo como base as duas instâncias: efeito e recepção. É importante elucidar que dentro da teoria da Estética da Recepção há uma distinção de posicionamentos entre Jauss e Iser sobre o entendimento do efeito em relação ao leitor. Para Jauss é essencial recobrar o processo no qual concretizam-se, para o leitor, os efeitos e 33 significados do texto, enquanto que para Iser é importante estabelecer o tipo de interação mantida pelo leitor e a obra no decorrer da leitura. De acordo com Wolfgang Iser (1996) a obra literária é composta por dois polos: o estético, definido como a concretização realizada pelo leitor e o artístico, produzido pelo autor. O estético, que é o foco do efeito, é dinâmico, não paralisa, já que é sempre atualizado pela repercussão que o texto realiza no leitor e que se constitui por converter a antiga questão: “o que significa esse poema, esse drama, esse romance?” pela pergunta “o que sucede com o leitor quando, com sua leitura, ele dá vida aos textos ficcionais?” (ISER,1996, p. 50). A interpretação tende a mostrar-se objetivista; em consequência, seus atos de apreensão eliminam a multiplicidade de significações da obra de arte. Se afirmarmos, como sucede muitas vezes, que uma obra literária é boa ou má, então formamos um juízo de valor. Mas quando necessitamos fundar esses juízos, utilizamos critérios que, na verdade, não são de natureza valorativa, mas que descrevem características da obra em causa. Se compararmos essas com as e outras obras, não conseguimos ampliar os nossos critérios, pois as diferenças entre esses critérios já não representam o valor próprio (ISER, 1996, p. 58-59). Nessa perspectiva, a interpretação agrega uma função renovada, além de se prender ao sentido do texto propriamente dito, ela elucida seu potencial de gerar sentidos. No processo da leitura, o potencial e o sentido não são capazes de serem completamente esclarecidos, daí a necessidade da análise do sentido enquanto evento. Conforme Iser, o “leitor ideal”, ou perfeito é o que: representa uma impossibilidade estrutural da comunicação. Pois um leitor ideal deveria ter o mesmo código que o autor. Mas como o autor transcodifica normalmente os códigos dominantes nos seus textos, o leitor ideal deveria ter as mesmas intenções que se manifestam nesse processo (ISER,1996, p. 65). A atuação da leitura se dá em dois sentidos: um no avanço outro no recuo. O que Iser defende, no que tange a “efeitos e respostas”, no lugar das propriedades do texto e do leitor, é a ideia fundamental destes dois ingredientes, ou seja, o leitor implícito. De acordo com Antoine Compagnon: a noção principal decorrente dessas premissas é a de leitor implícito, calcada na de autor implícito,que fora introduzida pelo crítico americano Wayne Booth em The Rhetoric offiction [ARetórica da Ficção] (1961). Posicionando-se na época contra o New Criticism, na querela sobre a intenção do autor (evidentemente ligada à reflexão sobre o leitor), Booth defendia a tese segundo a qual um autor nunca se retirava totalmente de sua obra, mas deixava nela sempre um substituto que a controlava em sua ausência: o autor implícito (COMPAGNON, 2012, p.148). 34 O conceito de leitor implícito de Iser é uma estrutura de texto concebida pelo autor e alicerçada no ato da leitura. Iser foi criticado por Fish ao lastimar que a pluralidade de sentido descoberta no texto não fosse infinita e que a obra não estivesse suficientemente aberta, apenas entreaberta. Compagnon (2012) distingue Iser e Eco, considerando que para o autor italiano, diferente do alemão, toda a obra de arte está aberta para inúmeras possibilidades de leituras. Já Vincent Jouve (2002, p. 43-44) encontra coincidências entre a teoria a do "leitor implícito" de Iser e a do "leitor modelo" de Eco, uma vez que os dois tratam da mesma forma o leitor em relação ao ato de criação do texto, isto é, o leitor fazendo parte da estrutura do texto. A conclusão de Iser (1996) é de que o modelo de Riffaterre (1973) implica nas qualidades estilísticas que não são percebidas apenas pelo instrumentário linguístico, quer dizer, não é suficiente que se capte o "fato estilístico", é necessário que o leitor se atualize. Iser entende que a ideia de um leitor informado, criado por Fish, assemelha-se à do arquileitor de Riffaterre, uma vez que Fish (1970) deseja descrever o processo sem a atualização dos textos pelo leitor. Este modelo de leitor necessita, além das competências citadas, perceber suas reações no procedimento de atualização no sentido de serem controláveis. Sustenta-se a necessidade de tal auto-observação, primeiramente em vista da concepção de Fish, segundo a qual o leitor informado esteja ligado à gramática transformacional. Também não é possível que se apresentem conclusões desse modelo gramatical. Enfim, Iser insiste naquilo que ele chama de repertório, isto é, o conjunto de normas sociais, históricas, culturais trazidas pelo leitor como bagagem necessária à leitura. Mas também o texto apela para um repertório, põe em jogo um conjunto de normas. Para que a leitura se realize, um mínimo de interseção entre o repertório do leitor real e o repertório do texto, isto é, o leitor implícito, é indispensável. As convenções que constituem o
 repertório são reorganiza das pelo texto, que desfamiliariza, reforma os pressupostos do leitor sobre a realidade (COMPAGNON, 2012, p. 150). Conforme Iser (1996), o leitor implícito constitui uma estrutura textual por antecipar a presença do leitor real, uma vez que todo texto manifesta certos papéis para os leitores já previstos no instante de sua escrita. Esses papéis mostram dois aspectos centrais que, apesar da separação exigida pela análise, são muito ligados entre si: o papel de leitor se define como estrutura do texto e como estrutura do ato. Quanto à estrutura do texto, é de supor que cada texto literário representa uma perspectiva do mundo, criada por seu autor. O texto, enquanto tal, não apresenta um a mera cópia do mundo dado, mas constitui um mundo do material que lhe é dado (ISER,1996, p.73). 35 A complexidade da leitura do texto literário é enfatizada por Iser (1996) visto que este texto compõe-se pelos elementos: enredo, personagem, espaço e narrador. Sendo assim, não há liberdade para o ponto de vista do leitor, pois é construído no sentido interno do texto. Conclui-se daí, que a interpretação literária resulta do que é oferecido ao leitor que não tem escolha para interpretar um personagem supostamente trágico, se ele se revela cômico no texto, por exemplo. A teoria do efeito estético, na ótica de Iser, favorece o ato da recepção, especialmente o leitor e postula que a leitura resulta de uma interação dialógica a partir do texto e a experiência cultural do leitor. No entanto, Iser elucida que, mesmo que a obra literária se efetive pelo diálogo com o receptor, não se pode considerar que toda leitura seja válida, assim como não há a liberdade do leitor quando a interpretação encontra-se suposta pelo texto. 1.3.4 Emancipação O leitor é elemento fundamental, considera Jauss em suas hipóteses teóricas. Por esta lógica o leitor supera a obra e o autor que ocupavam lugar privilegiado em correntes literárias anteriores. Decorrente dessa ótica, o estudioso alemão se pauta nas diversas categorias como a do horizonte de expectativas, a emancipação, entre as demais, descritas no presente capítulo. Se a primeira alude a toda experiência social do leitor mediante um determinado código vigente, a emancipação seria, conforme Zilberman (2009, p. 49), como: a “finalidade e o efeito alcançado pela arte, que libera seu destinatário das percepções usuais e confere-lhe nova visão da realidade”. De acordo com Jauss, (IN LIMA, 2001, p. 44), a experiência estética apresenta-se emancipadora ao reunir três dinamismos essenciais, ainda que distintos e que se inter- relacionam: a poesis, a aisthesis e a katharsis. A poesis abarca o prazer do leitor quando se faz coautor da obra literária; aisthesis é o prazer estético que resulta de outra percepção de mundo que vem do conhecimento advindo da criação literária e a katharsis se define como o prazer oriundo da recepção e que provoca ao mesmo tempo a permissão e a transformação das crenças do receptor, incitando-o para novas formas de pensar e agir no universo. O processo emancipatório, denominado de: “fruição compreensiva e compreensão fruidora”, no conceito de Jauss e na interpretação de Zilberman (2009, p. 53): “só se pode gostar o que se entende e compreender o que se aprecia”. Em outras palavras, ter prazer na 36 arte autoriza a emancipação do leitor por meio da identificação que se dá com o tema ou personagem, mais a relação pessoal, intelectual e estética. Isso se faz no processo de recepção em vista da incompatibilidade das obras e o status quo. Em sentido etimológico, Verstehen tem o sentido de entender, compreender, um termo de farta carga histórica, pois opõe-se a erklären utilizada por Dilthey. Já geniessen tem o sentido de fruir ou ingerir simultaneamente. A tradução de verstehendes Geniessene e geniessendes Verstehen torna-se um trabalho difícil, porém os termos latinos "saber" e "sabor", ambos ligados a sapore, além de facilitarem a tarefa, contribuem de modo sinestésico para uma construção de sentidos que se completam. Nessa direção, as expressões alemãs e o conhecido excerto da epístola de Goethe que encerra um artigo de Jauss revelam-se apropriados: “Há três classes de leitores: o primeiro, que goza sem julgamento, o terceiro, que julga sem gozar, e o intermediário, julga gozando e goza julgando, é o que propriamente recria a obra de arte” (JAUSS apud LIMA, 2001, p. 82). A natureza emancipadora da arte facultou a defesa do prazer na teoria jaussiana em detrimento da crítica materialista e por outro lado livrou-o de ser alvo de elogio leviano do "vale tudo" de que algumas vertentes lhe atribuem imerecidamente. A dialética entre ruptura, criação e transmissão é entendida por Jauss como algo dinâmico. As frequentes mudanças de horizonte, além de não poderem isolar-se do campo da comunicação e do universo humano, compreendem novas interpretações e novas atribuições de valor para uma mesma obra, de modo que ela pode ser em algum momento experimentação e vanguarda, além de futuramente poder ser considerada costume e convenção. 1.3.5 Estrutura de apelo Wolfgang Iser, com base nas conclusões de R. Ingarden e a partir do conceito de concretização aventa a possibilidade de o texto apresentar uma estrutura de apelo, fazendo do leitor elemento essencial no processo estético comunicativo. Entende o autor que a estrutura de apelo [Appelstruktur der Texte] na ficção, representada na obra literária, revela-se de maneira esquematizada, por isso, inacabada e com lacunas ou pontos de indeterminação. Isso põe Iser em condições de atestar um dos mais importantes postulados da Estética da Recepção: "a obra literária é comunicativa desde a sua estrutura; logo, depende do leitor pra a constituição de sentido" (ZILBERMAN, 2009, p. 64). Este sentido não diz respeito a nenhum 37 conteúdo universal, imutável ou eterno, na condição de a sociedade e os tempos serem diferentes. Em outras palavras, o texto literário não se apresenta como um todo hermético, o seu sentido provém do exercício de concretização, realizado pelo leitor que, segundo F. Vodicka (VODICKA Apud ZILBERMAN, 2009, p. 65) está condicionado aos códigos que o leitor introduz na obra literária. As orientações advindas do texto, por sua vez, impõem-se ao leitor que não têm força bastante para modificar ou transformar a estrutura básica de uma obra. Segundo Iser (1996, p. 66), "a estrutura de apelo do texto" é constituída pelas lacunas ou indeterminações, já que são vazios que se apresentam para o domínio do leitor. Na medida em que os vazios comprometem a harmonia do texto transformam-se em motivação para a criação de representações para a concessão de sentido e, em vista disso, levam ao ato participativo do leitor. Nessa perspectiva, os vazios agem como estrutura autorreguladora; a suspensão dos vazios instiga a imaginação do leitor, ou seja, o que é desconhecido é ocupado pelas representações do leitor. 1.3.6 Experiência estética A relação entre literatura e vida implica num papel social no âmbito da criação literária e em função de seu feitio emancipador abre vias novas para o leitor no campo da experiência estética. E o que acarreta a experiência estética é a possibilidade de o leitor ser capaz, mediante a literatura, de perceber aspectos de sua experiência cotidiana de maneira diferente, visto que “a função social somente manifesta-se na plenitude de suas possibilidades quando a experiência literária do leitor adentra o horizonte de expectativas de sua vida prática” (JAUSS, 1994, p. 50). O prazer estético abrange apropriação e participação, pois ante a obra o leitor dá-se conta de sua experiência criativa de recepção e da vivência de outrem. Assim, a experiência estética explica-se no saber e sentir do espectador diante de “seu horizonte individual, moldado à luz da sociedade de seu tempo, mede-se com o horizonte da obra e que, desse encontro, lhe advém maior conhecimento do mundo e de si próprio” (AGUIAR, 1996, p. 29). Decorrente disso, a experiência estética abrange prazer e conhecimento; e mediante a interação texto-leitor, a criação literária age sobre um público manifestando modelos de comportamento e simultaneamente, emancipando-o. 38 Para Jauss (1994), o ato da leitura exige um processo gradativo e lento. É nessa perspectiva que o professor alemão explica ser a experiência estética uma reconstrução elaborada pelo leitor tendo como referência as ideias do autor o que está vinculado às experiências anteriores do leitor. Segundo o autor, a experiência primária de uma obra de arte dá-se em sintonia com o seu efeito estético, na compreensão fruidora e na fruição compreensiva. E com suas palavras: A experiência primária de uma obra de arte realiza-se na sintonia com (Einstellung
auf) seu
efeito estético, i.e., na compreensão fruidora e na fruição compreensiva. Uma interpretação que ignorasse esta experiência estética primeira seria própria da presunção do filólogo que cultivasse o
engano de supor que o texto fora feito n